vigilância sanitária, ética e cidadania.pdf

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  • VIGILNCIA SANITRIA, TICA E

    CONSTRUO DA CIDADANIA

    PAULO ANTONIO DE CARVALHO FORTES*

    Introduo - Para a manuteno da convivncia social, o homem desenvolveu

    alguns mecanismos, entre os quais a tica. Visando a harmonizar interesses individuais

    e coletivos, inicialmente esse mecanismo de coeso social tinha um carter

    predominantemente negativo, e uma tarefa mnima, a de proteger a integridade fsica do

    ser humano, ou seja, evitar ou prevenir danos ou malefcios fsicos causados aos

    indivduos. Prevalecia o princpio da no-maleficncia, o primum non nocere, de onde

    derivam as normas de no matar, no ferir, no causar dano a outrem. Posteriormente,

    ele passou a ser um instrumento social orientador de carter positivo, para determinar

    aquilo que se deve fazer para alcanar a boa vida, o bem-estar das pessoas vivendo

    em sociedade numa dimenso no s fsica, mas tambm psquica e social. (7) (13)

    A tica fala de valores, princpios e normas que servem de base para o

    comportamento humano; fala do que certo, correto e justo, e na responsabilidade dos

    indivduos por seus atos, com a finalidade ltima de que vivamos bem em sociedade.

    Implica opo individual, escolha ativa. Requer a adeso ntima da pessoa aos valores,

    princpios e s normas morais. Visa interioridade do ser humano, solicita convices

    prprias que no podem ser impostas de fontes exteriores aos indivduos. (3)

    A tarefa atual da tica a procura e o estabelecimento das razes que justificam o

    que "deve ser feito", e no o "que pode ser feito", ou seja, as razes de fazer ou deixar

    de fazer algo, de aprovar ou desaprovar algo, do que bom e do que mal, do justo e do

    injusto. Pode ser considerada como uma questo de indagaes, e no de normalizao

    do certo. tica refletir, argumentar e fornecer justificativas racionais para as

    escolhas e tomadas de decises morais, em casos e situaes concretas. (11)

    Ser um sujeito tico significa realizar atos livres, voluntrios e conscientes, que se

    caracterizem por preservar as pessoas, o meio ambiente e/ou a coletividade. Ter

    liberdade de pensamento, sem coeres internas ou externas que restrinjam a tomada de

    deciso. Para que se avalie a tica de um ato, necessrio que, na situao concreta

    * Mdico - Professor Livre Docente Faculdade de Sade Pblica Universidadede So Paulo

  • 2onde se d o ato, existam alternativas de ao diferenciadas, incompatveis entre si e

    sustentadas por argumentao racional.

    Para a tomada de deciso tica, alm da existncia de alternativas de ao, deve ser

    possibilitada ao sujeito a escolha entre as opes possveis (liberdade de optar) e a

    liberdade de agir conforme a deciso e a alternativa por ele escolhidas. Quando se tem

    apenas uma alternativa de escolha, ou somente se pode agir segundo uma determinada

    alternativa, o ato no pode ser julgado eticamente. Como assinala Chaui (1995), a

    deliberao tica se d no campo do possvel. Se, por vezes, no podemos escolher o

    que nos acontece, assim mesmo podemos escolher o que fazer diante da situao que

    nos foi apresentada. Por isso, a autodeterminao da pessoa humana est relacionada

    responsabilidade que tem consigo mesma e com os outros membros da sociedade. (2)

    A tica no campo da sade, em nossos dias, tem tido uma abordagem

    multidisciplinar e multiprofissional, observada dentro de uma perspectiva intercultural e

    humanista. Diferentemente do Direito e da Deontologia, visa interioridade do ser

    humano, solicita convices prprias do indivduo, aceitao livre e consciente das

    normas, mas, como nas duas outras disciplinas, necessrio salientar que a discusso e

    prtica tica tm tambm uma ampla significao socioeconmica e poltica.

