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Suplemento de Educação 16 Suplemento Especial / Folha Dirigida Outubro de 2013 Violência escolar: o professor sob ameaça Pesquisas mostram que a violência no ambiente escolar é um problema que atinge em cheio os professores, seja da rede pública ou particular, por meio de casos de desrespeito que se multiplicam e se materializam em histórias dramáticas. Omissão dos gestores e falta de investimentos agravam quadro Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp) 5 5 5 6 10 39 Furto Discriminação Agressão física Bullying Assédio moral Agressão verbal Casos de agressão mais relatados por professores (%) A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS EM NÚMEROS Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp) 24 44 65 29 47 55 Fundamental I Fundamental II Médio Vítimas de agressão, por sexo e segmento (%) homens Mulheres LÍVIA MENEZES [email protected] sala de aula, que era para ser um ambiente de estudo, em muitos casos se assemelha a um ringue. Esse é o re- trato das escolas brasilei- ras onde a violência con- tra professores faz parte do cotidiano. Os docentes são, em mui- tos casos, as vítimas e os estudantes os agressores. Segundo pesquisa divulgada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp) em maio deste ano, 44% dos professores da rede estadual paulista já sofreram algum tipo de violência na escola. A agressão verbal é a forma mais comum de ataque, tendo atingido 39% dos docentes, seguida de assédio moral (10%), bullying (6%) e agressão físi- ca (5%). O estudo mostra ainda que quem mais sofre violência escolar são os professores do sexo masculino que lecionam no ensino médio: 65% de- les foram agredidos de alguma forma. “Os professores são mais direta e constantemente atingidos porque li- dam mais tempo com os estudantes nas salas de aula, mas há muitos ca- sos de agressões contra diretores, fun- cionários e outros profissionais. É pre- ciso dizer também que os estudantes também são atingidos por colegas”, afirmou a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha. Segundo dados, quatro entre dez pro- fessores já vivenciaram algum tipo de violência dentro da unidade escolar. Muitas vezes estes profissionais solici- tam licenças médicas, transferência para outras unidades escolares ou abandonam a profissão. Este tipo de situação provo- ca insegurança em todo o corpo docen- te e na comunidade escolar, resultando em um ambiente propício a mais ocor- rências violentas, ocasionando em pre- juízos ao processo educativo. “Na pesquisa, os professores consi- deram que os alunos são os principais autores, mas também as principais ví- timas da violência nas escolas. Todo o ambiente escolar é atingido pelas si- tuações de violência. No momento, es- tamos desenvolvendo mais três pesqui- sas. Duas sobre violência (o olhar dos pais e os olhar dos estudantes) e outra sobre qualidade do ensino”, explicou a presidente da Apeoesp. Os professores e pesquisadores na área são unânimes em afirmar que o cerne da indisciplina está na falta de educa- ção em casa, prejudicando o processo ensino-aprendizagem. O estudante não assimila regras básicas de convivência social, acha que tudo é permitido, in- viabilizando a aula. Os pais ou respon- sáveis transferem à escola o papel de educar seus filhos, não apenas no que se refere à transmissão do conhecimento. “Os professores apontaram na pesqui- sa que consideram as indisciplinas dos alunos, a falta de respeito, a desvalori- zação da sua própria profissão, a falta de interesse dos alunos pelos estudos, presença de drogas e álcool e a falta de participação da família, entre outros, também como formas de violência”, ex- plicou Maria Izabel Azevedo. A pesquisa concluiu que a solução para o problema da violência nas escolas envolve uma aliança estratégica entre professores, pais, estudantes, o poder público e a sociedade. E que é preciso desenvolver dentro de cada escola pro- jetos de esclarecimento, prevenção e combate à violência, mas que para te- rem sucesso precisam do apoio das fa- mílias e da comunidade. Desvalorização da carreira do professor agrava o quadro Já no Grande Rio, uma pesquisa rea- lizada em 65 escolas públicas e parti- culares, sendo 13 