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21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
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VII-012– METODOLOGIA PARA DESENVOLVIMENTO DE MODELO CAUSALRELATIVO À DRENAGEM URBANA E À INCIDÊNCIA DE DOENÇAS DE
IMPORTÂNCIA PARA A SAÚDE PÚBLICA
Cezarina Maria Nobre Souza(1)
Engenheira Sanitarista (Universidade Federal do Pará), Mestre em Tecnologia Ambiental eRecursos Hídricos (FT/Universidade de Brasília), Professora do Centro Federal deEducação Tecnológica do Pará (CEFET-PA).Ricardo Silveira BernardesEngenheiro Civil (Universidade de Campinas), Mestre em Hidráulica e Saneamento (Escolade Engenharia de São Carlos - USP), Ph.D. em Ciências Agrárias e Ambientais(Wageningen Agricultural University, Holanda), Professor Adjunto da Universidade deBrasília (UnB).Luiz Roberto Santos MoraesEngenheiro Civil (Universidade Federal da Bahia) e Sanitarista (Universidade de São Paulo), Mestre emEngenharia Sanitária (Delft University of Technology, Holanda), Ph.D. em Saúde Ambiental (University ofLondon), Professor Titular do DHS/Escola Politécnica e do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana daUniversidade Federal da Bahia
Endereço(1): Av. Roberto Camelier, 1.005/A3/601 – Jurunas-Belém-PA, CEP 66.033-640 – Brasil – Tel. (91)272-1510, e-mail: [email protected]
RESUMO
Este trabalho apresenta a metodologia empregada para o desenvolvimento de modelo causal relativo à carênciaou precariedade dos serviços de drenagem urbana – CPSDU – e à ocorrência de doenças de importância para aSaúde Pública, abstraindo, nesse contexto, outros fatores intervenientes não ligados à CPSDU.Tal metodologia consistiu no levantamento de dados constantes da literatura, a partir da utilização de listagemde controle e da aplicação do método Delphi, em versão adaptada.Ao longo de duas rodadas de consultas, os dados levantados foram submetidos à apreciação de um grupo deespecialistas. Ao final da segunda consulta, observando-se o grau de pertinência atribuído por essesprofissionais a cada item avaliado, foi construído o modelo causal, abrangendo-se 12 enfermidades.A verificação do referido modelo foi realizada na terceira e última rodada de consultas, obtendo-se dos 23especialistas participantes, a seguinte avaliação: 17 validaram-no; 3 não validaram; 2 julgaram-noparcialmente válido e 1 optou por não avaliá-lo.Os resultados obtidos indicaram a eficiência da metodologia empregada, assim como ratificaram a importânciada drenagem urbana como uma questão de saúde pública.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde Ambiental, Saúde Pública, Drenagem Urbana, Modelo Causal
INTRODUÇÃO
Segundo Mausner e Bahn (1974, apud Rouquayrol, 1988), o desenvolvimento de estudos sobre a causalidadedos agravos à saúde, deve compreender quatro fases, quais sejam: 1. Estudos descritivos (coleta de dados e suaanálise); 2. Construção de um modelo; 3. Estudos analíticos para validação do modelo; 4. Análise dosresultados comparativamente com os dados coletados.
Entretanto, para a elaboração do modelo causal em questão foi utilizada metodologia diversa, fundamentadaem revisão da literatura e em versão adaptada do método Delphi..
A relação de que trata o modelo causal – drenagem urbana e saúde, consubstancia tema relevante no contextonacional e internacional, embora historicamente venha sendo relegada a plano de somenos importância, hajavista que a maioria dos estudos realizados sobre a relação saneamento – saúde, segundo (Heller, 1997),privilegia outros componentes do saneamento, a saber o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e omanejo de resíduos sólidos e limpeza urbana
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Trata-se, entretanto, de um conjunto relevante de medidas, tais como a construção de sarjetas, galerias e poçosdrenantes; a desobstrução, a retificação e o revestimento de canais; as obras de controle de inundações, dentreoutras, as quais visam a tornar salubres os ambientes, assegurando o escoamento das águas de chuva, bemcomo das águas subterrâneas que afloram à superfície, evitando a ocorrência de erosão, assoreamento einundações e a formação de empoçamentos e alagadiços, responsáveis pela criação de condições favoráveis àtransmissão de doenças.