    Assim, cabe ressaltar que essencial a vinculao da tica s prticas de sade

    pblica, especificamente Vigilncia Sanitria, pois esta no pode ser observada apenas

    dos pontos de vista tcnico, legal ou administrativo. Seu carter tico inerente, devido

    a que decises tomadas e aes realizadas em seu mbito causam interferncia direta ou

    indireta nas pessoas, e no bem-estar da vida em sociedade.

    Como afirma Costa (1998:25), a Vigilncia Sanitria ao de sade

    eminentemente preventiva e perpassa todas as prticas mdico-sanitrias, da promoo

    proteo, recuperao e reabilitao da sade, ao atuar sobre fatores de riscos

    associados a produtos, insumos e servios relacionados com a sade, com o ambiente e

    o ambiente do trabalho, com a circulao internacional de transportes, cargas e pessoas.

    A natureza dessas questes confere-lhe um carter universal de certos aspectos das

    prticas mdico-sanitrias necessrias reproduo e manuteno da vida. (4)

    Alocao de recursos para aes de vigilncia sanitria a necessidade de

    estabelecer prioridades para distribuio de recursos de sade est baseada no

    pressuposto de que as necessidades so crescentes, mais amplas do que as

    possibilidades de recursos financeiros, humanos e materiais existentes. Porm,

    necessrio lembrar que, no Brasil, o gestor pblico enfrenta a desafiadora e difcil tarefa

  • 3de atender ao princpio constitucional da universalidade de acesso de todos os cidados

    s aes de promoo, proteo e recuperao da sade e, ao mesmo tempo, garantir o

    princpio da eqidade que reconhece no terem as pessoas as mesmas chances,

    distinguindo-se no apenas pelas diferenas biolgicas, psicolgicas e mentais, mas

    cultural, econmica e socialmente.

    Boa parte das vezes, as decises para alocao de recursos em sade so

    motivadas por valores e princpios morais, embora isso no seja claramente percebido

    ou revelado. certo que interesses poltico-partidrios, corporativos e econmicos,

    preferncias pessoais dos administradores e tcnicos tambm so fatores de influncia

    no processo de tomada decisria. Porm, preciso salientar que as decises de carter

    poltico, para serem eficazes, tm de levar em conta os valores morais prevalentes na

    sociedade.

    Assim, a insero da VISA como prioridade nas agendas (nacional, estadual,

    municipal) acontecer em maior ou menor intensidade, conforme o valor tico-social

    com que se trata a sade das pessoas, e de qual for a interpretao majoritria sobre os

    princpios de justia social e eqidade que tenha a sociedade.

    Pode-se aceitar que a vigilncia sanitria deva ser priorizada, dentro das polticas

    pblicas, por seu potencial antecipatrio de promover a sade, de prevenir danos

    sade e de poder servir como um instrumento para promoo da eqidade. O princpio

    da eqidade orienta as polticas pblicas para a minimizao da desfavorvel situao

    sanitria em que vive grande parte da populao brasileira. A eqidade est relacionada

    ao princpio da diferena, partindo da existncia de diferentes necessidades de sade das

    pessoas, e se orientando para que sejam reduzidas as desigualdades sanitrias existentes.

    Apesar de que as aes de Vigilncia Sanitria respondem a necessidades

    sanitrias geradas no sistema produtivo vigente, que cria situaes de riscos e danos

    sade individual, coletiva e ambiental, visto que envolve produtos, servios e atividades

    que direta ou indiretamente tm relao com a sade, pode-se defender que

    necessrio que o poder estatal assuma a noo de responsabilidade social, a

    responsabilidade pelos mais fracos, pelos mais necessitados, e no seja somente

    conduzido por interesses econmicos ou produtivos, quando trazem riscos sade da

    coletividade. (4)

    Isso se choca com uma poltica de ajuste fiscal do Estado que tem reduzido o

    exerccio das polticas pblicas, impedindo a implementao de medidas que possam

    favorecer a minimizao das desigualdades sociais, e dificultando a incluso social

  • 4que no ocorre mais mediante a insero das pessoas no mercado de trabalho

    convencional, o que tambm tem resultado na possibilidade de ampliao dos riscos

    sanitrios.

