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Page 1: viewDiferentemente do que ocorreu a partir do final da década de 1980, período caracterizado pela hegemonia da política de livre mercado,

O BNDES e o Campo Ambiental: Qual a influência do Banco Mundial no Contexto Nacional?

Introdução

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi criado

em 1952 e foi um passo decisivo para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro,

tanto do ponto de vista do aporte de recursos financeiros disponibilizados, quanto dos

aspectos da formação de uma burocracia apta a elaborar estudos e a operar novos

instrumentos essenciais para a inserção do país cenário internacional. Nos anos 2000,

quando a política de desenvolvimento brasileiro passa por nova configuração,

tornando o Estado agente central, o BNDES reaparece como agente público

estratégico. O Banco se consolidou como instrumento fundamental da política estatal

brasileira e considerado um dos principais centros de formulação, definição e

execução de programas de investimentos da atualidade.

Ao mesmo tempo em que se torna o maior promotor de setores considerados

estratégicos para o país, como mineração, energia e agronegócio, crescem as

denúncias dos impactos ambientais e da violação de direitos humanos nas obras

financiadas pelo Banco. As pressões da sociedade civil e de organismos

internacionais, levam o BNDES a evocar claramente a temática ambiental em diversas

escalas tanto a local, nacional e internacional/global. Entretanto, cabe destacar que,

no processo de constituição de uma temática própria sobre o meio ambiente nas

arenas públicas pode-se observar uma diversidade de construções simbólicas e que

levaram a reconfiguração da própria noção de meio ambiente (Lopes, 2004). Não

obstante, no BNDES os discursos e práticas voltadas a este campo aparecem muitas

vezes submissa a outras esferas, sobretudo aos interesses políticos e econômicos.

Apesar de se fortalecer como importante agente de atuação do Estado na

economia e no planejamento regional na última década, a instituição apresenta grande

dificuldade em estabelecer uma política ambiental verdadeiramente transparente e

autônoma. Neste sentido, este artigo tem como objetivo refletir sobre as bases

constituintes dos discursos e práticas que evocam o campo ambiental nas instituições

financeiras voltadas a projetos de desenvolvimento. Tendo em vista o papel central

que o Banco Mundial exerce como difusor de modelos para as instituições nacionais,

tal como o BNDES, faz-se relevante discutir como e por que a temática também foi

apropriada por este organismo.

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1. O BNDES no Contexto Nacional: estratégias e contradições do desenvolvimento brasileiro nos anos 2000

A política de desenvolvimento brasileiro passa por um conjunto significativo de

transformações no decorrer dos anos 2000. Diferentemente do que ocorreu a partir do

final da década de 1980, período caracterizado pela hegemonia da política de livre

mercado, pelas privatizações de empresas públicas e desregulamentação econômica,

medidas que consagraram as práticas neoliberais no país (Brandão, 2011) e,

resultaram no desmonte da capacidade estatal de intervenção e entrega do patrimônio

público a iniciativa privada, as duas últimas décadas são marcadas pela participação

do Estado como agente central do projeto de desenvolvimento do país.

Há uma nova inserção da economia brasileira em escala internacional frente à

arranjos políticos e institucionais internos que levam o país a ser considerado uma das

economias que crescem no mundo. Observa-se a emergência de um debate sobre o

desenvolvimento e a participação do Estado neste processo, através de agências e

bancos estatais na orientação da economia, consagrando o que Ghibaudi e Hirt

(2016) denominaram de perspectiva estruturalista ou desenvolvimentista. De acordo

com os autores, esta perspectiva “é criticada pelos setores mais liberais, pois

alocaria recursos de uma forma menos eficiente do que aconteceria idealmente no

mercado mais livre”. Outra característica importante deste momento é a demonstração

que o Estado ainda tem grande capacidade de coordenação e intervenção na

economia. Para Filgueiras (2013), ele é capaz de induzir o desenvolvimento através da

manipulação de preços macroeconômicos básicos, da intervenção direta do seu setor

produtivo e do financiamento de setores específicos pelas suas instituições financeiras

públicas.

Neste contexto, o BNDES consolida-se como um dos principais centros de

formulação, definição e execução de programas de investimentos. É um instrumento

ativo e fundamental tanto da política interna quanto da política externa brasileira e

agente decisivo no planejamento e intervenção estatal no território. Reconhecido

historicamente pelo alto grau técnico, o BNDES é considerado um centro de

especialização e um dos principais agentes de intervenção do crescimento econômico

no Brasil.