METODOLOGIA
PRIMEIRA ETAPA: COLETA DE DADOS
A partir de uma listagem de controle do tipo questionário, composta por 19 itens, foram coletados da literaturaos dados necessários à elaboração do modelo causal, no concerne às doenças cuja ocorrência estariarelacionada à CPSDU.
Assim, 7 questões foram relativas às condições de saneamento ambiental favoráveis às doenças; 6 ao processode transmissão dessas enfermidades e 6 aos fatores de risco correlatos.
SEGUNDA ETAPA: CONSTRUÇÃO DO MODELO CAUSAL
Para construção do modelo causal foi aplicada versão adaptada do método Delphi, cujas premissas, dentreoutras, prevêem a realização de rodadas de consultas iterativas a especialistas no tema em estudo, mantendo-sesigilo sobre suas identidades, apenas permitindo o compartilhamento de suas respostas, com vistas à obtençãode um consenso.
Assim, na I Consulta Iterativa os dados coletados na primeira etapa foram enviados sob a forma de tabelas,como exemplifica simplificadamente a Tabela 1, por meio da INTERNET, a engenheiros, epidemiologistas,entomologistas, médicos, sociólogos, economistas, malacologistas e parasitologistas do Brasil e de outrospaíses, como Argentina, Austrália, Burkina Faso, Colômbia, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, México,Nigéria e Tailândia.
Tabela 1: Caracterização das Condições Ambientais Ligadas à Incidência de Febre Amarela Urbanae Dengue (exemplo simplificado)
AVALIAÇÃOCONDIÇÕESAMBIENTAIS
DETALHAMENTO
PertinenteMedia-
namentePerti-nente
NãoPertinente
JUSTIFICATIVA
Ocorrência deempoçamentos
Favorece aproliferação dosmosquitos vetores,pela formação decriadouros
Esses especialistas, ligados a universidades, centros de pesquisa em saúde e em economia, empresas privadas egovernamentais afins e órgãos nacionais gestores em saúde, foram convidados a avaliar os dados apresentados,optando pela inclusão ou não das sete doenças pré-selecionadas (febre amarela urbana, dengue, leishmaniose,esquistossomose, filariose, leptospirose e malária), assim como avaliando o grau de pertinência dos demaisitens componentes das tabelas e, se o desejassem, inserindo novos dados.
Dos 104 especialistas que receberam as tabelas da I Consulta Iterativa, 35 responderam e, após terem sidocompiladas suas respostas, foi realizada a II Consulta Iterativa, que teve por fim possibilitar ocompartilhamento das respostas à I Consulta, de modo a que estas pudessem ser confirmadas ou alteradaspelos participantes.
A compilação das respostas dos 27 especialistas que responderam à II Consulta Iterativa possibilitou aidentificação das respostas medianas acerca de cada item avaliado, as quais subsidiaram a construção do
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modelo causal. Por exemplo, para um conjunto de 33 respostas relativas a determinado item, sendo 18pertinentes, 11 medianamente pertinentes e 4 não pertinentes, a resposta mediana correspondente foi, então,pertinente.
TERCEIRA ETAPA: VERIFICAÇÃO DO MODELO CAUSAL
Para verificação do modelo causal, igualmente o método Delphi foi empregado. Cada um dos 27 especialistasque responderam à II Consulta foi convidado a avaliá-lo como válido ou não válido, obtendo-se um total finalde 23 respostas.
RESULTADOS OBTIDOS
O modelo causal “carência ou precariedade dos serviços de drenagem urbana – ocorrência de doenças”, emversão simplificada encontra-se apresentado na Figura 1.
