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Você ainda vai me amar? Francielle Santana 1

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Você ainda vai me amar? Francielle Santana

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Você ainda vai me amar? Francielle Santana

Algo bem errado estava acontecendo. Sons de baladas, luzes piscando, mas quando abri meus olhos era só um quarto, havia alguém do meu lado em uma cama. Quando dei por mim percebi que algo havia acontecido, as parede se levantam como cortinas e muitas pessoas riam, e era de mim. Me encolhi embaixo da coberta, mas os sons pioravam, as risadas aumentavam e uma dor de cabeça alucinante me fazia sentir muito mal.

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Você ainda vai me amar? Francielle Santana

CAPITULO 01

"Decidi recomeçar a história. Entretanto, preferi substituir o ‘era uma vez’ pelo ‘é dessa vez’." (Lucas Aurélio)

De repente abri os olhos, e com a respiração ofegante percebi que era só um pesadelo. Fazia meses que não tinha noites tão agitadas. Esqueci um pouco isso e tentei me concentrei no sol que brilhava. Tomei um susto quando olhei as horas no celular. Já estava na hora de levantar, em poucos instantes precisaria estar na escola. Não queria pensar muito em como seria o dia. Fui direto ao banheiro. O reflexo no espelho era de uma Marina que usurpou meu lugar. A verdadeira Marina se perdeu na estrada, e eu fui ocupando seu lugar aos poucos. Notei como estava com a cara gorda, meu rosto ainda estava inchado pela noite de sono e meu cabelo parecia ter vida própria e apontava para todas as posições possíveis. Depois de um bom banho, onde a água parecia levar todas as lembranças, escolhi uma roupa leve, uma tipica calça jeans e uma bata com costas nadador. Me olhei no espelho mais uma vez, meu cabelo que um dia foi castanho claro, hoje esta mais escuro, quase preto, e agora molhado. Presa no espelho havia uma foto de 2 anos atrás. Definitivamente eu havia ficado mais bonita, mais mulher. Meu corpo já se encaixava perfeitamente nas minhas roupas. Apesar de tudo não sei se sinto tanta saudade daquela Marina presa a uma foto no espelho. Talvez sentisse, mas isso não quer dizer que gostaria de reviver tudo outra vez. Balancei a cabeça tentando esquecer tudo. Hoje o dia seria maravilhoso, disse a mim mesma com uma falsa esperança. Passei um delineador preto como de costume e desci as escadas. Gaby já havia acordado e estava no colo da minha mãe, Eva. Larguei minha mochila e fui pega-la, enchendo-a de beijinhos, dei um beijo estalado na mãe, minha eterna amiga.

- Bom dia, mãe.

Eva respondeu me olhando pensativa. Já entendi o que rondava aquela cabecinha preocupada.

- Eu estou bem mãe. O dia não vai ser tão fácil, mas é só o primeiro do ano. Tudo vai ficar bem, confia em mim.

Falei tentando acalmar ela, enquanto sentava para tomar café com Gaby no colo. O que era um desafio. Ela não ficava quieta. Minha mãe agora sorria. Aquele sorriso companheiro que só eu sabia o quanto valia.

***

Fui a escola de carro. Minha mãe havia me dado uma carona. Antes de sair ela ainda questionou se era realmente isso que eu queria. Segundo ela, eu poderia dar meia volta e ir pra qualquer canto do mundo.

- Mãe, por favor, eu preciso estudar. E quero que seja aqui. Estou com saudades de minhas amigas... Fica bem. - Dei um beijo nela e sai do carro. Dei tchauzinho pra minha princesa que estava no banco de trás entretida com uma boneca de pano que havia ganhado no aniversário. Esperei o carro sair e me virei pra ver a entrada do colégio com mais atenção. A placa continuava a mesma. Colégio Batista Renascimento. Aquele seria meu ultimo ano. E o nome nunca me pareceu tão sugestivo quanto agora. Respirei fundo, estufando o peito. Coragem, Marina. Busquei ao menos um rosto conhecido, mas havia chegado cedo demais, era preferível ver as pessoas chegarem do que me observarem chegando. Passei pela porta principal

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e tratei de ir logo identificar qual seria minha sala. Foi fácil, no mural principal havia a lista com os nomes e as respectivas salas. Me preparei para entrar e senti uma mão no meu ombro.

- Mari?

Me virei, mesmo não sendo necessário. Sorri ao ver a Kamila. Estava com um corte de cabelo diferente, uma mecha rosa se destacando no cabelo preto, mas com o mesmo estilo divertido que ela sempre teve. Resumindo, minha melhor amiga. Não pensamos duas vezes e nos abraçamos. Como senti falta dela. Enfim eu comecei a me sentir em casa novamente.

- Nossa Mari, como você esta... morena! Eu sabia que conhecia aquele carrão de algum lugar. Percebi você chegando, mas não acreditei. Precisei vim conferir. Senti tanto sua falta.

- Também senti saudade de você. - Assumi, me sentindo aliviada por Kamila continuar a mesma. 1 ano e meio fora pareceu uma eternidade.

Fomos para a sala, que graças a Deus era a mesma. Ela que era um ano escolar mais nova do que eu, hoje estava junto comigo. Tentei explicar que não me adaptei ao 1° ano do novo colégio, e por esse motivo acabei perdendo. Não era uma mentira. Eu realmente não consegui me adaptar a muita coisa de inicio. Naquele dia, não sei como, Mila falou sobre tudo que tinha acontecido nesse tempo que passei fora.

"Porém uma coisa eu faço: esqueço aquilo que fica para trás e avanço para o que está na minha frente."

Filipenses 3:13

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CAPITULO 02

"É engraçado esse mundo, em que estranhos viram melhores amigos e os melhores amigos viram estranhos."

A manhã passou rapidamente. Reconheci algumas caras antigas, e desconheci muita gente nova. Kamila me deixou a par de tudo que tinha acontecido durante os quase 2 anos que fiquei fora.

- A Jane finalmente assumiu que estava de olho naquele nerd. Não sei como ela teve coragem de largar a postura de patricinha para se tornar a senhora nerd, mas ela fez. As 3 meninas super poderosas (um trio de garotas insuportáveis, segundo ela) desandou, souberam que aquela mais quietinha estava armando pra separar a "chefona" do namorado.

E assim foi, durante toda a manhã. À tarde, Kamila se auto-convidou pra ir almoçar na minha casa. Me senti despreparada para aquilo. Recusei o convite sem jeito. Resolvi fazer o oposto. Afinal, minha casa ainda não estava pronta para receber visitas. Antes passei em casa. Minha mãe estava se arrumando.

-Mãe, a senhora vai sair?!

-Sim, não te parece lógico? - Perguntou Eva tentando ser cômica.

- Eu havia combinado de ir almoçar na casa da Kamila. Ela ainda esta estudando no "Batista" (graças a Deus, pensou consigo).

Depois de um tempo decidi levar a Gaby, não tinha outra coisa pra fazer.

-Tudo bem, era para eu ter avisado a senhora antes.

Dei um beijo na mãe e subi. Enquanto tomava banho pensei em como seria aquela tarde. Escolhi um vestido folgado, que marcava apenas a cintura, coloquei uma jaqueta pra tentar esconder o decote, que seria normal em outra menina, não nela. Desci e vi que minha mãe já tinha arrumado as coisas de Gaby. Ela parecia uma princesinha. Tinha cerca de 1 aninho e já conseguia ser linda. Bochechas salientes e cabelos de uma cor quase dourada, cheio de cachinhos ainda ralos. Garota de sorriso fácil. Minha mãe nos observava, e agradecia a Deus por nos amarmos tanto.

-Você vai agora? Posso te deixar na casa de sua amiga.

- Ótimo!

Achei a ideia perfeita. Talvez com o carro chegando a Kamila maneirasse no ataque de nervos ao ver que levei a Gaby. Eu não sabia exatamente qual seria a reação da amiga. Prevenir sempre foi melhor do que remediar. Se eu soubesse disso antes minha vida teria tomado um rumo diferente.

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Enfim chegamos à rua onde Kamila morava. Tentei me situar. 2 anos não eram 2 dias. Aos poucos as lembranças retornavam, uma praça onde trocávamos segredos. A casa do menino estranho do ginásio, e finalmente uma camisa com estampa de uma banda de rock na janela do quarto superior.

- Achei a casa mãe, é aquela antes da próxima entrada a direita.

Eva chegou do seu jeito pouco discreto buzinando. Kamila viu o carro pela janela do quarto, desceu as escadas correndo e quando abriu a porta se deparou com um pequeno ser no meu colo. Sua reação foi indecifrável.

- Bem... É... Ta tudo bem?!

Antes que ela pudesse pensar algo concreto, eu precisei explicar.

- Desculpa, ou eu trazia ou você teria que ir la em casa. Não podia deixar a Gaby sozinha, minha mãe precisou sair.

Percebi que no final de tudo deu no mesmo.

Kamila e Gaby ficaram se olhando durante alguns segundos. Achei aquilo muito cômico.

- É, ela não parece que vai melar todo meu quarto de baba, não.

- Hei, ela é uma criança, e não um cachorro. - Contestei.

*** ***

A semana estava passando rápido. Por enquanto nenhum confronto, conheci quase todos da sala e muitos outros do resto da escola, graças a Kamila, claro. Algumas pessoas achavam que me conheciam de algum lugar. Meu cabelo era curto quando estudava aqui, e vivia alisado. Nossa, muito sem graça. Com isso eu sabia que estava diferente o suficiente para confundir a cabeça de alguns conhecidos. Menos de uma pessoa. Era uma quinta-feira, e simplesmente não havia encontrado o Sérgio em nenhum canto, talvez ele tivesse viajado também.

- Mariii

Kamila falou puxando o fone do meu ouvido. Estávamos sentadas em um banco que ficava na quadra de esportes do colégio.

- Fale Mila, que foi?!

- Você não acha que já esta na hora de me contar o que aconteceu? Você simplesmente se mudou sem dar uma explicação muito certa, sabe?! Você disse que era porque de alguma oportunidade de trabalho pra sua mãe, mas daí pra frente a gente mal trocou e-mail, mal se falou. Eu te deixo ir com um pai e uma mãe, e

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você volta sem um pai e com uma irmã. Você e o Sérgio estavam tão bem… Eu só queria entender o que aconteceu com aquela minha amiga loirinha linda.

Absorvi atentamente cada palavra da Kamila, sem nem sempre olhar nos olhos dela. Como poderia ter sido tão egoísta? Havia laços fora do meu mundinho que precisavam de uma explicação. Deveria ter mantido contato com ela. Afinal, ela nunca teve culpa de nada. Nem tudo resiste ao tempo, agradeci por aquela amizade ter resistido.

Depois de um longo suspiro, contei o que houve entre pausas, lagrimas e uma tristeza passada. Tentei explicar a Kamila que queria me desligar de tudo que lembrava aquele lugar, e isso de uma forma egoísta incluía minha melhor amiga. Kamila ouviu tudo atentamente. Ela ficou séria de um jeito que era raro de ver. Passamos alguns segundos em silencio, era a vez dela de falar.

- Eu realmente não suspeitava de nem um terço de tudo isso… Assumo que me irritei muito com você. Caracas, sumir do mundo e não explicar nada. Até que li seu e-mail, dizendo que no tempo certo eu saberia e entenderia. Eu te respeitei e confiei em você. Eu continuo te amando como sempre amiga. - Ela me abraçou e deu um beijo bom no meu rosto. - Mas e agora? O Sérgio pode aparecer a qualquer momento. Ele não viajou, não se mudou e muito menos foi teletransportado, infelizmente. Eu odeio aquele cara.

Kamila deu aquela piscadela companheira. Ri, com o rosto já seco das lagrimas que haviam rolado. Eu sabia que precisava pensar nisso, mas não queria. Poxa, eu já superei tudo aquilo, e havia de levar a vida daquele jeito, por que não?

Mila mudou de assunto, já havíamos ficado no passado por muito tempo. Até que apareceu umas amigas dela, aproveitei pra ir no banheiro, minha pouca maquiagem já deveria estar um horror. Fato. O delineador tinha borrado um pouco. Ajeitei. “Ah esta bom. Não vou encontrar príncipe nenhum mesmo. Não aqui nessa escola.”

Saí do banheiro e ouvi um resmungo abafado. A porta tinha acertado em cheio o nariz de um garoto. Não acredito, já tinha até esquecido dessa minha mania de estrago. Ele estava com as mãos escondendo o nariz e tentando acenar dizendo que estava tudo bem.

- Você tem certeza? Me desculpe. Vamos na enfermaria.

Fiquei tão desconcertada que não pensei duas vezes, puxei uma das mãos dele e levei até a enfermaria. Fiquei no lado de fora esperando ele. O atendimento foi rápido, ele saiu e me surpreendeu, não tinha nenhum curativo no nariz. Ele não havia quebrado nada, só estava com os olhos bem vermelhos.

- Mas eu pensei que…

- Não precisou.

- Mas esta tudo…

- Bem? Sim, sim. Fique tranquila.