Instrumento fundamental na conjuntura política e econômica muito singular,

que se iniciou com os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) no início dos anos

2000, o Banco se configura como um dos pilares centrais no processo de acumulação

capitalista e de configuração territorial por que passou o país nos últimos anos. Além

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disso, retomou na última década sua função de instituição de fomento no

desenvolvimento econômico protagonizando o processo de concentração,

centralização e internacionalização de capitais no país e na América Latina.

Sua política foi orientada à formação de conglomerados nacionais, na qual

seus recursos fortaleceriam os sócios de capital privado de origem nacional (Ghibaudi

e Hirt, 2016). O mecanismo dessas ações está centrado nos financiamentos

concedidos, que possibilitaram que as empresas brasileiras pudessem extrair mais

receitas, aumentar seus ativos e criar mais postos de trabalho, tornando-se

verdadeiros conglomerados empresariais. São alguns exemplos desta estratégia a

JBS Friboi, Fibria (antiga Votorantim), Gerdau e a Petrobrás.

A formação de grandes grupos empresariais era justificada pela premissa de

que o país deveria contar com competidores internacionais em setores mais

“promissores” como ramo alimentício, construção civil, energia, exploração mineral e

insumos básicos. Entretanto, esta estratégia tem sido objeto de denúncias de setores

específicos da sociedade, como movimentos sociais e acadêmicos, devido a sua

natureza extremamente contraditória. Se de um lado promove grandes grupos a

serviços da engenharia e da produção de commodities, por outro, esses grandes

projetos de infraestrutura fortalecem iniciativas de exploração intensiva de recursos

naturais no território em prejuízo das comunidades tradicionais e as economias locais.

Desta forma, o aumento drástico do seu volume de desembolsos para os

setores extrativistas, levou ao aumento das denúncias de danos ambientais e de

violação de direitos trabalhistas em projetos aos quais o Banco está envolvido. O

BNDES viu-se envolvido em projetos indutores de conflitos ambientais e violações de

diretos humanos, já que eles correspondem a lógica estritamente econômica,

respondendo a decisões e definições configuradas em espaços relacionais exógenos

aos das populações/regiões das proximidades dos empreendimentos (Araújo e Vainer,

1992).

Tanto em resposta às pressões da sociedade civil1, mas também, devido as

novas possibilidades de investimentos em energias renováveis, dos fundos de

mercado em carbono, de projetos envolvendo a biodiversidade e o fortalecimento da

indústria vinculada à economia de baixo carbono, são criadas no banco uma série de

iniciativa no sentido de normatizar a sua atuação no campo ambiental. Levando-o a se

tornar um relevante financiador e indutor de políticas públicas no campo da economia

1 Organização que reúne movimentos que tem como pauta a negociação direta com a presidência do Banco na produção e disseminação de informações e no apoio à ação dos setores sociais impactados direta e indiretamente pelos financiamentos.

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verde ou de baixo carbono, em projetos de eficiência energética, gestão da água,

tratamento de esgoto e resíduos sólidos e melhorias agrícolas, o que além de

configurar uma leitura limitada sobre o campo ambiental, não transformam a lógica de

acumulação.

Mesmo com iniciativas em sua estrutura burocrática, a não utilização de

critérios rígidos e claros sobre os projetos, assim como a transferência da

responsabilidade para os órgãos ambientais sob a justificativa que a fiscalização de

impacto e fiscalização cabem ao IBAMA e aos órgãos municipais e estaduais de meio

ambiente, contribuem para que o Banco não possua efetiva autonomia para tratar das

transformações territoriais causadas por seus financiamentos. As distorções na forma

como as questões ambientais são tratadas, mostram como a penetração deste

discurso nas políticas de investimento e financiamento ainda é frágil e contraditória.

Percebe-se então que, apesar de ser um importante centro de formulações de

políticas públicas, no que diz respeito ao campo ambiental o BNDES tem uma atuação

bastante limitada. Cabe destacar que, a própria forma com a qual o conceito de meio

ambiente é apropriado pelo Banco se relaciona a uma leitura de grupos e instituições

que encontraram nesta problemática uma forma de legitimar suas ações. O próximo

item busca discutir as bases teóricas que serviram nesta construção da noção de meio

ambiente apropriada também por instituições financeiras de desenvolvimento.

2. O debate Ambiental e os bancos de Desenvolvimento: de que ambiente estamos falando?

Assim como em demais esferas públicas, há no BNDES nos últimos anos a

consolidação do discurso de preocupação ambiental. Processo denominado por

Lopes (2004), como “ambientalização”, diz respeito a interiorização das diferentes

facetas da questão pública do meio ambiente por diversos agentes sociais. Este

processo resultou na construção de uma temática em torno do meio ambiente, que

passa a ser percebida na incorporação e naturalização de uma nova problemática,

transformando a forma e na linguagem dos conflitos sociais que a envolvem.

