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PerSe Editora R. Turiassú, 390 - Conj. 176 Perdizes - São Paulo - SP CEP: 05005-000 TEL: 3675-8075 CNPJ: 11.053.820/0001-68

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Natal Monico

Primeira Edição

São Paulo 2013

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Natal Monico 5

Vivendo à sombra de outra mulher

Romance

Primeira Parte

A Rodovia Presidente Dutra tinha um tráfego muito pesado naquele dia, era gente querendo voltar para casa nos dois sentidos da estrada. De um lado milhares de turistas e mesmo moradores querendo passar o reveillon mais badalado do país naquele que é, sem dúvida, o da cidade do Rio de Janeiro. Nada menos que milhares de automóveis particulares se misturavam as centenas de veí- culos fretados. Empresas com linhas regulares colocaram uma enorme quantidade de ônibus extras e para infernizar ainda mais o trânsito centenas de caminhões de carga, al- guns em precárias condições e muito lentos tornavam a viagem muito cansativa em direção a Cidade Maravilhosa.

O ônibus tinha a sua chegada prevista para as

oito horas da manhã daquele dia trinta e um de dezembro de mil novecentos e setenta e oito. O sono começava a misturar os pensamentos de Mauro, ele lutava contra a sonolência tentando se distrair com um livro de piadas que adquirira na rodoviária, mas, inutilmente. Não era seu costume viajar, porém, naquele dia foi tomado de surpresa ao chegar para o trabalho naquela noite véspera de fim de ano, pois trocara de turno com um amigo que precisara atender ao chamado de emergência do pai em relação à saúde de sua mãe. Ele foi encaminhado ao escritório da metalúrgica em que tra- balhava, onde o próprio patrão o recebeu.

Mauro, você é o único empregado solteiro

disponível nesta noite, por isso, eu não tive outra escolha, preciso que você dê uma chegada até o Rio de Janeiro

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porque um cliente necessita urgentemente de uma peça, a indústria está com uma máquina parada desde cedo com sérios prejuízos na sua produção. O cliente não encontrou a peça para reposição lá no Rio, nos ligou e pede urgência no envio desse material. Eu mesmo iria, mas minha esposa está grávida e a criança deve nascer por estes dias, espero que você entenda que eu não posso deixá-la sozinha.

Amanhã é o último dia do ano e dia primeiro

será feriado, portanto, você terá praticamente dois dias para se divertir lá no Rio de Janeiro. Sei que você gostaria de festejar a passagem do ano junto aos seus familiares, mas esse é um cliente muito importante, não podemos perdê-lo de jeito nenhum.

Mauro acordou com o sol no rosto, olhou para

o relógio de pulso eram sete horas tinha ainda mais uma hora de viagem. Puxou a cortina para se proteger do sol e fechou os olhos na tentativa de dormir mais um pouco quando um violento barulho de ferragens aconteceu. O motorista pisou no freio, mas não foi o suficiente para evitar a colisão, alguns passageiros se feriram com alguma gravidade, Mauro, no entanto, teve mais sorte nada sofreu. O ônibus não poderia seguir viagem, pois a avaria era grande. Os feridos foram encaminhados para um hospital próximo, enquanto os demais teriam que aguardar mais uma ou duas horas até que um veículo reserva viesse buscá-los.

Mauro pensou nos familiares, mal tivera tempo

de avisá-los sobre a viagem. Pensou na namorada a quem prometera apresentá-la aos seus pais naquela passagem de ano, balançou a cabeça e pensou: – que azar deu tudo errado logo agora tinha que aparecer esta viagem, se pelo menos ela estivesse aqui comigo. – Ele estava sentado sobre uma pequena caixa de madeira onde estava acomodada a peça

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quando uma buzina chamou a sua atenção, ele levantou a cabeça, mas não reconheceu ninguém. Novamente a buzina soou, o auto estacionou ao lado da rodovia e um garoto de pouco mais de doze anos correu em sua direção, dizendo: – Moço, meu pai está chamando você. – Mauro levantou-se apanhou a caixa com algum esforço, pois a mesma era pe- sada e foi em direção ao veículo e atrás dele vinha o menino dando pequenos pulos.

É comigo que você quer falar? Você não trabalha lá em São Paulo, na Meta-

lúrgica Renovar? Sim, o senhor me conhece de lá? Estive lá algumas vezes. O Humberto é meu

primo, na última vez que estive lá vi você trabalhando no almoxarifado. O que você vai fazer no Rio de Janeiro?

Estou levando uma peça para um cliente. O Humberto podia ter me ligado, ele sabia que

eu vinha passar o reveillon no Rio, poderia ter evitado todo esse trabalho.

Aconteceu tudo tão de repente, ele com certeza não lembrou que o senhor viajaria para o Rio.