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Alguns segundos em silencio, pensei em como tudo começou e comecei a rir.

- O que houve? - Perguntou ele, intrigado

- Ai, desculpa, mas relembrando até que foi bem engraçado. Deve ter doído não é?!

Demos risadas juntos e nos apresentamos. O nome dele era André. Fomos interrompidos pelo sinal, a próxima aula ia começar. Cada um foi para seu lado.

Afinal o que levava um garoto a ficar atrás do banheiro mais movimentado do colégio?!

E o que levava uma garota abrir uma porta com tanta força?

Quando cheguei na sala a Kamila havia guardado meu lugar na cadeira ao lado. Ela não entendeu nada quando me viu rindo. Até perguntou, mais quando ia ter uma explicação o professor entrou na sala. Respirei, nossa, fazia tempo que não ria assim, por uma grande bobagem. A aula era de historia e naquele momento estavam discutindo o que cada um achava da matéria e todo aquele bla bla bla de inicio de ano. O professor então começou a contar uma historia dramática, e como um efeito especial a porta se abriu, a classe toda em silencio enquanto o André, o garoto do nariz vermelho chegava.

"Em todo tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão."

Provérbios 17:17

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CAPITULO 03

Só naquele instante percebemos um ao outro. Ele era um pouco mais alto do que eu. Ombros largos. Será que ele faz natação? Ele era simpático. Cabelos pretos. Passava longe de ser o garoto mais bonito e desejado da escola. Sobre o caráter dele? Não dava pra dizer muita coisa no 1° dia. Principalmente quando o primeiro encontro era naquelas circunstancias. E não era correto eu nem estar assim, analisando ele. Não quero relacionamento agora.

André

Cheguei atrasado. E justamente na aula do professor Oscar. Comecei o ano muito bom, ele já não ia com minha cara faz tempo. E a garota de mais cedo bem ali, cabelos castanho escuro. E conhece a Kamila. Acho que isso é bom. Kamila tem o dom de conhecer todos os novatos. E o Oscar ainda esta me olhando, é melhor eu sentar.

Alguns minutos depois, quando a aula terminou, Kamila me puxou pelo braço e foi na direção do André.

- André, essa é a...

- Marina. Não precisa fazer essa cara Kamila, já nos conhecemos.

André me encarava de uma forma curiosa, tentei disfarçar e me despedi dele.

***

A semana estava extremamente chata. Kamila decidiu viajar, quem faz isso em pleno inicio de ano levito? As aulas não tinham nada de interessante sem ela por perto, fosse pra falar de uma roupa estranha, uma palavra errada, ou sobre os casos extra conjugais dos professores. Tédio, tédio. O sinal tocou, e eu não entendi nada das ultimas palavras da professora. Atividade, revisão...

- Marina, posso falar com você?!

- Já esta falando né André?! Ai desculpa, é porque as vezes você me faz cada pergunta.

Já tínhamos nos tornado conhecidos. Tinha um pouco mais de liberdade pra falar assim com ele.

- Ta bom… Vou direto ao assunto, vai fazer o que nesse próximo sábado? Como a Kamila viajou, imaginei que estivesse sem programa.

“Ai meu Pai. Um encontro?”

- Não tenho compromisso não, tem o que pra fazer?

- É segredo. Passo na sua casa às 18:00.

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- Eu não disse que aceitaria sair com você...

- Também não disse que não, então ou você fica em casa ou você vai comigo. Agora preciso ir.

Ele saiu e me deixou naquele vácuo insuportável. Decidi não ir. Que ousadia a dele.

***

Que saco! Ele não me disse o que era, não sei com que roupa eu vou.

-Filha? - Eva estava olhando por uma brecha na porta. - Precisa de ajuda?

-Ah mãe, é o André. Ele me chamou pra sair mais não me disse pra onde. Não sei com que roupa eu vou. Eu não quero ficar em casa. Nunca senti tanta falta da louca da Kamila.

Sentei na cama, chateada. Minha mãe foi no meu guarda-roupa, e sem demorar pegou uma calça jeans e uma bata que já estava jogada na cama. Tirou uma jaqueta do cabideiro e colocou tudo no meu colo.

-Pronto. Você esta quase pronta. E não reclame, só falta uma coisinha. Vou ali no quarto e volto.

Olhei para o look que a minha mãe tinha acabado de criar. De fato, não era algo exagerado e nada tão simples. Vesti a roupa e me olhei no espelho.

- Pronto, você esta linda. Agora venha aqui.

Eva tinha pego um cachecol e envolveu o pescoço da filha. - Agora esta perfeito.

Por que mãe tem esse dom de nos mostrar o que já estava tão nítido? Sempre faz a gente parecer um pouco idiota por não ter visto antes.

- Mãe, muito obrigada, o que seria de mim sem a senhora?!

- Nada filha. Você não seria nada sem mim. - Ela disse com toda aquela tipica humildade. - Agora é melhor você descer, o André já esta la em baixo.

*** ***

Não lembrava daquela rua. Mas também, né?! Era no centro da cidade. Ouvi um som alto, parecia um show. Será que André tinha bom gosto?

Ele parou o carro, desceu e abriu a porta para mim. Ponto pra ele. Fui recebida por pessoas na porta que entregavam panfletos, dentre inúmeros avisos, eu li o nome Igreja… Olhei para André.

- Calma, você não vai se arrepender.

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Entrei sem ter muita certeza disso.

Três horas depois, já no carro ela decidiu falar.

- Tudo bem, não foi tão chato quanto eu julgava ser. Gostei do cara que estava falando, ele é muito divertido.

- O cara? Ah, o pastor Samuel. Sim, ele é muito legal. E sobre o tema, o que achou?

Voltei a ministração. Lembrei que ele falou sobre fazer a diferença e sobre.. relacionamentos. Segundo ele, os jovens tinham que esperar até o casamento para ter relações. Sinceramente não sabia que ainda existia isso. Era bonito sim, mas eu não podia me encaixar naquele perfil.

- Mari?!

- Oi… sim, foi legal.

Aquele olhar de quando eles se conheceram apareceu de novo. Acho que deixei transparecer demais.

- Desculpe André.. Eu viajei né?! Me diz sobre você. Faz tempo que é dessa igreja? Eu gostei sim do tema, mas não imaginei que houvesse aquilo sobre esperar até o casamento, sabe? Nem sabia que existia casamento ainda.

André riu.

- Que horror, Mari. Cresci na Igreja, praticamente. E sim existe isso tudo. E eu sou prova viva que isso existe. Afinal é o que procuro e espero.

*** ***

André olhava em seus olhos, as mãos estavam entrelaçadas. Com a mão que estava vaga eu segurei os pequenos dedos da Gabrielle. E enquanto aquela mãozinha segurava-a com sua pequena força, a mão macia de André ia escorregando da minha. Senti meu coração apertar, é claro que ela escolheria Gaby, mesmo que isso doesse. André foi sumindo aos poucos. Eu sentia frio, era Kamila puxando meu cobertor.

- Vamos garota. Se prepara que o dia vai ser cheio.

Era só um sonho, pensei. Mas a chata da Kamila era bem real. Me virei e coloquei o travesseiro sobre a cabeça.

- Hoje é sábado, Kamila. Me deixa em paz. Porque minha mãe deixou você subir, hein?

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Kamila abriu as cortinas e a claridade me fez desistir de dormir. Arremessei o travesseiro, mas Kamila se desviou.

- Querida Marina de Albuquerque Menezes - esse não era meu nome verdadeiro - . Hoje você esta ficando oficialmente um ano mais velha. Como sua mãe foi inventar de parir no começo do ano, você ainda não tem muitos best friends. Por isso só o André esta la embaixo te esperando pra tomar café. Será que só eu acho esse garoto chato?!

Tentei absorver tudo aquilo. Ponto 1: Estou fazendo aniversário hoje. Ok?! Ficar velha não é a pior coisa do mundo. Ponto 2: o André esta la embaixo, e eu estou aqui descabelada e … preocupada com o que ele vai achar? Ouxe, porque estaria?! Ele é só um carinha simpático e chato.

Levantei, e pra (me) provar que não me preocupava com nada daquilo, tomei uma ducha e fiz um rabo de cavalo. Vesti uma blusa de time comprida. E desci as escadas descalça. Kamila não protestou, era a receita ideal para o André não dar em cima de mim.

“Parabéns pra você…” Fui recebida pelo coro composto pela minha mãe, pelo André, e pela Kamila. Gaby tentava balbuciar algumas palavras e batia as mãozinhas. Olhei para a mesa redonda. Havia um pequeno bolo com a palavra “Felicidade”. Será mesmo que ela seria feliz por completo? Me lembrei de uma musica que havia tocado em algum lugar “Por um momento assim não há grande risco para mim. Não tenho andado vazio a chorar, mas não caminho sobre as aguas.” (Fernanda Brum - Por um momento assim)

Mas algo parecia mudar aos poucos. Estava me sentindo bem. Com medo as vezes, mas estava sorrindo escancaradamente enquanto o tradicional parabéns era cantado. Soprei a vela única que estava sobre o bolo e foi aquela festa que já conhecemos. Tomamos café da manhã ao som das musicas que a Kamila tinha levado num pendrive. Nada ambientes, diga-se de passagem. Depois disso fomos na minha livraria preferida. Me senti no céu. A livraria estava com muito mais livros, claro, não é? Alguns eu não resisti e comprei. André me deu mais dois e a Kamila se recusou me dar livros. “Mas tarde a gente vai comprar umas t-shirts bacanas.” Dizia ela.

Estava olhando algumas vitrines, quando André precisou atender um telefonema, foi o momento propicio para Kamila entrar numa loja de roupas. Quando ele voltou já tínhamos rodado a loja toda. O que pra ele era uma espera a menos.

- Demorou hein?! Muito obrigada, de verdade.

- Só fui atender um telefonema, Kamila. Mas pelo jeito vocês se viraram muito bem sem mim.

- Pelo seu sorriso foi uma garota. Ainda bem, minha Marina merece coisa melhor.

- Kamilaa. - Falei enquanto dava um beliscão nela, menina gaiata.

- Foi um amigo, ele estudou comigo no ano passado,ele está voltando de viagem. Você vai gostar dele Marina. Mais um presente de aniversário.

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Almoçamos no Shopping mesmo. André nos levou em casa, só para dar tempo de nos arrumar pra noite. O plano era ir no aeroporto buscar o amigo do André, e depois irem no cinema.

***

A buzina era do carro do André. Pelo menos já estava pronta, passei um gloss e pronto, estava linda. Desci as escadas, dei um beijo na mãe e na Gaby.

- Nossa filha, você esta linda. Pra quem é isso tudo?

- Pra mim mãe. Hoje é o MEU dia.

Me senti radiante. Escolhi um vestido longo que sempre rendia bons elogios. Cacheei um pouco o cabelo, e deixei solto. Como eram grandes chegava quase na cintura. Fora isso escolhi uma bolsa simples, só pra guardar o que uma mulher necessita - de verdade -. Praticidade, eu amava aquilo. Fiquei esperando o André falar alguma coisa.

- É… você esta linda.

- Obrigada André, você poderia disfarçar mais, só acho.

Entrei no carro satisfeita. Passamos na casa da Kamila e fomos até o aeroporto.

- André, vamos ficar aqui e esperar.

- Tudo bem meninas. Ele já deve estar aqui.

Ele saiu e ficamos conversando. Kamila me contou tudo que tinha acontecido na viagem, todos os meninos que deram em cima dela e os que não deram também - coisa que ela achava um absurdo. Ri de tudo aquilo. A confiança de Kamila era impressionante.

- Você esta interessada nele não é?!

Fui pega de surpresa.

- Não Kamila. Ele é só um bom amigo, e outra ele não serve pra mim, você sabe. Ele tem princípios que você nem imagina…

Estava falando até que André chegou com o “amigo”.

- Que foi Mari?! Você esta pálida.

- Bom meninas, aqui esta O cara. (Kamila virou pra trás e entendeu tudo) - o Sérgio. 

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CAPITULO 04

- Bom Sérgio, essa é a Marina.

- Prazer, Sérgio.

Senti meu mundo desabar. Eu sabia que havia probabilidade de encontra-lo. Mas tudo foi sendo processado de uma forma muito rápida. “Ele voltou. Ele é amigo do André. Bons amigos.”

Senti minha visão ficar embaçada. Kamila segurou minhas mãos me fazendo lembrar de permanecer acordada.

- Olá Sérgio. André, eu preciso ir ao banheiro.

- Você esta bem?

-Claro - Kamila interferiu -. É coisa de menina, não interfira.

Kamila tentava acompanhar os meus passos rápidos. As vezes eles pareciam comigo, firme e vacilante ao mesmo tempo. Me afastei até uma área mais vazia dentro do aeroporto e sentei, as lagrimas já caiam automaticamente. Não sei o exato momento que isso começou a acontecer.

-Mari…

- Kamila, me deixa só agora. Por favor. Eu vou ficar bem. - Disse sem ter tanta certeza.