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Figura 1: Modelo Causal Simplificado “Carência ou Precariedade dos Serviços de Drenagem Urbana –Ocorrência de Doenças”
Nascimento Jr., J.A. 1999.
Nascimento Jr., J.A. 1999.
CPSDU
subpressão na rede dedistribuição
de água
ingestão de águacontaminada
ocorrência dediarréias,hepatite A efebre tifóide
alagadiço
alagadiços
contaminação daágua pela penetração
de agentes patogênicosexistentes nos alagadiços
e áreas inundadas
contaminação dosolo por larvasinfectantes ou
ovos de helmintos
contato direto com solocontaminado,
ingestão de ovos pelaágua, alimentos,
ou mãos contaminadas
ocorrência dehelmintoses
como ascaridíase,tricuríase e
ancilostomíase
CPSDU
alagadiçose inundações
proliferaçãodo caramujohospedeiro
lançamento deresíduos sólidos na
macrodrenagem
contaminação daágua e infecçãodo caramujo por
S. mansoni
contato diretocom água
contaminada
ocorrência deesquistossomose
lançamento deesgotos na
macrodrenagem
CPSDUempoçamentos
lançamento de resíduossólidos
e esgotos no sistema deDU
proliferação devetores
ocorrência dedengue e febreamarela urbana
empoçamento em boca-de-lobo
picada do mosquito vetorinfectado pelos vírusDEN 1, 2, 3 ou 4 ou
amarílico
Nascimento Jr., J.A., 1999.
empoçamentos e alagadiços
proliferaçãode vetores
picada dovetor
infectado pelaW. bancrofti
ocorrênciade
filariose
empoçamentos
lançamento deresíduos sólidos e esgotos nosistema de DU
(drenagem urbana)
picada do vetorinfectado pelo Plasmodium
ocorrênciade malária
empoçamento em vala
proliferaçãode vetores
CPSDU
Abreu, L Revista ECOS. DMAE, Porto Alegre (12), p.21, 1998
CPSDU lançamento deresíduos sólidos
no sistema de DU lançamento deesgotos no sistemade DU, introduzindo
leptospiras eliminadaspelos ratos que habitam
as redes coletoras
inundaçõesdisseminação das
leptospiras oriundas dos esgotos e do
ambiente
contato diretocom águas
contaminadas ocorrência deleptospirose
leptospirose
inundação
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Observa-se que 12 são as doenças abrangidas: 6 pré-selecionadas (febre amarela urbana, dengue,esquistossomose, filariose, leptospirose e malária) e 6 introduzidas pelos especialistas na I Consulta Iterativa(febre tifóide, hepatite A, cólera, ancilostomíase, tricuríase e ascaridíase), tendo sido excluída nessa mesmarodada de consultas a leishmaniose, que havia sido pré-selecionada.
As 12 doenças podem, então, ser classificadas em 4 grupos:• Grupo I - Doenças transmitidas por vetores alados que podem proliferar em empoçamentos e alagadiços
como a febre amarela urbana, a dengue, a filariose e a malária;• Grupo II - Doença cujo agente etiológico utiliza um hospedeiro aquático intermediário, que pode
proliferar em alagadiços, como a esquistossomose;• Grupo III - Doença transmitida pelo contato direto com água ou solo (sem a presença de hospedeiros)
cuja contaminação é favorecida por inundações e alagadiços, como a leptospirose;• Grupo IV - Doenças transmitidas pela ingestão de água contaminada por agentes etiológicos presentes em
alagadiços e inundações e que penetram no interior da rede de abastecimento; doenças transmitidas pelocontato direto com solos cuja contaminação por esses agentes é favorecida por inundações e alagadiçoscomo a febre tifóide (água), cólera e outras diarréias (água), hepatite A (água), ascaridíase (água),tricuríase (água) e a ancilostomíase (água e solo)
A verificação do modelo, realizada na III Consulta Iterativa, revelou que dos 23 especialistas participantes darodada 17 julgaram-no válido; 3 não válido; 2 acharam por bem considerá-lo parcialmente válido e 1 não oavaliou por discordar dos critérios de avaliação propostos.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Dentre as doenças pertencentes ao grupo I, deve-se destacar que os vetores da febre amarela urbana, dengue emalária não utilizam empoçamentos e alagadiços como criadouros preferenciais. Entretanto, há registros daocorrência de sua proliferação em tais condições (Nascimento Jr, 1999; FUNASA e OPAS, 1999), o quepoderá representar importante achado epidemiológico. Quanto à malária, deve-se destacar, ainda, que suaurbanização está restrita às áreas periféricas das cidades amazônicas, inclusive de grandes aglomeradosurbanos.