do Rio de Janeiro, 43 de Niterói, sete de São Gonçalo e duas de Itaboraí, por 150 alunos da Facul- dade de Educação da Universidade Fe- deral Fluminense (UFF) e coordenada pela professora Marília Etienne Arre- guy, revela também dados alarmantes: 68% das instituições analisadas apre- sentam alguma forma de violência e 85% não têm psicólogos. Maus-tratos, brigas entre colegas e conflitos com professores foram as ocorrências mais comuns. O estudo “Relações entre Psi- cologia e Educação- mapeamento das práticas” foi desenvolvido entre 2010 e o final de 2011. “A principal forma de violência é a falta de reconhecimento. Tendemos a pensá-la, em geral, como um fator con- creto e visível, mas há outras formas, a princípio invisíveis, porém muito mais graves. A pior forma de violência está ligada à manutenção de um estado das ‘coisas como elas são’, como se não fosse possível mudar, melhorar e criar novas sociabilidades”, afirma Marília Etien- ne Arreguy, enfatizando a violência sim- bólica, acerca das diferenças entre clas- ses sociais, a que estão expostos os pro- fessores. “É necessário observar, portanto, as formas silenciosas e instituídas da violência na nossa sociedade, que hi- pervaloriza aspectos estéticos e finan- ceiros de uma minoria de ricos reuni- dos numa ilha (de caras) e que atribui salários sem o mínimo parâmetro de equivalência entre diferentes profissões (ex.: modelos, jogadores de futebol, ju- diciários X professores, empregados as- salariados, profissionais de limpeza, etc.), estabelecendo uma diferença abis- sal entre pessoas, como se uns fossem intrinsecamente melhores que os ou- tros. Todas as profissões são importan- tes. A educação é o que funda toda cul- tura”, afirmou. Segundo a pesquisadora, cada vez mais o professor é desvalorizado, e isso ine- vitavelmente é refletido em sala de aula. Para ela, o problema da falta de autori- dade dos educadores está ligado à deca- dência do modelo tradicional de ordem e autoridade, que foi abalado nas últi- mas décadas. “Quando o professor não sabe mais ao certo qual é o seu poder, os alunos percebem. Diante da falta de identificação com uma figura que deve- ria ser um modelo, ademais, ao serem submetidos a uma figura falha e com autoestima em baixa, as crianças e jovens se ressentem e podem “atacar’ seu pro- fessores, verbal e fisicamente, afora o desprezo e desinteresse em suas aulas, o que é muito pior”, explicou. Falta de profissionais de apoio dificulta solução De acordo com Marília Arreguy, a pes- quisa mostra que há diferenças nas for- mas relatadas de violência quando se comparam instituições federais, esta- duais e municipais, havendo mais pre- cariedades, em geral, nas duas últimas, o que gera mais situações objetivas de violência. “Muitos professores parecem ter medo de falar sobre (os casos de vi- olência que sofrem), por receio de per- derem seus contratos ‘precários’ quando não são concursados. Atualmente, es- tamos avaliando a presença ou não de policiais militares nas escolas e a opi- nião dos professores é muito díspar em relação a isso. Ainda pretendemos es- tudar mais esse fenômeno antes de divulgar dados”, disse. A pesquisadora lamentou a ausência de profissionais de psicologia e de as- sistência social dentro das escolas, so- bretudo nas públicas, e concluiu que a violência crescente nessas instituições de ensino é acentuada pela falta de apoio aos alunos, na sua maioria, pobres. “O que vimos como um fator muito amplo (e sinal de uma violência objeti- va do sistema contra o ensino), no estu- do divulgado em 2012, foi a escassez, senão absoluta ausência de psicólogos e assistentes sociais nas escolas públi- cas, o que é muito grave, quando se tra- ta de uma cultura tão empobrecida e, diríamos, do ponto de vista psicológi- co, machucada e humilhada como é a nossa. O descaso com a pobreza e os graves desníveis sociais que estrutura- ram desde sempre a sociedade brasileira produzem marcas profundas nos sujei- tos, sendo fonte de sofrimento, confli- to e atuação agressiva nas crianças, prin- cipalmente, dos adolescentes, que pas- sam a ser um sintoma encarnado de uma doença social muito maior. A figura de destino dessa revolta, muitas vezes, é o professor, que está na linha de frente da