- Tudo bem, mas estou logo ali te esperando ta bom?!

*** ***

Do outro lado, André começou a ficar impaciente, nem os relatos das ferias do Sérgio fez ele parar de pensar em nós duas.

- Sérgio, eu preciso ir ali. Se eu não buscar as meninas é possível que a gente perca esse filme.

Mas antes que André pudesse se afastar, nós chegamos.

Entrei no carro sem falar uma palavra. Eles vieram logo atrás. Tentei convencer o André a me deixar em casa antes do cinema.

- Mas é o seu dia, olha pra você… Esta linda.

- André… Eu não estou me sentindo bem. Estou com dor de cabeça.

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Ele me olhou e concordou sem muita vontade, acho que minha cara não era das melhores. Consegui estragar a noite dele. Kamila tentou entrar comigo, mas preferi ficar sozinha.

Entrei em casa e avistei logo a pequena Gaby que estava em seu andador, com sono, mas ainda brincava e tentava forçar suas perninhas na minha direção. Não resisti, peguei-a no colo e voltei pra varanda. “Gaby, o que eu faço agora? - Sussurrei entre lagrimas - Como eu vou dizer ao André?! Será que preciso dizer?! Minha pequena, eu posso desistir dele, mesmo doendo em mim. Ele espera pureza de uma mulher, e nessa casa a única pura é você - sorri com um misto de indiferença e tristeza -. Eu não posso dar o que ele quer, eu não posso mais ama-lo.” As lagrimas continuavam a rolar. Minha mãe chegou sem fazer barulho e abraçou nós duas.

- O que houve filha?

- Ai mãe…

Não conseguia falar. Ela tentava me acalmar.

- Vamos entrar. Aqui fora esta frio e a nossa princesa já esta quase dormindo.

Nem havia percebido quanto tempo se passou. Entramos e Eva colocou a Gaby no seu berço. Estava na sala quando ela retornou.

- Agora com calma me fale o que aconteceu.

- Calma? Mãe, eu gosto do André.

- Como se eu não tivesse visto... E fico muito feliz, você pode ser feliz de novo, filha. Isso não é bom?

Numa explosão de indignação me levantei.

- Mãe… o André espera uma garota virgem. Como vou dizer que sou a mãe da Gabrielle?! Como vou dizer que a 2 anos atrás eu tive uma filha com seu - agora - melhor amigo? Ele nunca vai me amar! Eu to cansada de tentar ser feliz, eu quero ir embora daqui.

Eva se levantou e me abraçou. Um choro compulsivo, como se tudo que estava preso fosse enfim liberto. Aos poucos fui perdendo as forças e me deitei no seu colo. Eva compreendia minha dor. Ela passou por algo similar quando precisou contar ao seu agora ex marido sobre a minha gravidez. O resultado foi que ele não continuou amando-a. Se amava, tudo tinha se tornado ódio e rancor. Ele quis me expulsar de casa. Claro que dona Eva não permitiu que isso acontecesse. Ela explicou que estava sendo submissa ao marido, porque era um mandamento de Deus. No entanto não aborrecer os filhos também era, e ele não cumpria. Ela se lembra do dia que afirmou categoricamente: - “Nós casamos, mas essa casa era dos meus pais. Minha filha é minha herança. Se Deus pôde me perdoar por eu ter casado com você, eu com certeza perdoou minha filha por ter se enganado e por agora esperar um bebê. Se você não é capaz de suportar o fato de ser inferior a Deus, e perdoar, eu lamento. E outra, eu não vou pedir o divorcio. Apesar de ter te amado, eu com certeza amo mais ainda as leis de Deus.”

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Eva não era religiosa. Ela buscava obedecer o que Deus queria. O oposto do seu marido, que só buscava o próprio interesse. Ele acabou saindo de casa e abandonando nós duas. Eva sabia que tinha tudo que precisava.

Eva me cobriu. Sua filha de 18 anos que tinha uma vida inteira pela frente. Mas cujo presente não estava sendo dos melhores.

*** ***

A minha sorte? Era domingo.

Acordei com um pouco de dor de cabeça. Abri os olhos e notei que estava na sala. Tentei me lembrar da noite anterior, mas preferi prestar atenção no cheiro maravilhoso que estava vindo da cozinha.

- Mãe?! Que horas são?!

- Vai dar meio dia, filha. Você estava tão linda que não consegui te acordar. Tem suco na geladeira. Merenda alguma coisa, ainda estou preparando o almoço.

Me levantei e dobrei a colcha de patchwork que minha mãe fez a alguns anos atrás.Voltei no tempo, e lembrei de uma noite fria. Eu estava na mesma varandinha onde chorei na noite anterior. Preocupada com algumas coisas bobas, ri enquanto pensava nisso. Me perguntava se o amor do Sérgio era real, havíamos discutido, coisa boba, mas pra mim naquele tempo era o fim do mundo. E parecia que ele tinha um sensor, um bip, qualquer coisa que o avisava quando ela estava precisando dele. Ele apareceu, não me levantei, mesmo querendo abraça-lo. Ele sentou do meu lado sem dizer nenhuma palavra, até que decidiu se levantar e entrar, quando voltou estava com aquela coberta nas mãos. Me cobriu e abraçou.

- Esta chateada comigo?

- Não tanto quanto antes.

Ficamos abraçados e eu não entendia como pude amar tanto alguem como ele.

Voltei ao presente, e decidi naquela manhã ser quem era antes de voltar para a cidade natal. Iria conviver sem o Sérgio e sem o André. Prometi a mim mesma que conseguiria dar a volta por cima.

As duas semanas que seguiram foram difíceis para todos nós. Eu mal falava com André, e ele provavelmente não entendia absolutamente nada. Kamila observava Sérgio que fingia não saber de nada. Como se não houvesse um passado entre eles. Para ele, eu havia superado tudo. Eu? Me sentia completamente diferente, ou melhor, indiferente.

*** ***

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Já passava da hora de ir pra casa, eu estava ansiosa. Odiava esperar. Poderia ter pego carona com Mila, mas fui confiar na mãe. Ela não se atrasava, nunca fez isso. Ela poderia ter pego um taxi também, ou um ônibus, mas fiquei tanto tempo pensando que não vi o próprio tempo passar. Senti meu celular vibrar, interrompendo a musica que estava ouvindo.

“Filha, desculpe, aconteceu um imprevisto. Vai ficar tudo bem. Da um jeito de ir logo pra casa, tá bom?! Mamãe te ama.”

“Droga!” Alguma coisa aconteceu, era notável. Minha mãe normalmente ligaria, ela provavelmente estava em um lugar onde não poderia falar. Meus pensamentos começavam a se embaralhar, minha mente trabalhava como um trem a todo vapor. “Gaby não. Gaby não”. Era a única coisa que conseguia sussurrar. Decidi atravessar a rua e ir até o ponto de ônibus ou taxi mais perto. O que chegasse primeiro eu pegaria. Um freio repentino me fez lembrar que deveria ter prestado atenção. Morta não valeria de nada. Fechei os olhos. "Vou morrer, vou morrer." Ao abrir os olhos vi André na minha frente com as mãos no seu ombro, ambos mais vivos do que nunca. Não queria precisar de André.

- Garota, tenha mais cuidado. Você esta bem?! Me desculpe…

Ele parecia atordoado, pegava no meu rosto a procura de algum machucado, mas o carro nem havia tocado em mim.

- André, calma. Eu desculpo sim, até porque eu não prestei atenção na hora de atravessar. Mas preciso que você me leve a um lugar urgente. E outra você não vai querer ser linchado pelos motoristas.

Ele olhou pra fila que estava se formando atrás dele.

- É verdade, vamos.

***

- Mãe? Mãe, o que aconteceu?!

Já tinha visto ela desde a entrada. Eva foi pega de surpresa. Olhou para o André que havia ficado a uma certa distancia, com um ar de interrogação. Ele só fez aquela cara de que também não estava entendendo nada.

- Filha, não foi nada de grave. Como você sabia que eu estava aqui?

- Mãe, o único lugar que a impediria de falar comigo era em um hospital. E esse é o único mais perto de casa. Me diz, o que houve com a Gabrielle?

- Mari, ela só teve uma febre, nada demais. Coisa de criança, filha.

- Aonde ela esta?

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Eva me levou até o quarto onde a Gaby estava. O hospital não era o pior lugar do mundo. Não aquele. A não ser pelo fato de que sempre te faz lembrar que há alguem doente por perto. O corredor aos poucos saia do tom azul claro para dar lugar a cores mais vivas. Desenhos ilustrando as paredes. Percebi que estava chegando na ala pediátrica. Entrei em um das salas e vi a pequena Gabrielle dormindo. Cheguei mais perto tirando uma mecha imaginaria dos olhos da pequena. Não tinha aparelho nenhum ligado a ela. Isso me tranquilizava.

- Eu te disse. Não era nada demais. Talvez ela não tenha se adaptado ainda a mudança de ambiente, de clima.

Abracei ela.

- Desculpa duvidar da senhora, é que…

- Eu entendo filha, te entendo muito bem.

Eva acariciava meu cabelo, quando percebi que André estava encostado na porta.

- André! Me perdoe, eu me esqueci completamente de você.

- Eu acho que entendi. Não se preocupe, a moça da recepção viu que eu vim com você e me deixou entrar rapidinho. Só vim pra dizer que já vou.

Fomos andando até o carro em silencio.

- Obrigada.

- Não tem de que, qualquer coisa me liga.

Ele me abraçou e beijou minha testa. Entrou no carro e foi em direção a sua casa. Será que ele percebeu tudo?Suspirei e voltei ao quarto onde a Gabrielle já havia acordado, e brincava com a vó.

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CAPITULO 05

Algumas semanas já haviam se passado, como Eva havia dito, foi só questão de adaptação a mudança climática. Gabrielle já estava ótima. Brincava como se nada tivesse acontecido. Era uma quinta feira a noite e eu estava na sala, me divertindo com as gargalhadas tão expontaneas da filha. O celular sobre a bancada da cozinha tocou, olhei quem era e deixei chamar. Quando finalmente desistiram, o fixo começou a tocar. Olhei na direção da cozinha e vi minha mãe com aquele olhar de mãe coruja pidona.

- O que foi mãe? - Falei enquanto carregava a filha no colo, sentia falta dessa liberdade la fora. Queria assumir que era mãe da menina mais linda do mundo. Queria poder pega-la no colo e passear anunciando: “Ela é minha filha. Minha garotinha linda.” Voltei a realidade que era bem pior. - Não atenda, eu sei quem é.

- Tudo bem, sabe filha… estava pensando.

- Hum, não gosto quando a senhora pensa muito, sempre sobro. - Sorri.

- Ah filha, é para o seu bem.

Nos olhamos e para falar a verdade já estava começando a ficar impaciente

- Mari, é o André. Ele liga e você da desculpas, raramente atende. A ultima vez que o vi foi no hospital. Você já parou pra pensar que ele interrompeu o que estava fazendo para te levar la? E ele nem sequer sabe que ela é sua filha. Já parou pra pensar que ele não tem culpa de absolutamente nada? E que é injusto parar de se relacionar com ele por que você não sabe lidar com uma situação. Não adianta você dizer que não vai mais se apaixonar porque no final é pior, você guarda e simplesmente implode com os sentimentos. André gosta de você, e quando você contar a verdade ele não pode ter raiva por você ter se enganado. Você também não é culpada por isso. Sabe filha, quando nos perdoamos, temos uma facilidade maior para perdoar os outros. A pior culpa que existe é aquela da qual não queremos nos livrar.

Pensei sobre o que a mãe dissera. Não queria assumir, mas a mãe estava certa. André havia sido gentil e companheiro até aquele momento. Sentia falta dele. Uma falta estranha, já que nos víamos mais no colégio. Eu havia passado toda a semana me perguntando se André descobrisse a sua filha. Já havia o perdido em grande parte, era o que sentia. Mas grande parte foi minha culpa, já que não sabia como suportar estar perto de André e de Sérgio ao mesmo tempo. O momento onde André descobrisse poderia acabar com a amizade dele com o Sérgio e qualquer chance com ela. Destruiria a felicidade dele, pelo menos a parte no que se dizia ser amigo de Sérgio. Era uma atitude muito arriscada a tomar. A mãe beijou minha testa e voltou para os seus afazeres.

***

Fim de semana. Kamila tinha marcado de ir na minha casa. Já era 19:00 horas ela ainda não havia chegado. Minha mãe decidiu sair e deixou Gabrielle em casa. Estávamos na sala, assistindo a um canal de

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desenho, quando alguem bateu à porta. Me levantei com Gabriele no colo e nenhuma outra pessoa poderia ter me surpreendido mais e de forma tão boa. Mas ainda estava entre a surpresa e a tensão.

- Oi Mari. Posso entrar?

- Claro André.

Ele entrou se sentou em um dos sofás.

- Sei que você esta surpresa, mas eu não tenho culpa sozinho. Preciso falar que sua mãe resolveu sair - isso explicava muita coisa dela ter deixado Gabrielle em casa - , a Kamila marcou com você justamente pra você não sair de casa, e eu estou aqui.

