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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Curso de Direito PAULO APARECIDO DIAS FERNANDES VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A APLICAÇÃO DA LEI 11.340/2006 “LEI MARIA DA PENHA” Itatiba 2016

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Curso de Direito

PAULO APARECIDO DIAS FERNANDES

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A APLICAÇÃO DA LEI

11.340/2006 – “LEI MARIA DA PENHA”

Itatiba

2016

PAULO APARECIDO DIAS FERNANDES

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A APLICAÇÃO DA LEI

11.340/2006 – “LEI MARIA DA PENHA”

Monografia apresentada ao Curso de

Direito da Universidade São Francisco,

Campus de Itatiba, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, sob orientação da

Profª. MS. Márcia Cáceres Dias

Yokoyama.

Itatiba

2016

PAULO APARECIDO DIAS FERNANDES

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A APLICAÇÃO DA LEI

11.340/2006 – “LEI MARIA DA PENHA”

Monografia aprovada pelo Curso de Direito da Universidade São Francisco, como requisito

parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Data de aprovação: ___/___/____

Banca Examinadora:

______________________________________________________

Profª. MS. Márcia Cáceres Dias Yokoyama (Orientadora)

Universidade São Francisco

______________________________________________________

Prof.º Dr...................................................................... (Examinador)

Universidade São Francisco

Dedico aos amores da minha vida que

fazem que eu lute sempre, para minha

esposa Kátia Fernandes e aos meus

queridos filhos Ana Claudia, Diego

Vinicius e Caio Juliano. Todo esse esforço

foi para vocês que de uma maneira ou de

outra estiveram presentes na minha

jornada, seja me incentivando ou me

orientando nas dificuldades enfrentadas ao

longo do curso e em especial à minha

esposa Kátia Fernandes que foi a pessoa

que mais acreditou em mim e quando por

muitas vezes eu queria desistir, lá estava

ela me incentivando e me apoiando. Muito

obrigado à todos vocês pela paciência que

tiveram comigo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade São Francisco, em especial ao Campus de Itatiba, que

acreditando na capacidade e no diferencial dos alunos, investiu no curso de Direito em nossa

cidade, nos proporcionando uma qualidade de ensino fantástica, com professores dedicados e

compromissados com a Instituição.

Agradeço à minha Orientadora Professora Márcia Cáceres, que com toda sua serenidade

e dedicação me instruiu para a elaboração deste trabalho, mesmo sabendo de toda minha

dificuldade em desenvolver o tema, acreditou que eu era capaz.

Agradeço professora Roberta Cardoso, que esteve a todo o momento orientando e

torcendo por grandes resultados, afinal é evidente sua dedicação extrema e seu prazer em

ministrar as aulas de orientação da monografia.

Agradeço a atual Coordenadora do Curso de Direito Doutora Vanessa Cristina Moretti,

que sempre nos depositou confiança e serenidade, nos acalmando nos períodos mais complexos

do curso. Fica aqui registrada sua célebre frase de que “tudo vai dar certo, meus queridos

alunos”. Com toda essa serenidade, era impossível de não acreditar em suas sábias palavras.

Agradeço a todos meus professores e colegas de turma que de um modo ou de outro me

estimularam a continuar nessa empreitada e chegar até aqui, principalmente nos momentos de

maior dificuldade.

Agradeço também aqueles que mesmo indiretamente me incentivaram, me ajudaram e

me deram força e coragem para concluir mais um sonho de minha vida.

Agradeço, ainda, a todos que sempre estiverem comigo nessa caminhada, principalmente

aos meus filhos, Ana Claudia, Diego Vinicius e Caio Juliano que de certa forma me apoiaram

direta ou indiretamente na realização desse sonho.

No mais, não poderia deixar de fazer um agradecimento especial à minha querida esposa

Kátia Fernandes que acreditou no meu potencial e me deu toda a força necessária para

prosseguir. Vale aqui traçar algumas palavras sobre nossa vida. “Descobrimos juntos ao

longo da nossa caminhada que o casamento não é somente uma benção na igreja ou o

papel assinado em cartório! Trata-se de algo muito maior: é permanecermos juntos e se

apoiando o tempo todo, seja nos bons como nos momentos mais difíceis, mas vale

lembrar que foram nesses momentos é que nos fortalecemos muito mais para

continuarmos, com as graças de DEUS. Agradeço a você Kátia, por tudo que já fez por

mim, pelos momentos maravilhosos, pelos momentos ruins que passamos, mas foram

essenciais para nos amarmos sempre mais, enfim, que DEUS sempre nos ilumine e nos

dê força para continuarmos a vencer sempre nossos obstáculos”. Te amo”.

“A violência contra as mulheres é, talvez,

a mais vergonhosa entre todas as violações

dos direitos humanos. Enquanto ela

prosseguir, não poderemos dizer que

progredimos efetivamente em direção à

igualdade, ao desenvolvimento e à paz”.

Kofi Annam

RESUMO

O objetivo deste estudo é tentar compreender os motivos pelos quais certas mulheres se

conformam em conviver com seus parceiros numa relação violenta, visto que essa violência vem se

apresentando como um dos maiores problemas de saúde pública e precisa ser sanado com urgência,

posto que em muitos dos casos os danos são irreparáveis para essas mulheres. Trataremos das

medidas protetivas de urgência em relação à ofendida bem como as medidas impostas aos agressores,

e, ainda as outras inovações seja no âmbito, civil, penal e no cumprimento da pena pelo agressor,

trazidas pela lei 11.340/2006, analisando sua aplicação e sua eficácia. Analisaremos a violência de

gênero, trazendo um apanhado geral da violência doméstica contra a mulher, esclarecendo os tipos de

violência doméstica que estão descritos na lei. Depois dessa análise, abordaremos a

constitucionalidade de seus dispositivos e as mudanças na legislação, as quais visam aprimorar o

combate à violência, detalhando as medidas protetivas de urgência e sua disposição na lei. Apesar de

todos os avanços no combate a essa violência, muito ainda terá que se fazer principalmente no que se

refere ao preparo dos profissionais do poder público para lidar adequadamente com esses casos, além

de uma estrutura adequada e de equipe multidisciplinar que deveria acompanhar os casos mais

complexos, visando sempre à reestruturação do convívio conjugal. Traremos ainda dados estatísticos

que demonstram o grande número de desistências dos processos, onde se observa que os pedidos de

medidas protetivas requeridas é bastante grande, muito embora não prossigam com os processos até o

final da deslinde seja pela morosidade na apuração dos casos pela autoridade policial, pela vergonha

de expor mais ainda seus problemas de relacionamento, pelo grau de dependência financeira em

relação aos agressores, ou ainda pela intenção da vítima de não continuar com o caso, pois só queria

“dar um susto”. Observa-se que o Estado deve ter uma atuação mais efetiva no combate à violência

doméstica contra a mulher, seja no âmbito da sua proteção ou no âmbito da instrução social, onde o

poder público deverá ser mais atuante por se tratar de um problema social, seja com aprimoramento e

acompanhamento da educação, saúde, emprego, e assistência social.

Palavras-chave: Agressão, aplicabilidade, eficácia, Lei Maria da Penha, medidas protetivas, violência

doméstica.

ABSTRACT

The target of this study is try to understand the reasons why some women conform to live with

their partners in a violent relationship, since this violence has been presented as one of the greatest

public health problems and needs to be resolved urgently, since in many cases the damage is

irreparable for these women. We will address the urgent protective measures in relation to the offense

and the measures imposed on perpetrators, and also the other innovations is under civil, criminal and

enforcement of the sentence by the aggressor, brought by Law 11.340/2006, analyzing its application

and their effectiveness. We analyze gender violence, bringing an overview of domestic violence

against women, clarifying the types of domestic violence that are described in the law. After this

analysis, we discuss the constitutionality of its provisions and changes in legislation, which seek to

improve the fight against violence, detailing the urgent protective measures and its provision in the

law. Despite all the advances in combating this violence, much still has to be done, especially with

regard to the preparation of professionals in the government to properly deal with such cases, as well

as an appropriate structure and multidisciplinary team that should follow more complex cases, always

aiming at the restructuring of conjugal living. We will bring further statistical data showing the

number of dropouts processes, which shows that requests for required protective measures is quite

large, although not continue with the process until the end of disentangling is the delay in investigation

of cases by the authority police, the shame of exposing further their relationship problems, the degree

of financial dependence on the perpetrators, or the intention of the victims not to continue with the

case, as only wanted "to scare". It is observed that the state should have a more effective action in

combating domestic violence against women, whether under its protection or in social education

where the government should be more active because it is a social problem, be with improvement and

monitoring of education, health, employment, and social assistance.

Key - words: Aggression, applicability, effectiveness, Maria da Penha Law, protective measures,

domestic violence.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 11

CAPÍTULO I - ASPECTOS CULTURAIS E SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CONTRA A

MULHER ....................................................................................................................................... 13

1.1 - CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA .............................................................................. 13

1.2 - CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA .............................................................. 15

1.3 - DOS TIPOS E FORMAS DE VIOLÊNCIA .......................................................................... 17

1.3.1 Formas de Violência Contra a Mulher ............................................................................... 20

1.3.2 Da Violência Doméstica Contra a Mulher ......................................................................... 22

1.4 - FATORES DE RISCO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ....................................... 23

CAPÍTULO II - ASPÉCTOS GERAIS DA LEI 11.340/06 – “LEI MARIA DA PENHA” .... 25

2.1. - ORIGEM HISTÓRICA DA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .............................. 25

2.2. - FORMAS TÍPICAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CONTIDAS NA LEI ........ 29

2.3. - PORQUE ESSAS MULHERES SE SUJEITAM À VIOLÊNCIA ........................................ 32

2.4. - CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ........................................................ 34

CAPÍTULO III – ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI MARIA DA PENHA ........... 37

3.1. - DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA ........................................ 37

3.2. - ALTERAÇÕES TRAZIDAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PELA LEI 11.340/2006 41

CAPÍTULO IV – DAS MEDIDAS PROTETIVAS TRAZIDAS PELA LEI 11.340/2006 .... 45

4.1. - DAS PRINCIPAIS FORMAS DE PROTEÇÃO ................................................................... 45

4.2. - DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA EM RELAÇÃO À OFENDIDA ........... 49

4.3 - DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA QUE OBRIGAM O AGRESSOR.......... 54

4.3.1 Suspensão da posse ou restrição ao porte de armas .......................................................... 55

4.3.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida .......................... 55

4.3.3 Vedação de condutas em relação ao agressor .................................................................... 56

4.3.4 Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes ........................................................... 58

4.3.5 Fixação de alimentos provisionais ou provisórios ............................................................. 58

CAPÍTULO V – DA EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA E SUAS

CONSEQUÊNCIAS ...................................................................................................................... 60

5.1 - APLICABILIDADES DA LEI MARIA DA PENHA ............................................................ 60

5.2 - DA EFICÁCIA / INEFICÁCIA DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .............. 63

5.3 - DADOS ESTATÍSTICOS DAS VARAS ESPECIALIZADAS E ANEXOS DA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER (CAPITAL E INTERIOR) ........................ 68

CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 74

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 75

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC - Ação Direta de Constitucionalidade

CAPS - Centros de Atendimento Psicossocial

CC – Código Civil

CEJIL - Centro pela Justiça e o Direito Internacional

CEP – Código de Endereçamento Postal

CLADEM - Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher

COMESP - Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e

Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo

CP – Código Penal

DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

LEP – Lei de Execuções Penais

OEA – Organização dos Estados Americanos

OMS - Organização Mundial da Saúde

ONG - Organização Não Governamental

ONGs - Organizações Não Governamentais

SINARM - Sistema Nacional de Armas

STF – Supremo Tribunal Federal

TJ – Tribunal de Justiça

11

INTRODUÇÃO

O objetivo da presente monografia tem por escopo uma análise da violência de gênero

principalmente aquela ocorrida no âmbito familiar, bem como os motivos que levam os

agressores a agredirem suas companheiras, quando muitas vezes é a própria a mãe de seus

filhos, sendo que se questiona o porquê que na maioria dos casos esses agressores não são

denunciados para as autoridades judiciais.

Abordaremos os fatos mais corriqueiros que levam essas mulheres agredidas a não

denunciar seus agressores, seja por medo de maiores represálias, por vergonha de exporem

sua situação perante outras pessoas ou ainda o fato de acharem “que tudo pelo que passou não

vai dar em nada” e ainda estão amparadas nas desculpas de que irá ser criticada pela nossa

sociedade um tanto conservadora.

Demonstraremos ainda, que o problema da violência doméstica deve ser encarado

pelas autoridades com mais respeito e dignidade, visto que causam danos irreparáveis nessas

mulheres, causando-lhes problemas de saúde e psicológicos pelo resto de suas vidas.

Traremos as providências que foram adotadas pelas autoridades na tentativa de

combater esse tipo de violência, dentre eles os motivos que levaram a criação da Lei da Maria

da Penha – Lei 11.340/2006, que traz em seu texto a aplicação de medidas protetivas e

afastamento do agressor do convívio familiar, onde analisaremos algumas das medidas

protetivas de urgência, bem como uma análise de sua eficácia e/ou ineficácia da Lei.

No que se refere ao problema, faremos uma análise do por que os homens subjugam

suas mulheres como se fossem donos de suas vidas, podendo controlá-las como bem

entendesse. Também o porquê de muitas mulheres carregarem consigo a culpa por serem

vítimas dessa violência por muitos anos e permaneceram em silêncio para tentar manter o

relacionamento ou por não quererem se separar, inclusive, por proteção aos filhos que

ficariam totalmente desamparados.

Questionaremos o porquê de tanta violência, sendo constantemente defendida nos

tribunais pela justificativa da “defesa da honra” masculina. Infelizmente ainda existem várias

pessoas que insistem em dizer que em problema de casal dever ser resolvido entre quatro

paredes, ou seja, não devemos nos meter em briga de marido e mulher, entre outras desculpas.

Também, o fato de que algumas mulheres utilizam inadvertidamente os mecanismos

da Lei para tentar cessar a violência que sofrem em suas casas, visto que somente querem

aplicar um susto nesses agressores, achando que com isso resolveriam seus problemas.

Embora sejam orientadas pela Autoridade Policial que deverão dar continuidade aos

12

processos judiciais, infelizmente não fazem isso, pois, passados alguns dias ou até mesmo

horas, estão juntos novamente, já se reconciliaram com falsas promessas de seus agressores.

Por isso, para que haja uma melhor aplicabilidade da Lei Maria da Penha no que tange

às mulheres vítimas de violência doméstica, deverá haver uma melhor conscientização na sua

aplicação, bem como será preciso que, conjuntamente a lei, ocorra aplicação de políticas

públicas em todos os segmentos sociais e institucionais, no sentido de transformar novas

relações entre as pessoas e de modo a melhorar o seu convívio.

Deverá, ainda, identificar as medidas de assistência, proteção e amparo às vítimas de

agressão doméstica; reconhecer as providências preventivas que garantiriam a segurança da

mulher no lar e conhecer a aplicabilidade das medidas protetivas da lei “Maria da Penha”, sua

eficácia e validade social, tanto no que tange seu caráter preventivo quanto sancionador.

Demostraremos que com a vigência da Lei 11.340/2006, existem vários mecanismos

para que a autoridade policial, detectando a natureza do problema, possa intervir de imediato

para que se providenciem medida de proteção àquela vítima através do Judiciário, entre outras

cautelas, garantir proteção policial quando necessário e encaminhamento da ofendida ao

hospital, posto de saúde, ou ao Instituto Médico Legal, fornecendo-lhe transporte a ela e a

seus dependentes, para abrigo ou local seguro quando houver risco de vida, também,

acompanhar se necessário à retirada de seus objetos pessoais do local do fato ou do domicílio

familiar, e ainda informar à ofendida os direitos a ela conferidos na Lei.

Vale lembrar que em caso de desobediência do agressor dê-se manter afastado, poderá

ser decretada sua prisão preventiva. É nesse ponto que pretendo enfatizar meu trabalho, pois

somos sabedores da ineficiência do Estado em proporcionar tal proteção.

Destarte, a lei “Maria da Penha” seria um mecanismo de prevenção, proteção e

punição aos crimes domésticos atentados contra a mulher, porém, nota-se pouca eficácia na

aplicação das medidas protetivas prevista na referida Lei, pela falta de estrutura

disponibilizada pelo poder público o que podemos ver nos dados estatísticos apresentados no

presente trabalho.

Enquanto isso, nossas valorosas mulheres, vítimas dessas agressões, infelizmente são

assassinadas, agredidas por seus companheiros, mesmo, em tese, protegidas e sobre o manto

da Lei Maria da Penha.

13

CAPÍTULO I

ASPECTOS CULTURAIS E SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

1.1. CARACTERIZAÇÃO DE VIOLÊNCIA.

Para começarmos a falar sobre o tema “Violência Doméstica contra a Mulher”, ou

violência do gênero, como também é conhecida, primeiramente devemos conhecer o conceito

da palavra violência.

Em nosso vocabulário, o termo violência se define como sendo o comportamento ou

conjunto de comportamentos que visem causar dano a qualquer pessoa, ser vivo ou objeto.

Trata-se de um vocábulo que deriva do latim, “violentia”, que deriva do prefixo “vis”, que por

sua vez quer dizer força, vigor, potência ou impulso.

Muito embora possamos obter muitos significados, muitas razões e ainda diversas

consequências, seja das manifestações mais sutis e despercebidas pela sociedade, visto tratar-

se de um comportamento cada vez mais agressivo. Infelizmente, estão fazendo parte do nosso

cotidiano até às mais cruéis formas de tortura, pois, essa violência se trata de um

comportamento deliberado e consciente de seus agressores, cujas consequências podem

provocar graves lesões corporais ou mentais à vítima.

Para considerarmos como violência de gênero, podemos dizer que é aquela exercida

por uma pessoa sobre a outra e do sexo oposto. Em se tratado de violência doméstica o sujeito

passivo é do gênero feminino. Alguns entendem como violência machista ocorrida no âmbito

familiar.

Teremos no caso do presente tema, primeiramente abordar a chamada violência de

gênero, distinguindo suas origens, características, manifestações e possíveis causadores dessa

violência.

Segundo artigo publicado por Miguel (2008) define:

“A violência baseada no gênero é aquela decorrente das relações entre

mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra a mulher,

mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra homem.

Sua característica fundamental está nas relações de gênero onde o masculino

e o feminino, são culturalmente construídos e determinam genericamente a

violência”.

Ainda, conforme publicação em uma revista feminina de circulação nacional, Almeida

(1994) descreve que:

14

”Violência, seria o uso de meios capazes de imprimir sofrimento ou

destruição do corpo humano, bem como meio que podem degradar ou

causar transtorno à integridade psíquica do ser humano”.