educação, já que muitos pais, atual- mente, não têm tempo para dar aten- ção aos seus filhos”, afirmou. Segundo Marilia Etienne, muitos têm medo de relatar agressões que sofreram Maria Isabel: muitos professores entram de licença médica por causa da violência GABRIEL SALLES DIVULGAÇÃO Professores relatam histórias dramáticas Já virou rotina a violência contra pro- fessores, mas muitos dos casos não são registrados. Professora das escolas mu- nicipais Olegário Mariano e Roberto Silveira, Valquíria Cordeiro conta que nos primeiros anos de magistério en- frentou uma série de pequenas agres- sões por parte dos alunos. “Um dos casos de agressão que sofri, sendo este moral, foi por parte um gru- po de alunos do 7º ano do ensino fun- damental. A situação aconteceu após uma guerra de bolinhas de papel, boa parte direcionada a minha pessoa. En- tão, resolvi dar aula em voz baixa, fa- zendo com que um grupo pequeno che- gasse mais próximo para ouvir. Os alu- nos que fizeram a agressão com boli- nhas ficaram em silêncio por um tem- po, mas depois voltaram a dificultar a aula. Ao fim do dia fui convidada a comparecer a direção da escola para esclarecer um vídeo que os alunos fi- zeram, no qual eles me denunciavam por não dar aula. A reação da direção foi chamar os pais e destruir o vídeo, alegando que a ação das crianças era cri- me”, afirmou, acrescentando que esco- la era de classe média alta na Baixada Fluminense. E relata outro problema de agressão verbal, que aconteceu numa escola da rede estadual do Rio. “Um aluno do 9º ano do ensino fun- damental, após ser chamado a atenção pelo comportamento inadequado em sala, sentou–se e começou a dizer coi- sas do tipo: ‘depois acorda com boca cheia de formigas e não sabe por quê!’, entre outras frases de ameaças, faladas de maneira não direta’”, explicou. Segun- do Valquíria, a situação de agressão di- reta e indireta é constante dentro das salas de aula, por alunos de várias fai- xas de idade. Ela afirma já ter sido acu- sada de agressão por um aluno de 6 anos, que cursava o 1º ano do ensino funda- mental. “Ele alegou que por desobedi- ência às minhas ordens, eu o peguei pela camisa e o obriguei a entrar na fila com as demais crianças. Mas que depois de ter visto o rasgo na camisa eu mandei que ele mesmo costurasse”, afirmou, explicando que não encostou na crian- ça e que ele estava se arrastando no chão. “Ele criou toda uma história, que a mãe acreditou, para se livrar de algo que ele tinha feito”, finalizou. A professora Julia Lopes também re- latou um caso de violência sofrido por ela durante a aplicação de uma prova na rede pública. “Os alunos estavam fa- lando e eu pedindo para que não falas- sem. Um aluno então comentou a res- posta de uma das questões e eu tirei a prova dele. Nesse momento ele retru- cou que outras pessoas também esta- vam falando e proferiu um palavrão contra a minha pessoa. O encaminhei para a direção da escola”, afirmou. A professora conta que depois disso, dois alunos começaram a falar e atrapalhar a prova, e ela pediu que se calassem. “Esses mesmos alunos começaram a provocar uma aluna da sala dizendo que a matariam e jogariam para os cães co- merem, em tom de brincadeira, mas é óbvio que isso não é brincadeira que se faça. Pedi repetidas vezes que parassem e dessem o direito dos demais concluí- rem as suas avaliações”, diz a professo- ra, lembrando que, em seguida, come- çou a chorar por ser xingada. “Então um dos meninos começou a rir e a dizer que eu gostava de sofrer, eu estava feliz em passar por aquilo porque eu era professora deles. ‘Ela está gostando disso’, ‘Ela gosta de sofrer’, ‘Vai dar aula em outra escola, porque aqui a senhora vai ser tratada assim’”, explicou. Júlia Lopes conta que após duas semanas, a mãe do aluno veio falar com ela e disse que o filho não era assim, que ele se tornou uma pessoa agressiva para se defender das agressões dos colegas. “Eu me senti humilhada por um rapaz de 14 anos, enquanto estava tentando ensinar. A sensação que fica é de que é difícil seguir adiante. O aluno que me humi- lhou foi transferido de turma e o outro saiu da escola”, concluiu. Professora Valquíria lembra com tristeza dos dias em que sofreu com o desrespeito por parte de estudantes ARQUIVO PESSOAL A