- É, notável - Eu com certeza mataria as duas- .

Deixei Gabrielle brincando e chamei André pra cozinha, de onde poderia ver cada passo da filha.

- Confesso que estou surpresa - muito mais do que isso -. O que você esta fazendo aqui?

- Você ainda pergunta? Quero saber o que eu te fiz. O que aconteceu, Mari. Desde o seu aniversário a gente mal se fala. Você rejeita as ligações, isso quando não deixa chamar até cair na caixa. Não responde meus e-mails, sms. Absolutamente nada. Você pode parar de falar comigo, não posso te forçar a nada. Mas antes de me esquecer de vez, me diz o que fiz.

Senti as lagrimas infelizes se acumularem, abaixei a cabeça e tentando contê-las. De fato, eu agora entendia o que se passava na cabeça dele. Calada ou não, ele não estava em bons lençóis.

- André, você não fez absolutamente nada - sua voz falhou.

Ele me abraçou, mas de inicio tentei me desvincilhar dele. Ele não podia ser gentil comigo, que me sentia uma egoísta. Aos poucos cedi e ficamos assim, abraçados, enquanto eu chorava em silencio.

- Mari, estou preocupado com você. Se eu não fiz nada, o que esta te fazendo se afastar de mim?! Esta ficando tudo cada vez mais confuso… Mas - ele a afastou e ergueu o meu rosto na direção do seu - se você não quiser falar agora, tudo bem. Contanto que fale em breve.

Já tinha visto ele como um garoto, mas naquele momento o vi como um homem pela primeira vez. A aproximação era grande demais, e eu estava emocionalmente fraca.

- André, eu…

- Shii… - Ele beijou minha testa.

Fazia tanto tempo que não me sentia assim.

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Um choramingo ecoou lembrando-a que precisava despertar. Mas não era nada demais, apenas sono. Sentia os olhos de André me observar pegar Gabrielle no colo. Tentei faze-la dormir, e como dentro de casa não estava dando certo, levei a pequena para o lado de fora. Era incrível como aquela varanda fazia minha filha dormir. Algum tempo depois André viu que eu estava cansada, mas não necessariamente um cansaço fisico, eu estava com um olhar longe, cantarolava alguma musica mesmo depois que Gaby ja tinha dormido. Ele a pegou no colo, enquanto isso eu ia atrás dele, mostrando o caminho até o quarto dela. Ele seria um ótimo pai. “Pare de pensar nisso, Marina.”

Descemos e sentamos no sofá, me ajeitei até que pudessem ficar frente a frente, fui a primeira a falar.

- André, eu não posso te dizer muita coisa. Sei que errei, talvez por esse mesmo motivo. Eu quero te contar, mas… sou uma covarde. Você não me fez nada. Me perdoe por ter sido tão egoísta.

- Marina - seu nome completo dito por ele soava muito estranho -, podemos voltar a ser como antes?

- Acho que sim, eu só não sei por quanto tempo

- Depois resolvemos essa parte. Você diz que eu não te fiz nada, então eu vou acreditar em você. Porque eu preciso que haja confiança entre nós. Nós precisamos ser fieis... - Comecei a sentir medo, mas o mesmo passou quando minha mãe chegou.

***

- Ola meninos! André, que surpresa!

- Ele já me contou, mãe.

- Tudo beeem. Culpada. - Ela passou em direção ao andar de cima, com algumas poucas sacolas nas mãos.

Nos olhamos e rimos, ela nem disfarçou.

- André, acho melhor você ir.

- Tudo bem, mas ainda tenho uma conversa pendente com você.

Ele me abraçou mais uma vez e foi embora. Senti um grande alivio, mas não estava tudo completo. Eu sabia bem disso.

***

- E ai, como foi?! Me conta tuuudo.

Tomei um susto da forma que fui abordada por Kamila.

- Bom dia também, você esta bem? Deve estar né? Mentiu pra mim, me deu um bolo.

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- Não necessariamente te dei um bolo, se eu menti logo não teria compromisso com você. Ou seja, eu não te dei um “bolo”. E sim, estou ótima, mas quero saber o que rolou. Contou? Ele já assumiu a paternidade?

- Que ideia louca Kamila. Claro que não. Eu até senti vontade de contar, mas ele começou outro assunto e eu acabei deixando pra la.

Kamila fez aquela tipica cara de entediada. Ela no fundo se deu conta de que André me fazia bem. Claro que ela nunca aceitaria ficar com aquele cara “insuportavel” - segundo ela. Mas para o bem da nação “Marinatica” ela aceitava o relacionamento.

*** ***

“Passo em sua casa daqui a 30 minutos. Esteja pronta, vamos sair.”

“Como assim? De novo?”

Marina se perguntava enquanto lia a mensagem de André. Será igreja de novo?

“Ah, só pra avisar: hoje não tem culto.”

Otimo, Nem precisei ligar. Ele havia mandado outra mensagem de texto.

“Vamos la Mari, hoje você pode usar um vestido solto de alcinha.” Eu dizia a mim mesma.

20 minutos depois, André já estava me esperando na sala. Ele ficou sem reação ao me ver. “Tudo só parece deixa-la ainda mais linda, isso é possível?”

- Aonde vamos?

- Você vai ver quando chegar la.

*** ***

- Nossa, a vista é maravilhosa André.

- Eu sabia que você ia gostar. -

Eles estavam em uma pizzaria de bairro nobre, a mesa deles era só pra dois, o que dava um clima muito mais pessoal. De onde estávamos dava para ver o mar, que a noite ficava ainda mais incrível. Ao longe alguns casais caminhava de mãos dadas pela areia. André não olhava a paisagem, a não ser que ela fosse linda e tivesse os cabelos escuros que o vento fazia dançar. Ele sorriu disfarçando quando me virei para observa-lo.

- Obrigada André… Não sei porque voce me trouxe aqui - .

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- Eu não preciso explicar muito, não agora.

- Eu preciso. Preciso abrir o jogo pra você… Tem algumas coisas que você precisa saber.

Fui interrompida pelo garçom. Pedimos uma pizza, coca-cola e ficamos discutindo, afinal eu não entendia como André poderia gostar de pizza de chocolate. Sou mulher, e uma mulher chocolatra. Mas aquilo estava alem do meu limite.

- Pense que é uma panqueca doce aberta.

Essa era a única explicação dele.

Terminamos e depois descemos em direção a praia. Em uma área havia um banquinho, bem próximo da areia, mas não o suficiente para serem submersos por alguma onda forte.

- Mari

- André

Falamos juntos. No entanto André não sabia que o que eu tinha pra falar era bem diferente.

- Vou deixar o cavalheirismo de lado por hoje… Eu estava te vendo no restaurante, você sempre tão linda. E meu desejo era te beijar, sem enrolação… só ter você nos meus braços. E assumo que o desejo não passou…

Abaixei a cabeça envergonhada, e se ele soubesse que eu senti o mesmo quando olhou nos seus olhos?

- André, eu prec…

- Não mais que eu.

Ele pegou meu rosto entre as mãos e trilhou um caminho de beijos até a ponta do nariz.

Me perguntava porque estava deixando aquilo acontecer. Eu estava assustadoramente feliz. Borboletas que haviam morrido, naquele momento pareciam dançar “Cisne negro” na minha barriga. Meus olhos estavam fechados, minhas mãos em cima das dele.

- Mas eu não posso fazer isso, - André falava enquanto tentava se controlar - não posso te beijar até que você me responda…. Quer passar o resto da sua vida ao meu lado? Por favor, me faça o garoto mais feliz do mundo…

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CAPITULO 6

Acordei mais uma vez com o sol iluminando meu quarto, mas dessa vez não havia uma amiga chata puxando meu cobertor.

Me peguei sorrindo ao acordar, fazia tanto tempo que isso não acontecia. Normalmente minhas manhãs eram iniciadas com um turbilhão de pensamentos... E se sim? E se não? E se, e se. Mas naquele dia era diferente. Me espreguicei até alcançar o celular que estava no criado mudo ao lado da minha cama. 3 mensagens de texto só pra confirmar a noite passada.

"Como você sai assim?! Chegou bem?! Manda resposta."

"Que bom, não faça mais isso. Esta dormindo? Eu não consigo parar de pensar em você."

"Bom dia! Não é que eu esteja morrendo de saudade, mas quando nos veremos de novo?!"

Fechei os olhos e lembrei da noite anterior. Foi tudo tão lindo, a pizzaria, a praia, o André. Ele havia dito que não seria cavalheiro. No entanto ele não tinha me beijado, não até que eu tivesse tomado a iniciativa. Pensando nisso agora, pude perceber como fui pra frente, um pouco ousada pra quem ele esperava que eu fosse. Mas não posso forjar em mim, a personalidade que alguem espera ou deseja ver. Total hipocrisia. Mas se a pessoa e seu argumento, verdadeiramente valer a pena, posso mudar algo, mas não me mudar por completo. Voltando, fico vermelha só de pensar. Ta, já beijei outras vezes, mas quando existe sentimento parece a primeira vez. Ele havia sido tão carinhoso, e claro, apaixonado. Depois disso, me levantei e peguei um taxi que estava parado a poucos metros. No taxi percebi que não havia respondido a pergunta dele. Voltei a minha realidade: cama bagunçada e um lindo dia la fora. A porta se abriu e minha mãe entrou com Gaby, que esticava os braços pra me alcançar.

- Desse jeito eu fico com ciumes - Eva disse, tentando parecer triste ou ofendida.

- Deita aqui mãe.

- Que ótimo humor é esse? Me conte sobre a noite. Mas conte tudo.

Era notório o desejo que minha mãe tinha em me ver feliz. A vezes brincava com ela, perguntando se ela estava querendo me ver casada e longe dela. Contei a ela o que aconteceu.

Claro que ela esperava que eu tivesse contado tudo a ele.

- Não mãe. Ainda não contei. E quer saber? Não me arrependo. A noite com certeza não seria tão boa se eu contasse. Na melhor das hipóteses ele ia precisar de um tempo pra pensar. E eu viria pra casa na incerteza.

- Tudo bem filha. Fico extremamente feliz em te ver tão relaxada. Agora vou descer, preciso fazer as coisas.

Ela desceu as escadas cantarolando uma musica antiga.

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CAPITULO 07

A noite estava um pouco nublada. Mas André havia marcado um passeio entre amigos e eu não poderia faltar. Quando cheguei no carro já avistei Kamila e Sérgio no banco de trás. Se não fosse a insuportabilidade que Mila tinha por Sérgio, aquilo pareceria um encontro de casais. Decidimos ir numa sorveteria, mas o tempo não estava ajudando muito e começou a piorar. Depois de alguns comentários e opiniões eles decidiram pedir uma pizza e ficarmos todos na casa do André. Quando cheguei la percebi que ele mais parecia morar sozinho, a casa estava em total silencio, sem mãe, sem pai. Só um cachorro husky siberiano, muito lindo e carinhoso.

- Ted, fica quieto mocinho. Não assuste as visitas. - André falava enquanto fazia carinho no mascote.

Notei que a sala tinha um sofá preto em L, uma mesa de centro com algumas revistas. Me perguntei porque não tinha algum enfeite, sei la. Mas lembrei do possível motivo quando senti duas patas sobre meu quadril. Ted, o possível demolidor. Ri. Depois de uma longa discussão pra saber qual filme assistir, não assistimos nenhum por completo. Kamila só queria terminar a pizza dela. Quando os três encheram literalmente, eu aproveitei pra ir lavar os pratos, e tentar limpar a zona que eles fizeram. Fui até a cozinha que era bem espaçosa por sinal.Lavei os pratos e copos que tinha levado. Acabei me acostumando com essa mania de limpeza. Não me considerava uma psicopata por manter tudo intacto, mas se eu poderia fazer isso né.

- Finalmente posso te ver só.

Sérgio chegou com as caixas das pizzas e passou direto, amassando e colocando numa lixeira próximo de onde eu estava. Sua proximidade me causava um misto de sensação, mas a principal era raiva. Ele se encostou na pia, ficando ao meu lado enquanto me concentrava em tirar não só o excesso, mas todo resquício de agua que estava se acumulando na pia.

- Não pensei que pudesse te encontrar novamente nessa escola. Acho que te devo um pedido de desculpas, Mari.

Pedido de desculpas? Ele estava louco? Seu cinismo parecia exalar. Senti meu estomago embrulhar, enquanto ria nervosamente.

- Pedido de desculpas? Pelo que? Não precisa pedir desculpa por ser quem você é. Muito menos por eu não ter percebido isso antes. O que você quer agora?!

Precisava cochichar por que a cozinha não era tão distante da sala, e a qualquer momento o André poderia aparecer.

- Não foi assim, Mila. Sei que errei mas você entendeu tudo errado. Eu não estava no meu juízo perfeito. Você lembra era uma festa, e eu tinha bebido muito. Mas tenta olhar o lado bom, eu não te maltratei.