Esse tipo de violência atua contra a integridade física, psíquica e moral do ser humano,

neste caso, em específico, a da mulher, não havendo, portanto, qualquer distinção de classe,

cor, nível social, etnia ou faixa etária.

Muito embora possamos descrever muitos casos de violência ao longo da história,

observamos que nos últimos anos a violência se tornou um problema grave e um tema central

para ser discutido por toda sociedade, devendo ser amplamente discutida e estudada por várias

áreas do conhecimento, passando a se tornar um grande desafio a ser enfrentado pela

sociedade contemporânea.

Na análise de Cavalcanti (2007), a violência se constitui como:

“Um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação,

impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física,

psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações

intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e

terror”.

Como podemos observar se caracteriza principalmente como sendo uma questão social

grave e delicada, estando presente tanto nos países desenvolvidos, como nos países

subdesenvolvidos.

Para Teles e Melo (2003),

“Violência se caracteriza pelo uso da força, psicológica ou intelectual para

obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, e

tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu

desejo a sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo

ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem

ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. A

Violência muitas vezes é utilizada de forma sutil, ou seja, aquele que agredi

toma certo cuidado para dominar o estado emocional do outro, deixando o

mesmo sempre em alerta, com medo do que possa acontecer se tiver alguma

reação contrariando o agressor”.

Além do mais, essa violência esteve presente em todos os períodos de nossa história, e

como já dissemos, podendo se caracterizar como física, psicológica, sexual, urbana,

institucional, intrafamiliar, de trânsito, enfim, pode ser desencadeada de diversas maneiras em

nossa sociedade.

Trata-se de uma das formas de tentativa de dominação de uma classe social sobre a

outra, ou ainda, de uma pessoa sobre a outra, seja simplesmente pela tentativa de impedir

alguém de se expressar e de tomar suas próprias decisões.

15

Deste modo trata seus desafetos como sendo inferiores intelectualmente ou

socialmente, caracterizando-se também como sendo violência.

1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA.

Segundo estudos e definição da Organização Mundial da Saúde – OMS, as violências

podem ser caracterizadas pelo:

“O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si

próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que possa

resultar em ou tenha alta probabilidade de resultar em morte, lesão, dano

psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação”. (OMS, 2002).

Podendo, ainda, ser classificada, em três tipos de categorias: a violência interpessoal, a

violência auto infligida, ou seja, dirigida contra si mesmo e, ainda, a violência coletiva, que se

destaca pelos atos violentos que acontecem no âmbito macrossocial, político e econômico,

visto se caracterizar pela dominação de grupos e do estado.

Segundo relatório da OMS 2002, podem ser descriminadas como:

a) Violência interpessoal: que pode ser física ou psicológica. Podendo

ocorrer em espaços públicos ou privados. Podem, ainda, ser classificadas em

dois âmbitos: seja no âmbito da violência intrafamiliar ou doméstica, seja

entre parceiros íntimos ou membros da família, e, no âmbito da violência

comunitária ou da violência que ocorre no ambiente social em geral,

podendo ocorrer entre conhecidos e desconhecidos. Destacam-se, ainda a

violência entre jovens, contra crianças e adolescentes e a violência sexual.

b) Violência contra si mesmo: também denominada violência auto infligida,

que é muito comum em todo o mundo. Destacam-se nesses casos, os

suicídios, as tentativas de suicídios, as ideações de se matar e de se

automutilar; e,

c) Violência coletiva: que em sua classificação podemos incluir ainda duas

outras subespécies: violência social (que ocorre em razão das desigualdades

socioeconômicas em países desenvolvidos e subdesenvolvidos) e a violência

urbana (que ocorrem nas cidades seja em forma de crimes eventuais ou em

razão do crime organizado).

Ainda, no que se refere à sua natureza, classificam como atos violentos aqueles em

que haja: abuso físico, psicológico, sexual, envolvendo ainda o abandono, negligência e

privação de cuidados.

Baseando nas definições supramencionadas, não estariam incluídos nesse tipo de

violência, os incidentes não intencionais, tais como as lesões ocasionadas por quedas,

queimaduras ou por acidentes de trânsito, dentre outras.

Para Odália (1983), a violência se apresenta de várias formas:

16

Violência Social – “certos atos violentos que: ou atingem, seletiva e

preferencialmente, certos segmentos da população – os mais desprotegidos,

evidentemente – ou, se possuem um alcance mais geral, são apresentados e

justificados como condições necessárias para o futuro da sociedade”, por

exemplo, quando os governantes dão prioridades ao desenvolvimento

econômico e desprezam as medidas, ou essas se apresentam de forma

incipiente em relação à fome, ao analfabetismo, ao trabalho infantil, à

violência intrafamiliar e outros ”.

Violência Política – “não é somente a ação de terroristas: podem ser um

assassinato político, a invasão de um país por outro, o desaparecimento de

dissidentes, legislação eleitoral que frauda a opinião pública, leis que não

permitem às classes sociais, especialmente operariado, organizar seus

sindicatos”.

Violência Revolucionária – “pode expressar-se tanto pelo atentado político

individualizado, pelo terrorismo contra grupos, por lutas armadas, greves,

quanto por ações de grupos ou indivíduos que antes expressam suas

frustações e confusões ideológicas e mentais do que propriamente suas

convicções políticas de transformação social”.

A autora ainda nos mostra o aspecto da classificação da violência conforme a seguir

demonstrado:

A violência estrutural – “que se refere às estruturas organizadas e

institucionalizadas como, por exemplo, à família, bem como os sistemas

econômicos, culturais e políticos que lavam a opressão de grupos, classes,

nações e indivíduos, sendo-lhes negados direitos sociais tornando esses mais

vulneráveis que os outros em relação ao sofrimento e à morte”.

A violência de resistência: “entendida como uma resposta dos grupos,

classes, nações e indivíduos oprimidos à violência estrutural, sendo

contestada e reprimida pelos "eus", detêm o poder político, econômico

e/cultural e mobiliza controvérsias por se responder à violência com

violência”.

A violência da delinquência – “constitui-se como aquela que se expressa nas

ações fora das leis legitimadas pela sociedade e que não podem ser

compreendidas, isoladas da violência estrutural, que dentro traz aspectos que

contribuem para sua expansão, dentre eles, desigualdade, comunismo,

machismo, alienação, menosprezo de valores e normas”. (ODÁLIA 1983)

Como podemos observar, o fenômeno da violência tem como característica principal a

pluralidade de interpretações, por isso, torna-se difícil uma explicação plausível, visto que de

um lado estão os que sustentam a violência como sendo um resultado de necessidades

biológicas, psicológicas ou sociais. Por outro lado, observamos que existem pessoas definindo

a violência, como sendo somente uma causa do social.

Vimos então, certas dificuldades para uma definição e classificação precisa sobre a

violência, posto que seja objeto de muitas interpretações e explicações das suas causas.

Devemos, então, ao tentar uma explicação para esse fenômeno chamado violência,

levar em conta tudo que nos é apresentado, principalmente os aspectos envolvidos, somente

17

então nos possibilitará uma compreensão mais abrangente, sejam elas no aspecto cultural,

psicológico, político, jurídico ou biológico. Necessário, então, analisarmos seus diversos

contextos e significados, visto que não nos possibilita uma generalização em relação a seus

conceitos, classificação, causas e consequências.

1.3. DOS TIPOS E FORMAS DE VIOLÊNCIA.

Segundo estudos apresentados pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça, destacaremos

a seguir, em linhas gerais os tipos de violência a que nossa sociedade está sujeita, seja ela de

classe intermediária, média ou alta:

a) Violência física: trata-se da ação ou omissão de alguém que coloque em risco

ou cause danos à integridade física de outra pessoa;

b) Violência institucional: é tipo de violência motivada por desigualdades, sejam

elas de gênero, étnico-raciais ou econômicas, pois se formalizam e institucionalizam nas

diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que

constituem essas sociedades;

c) Violência psicológica: seja ela por ação ou omissão. É destinada a degradar ou

controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de

intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer

outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao

desenvolvimento pessoal;

d) Violência sexual: é o tipo de ação que obriga uma pessoa a manter contato

sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força,

intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaçar ou utilização qualquer

outro mecanismo que possa anular ou limita a vontade pessoal, considerando ainda os casos

em que o agressor obriga a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros;

e) na legislação penal brasileira, considera ainda como violência sexual, aquela

que pode ser realizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro,

a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno;

f) Violência de gênero: trata-se daquela violência sofrida pelo fato de se ser

mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição,

vítima de um sistema social que subordina o sexo feminino;

18

g) Violência moral: é aquela ação que se destina a caluniar, difamar ou injuriar a

honra ou a reputação da mulher;

h) Violência patrimonial: é o ato de violência que pode implicar em danos, perda,

subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores;

i) Violência doméstica: pode ocorrer no ambiente doméstico, casa, apartamento,

ou em qualquer lugar que haja uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação:

j) Violência contra a mulher: é qualquer conduta - ação ou omissão - de

discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que

cause danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico,

social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em

espaços públicos como privados.

k) Violência familiar: é aquela que acontece dentro da família, ou seja, nas

relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco

natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por

exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma

casa);

l) Violência intrafamiliar/violência doméstica: acontece dentro de casa ou

unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a

vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o

abandono.

Segundo Cavalcanti (2007):

“A violência doméstica constitui-se num problema global e que atinge não

só a mulher, mas crianças, adolescentes e idosos, sendo este decorrente da

desigualdade nas relações entre homens e mulheres, assim como da

discriminação nas relações de gênero, existente de modo geral na sociedade

e na família”.

A violência contra a mulher já existe desde muito tempo, visto que desde a época das

cavernas ela era humilhada por seu companheiro, sendo que desde aquela época até os dias

atuais, a mulher tem passado por gravíssimas violações em seus direitos primordiais,

inclusive, como o direito à vida e à liberdade.

Nossa sociedade tem um histórico machista, onde os homens podiam tudo e as

mulheres não podiam nada, ou seja, eram deliberadamente limitadas para manifestar suas

ideias, fato esse que vem mudando como o passar dos anos, pois, estão conseguindo

19

demonstrar suas capacidades e estão mais independentes, porém ainda sofrem com certas

atitudes machistas.

Essa violência foi construída histórica e culturalmente, sejam por atitudes que visam

demonstrar o poder sobre as mulheres, mantendo, assim, as desigualdades existentes entre os

dois sexos, perpetuando-se na desvalorização do feminino e sua subordinação ao

companheiro.

Segundo Silva (1992):

“Há muito tempo as mulheres denunciam sua condição de vítima da

violência doméstica, tendo o fenômeno do espancamento de esposas e de

agressões praticadas por companheiros, adquirindo maior visibilidade ao

cenário público a partir da criação e instalação dos Conselhos dos direitos da

mulher e das Delegacias de Defesa da Mulher”.

Desde os anos de 1970 a violência de gênero vem tomando importância no Brasil

graças especialmente aos movimentos de mulheres. Esses grupos feministas têm cumprido um

papel fundamental por dar maior visibilidade a esse problema, até então, considerado um

assunto privado, devendo, segundo alguns, ser resolvido na esfera do lar.

Havendo, portanto, uma luta constante por uma maior igualdade de direitos entre

homens e mulheres, defendendo qualquer forma de discriminação nas práticas sociais,

inclusive no âmbito legal.

Nesse sentido, houve a edição pelas Nações Unidas dos Estados Americanos de

diversas convenções e pactos de direitos humanos, que compeliram os países signatários a

criarem medidas legais e administrativas de “promoção da igualdade de gênero e combate à

violência contra a mulher” (CAVALCANTI, 2007).

Infelizmente, estudos mostram que a violência doméstica contra a mulher vem

aumentando a cada minuto em todo o mundo. Normalmente esse tipo de violência está sendo

praticada por pessoas muito próximas, ou seja, com quem as vítimas mantêm relações de

afeto, podendo ser caracterizadas desde ofensas verbais, estupros, espancamentos, chegando,

muitas vezes aos assassinatos brutais.

Conforme publicação no Diário de São Paulo referente ao tema ora estudado de que:

“Violência no lar mata mais mulher do que câncer e doença cardíaca” (ANDRADE 2001)

observamos que desde aquela época já se tinha preocupação muito grande sobre violência

doméstica.

Pela notícia trazida e pelo que vemos nos dias atuais, podemos ter uma noção da

proporcionalidade que a violência contra a mulher tem tomado, mesmo sabendo que a maioria

20

das agressões nem chegam a ser denunciadas, seja por medo de seus agressores ou por

vergonha de exporem suas vidas às demais pessoas.

Assim sendo, a violência doméstica praticada contra a mulher passou a representar um

dos principais obstáculos para o impedimento da igualdade acolhida pela Constituição Federal

e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como por exemplo, da Convenção Sobre

a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher que foi aprovada pelas

Nações Unidas em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984; a Declaração sobre a Eliminação da

Violência contra a Mulher então denominada Convenção de Belém do Pará foi aprovada pela

Assembleia Geral da OEA - Organização dos Estados Americanos em 1994 e ratificada pelo

Brasil em 1995.

Já no âmbito da Organização dos Estados Americanos, documentos importantes

precederam a Convenção de Belém do Pará como a Consulta Interamericana sobre a Mulher e

a Violência de 1990, a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher de 1991

e a Proteção da Mulher contra a violência.

Para que haja sucesso nos planos de combate contra a violência doméstica contra a

mulher, necessário se faz sensibilizar a população através de amplas campanhas a serem

divulgadas pela mídia para que se mude a cultura da violência contra a mulher, deixando de

acharem que é um fato natural, devendo passar a caracterizá-la como ação criminosa.

1.3.1 Formas de Violência contra a Mulher.

Dentre algumas formas de agressão que são consideradas como violências domésticas

no Brasil podem destacar:

Os atos de humilhar, xingar, diminuir a autoestima da ofendida, trata-se de agressões

como humilhação, desvalorização moral ou deboche público em relação à mulher, trata-se da

chamada violência emocional;

A violência psicológica que se constitui em tirar a liberdade da mulher, restringindo

suas ações, decisões ou a liberdade de crença ou ainda fazer com que se sinta que está ficando

louca, tratando-se de uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir

situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade;

Controlar e oprimir a mulher, aqui o que conta é o comportamento obsessivo do

homem sobre a mulher, como querer controlar o que ela faz, não a deixar sair, isolar sua

família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail;

21

Falar sobre a vida do casal para os outros também pode ser considerado uma forma de

violência moral, como por exemplo, vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de

vingança;

Atirar objetos, sacudir e apertar os braços também são considerados como abuso físico

a tentativa de arremessar objetos, com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força

uma mulher, embora nem toda violência física seja considerada como espancamento.

Forçar atos sexuais desconfortáveis, não é só forçar o sexo que consta como violência

sexual, o fato de obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa

como a realização de fetiches, também é violência.

Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar - o ato de impedir uma

mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional,

é considerado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mulher a

abortar também é outra forma de abuso;

Controlar o dinheiro ou reter documentos - se o homem tenta controlar, guardar ou

tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade, assim como guardar documentos

pessoais da mulher, isso é considerado uma forma de violência patrimonial;

Quebrar objetos da mulher – é outra forma de violência ao patrimônio da mulher é

causar danos de propósito a objetos dela, ou objetos que ela goste.

Vale ressaltar, ainda, dentre muitos outros casos de violência, certos episódios de

violência doméstica que tiveram uma atenção especial da mídia, não apenas pela brutalidade,

mas por uma relação de classe social da qual provinham os acusados, visto que, em tese,

estariam protegidos pelas paredes dos grandes prédios e das grandes muralhas que cercavam

suas casas.

Com a divulgação desses casos, a população pôde acompanhar todas as investigações

e ações das autoridades judiciais na tentativa de uma solução, dentre eles podemos destacar: o

“Caso do Maníaco do Parque”, “Caso da Eloá”, “Caso da Mércia Nakashima” Caso Eliza

Samudio”, e outros amplamente divulgados em redes sociais, em telejornais e revistas.

Muito embora, casos como estes, na maioria das vezes não sejam muitos divulgados,

visto se tratar de crimes brutais e covardes, infelizmente se tornaram rotina na nossa

sociedade.

Essa violência também está muito presente nas classes mais populares, como nas

favelas, nos guetos, que muitas vezes estão incomunicáveis com o restante da sociedade, pois,

vivem à margem da lei e de qualquer política de assistência social ou forma de repressão

estatal.

22

1.3.2 Da Violência Doméstica Contra A Mulher.

Falar em violência doméstica como já mencionado, é falar de um problema que atinge

muitas mulheres, crianças, adolescentes e idosos em qualquer lugar do mundo, visto que

segundo alguns estudiosos, decorrem principalmente da desigualdade existente nas relações

de poder entre os homens e as mulheres, bem como por discriminação de gênero, ainda

presente tanto na sociedade como no seio familiar.

Atualmente, a violência doméstica contra a mulher, tema muito em alta na sociedade

brasileira, constitui uma ameaça que acompanha centenas de milhares de mulheres por toda a

vida. Sejam elas de todas as idades, graus de instrução, classes sociais, raças, etnias ou

orientação sexual, pois, trata-se de um fenômeno que vem abreviando e prejudicando a vida

de muitas pessoas em todo o mundo.

Essa violência não conhece fronteiras geográficas, raça, idade ou renda, visto ser uma

realidade experimentada em várias partes do mundo, seja em países desenvolvidos ou nos

países subdesenvolvidos, seja no meio urbano ou rural ou ainda, em grandes e pequenas

cidades.

Portanto, existem casos de violência doméstica contra a mulher em todos os grupos

sociais, entretanto, a maioria desses casos, quando chegam ao conhecimento das autoridades

judiciais, percebe-se que as maiores dessas ocorrências acontecem nas camadas sociais mais

baixas, muito embora todos nós estejamos expostos à violência.

Outro fator predominante no caso, é que as mulheres mais humildades não escondem

os seus problemas e nem tem receio de expor sua vida e seus problemas conjugais, daí

buscam apoio e a proteção do Estado na tentativa de uma solução viável para o caso.

Não obstante, como se observa, nas classes sociais mais altas, as vítimas não querem

divulgar seus problemas pessoais, permanecendo num ambiente de ofensas e em silêncio, para

não exporem suas vidas íntimas somente com o intuito de preservar seus nomes no ambiente

social, bem como na manutenção do seu patrimônio.

Muito embora não possa generalizar a questão, já que essa violência, segundo alguns

autores, trata-se de um fenômeno social está presente em todos os extratos sociais, não sendo,

portanto, prerrogativa das classes populares.