    O papel tico das polticas pblicas para a vigilncia de se contrapor

    aceitao acrtica de que todas desigualdades sociais so inevitveis ou tolerveis. Ao

    contrrio, requer compreender que as desigualdades podem ser minimizadas por meio

    de orientaes fundamentadas na eqidade e na responsabilidade social, e no podem

    ser unicamente baseadas no princpio da eficincia econmica. Portanto, no cabe

    restringir, como de ocorrncia no rara, que as aes normalizadoras, fiscalizatrias e

    controladoras dos rgos da vigilncia sanitria dirijam-se prioritariamente contra os

    mais fracos, os sem-voz, os que no tm poder de negociao e presso junto

    autoridade pblica (trabalhadores do setor informal, pequenos comerciantes e

    empresas), e se voltem prevalentemente para os interesses produtivos e econmicos das

    grandes corporaes e indstrias, nacionais ou aliengenas, contrariando a eqidade.

    tica, vigilncia sanitria e cidadania - a relao da Vigilncia Sanitria com

    as pessoas deve estar fundamentada na noo de cidado, de sujeito de direitos, e no

    somente na de consumidor, criando instrumentos que protejam a sua sade. Deve ser

    solidria com pessoas consideradas como iguais em seus direitos, mesmo quando

    tenham diferentes posies ou valores socioculturais. Deve fundamentar-se em aes

    antecipatrias, baseadas em uma tica de preveno que deve sobrepujar a freqente

    prtica de agir a posteriori, quando o prejuzo j foi causado, lembrando sempre do

    trgico e notrio caso das hemodilises na cidade de Caruaru, acontecido h poucos

    anos.

    Os princpios ticos da beneficncia e a no-maleficncia induzem a que as

    aes de vigilncia sanitria tenham, como perspectiva, a promoo e a proteo da

    sade como qualidade de vida, orientada pela noo de riscos sanitrios. Riscos

    compreendidos como possibilidade de dano ou agravo, de evento adverso sade

    relacionado a procedimentos, produtos e servios de interesse da sade, com

    determinados fatores. Mas, no se pode omitir que a vigilncia sanitria seja uma

    atividade estatal essencial para o desenvolvimento econmico, pois tambm interessa ao

    setor produtivo, para que ele seja protegido da m e prejudicial concorrncia.

    Por vezes, as aes da vigilncia sanitria podem resultar em um confronto

    entre os princpios ticos da utilidade social e da eqidade. O utilitarismo tico requer a

    maximizao dos benefcios, e enseja que a conduta humana, para ser eticamente

  • 5correta, deva objetivar o maior bem para o maior nmero de pessoas. Apesar das

    dificuldades para conceituar o que considerado "bem-estar" no campo da sade

    individual e coletiva, a utilizao da noo utilitarista significa que, quando so

    defrontadas duas opes, dever-se-ia pesar cada uma delas e escolher aquela que

    trouxesse mais benefcios ao maior nmero de pessoas, e pela qual fossem eliminados,

    evitados ou minimizados os danos, o sofrimento, a dor das pessoas envolvidas. (5)

    Porm, necessrio o devido cuidado para a adoo de aes de orientao

    exclusivamente utilitarista, pois ao requerer o maior benefcio para o maior nmero de

    pessoas, pode-se estar discriminando ou no priorizando grupos minoritrios, os grupos

    socioeconmicos menos favorecidos, em contraposio ao princpio da eqidade.