Aquilo foi o cumulo pra mim. Não consegui me conter, minhas pernas tremiam, me voz já estava embargada.

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- Não? Você acha pouco eu ter perdido minha virgindade com você e depois descobrir que tudo não passava de uma brincadeira?!

As lembranças vinham como uma cachoeira de informações. Uma noite supostamente maravilhosa, apesar dele ter bebido um pouco alem. Tudo se apagou. Quando despertei no mesmo quarto ele já não estava mais la. Tentei levantar mas sem sucesso, estava muito tonta. Um copo no criado mudo, uma cama bagunçada. Bebi mais um gole, estava com muita sede. Saí me segurando e tentando me mostrar uma pessoa apresentavel. Eu não havia bebido tanto, nunca bebia assim. A visão continuava turva, e um pressentimento de que tudo poderia mudar ainda rondava. Quando desci as escadas me apoiando no corrimão e já sem os sapatos de salto, vi o Thiago, um amigo do Sérgio. Onde estava um estava outro. Segui ele, os olhares vindo em minha direção em alguns momentos. “É, essa daí teve sua primeira ressaca, rs.” Eu ouvia, mas não tinha forças nem disposição para contrariar. Do lado de fora da casa vi Sérgio e os amigos.

“Tenho que assumir, você é um canalha.”

“Sim sou, mas consegui o que queria. Você apostaram comigo, né?! Amanhã mesmo vou no banco com vocês.”

“E ai, ela é gostosa?”

“Nem digo o quanto, valeu pelo remédio, ajudou muito.”

Lagrimas agora, lagrimas antes. Não conseguia mais escutar nada. Todos os sentidos se perderam e quando acordei estava na casa de Kamila. Voltei a realidade, a atual realidade. Meus olhos fitando os de Sérgio.

- Você é um animal, Sérgio. Você não tem noção do quanto me senti suja e do quanto isso repercutiu depois. Toda minha vida mudou. As pessoas ao redor não tinham convicção de nada, alem dos seus amiguinhos nojentos. Mas eu tinha e isso bastava. Porque você me enganou? Por que durante tanto tempo?! Porque brincar com minha cara. Fui uma imbecil e você ainda me pede meras desculpas?!

Sérgio olhava para a porta atrás de mim.

- O que esta acontecendo?

André estava olhando abismado para nós, eu acabei me exaltando um pouco, ele provavelmente tinha ouvido o final da historia. Kamila estava atrás dele, com aquela cara de quem tentou impedi-lo de chegar até ali.

Não consegui responder, passei correndo por eles, com o rosto banhado em lagrimas, peguei minha bolsa e sai daquele apartamento. Entrei no elevador apertando o botão para o terreo freneticamente. Não tinha um pensamento especifico, tudo parecia muito confuso. Uma avalanche sobre mim. Peguei um ônibus que já estava passando. Por causa do horário o coletivo estava vazio pra minha sorte. Me perguntava o que poderia acontecer daqui pra frente. Meu celular vibrou, era o André. Desliguei sentindo que estava encerrando uma conexão com ele na vida real. Adeus, André. Pensei.

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CAPITULO 08

"Nem sempre uma linda cara traduz encanto no mundo. Há mil fontes d'água clara cheias de lodo no fundo."

O dia amanheceu, acordei com uma baita dor de cabeça. Era uma segunda feira, mas eu não consegui acordar cedo, e pelo jeito minha mãe não fez o menor esforço pra que isso acontecesse. Também, dormi muito tarde, fiquei rolando na cama a maior parte do tempo. Fiquei pensando em tudo que aconteceu na noite passada. Senti um medo absurdo, mesmo não querendo. Ao mesmo tempo me senti seca. Sabe quando choramos tanto que parece que nada sobra? Uma única lagrima que parecia ter compactado tudo que passei rolou. Deixei. O meu relógio me avisava que era quase 10:30 hrs. Do lado do relógio tinha um post-it com recado da minha mãe.

"Se sua vida não tiver altos e baixos é sinal de que você morreu. ;)

Fui no pediatra com Gaby."

Entre uma frase e outra ela tinha tentado desenhar uma linha de batimento cardíaco, dessas que vemos naquelas maquinas próximo a camas de hospitais, sabe? Tive que rir. Dona Eva tinha esse dom. Bom, a casa estava vazia. Não sabia por quanto tempo e minha cabeça ainda doía muito.

Resolvi ligar para a Kamila, até que lembrei que tinha desligado o celular e ele provavelmente estava no fundo da bolsa. Como pensei, varias ligações dela e do André. Meu coração apertou quando vi o nome dele.

- Finalmente você me ligou. Já não aguentava mais.

- Desculpe Kamila, eu realmente não estava bem.

- Tudo bem, precisamos conversar. Vou na sua casa.

- Te espero - Desliguei sem animação ou empolgação. Estava no completo modo automático.

Desci e fui ver se tinha alguma coisa pra merendar. Café da manhã nunca foi meu forte, aquele dia menos ainda. Peguei um biscoito de chocolate, um achocolatado na geladeira e um analgésico . Vamos la, se dopar de açúcar. Resisti a tentação de conferir a secretaria eletrônica e fui direto pro meu quarto. Liguei o notebook sem esperanças de fazer algo útil. Facebook parado, twitter chato, skype vazio e sem inspiração para o tumblr. Tudo parece sem graça quando a gente ta sem graça. Tudo "sem sal". Me perguntei como eu conseguia passar tanto tempo na frente de todas aquelas redes sociais. Fechei todas as abas e substitui a ultima por um blog. Na verdade só pra ouvir a playlist que eu adorava. Já tinha lido todos os textos. A blogueira sumiu, deveria estar passando por algum momento chato. Agora eu estava sobre a anestia de conhecer todos os sofrimentos alheios. Incrível como nos sentimos a padroeira dos maltratados quando algo nos incomoda. Mas os nossos sofrimentos ou "momentos chatos" nunca serão iguais. Eu nunca vou saber a dor que você sente, mesmo que julgue saber. E ainda que eu passe pelo mesmo problema (como muitos

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afirmam), eu nunca vou conseguir saber o que você sentiu, por que simplesmente somos diferentes, e nosso modo de ver a vida diz o quanto vamos mudar depois que algo importante acontece.

"Estava em pedaços o meu coração

Sonhos cancelados, planos pelo chão

Ouvindo só o medo sustentando as águas

Dentro do meu barco sem ver a solução

Mesmo eu sabendo que recomeçar é tão difícil

Clamei a Deus somente com o que restou de mim"

Esse foi o trecho que estava tocando. Recomeço. Tudo que senti em um trecho. Não sabia como aquilo era possível, mas era. Despertei quase derrubando o pacote de biscoito quando a campainha tocou. Mila, minha amiga. Desci correndo e a abracei assim que abri a porta. Subimos e ela me contou o que acontecia la fora - exatamente na casa do André - enquanto eu estava no meu mundo fechado e impenetrável.

"Quem pode entender o coração humano? Não há nada mais enganador; está demasiado doente para ser curado."

Jeremias 17:9

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CAPITULO 09

André

Estranhei Sérgio demorar na cozinha, ele só tinha ido levar as caixas de pizza. Já tinha percebido que ele não falava com Marina, ou talvez fosse o oposto.

- Vou ali ver se eles precisam da minha ajuda.

Tentei me levantar. Impossível. Kamila me puxou de volta, tentando falar sobre Ted.

- Kamila, você odeia cachorros. Mas como quer saber mais sobre ele...

Assoviei chamando-o. Enquanto eles se divertiam aproveitei e fui até a cozinha, ouvindo os palavrões de Kamila. Ouvi a voz de Marina. Afinal o que estava acontecendo? As ultimas frases eram indagações. Parecia uma discussão. Minha cabeça deu um nó.

- O que esta acontecendo?

Marina virou-se para mim. Seu rosto estava "transfigurado". Só consegui ver muita dor naqueles olhos tão lindos. Minha Marina. Tentei falar com ela, mas tudo aconteceu muito rápido. Ela passou correndo por mim. A cara de Sérgio era indiferente.

- O que você fez?

Fui na sua direção e segurei ele pela gola. Perdi a cabeça por um instante.

- O que você fez? Me responda Sérgio!

- Nada, cara. Você ta maluco? Me solte.

Kamila voltou, pelo jeito a tentativa de segurar a amiga foi em vão. Ela acabou nos separando. Nunca fui de brigar. O que estava acontecendo comigo?

- Meninos, parem por favor. André - ela me olhou nos olhos - se tiver algo pra você saber, não é o Sérgio quem vai falar - eles se olharam consentindo - . Violência não vai levar vocês dois a lugar nenhum.

- Tudo bem, me desculpa. - Falei desarmando a postura que havia tomado.

Saí atrás de Marina, sem esperanças. Já era tarde. Liguei pra ela. Nada adiantou. Afinal o que era tudo aquilo? Sérgio tratou de ir embora. Não consegui mais falar com ele. Enquanto tudo aquilo não ficasse claro, muita coisa ia mudar. Kamila se aproximou e sentou do meu lado.

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-Hoje você ganha o premio de cara de palerma. O que posso dizer é que eles se conhecem, sim. Antes de você conhecer o Sérgio, bem antes. O que você souber a partir de agora tem relação com o passado. Tente descansar. Eu já vou indo.

Acompanhei ela ate a porta e nos abraçamos.

Porta fechada. Casa vazia. Pensamos completamente confusos. Continuei ligando pra Marina, sem resultados. Liguei para o fixo, e a mãe dela disse que ela já havia chegado e foi direto para o quarto. Aquilo em parte me confortou. Fui dormir com aquelas lagrimas me assombrando durante a madrugada. Era tão horrível se sentir impotente.

***

Marina

Ouvi o relato de Kamila. Estraguei absolutamente tudo. Os dias seguinte foram a mesma coisa. Fiquei em casa rejeitando telefonemas. Lendo sms sem responder. Recebendo minhas atividades por Kamila. Mas na quinta era teste, e eu precisava estar.

Quando cheguei vi o André de relance. Ele não fez menção de vir falar comigo (é o fim, só pode). Colei na Kamila a manhã inteira, mas ela abandonou o teste do ultimo horário, e André saiu bem rapido da sala. A avaliação não estava tão difícil. Mas fui uma das ultimas a sair da sala, demorei um pouco mais para garantir que eu não iria me encontrar com ele. Coloquei meu material na mochila e saí. Ninguém do lado de fora da sala me esperando. Ótimo! Coloquei meu fone, e adiantei os passos. Quando já estava chegando na parada de ônibus, vi um Hilux SW4 prata, e o dono encostado nele. Não poderia ir por outro caminho, teria que passar por ele.

- Marina, podemos conversar?

A voz suave dele me desconcertou. Mas não poderia viver fugindo. Entrei no carro sem saber o que viria a seguir.

   

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CAPITULO 10

Chegamos num parque da cidade. Meio de semana e pela manhã não era exatamente o momento com mais movimentação. Ele estacionou e fomos caminhando até uma arvore que ficava próximo a um lago, que hoje estava bem mais bonito. É, acho que o prefeito resolveu cuidar mais do que tinha. Observei como ele era calmo. Algumas poucas crianças brincavam no pedalinho com alguns acompanhantes. Tudo tao... silencioso. Parecia que uma musica suave tocava e só eu estava fora de sintonia. Meus pensamentos, angustias, incertezas, dançavam dentro de mim, e parecia mais um rock ou musica eletrônica. Completamente fora do compasso.

- E então, como estamos?

- Estamos? - Indaguei quase sussurrando sem tirar os olhos de uma das crianças.

- Mari... - Ele disse prolongando meu apelido, de uma forma que parecia querer explicar que estava sofrendo com tudo aquilo, que ele nem sabia que era tao tudo assim.- Primeiro aquele momento incrível na praia, depois você some, e volta. Discute com meu melhor amigo e sai chorando daquele jeito. Não atende meus telefonemas, não responde minhas mensagens, e-mail. Marina - ele se posicionou na minha frente - nem para a escola você foi. O que te faria mudar tanto? Por que sempre existe algo entre nós? Quando parece que vai ficar tudo bem, você some, fica estranha, se afasta. Eu não consigo entender, e olhe que eu quero muito...

Respirei fundo.

- André, eu sinto muito estar fazendo essa bagunça na sua cabeça, eu realmente não queria. Isso não estava em meus planos. Houve um passado entre eu e o Sérgio. Nós fomos namorados, só que terminamos mal, e ver ele me tirou do serio. Me descontrolei.

André virou as costas e ficou admirando o rio, assim como eu estava tentando fazer.

- Isso quer dizer que você ainda...

- Não... - fui até ele e me encostei no seu braço- Eu não gosto dele. Só fui uma idiota. Todos temos decepções, e quando mal curadas, qualquer abalo gera transtorno. Ver ele, e ainda por cima sendo seu amigo me deixou um tanto transtornada, só preciso de um tempo.

Ele se virou e me abraçou, senti o alivio crescente nele a medida que ficava mais angustiada. Uma parte já foi dita, mas era a menor parte. Pelo menos por um tempo tudo ia ficar calmo, ele iria me respeitar. Só não sei até quando.