Todavia, em virtude da própria estrutura das classes sociais, pautada na situação

econômica dos sujeitos, este fenômeno é mais evidente e corriqueiro nas classes

economicamente mais desfavorecida, em virtude da sua própria condição social e da

desestruturação familiar operada pela má distribuição de renda.

23

1.4 FATORES DE RISCO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

Historicamente, a violência contra a mulher constitui numa manifestação de poder

desigual entre homens e mulheres. Essa manifestação é que os levam à dominação e à

discriminação machista, impedindo com que a mulher se desenvolva e cresça perante a

sociedade, visto que os homens têm-lhes atribuindo um papel secundário, nascendo assim, a

superioridade imposta por um sexo ao outro, ou seja, dos homens sobre as mulheres.

Convencionou-se, então, de chamar violência de gênero, a violência sofrida mulher,

pelo fato de ser mulher, não, havendo, portanto, qualquer distinção de raça, classe social,

religião, idade ou qualquer outra condição.

Contudo, analisando mais a fundo os fatores que levam a violência contra a mulher, o

que nos chama a atenção é o fato da mulher guardar para si essa agressão, contribuindo assim,

para que suas estruturas que as transformem em vítima.

Nesse cenário, destacam-se os casos de mães que descontam ativamente nos filhos,

contribuindo com “endurecimento” de seus filhos, transformando-os em machos agressivos,

pois, a mesma mulher que apanha do seu marido, é a mesma que se responsabiliza pela

educação dos próprios filhos.

Neste caso, essas vítimas de agressão exercem sobre seus filhos o seu poder de mãe, e,

sendo ela agredida, haverá uma forte tendência em transferir a violência sofrida para os filhos

menores visto que não têm qualquer meio de defesa.

Por isso, podemos destacar que é em casa e em família que se aprende a justiça e o

respeito pelos direitos humanos, dentre outros valores sociais. Esse problema de ser encarado

com seriedade, havendo necessidade de combater esse mal que assola nossa sociedade.

Constata-se, ainda, entre outras coisas, que os filhos que veem os pais espancarem as

suas mães e que às vezes também são espancados, serão aqueles que futuramente irão

espancar suas esposas e seus filhos, tendo assim, um círculo vicioso e contínuo da violência.

Vale lembrar que a violência contra a mulher é toda e qualquer conduta de

discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de ser a vítima mulher e que

lhe cause danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral,

psicológico, político, econômico ou perda patrimonial.

Cunha (2007) define a violência contra a mulher como sendo:

“Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos

físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meios de enganos,

ameaças, coações ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por

objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos

24

papeis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade

humana, a autonomia sexual, a integridade física, moral, ou abalar a sua

segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as

suas capacidades físicas ou intelectuais”.

Normalmente esse tipo de violência é praticado por maridos, namorados,

companheiros, e pelos seus “ex”, chegando até mesmo ser praticada pelos próprios filhos ou

por pessoas que vivam na mesma casa e que compartilham do mesmo teto habitacional.

Por tratar-se de uma violência explícita ou velada, pode ser praticada dentro ou fora da

habitação, ocorrendo, inclusive, mesmo entre parentes que ali residam. Destacamos ainda

nessas situações, os casos constantes de abuso sexual contra a própria parceira, contra as

crianças e adolescentes e os maus-tratos contra idosos e contra a própria mulher.

Neste contexto, podemos ressaltar que a violência doméstica contra a mulher, pode ser

uma agressão específica, independente do ambiente, seja ele, doméstico, familiar ou de

intimidade, visto que tem por finalidade o de lhe retirar seus direitos aproveitando de toda a

sua vulnerabilidade.

Na análise sobre a violência doméstica familiar, ou seja, aquela que formada por

outros membros de uma mesma família e que se consideram parentes, sejam unidos pelos

laços naturais como pai, mãe, filho, seja por laços civis como marido, padrasto ou outros, por

afinidade que são os primos ou tios do marido ou ainda aqueles que moram na mesmo casa,

unidos por lados de afetividade. Ressalte-se que pode haver violência em qualquer relação

íntima de afeto, como por exemplo, o caso dos namorados.

Como podemos observar, a violência é a forma mais inadequada de se resolver

conflitos, visto que representa um abuso de poder, uma superioridade exacerbada de um sobre

o outro, prevalecendo-se a lei do mais forte sobre o mais fraco.

Essa violência pode trazer consequências como a potencialização do medo, da

insegurança e da revolta, levando a ofendida a um isolamento e redução da sua autoestima,

reduzindo sua capacidade produtiva, causando-lhe doenças psicossomáticas como a depressão

e diminuição do seu sistema de defesa.

Por fim, podemos resumir que a violência contra a mulher é fruto de um sistema que

subordina o sexo feminino ao sexo masculino, pois, trata-se de um problema de grande

intensidade, visto que nosso sistema social e cultural é bastante influenciado no sentido de

que o homem é ser superior à mulher e que esta deve assumir uma postura de subordinação

em respeito ao homem.

25

CAPÍTULO II

ASPECTOS GERAIS DA LEI 11.340/2006 “LEI MARIA DA PENHA”

2.1. ORIGEM HISTÓRICA DA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA.

É possível observar que ao longo desse estudo venho trazendo vários casos de violência.

Nesse interim percebemos que a violência doméstica e familiar veio crescendo, surgindo,

assim, a necessidade de se criar novos mecanismos e normas específicas para coibir e punir

essa forma de violência.

No Brasil, até setembro de 2006, a violência doméstica contra a mulher era julgada

como crime de “menor potencial ofensivo”, onde a pena era de dois anos podendo ser

substituída por multa, prestação de serviços à comunidade ou na entrega de cestas básicas

para entidades assistenciais.

Muito embora já tivéssemos a Convenção de Belém do Pará (OEA), e da Convenção

para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU), o Brasil por

muito tempo não se posicionava quanto a propostas de criação de leis específicas que

tratassem com mais rigor esse tipo de violência.

Somente após o processo da OEA - Organização dos Estados Americanos que

condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à criação de normas próprias que

tratassem do tema violência doméstica, cuja recomendação consistiu para que fosse criada

uma legislação mais adequada a esse tipo de violência, devendo ser tratada como maior

seriedade, dando assim, o start que se precisava para a criação de uma lei própria, a qual

visava à punição mais severa para esses tipos de casos.

Foi então que um conjunto de entidades se reuniu para definir um anteprojeto de lei no

qual definiria as formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabeleceriam

mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também para prestar

assistência às essas vítimas.

Somente em setembro de 2006 a lei 11.340 finalmente entra em vigor em nosso

ordenamento jurídico, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com

um crime de menor potencial ofensivo dentre muitas inovações.

A lei também acaba com as penas que eram substituídas por cestas básicas ou multas à

entidade assistenciais, acabando com aquela sensação de impunidade, englobando, ainda,

além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o

assédio moral a que se submetem tais vítimas.

26

A então Lei 11.340/06 foi batizada e ficou muito conhecida como “Lei Maria da

Penha”, sendo que ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, uma

biofarmacêutica, natural de Fortaleza, capital cearense, que foi vítima de agressões físicas e

psicológicas por parte do então marido, u professor universitário colombiano que se chamava

Marco Antonio Heredia Viveros.

A senhora Maria da Penha até então, tinha sobrevivido a duas tentativas de homicídio

intentadas pelo seu marido. A primeira vez ocorreu em 1983, que culminou com sua

paraplegia em decorrência de um tiro levado nas costas enquanto dormia disparado pelo então

chamado “marido”.

Na época, o acusado Viveros, foi encontrado na cozinha, gritando por socorro,

alegando que tinham sido atacados por assaltantes e que sua esposa tinha sido baleada nas

costas em um suposto assalto em seu domicílio.

Meses depois, após a segunda tentativa de eliminá-la, Maria tomou coragem para

denunciá-lo às autoridades. Nessa oportunidade, Viveros empurrou-a da cadeira de rodas e

tentou eletrocutar e afogá-la no chuveiro.

Apesar das investigações terem começado em junho daquele mesmo ano, a denúncia

só foi apresentada pelo Ministério Público Estadual, somente em setembro do ano seguinte.

No dia 31 de outubro de 1986 o réu foi pronunciado e seria levado a julgamento pelo

Tribunal do Júri e condenado em 1991.

A defesa do réu apelou pedindo a nulidade do julgamento, alegando falha na

elaboração dos quesitos, cujo recurso foi acolhido em análise da Segunda Instância.

Marco Antônio, no dia 15 de março de 1996, novamente se submeteu a um novo

julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo então ação penal julgada procedente e impondo ao

réu, o cumprimento da pena de dez anos e seis meses de prisão.

Novamente a sentença foi alvo de apelação e o réu permaneceu solto, pois foi lhe dado

o direito de recorrer em liberdade.

Enfim, passados mais de dezenove anos da data dos fatos, o réu foi devidamente preso

e recolhido ao cárcere para cumprimento de sua pena em face das agressões em que fora

vítima a senhora Maria da Penha Maia Fernandes, cumprindo apenas dois anos de prisão no

regime fechado, sendo, então, beneficiado pela progressão de pena.

Vale ressaltar que a repercussão do caso de violência doméstica sofrida por Maria da

Penha foi além do âmbito nacional, que inconformada com a omissão da Justiça Brasileira,

por não ter sido aplicada medidas de investigações e nem mesmo punição ao agressor dentro

de um prazo razoável de duração do processo.

27

Maria da Penha juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional

(CEJIL) e o comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM),

formalizaram denúncia contra o Estado brasileiro junto à Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, órgão da OEA - Organização dos Estados Americanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem como principal tarefa a de

analisar as petições apresentadas que denunciam violações aos direitos humanos, pois,

qualquer vítima, indivíduo, grupo ou Organização Não Governamental – ONG, legalmente

conhecida por pelo menos um Estado-membro da OEA - Organização dos Estados

Americanos possui legitimidade para formular tais petições junto à Comissão.

Diante dos fatos então apresentados foi publicado relatório em 16 de abril de 2001

pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que levou o nº 54/2001, onde é realizada

uma profunda análise da denúncia e também as falhas cometidas pelo Governo brasileiro.

O Brasil, que é signatário da Convenção Americana e Convenção de Belém do Pará,

têm como o compromisso perante a comunidade internacional, de cumprir e implantar todos

os dispositivos constantes desses tratados, no que tange ao combate à violência doméstica.

Concluiu-se, então, a ineficácia judicial no que tange a impunidade, bem como sobre a

impossibilidade da ofendida de obter qualquer tipo de reparação, seja ela moral, psicológica

ou patrimonial, mostrando, ainda, a falta de cumprimento do compromisso do Governo

brasileiro de reagir adequadamente a combater à violência doméstica, desde o crime até a

elaboração do relatório nº 54/2001.

A impunidade verificada nos casos deve-se ao problema crônico da lentidão da justiça

e da impetração desenfreada de vários recursos, revelando, assim, que de fato o Brasil não

aplicou internamente as normas constantes das convenções por ele então ratificadas.

Assim, foi imposto ao governo brasileiro o pagamento de uma indenização no valor de

vinte mil dólares em favor de Maria da Penha Maia Fernandes, bem como foi

responsabilizado por negligencia e omissão em relação à violência doméstica, recomendando-

se a adoção de várias medidas, entre elas a simplificação dos procedimentos judiciais penais a

fim de que possa ser reduzido o tempo do processo.

Diante da pressão que o Governo brasileiro sofreu dos órgãos internacionais, passou-

se a cumprir os tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário.

No que se refere ao projeto inicial da Lei Maria da Penha, vale lembrar que este se

iniciou por volta de 2002, sendo então elaborado com a participação de 15 ONGs, as quais

trabalhavam diretamente como casos de violência doméstica.

28

O Decreto 5.030/2004 criou o Grupo de Trabalho Interministerial que elaborou o

respectivo projeto e tinha como coordenadora, a Deputada Jandira Feghali da Secretaria

Especial de Políticas para as Mulheres, que foi a relatora do projeto da lei contra a violência

doméstica, sendo realizadas diversas audiências públicas em vários Estados do País.

Foram feitas diversas alterações e o Senado Federal substituiu o projeto original (PLC

37/2006), sendo finalmente sancionada a Lei nº 11.340 em 07 de agosto de 2006 pelo então

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a qual visava em aumentar o rigor nas

punições dos agressores, passando a vigorar a partir de 22 de setembro de 2006.

Mas este episódio se tornou mais do que um caso para a Justiça brasileira, tomou-se

uma proporção de conhecimento internacional. Como já expomos anteriormente, houve uma

grande pressão no País para que se fosse tomada uma medida urgente em favor dessa luta,

pois, passou a ser a causa de milhões de mulheres representadas pela mesma indignação que

passou a biofarmacêutica Maria da Penha.

Maria da Penha Maia comemorou a aprovação da lei:

“Hoje a mulher acredita na justiça e o mais importante é que tem a quem

recorrer o que não era possível na minha época, quando nem delegacia da

mulher existia. Depois desta lei específica o número de denúncias teve um

aumento relevante, e esse dado é constatado em todo o país”. Recomendando

que a mulher denuncie a partir da primeira agressão. "Não adianta conviver.

Porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato”.

“Denuncie a partir da primeira agressão”, diz Maria da Penha.

Portanto, essa lei representa a ratificação dos direitos das mulheres enquanto seres

humanos, garantidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, conferindo-lhes o direito à

vida, à integridade física e moral, à liberdade, ao patrimônio, e, dentre tantos outros, o direito

à dignidade e à busca pela felicidade, colocando-as em igualdade com os homens, como

cidadãs.

Podemos observar que essa garantia constitucional está elencada no artigo 1º da Lei

11.340/2006: a seguir descrito:

“Art. 1º: Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da

Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados

internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a

criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e

estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de

violência doméstica e familiar”.

29

Dada à complexidade do problema e as repercussões que a causa trouxe, a eficácia das

ações de prevenção e redução da violência doméstica depende muito da reunião de recursos

de diversas áreas, visto que o Estado deve agir juntamente com a sociedade civil, contando

com as mulheres, fomentando fatores estimulantes e informações de que buscam a solução

dos problemas justamente com programas de prevenção.

Vale ressaltar a existência de outro dispositivo jurídico que visa a prevenir, punir e

erradicar a violência contra a mulher trata-se da Convenção Interamericana do Pará de 1994

“Convenções de Belém do Pará”, a qual traz em seu bojo, uma série de direitos a favor da

mulher, dentre eles: o respeito à vida; respeito à integridade física, mental e moral; direito à

liberdade e à segurança; direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se

proteja sua família; direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a

participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões, entre outros.

2.2. FORMAS TÍPICAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CONTIDAS NA LEI.

Vale lembrar que nem todas as formas de violência doméstica se caracterizam como

um crime. Na lei 11.340/2006, se descrevem cinco tipos de violência, ou seja, a violência

física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral, conforme destacada em seu Artigo 5º e

seus incisos a seguir descritos:

“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar

contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause

morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou

patrimonial”:

I – “No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de

convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as

esporadicamente agregadas”;

II – “No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por

indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,

por afinidade ou por vontade expressa”;

III – “Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou

tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.

A violência psicológica, por exemplo, é uma agressão emocional, visto que o agressor

não tem por objetivo, o de levá-la à morte, mas sim de desmoralizá-la, seja com ameaças,

rejeição, humilhação ou descriminação, sentindo prazer com o sofrimento da vítima. O

adultério, por exemplo, é uma forma de violência doméstica manifestada de forma

psicológica. Destacam-se entres os fatores de risco que contribuem para a concorrência da

violência, destacamos os fatores individuais como os de relacionamento, os comunitários, os

sociais, os econômicos e os culturais.

30

Segundo o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da Organização Mundial de

Saúde (2002), dentre os fatores de história pessoal, a violência doméstica na família aparece

como sendo cometida pelos homens em relação à sua parceira, portanto, se caracteriza como

importante elemento de risco. Os papéis sociais impostos a homens e a mulher, reforçados por

culturas patriarcais, é que determinam a violência contra a mulher, estabelecidas nas relações

de violência entre os sexos, ou seja, não são as diferenças biológicas, mas sim o que se tenta

demonstra perante a sociedade.

Dias (2007) em seu livro, nos traz dados estatísticos dessa violência no Brasil:

“Os resultados são perversos. Segundo a Organização Mundial da Saúde –

OMS, 30% das mulheres foram forçadas nas primeiras experiências sexuais;

52% são alvos de assédio sexual; 69% já foram agredidas ou violadas. Isso

tudo, sem contar o número de homicídios praticados pelo marido ou

companheiro sob a alegação de legitima defesa da honra”.

As formas típicas de violência doméstica contra a mulher, sejam elas adultas ou

jovens, se classificam em violência física, sexual, psicológica, econômica e moral, e, estão

elencadas no art. 7º e seus incisos da Lei 11.340/06 a seguir:

Art. 7º: “São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre

outras”:

I – “A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua

integridade ou saúde corporal”;

II – “A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe

cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e

perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas

ações comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,

constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância

constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,

exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe

cause prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação”;

III –“A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja

a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,

mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a

comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a

impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que o force ao

matrimônio, a gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,

chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de

seus direitos sexuais e reprodutivos”;

IV – “A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que

configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,

instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou

recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas

necessidades”;

V – “A violência moral, entendida como qualquer conduta configure calúnia,

difamação e injúria”.

31

Portanto, o legislador inseriu no art. 7º e seus incisos as modalidades de violência mais

comuns praticada contra as mulheres no âmbito familiar e doméstico, sendo essas as que mais

aparecem nos relatórios e pesquisas nacionais e internacionais sobre a violência de gênero.

Podemos ainda verificar que a violência doméstica contra a mulher foi dividida em

várias formas, sendo conceituada da seguinte maneira:

a) Violência física: como sendo o uso da força, mediante socos, pontapés, empurrões,

arremesso de objetos, queimaduras com líquidos ou objetos quentes, ferimentos com

instrumentos pontiagudos ou cortantes que tenham por objetivo agredir a vítima, ferindo sua

integridade e saúde corporal, podendo deixar ou não marcas aparentes.

b) Violência psicológica: é aquele tipo de agressão emocional, sendo tão grave quanto

à agressão física, pois as marcas deixadas nas ofendidas são invisíveis e podem comprometer

o bem-estar emocional da mulher, causando danos irreparáveis.

c) Violência sexual: como uma conduta que visa provocar na vítima, uma limitação a

sua autodeterminação sexual, tendo como propósito o constrangimento, tanto pode ocorrer

mediante violência física como através de grave ameaça, ou seja, com o uso da violência

psicológica.

d) Violência patrimonial: que ocorre quando a violência implica qualquer conduta que

configure retenção, subtração, destruição de seus objetos (total ou parcial), instrumentos de

trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, inclusive os

destinados a suas necessidades.

e) Violência moral: aqui entendida como qualquer conduta que configure em calúnia

(imputar falsamente fato definido como crime), difamação (imputar fato ofensivo a sua

reputação) ou injúria (ofender a dignidade ou decoro de alguém). São tipos que ocorrem

concomitantes à violência psicológica.