    Outra questo que merece ser bastante refletida o grau de aceitao dos riscos

    sanitrios que ocorre entre as diversas parcelas de nossa sociedade. Por vezes, a maior

    aceitao dos riscos se deve ausncia ou inadequao das informaes e sua

    deficiente compreenso. Mas no pode ser desconsiderado que determinadas culturas

    parecem ser menos temerosas da existncia de riscos, principalmente quando estes so

    provenientes de avanos tecnolgicos contemporneos. Essa aceitao parece estar

    condicionada ao pensamento de que sempre existir um antdoto para o mal, que

    problemas tecnolgicos se corrigem com novo arsenal tecnolgico (isto parece estar

    sendo apresentado no debate referente aos transgnicos). Por mais paradoxal que seja, a

    tecnologia excessiva pode levar ao incremento da passividade das pessoas, se no lhes

    for possvel compreender o sentido daquela.

    O bem-estar da coletividade e a autonomia individual - tica um

    instrumento social de combate violncia fsica, mental ou social, marcada pelo

    desrespeito sade, integridade fsica e segurana dos indivduos, dos grupos ou da

    coletividade. (2)

    A essncia da atuao da Vigilncia Sanitria tica, pois se faz um instrumento

    social para evitar violncias contra as condies de sade, promovendo medidas para

    a melhoria da qualidade do meio ambiente, nele includo o do trabalho, e condies

    adequadas de qualidade na produo, comercializao e no consumo de bens e servios

    de interesse da sade. As medidas de vigilncia sanitria pressupem estar orientadas

    para resultar em benefcios ou, ao menos, para evitar prejuzos s pessoas e

    coletividade. Apesar de nem todas as aes estarem fundadas no poder de polcia

    sanitria, elas podem gerar conflitos ticos, pois muitas vezes limitam ou restringem

    liberdades e decises individuais. Poder de polcia uma atividade estatal exclusiva,

  • 6cujo objetivo o de evitar conseqncias anti-sociais: restringe ou condiciona as

    liberdades ou a propriedade individual, ajustando-as aos interesses da coletividade, e o

    faz em nome da supremacia do interesse pblico sobre o individual. (6)

    A preocupao sobre a ao do Estado e da sociedade no estabelecimento de

    limites para a liberdade da pessoa no nova, pois desde o sculo passado John Stuart

    Mill (1806 1873), filsofo ingls, autor do clssico On Liberty, j afirmava que o

    nico fim para o qual a sociedade deveria interferir com a liberdade de qualquer um de

    seus membros seria sua autoproteo. O nico propsito, pelo qual o poder poderia ser

    exercido corretamente contra a vontade do indivduo, deveria ser o de prevenir danos a

    outros indivduos ou prpria coletividade. (9)

    A interveno estatal nas relaes entre produtores, fornecedores e cidados,

    mediante medidas que restringem ou limitam liberdades e direitos individuais medidas

    de normalizao e controle -, pode ser eticamente justificada pelos princpios de

    beneficncia e de no-maleficncia, por evitar conseqncias anti-sociais, danos a

    terceiros ou coletividade. Quando um agente sanitrio, por exemplo, interdita um

    estabelecimento comercial ou industrial, ele est restringindo o direito de propriedade,

    direito este fundamentado na autonomia da pessoa querer ou no querer possuir um

    determinado bem. Essa limitao de um direito deve ser motivada pelo bem da sade da

    coletividade, mas sempre respeitando a dignidade humana dos indivduos envolvidos e

    seus direitos de cidados.

    Conflitos de interesses e o impacto nas geraes futuras - A vigilncia

    sanitria deve estar atenta para os conflitos de interesses na incorporao de novas

    tecnologias. A tecnologia no neutra, no traz consigo somente benefcios. No cabe,

    de forma nenhuma, sua absolutizao, sua glorificao, como tambm no cabe um

    fundamentalismo antitecnolgico. Ao lado das esperanas, dos benefcios que provocou

    e provoca, a tecnologia pode trazer consigo conseqncias danosas, maleficentes,

    inqas e injustas em nvel individual ou coletivo. Em pases do terceiro mundo, a

    demanda muitas vezes indiscriminada por tecnologia, tanto por parte dos profissionais

    de sade quanto dos usurios, cresce e pode levar ampliao das desigualdades

    existentes no sistema, em virtude dos custos financeiros envolvidos nos sistemas

    pblicos de sade. Essa demanda expansiva, e se deve, em parte, ao da tecnologia

    sobre o "imaginrio" dos indivduos e da coletividade. A tecnologia de ponta acaba

    sendo concebida como instrumental racionalizador, eficaz e capacitado resoluo de

    todas as necessidades de sade - resultando num verdadeiro "culto tecnologia". Assim