O que aconteceu com o ônibus em que você viajava?

Não sei direito, eu estava quase dormindo quando acordei com a freada e o barulho, creio que o moto- rista do carro deve ter pisado do freio de repente, o ônibus provavelmente vinha colado e acabou batendo.

O tráfego no local estava lento, por isso, deu para reconhecer você sentado sobre essa caixa ali na beira da estrada. Vamos colocar esse volume no porta malas, eu levo você até o terminal rodoviário do Rio.

Só então, Mauro, reparou na moça que ocupava

o assento de trás, alguma coisa percorreu todo seu corpo,

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parecia uma corrente elétrica. Era uma moça muito bonita, mas seu olhar apesar dos lindos olhos verdes parecia triste. Ele agradeceu o oferecimento e acomodou-se no assento da frente, enquanto o garoto tomou assento no banco de trás.

Durante a viagem conversaram sobre vários

assuntos. Às vezes o garoto participava da conversa, da moça, porém, Mauro não ouviu a voz, somente sentia o seu perfume adocicado e suave. Antes de deixá-lo na rodoviária onde era esperado, Renato, o homem ao volante ofereceu-lhe uma carona de volta a São Paulo para o começo da tarde do dia primeiro de janeiro. O rapaz aceitou a oferta e o encontro foi marcado para as quatorze horas, ali mesmo na rodoviária.

Na Rodoviária Mauro foi abordado por um re-

presentante da empresa do Rio de Janeiro e depois das apre- sentações foi conduzido até uma caminhonete que o trans- portou até o seu destino. A peça deveria ser instalada em sua presença para que não houvesse reclamações posteriores. Depois de tudo acertado ele foi encaminhado para um pe- queno hotel, todavia, muito confortável, onde permaneceria os dias que dispunha para conhecer a Cidade Maravilhosa.

Uma coisa, no entanto, não saia da sua cabeça, a

moça que por mais de uma hora viajara no assento traseiro sem dizer uma única palavra, sem emitir um único som. Mauro fechou os olhos, mentalizou-a e teve a nítida sensação de tê-la em sua frente. Como era bonita! Cabelos negros, longos e ondulados, olhos grandes e verdes iguais a duas lindas esmeraldas e vestia-se elegantemente como se fosse para uma festa. De repente veio em sua mente que nem o homem que dirigia e nem o garoto dirigiu a ela uma única palavra ou fizeram qualquer pergunta para que ela pudesse responder.

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É possível que tenha acontecido algum desen- tendimento entre eles, essas coisas acontecem e quando acontecem as pessoas ficam horas, às vezes, alguns dias sem trocarem uma palavra. Que pena bem que eu gostaria de ter ouvido a sua voz, uma mulher bonita como aquela deve ter a voz suave, quente, envolvente e... se não for sonhar demais, muito sensual. Esse era o pensamento do jovem.

Pare de sonhar, Mauro, já esqueceu a namorada?

– Ele balançou a cabeça como a mandar aquelas imagens para bem longe e sorriu pensando na sua situação financeira. Como pensar numa mulher bonita e elegante como aquela, dentro de um automóvel importado e luxuosíssimo como aquele sendo ele um pobre Zé Pereira, um simples meta- lúrgico sem eira nem beira? Já era muita sorte ele ter conseguido aquela carona. – Anda Mauro, acorda desse sonho ridículo e vai conhecer Copacabana. É isso mesmo, tenho que aproveitar estes dias aqui nesta cidade, é bem possível que eu nunca mais tenha outra oportunidade como esta.

Com tantas coisas para se ver e fazer lá no Rio

os dias voaram, quando ele se deu conta já era hora de ir para a rodoviária. Não poderia perder aquela carona, pois com o retorno garantido nem pensou em reservar passagem.

Cinco minutos depois, Renato, encostou o auto

no meio fio e o mesmo garoto saltou do carro e foi ao encontro de Mauro conduzindo-o até o veículo. Para decepção do jovem a moça não estava no interior do mesmo, somente pai e filho faziam a viagem de volta. – Seria indelicadeza perguntar pela jovem? – O rapaz pensou por alguns instantes e acabou concluindo que seria melhor não perguntar.

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A rodovia tinha um tráfego pesado não permitia muita conversa, por isso, toda atenção deveria se concen- trar na estrada, pois mal conservada obrigava o condutor do veículo a fazer verdadeiros malabarismos para não cair em algum buraco mais profundo. Foi com grande alívio que Mauro viu surgirem ao longe os primeiro prédios da cidade de São Paulo.

O rapaz imaginou que Renato iria deixá-lo perto

do centro onde poderia tomar uma condução até a sua casa. Enganou-se, porém, ficou surpreso quando o homem que lhe dera carona o convidou para uma cerveja em sua residência. – Seria falta de educação não aceitar? – Antes que pudesse responder Renato voltou a falar: – Somente uma cervejinha para refrescar depois eu levo você até a sua casa.