Observa-se assim, que a violência contra a mulher pode ocorrer de várias maneiras,

deixando sempre em suas vítimas algum tipo de consequência. Infelizmente essa problemática

cresce assustadoramente no Brasil e no mundo e apresenta atualmente números bastante

significativos que necessitam urgentemente serem reduzidos.

Para que a redução deste problema social possa ocorrer é preciso que a sociedade

exerça seus direitos e se posicionem contra essa violência exagerada, reivindicando dos

políticos medidas concretas para a erradicação de todo e qualquer tipo de violência cometida

contra a mulher. O que se observa na maioria dos casos de violência é que as medidas só são

adotadas quando a violência atinge índices extremos, onde essas vítimas se tornam

32

prisioneiras do medo e do preconceito, relutando no máximo em procurar ajuda a justiça,

sejam nas delegacias ou nos centros de apoio, gerando, assim, a sensação de impunidade.

Sobre o tema da impunidade, Polido (2009):

“A impunidade agrava os casos, principalmente de violência doméstica. A

desqualificação do delito de tentativa de homicídio para lesão corporal

dolosa ou desta para ameaça, sempre com penas mais suaves a serem

cumpridas, é fator frequente e perpetuante do ciclo violento. A lentidão da

justiça e o tratamento discriminatório sofrido pelas mulheres vítimas de

violência nas delegacias distritais ou, até mesmo, nas DEAM, também são

motivos para perpetuação da violência”.

Com a entrada em vigor da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher -

Lei nº 11.340/2006, esse cenário está mudando, visto que esta lei veio para punir com maior

rigor os agressores e veio para proteger as vítimas dessas agressões, contando com o apoio

primordial do Estado, levando, assim, uma vida digna com sua família e seus filhos.

Por isso, o Estado dispõe de vários canais de comunicação para que sejam

denunciados os casos de violência doméstica, ou seja, dispositivos tem, falta que a população

se conscientize de que temos que intervir nesses casos. Deixando de lado aquela história “de

que em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Temos que denunciar.

2.3. PORQUE ESSAS MULHERES SE SUJEITAM À VIOLÊNCIA.

Como salientado, são várias as causas que levam esses homens a agredirem suas

mulheres, que na maioria das vezes são suas próprias esposas, mãe de seus filhos. Dentre

alguns fatores que contribuem para essa violência, estão os fatores individuais, os de

relacionamento, os comunitários, os sociais, os econômicos, os culturais bem como os fatores

de história pessoal de cada indivíduo.

Acredita-se que o álcool funciona como um fator desencadeador da prática dessa

violência, sendo considerado um elemento primordial, para o aumento da violência.

Argumentam que o vínculo entre violência e álcool e outras drogas dependem da

cultura, e que, o nível intelectual e econômico, não é causa determinante para sua ocorrência,

não sendo a violência doméstica privativa de determinadas famílias ou classes sociais.

Cavalcanti (2007), em seus estudos sobre violência doméstica conclui que:

“Embora o álcool, as drogas ilegais e o ciúme sejam apontados como

principais fatores que desencadeiam a violência doméstica, a raiz do

problema está na maneira como a sociedade valoriza o papel masculino nas

relações de gênero. Isso se reflete na forma de educar meninos e meninas.

Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força

física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais,

33

as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão,

dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros”.

Outro fator preponderante no que se refere à violência doméstica contra a mulher é o

distúrbio de personalidade, visto que a probabilidade de que homens que agridem suas

esposas sejam emocionalmente dependentes, inseguros e de autoestima baixa, dificultando,

assim, o controle de seus impulsos.

A discórdia também está presente nesses relacionamentos, pois, o casal,

primeiramente se agride verbalmente de forma moderada e depois se torna mais grave,

culminando com a agressão física devido ao nível de estresse a que se expõe o

relacionamento.

No campo da violência doméstica estudos demostram que dentre as principais causas

estão o álcool; a dependência toxicológica; o desemprego; a pobreza e a exclusão social e,

finalmente, o histórico familiar dos agressores que sofreram violência.

Além desses citados, coexistem outros aspectos ligados ao desgaste da união, como a

falta do companheirismo, estabilidade emocional, imaturidade e a total incapacidade de

resolução dos problemas, culminando, assim nas agressões físicas.

Estudos realizados em diversos cenários mostram que, mesmo que a violência física

contra os parceiros esteja presente em todos os grupos socioeconômicos, as mulheres pobres

são mais afetadas, posto que a situação econômica quando atinge o agressor, causando-lhe

estresse, frustração e sensação de inadequação, pois não conseguindo cumprir seu papel de

provedor, como é culturalmente esperado, revolta-se contra todos.

São vários os motivos que levam a mulher a manter-se num relacionamento conjugal

violento, dentre eles está o fato do agressor manipular mentalmente a vítima, pois a ilude com

falsas promessas de que vai melhorar, convencendo-a, assim a não o denunciar,

permanecendo naquela relação abusiva.

Outro forte preponderante para que a mulher ainda permaneça nessa relação violenta,

é o descaso com que o assunto da violência contra a mulher ainda é encarado pela sociedade.

Essa visão distorcida minimiza as agressões por meio de um entendimento dos

acontecimentos impostos à mulher, entendida como um ser frágil e sujeito a expectativas

sociais que nunca ultrapassam certos papéis predeterminados como inferiores. Nessa

concepção a violência contra a mulher torna-se um fato visto como impossível de não existir

na sociedade (SOUZA 2006). A compreensão desse fenômeno é o entendimento das razões

pelas quais muitas mulheres ficam presas a esse relacionamento conturbado e não conseguem

se livrar da relação violenta.

34

2.4. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.

A questão da violência doméstica sempre foi abordada pelos estudiosos como um

fenômeno social que exige ações públicas mais atuantes do Poder Público, visto que é

enfrentada por diversas resistências. Atualmente com o advento da Lei Maria da Penha, esse

quadro teve uma considerável melhora.

Em recente pesquisa realizada por especialistas constatou-se que a maioria das

mulheres que buscam os serviços de saúde com reclamações de enxaquecas, gastrites, dores e

outros problemas de saúde, na realidade vivem sofrendo as mais variadas formas de violência

em seus próprios lares e quando buscam socorro médico é sinal de que o problema já está

estabelecimento há muito tempo.

Assim, o elo entre violência e saúde é cada vez mais evidente em nossos dias, muito

embora as maiorias dessas mulheres agredidas não relatem com firmeza se vivem ou se já

viveram situações de violência doméstica ou familiar.

Por esta razão necessário se faz que os profissionais da área da saúde sejam

capacitados para identificar, atender e melhor tratar as pacientes vítimas desses abusos e

agressões.

As consequências trazidas por essas vítimas e seus filhos são inúmeras, pois vivem em

uma situação de sofrimento crônico diante de tanta violência. Já os filhos que costumam

presenciar os pais brigando tendem a desenvolverem vários distúrbios, com maior incidência

de urinar na cama, desenvolverem mais a timidez, se apresentarem retraídos ao extremo e de

serem crianças extremamente agressivas, chegando, inclusive, a abandonar o lar e a escola.

Visto que em suas cabeças passam todo o tipo de besteiras, e o motivo principal é o de sair

daquela zona de confronto, preferindo, muitas vezes, a viver pelas ruas praticando a

mendicância ou pequenos delitos.

Ressaltamos que as possíveis consequências da violência contra a mulher são muitas

vezes fatais, físicas e mentais. As fatais e mais comuns são o suicídio e o homicídio. As

consequências para a saúde física da mulher são as lesões de natureza grave ou leve, cicatrizes

deformantes, mutilações, doenças crônicas, doenças sexualmente transmissíveis, ferimentos,

escoriações, hematomas, fraturas recorrentes, problemas ginecológicos, infecções, gravidez

indesejada, abortamento, etc. Já as consequências para a saúde mental se apresentam como

estresse pós-traumático caracterizado pela destruição da autoestima, apatia, depressão,

ansiedade, isolamento, rejeição familiar e/ou social, disfunção sexual, distúrbios do sono,

35

pânico, desordem alimentar, comportamentos obsessivos compulsivos, incapacidade

permanente ou temporária para o trabalho, etc.

Não obstante o problema da violência contra a mulher seja muito antigo, nos dias

atuais parece ter-se encontrado um mecanismo mais eficaz na tentativa de solucioná-lo. Em

verdade todos os meios existentes no ordenamento jurídico brasileiro, visam minimizar a

violência doméstica, visto que são impostas certas condutas aos agressores no combate a esse

tipo de violência.

Destacamos, ainda, as variadas consequências que se submetem essas vítimas de

violência, tais como:

a) Perturbações intelectuais e da memória das vítimas e seus filhos como:

pesadelos, confusão, dificuldades de concentração e de memorização, imagem negativa de si

(de incapaz, de fraca, de dependente, de inferior aos outros);

b) Perturbações relacionais: vêm nas outras pessoas como potenciais agressores

em quem não podem confiar, ou como pessoas superiores que não têm interesse em conhecê-

las;

c) Sintomatologia depressiva: a depressão, a vergonha, o isolamento (mesmo de

seus familiares e amigos mais próximos), a autoculpabilização, a desvalorização de si, a falta

de confiança e sentimento de impotência;

d) Distúrbios de ansiedade como: hipervigilância, medo, fobias e ataques de

pânico, perturbações do sono, desordens da alimentação e disfunções sexuais.

Já no âmbito profissional é frequente uma vítima de violência doméstica ser impedida

de trabalhar, ou, se trabalha é explorada financeiramente pelo agressor.

Habitualmente tem maior dificuldade em se integrar profissionalmente e de manter o

posto de trabalho por diversos motivos, dentre eles as lesões sofridas pelos agressores; pela

falta de apoio na gestão da vida dos filhos; pelos baixos vencimentos pela falta de

assiduidade, indisponibilidade e inflexibilidade de horários, pelo menor rendimento e menor

ascensão na carreira; pelo despedimento, motivado pelos desacatos feitos pelos agressores no

local de trabalho e pelas faltas ao trabalho; pelo abandono da profissão, seja por imposição do

agressor, por fragilidade ou por faltas continuadas, dificultando sua integração; pela

necessidade de proteção, perante as perseguições feitas pelo agressor junto ao local de

trabalho e nos deslocamentos deste até a residência.

Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, provoca no homem o medo de

perder o controle e o poder como autoridade e provedor da família, além do receio de que a

parceira conquiste uma independência que a leve a se relacionar com outras pessoas.

36

Em certos momentos de maior tensão no relacionamento, quando se sente a perda da

relação, o homem parte para o ataque à honra da companheira, na tentativa de constrangê-la

perante a sociedade e mostrar-se vítima da situação, e, não raro essas agressões ocorrem no

ambiente de trabalho da mulher, expondo-a diante dos colegas. Em alguns casos, mesmo

separada e morando em outro lugar, a mulher continua sendo importunada pelo ex-parceiro

(DINIZ 2005).

Em alguns casos, a agressão física, pode acontecer somente uma vez ou

esporadicamente, mas, na maioria desses relacionamentos, o que realmente ocorre é a

reprodução de ciclos de violência como os já narrados anteriormente.

Segundo Marques 2005, para certas mulheres, o pior da violência psicológica não é

simplesmente a violência, mas a tortura mental que sofrem, sendo obrigadas a conviver com o

terror imposto pelo agressor. Por isso, este tipo de violência deve ser analisado com mais

afinco, pois é um problema de saúde pública e, como tal, merece espaço de discussão,

ampliação da prevenção e criação de políticas públicas específicas para ser combatido.

Infelizmente, de tanto se repetir no relacionamento conjugal, esse tipo de violência

acaba sendo encarado como “natural” entre os cônjuges, o que os leva a desgastar cada vez

mais a relação e o respeito mútuo simplesmente deixam de existir, passando a se tornar uma

relação insustentável.

37

CAPÍTULO III

ASPÉCTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI MARIA DA PENHA

3.1 DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA.

Logo no início de nossa pesquisa, pudemos observar uma constante crítica acerca

da constitucionalidade da Lei 11.340/2006, visto se tratar de um tema muito polêmico no

ordenamento jurídico brasileiro, traz muitas inovações nas áreas do Direito, tanto civil como

criminal, portanto, será necessário se aprofundar o conhecimento acerca deste tema.

Inicialmente, na análise de seu preâmbulo, a Lei Maria da Penha trouxe

mecanismos que visam a prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Muito embora exista grande preocupação social em solucionar o problema da

violência, corroborada pela boa-vontade do legislador em fortalecer certos direitos das

mulheres. Certas disposições do referido diploma normativo não estão imunes a

questionamentos e críticas, especialmente no que diz respeito à sua constitucionalidade, o que

poderia comprometer sua correta aplicação e sua efetividade. (MOREIRA, 2008).

Neste passo Dias, (2007) se posiciona:

“Para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias,

é indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável. E

justificativas não faltam para que as mulheres recebam atenção diferenciada.

O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de

inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência doméstica

masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da violência doméstica,

tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Por isso se

fazem necessárias equalizações por meio de discriminações positivas,

medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas,

consequências de um passado discriminatório. Daí o significado da lei:

assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral

e patrimonial”.

Nesse mesmo sentido a jurisprudência pátria do Tribunal de Justiça de São Paulo

nos autos da Correição Parcial, nº 11.189.013.000, esclarece:

“A Lei "Maria da Penha” - como consta de seu preâmbulo - tem por objetivo

prevenir, punir e erradicar a secular violência, física e moral, praticada pelo

homem contra a mulher. Cuida, portanto, de estatuto protetivo, que leva em

consideração as condições peculiares das mulheres em situação de violência

doméstica e familiar. Logo, não se pode ver no seu artigo 41, pelo simples

fato de impedir a aplicação das normas da Lei n° 9.099/95, lesão aos

princípios constitucionais da igualdade e da isonomia entre pessoas de sexos

diferentes e de cônjuges, bem como afronta aos princípios da razoabilidade e

da proporcionalidade, como alegado na impetração”. A Constituição Federal,

ao estabelecer no seu art. 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem

38

distinção de qualquer natureza, não impediu que se estabelecessem, nas leis

infraconstitucionais, diferenciações normativas. Nisso, pois, reside a

justificativa do tratamento desigual imposto na nova lei. Daí porque não se

pode ver, no art. 41, da Lei 11.340/2006, ofensa aos princípios

constitucionais da igualdade e da isonomia. Por igual, também não se

identifica a alegada afronta ao princípio constitucional da razoabilidade ou

proporcionalidade. Afinal, a Lei 11.340/06 - nem seria preciso dizê-lo - é

resultante da condenação imposta ao Brasil pela Comissão lnteramericana de

Direitos Humanos, que determinou, entre outras medidas, "prosseguir e

intensificar o processo de reforma, a fim de romper com a tolerância estatal e

o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as

mulheres no Brasil" (Caso Maria da Penha, Informe 54/01, de 16 de abril de

2001). Existe, portanto, justificativa objetiva e razoável, fundada em valores

universalmente aceitos, para retirar do rol dos crimes de menor potencial

ofensivo àqueles cometidos contra as mulheres em situação de violência

doméstica e familiar, sem ferir os direitos e garantias protegidos pela

Constituição Federal. Assim, presente se encontra a compatibilidade,

traduzida na relação de proporcionalidade entre a vedação da aplicação da lei

do Juizado Especial Criminal nos crimes de gênero e o fim pretendido pela

norma para a sua consecução, uma vez que esta finalidade dificilmente será

alcançada sem aquela restrição, sabido que a multa ou cesta básica, quase

sempre aplicada nos casos submetidos à Lei 9.099/95, revelam-se

insuficientes para reprovação e prevenção do crime. Referida restrição, em

última análise, presta-se à preservação do próprio direito protegido pela nova

lei, que é de conteúdo valor ativamente superior ao restringido. Daí porque

absolutamente constitucional a vedação por ela imposta”. (CUNHA 2008).

Vimos, portanto, que se trata de um dos temas mais recorrentes entre os

doutrinadores, ou seja, a constitucionalidade da Lei 11.340/06, visto que está particularmente

baseada na discriminação positiva em favor das mulheres.

As correntes que proclamavam a inconstitucionalidade da Lei se contrariavam,

pois, uma se baseava no princípio isonômico formal e a outra defendia a constitucionalidade

fundada no princípio isonômico material. Para resolver essa problemática a doutrina e a

jurisprudência passaram a ser usadas como fonte mediata do direito

Alguns dos principais Tribunais do Brasil, até mesmo o Supremo Tribunal Federal

e Superior Tribunal de Justiça, emitiram pareceres favoráveis através de jurisprudências sob o

argumento que a discriminação constituía ação afirmativa, ou seja, de forma a cumprir os

preceitos elencados no preâmbulo constitucional, ou seja, o princípio da fraternidade.

No entanto, alguns Tribunais Estaduais criavam resistências sob o argumento de

ferir princípios constitucionais, visto que contrariamente a tantos avanços históricos, foi

proferida decisão pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que,

em um retrocesso, declarou inconstitucional a Lei Maria da Penha logo após sua entrada em

vigência, utilizando-se do argumento de que a lei desrespeitava os objetivos da República

39

Federativa do Brasil, pois fere o princípio da igualdade, violando "o direito fundamental à

igualdade entre homens e mulheres".

Para a solução do conflito causado por alguns Tribunais de Justiça, o então

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, visando resguardar a ordem jurídica

nacional da incerteza que pairava em torno do tema, ajuizou na Suprema Corte a Ação Direta

de Constitucionalidade número 19 que teve por objeto o reconhecimento dos artigos 1°, 33 e

41 da “Lei Maria da Penha”, a seguir descritos:

“Art. 1º. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da

Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados

internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a

criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e

estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de

violência doméstica e familiar”.

“Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências

cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de

violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do

Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais,

para o processo e o julgamento das causas referidas no caput. 50”.

“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a

mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099,

de 26 de setembro de 1995”.

No preâmbulo da petição inicial foram argumentados alguns pontos relevantes, dentre

eles o de que a lei 11.340 foi criada visando cumprir preceito da Carta Política e de que

também atendia à Convenção de Belém do Pará, na qual o Brasil se comprometeu a criar

mecanismos para melhor regular a questão da violência contra a mulher.