***

Os dias foram se arrastando como dava. Consegui depois de um tempo olhar para o Sérgio sem ter vontade de vomitar. O que não me impedia de evita-lo. Comecei a ir a mais eventos como aquele, com o André. Ainda bem que os temas não eram sempre sobre relacionamentos. Me sentiria desconfortável. Comecei a ter

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novos amigos, que me acolheram super bem. Me senti um pouco falsa com eles. Sentia que estava apresentando uma Marina inexistente e que tudo a qualquer momento poderia se desfazer. Se aquilo era um sonho, eu queria vive-lo ao máximo antes que o despertador da realidade me despertasse. Com o André estava na mesma, não ficávamos, não namorávamos, ele apenas me esperava. Como sou egoísta.

***

- Mãaae, onde esta meu bronzeador?

- No banheiro, filha. Pegou o protetor de Gaby?

- Sim.

O dia não poderia ter começado mais lindo. O sol estava brilhante, no seu esplendor. Era cedo, e André tinha nos convidado para dar um passeio na praia. A Gaby estava linda e toda animada. Criança e seu amor pelo simples. Dei um beijo na minha mãe e entrei no carro. Já sentia aquele cheiro maravilhoso de água salgada. Quando criança só eu parecia sentir esse cheiro. Me encostava na janela do carro dela e inspirava até não ter mais espaço dentro de mim. Sorri lembrando o quanto era bom. André parou o carro e nos ajudou com algumas coisas. Achamos um espaço legal, sem muita movimentação. Parecíamos uma familia de verdade.

- Você parece mãe dela.

Fui tomada pelo susto. André estava nos olhando enquanto eu dava agua a ela.

- É que me apeguei muito a ela. E como minha mãe trabalha e tudo mais... eu tive que cuidar dela a maior parte do tempo, sabe?!

- É bonito de ver.

Sorri tentando aliviar a tensão. O tempo estava quente e eu decidi tirar a blusa de Gaby e repassar o protetor, mas lembrei que tinha colocado ele dentro da minha bolsa que ficou no carro. Ninguém merece.

- André, você pode ficar com ela? Tenho que pegar o protetor dela no carro.

Ele assentiu e carregou a Gaby. Com o passar do tempo ele havia pegado o jeito. Só ela que ainda ficava encarando ele o tempo inteiro, de uma forma engraçada.

- Vem ca, ela não gosta de mim, não é? Marina, ela nunca ri comigo...

- Vai ver ela aprendeu com a Kamila a te achar estranho.

Ri enquanto ia até o carro. Mas ele simplesmente não estava na bolsa. Só posso ter perdido, que dom. Será que eu realmente coloquei na bolsa? Vi uma mercearia no posto de gasolina próximo de onde estava e fui até la comprar outro, era o jeito. Quando cheguei André estava emitindo uns sons estranhos.

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- André?

- Oi, oi, é... eu estava tentando fazer ela rir ainda. Por sinal, achei o protetor dela e já passei. Não se preocupe, passei direitinho. Posso te responder a localização de todos os sinais dela. E não tinha como te avisar já que você deixou o celular aqui, não é?

Suspirei de indignação. Comprei um protetor desnecessariamente, me locomovi desnecessariamente. Queria gritar necessariamente.

- Para de rir da minha cara, André! Me da minha filha...

- Já é sua filha?! - ele se virou para a Gaby - Olha, não fica com saudades do pai, tá? Você só vai pra mãe um pouco e depois volta. E ai, vai pegar ela ou não?

Ele estava estendendo ela pra mim, percebi que fiquei sem reação. Eu tinha acabado de dizer que ela era minha filha, e ele levou na brincadeira. Que sorte. Mas se auto intitular pai dela era covardia demais. Meu coração não aguenta desse jeito.

Depois de alguns mergulhos, voltamos. Já estava quase na hora do almoço. Como fomos cedo, aproveitamos bastante.

- Marina, acho que temos visita...

Nem precisaria levantar os olhos, o tom da voz de André era o suficiente.

- E ai André?

Era o Sérgio, claro. Ele tinha acabado de sair da água. Estava com uma prancha nas mãos. Se eu lembrasse que ele tentava surfar desde quando namorávamos, eu pensava melhor antes de escolher aquela praia.

- Oi Marina.

- Oi Sérgio. Tudo bom?!

- Tudo sim. Que garotinha bonita.

- Minha irmã - Falei enquanto ele tentava se aproximar dela, mas ela recusou virando o rosto. Era a primeira vez que eles se viam e que eu os via juntos. Eles se pareciam tanto. Parece seriamente que o Deus do André deixa ele cego pra não perceber.

- Se ela gostasse de você, Sérgio. Eu não sei o que faria da minha vida.

Eu continuei cuidando dela e arrumando tudo que estava jogado, brinquedos, palito de picolé, e meus fragmentos de bom senso.

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- Cara, eu sabia que já tinha visto aquela marca em algum lugar.

- Você ta bem, André?! - Sérgio perguntou, e eu não pude evitar. Ele tinha uma marca, como sinal na barriga. Me lembrei do que o André falou. "Posso te responder a localização de todos os sinais dela..." O sinal de nascença que minha filha tinha era igual ao do pai.

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CAPITULO 11

- André, a Gaby esta com dor de barriga, e não trouxe remédio para isso.

- Mas ela me parece tão bem- André olhava intrigado.

_ Parece pra você, minha mãe vai me matar se eu deixar a caçulinha dela com dor de barriga.

- Tudo bem, tudo bem.

Achei ter visto um olhar mais serio do André, mas ele logo sorriu, acho que consegui o que queria. Tudo bem que tive de usar meios desonestos pra isso. Mas precisava sair daquele lugar o mais rapido possível.

Peguei tudo que conseguia e fui direto para o carro. Aquela situação estava chegando longe demais. Fomos pra casa conversando pouco, André estava aparentemente cansado da praia. Quando cheguei em casa, dei um banho na garotinha e dei de comer a ela, pensei e muito. Chegou a hora de contar toda a verdade. Ele com certeza já estava desconfiando. Tentei parecer confiante pra mim mesma. Dizem que uma mentira bem contada varias vezes pode se tornar uma verdade. Então que assim seja. Liguei pra Kamila e ela foi pra minha casa. Precisava de alguem para contar tudo. Estávamos num domingo e a segunda seguinte era feriado. Já tinha o dia pra contar tudo.

- Amiga, amanhã vou sair ta? Vou curtir esse sol maravilhoso na praia, claro. Mas assim que contar me ligue que eu venho correndo.

- Não se preocupe Mila, vai dar tudo certo.

Mentira, não tinha certeza de nada. Fiz de tudo pra dormir, sem sucesso. Insonia infeliz. Baixei um livro no celular e comecei a ler, estava interessante até que eu dormir. Vai entender essa nossa inteligencia de cada dia.

***

- Eu vou precisar sair, filha. Fica com ela.

Vou ter que levar a Gaby no momento em que vou contar a verdade para o André. Interessante. Mentira, isso é péssimo. Ele vai olhar para ela com aquela cara de: é filha do meu melhor amigo. Mas estava me sentindo vitoriosa em ao menos dizer a verdade. Com ela ou não. Pra minha sorte, minha mãe saiu no carro de algum colega do trabalho. Eu não tinha carteira de habilitação mais sabia dirigir. Peguei o carro dela, me certifiquei que Gaby estivesse firme no banco de trás. Voltei ao banco do motorista. Se minha mãe soubesse provavelmente me mataria. Na entrada do condomínio, o porteiro já me conhecia e por sinal estava ocupado demais tentando resolver algum problema com outros moradores. Próximo a casa do André tinha varias ruas intercaladas, afinal se tratava de um condomínio fechado. Parece um bosque. Cheguei próximo devagar, e pra minha surpresa vi o carro do Sérgio. Estacionei. Eles estavam em uma área próxima

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conversando, reconheci a voz de ambos. Nenhum deles me viu. Tirei a Gaby e me aproximei o suficiente para ouvir o André falando:

- Leve em consideração que pode ser verdade. Eu já desconfiava. Sérgio, eu não sei até onde vocês chegaram, mas a Gabrielle tem idade pra ser sua filha.

Não, não não. Dei um passo em falso, como estava na grama pisei numa pedra, quase caindo com a Gaby. Acabei dando um grito abafado de raiva, susto. Mas consegui me direcionar para o carro. Fui colocar ela no banco traseiro, pra minha infelicidade ouvi a voz de André.

- Mari? O que você esta fazendo aqui?

- Não importa.

Ele colocou a cabeça entre as mãos, falando meu nome varias vezes. Quando dei por mim ele já estava tentando me puxar pra conversar.

- Mari, tenha calma.

- Calma? - Eu não sabia o que pensar, o que falar. Sei que tudo ia ser dito, mas fui pega despreparada. Ele já sabia e não conversou comigo. Sai dando a volta no carro, indo para o banco do motorista. Ele não deixou.

- Marina, por que você esta assim? Isso tudo é por causa da minha desconfiança? Poxa, se coloca em meu lugar.

O pior de tudo é que era o que mais fazia durante os últimos dias, me colocar no lugar dele. E ele se sentindo culpado. Que monstro eu sou. Mas por que ele falou ao Sérgio? Já estava perto de onde eles conversavam, eu me abaixei contra a parede, sem forças. Chorava... E quando ele tentava se aproximar eu gritava ele.

-Sai, André. Me deixa em paz.

- Me perdoe, Mari. Eu deveria ter perguntado a você, eu sei.

O caráter de André me constrangia. Eu estava com o rosto entre as mãos quando ouvi tudo muito rapido, um freio de carro, e um estrondo. Um carro desgovernado tinha atingido o fundo do carro de minha mãe. Só sei que tentei levantar, mas apaguei.

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CAPITULO 12

Acordei meio zonza ainda. Estava no banco da frente do carro de André.

-André? O que aconte...

Ele acelerava o carro.

- Calma, vai ficar tudo bem. Deus vai nos ajudar.

- André? Cade Gabrielle? André, minha filha!!!! Cade minha filha? Me deixa sair desse carro. Destranque agora! Me deixa saiir!! - Eu estava completamente transtornada. Tirei meu cinto e comecei a bater nele. Quase promovo um novo acidente. Ele freou no acostamento

- Marina, pare pelo amor de Deus. Isso não vai adiantar. Teve sim um acidente com a Gaby, mas sua mãe já esta com ela indo para o hospital. Você desmaiou, e eu chamei uma ambulância. Você precisa ser forte, nossa pequena vai ficar bem.

- Mas André...

Ele me abraçou e depois colocou o cinto de volta em mim. Fui o caminho inteiro chorando, enquanto ele segurava a minha mão quando podia.

Quando estávamos próximos eu só esperei ele destravar. Pulei do carro e entrei correndo, quando ele estava se aproximando eu já estava colocando uma roupa apropriada. Fui guiada por alguns amigos de minha mãe. Tive acesso a algumas informações antes de ver a Gaby. Um doutor mais velho falou comigo:

- Oi, você é a mãe da Gabrielle, não é? Tudo bem, vamos la... Ainda bem que você colocou ela na cadeirinha a tempo, isso diminui muito o impacto. Ela poderia ter sido arremessada para as engrenagens do carro, mas o carrinho não impediu ela de ser alcançada por alguns vidros. - Meu coração doía -. O vidro da janela que quebrou se chocou contra as partes mais vulneráveis do corpo dela, os braços e as pernas. - Ele estava me escondendo algo. - Ela já esta sendo enviada para a ala cirúrgica, onde você não pode ficar. Ela vai ficar bem... só precisa de sangue. Ela perdeu muito sangue. - Minhas pernas vacilaram, mas eu precisava ser forte. - Consiga sangue O-, o mais rápido possível.

Vi minha filha indo para a sala cirúrgica, não consegui ver os cortes. Não me deixaram ver. Senti os braços de minha mãe me acolhendo, chorei. Senti medo de perder a pessoa mais importante da minha vida.

- Filha, vamos ter que procurar um doador.

- É mãe, vamos logo, vou mandar mensagem para todos que conheço.

- Vamos para a recepção? O André esta la.

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Eu havia esquecido dele. - Mãe ele já sabe, ou pelo menos já desconfia de tudo. Mãe, eu ia falar... mas ele se antecipou. Quando cheguei ele estava falando com o Sérgio, eu não confirmei nada. Eu poderia ter ficado no carro. Eu poderia não estar aqui agora.

- Filha, não adianta se lamentar. Sua filha esta esperando pela mãe heroína dela.