Como eu poderia recusar um convite desses?

Perguntou-se. Afinal, havia ganhado um bom tempo vindo de carro e uma cervejinha ia cair bem, pois fazia muito calor naquele primeiro de janeiro de mil novecentos e setenta e nove. Eram dezenove horas e quarenta e cinco minutos quando o auto encostou junto ao portão de um elegante edifício de apartamentos no bairro de Vila Mariana. – Finalmente em casa! Venha, Mauro, vamos tomar aquela cervejinha, nem vou guardar o carro. – Disse Renato.

Mauro, metalúrgico de profissão, rapaz simples

e de família humilde olhou para àquele majestoso edifício de colunas altas e revestidas em mármore, com enormes e elegantes sacadas penduradas do lado de fora que mais pareciam desafiar a lei da gravidade. Então, perguntou para ele mesmo. – Meu Deus! Onde é que eu vim parar? Olha só em que lugar eu vim amarrar o meu burro!

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Venha, Mauro, vamos subir. Por favor, aperta o oito para mim.

O rapaz apertou o botão que indicava o oitavo

andar e sem saber o que fazer com as mãos colocou-as atrás das costas entrelaçando os dedos, abaixou a cabeça e sem querer seus olhos pousaram nos sapatos de Renato, que de belíssimo formato e em cromo alemão eles mais pareciam espelhos. Nem teve coragem de olhar para os seus, sabia que era de um marrom opaco, todo esfolado e que não via graxa desde que fora adquirido. Muito sem graça não sabia o que dizer, de repente lembrou-se da moça dos olhos da cor de esmeralda, ele pensou em perguntar por ela, mas na sua educada humildade, desistiu. Ainda bem que o elevador parou e abriu a porta, Mauro não se sentia bem em locais fechado, especialmente em elevadores e do metrô não gostava nem mesmo de ouvir falar, ele sempre dizia que quem anda embaixo da terra ou é minhoca ou é tatu.

Em poucos minutos lá estava ele numa sala

enorme e elegantemente mobiliada. Ele pensou. – Esta sala é maior do que toda minha casa, minha não, da dona Rosa, a casa é de aluguel. – Mauro interrompeu seus pensamentos, pois num canto da sala havia uma poltrona para uma só pessoa e como uma princesa, lá estava ela, a dona daqueles lindos olhos verdes, do perfume adocicado e suave, a passa- geira misteriosa que não conseguia tirar do pensamento. Novamente um forte arrepio percorreu todo seu corpo e sem poder conter a sua emoção, ele exclamou. – Deus! Como é linda!

O que foi que você disse Mauro? Desculpe-me, senhor Renato, mas é impossível

deixar de elogiar tanta beleza.

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Ah! Você está falando do quadro? É minha filha, Dorly.

Mauro olhou para o quadro na parede, depois para a moça da poltrona, era ela, o vestido do retrato era o mesmo que ela vestia e também viajara naquele dia.

Eu posso fazer-lhe uma pergunta um tanto

indiscreta, senhor Renato? Bem, se não for muito indiscreta, talvez eu

possa responder. A moça que viajava com o senhor naquele dia

não retornou, eu imaginei que ela tivesse ficado no Rio de Janeiro, mas assim que entramos logo a vi sentada naquela poltrona, eu pensei que...

O rapaz olhou em direção aquele móvel, porém,

a moça não se encontrava mais. Desconcertado ele emendou com outra pergunta a que não terminara de formular.

Estou enganado ou ela tem uma irmã gêmea? Não estou entendendo o que você está queren-

do dizer. De que moça você está falando? Da moça que viajava com o senhor e com o

seu filho naquele dia em que me deu carona para o Rio. Não havia moça nenhuma no carro, era só eu e

meu filho, depois você e, por favor, pare de me chamar de senhor.

Está bem, Renato, só que quem não está entendendo nada agora sou eu. A moça viajou o tempo todo no banco de trás, eu a vi assim que entrei no carro e achei estranho o fato por ela não ter pronunciado uma única pala- vra durante toda viagem, eu não disse nada porque imaginei que houvesse uma zanga entre vocês.

Como era essa moça, Mauro?

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Era a mesma que está aí no quadro, até o vestido era o mesmo.

Não, não pode ser a minha filha Dorly morreu afogada na piscina da nossa casa de campo lá em Rezende, minha mulher ainda hoje não se conforma.

Novamente um arrepio subiu dos pés a cabeça

do jovem a ponto de ele sentir os cabelos em pé. Renato, a moça que a pouco se encontrava

sentada naquela poltrona quando entramos onde ela está? Eu tenho certeza é a mesma do retrato.