No seu bojo e visando corroborar como a tese trazida, citados alguns pensamentos de

juristas renomados que são a favor da igualdade material, que dentre eles destacam-se,

Alexandre de Moraes, Pontes de Miranda e Celso Antônio Bandeira de Mello, citando-se

ainda, dados estatísticos sobre a violência doméstica e a situação da mulher na sociedade

atual.

A inicial apontava, ainda, a existência de conflitos na interpretação da lei, pois havia

diversos pronunciamentos judiciais que declaravam a constitucionalidade das normas e foram

objetos da Ação Declaratória de Constitucionalidade, bem como o de outras decisões que a

reputavam inconstitucionais.

40

Por isso, em 09 de fevereiro de 2012, a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19

foi submetida ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, Corte Maior do Estado Brasileiro e

guardião da Constituição Federal, e, por votação unânime foi declarada sua

constitucionalidade principalmente no que tange aos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006,

que criavam mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com essa decisão, o Supremo Tribunal Federal, declarou procedente a Ação

Declaratória de Constitucionalidade sob o nº 19, ajuizada pela Presidência da República com

o objetivo de propiciar uma melhor interpretação judicial e uniforme dos dispositivos contidos

na Lei Maria da Penha.

Vale trazer algumas das palavras do Ministro Mello (2012) em sede de julgamento da

ADC 19:

“A mulher é vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais

e psicológicos sofridos no âmbito privado. Não há dúvida sobre o histórico

de discriminação por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas

são significativamente maiores que as que acontecem – se é que acontecem –

contra homens em situação similar. A Lei Maria da Penha retirou da

invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade

do lar e representou um movimento legislativo claro no sentido de assegurar

às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça”.

Destarte, o Ministro Relator Marco Aurélio de Mello proferiu seu votou pela

procedência da ADC 19, sendo acompanhados pelos demais Ministros daquela Corte.

Resolveu-se então, através do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade número 19 –

ADC 19 e por unanimidade de votos, declarar a constitucionalidade da Lei 11.340/2006,

acabando, assim, com toda a polêmica que foi criada em torno da edição da referida lei.

A lei 11.340/06 mesmo não sendo perfeita, apresentou-se como um marco na história

do combate a violência doméstica no Brasil, pois, traz em seu bojo uma estrutura adequada e

específica para bem atender a complexidade do da violência doméstica, trazendo mecanismos

de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os

agressores.

Na análise do conteúdo da lei, podemos observar que se trata de uma lei que tem um

cunho educacional e de promoção de políticas públicas e assistenciais, tanto para a ofendida,

quanto para o seu agressor. Não é unicamente punitiva, mas sim, de proporcionar meios de

proteção e promoção de assistência mais eficiente às mulheres.

Em seu aspecto objetivo, a referida lei direciona-se especialmente para combater os

atos de violência ocorridos no âmbito doméstico, familiar ou intrafamiliar. Ao passo que no

contexto subjetivo, a preocupação maior da lei visa dar proteção à mulher contra os atos de

41

violência praticados por homens ou mesmo mulheres com os quais ela tenha ou haja tido uma

relação conjugal ou mesmo de afetividade, ou ainda por qualquer pessoa com as quais

conviva no âmbito doméstico e familiar.

Sousa (2008) em seus comentários à Lei Maria da Penha afirma que:

“A questão da hipossuficiência quando vista em distintos cenários de um

mesmo caso, precisa ser analisado com redobrada cautela, haja vista que na

relação vítima-suposto (a) agressor (a), aquela se presume a parte

hipossuficiente e merecedora de ações positivas para equilibrá-la em relação

ao seu (a) suposto (a) agressor (a).Contudo, quando a questão deixa a esfera

privada e chega a posterior, decorrente da persecução penal (extrajudicial ou

judicial) há uma inversão, pois a relação passa a ser entre o (a) suposto (a)

agressor (a) de um lado, e o Estado, do outro (suposto (a) agressor (a) x

Estado)”.

Com a entrada em vigor da Lei 11.340/2006, então batizada como “Lei Maria da

Penha”, marcou um novo tempo, onde a mulher torna-se dona de si, e busca insaciavelmente

sua independência, não aceitando ser objeto do sexo oposto. Muito embora ainda existam

aquelas mulheres consideradas como “Amélias”, visto que demonstram tamanha submissão e

limitação ao ambiente doméstico e verdadeiramente domesticadas por seus maridos.

Muito embora esses fatos sejam resquícios de um tempo passado, pois com a entrada

em vigor da Lei 11.340/06, foram criadas medidas que visam à proteção imediata dessas

mulheres, tanto na esfera do direito cível, como no âmbito do direito de família,

administrativo e penal, que veremos adiante.

As medidas judiciais objetivam acelerar a solução do problema da mulher agredida,

em sendo requeridas, devem ser analisadas num prazo mínimo possível, principalmente em

casos de situação de risco ou na ocorrência da prática da violência propriamente dita.

Havendo a concessão da medida judicial, o seu cumprimento é de total responsabilidade da

justiça através seus agentes.

3.2. ALTERAÇÕES TRAZIDAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PELA LEI 11.340/2006

Vale lembrar que a criação dos Juizados Especiais Criminais foi com o intuito de

desafogar a justiça brasileira, muito embora na prática isto não ocorresse, visto que a cada dia

se aumentavam os casos distribuídos àqueles juizados, pois na Lei 9.099/95 também previa a

possibilidade de conciliação entre a vítima e o agressor, e, quando a conciliação acontecia, os

procedimentos judiciais se encerravam sem qualquer punição efetiva.

Com isso a Lei 9.099/95 que ao mesmo tempo em que trazia o cidadão comum da

justiça de uma forma rápida e gratuita, criou um grande abismo nos casos de violência de

42

gênero, pois estimulou as mulheres a deixarem de processar o seu agressor, criando-se assim,

a sensação de impunidade, fenômeno muito presente na prática de violência de homens contra

mulheres no país.

Faisting 2009 observou em seus estudos sobre a atuação dos Juizados Especiais

Criminais, que a conciliação era “o principal objetivo dos advogados, juízes e promotores nas

audiências preliminares de conciliação”. Isto ocasionou um enorme problema, levando-se em

conta que os crimes cometidos no âmbito doméstico são diferentes dos outros crimes como,

por exemplo, as brigas de trânsito.

Campos (2007) assim relata esta problemática:

“A Lei nº 9.099/1995 foi construída sob o paradigma masculino para regular

comportamento de natureza individual e eventual como o de Tício contra

Caio e não para responder a comportamentos que violam sistematicamente

direitos individuais. A incapacidade do sistema jurídico e dos doutrinadores

do direito de entenderem a singular natureza da violência doméstica

obnubila toda e qualquer resposta jurídica não fundada nos tradicionais

parâmetros legais. A maior parte dos operadores do direito não consegue

romper com a visão patriarcal do sistema legal, reproduzindo,

inadequadamente, as respostas de Tício contra Caio às violações de direitos

cometidos de Caio contra Maria ou por Tício contra Joana”.

Uma das principais inovações da lei 11.340/2006 foi à retirada dos Juizados Especiais

Criminais a competência para julgar e processar os crimes de violência doméstica contra a

mulher, vedando assim, a aplicação das penas culminadas aos crimes de menor potencial

ofensivo, ou seja, não há mais como cumprir a pena simplesmente pagando cestas básicas às

entidades beneficentes ou a prestação de serviços comunitários.

Com isso o Estado Brasileiro dava início ao cumprimento de compromissos

internacionais assumidos em diversas convenções e pactos de direitos humanos, além do fato

de ser um dos maiores anseios da população brasileira, visto que nos casos de violência

doméstica onde as penas aplicadas aos agressores eram multas, prestação de serviços à

comunidade e doação de cestas básicas, representando para as vítimas uma sensação de

impunidade, porque não previa nenhuma medida de proteção à vítima.

Portanto, a Lei 9.099/95, muito embora imbuída das melhores intenções do legislador

naquele momento, tinha como princípio o de acelerar a atuação judicial, reduzindo os

conflitos judiciais, estimulando as composições amigáveis e aliviar o sistema penitenciário.

No entanto, se revelou um instrumento de impunidade nos casos de violência

doméstica, tornando, desta forma, inevitável as mudanças trazidas pela Lei 11.340/06.

43

Com isso, apesar de não criar novos tipos penais, a lei introduziu em seus artigos 42,

43, 44 e 45 alterações no Código Penal, Código de Processo Penal e na Lei de Execuções

Penais, onde foram criadas circunstâncias agravantes e aumentando a pena para os crimes

relacionados à violência doméstica.

No Art. 42 que acrescentou inciso IV ao Art. 313 do Código de Processo Penal, foi

criada uma nova hipótese de prisão preventiva para os casos envolvendo violência doméstica

contra a mulher:

“IV - Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas

de urgência”.

Com isso, criou-se a possibilidade de prisão preventiva não somente para os crimes

punidos com reclusão, mas também para os casos que envolvem violência doméstica contra a

mulher.

Nesse caso, a prisão pode ser decretada por iniciativa do Juiz, de ofício, ou por

requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial,

conforme previsão expressa no artigo 20 da referida lei:

“Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,

caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a

requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade

policial”.

“Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do

processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo

decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.

Portanto, mesmo os crimes punidos com detenção, como ameaça e a lesão corporal,

inserida no parágrafo 9º da Lei 11.340, encontra-se presente o pressuposto para a decretação

da prisão preventiva do agressor, desde que seja para garantir a execução das medidas

protetivas de urgência.

Embora este instituto “prisão preventiva” deva ser analisado de forma criteriosa pelas

autoridades judiciais, visto que em muitos casos a ofendida não deseja a prisão de seu

companheiro e sim tem a intenção de que Justiça lhe um “susto”, achando que com isso

poderá resolver seu problema conjugal.

Percebe-se que, mesmo nesta nova hipótese, a decretação está atrelada à demonstração

da necessidade da medida de exceção, ou seja, é preciso demonstrar que a prisão está sendo

decretada para dar efetividade às medidas protetivas que visam garantir a integridade da

vítima, seus familiares ou das testemunhas.

44

Ainda em seu Art. 43, acrescentou no art. 61, alínea “f”, inciso II do Código Penal que

se trata se uma nova hipótese de agravante quando o crime for praticado com violência contra

a mulher, passando a ter a seguinte redação:

“Art. 61 – são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não

constituem ou qualificam o crime”:

[...]

“f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de

coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma

da lei específica”.

Já no artigo 44, acrescentou os parágrafos 9º e 11º ao Art. 129 do Código Penal, que

passou a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”:

[...]

§ 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,

cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou

ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou

de hospitalidade:

Pena – detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

[...]

“§ 11º - Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço

se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência”.

Também nos casos de violência doméstica contra a mulher, a Lei 11.340/2006 em seu

Art. 45, houve mudanças para a Lei de Execuções Penais, onde o Juiz poderá determinar a

frequência obrigatória do suporto agressor nos programas de recuperação e reeducação.

Portanto, o Art. 152 da lei nº. 7.210/84 passou a ter a seguinte redação:

Art. 152 [...]

“Parágrafo único - Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz

poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de

recuperação e reeducação”.

Ressalta-se, portanto, que a lei criou circunstâncias agravantes aos agressores,

aumentando a pena imposta e piorando a situação desses agressores. Muito embora, essas

mudanças não atingiram os fatos acontecidos antes da entrada em vigor da lei, pois o art. 5º,

XL, da Constituição Federal veda a retroatividade da lei penal para prejudicar o réu.

Assim, fica evidente, que a referida lei quando modificou diversos artigos da

legislação brasileira, tinha como principal finalidade a melhor proteção às vítimas da

violência doméstica, dando-lhes um melhor respaldo jurídico ao trazer inovações mais

intimidativas.

45

CAPÍTULO IV

DAS MEDIDAS PROTETIVAS TRAZIDAS PELA LEI 11.340/2006

4.1 DAS PRINCIPAIS FORMAS DE PROTEÇÃO

Numa análise do Capítulo II da Lei 11.340/2006 que engloba os artigos 10, 11 e 12,

podemos observar as principais providências legais cabíveis a serem tomadas pela autoridade

policial nos casos de violência doméstica contra a mulher.

Essas providências são de grande importância para o combate à violência doméstica,

pois, proporcionam às vítimas maior proteção, o que não era observado antes da vigência da

Lei Maria da Penha, pois tudo se resumia na simples lavratura dos Boletins de Ocorrência ou

dos Termos Circunstanciados de Ocorrência, deixando, assim, as vítimas sem qualquer

providência satisfatória.

A mulher que eventualmente tenha sido vítima de violência doméstica ou que tenha

risco potencial de sofrê-la tem direito a atendimento preferencial pela Autoridade Policial, que

de imediato deverá tomar as medidas cabíveis e previstas nos artigos 10, 11 e 12 da respectiva

lei, bem como o procedimento que a autoridade policial deve seguir ao identificar prática

efetiva ou eminência de violência doméstica contra a mulher.

Dentre as principais providências iniciais previstas na lei, estão os procedimentos que

as autoridades deverão tomar visando a garantir a proteção da vítima, comunicar o fato ao

Ministério Público, encaminhar a vítima ao hospital, posto de saúde, ou Instituto Médico

Legal (IML), bem como o de fornecer transporte e abrigo à vítima e seus dependentes.

Como ensina Dias (2007):

“A autoridade policial deve tomar as providências legais cabíveis (art. 10) no

momento em que tiver conhecimento de episódio que configura violência

doméstica. Igual compromisso tem o Ministério Público de requerer a

aplicação de medidas protetivas ou a revisão das que já foram concedidas,

para assegurar proteção à vítima (art. 18, III, art. 19 e § 3º). Para agir o juiz

necessita ser provocado. A adoção de providência de natureza cautelar está

condicionada à vontade da vítima”.

Ou seja, mesmo com o registro de ocorrência junto à autoridade policial, é a vítima

quem detém legitimidade para o requerimento das medidas protetivas de urgência, não

podendo a autoridade policial ou o juiz, de ofício, antes dela se manifestar, requerer, no caso

do primeiro, ou determinar, no caso do último, a concessão de medidas protetivas de urgência.

Portanto, é no momento do registro da ocorrência junto à autoridade policial é que a

vítima poderá solicitar, dentre outras, as medidas protetivas de urgência previstas nos artigos

46

23 e 24 da Lei 11.340/2006 que veremos no próximo capítulo. A lei ainda traz as formas de

atendimento e procedimentos que deverão ser observados pela Autoridade Policial quando nas

hipóteses de prática de violência doméstica previstas nos artigos 10, 11 e 12 como a seguir

descritos:

“Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e

familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da

ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

“Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao

descumprimento de medida protetiva de urgência deferida”.

Visando, ainda, dar um melhor atendimento à mulher vítima de violência, o Artigo 11

e seus incisos dispõem que:

“Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e

familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências”:

I - Garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato

ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - Encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto

Médico Legal;

III - Fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou

local seguro, quando houver risco de vida;

IV - Se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus

pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V – “Informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços

disponíveis”.

Tomadas as providências iniciais no tocante a garantir a proteção da ofendida,

iniciam-se os procedimentos previstos na Lei em seu artigo 12 e seus incisos, conforme a

seguir:

“Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de

imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no

Código de Processo Penal”:

I - Ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a

termo, se apresentada;

II - Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de

suas circunstâncias;

III - Remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao

juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de

urgência;

IV - Determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e

requisitar outros exames periciais necessários;

V - Ouvir o agressor e as testemunhas;

47

VI - Ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou

registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII – “Remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao

Ministério Público”.

Vale ressaltar que a violência que surge no âmbito privado, são maiores do que

realmente aparentam, visto que os dados das pesquisas não conseguem abarcar todas as

vítimas da violência, além de não conseguir mensurá-las, já que por muitas vezes se

encontram acobertadas.

Por isso, a Lei não tem só a urgência de punir os agressores, mas também de

conscientizar as pessoas que a vida mantida sob forma de dominação, não trará a dignidade de

que elas necessitam, não importando sua condição social, visto que todos precisam estar

cientes da necessidade de uma vida sem violência.

Na essência principal da Lei podemos observar que não só se resume em acabar com a

violência contra as mulheres, pois, muitas vezes, ocorrem outros tipos de violência na

sociedade, dentre as situações em que um filho ou uma filha que presencia a agressão de sua

mãe dentro de casa, esse fato, poderá repercutir de várias maneiras fora de suas casas.

Na citação de Dias (2007) nos faz refletir sobre isto:

“Ainda que se esteja a falar em violência doméstica e familiar contra a

mulher, há um dado que parece de todos esquecido: a violência doméstica é

o germe que está a assustar a todos. Quem vivencia a violência, muitas vezes

até antes de nascer e durante toda a infância, só pode achar natural o uso da

força física, também a constatação da impunidade da vítima, que não

consegue ver o agressor punido, gera a consciência de que a violência é um

fato normal”.

O foco principal da Lei Maria da Penha não foi unicamente o de redução dos índices

de violência, mas sim o de assegurar em igualdade outros pontos positivos com o intuito de

proteção e defesa das mulheres agredidas, destacando-se entre eles:

a) tipificar e definir a violência doméstica e familiar contra a mulher;

b) estabelecer as formas da violência doméstica contra a mulher tanto física,

psicológica, sexual, patrimonial e moral;

c) determinar que a violência doméstica contra a mulher independesse de sua

orientação sexual;

d) determinar que a mulher somente pudesse renunciar em processar o agressor

perante o Juiz;

48

e) estabelecer que ficassem proibidas as penas de pagamento de multas ou cestas

básicas;

f) a vedação expressa em lei sobre a entrega da intimação pela mulher ao agressor;

g) a mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais, em

especial, quando do ingresso e da saída do agressor da prisão;

h) a mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos

processuais;

i) a retirada dos Juizados Especiais previstos na lei 9.099/95 sobre a competência para

julgar os crimes de violência doméstica contra a Mulher;

j) alterar o Código de Processo Penal para possibilitar ao Juiz a decretação da prisão

preventiva quando houver riscos à integridade da mulher, seja física ou psicológica;

k) alterar a Lei de Execuções Penais para permitir ao Juiz que determine o

comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;

l) determinar a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar

Contra a Mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família

decorrentes da violência contra a mulher;

m) casos em que a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a

pena será aumentada em um terço (1/3).

Como podemos observar a Lei 11.340/2006, além de proporcionar que as mulheres

tenham seus direitos restituídos, tenta com as medidas acima elencadas, minimizar a

deficiência que a legislação brasileira possuía para com as mulheres, e, agora a Lei visa

diminuir estas diferenças.