Saímos dali e minha mãe explicou ao André sobre buscar doadores. Ele mobilizou uma galera do colégio. Mas infelizmente a 99,9 % não era -O. E os raros que eram não entendiam a gravidade do problema, ou simplesmente não podiam aparecer. Que raiva! Não conseguia falar com André. Fingíamos que a cena antes do acidente não tinha acontecido. Os médicos entravam e saiam perguntando se já havíamos conseguido alguem, mas minha mãe só balançava a cabeça negativamente e eu chorava. Sentia a vida de minha própria filha indo pelo ralo sem eu fazer nada. Essa sensação de impotência me matava, eu queria gritar, sair perguntando de porta em porta, mas depois da mobilização que a galera fez eu duvido que toda a proximidade já não sabia. A ficha caiu: Kamila não sabe de nada. Se ela soubesse da doação viria correndo atrás de mim. Mas não tinha passado muito tempo do acidente. Liguei pra ela, depois de muito chamar, ela atendeu.

- Oi Mari! Desculpe a demora, tava na agua.

Ela estava curtindo o feriado dela, esqueci completamente. Como vou explicar algo do tipo agora?

- Tudo bem, Mila, depois nos falamos.

- Marina, o que aconteceu? Onde você esta? - A parte chata de ter uma amiga que te conhece mais do que todo mundo....

- Kamila, não quero te preocupar, sei que é idiota falar isso. Mas prefiro você se divertindo...

- Que merda, Marina. Fala logo.

- Gabrielle não esta bem. Ela estava no carro quando um carro se chocou com o de minha mãe. - eu só ouvia ela resmungando, chingando. - Ela se cortou, e precisa de sangue. André já mobilizou uma galera, mas são poucos que tem sangue O-.

- Marina, me ouça. Eu posso ser a doadora. Vou correndo pra aí.

Ela desligou o celular e só pude rir de nervoso. Muito nervosismo. Falei com minha mãe que foi logo avisar ao medico. Ele sorriu aliviado. Mas era notório que a Kamila precisava chegar logo. A demora parecia ser maior do que tudo. Os ponteiros do relogio pareciam ter congelado. Me peguei pensando na cara do Sérgio. Ele ficou ausente o tempo inteiro. Na discussão ele não falava nada, só olhava para nós dois e pra Gabrielle. Depois do acidente ele sumiu. André não falou dele, e eu não fazia questão disso. André se aproximou de mim, pegou minha mão e sugeriu que orássemos. Aceitei, claro. A medida que orávamos senti paz, como se toda a agitação fizesse silencio.

- Amém...

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- Obrigada, André.

- Podem parar de se lamentar? Eu já cheguei.

A voz de Kamila. Meu Deus, como eu amava aquela menina. Minha mãe veio com o medico. Eles saíram para fazer uns exames de rotina. Senti o abraço de André.

- Vai ficar tudo bem!

***

O tempo demorava a passar, eles já tinham feito uma consulta com a Kamila e agora estavam fazendo alguns exames. Kamila já estava conosco reclamando das furadas que tomou e da demora do resultado. Da Gabrielle que permanecia naquele hospital cafona, como ela intitulou. As vezes ria, apesar de tudo. Finalmente minha mãe apareceu.

- Kamila já vai poder doar sangue pra minha pequena, mãe?

- Finalmente né? Nunca senti tanta vontade de perder sangue. - Ela ria...

Minha mãe abaixou a cabeça. Mais uma noticia ruim? Não pode ser.

- Fala mãe.

- Os resultados saíram, e ela não pode ser a doadora para a Gaby.

Kamila tentava entender. - Como assim? Eu tenho certeza que sou O-.

- Você esta certa Kamila, mas você não pode doar sangue pra ninguém.

- Eu não consigo entender, dona Eva. Meu peso esta normal, minha idade permite, eu não tenho anemia, não tenho mais nada...

- Tem Mila.

Kamila olhou fixamente pra minha mãe num estado de negação total. - Fala dona Eva. Fala. Por que eu não posso doar sangue?

- Você é HIV positivo.

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CAPITULO 13

Parecia que eu estava despencando do sonho para o pesadelo. A realidade com certeza era mais amena. A Kamila parecia não acreditar no que ouviu. Ela não retrucou. Mas não dava para esconder a péssima surpresa. Minha amiga que tinha chegado contente para salvar um vida, teve a sua abalada em um instante. Ela se sentou na cadeira onde estava antes.

- Me perdoe Mari, me perdoe. Eu não consigo acreditar... parece tudo tão...

Ela estava em choque, sem palavras, sem reação, sem emoção. Eu por um momento afirmo que não sei quem tomou mais a minha mente. Minha dor e preocupação era mútua. Eu andei na direção oposta, mais lagrimas. Será que elas realmente vão cessar um dia? Segurei por poucos instantes, e voltei até a Kamila. Me ajoelhei próximo a ela, fiz ela me olhar, seus olhos estavam como vidro. Algumas lagrimas rolavam sem nenhuma mudança no rosto dela.

- Mila, vai dar tudo certo. Eu sempre vou estar do seu lado.

O rosto dela começou a ganhar alguma expressão. Mesmo sendo de dor, eu estava mais calma. Minha mãe não acreditava no que estava acontecendo, se aproximou de mim.

- Filha, eu preciso falar com você.

Me levantei e nos afastamos, o André tomou meu posto e ficou com a Kamila.

- Olha, lembra que o doutor disse que a Gaby perdeu muito sangue? Houve um ferimento na cabeça também. Eu não quis te contar para não te deixar mais preocupada. Mas precisamos desse doador antes que seja tarde.

***

-Mãe?

- Oi filha, to aqui do seu lado.

Só pra variar eu perdi os sentidos novamente, estava realmente fraca. Completamente debilitada. Meu corpo já estava fraco, minhas emoções confusas. Procurei o André e ele não estava mais la. Segundo minha mãe ele correu quando ouviu a noticia. Ele também não sabia. A Kamila estava no lado de fora, em uma área verde do hospital. Eu realmente não sabia o que fazer, não tinha saída, não havia solução. Tudo que podia ser feito eu já fiz. Me afastei de minha mãe e caminhei até uma janela de onde podia ver a Kamila, e talvez pela primeira vez na vida, conversei com Deus.

- Olha, eu não sei o que fazer. Sei que já fiz muita coisa errada, mas minha filha não. Ela não tem culpa de absolutamente nada. Deus, ela é tão frágil, tão fraquinha. - a imagem dela sozinha numa maca de hospital me deu uma dor no peito, solucei e continuei - E eu preciso dela. Por favor, cuida dela e da Mila pra mim, eu

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não sei por onde ir... O André sempre me fala de você, como o medico dos médicos. Se depender da minha fé pra mudar esse quadro, eu creio. Eu creio de toda a minha alma. Muda tudo isso, por favor...

Enxuguei minhas lagrimas e me agarrei a boneca de pano da Gaby que tinha ficado comigo. Vi alguem com uma capa escura no meio das arvores do portão principal. E me imaginei vivendo assim, a espreita da felicidade, esperando ela acontecer... Fui até a Kamila. Tinha medo do que estava passando naquela cabecinha. Ela percebeu minha presença.

- Marina, me perdoe.

- Shi, Kamila, pare de loucura. Você não pode ficar se culpando.

- Mari, não é isso... Eu precisei fazer uma coisa.

- Não importa, vamos esquecer isso.

- Mari... eu...

Ela não concluiu, olhou para a entrada do hospital, o carro de André. Me aliviei até ver ele tirando o Sérgio do banco carona. Fui na direção deles, Kamila esboçou uma vontade de me segurar, mas não o fez. Senti os passos dela vindo atrás de mim.

- André, para que você trouxe o Sérgio?

- Mari, minhas duvidas se transformaram em certeza.

Ele olhou para Kamila, e eu entendi. Ele continuou:

- E ainda que não soubesse, você deixou bem claro desde o carro que a Gaby é sua filha. Mas tive a confirmação da paternidade dela. E você já parou pra pensar que o pai pode ter o mesmo tipo sanguíneo da filha? - Comecei a entender. - Vou levar ele agora pra fazer o exame.

Sérgio não subiu logo. Ficou me encarando.

- Então quer dizer que é verdade? Eu sou pai daquela menina mesmo? Você nunca pensou em me contar? Porque você não abortou?

Dei um tapa no rosto dele como nunca tinha dado em ninguém.

- Nunca mais fale isso. Eu nunca precisei de você para educar minha filha. Você não precisa registrar, nem interferir na vida dela.

Não pesei as palavras. Ele me olhou com a mão no rosto ainda.

- Tudo bem, eu não vou interferir.

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Ele ia saindo e percebi que joguei a ultima chance da minha filha no lixo. André correu na direção dele.

- Hei, pra onde você esta indo? - Segurou-o pelo braço

- André, ela pediu pra não interferir, ganhei um tapa no rosto e só me chamaram porque precisam do sangue. Ela passou mais de um ano sem me contar o que houve...

- E se contasse você ia forçar ela abortar. Largue de criancice. Sua filha esta morrendo e talvez só você possa ajudar ela. Você pode ter sido um menino durante muito tempo, mas não acredito que vai continuar sendo. Espero que o homem e pai grite mais alto.

E assim ficamos os três, esperando a decisão dele.

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CAPITULO 14

Sérgio subiu os degraus, para meu alivio. Não nos falamos. Ele foi fazer o exame e dessa vez a demora não foi a mesma. Para falar a verdade, não houve demora. Minha mãe demonstrou preocupação quando o doutor veio antes do esperado. Ele havia feito uma tatuagem a menos de 3 meses. IMPOSSIBILITADO DE DOAR SANGUE. Me recordei do dia. Na praia dava para ver parte dela. Um dragão que começava nas costas e dava uma volta na barriga, próximo de onde ele tinha um sinal em comum com minha filha, não tinha como esquecer.

Meu choro ecou o corredor agora sombrio do hospital. Ele estava derrotado. Não suspeitava que fosse ficar assim. Uma porcaria de uma tatuagem, sempre odiei elas, agora então... Eu não poderia culpa-lo por isso, mas poderia me culpar, se eu não tivesse ido até o André, ou se eu tivesse saído logo, ou se eu nem tivesse me interessado por ele. Se eu decidisse contar outro dia, ou se nem fosse contar... Acho que estava pagando por tudo que fiz de errado. Mas minha pequena não... Será que Deus seria capaz de me punir assim? Usando minha filha? Será que Ele não poderia ter feito isso com outra pessoa? Tanta gente madura e errando o tempo inteiro, e quem sofre é minha filha. Já estava sem esperanças, já sentia que poderia me despedir dela... O tempo passava e a noite chegava. Precisava falar com uma pessoa.

- Desculpa...

- Por que você não me contou?

- Eu poderia estragar tudo... Você desejava alguem perfeito. Uma garota pura... E eu passo longe disso.. - Sorri com lagrimas nos olhos.

- Você esta enganada. Eu tinha um padrão para minha vida. Mas sei o que aconteceu, e você pra mim é a tal pessoa perfeita que você mesma disse. O que aconteceu só te faz alguem mais forte. É verdade que muita coisa vai mudar daqui pra frente... Eu tenho uma familia, e você uma filha...

Abaixei a cabeça com meu olhar fixo no piso sem graça.

- É isso André, eu já não sei se depois de tudo... você ainda vai me amar...

-Marina, achamos um doador. Pra falar a verdade ele nos achou.

A noticia chegou bem de surpresa. Como assim? Depois de tanto procurar, um doador simplesmente nos encontra? Por um instante eu chorei muito, mas só que de felicidade, era impossível não chorar de gratidão. Abracei e fui abraçada inúmeras vezes. Eu ainda não acreditava. Mas era verdade. Minha pequena estaria salva. Eu quis saber quem teria sido o anjo doador. Afinal, uma aparição assim só poderia ser de outro mundo.

- Não me pergunte, ele não quis se identificar. Mas veio com a intenção de doar sangue para a Gabrielle, ele já conhecia o caso.

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O doutor me deixou intrigada. Kamila me abraçou, rimos juntas, mesmo com o peso que Kamila carregaria a partir daquele momento. André me abraçou até tirar meus pés dos chão e me rodar. Parecia um sonho... Finalmente. Me esqueci dos problemas e duvidas que me angustiava no dia anterior. Quando temos alguem por quem viver, vale a pena morrer para todas as outras.

Dali em diante as coisas estavam voltando ao normal, ou melhor, estava se direcionando ao que realmente deveria ser. Sem mais mentiras. No hospital a única dificuldade era não deixar a Gabrielle mexer nos curativos. As vezes ela choramingava. Aquele quarto era um tédio. Em um dos dias, fui surpreendida com o Sérgio nos olhando da porta. Ainda não conseguia falar com ele naturalmente. Ele saiu sem dizer nada. Minha mãe que eu pensei até aquele instante que estava dormindo na poltrona do quarto, resolveu pensar...

- Filha, estava pensando - isso é tenso - Apesar de tudo, ele é o pai.

Ela levantou e quando chegou na porta, me perguntou como quem não quer nada...

-Vou ali tomar um café. Quer também?