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Suplemento de Educação16Suplemento Especial / Folha Dirigida Outubro de 2013

Violência escolar: o professor sob ameaçaPesquisas mostram que a violência no ambiente escolar é um problema que atinge em cheio os

professores, seja da rede pública ou particular, por meio de casos de desrespeito que se multiplicam e sematerializam em histórias dramáticas. Omissão dos gestores e falta de investimentos agravam quadro

Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp)

5

5

5

6

10

39

Furto

Discriminação

Agressão física

Bullying

Assédio moral

Agressão verbal

Casos de agressão mais relatados por professores (%)

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS EM NÚMEROS

Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp)

24

44

65

29

47

55

Fundamental I Fundamental II Médio

Vítimas de agressão, por sexo e segmento (%)

homens Mulheres

LÍVIA [email protected]

sala de aula, que era para serum ambiente de estudo, emmuitos casos se assemelhaa um ringue. Esse é o re-trato das escolas brasilei-ras onde a violência con-tra professores faz parte

do cotidiano. Os docentes são, em mui-tos casos, as vítimas e os estudantesos agressores.

Segundo pesquisa divulgada peloSindicato dos Professores do EnsinoOficial de São Paulo (Apeoesp) emmaio deste ano, 44% dos professoresda rede estadual paulista já sofreramalgum tipo de violência na escola. Aagressão verbal é a forma mais comumde ataque, tendo atingido 39% dosdocentes, seguida de assédio moral(10%), bullying (6%) e agressão físi-ca (5%). O estudo mostra ainda quequem mais sofre violência escolar sãoos professores do sexo masculino quelecionam no ensino médio: 65% de-les foram agredidos de alguma forma.

“Os professores são mais direta econstantemente atingidos porque li-dam mais tempo com os estudantesnas salas de aula, mas há muitos ca-sos de agressões contra diretores, fun-cionários e outros profissionais. É pre-ciso dizer também que os estudantestambém são atingidos por colegas”,afirmou a presidente da Apeoesp, MariaIzabel Azevedo Noronha.

Segundo dados, quatro entre dez pro-fessores já vivenciaram algum tipo deviolência dentro da unidade escolar.Muitas vezes estes profissionais solici-tam licenças médicas, transferência paraoutras unidades escolares ou abandonama profissão. Este tipo de situação provo-ca insegurança em todo o corpo docen-te e na comunidade escolar, resultandoem um ambiente propício a mais ocor-rências violentas, ocasionando em pre-juízos ao processo educativo.

“Na pesquisa, os professores consi-deram que os alunos são os principaisautores, mas também as principais ví-timas da violência nas escolas. Todo oambiente escolar é atingido pelas si-tuações de violência. No momento, es-tamos desenvolvendo mais três pesqui-sas. Duas sobre violência (o olhar dospais e os olhar dos estudantes) e outrasobre qualidade do ensino”, explicoua presidente da Apeoesp.

Os professores e pesquisadores na áreasão unânimes em afirmar que o cerneda indisciplina está na falta de educa-ção em casa, prejudicando o processoensino-aprendizagem. O estudante nãoassimila regras básicas de convivênciasocial, acha que tudo é permitido, in-viabilizando a aula. Os pais ou respon-sáveis transferem à escola o papel deeducar seus filhos, não apenas no quese refere à transmissão do conhecimento.“Os professores apontaram na pesqui-sa que consideram as indisciplinas dosalunos, a falta de respeito, a desvalori-zação da sua própria profissão, a faltade interesse dos alunos pelos estudos,presença de drogas e álcool e a falta departicipação da família, entre outros,também como formas de violência”, ex-plicou Maria Izabel Azevedo.

A pesquisa concluiu que a solução parao problema da violência nas escolasenvolve uma aliança estratégica entreprofessores, pais, estudantes, o poderpúblico e a sociedade. E que é precisodesenvolver dentro de cada escola pro-jetos de esclarecimento, prevenção ecombate à violência, mas que para te-rem sucesso precisam do apoio das fa-mílias e da comunidade.

Desvalorização da carreirado professor agrava o quadroJá no Grande Rio, uma pesquisa rea-

lizada em 65 escolas públicas e parti-culares, sendo 13 do Rio de Janeiro, 43de Niterói, sete de São Gonçalo e duasde Itaboraí, por 150 alunos da Facul-dade de Educação da Universidade Fe-deral Fluminense (UFF) e coordenadapela professora Marília Etienne Arre-guy, revela também dados alarmantes:68% das instituições analisadas apre-sentam alguma forma de violência e85% não têm psicólogos. Maus-tratos,

brigas entre colegas e conflitos comprofessores foram as ocorrências maiscomuns. O estudo “Relações entre Psi-cologia e Educação- mapeamento daspráticas” foi desenvolvido entre 2010e o final de 2011.