Ressalte-se ainda, que a Lei 11.340/2006 é inovadora em quase todos os seus

dispositivos, trazendo uma verdadeira revolução na forma de coibir a violência doméstica, ao

mesmo tempo em que estabelece ações para assistência às vítimas, adotando pesadas medidas

de repressão em relação ao agressor.

Para uma melhor análise, podemos destacar, dentre as outras contidas na lei, as

medidas em relação à ofendida, ao agressor e a estrutura:

a) ofendida – atendimento em programas assistenciais do Governo federal, estadual e

municipal; manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de

trabalho; proteção policial ou garantia de ser abrigada em local seguro; assistência judiciária

gratuita;

b) agressor – detenção de três meses a três anos; encaminhamento a programa de

recuperação e reeducação; possibilidade de ter a prisão preventiva decretada a qualquer

49

momento; possibilidade de ser afastado do lar, não haverá substituição da condenação por

cestas básicas ou multas;

c) estrutura – Criação dos Juizados de Violência Doméstica contra a Mulher; criação

de Delegacias de Atendimento à mulher; integração entre Poder Judiciário, Ministério

Público, Defensor Público e outras áreas de segurança e assistência.

Ressalte-se a importância da ideologia inovadora presente no artigo 5º da Lei Maria da

Penha, ao ampliar o conceito de família e reconhecer como família, as uniões homo afetivas.

Nesse cenário o legislador ao reconhecer a família advinda da união homo afetiva,

considerando a realidade social em que vivemos, bem como sua evolução, não ficando alheio

às relações que envolvem pessoas de diferentes gêneros, das quais também derivam violência

doméstica e familiar.

4.2. DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA EM RELAÇÃO À OFENDIDA

Preceituam em seus artigos 18 e 19 da respectiva lei, as medidas de urgência que

poderão ser tomadas pelas autoridades judiciais no tocante à proteção de urgência da

ofendida, destacando-se:

”Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz,

no prazo de 48 (quarenta e oito) horas”:

I - Conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas

de urgência;

II - Determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência

judiciária, quando for o caso;

III – “comunicar ao Ministério Público para que adote as providências

cabíveis”.

“Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo

juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida”.

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,

independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério

Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou

cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de

maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem

ameaçados ou violados.

§ 3º “Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da

ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já

concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares

e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público”.

Nesse diapasão podemos observar que todas as manifestações e requerimentos são de

total responsabilidade da parte ofendida, que deverá ser manifestada na lavratura do boletim

de ocorrência ou então em eventual eminência de agressão.

50

De posse de tal pedido o Juiz terá o prazo de 48 horas para decidir sobre a concessão

de medidas protetivas de urgência, consistentes em afastar do lar do agressor, proibir a

aproximação do agressor em relação à ofendida, dentre outras medidas previstas em lei.

As medidas protetivas de urgência ligadas à ofendida estão elencadas nos artigos 23 e 24 da

Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:

“Art. 23 - Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou

comunitário de proteção ou de atendimento;

II - Determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao

respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - Determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – “Determinar a separação de corpos”.

Desta forma o legislador estabeleceu nos incisos do artigo 23 as medidas iniciais que

poderão ser tomadas pelas autoridades judiciais no sentido de proteção à ofendida. Nesses

programas de proteção deverá haver estrutura para atendimento multidisciplinar, além de

possuir a devida segurança, vez que as vítimas se encontram vulneráveis e em situação de

risco.

Nesse sentido, um exemplo é dado por Porto (2009):

“A Secretaria Municipal de Assistência Social pode ter programas de auxílio

habitacional ou alimentar para pessoas necessitadas. A Secretaria de Saúde

pode atender a vítima ou seus dependentes se necessitarem algum tratamento

médico ou mesmo acompanhamento psicossocial através dos Centros de

Atendimento Psicossocial (CAPS)”.

Numa análise do inciso II do artigo 22, onde há previsão para a recondução da vítima

e de seus dependentes ao domicílio, pressupondo nesse caso que houve o seu afastamento do

lar em face do medo e em relação à violência que sofrera ou que a vítima poderia vir a sofrer.

Essa recondução é possível quando não houve o recolhimento da vítima em outros

programas oficiais ou centros comunitários de proteção, ou então nos casos, em que foi

requerido pela vítima ou pelo Ministério Público o afastamento do agressor. Caso seja

deferido o pedido, a vítima poderá retornar.

Já no inciso III do artigo 23, o legislador teve a intenção de sustentar a ideia que, a

vítima pode ser afastada do lar, pelo juiz, sem prejuízo de seus direitos relativos aos bens,

guarda dos filhos e até mesmo de pedir alimentos.

Porto (2009) sustenta:

51

“Onde se lê, ‘determinar’ deve-se entender ‘autorizar’, isto porque o juiz não

pode obrigar a vítima a afastar-se do lar; só o agressor pode ser compelido a

tanto, caso contrário, estar-se-ia vitimizando-a duplamente. ‘Autorizar’

significa aqui legitimar o famigerado ‘abandono do lar’, tido,

tradicionalmente, como atitude que atentava contra os deveres matrimoniais.

Na realidade, a mulher que abandona o lar, especialmente levando os filhos,

tendo depois como provar que o fez por razões de segurança, não pode por

isso mesmo ser acusada de haver desentendido obrigações inerentes ao

matrimonio, porque o fez em situação de necessidade, sendo-lhe inexigível

conduta diversa, sequer a de que aguardasse uma autorização judicial para

sair de casa”.

No inciso IV do artigo 23, há a previsão da separação de corpos que poderá ser

deferida, tanto nos casos em que as partes sejam casadas, quanto na possibilidade de viveram

em união estável.

Caso a vítima pretenda tornar efetiva essa medida protetiva, deverá requer autorização

judicial para se afastar do marido ou companheiro, durante o processo de separação. Com a

separação de corpos, os deveres de coabitação e convivência, ficam suspensos.

Já na análise do artigo 24 e seus incisos o Legislador estabeleceu a proteção do

patrimônio do casal e ainda outros bens particulares da ofendida.

“Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou

daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,

liminarmente, as seguintes medidas, entre outras”:

I - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra e

venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização

judicial;

III - Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – “Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas

e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar

contra a ofendida”.

Nesse caso a lei prevê a possibilidade da aplicação de medidas protetivas no âmbito

patrimonial, e visam à proteção dos bens do casal ou também dos bens particulares da mulher,

determináveis com base na lei civil.

Assim demonstra Souza (2009):

“O art. 24 prevê a possibilidade de o juiz do Juizado de Violência Doméstica

e Familiar contra a Mulher conceder em favor da vítima, medidas protetivas

de natureza eminente patrimonial, voltadas a impedir a pratica comum de o

cônjuge, companheiro ou convivente, dilapidar o patrimônio comum ou

simular transferências de bens, em prejuízo da vítima. O legislador valeu-se

do método empírico e normatizou medidas que já vinham sendo

diuturnamente requeridas, principalmente nos juízos de família, mas que,

agora, poderão ser aplicadas no mesmo juízo detentos da competência

52

criminal, pois os novos juizados são órgãos detentores de uma competência

ampliada, com vistas a possibilitar a almejada proteção integral para a

vítima, que agora poderá resolver praticamente todas as questões vinculadas

com a agressão doméstica e familiar sofrida, em um único lugar”.

A primeira dessas medidas impõe ao agressor, que restitua os bens que tenha subtraído

do patrimônio da ofendida, essa situação configura o furto, sendo considerada como violência

patrimonial pela Lei Maria da Penha.

Neste caso, estão afastadas as hipóteses previstas nos artigos 181 e 182 do Código

Penal, já que, a mulher é a vítima e o autor do delito de furto é a pessoa com quem possui um

vínculo de natureza familiar.

Já no inciso II do artigo 24, estão previstas as medidas que visam a proibição de

celebrar negócios jurídicos, que para sua eficácia é necessário que a ofendida indique os bens

que quer que fiquem interditados da alienação ou ainda de eventual locação por parte do

agressor.

Nos casos de união estável, não é possível fazer o controle do patrimônio que seja

comum e que não estiver no nome dos cônjuges e caso um imóvel tenha sido adquirido

apenas por um dos companheiros durante a união, e seja utilizado pelos dois, não há como

saber que o bem é dividido.

Nesse sentido, Dias (2010) ainda afirma:

“Não vendo o magistrado justificativa suficiente para conceder a restituição

reclamada pela vítima, o juiz tem faculdade (art. 22, § 1º) de determinar tão

só o arrolamento dos bens ou o protesto contra alienação de bens, como

forma de assegurar a higidez do patrimônio. Desta forma evita a

probabilidade de dano irreparável”.

Por outro lado, a vítima, além de ter a possibilidade de impedir a venda, poderá

também se manifestar contra aquisição de bens, mesmo sendo o bem adquirido por um dos

cônjuges ou companheiros, seja comum no patrimônio do casal, visto que esse negócio

poderá ser prejudicial aos seus interesses ou da própria família, podendo nesses casos ser

realizado o pedido de medidas protetivas.

Podem ocorrer situações em que determinadas mulheres depositam imensa confiança

em seu cônjuge ou companheiros que até mesmo fazem autorizações para que estes possam

cuidar de seus “negócios”, assim concedem a eles, procurações com plenos poderes, ficando

assim dependentes da vontade do cônjuge ou companheiro. Nesses casos podem surgir

discussões e aflorar o sentimento de vingança do homem, podendo ser usadas essas

procurações, para o desvio de patrimônio.

53

Nesse sentido, Dias (2010) observa:

“Ainda que a Lei fale em suspensão, a hipótese é de revogação do mandato,

até porque ‘suspensão da procuração’ é figura estranha no ordenamento

jurídico. De qualquer modo, seja suspensão, seja revogação, o fato é que o

agressor não mais poderá representar a vítima”.

O Magistrado poderá, nesses casos, suspender as procurações que foram outorgadas

pela vítima ao seu agressor, no prazo de 48 horas da comunicação feita perante a Autoridade

Policial.

Nesse sentido Dias (2010) esclarece:

“A proibição de celebração de contrato de compra, venda ou locação do

patrimônio comum deve ser comunicada ao Cartório de Registro de Imóveis.

Já a suspensão da procuração precisa ser informada ao Cartório de Notas.

Em todas as hipóteses, para que a decisão possa ser oponível a terceiros, é

aconselhável também a comunicação ao Cartório de Registro de Títulos e

Documentos”.

Por tratar-se de uma medida acautelatória, poderá ser exigida caução, a qual visará à

garantia de um direito que o juiz possa vir a reconhecer. Assim a caução consiste em colocar à

disposição do juízo bens ou um fiador que possa assegurar tal finalidade.

“Todas estas são medidas com natureza extrapenal, que podem ser

formuladas perante a autoridade policial quando do registro da ocorrência.

Desencadeiam o procedimento de medida protetiva de urgência a ser

enviado a juízo (art.12, III). Essas mesmas pretensões podem ser veiculadas

por meio das ações cautelares de sequestro, busca e apreensão, arrolamento

de bens, ou mediante outras medidas provisionais. Ainda que se trate de

ações cíveis, como a causa de pedir é a ocorrência de violência doméstica,

devem ser propostas perante os juizados de violência doméstica. Nas

comarcas em que esses juizados não estiverem instalados essas ações devem

ser propostas pela vítima no juízo cível ou de família e não na Vara

Criminal”. (DIAS 2010).

Ainda, visando demonstrar toda a proteção da lei em relação à mulher vítima de

violência, cumpre trazer os preceitos dos artigos 27 e 28 da referida lei, onde a vítima sempre

deverá estar amparada e orientada por advogados ou defensores públicos:

Art. 27. “Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em

situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de

advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei”.

Art. 28. “É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e

familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência

Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante

atendimento específico e humanizado”.

54

Desse modo, podemos observar que essas medidas protetivas de urgência se

caracterizam como inovadoras e contribuem de forma determinante para o sistema, o qual

visa garantir uma proteção de urgência às mulheres em situação de violência, visto que foram

introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro para dar mais eficácia ao combate à violência

doméstica e familiar contra a mulher.

4.3 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA QUE OBRIGAM O AGRESSOR

No artigo 22 e seus incisos da lei 11.340/2006 – Maria da Penha preceitua as medidas

de urgência que obrigam o agressor:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,

em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência,

entre outras”:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao

órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) Aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o

limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio

de comunicação;

c) Frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade

física e psicológica da ofendida;

IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a

equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras

previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as

circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao

Ministério Público.

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas

condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22

de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou

instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a

restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor

responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de

incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o

juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto

no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de

1973 (Código de Processo Civil) ”.

55

Diante disso, podemos observar que se trata de medidas voltadas a quem pratica a

violência doméstica, portanto, estarão sujeitos as seguintes obrigações e restrições:

4.3.1 Suspensão da posse ou restrição ao porte de armas.

Nesse caso a lei demonstra preocupação em deixar sem qualquer tipo arma quem faz

uso delas e as utiliza para praticar a violência doméstica. Como sabemos o Estatuto do

Desarmamento proíbe qualquer cidadão de possuir arma, sendo necessário o registro na

Polícia Federal quando de sua posse. O Juiz pode suspender ou restringir o porte dessa arma,

caso o agressor seja devidamente autorizado pela polícia federal, caso haja pedido feito pela

vítima, e, se o porte ou posse sejam ilegais e haja violações dos dispositivos legais, quem

ficará responsável pelas providências cabíveis será a autoridade policial.

Como descreve Dias (2010):

“Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a

vítima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de

desarmá-lo, por temer pela própria vida, será instalado expediente a ser

remetido ao juízo. Deferido o pedido e excluído o direito do ofensor de

manter a posse da arma, ou sendo limitado o seu uso, deve-se comunicar a

quem procedeu ao registro e concedeu a licença: o Sistema Nacional de

Armas (SINARM) e a Polícia Federal. Caso o agressor tenha direito ao uso

de arma de fogo, segundo o rol legal, o juiz comunicará ao respectivo órgão,

corporação ou instituição que impôs. O superior imediato do agressor fica

responsável pelo cumprimento da determinação judicial sob pena de incorrer

nos crimes de prevaricação ou desobediência. A restrição é válida para evitar

tragédia maior. Se o marido agride a esposa, de modo a causar lesão

corporal, se possuir arma de fogo, é possível que, no futuro progrida para o

homicídio”.

4.3.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.

No inciso II do mesmo artigo está prevista a medida protetiva onde expressa que o

agressor poderá ser afastado do lugar onde reside ou convive com a ofendida, não importando

qual o tipo de moradia, podendo ser uma casa, um apartamento, um sitio, um quarto de hotel,

uma barraca, entre outros.

Atualmente essa medida é requerida pela maioria das mulheres ofendidas na tentativa

de minimizar eventuais riscos do agressor da prática de algum crime que possa acontecer,

trata-se de uma das medidas mais eficazes para cessar a violência.

Havendo desobediência dessas ordens judiciais, esse sujeito passivo estará sujeito as

penas do artigo 359 do Código Penal, ou seja:

56

“Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. Art.

359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi

suspenso ou privado por decisão judicial:

“Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa”.

Vale ressaltar que nos casos onde o vínculo familiar já foi cessado, ou seja, não haja

mais nenhuma relação familiar entre agressor e ofendida, caso haja alguma outra perturbação

no lar da ofendida, esse agressor estará sujeito as penas previstas no artigo 150 do Código

Penal, ou seja, invasão de domicílio.

No mesmo sentido, Porto 2009 esclarece:

“Tratando-se de crime de menor potencial ofensivo, conforme determina o

art. 69, parágrafo único, primeira parte, da Lei 9.099/95, não se imporá

prisão em flagrante, ao autor do fato que assumir o compromisso de

comparecer em juízo. Todavia, tal regramento não pode ser aplicado quando

a desobediência recair sobre uma medida de proteção à mulher, vítima da

violência doméstica ou familiar contra a mulher. Frise-se que esta

desobediência a uma imposição judicial de medida protetiva, sempre, de um

modo ou outro, caracterizará uma das formas de violência contra a mulher de

que trata o art. 7º da Lei Maria da Penha”.

Havendo descumprimento dessa medida, o agressor estará sujeito a prisão em

flagrante por ter cometido a desobediência de ordem judicial, sempre que essa ação ou

omissão infrinja um dos elementos contidos nas medidas protetivas contidas na Lei nº

11.340/06.

4.3.3 Vedação de condutas em relação ao agressor.

Ainda é possível que haja proibição do sujeito agressor, para a prática de certas

condutas, levando em consideração que essa medida visa à prevenção de crimes e

consequentemente proteger as reais vítimas da violência.

Porém, como menciona Porto 2009:

“Há dificuldades estruturais do Estado em implementá-las. E, nesse ponto, é

bom ter presente que impor medidas que não poderão ser fiscalizadas ou

implementadas com um mínimo de eficácia é sempre um contributo para o

desprestigio da Justiça. De nada adianta o juiz justificar-se intimamente com

escusas do tipo: ‘isso é problema da polícia, do poder executivo, etc.’, pois,

na visão social, todos os órgãos – polícia, Poder Judiciário, advogados,

Ministério Público – estão entre as imbricadas e compreendem o grande

sistema de justiça, de modo que as falhas em quaisquer dessas engrenagens

depõem contra o todo sistêmico”.

Muito embora essas medidas protetivas sejam de difícil fiscalização, elas podem ser

deferidas, no entanto, essa imposição deverá ser bem analisada, afirma Porto 2009:

57

“Por exemplo, a fixação de distância entre agressor e agredida é uma dessas

medidas de escassa praticidade e difícil fiscalização. Já se viu pedidos em

que, a deferir-se a distância de afastamento pleiteada pela ofendida, o

suposto agressor teria que se mudar para o meio rural, pois o perímetro

urbano da pequena cidade onde ambos moravam, não lhe permitiria

continuar habitando a sede do município. Esta medida parece, todavia, ter

sentido naquelas hipóteses em que o agressor, obstinado em acercar-se da

vítima, segue-a teimosamente por todos os lugares, especialmente, para o

trabalho, causando apreensão e risco. Mas nesse caso em que o agressor

insiste em aproximar-se ou mesmo adentrar o local de trabalho da vítima, é

possível aplicar-lhe a proibição de frequência nesse local, conforme letra

‘c’”.

Ainda poderá ser deferida a proibição de comunicação, seja por qualquer meio, entre

agressor e vítima, incluindo seus familiares e testemunhas, quando continuam a prática dessas

ameaças, ofensas ou perturbação do sossego.

Com o avanço da tecnologia e com o grande número de aparelhos celulares, a vida

social tornou-se mais prática e por outro mais conturbado, visto que é notável a existência e o

aumento de criminalidade utilizando essas tecnologias, sejam pela prática de golpes,

extorsões, ameaças, crimes contra a honra, perturbação do sossego, que são muito comuns no

âmbito de violência doméstica.