Lopes (ibid) explica que no debate hegemônico em torno do tema e aceito pelo

senso comum, há considerável peso na ideia de colapso ambiental, consolidado

através da perspectiva neomalthusiano, onde há uma oposição entre crescimento

econômico e limites físicos da disponibilidade dos recursos naturais. Desta forma,

configurava-se um discurso socialmente aceito em torno do meio ambiente, no qual os

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recursos ambientais figuram como estoque finito de matéria e energia, justificando a

urgência de uma administração sensata que evite o desperdício.

Internacionalmente o problema com o esgotamento dos recursos naturais

aparece na década de 1960, intrinsecamente relacionado a outros dilemas discutidos

no Clube de Roma, como a pobreza extrema, a perda de confiança nas instituições e

as consequências da inflação. O encontro reuniu cientistas, economistas, educadores,

industriais e representantes dos governos e resultou na publicação do Relatório

Meadows (1970), que tinha como base o controle populacional e a manutenção da

produção industrial. O relatório atribuiu ao avanço tecnológico o papel messiânico de

preservar o meio ambiente e melhorar as condições de vida das populações.

Palhano (2001), destaca que esse foi um momento importante, pois

começaram a surgir um conjunto de propostas que alertavam sobre a

insustentabilidade do modelo de desenvolvimento capitalista. Estes questionamentos

tem como base alguns eventos que foram considerados verdadeiras catástrofes

ambientais como a intensa poluição do ar durante três dias consecutivos em Nova

York, em 1963, que matou 400 pessoas, o desastre ambiental do rio Cuyahoga, em

1966, que em decorrência das imensas manchas de óleo despejado por indústrias

sediadas em suas margens pegou fogo, o acidente com o petroleiro Torrey Canyon,

na costa Britânica, que assustou toda Europa em 1967, e a contaminação da baía

japonesa de Minamata (1968) que introduziu no dicionário médico a doença de

Minimata, enfermidade advinda da ingestão de peixes contaminados.

Essa série de eventos relacionados a acidentes de grandes riscos, levaram os

países desenvolvidos industriais a discutir os efeitos do avanço do capitalismo sobre

os recursos naturais. Incomodada pela poluição do mar Báltico, pela chuva ácida e

pela presença de metais pesados encontrados em peixes, a Suécia propôs a

realização de uma conferência para debater o tema. Realizada em 1972, e organizada

pelas Nações Unidas (ONU), o evento recomendava medidas de aproveitamento

racional dos recursos naturais em prol das gerações atuais e futuras. O

desenvolvimento econômico deveria evitar prejuízos aos ecossistemas e o lançamento

de substâncias perigosas. A conferência sugeriu também, uma série de medidas

coordenadas internacionalmente com objetivo de produzir conhecimento sobre as

alterações causadas no meio ambiente pela interferência humana.

A partir de então, a questão ambiental passa a ser percebida não só no nível

do discurso, mas também no conjunto de ações que envolvem diversos segmentos da

sociedade. Entretanto, esta temática é responsável pela constituição de um campo de

disputas tanto na esfera simbólica, quanto na material. Uma das contradições que

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apresenta é que, apesar dos diferentes acessos aos recursos naturais, a problemática

ambiental é tratada sem levar em conta os interesses de classe. Denominado por

Fuks (2001) como vocação universalista, essa visão compreende o meio ambiente

como um elemento que transcende as diferentes classes, sexos, etnias, etc.

O relatório “Nosso Futuro Comum”, por exemplo, resultado da Conferência de

1972, é um dos instrumentos que reafirmavam a característica universalista adquirida

pela questão ambiental e propunha meios de harmonizar o desenvolvimento

econômico e a conservação do meio ambiente sustentável. Para Lopes (2004), nesse

momento pode-se observar de forma generalizada a atuação crescente de experts e

profissionais, da aplicação da ciência e da tecnologia à indústria fazendo crescer nas

arenas públicas novos riscos em relação a natureza, que já demonstram como a

construção da problemática ambiental tem como sustentáculo um determinado

conhecimento científico, racionalidade e crescimento tecnológico.

O conceito guia para diferentes instituições passa a ser o de desenvolvimento

sustentável, caracterizado pela ONU como “aquele que atende as necessidades do

presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas

próprias necessidades”. Parte fundamental da difusão desta concepção de

desenvolvimento sustentável é a possibilidade de aumentar a lucratividade dos

capitais com um grande leque de novas atividades, assim ao mesmo tempo em que as

diferentes instituições e governos reconhecem um problema frente aos recursos

naturais, são também os agentes responsáveis por apresentar as soluções para lidar

com eles, demonstrando que possuem uma força política dentro do campo maior do

que movimentos contestatórios a essa lógica.