A esquistossomose e a leptospirose, doenças incluídas nos grupos II e III, respectivamente, são ligadas àCPSDU, uma vez que a existência de alagadiços favorece a proliferação do hospedeiro do agente causal, nocaso da primeira, enquanto que a ocorrência da segunda está intimamente ligada às inundações.
Quanto às doenças pertencentes ao grupo IV, justifica-se sua inclusão no modelo considerando que suatransmissão está associada ao contato com solos cuja contaminação pode se dar em função da ocorrência deinundações e alagadiços. Também, acontecendo subpressão em redes de abastecimento de água instaladas emcontato com alagadiços, por meio de rachaduras e orifícios nelas existentes, poderá ocorrer a penetração, emseu interior, dos agentes etiológicos dessas doenças, presentes nos locais que apresentam tal condição dedrenagem.O modelo causal foi considerado válido pela maioria dos especialistas consultores, embora não tenhaexpressado a multiplicidade das relações causais em questão, tais como fatores geográficos, culturais esocioeconômicos, dentre outros, que favorecem a ocorrência das doenças abrangidas. Aliás, o objetivoprecípuo da investigação se prendia, apenas e unicamente, a destacar a CPSDU no contexto das doenças.
CONCLUSÃO
A metodologia empregada para a construção do modelo causal “carência ou precariedade dos serviços dedrenagem urbana – ocorrência de doenças” revelou-se eficiente, uma vez que assegurou objetividade aoprocesso, evitando que concepções pessoais de variada ordem – políticas, religiosa, raciais, dentre outras –interferissem na identificação dos elos componentes da cadeia causal das doenças.
A identificação da resposta mediana para cada item avaliado mostrou-se adequada por ser essa a medidaestatística que melhor indica a tendência das respostas dos especialistas.
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O modelo causal desenvolvido a partir de tal metodologia, como qualquer outro, não logrou abranger toda acomplexidade das relações multicausais que ocorrem na natureza, relativamente ao que se propunha expressar.Contudo, pode-se considerar que atingiu os objetivos estabelecidos, que se resumiram a tornar mais claros osaspectos ligados à ocorrência de doenças, concernentes à CPSDU.
Isto, por sua vez, poderá contribuir para a definição de políticas públicas mais acertadas e direcionadas para asraízes dos problemas da sociedade, no que tange à drenagem e à saúde pública e ambiental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde. ControleSeletivo de Vetores da Malária. Brasília, 1999. 58p.
2. HELLER, L. Saneamento e Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, Organização Mundialda Saúde, Representação do Brasil, 1997. 97p.
3. MAUSNER, J.S., BAHN, A .K. Epidemiologia. México: Nueva Editorial Interamericana, 1974. 364p.4. NASCIMENTO JÚNIOR, J.A. Estudo Epidemiológico da Relação entre a Disposição dos Resíduos
Sólidos e a Proliferação do Aedes aegypti. Brasília, 1999. Dissertação de Mestrado – Faculdade deTecnologia, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Brasília, 1999.
5. ROUQUAYROL, M.Z. Epidemiologia Analítica. In: Rouquayrol, M.Z. Epidemiologia e Saúde. Rio deJaneiro: Medsi, 1988. p.169-203.