Nesses casos é nítida que a aplicação da lei fica de difícil fiscalização, nesse sentido

Porto 2009, nos ensina como obter a prova dessas conversas telefônicas:

“Com efeito, na maioria das vezes a ocorrência ou não de crimes, bem como

se foi extrapolado o limite entre uma acalorada discussão recíproca e a

prática de ameaça ou ofensas refletidas e sérias é um tema de árdua

elucidação. Em primeiro lugar, em razão de à maioria desses delitos –

ameaça, crimes contra a honra, perturbação do sossego – ser aplicada penas

de detenção ou prisão simples, já não se admite a intercepção das

comunicações telefônicas ou telemáticas (art. 2º, III, da Lei 9.296/96). Tem-

se, contudo, possam ser requisitados os dados cadastrais dos titulares de

telefones utilizados para a prática de tais infrações, quando a vítima, através

de recurso disponível em seu aparelho receptor, tiver identificado a origem

das chamadas. Assim, será possível conhecer o autor da ligação, embora não

se tenha acesso ao seu conteúdo. Porém, quanto a este, é possível que a

vítima grave a conversa por conta própria, utilizando a gravação como prova

do delito contra si praticado – ameaça, constrangimento ilegal, ofensas –

pois tal proceder não constitui interceptação telefônica de uma conversa

entre terceiros, mas simples, meio de prova de uma dada comunicação

efetuada por um dos interlocutores”.

Destacamos, ainda, que além do contato com a vítima que pode constituir direito de

ameaça, constrangimento ilegal, crime contra a honra, ou perturbação do sossego, pode

constituir crime de extorsão, havendo a possibilidade de se constatar por meio de

interceptação telefônica, além do delito de coação, quando o sujeito ativo, entra em contato

58

com vítima, familiares da vítima ou até mesmo para intimidar as testemunhas, constrangendo-

as mediante ameaças para que alterem seus depoimentos ou renunciem a representação.

4.3.4 Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes.

No que se refere à medida da restrição ou suspensão de visitas aos dependentes

menores, deve ser aplicada quando a violência estiver direcionada a eles, principalmente

quando são vítimas de violência sexual, tentativa de homicídio, tortura, além de maus-tratos.

Se apenas um dos dependentes for vítima da violência doméstica, as medidas podem ser

estendidas aos outros, pois também estão sujeitos ao risco. Caso haja apenas violência contra

a mãe, entende-se que não há razões para que as visitas sejam suspensas, portanto podem ser

restringidas quanto ao local e horário das visitas, além de ser proibida visitação, quando o

agressor se encontra em estado de alcoolismo ou após uso de entorpecentes, além de

frequentar determinados lugares não recomendados.

Se a mulher e seus filhos forem transferidos para um abrigo ou até mesmo para a casa

de seus familiares, essa restrição será mais rígida, pois este lugar deve ser mantido em sigilo,

e até mesmo não deve ser mencionado no processo, justamente para que o agressor não tome

conhecimento. Em relação às visitas aos dependentes, não serão proibidas, porém para que

isto ocorra deverá ter um local previamente indicado pela autoridade.

4.3.5 Fixação de alimentos provisionais ou provisórios.

Outra inovação trazida pela Lei 11.340/2006 foi a prestação de alimentos provisórios

ou provisionais, na qual determina que os alimentos poderão ser fixados pelo Juiz da Vara

Criminal ou ainda pelo Juiz da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar.

Quanto os alimentos provisionais ou provisórios, Porto 2009 esclarece que:

“O legislador usou as duas expressões para eliminar as discussões

semânticas sobre a suposta diferenciação entre alimentos provisionais ou

provisórios, visto que ambas significam, em linhas gerais, a fixação de

alimentos antes de uma decisão faz coisa julgada, de modo que, demonstrada

alteração no célere binômio necessidade- possibilidade pode o quantum ser

revisto a qualquer momento”.

[...]”Como regra, entende-se que alimentos provisórios são aqueles fixados

imediatamente pelo juiz, a título precário, ao receber a inicial, na ação de

alimentos do rito especial disciplinada pela Lei 5.478/68, ao passo que,

provisionais, são aqueles reclamados pela mulher ao propor ou antes de

propor, a ação de separação judicial ou de nulidade de casamento, ou de

divórcio direto, para fazer face ao seu sustento durante a demanda. Chamam-

se também provisionais os alimentos fixados na sentença de primeira

59

instancia, na ação de investigação de paternidade, de acordo com o artigo 5º

da Lei nº 883/49”.

A fixação desses alimentos torna-se imprescindível, visto que a dependência

econômica é o ponto que determina a submissão da própria mulher e de seus filhos, ao

patriarca agressivo.

No entanto, caso a ofendida tenha condições próprias de sobrevivência essa medida

não se torna necessária a ela, porém, é fundamental para os filhos, por se tratar de um direito

indisponível.

Tal medida cautelar se baseia na necessidade dos requerentes e também na

possibilidade que o requerido possui, desta maneira serão colhidas informações a respeito de

ambos, e também dos filhos, buscando obter as respostas sobre as necessidades básicas da

mulher e dos dependentes, ou seja, deve buscar informações como, de saber se os alimentados

estão em casa ou em abrigo. O Juiz também pode se informar a respeito do requerido através

de requisição a seu estabelecimento de trabalho, sua declaração de renda, informações da

previdência social.

Desta maneira o mesmo autor ainda afirma:

“Conforme já assinalado ao introduzir o tema das medidas cautelares, o

deferimento dos alimentos provisionais pressupõe o ingresso, por parte da

ofendida, por si ou em representação de seus dependentes, da competente

ação principal no prazo de trinta dias, na Vara de Família ou cível, visto que

não compete ao Juiz Criminal e nem mesmo ao Juizado de Violência

Doméstica e Familiar Contra a Mulher examinar ação de alimentos que,

notoriamente, não tem a violência doméstica por causa de pedir. No seio da

ação principal, ou até mesmo em seu exame liminar, poderá o juiz cível ou

de família, à vista de melhores elementos, rever os alimentos provisionais

fixados pelo juiz criminal, corrigindo eventual excesso ou insuficiência”.

(PORTO 2009)

Vale ressaltar a possibilidade dos alimentos gravídicos, que não são aqueles destinados

a cobrir despesas adicionais durante a gravidez desde a concepção até o parto. Esses alimentos

visam cobrir despesas referentes à alimentação da mãe, assistência médica e psicologia,

exames, internações, parto, medicamentos, etc.

As despesas devem ser custeadas pelo suposto pai em sendo ele o agressor, e após o

nascimento da criança, os alimentos gravídicos poderão ser convertidos em pensão

alimentícia, cabendo provar a paternidade somente baseada em indícios.

60

CAPÍTULO V

DA EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

5.1 APLICABILIDADES DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha certamente trouxe um grande avanço na tentativa de minimizar

o problema da violência doméstica, mas talvez devido ao fato de ser muito recente, seu texto

ainda não passa de um conjunto de boas intenções.

Mesmo com tudo que trouxemos no presente trabalho, explicando detalhadamente

todas as formas de prevenção e combate à essa violência, devemos, ainda, observar que sua

aplicação e efetiva utilização esbarra na incerteza e insegurança que algumas mulheres têm

em relação a autoridades públicas e no despreparo de órgãos públicos para acolher e orientar

as vítimas.

Muito embora exista uma boa intenção do legislador em dar maior proteção às

mulheres vítimas de violência doméstica, a sua aplicabilidade está relacionada a dois

elementos primordiais que ocorrem constantemente nas delegacias de polícia e outros órgãos

do estado que tratam do assunto.

De um lado, está a postura da vítima bem como sua hesitação na possibilidade acusar

seu parceiro, isso é reforçado pela constatação de que muitas mulheres somente vão até as

Delegacias para denunciar as agressões e quando efetivamente precisam prestar seu

depoimento, trazer testemunhas, elas não aparecem mais, outras simplesmente aparecem

alegando que tudo se resolveu e que deseja retirar a queixa, que o agressor estava bêbado e

por isso fez aquilo, esquecendo no seu íntimo que “ele vai beber de novo” e aí poderá ser

agredida novamente, enfim, em muitos dos casos não dão prosseguimento ao inquérito

policial e consequentemente a ação penal ficará totalmente prejudicada.

Em outros casos, está a sensação da impunidade dos acusados, onde sempre se houve

que tudo aquilo “não vai dar em nada” que o agressor não será punido pelo que fez, que ele

agressor é amigo dos policiais e assim por diante.

Na realidade as vítimas de agressão querem uma ação mais severa do Estado em

relação a isso. No momento da discussão querem mesmo que seu agressor fique preso e

padeça juntamente com outros presidiários, “que ele morra na cadeia” e assim por diante.

Felizmente ou infelizmente isso realmente não ocorre, pois, a chance desse indivíduo

permanecer preso como querem essas ofendidas, é muito remota, visto que na maioria das

vezes os crimes por eles cometidos não são puníveis como pena de prisão. Somente mesmo

nos casos mais graves é que permanecem presos para garantir a eficácia das medidas

61

protetivas. Mas não se enganem, dificilmente esse agressor, que podemos chamar de

“agressor de fim de semana”, ficará preso mesmo sendo preso em flagrante cometendo o

delito, visto que pela nova sistemática e aplicação das prisões em flagrante, os delitos

cometidos com pena inferiores a quatro anos, estarão sujeitos à aplicação de medidas

cautelares com imposição de restrições e com previsão legal na Lei 12.403/2011, pois tem o

intuito de evitar um abuso de prisões preventivas, encarcerando o acusado primeiro para

depois se apurar os fatos.

Nesses casos temos outra agravante que podemos observar, caso seja determinada a

prisão desse indivíduo, provavelmente ele perderá seu emprego ou suas atividades laborativas.

É aí que a coisa começa a complicar. Porque como já vimos em capítulos anteriores, na

maioria dos casos, a Lei Maria da Penha é utilizada como recurso para tentar cessar uma

suposta agressão ocorrida naquele dia, ou seja, quando o agressor tomou umas a mais e a

esposa chamou-lhe a atenção e ele não gostou. Começa-se então aquela discussão banal e

chegando até a se agredirem. Lembrando que estou falando dos casos mais corriqueiros, não

àqueles casos que a mulher está sendo constantemente humilhada e agredida, seja física ou

psicologicamente.

Como já vimos no presente estudo, muitas somente querem darem “um susto” no seu

companheiro, esquecendo que com isso estará mobilizando todo o aparato do Estado, seja,

investigador, Delegado de Polícia, Ministério Público, Magistrados, servidores da Justiça,

Oficiais de Justiça, para no final das contas simplesmente queria que alguém advertisse seu

companheiro de que não pode fazer àquilo.

Então, entendo que os casos que possam ser mais complexos, acabam por não sendo

tratados com a devida seriedade a que deveria, porque na maioria das vezes essas pequenas

agressões nunca são presenciadas por testemunhas e quando são essas testemunhas

dificilmente querem testemunhar sobre o caso, ou então elas acontecem somente entre

agressor e ofendida, permanecendo, assim, a palavra de um contra o outro.

Outra situação que merece atenção são os casos de afastamento do agressor do lar

conjugal. Essa medida tem despertado uma atenção impar dos operadores do direito, visto que

em muito dos casos se trata de união estável, não se sabendo, portanto, de quem é o imóvel,

podendo nesses casos, ser determinada a retirada do lar do seu legítimo proprietário e

mantendo na residência àquela que sequer contribuiu para a aquisição daquele imóvel.

Também nos deparamos com aquelas medidas que determinam que o agressor não

deva se aproximar da ofendida, de seus filhos ou de seus familiares, seja por qualquer tipo de

62

contato, fixando-se uma distância dessa aproximação. Certamente essa medida não será

cumprida, pois, como exigir uma situação que não se possa controlar ou fiscalizar.

Vejamos uma situação em que agressor e ofendida moram num condomínio edilício,

por exemplo. Nesse caso, pode muito bem esse indivíduo ter outro imóvel no mesmo prédio e

daí privá-lo de acessar seu imóvel, fica um tanto complicado.

Por isso, as autoridades judiciais ao analisar cada caso em concreto, devem observar o

que realmente está por traz disso. Se for mesmo um caso de agressões contínuas ou

simplesmente foi uma atitude causada como o calor da discussão.

Relembrando que os motivos que levam muitas mulheres a se manterem num

relacionamento conjugal conturbado e violento são vários, dentre eles estão os casos de

manipulação mental em que o agressor envolve a vítima. Se nesse caso a ofendida querer

mesmo a separação, por não aguentar mais àquela situação, certamente àquele agressor

tentará convencê-la de que isso nunca mais acontecerá, e essas faltas promessas tem somente

uma intenção, ou seja, de que a vítima não o denuncie às autoridades. (SOUZA 2006).

Nesse sentido Souza 2006 diz;

“Outro forte motivador para que a mulher permaneça na relação violenta é a

banalidade com que o assunto da violência contra a mulher ainda é encarado

pela sociedade. Essa visão distorcida minimiza as agressões por meio de um

entendimento dos acontecimentos como oriundos de estereótipos impostos à

mulher, entendida como um ser frágil e sujeito a expectativas sociais que

nunca ultrapassam certos papéis predeterminados como inferiores. Nessa

concepção a violência contra a mulher torna-se um fato visto como

impossível de não existir na sociedade”.

Segundo Lucas 2006, outro foco importantíssimo é:

“A brandura com que as sanções são aplicadas aos agressores também é

vista como algo que desmotiva a mulher a sair de uma relação violenta.

Principalmente na classe trabalhadora, o respeito (ou medo) do marido é um

valor cultural sedimentado. Questionar essa realidade parece ir contra uma

estrutura de pensamento de conteúdo religioso, moral, econômico,

psicológico e social. Discutir sobre a submissão da mulher em relação ao

homem significa desarticular uma estrutura que embasa crenças e conceitos

antigos de dominação”.

Nesse sentido, observamos que a relação conjugal está esculpida num contexto social

e familiar de afinidades determinados pela nossa cultura respeitando os padrões sociais, os

quais definem a mulher como sendo submissa e a que é responsabilizada pelo conflito, ou

seja, a mulher vítima, na maioria das vezes acaba por assumir parte da responsabilidade pelo

fato ocorrido.

63

Portanto, essa situação faz com que a mulher continue no relacionamento violento,

visto que em muitas situações o abandono do lar conjugal acarretaria sentimentos de vergonha

pelo fracasso da sua relação e a percepção de falha na missão mais relevante das suas vidas,

ou seja, a de cuidar da própria família. Dessa forma, outro pretexto bastante frequente

utilizado pela vítima para não denunciar os maus tratos sofridos é o temor pela dificuldade de

criação dos filhos menores.

Enfim, são muitos e muitos fatores que levam as mulheres vítimas de violência

doméstica e familiar a não denunciarem as agressões sofridas, mantendo-se nesse

relacionamento conturbado até as últimas consequências.

5.2 – DA EFICÁCIA / INEFICÁCIA DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA.

Como vimos no desenrolar do presente estudo, muitas mulheres têm seus direitos

cerceados a todo instante no Brasil. Em muitos casos são agredidas, violentadas e muitos

casos não são denunciados por medo ou por qualquer outro motivo, as quais se escondem ou

se omitem na triste realidade em que vivem, pois constantemente são amedrontadas diante das

ameaças de seus parceiros.

Foi por esse motivo que graças a luta de várias mulheres e movimentos feministas que

surgiu a Lei Maria da Penha que as deu coragem para pedir socorro e dar um fim a essa

realidade vivida em seus lares, destruindo sonhos e famílias.

É perceptível que toda violência doméstica e familiar, embora haja proteção à essas

vítimas, não podemos deixar que essas situações fiquem a cargo somente do direito penal e do

Poder Judiciário, cabendo também ao Poder Executivo o dever de implantar programas

sociais com auxílios de equipe multidisciplinar com assistentes sociais e psicólogos para que

essas famílias sejam atendidas e encaminhadas, visto se tratar de um problema social.

Cabendo, no entanto, aos órgãos do Estado, a união de forças na tentativa de acabar com esse

tipo de agressão nos lares brasileiros.

Em artigo publicado no site do Tribunal de Justiça de São Paulo 2016, a Juíza Teresa

Cristina Rodrigues dos Santos, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação

de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (COMESP),

esclarece que as medidas protetivas é uma das formas mais precisas de coibir a violência e

proteger a vítima:

“Tenho percebido no relato das vítimas que, na maior parte das vezes, a

simples intimação/cientificação do agressor resolve o problema. Nos casos

em que o ciclo de violência se encontra instalado e a possibilidade de defesa

64

e proteção são mais complicadas, é muito importante que haja atenção

específica. Quando concedo medidas de proteção em situações mais graves,

informo à vítima alguns procedimentos que entendo pertinentes, como ter

uma cópia do mandado sempre em mãos, não ficar sozinha com o agressor

no mesmo espaço físico e, em caso de suspeita de agressão, ligar apara a

polícia e procurar a companhia de terceiros que possam ajudar. Conhecer a

violência, saber valorá-la e classificá-la, saber quando agir e de que forma

agir é essencial se queremos ter uma sociedade onde a violência não mais

exista”.

Esclarece ainda, que:

“Só em 2015, foram concedidas 10.711 medidas protetivas nos mais de 70

mil processos em andamento na Capital. No interior, a realidade não foi

diferente, dos 11.700 feitos em curso, foram expedidas 4.100 medidas, entre

elas a restrição de visitas do agressor aos dependentes, proibição de

frequentar determinados lugares, de aproximação com a vítima e

afastamento do lar. Nada perto das 15.322 audiências realizadas e das 12.490

sentenças proferidas em todo o Estado”. (SANTOS, 2016).

Em matéria penal já vimos quais as medidas que podem ser tomadas pelo Judiciário

para tentar coibir esses acontecimentos, que infelizmente ocorrem constantemente nos lares

de nosso país, mas daí nos vem à pergunta: “será que somente isso basta”?

A legislação penal trouxe algumas penas restritivas de direito, que podem ser

impostas os agressores que praticam a violência doméstica e familiar contra a mulher. Entre

elas podemos listar a limitação de fim semana prevista no artigo 43, VI do Código Penal que

consiste na obrigação do agressor em permanecer por no mínimo 5 horas, aos sábados e

domingos e feriados, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado ao

cumprimento da medida (CP, art. 48).

No período em que estiver nesse estabelecimento adequado, poderão ser ministrados

cursos ou palestras ou ainda atribuídas atividades educativas. (CP, art. 48, parágrafo único;

LEP, art. 152).