  • 7sendo, o desenvolvimento e a incorporao tecnolgica no sistema de sade devem ser

    disciplinados no interesse da sociedade, que deles deve ser a real beneficiria, pois tudo

    que tecnicamente possvel no se comporta como eticamente admissvel.

    Saliente-se o caso das pesquisas cientficas que envolvem o controle da

    vigilncia sanitria. Elas tambm no so socialmente neutras, so produtos humanos,

    construes conscientes de seres pensantes, seres ticos que interferem com outros seres

    ticos. Elas tm por fundamento a melhoria do desenvolvimento humano, mas so

    orientadas por motivos diversos, nem sempre relacionados com o bem comum. muito

    difcil acreditar que os pesquisadores, quando atuam, deixem de lado seus valores

    sociais e suas ideologias, para conceber um produto de pesquisa neutro. Ao contrrio,

    pode-se inferir a existncia de interesses, nem sempre explcitos, que no se devem

    concretizao do bem comum ou cientfico, mas visam somente a interesses comerciais,

    industriais, estratgicos, polticos e individuais.

    A responsabilidade tica das aes de vigilncia sanitria no se esgota no tempo

    presente. Aes ou omisses do presente, utilizao desmesurada de procedimentos

    tecnolgicos e transformaes ambientais danosas podem comprometer as geraes que

    nos vo suceder. Disso decorre que o balano de benefcios e inconvenientes no deva

    ser limitado ao tempo presente, mas considere sempre as conseqncias futuras. Mais

    uma vez, saliente-se que isso no significa que devamos temer as transformaes, no

    aceitemos um embate entre o natural e o artificial, mas sim uma orientao tica

    fundada no binmio liberdade-responsabilidade versus comercializao-explorao do

    ser humano, conforme foi propugnado por Berlinguer. (1)

    Informao, Publicizao e Privacidade - A Vigilncia Sanitria deve ter,

    como princpio tico orientador, o respeito autonomia dos indivduos e da

    coletividade, visando sempre a ampli-la. Ela deve informar, publicizar seus achados

    para que os cidados possam tomar decises autnomas, protegendo sua sade, evitando

    ou minimizando prejuzos que possam sofrer decorrentes de bens e servios de interesse

    da sade.

    Informar reduzir as incertezas sobre fatos e causalidades, e interessa aos

    gestores do sistema de sade, aos agentes sanitrios e prpria sociedade, a qual tem

    direito de ser informada sobre a qualidade e eficcia de produtos e servios. As

    informaes fornecidas no precisam ser exaustivas e apresentadas em estrito linguajar

    tcnico ou cientfico, pois necessrio que elas sejam compreendidas por quem as

  • 8recebe. Defende-se eticamente a utilizao de linguagem simples, aproximativa,

    respeitosa e inteligvel para os receptores, de acordo com as suas condies culturais.

    Informao essencial, quando se apregoa a participao da comunidade e o

    exerccio do controle social sobre as polticas pblicas de sade, suas prioridades e sua

    implementao. Em nossos dias, observa-se uma situao de precariedade de

    informaes sobre os reais problemas de sade do Pas, justamente quando ocorre uma

    proliferao de livros, peridicos, revistas, programas de televiso e rdio, utilizao da

    Internet e outros veculos de comunicao abordando temas vinculados sade.