“A principal forma de violência é afalta de reconhecimento. Tendemos apensá-la, em geral, como um fator con-creto e visível, mas há outras formas, aprincípio invisíveis, porém muito maisgraves. A pior forma de violência estáligada à manutenção de um estado das‘coisas como elas são’, como se não fossepossível mudar, melhorar e criar novassociabilidades”, afirma Marília Etien-ne Arreguy, enfatizando a violência sim-bólica, acerca das diferenças entre clas-ses sociais, a que estão expostos os pro-fessores. “É necessário observar, portanto,as formas silenciosas e instituídas daviolência na nossa sociedade, que hi-pervaloriza aspectos estéticos e finan-ceiros de uma minoria de ricos reuni-dos numa ilha (de caras) e que atribuisalários sem o mínimo parâmetro deequivalência entre diferentes profissões(ex.: modelos, jogadores de futebol, ju-diciários X professores, empregados as-salariados, profissionais de limpeza,etc.), estabelecendo uma diferença abis-sal entre pessoas, como se uns fossemintrinsecamente melhores que os ou-tros. Todas as profissões são importan-tes. A educação é o que funda toda cul-tura”, afirmou.

Segundo a pesquisadora, cada vez maiso professor é desvalorizado, e isso ine-vitavelmente é refletido em sala de aula.Para ela, o problema da falta de autori-dade dos educadores está ligado à deca-dência do modelo tradicional de ordeme autoridade, que foi abalado nas últi-mas décadas. “Quando o professor nãosabe mais ao certo qual é o seu poder,os alunos percebem. Diante da falta deidentificação com uma figura que deve-ria ser um modelo, ademais, ao seremsubmetidos a uma figura falha e comautoestima em baixa, as crianças e jovensse ressentem e podem “atacar’ seu pro-fessores, verbal e fisicamente, afora odesprezo e desinteresse em suas aulas,o que é muito pior”, explicou.

Falta de profissionaisde apoio dificulta soluçãoDe acordo com Marília Arreguy, a pes-

quisa mostra que há diferenças nas for-mas relatadas de violência quando secomparam instituições federais, esta-duais e municipais, havendo mais pre-cariedades, em geral, nas duas últimas,o que gera mais situações objetivas deviolência. “Muitos professores parecemter medo de falar sobre (os casos de vi-olência que sofrem), por receio de per-derem seus contratos ‘precários’ quandonão são concursados. Atualmente, es-tamos avaliando a presença ou não depoliciais militares nas escolas e a opi-nião dos professores é muito díspar emrelação a isso. Ainda pretendemos es-tudar mais esse fenômeno antes dedivulgar dados”, disse.

A pesquisadora lamentou a ausênciade profissionais de psicologia e de as-sistência social dentro das escolas, so-bretudo nas públicas, e concluiu que aviolência crescente nessas instituições deensino é acentuada pela falta de apoioaos alunos, na sua maioria, pobres.

“O que vimos como um fator muitoamplo (e sinal de uma violência objeti-va do sistema contra o ensino), no estu-do divulgado em 2012, foi a escassez,senão absoluta ausência de psicólogose assistentes sociais nas escolas públi-cas, o que é muito grave, quando se tra-ta de uma cultura tão empobrecida e,diríamos, do ponto de vista psicológi-co, machucada e humilhada como é anossa. O descaso com a pobreza e osgraves desníveis sociais que estrutura-ram desde sempre a sociedade brasileiraproduzem marcas profundas nos sujei-tos, sendo fonte de sofrimento, confli-to e atuação agressiva nas crianças, prin-cipalmente, dos adolescentes, que pas-sam a ser um sintoma encarnado de umadoença social muito maior. A figura dedestino dessa revolta, muitas vezes, éo professor, que está na linha de frenteda educação, já que muitos pais, atual-mente, não têm tempo para dar aten-ção aos seus filhos”, afirmou.