Além disso, o Juiz da Execução penal poderá determinar que o sentenciado frequente e

comparece a programas de recuperação e reeducação, sendo que o seu comparecimento é

obrigatório, sob pena de ser cassado o benefício.

Poderá, ainda, determinar a aplicação de outras medidas como a “prestação de serviço

à comunidade ou a entidades públicas, além da interdição temporária de direitos e perda de

bens e valores” (CP, art. 43, II, IV, V e VI).

Essas medidas são tomadas visando que o agressor se conscientize da gravidade de

seus atos e que não deverá mais praticá-los, pois não são donos das mulheres, acabando com

esse tipo de crime cometido de forma abusiva e contínua.

65

Aí vem a questão da eficácia ou ineficácia da aplicação das medidas impostas. Então

vejamos. Todos nós sabemos que o Estado não dispõe de todo o aparato necessário para que

as medidas sejam aplicadas, em muitas cidades não temos mesmo Casa do Albergado e muito

mesmo profissionais capacitados na área de assistência social e psicologia. Nem ao menos as

entidades assistenciais querem a prestação dos serviços comunitários desses sentenciados,

visto o seu histórico de agressividade.

Muita embora seja obrigação do Estado de garantir a capacitação permanente dos

profissionais que lidam com a atenção da vítima e aos agressores, isso nem vem ocorrendo na

maioria dos municípios do nosso Estado.

Neste sentido Dias, 2010, destaca as ações que Estado deveria implantar para coibir as

essas agressões:

a) “Fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma

vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam

seus direitos humanos”;

b) Modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres,

incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais

apropriados a todo nível do processo educativo;

c) Fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da

justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei assim

como o pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação

da violência contra a mulher;

d) Aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento

necessário à mulher, por meio de entidades dos setores público e privado,

inclusive abrigos, serviços de orientação para toda família;

e) Fomentar e apoiar programas de educação [...]

f) “Oferecer à mulher, acesso a programas eficazes de reabilitação e

capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada

e social”.

Tais medidas dariam suporte às mulheres ofendidas de buscar ajuda das autoridades

competentes, visando coibir certas agressões e consequentemente a sua segurança.

As medidas protetivas constantes da lei Maria da Penha são justamente para proteger a

vítima e visa reprimir a ação do agressor. Muito embora, vemos que não tem sido isso a

realidade do dia a dia, visto que as mulheres ficam à mercê do seu companheiro violento.

Em seu texto a Lei 11.340/2006 traz que:

“A Lei Maria da Penha estabelece que a autoridade policial deverá adotar

providências legais cabíveis, assim que tiver conhecimento da prática de

violência doméstica. Deve ainda: garantir à mulher a proteção policial;

encaminhá-la ao hospital, posto de saúde ou ao Instituto Médico Legal;

fornecer abrigo ou local seguro quando ficar configurado o risco de vida;

acompanhá-la ao local da ocorrência, a fim de assegurar a retirada dos seus

66

pertences; e informar os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços

disponíveis “. (BRASIL, 2006).

Como podemos ver a intenção maior da criação da lei foi o de proteger a vítima do seu

agressor. Se por um lado for aplicada com eficiência, certamente trará seus resultados

frutíferos, mas, por outro, diante da falta de estrutura dos órgãos competentes, ainda existem

falhas para executá-las.

É perceptível que em muitos casos, as mulheres que são vítimas de agressão, têm

reclamado e denunciado seus agressores, porém, as medidas de proteção não estão sendo

aplicadas adequadamente conforme a lei determina, deixando sempre uma lacuna, uma dúvida

na denúncia trazida por essas mulheres.

Muito embora em alguns estados brasileiros houvesse avanço na criação de

instituições destinadas a inibir essa violência machista contra as mulheres, principalmente

com a criação de diversas Delegacias de Defesa da Mulher, inclusive com o surgimento de

algumas casas-abrigo para essas vítimas, ainda carece de se fazer muito, pois não são todos os

municípios que foram contemplados com esses órgãos especializados para lidar com o

combate a violência contra a mulher. Lembrando que há muito constrangimento por parte das

vítimas em serem atendidas por investigadores, delegados de polícia do sexo masculino. Seja

pelo deboche ou pelo constrangimento de revelar suas necessidades.

Portanto, mesmo com todo o esforço estatal de se criar mecanismos necessários a se

combater esses casos, ainda não está sendo suficiente para aplicar a legislação com eficiência

e que os órgãos criados para executar sejam operados adequadamente.

Neste sentido, em artigo publicado sobre o tema, Alves 2010 nos traz que a própria

vítima que desencadeou toda a criação da lei desabafa num ato desesperador “deveria ter uma

lei para prender imediatamente esses agressores em virtude de ameaça. Só assim seriam

diminuídos os ataques contra as mulheres”. (Alves 2010).

Segundo o autor Alves 2010 ainda esclarece que:

“Diante dessa colocação, ela incita que a lei que leva o seu nome demonstra

ineficácia. É lamentável quando a própria inspiradora da Lei faz esse

desabafo, uma vez que, a Lei dá diretrizes à proteção da vítima e a punição

do agressor, observando assim que não há ineficácia na lei e sim na sua

aplicabilidade. Mediante a forma de como a Lei “.

A Lei Maria da Penha pode ser eficaz e competente, porém, há muitas falhas na sua

aplicabilidade, isso ocorre tanto nas esferas do Poder Executivo, no Poder do Judiciário e

ainda no órgão do Ministério Público, o que gera aquela sensação de impunidade, visto a

67

dificuldade na apuração do fato concreto, conforme afirmou o jurista Miguel Reale Júnior em

entrevista realizada ao Jornal Recomeço, com a Tribuna do Direito, 2010:

“Não adianta reformar a lei se não ocorrer uma mudança de mentalidade. Há

uma resistência, especialmente na Magistratura, na adoção de novas

medidas. Não é um fenômeno que ocorre só no Brasil, mas também em

vários outros países, onde foram criadas as penas restritivas, que são fáceis

de serem aplicadas, de ser controladas e cujo resultado no plano preventivo e

também como punição é extraordinário. E se não se aplica gera-se a

impunidade”.

O Estado se torna negligente em face da ausência de providências públicas em coibir e

prevenir atos violentos contra a mulher, já que, a lei 11.340/06 se mostra eficiente quando

disciplina a sua aplicação, visto que determina punição a quem comete violência doméstica e

proteção a parte violentada.

O poder público nesse caso é falho, pois se agisse com responsabilidade e possibilitar

ações corretas na criação de projetos, que deem segurança as mulheres que são agredidas por

seus companheiros.

Em entrevista ao site O Globo, o Ministro Gilmar Mendes (2009) afirmou que a

ampliação da lei envolve "uma série de aprendizados sendo preciso subsídios

multidisciplinares" e em casos de violência doméstica contra mulheres, a Justiça deve "calçar

as sandálias da humildade" e consultar pessoas que são vítimas e profissionais de outras áreas.

“Nossas decisões, muitas vezes, têm eficácia limitada”. (MENDES 2009).

Mendes (2009) afirmou ainda que:

“O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada.

Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito

tempo e já chegou ao limite. A falha não é da lei, é na estrutura”.

Nesse caso o Ministro reforça o que já dissemos, que em muitos municípios brasileiros

não têm delegacias especializadas, centros de referência ou mesmo casas de abrigo.

Destacou ainda Mendes (2009) que:

“É dever da administração pública, criar mecanismos para proteger as

vítimas de violência. Enquanto a lei garante direitos às mulheres violentadas,

o papel do governo é promover condições favoráveis na proteção da vítima,

construindo abrigos dignos com profissionais competentes para

ressocialização do ser humano que sofreu traumas psicológico, físico e

moral. Se a administração pública não cria as casas de albergados, o

Judiciário acaba sendo obrigado a transformar a prisão albergue em prisão

domiciliar, apesar de a lei de execução proibir terminantemente isso”. O que

é a prisão domiciliar? É nada, é a impunidade. Você tem uma impunidade

que decorre do fato de a administração pública não criar os meios

necessários de a magistratura aplicar a lei, de o Ministério Público controlar.

68

De outro lado, a inoperância policial. “Porque a impunidade não está na

fragilidade da lei, está na fragilidade da apuração do fato”.

Logo, se faz necessário à celeridade na aplicabilidade da lei Maria da Penha em punir

com rigor àqueles que promovem a violência, buscando condições e agilidade no

cumprimento dessas leis contra os possíveis agressores no âmbito familiar.

Por isso, observamos que a ineficácia não está na Lei Maria da Penha, vez que nela

está disciplinado e muito bem claro todas as situações prováveis nos casos de violência contra

a mulher, no entanto, vimos óbice no cumprimento e na execução dessas medidas, pois o

Estado ainda não disponibilizou o suporte necessário, montando uma estrutura adequada para

acolher essas situações, seja preparando os agentes policiais, equipando viaturas, construindo

abrigos dignos com profissionais habilitados e competentes na área de psicologia e assistência

social, entre outras, para que possam amparar essas vítimas para que possam levar uma vida

livre da violência e do desespero.

Todas as questões levantadas no tocante à eficácia ou ineficácia na aplicação da Lei

11.340/2006, podem ser observadas nos gráficos e levantamentos apresentados no site do

Tribunal de Justiça do Estado São Paulo conforme abaixo demonstraremos no que diz

respeito às medidas protetivas solicitadas pelas ofendidas nas Varas Especializadas de

Violência Doméstica e Familiar.

5.3 – DADOS ESTATÍSTICOS DAS VARAS ESPECIALIZADAS E ANEXOS DA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER (CAPITAL E INTERIOR)

Enquanto em todas as cidades do Estado não forem instalados os Juizados de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminais acumularão as

competências Cível e Criminal, conforme disposto no art. 33 da Lei 11.340/06, que por

enquanto, terão o dever de conhecer e julgar as causas decorrentes desse tipo prática de

violência doméstica, estabelecendo ademais, que esses processos têm preferência, no que diz

respeito ao seu andamento e julgamento em relação aos demais protocolados na Vara

Criminal.

Nas cidades polos, o Estado tem fornecido toda a estrutura e meios necessários para

que as mulheres vítimas da violência doméstica sejam atendidas com mais dignidade o que

corrobora com o encorajamento para denunciar seus agressores. Nesses polos são oferecidas

equipes multidisciplinares e equipe adequada para que essas mulheres se sintam à vontade e

sejam assistidas e acompanhadas em toda a fase do processo.

69

No Estado de São Paulo ainda são poucas as Varas Especializadas no que tange a

Violência Doméstica contra a Mulher, e atualmente estão distribuídas da seguinte maneira:

Na Capital:

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Central - Endereço: Foro

Ministro Mário Guimarães - Avenida Abrahão Ribeiro, nº 313 - 1º andar - Rua 6, sala

518 - CEP: 01133-020. Telefones: 2127-9668 e 2127-9669;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Norte -

Endereço: Foro Regional de Santana. Av. Dr. Engº Caetano Alvares nº 594 - CEP:

02546-000. Telefones: 3951-2525 ramal 265;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Sul 1 -

Endereço: Foro Regional de Vila Prudente - Avenida Sapopemba nº 3740 - CEP:

03345-000. Telefone: 2211-0179;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Sul 2 -

Endereço: Foro Regional Santo Amaro - Avenida Adolfo Pinheiro, 1992, 4º andar -

CEP 04734-003. Telefones: 5522-8833 ramal 222;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Leste 1 -

Endereço: Foro Regional Penha de França - Rua Doutor João Ribeiro nº 433 - CEP:

03634-010. Telefones: 2093-6612, ramais 6243, 6244 e 6245;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Leste 2 -

Endereço: Foro Regional de São Miguel Paulista - Rua Afonso Lopes de Baião nº

1736 - CEP: 08040-000. Telefones: 2052-8098 - ramal 245;

Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Oeste -

Endereço: Foro Regional do Butantã – Av. Corifeu de Azevedo Marques, nº 148/150 -

1º andar - sala 117 - CEP: 05582-000. Telefones: 3721-3201 e 3721-6615 (gabinete).

No Interior:

Guarulhos: Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Endereço: Foro de Guarulhos - Rua Ipê nº 171 - Centro - Guarulhos. Cep: 07090-130.

Telefones: 2408-5861;

Ribeirão Preto: Anexo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Endereço: Foro de Ribeirão Preto - Rua Alice Alem Saad, nº 1010, 2º andar - Nova

Ribeirânia - CEP 14096-570, Telefone: (16)3629-0004, ramal 6062;

São José dos Campos: Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Foro de São José dos Campos - Av. Salmão, 678 - Parque Residencial Aquárius. Cep:

12246-260. Telefone: (12) 3878-7121;

70

Sorocaba: Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Endereço: Foro de Sorocaba. - Rua 28 de Outubro, 691 - Alto da Boa Vista. Cep:

18087-080. Telefone: (15) 3228-5148;

Suzano: Anexo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Endereço: Foro de Suzano - Rua Francisco Quadra Castro, nº 48 - Vila Costa - CEP

08675-170, Telefone: (11) 4742-4856.

MAPA ESTATÍSTICO – 1º GRAU – VARAS ESPECIALIZADAS DA CAPITAL –

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ANO 2015.

Fonte: Serviço de controle do Movimento Judiciário de 1º Grau – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

71

MAPA ESTATÍSTICO – 1º GRAU – VARAS ESPECIALIZADAS E ANEXOS DO INTERIOR

– VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ANO 2015.

Fonte: Serviço de controle do Movimento Judiciário de 1º Grau – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

72

Somente numa análise superficial das planilhas apresentadas das Varas Especializadas

de Violência Doméstica em 2015, tanto nos Foros da Capital como nas do Interior, podemos

observar a grande quantidade de medidas protetivas concedidas nessas Varas.

Também, observa-se a quantidade de medidas protetivas arquivadas, certamente

porque não trouxeram condições mínimas para que fossem concedidas.

É possível, ainda, observar pelos dados apresentados a quantidade de inquéritos

policiais arquivados e consequentemente essas medidas protetivas também perderam sua

eficácia, posto que não foram trazidos para os autos, elementos suficientes e convincentes

para oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público.

No mais, as planilhas apresentadas confirmam que quando os fatos são narrados com

coerência ou devidamente constatados pela Autoridade Policial, de imediato são tomadas as

providencias necessárias no sentido de vislumbrar uma proteção mais célere para esses casos,

visto que merecem um atendimento especial e preferencial.

Essas providências são realizadas no âmbito das autoridades judiciárias, tanto na

Capital como nas Varas Especializadas do Interior do Estado de São Paulo.

Ademais, vale observar que em muitos dos casos são de pequenas discussões, ou seja,

desentendimentos de momento, que culminam com xingamentos e ameaças, mas as ofendidas

acabam por não denunciar seus agressores, como já mencionado no presente trabalho.

Muitas vezes, essas mulheres, acabam por se dirigir até as Delegacias ou mesmo ao

Ministério Público ou ao Judiciário para “retirar a queixa”, dizendo que “foi coisa de

momento”, “ele estava sob os efeitos do álcool ou drogas” e assim por diante.

Também ressaltamos os casos em que os processos são arquivados pelo órgão do

Ministério Público, seja pelo fato da vítima não dar prosseguimento na representação

processual, operando, nesse caso o prazo decadencial, ou porque os elementos de convicção

colhidos nos autos são frágeis e não revelam certeza no diz respeito à materialidade e até

mesmo quanto à autoria do delito.

Às vezes diante da ausência de justa causa para dar prosseguimento ao feito, esses

inquéritos acabam por serem arquivados, vez que os elementos trazidos no bojo dos autos são

insuficientes para oferecimento de denúncia.

Temos, ainda, os casos onde o processo tem o seu seguimento natural com

oferecimento de denúncia, apresentação de defesa, oitiva de testemunhas e produção de

provas, mas quando a vítima vai ser ouvida em audiência, acaba por relatar em seu

depoimento que o casal reatou a convivência conjugal, mesmo havendo possibilidade de

haver qualquer outro tipo de violência.

73

Nesses casos as ações penais acabam sendo julgadas improcedentes e consequente é

julgada extinta a punibilidade do agente, visto que a própria vítima praticou ato que não

condiz com a situação anteriormente relatada, não havendo porque o Estado intervir nessa

situação, onde a própria vítima aceita e quer, mesmo assim, manter o relacionamento

conjugal.

74

CONCLUSÃO

Neste trabalho falamos acerca da Lei 11.340/2006, onde demonstramos que existem

vários tipos de violência doméstica contra a mulher e que estas ocorrem muito mais do que o

imaginamos.

Infelizmente ainda existem muitas mulheres que não denunciam seus agressores por

vários motivos, seja por vergonha de exporem suas vidas matrimoniais ou seja pelo principal

motivo, deixam de denunciar ou não querer que a ação prossiga em face da dependência

financeira. Outro fator muito importante que trouxemos neste trabalho, foi o fato do Estado

ainda não se encontrar preparado para acolher as mulheres vítimas de violência doméstica.

Em sendo assim, a agredida faz o boletim de ocorrência e depois fica à mercê dos

agressores, visto que não tem para onde ir e consequentemente acabam voltando para suas

casas e muitas vezes são agredidas novamente, por ter ido até a delegacia.

Ressalte-se, ainda, que outro fato da impunidade dos agressores, é quando na

audiência designada para oitiva da vítima, com previsão legal no artigo 16 da referida Lei, a

agredida diz que não quer prosseguir com o processo para não prejudicar seu marido ou

companheiro, apenas queria lhe “dar um susto”. Além da agravante que essa mulher não

trabalha e juntamente com seus filhos menores dependem financeiramente daquele que a

agrediu, e que ele só faz isso quando bebe ou está nervoso, mas que é o provedor da família.

Na maioria das cidades com exceção de algumas capitais, não existe programa de

proteção a essas mulheres que sofrem violência doméstica, ficando, portanto, à mercê de seu

agressor.

Conclui-se, portanto, que muito embora na Lei 11.340/2006 tragam mecanismos para

coibir essas agressões, o Estado deve desenvolver políticas públicas, disponibilizando

infraestrutura e equipe multidisciplinar para acompanhar essas mulheres, desenvolver

campanhas em sistemas de rádio e televisão para conscientizar a população que devem

denunciar os casos de abusos contra a mulher.

Enfim, para que haja uma melhor aplicabilidade da Lei Maria da Penha no que tange

as mulheres vítimas de violência doméstica, será preciso que conjuntamente a lei ocorra uma

ação em todos os segmentos sociais e institucionais no sentido de transformar novas relações

entre as pessoas e de modo a melhorar o seu convívio. Somente assim, teríamos melhores

mecanismos de prevenção, de proteção e de punição aos crimes domésticos atentados contra a

mulher diminuindo consideravelmente os dados estatísticos apresentados no presente

trabalho.

75

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