    A necessidade de informar o cidado sobre riscos sua sade pode se contrapor ao

    princpio da privacidade das pessoas fsicas ou jurdicas. Privacidade um dos

    fundamentos do Estado Democrtico moderno, que no Brasil apresenta-se inserido nas

    normas constitucionais vigentes (art.5). Diz respeito ao anonimato, vida privada,

    honra e imagem das pessoas, e esfera das informaes pessoais. A privacidade das

    informaes refere-se ao processo de comunicao de informaes interpessoais, onde

    se espera que o receptor das informaes no as divulgue para terceiros. Consiste no

    conjunto de informaes sobre uma pessoa, o qual ela pode decidir manter sob seu

    exclusivo controle, ou comunicar, decidindo quanto e a quem, quando, onde e em que

    condies. (10)

    Porm, no um princpio considerado eticamente como absoluto, ao contrrio

    tem seus limites fundamentados na possibilidade de causar dano sade da coletividade

    ou de terceiros identificveis. Por exemplo, quando tecnicamente comprovado, deve-se

    informar coletividade sobre problemas de produtos e servios que possam causar

    danos ou prejuzos sade e/ou segurana, utilizando, em muitos casos, os meios de

    comunicao de massa. Mas necessrio cuidado para que no se estimule o uso

    abusivo, preconceituoso e sensacionalista das informaes, principalmente quando

    riscos ou atos infratores das normas sanitrias no esto devidamente comprovados,

    pois tal pode resultar em prejuzos morais para as pessoas envolvidas, como

    infelizmente ocorreu em tempos no distantes.

    Controle e participao social - efetua-se no exerccio da vontade autnoma da

    coletividade, partilhando o poder de decidir questes pblicas. S tem razo de ser

    quando o modelo de sistema de sade adotado por um pas se baseia na

    responsabilidade de Estado, pois, se a responsabilidade pela sade se restringir aos

    indivduos, o controle passa a ter significado bastante limitado. Num contexto de

    mltiplos e divergentes interesses, a presena de diversos segmentos da sociedade nas

  • 9decises do aparelho de Estado, exercendo o controle social, constitui uma forma de

    garantir o direito de tornar o Estado efetivamente coisa pblica. Torna-se instrumento

    de redistribuio do poder estatal, que, mesmo motivado pela beneficncia, termina,

    muitas vezes, assumindo formas paternalistas autoritrias.

    As decises a serem tomadas para a vigilncia sanitria no devem constituir

    preocupao exclusiva de tcnicos especialistas, mas tambm do poder legislativo,

    como representante do cidado, das formas de organizao da sociedade ligadas ao

    aparelho estatal, como os conselhos de sade e de vigilncia sanitria, e tambm do

    cidado comum.

    A considerao da sade como esfera pblica, atravs do controle social, deve

    resultar na utilizao do fundo pblico, do dinheiro pblico, de forma planejada, com

    um projeto e regras transparentes, e com a presena dos interesses divergentes, ao

    serem tomadas as decises. (12)

    Alguns poderiam indagar sobre o grau de possibilidades da eficcia do controle

    social, de carter contra-hegemnico, num contexto de dominao ideolgica, em que o

    consumo e o individualismo passam a ser valores ticos dominantes. A resposta a esses

    questionamentos ainda difcil de ser dada com preciso, pois o processo est em curso,

    ressaltando-se que os estudos sobre as instncias colegiadas institucionalizadas de

    controle social na sade apontam a coexistncia de avanos, retrocessos e limitaes.

    Mesmo assim, necessrio que as polticas para a vigilncia sanitria tenham uma real

    participao da comunidade, pois, em nosso entender, sua presena o nico processo,

    por falvel que seja, que se tem disposio para chegar a algum consenso sobre a

    pluralidade de problemas sanitrios existentes. (8)

    Dessa forma, o gestor pblico tem a obrigao tica de fundamentar suas decises

    em cuidadosa deliberao que inclua os trabalhadores, produtores e usurios. Nesse

    sentido, a comunidade, atravs de seus mecanismos de participao social, como as

    Conferncias de Sade, por poderem espelhar os mltiplos interesses e valores morais

    existentes, constituem importantes instrumentos de auxlio para a escolha do caminho

    que a vigilncia sanitria ir traar, nos prximos anos, como instrumento de construo

    da cidadania.

  • 10

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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