Segundo Marilia Etienne, muitos têmmedo de relatar agressões que sofreram

Maria Isabel: muitos professores entramde licença médica por causa da violência

GABRIEL SALLES

DIVU

LGAÇÃO

Professores relatam histórias dramáticasJá virou rotina a violência contra pro-

fessores, mas muitos dos casos não sãoregistrados. Professora das escolas mu-nicipais Olegário Mariano e RobertoSilveira, Valquíria Cordeiro conta quenos primeiros anos de magistério en-frentou uma série de pequenas agres-sões por parte dos alunos.

“Um dos casos de agressão que sofri,sendo este moral, foi por parte um gru-po de alunos do 7º ano do ensino fun-damental. A situação aconteceu apósuma guerra de bolinhas de papel, boaparte direcionada a minha pessoa. En-tão, resolvi dar aula em voz baixa, fa-zendo com que um grupo pequeno che-gasse mais próximo para ouvir. Os alu-nos que fizeram a agressão com boli-nhas ficaram em silêncio por um tem-po, mas depois voltaram a dificultar aaula. Ao fim do dia fui convidada acomparecer a direção da escola paraesclarecer um vídeo que os alunos fi-zeram, no qual eles me denunciavampor não dar aula. A reação da direçãofoi chamar os pais e destruir o vídeo,alegando que a ação das crianças era cri-me”, afirmou, acrescentando que esco-la era de classe média alta na BaixadaFluminense. E relata outro problema deagressão verbal, que aconteceu numaescola da rede estadual do Rio.

“Um aluno do 9º ano do ensino fun-damental, após ser chamado a atençãopelo comportamento inadequado emsala, sentou–se e começou a dizer coi-sas do tipo: ‘depois acorda com boca cheiade formigas e não sabe por quê!’, entreoutras frases de ameaças, faladas demaneira não direta’”, explicou. Segun-do Valquíria, a situação de agressão di-reta e indireta é constante dentro dassalas de aula, por alunos de várias fai-xas de idade. Ela afirma já ter sido acu-sada de agressão por um aluno de 6 anos,que cursava o 1º ano do ensino funda-mental. “Ele alegou que por desobedi-ência às minhas ordens, eu o peguei pelacamisa e o obriguei a entrar na fila comas demais crianças. Mas que depois deter visto o rasgo na camisa eu mandeique ele mesmo costurasse”, afirmou,explicando que não encostou na crian-ça e que ele estava se arrastando no chão.

“Ele criou toda uma história, que a mãeacreditou, para se livrar de algo que eletinha feito”, finalizou.

A professora Julia Lopes também re-latou um caso de violência sofrido porela durante a aplicação de uma provana rede pública. “Os alunos estavam fa-lando e eu pedindo para que não falas-sem. Um aluno então comentou a res-posta de uma das questões e eu tirei aprova dele. Nesse momento ele retru-cou que outras pessoas também esta-vam falando e proferiu um palavrãocontra a minha pessoa. O encaminheipara a direção da escola”, afirmou. Aprofessora conta que depois disso, doisalunos começaram a falar e atrapalhara prova, e ela pediu que se calassem.

“Esses mesmos alunos começaram aprovocar uma aluna da sala dizendo quea matariam e jogariam para os cães co-merem, em tom de brincadeira, mas éóbvio que isso não é brincadeira que se

faça. Pedi repetidas vezes que parasseme dessem o direito dos demais concluí-rem as suas avaliações”, diz a professo-ra, lembrando que, em seguida, come-çou a chorar por ser xingada.

“Então um dos meninos começou a rire a dizer que eu gostava de sofrer, euestava feliz em passar por aquilo porqueeu era professora deles. ‘Ela está gostandodisso’, ‘Ela gosta de sofrer’, ‘Vai dar aulaem outra escola, porque aqui a senhoravai ser tratada assim’”, explicou. JúliaLopes conta que após duas semanas, amãe do aluno veio falar com ela e disseque o filho não era assim, que ele setornou uma pessoa agressiva para sedefender das agressões dos colegas. “Eume senti humilhada por um rapaz de 14anos, enquanto estava tentando ensinar.A sensação que fica é de que é difícilseguir adiante. O aluno que me humi-lhou foi transferido de turma e o outrosaiu da escola”, concluiu.

ProfessoraValquírialembra comtristeza dosdias em quesofreu com odesrespeitopor parte deestudantes

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