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CAPITULO 15 Parece que aquela semana foi um divisor de aguas na minha vida. André permaneceu presente, mas não falamos muito sobre nós. Era algo muito recente e delicado. Finalmente chegou o dia da Gabrielle ir pra casa. Ela se recuperou bem, graças a Deus. Quando cheguei com minha mãe, encontrei o Sérgio naquela varanda... A varanda que um dia foi cenário de birras de amor adolescente. Peguei o andador que tínhamos levado para o hospital e a coloquei. Era quase desnecessário. Sérgio extremamente desajeitado desceu os degraus devagar. Gabrielle hesitou até que ele revelou as mãos que estavam escondidas, mostrando uma nova e linda boneca de pano. Ela olhava pra mim e pra ele, ambos de lados diferentes. Sorri pra ela e ela pareceu entender. Ela foi caminhando até ele e alcançou a boneca. Meses atrás eu teria surtado em vê-los tão próximos. Mas não poderia privar minha filha de ter e conhecer o pai, independente de quem seja. Amei o meu, mesmo com o abandono. Sérgio se aproximou de mim e pude entender o perdão que André havia me contado em uma conversa. Um perdão que não poderia vim de mim. Eu aceitei o fato de já ter errado inúmeras vezes, e mais ainda, aceitei o perdão de Deus. Depois disso, as coisas ficam mais direcionadas. E é mais difícil julgar alguem. Erro por erro, cada um comete o seu. Sérgio sempre foi um meninão. Sem maturidade, e uma filha não mudou por completo a situação. Mas dava pra perceber que a revelação trouxe um abalo. Ele falava menos, e infelizmente riu pouco nos últimos dias. - Bom... não sei por onde começar... - Que tal pelo começo? - Indaguei Ele ficou ao meu lado, de um jeito que poderíamos ambos ver a Gaby. - O começo?! Já não sei onde é o começo. Acho que estamos numa roda gigante, sem começos. Circulo perfeito... - Com altos e baixos...- completei. - Marina, sinto falta de você, mas não como mulher, e sim como aquela menina frágil e doce... - Ela morreu. - Afirmei com um misto de tristeza e orgulho. - Eu a matei. Ficamos em silencio, não sabia o que responder. Ele estava certo. - Eu só queria dizer que me arrependo de ter sido um canalha, e quero saber se posso continuar vendo a Gabrielle. Respirei fundo, aprendi sobre perdão, estava na hora de colocar em pratica... Aquele momento definiria o futuro da minha filha. - Eu não vou priva-la de conhecer o progenitor dela. Mas pai... não sei se posso chama-lo assim. Você pode sim ver ela. Um sorriso bobo surgiu no rosto dele. Parecia fingir ser outro homem, mas preferi acreditar que ele tinha apenas amadurecido. - Muito obrigado. As coisas vão mudar. Ele disse pegando minha mão e lembrando uma intimidade esquecida. Fomos interrompidos por André abrindo a porta da frente, ele havia visto nossa conversa, só não sei o quanto ele ouviu. Ele se aproximou da Gabrielle, pegou-a no colo. E nos deu tempo de despedir. Quando o Sérgio foi embora me aproximei do André. - Oi - sorri sem jeito, e com medo, assumo. - Você esta bem? - Ele perguntou desviando os olhos de mim e olhando para a direção de onde o Sérgio estava - Acho que agora estou. - Que bom. Vamos entrar... *** -Preciso muito te fazer uma pergunta.

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André me deu um certo susto. - Do que você esta falando? - Você pretendia me contar? - É claro, André. Desde que te conheci eu me pergunto como te contar. Já cheguei perto disso algumas vezes, mas Deus resolveu contar por Ele mesmo. Lembrei-me do acidente e fechei os olhos. Aquela cena do fundo do carro esmagado com minha pequena la dentro me causava enjoou. André notou e me abraçou. Que saudade senti desse abraço que parecia me proteger de tudo. - Mari, independente do que aconteceu eu preciso te perguntar algo. - Ele se afastou e pegou algo do bolso - Você ainda gosta de mim? por que eu continuo gostando de você. Ele me mostrou um anel. Não era um pedido de casamento nem noivado, era a coisa mais fofa que vivi nos últimos anos, era simplesmente um anel de compromisso. Na parte de dentro do anel tinha escrito: Relacionamento a três. Sorri sentindo finalmente a alegria que minha mãe esperava ver novamente em mim. Agora estaríamos em três: Eu, ele e Deus. Claro que a pequena Gaby estava nessa conta. Abracei forte ele, até que fomos interrompidos por minha mãe. Seu rosto estava serio. Imaginei que fosse pelo cansaço. Ela teve que manter a força enquanto eu queria desmoronar. Me perguntei quantas vezes conseguirei fazer o mesmo para a minha filha. - Oi André. Já vi que cumpriu a missão do dia, não é?- Ela sorriu e.seus olhos se desviaram para mim - Filha, precisamos conversar. André deu um beijo no anel que já estava em meu dedo e se levantou. - O que houve dessa vez? - Ela esta tão linda...- ela desviou e comentou sobre a Gabrielle que estava saindo do quarto com o André. - Verdade, se recuperou rapido. Parece que tudo desmoronou. Uma amostra grátis do inferno. Até que subitamente apareceu um anjo, e da mesma forma que veio, sumiu. Sem rastros. - Filha, esse... - senti a voz dela falhar- anjo, deixou rastros sim. A encarei incrédula. Ela sabia e não me contou? Queria tanto demonstrar minha gratidão. - Mas a senhora não me contou... - Os rastros podem sumir. - Como assim, sumir? - Preciso que você me acompanhe, o doador precisa muito falar com você.

Eu não tinha ideia que ainda faltava um capitulo da minha vida a ser resolvido. Nós pegamos um taxi e fomos a um outro hospital. Acompanhei minha mãe que já parecia saber onde era o quarto. Quando chegamos a porta ela respirou fundo - É aqui... Entrei e não pude acreditar no que meus olhos estavam vendo.

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CAPITULO 16 - FIM

Me aproximei lentamente quando a porta foi fechada atrás de mim. Os olhos do paciente me encaravam, mostrando uma expressão que parte do corpo não mostrava. Minha mãe sentou em uma cadeira que estava do lado esquerdo da cama, pegou a mão dele com os os olhos marejados.

Um lado do seu corpo estava completamente paralisado. Seu rosto mostrava que havia sofrido um derrame recente. Me aproximei lentamente, ele segurou as minhas mãos. Com a voz fraca e notavelmente transformada:

- Me ... perdoa, filha...

Levantei a cabeça tentando conter as lagrimas. Impossível. Meu "anjo" agora tinha um rosto, e bem conhecido. Não sabia o que dizer. Toda magoa desapareceu quando a ficha caiu. A neta que ele negou, a filha que ele abandonou... Ambas continuaram vivendo por causa dele. A respiração dele estava fraca.

- Fui um mal pai... Nem terei tempo de... ser chamado de avô. - Ele chorava enquanto tentava organizar as frases. - Eu voltei, eu tentei me aproximar... - Observei um sobretudo que estava sobre uma das cadeiras do quarto, me recordei do sujeito entre as arvores. Era ele. - Sabe... aquele rapaz que estava com você, eu gostei dele...E a minha neta... ela é linda, como você. E tem os olhos da sua mãe. Eu não verei ela crescer...

Ele começou a chorar como um bebê. Nunca tinha visto ele daquele jeito.

- Pai, não fala isso. Nós ainda faremos piqueniques juntos, iremos no parque. O senhor ainda vai levar ela para a escola...

Os batimentos cardíacos começaram a acelerar. Minha mãe levantou com o olhar preocupado. Conferindo os aparelhos.

- Pare de falar, descanse.

- Não... Eu não posso... - A respiração mais ofegante ainda - Preciso dizer que nunca deixei de pensar em vocês... Eu amo vocês ainda que não mereça receber esse... amor de volta. Não diz a ela que eu existi... Sou uma vergonha...

- O senhor é o herói dela... - Falei entre lagrimas. - E o meu também.

- Eu preciso que me perdoem... por favor, não precisa se lembrar de mim, só me deixem ir perdoado.

Me uni a ele em um abraço enquanto ele repetia: Por favor, me perdoe...

Beijei sua mão e o lado afetado do seu rosto. Nossas lagrimas se misturavam.

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- Pai, pai, é claro que eu te perdoou. Esquece tudo, vamos recomeçar.

A voz de minha mãe entre soluços contidos revelou o que eu não queria ouvir.

- Não há mais tempo.

A voz de meu pai sumia aos poucos enquanto bip acelerados começaram a soar. Enfermeiros entravam rapidamente enquanto ele sorria e balbuciava sua ultima palavra:

- Obrigada...

- Não pai, não vá. Eu te amo... não vai. Sua neta precisa de você...

Fui tirada da sala a força enquanto os enfermeiros tentavam reanima-lo. Sabia que não poderia entrar, mas parecia tudo tão injusto. Eu queria toca-lo. Fiquei do lado de fora, onda havia uma janela de vidro. As cortinas não foram fechadas, eu poderia vê-lo, o que na verdade foi muito mais angustiante. Minha mãe estava comigo, juntamente com mais um dos enfermeiros que me tirou da sala.

- Filha, você tem que..

- Não mãe! - Gritei não de raiva dela, mas da situação - Eu não vou aceitar, não vou esperar... Ele não pode morrer mãe, não pode... Ele vai brincar com ela assim como brincava comigo... Ele vai...

Eles pararam com as tentativas de reanimação. O semblante que ninguém suporta ver. O médico responsável olhou para nós através do vidro e balançou a cabeça negativamente enquanto uma das enfermeiras cobria o rosto do meu pai. Ele não podem brincar assim, assumi pra minha mãe.

- Ele esta brincando mãe, isso tudo foi uma armação, não foi? Eu já aprendi a lição, me deixem entrar agora.

Eles se olharam e me impediram de entrar.

- Mãe, explica pra eles que o papai sempre brincou assim. Fingíamos que desmaiávamos, a senhora lembra? Conta pra eles mãe... Conta que eu já sei de tudo.

Minha mãe chorava.

- Não filha...

- Me deixem entrar agora! - Gritei.

Fiz toda força que pude para invadir o quarto de meu pai, mas eles eram mais fortes. Outras pessoas começavam a parar para ver o que estava acontecendo. E de repente tudo apagou.

***

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- Mama...

- Isso, pequena. É sua mama que esta ali, descansando. Olha, acho que ela esta acordando. Que tal você ir dar um beijo nela?

Senti o beijo de André na minha testa, e o da minha filha no meu rosto.

- Você esta bem?

- Estou tonta

- Bem... eles precisaram de dar um tranquilizante de efeito rapido.

Apertei meus olhos, mas essa lembrança não sumiria assim tão facil. Um lençol, um passado... um pai. André sentou na cama abraçando-me contra seu peito. Não consegui mais chorar, parece que a dor congelou todas as lagrimas, e isso não me pareceu tão ruim. Ele pegou minha mão e alisando meu anel, perguntou:

- Sabe o significado desse anel?

- Um relacionamento, uma aliança? Não sei...

- Quer dizer que Deus estará sempre presente. Ele é nosso maior Pai. E não nos afastaremos dEle e nem um do outro, entendeu?

- Humhum. André, eu te amo...

- Eu te amo mais...

Senti paz. E é estranho afirmar isso quando se perde alguem que amamos. Só me restará saudade depois que essa dor forte se diluir.

Senti falta da Kamila, mas fiquei sabendo que ela estava se tratando. Depois de uma noticia dessas, ela até que estava superando, mesmo sabendo que não é algo que um dia vá mudar, por que simplesmente não vai. É terrível dizer isso, mas se adaptar ao mal, as vezes parece ser a única saída.

O Sérgio ia frequentemente visitar a Gabrielle, isso não me incomodava, mas incomodava o André que não gostava nada da presença dele, só soube disso porque ele me disse. Não havia notado, eles se tratavam com cordialidade.

Alguns dias depois fui ao cemitério - não consegui ir no dia do enterro - com as pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe, minha filha e André, o homem que amo. Sei que não poderia falar com meu pai, nunca suportei a ideia de ver um vivo conversando com uma lápide. Mas agora, ali diante dela, eu entendi a necessidade que o ser humano tem de criar fugas para sua dor. Não acreditamos que vai melhorar, mas tentamos. Não levei flores. Lembrei-me de que quando era muito pequena peguei duas flores simples de um

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pequeno jardim na frente de casa. Entreguei uma a minha mãe e uma ao meu pai. Ele retrucou: - Homem não recebe flores!

- O senhor não é um homem só, o senhor é o meu pai.

Minha mãe me contou isso, afirmando que o deixei sem jeito. Sussurrei: - Ele era o meu pai.

Como o André mesmo disse, tenho um Pai maior, e que de uma forma ainda mais dolorosa e injusta entregou seu filho por amor a mim. Olhei para os céus, imaginando quando estaria la, e quando os veria. André pareceu ler meu pensamento.

- Em breve nos encontraremos com ele, meu amor. Em breve nos encontraremos com os dois...

Ele beijou minha testa e demos as costas a lapide. Eu não queria mais voltar aquele lugar tão vazio. Saí com a certeza de que tudo iria melhorar. E que eu nunca iria esquecer o homem que salvou a vida de minha pequena princesa. Tudo isso deixei gravado na lápide:

”Sempre vamos te amar”

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