Você está vendo coisas, Mauro, Dorly está morta e Elisa minha outra filha passou o reveillon com a mãe na casa de campo, elas não gostam muito dessas festas, não demora muito elas chegam, liguei para elas antes de sair do Rio e combinamos nos encontrar aqui por estas horas.

Sinto muito, Renato, eu não queria fazer você lembrar de coisas tristes, mas eu juro que estou dizendo a verdade. Hoje quando a vi ali naquela poltrona eu tive a impressão de estar vendo uma princesa. Ela usava um lindo vestido branco rendado e todo bordado com fios de ouro, exatamente como esse do quadro. Trazia um par de brincos em forma de sino todo cravejado com pequeninos brilhantes e no pescoço um colar muito bonito, mas, difícil de des- crever. Era uma peça toda rendada, creio que em ouro branco e uma pedra preciosa fixada no centro. Todo o conjunto parecia uma espécie de teia de aranha.

Não, não é possível esse vestido e essas jóias ela só usou no dia da sua festa de debutante, ela só tinha quinze anos e quatro anos depois ela morreu e isso já faz três anos, ela estaria hoje com vinte e dois para vinte e três. Ela adorava esse vestido e essas jóias e da sua festa só nos resta essa lembrança que está aí pendurada na parede. Dorly

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era muito linda, ela era exatamente como você a descreveu, uma princesa.

Por acaso o vestido e as jóias ainda estão aqui? Sim, estão, tudo o que era dela está em seu

quarto, minha mulher não admite desfazer-se de nada que era de Dorly.

Então é isso, o espírito dela está preso a esta casa e a esta família. Sabe, Renato, eu acho que ela ainda não tem consciência de que já fez a passagem. Você precisa mandar rezar algumas missas em intenção de sua alma para que finalmente ela possa se desligar definitivamente do plano material.

Mauro se é verdade que você a viu, se ela realmente está entre nós para que mandá-la embora se ela se sente bem aqui? É melhor que fique pelo menos não estará por aí vagando sem rumo.

Sinto ter de contradizer-lhe, um espírito ne- cessita de paz, precisa seguir o seu caminho livre de qual- quer sentimento que o ligue ao plano material, e isso ela somente irá encontrar através da ajuda de vocês. Parem de pensar em sua filha como se ela ainda estivesse viva, desfaçam-se das coisas que a prendem a esta casa e rezem muito por ela.

É que você não conhece minha mulher, se ela ouvisse você neste momento creio mesmo que seria capaz de expulsá-lo daqui. Não tem um só dia em que ela não se tranca naquele quarto e fica lá por horas chorando a cada peça que ela acaricia.

Ela não sabe o mal que está fazendo para a sua própria filha.

Ela não sabe disso, Mauro. Eu venho tentando convencê-la a desfazer-se de tudo que lembre nossa filha, mas, inutilmente. Agora você diz que minha filha está aqui nesta casa tão perto de nós, se nos desfizermos das coisas que eram dela ela também irá embora, só nos restará à

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saudade da nossa princesinha. Mas se é para o bem dela como você diz, vou fazer a minha parte já que tenho certeza absoluta que não conseguirei convencer minha mulher.

Isso mesmo, Renato, reze muito por ela. Se você me permitisse eu falaria com a sua mulher, quem sabe ela ouviria uma pessoa de fora.

Bem, se você não se importar em ser maltrata- do de minha parte tudo bem, mas não fale nada sobre pre- ces porque ela não acredita, ela pertence a uma entidade que diz que rezar é pura perda de tempo. Falando nela olha aí, já está chegando com Elisa.

Ah! Minhas duas namoradas já chegaram, não sei como vocês conseguem passar os dias mais alegres do ano enfiadas naquele sitio lá no meio do mato. Como estão vocês minhas queridas?

Muito bem, Renato, você e Gustavo aprovei- taram bem esses dias lá no Rio?

Foi tudo bem, depois eu conto tudo com mais detalhes, mas deixe-me apresentar o Mauro para vocês. Esta é Helena, minha esposa, e este docinho de coco é Elisa, minha filha.

Prazer em conhecê-la, dona Helena, muito pra- zer em conhecê-la, senhorita Elisa.

De onde vocês se conhecem? Mauro é empregado do meu primo Humberto,

nos encontramos por acaso na estrada a caminho do Rio e como íamos voltar para São Paulo no mesmo dia dei-lhe uma carona até aqui, agora vamos tomar uma cerveja.

Mauro, você me perdoa, mas preciso descansar um pouco, estou com uma dorzinha de cabeça desde que saímos do sitio. Quem sabe um outro dia possamos conver- sar um pouco mais, com licença.

Elisa, meu docinho de coco, converse um pou- co com ele enquanto vou buscar as cervejas e alguns salga- dinhos para acompanhar a bebida.