A partir desta definição, o meio ambiente deixa de ser um empecilho ao

capitalismo, e passa a ser parte constituinte dos propósitos desenvolvimentistas. Sob

esta lógica não se questiona o modo com o qual o capitalismo se apropria de forma

predatória e desigual dos recursos naturais eliminando a noção de conflito inerente à

temática. Além disso, a preposição de desenvolvimento sustentável difundida pelo

relatório se baseia na ideia de que a crise ecológica pode ser superada a partir da

inovação tecnológica, da criação de novos instrumentos de mercados e na produção

de consenso sobre o tema.

Processo definido como modernização ecológica por Hajer (1996), parte do

pressuposto que as instituições políticas seriam capazes de internalizar preocupações

ecológicas e conciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas

ambientais. O autor explica que a modernização ecológica se baseia em três

princípios: o primeiro deles está na combinação de que a degradação ambiental pode

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ser mensurada monetariamente; o segundo é de que a proteção ambiental é um

problema de gerenciamento e que por isso, a ação coletiva em torno dela só poderia

ser efetiva se envolvesse todos os indivíduos, empresas e governos. E por fim,

entende que o crescimento econômico e a resolução dos problemas ambientais

podem ser reconciliados, quando se reconhece o principio pagador da poluição.

Hajer (ibid) explica que a concepção da modernização ecológica é uma

tendência no mundo ocidental e é possível perceber que ela tornou o debate sobre o

tema homogêneo pois, emergem os mesmos conceitos, ideias, classificações e

políticas em diferentes países e nas organizações multilaterais como a ONU e a

OECD. A resolução dos problemas ambientais com base em melhorias tecnológicas

indica um novo papel atribuído à ciência e à produção científica, na medida em que

transforma o que seria o fim de recursos naturais em novas possibilidades de lucro e

produção. Além disso, passam a orientar diversas ações políticas que, por sua vez,

geram mudanças administrativas e judiciais em instituições supranacionais e nos

Estados Nacionais desde os anos 1970.

Neste contexto, as Instituições Financeiras Multilaterais, como o Banco

Mundial, são responsáveis internalizar nas políticas públicas dos países mutuários

preocupações ecológicas e conciliar o crescimento econômico com a resolução dos

problemas ambientais. O discurso de preocupação ambiental é utilizado como uma

forma de legitimação das práticas destes organismos e, a degradação ambiental é

vista como “falha de mercado” passível de ser internalizada. Resultando na prática na

internalização de custos ambientais e na mercantilização da natureza.

A construção de um problema social frente a uma suposta crise ambiental

corrobora para a difusão da ideia do colapso climático e dos efeitos perversos sobre a

sociedade em decorrência do aquecimento global. Para Ortiz (2012), foi nesse

contexto e difusão da ideia de crise ambiental que as instituições financeiras

promoveram novas lógicas de pensar a problemática ambiental a partir de novos

fluxos para o capital financeiro. Por isso, há uma forte participação da crise climática

antropogênica como propulsora de um consenso sobre os novos instrumentos das

IFM’s.

Os mercados de carbono, são um exemplo de ações mitigadoras e que

propõem a abertura de novos espaços de expansão do capitalismo. São baseados na

ideia de que as forças de mercado funcionaram no sentido de deter a poluição por

parte das indústrias e governos que, frente a um custo mais alto, teriam que diminuir

sua poluição. A partir disto, se estabelece o comércio da poluição, como melhor

processo em termos de custo-benefício para garantir o cumprimento de metas

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estabelecidas em acordos internacionais sobre emissão de gases de efeito estufa.

Para Furtado (2012), as emissões passam a ter valor econômico onde uma tonelada

de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono, este crédito se

torna mercadoria e é comercializado. Com isto, muitas empresas podem escolher não

diminuir suas emissões, mas para atingir a meta de redução acabam comprando

créditos de outras que ultrapassam a sua meta de redução.

Desta forma, a transformação de evidências climatológicas relacionadas às

mudanças climáticas, nos termos de uma trama político-cientifica, passou assim pela

seleção de ações relativas à busca de eficiência energética, permitindo, segundo

Acselrad (2009), que os benefícios ambientais fossem associados à obtenção

simultânea de benefícios econômicos. Furtado (2016), ainda ressalta que papel

fundamental do aquecimento global no debate ambiental é responsável por incentivar

uma nova revolução energética e industrial, onde os países periféricos serão

fundamentais, já que neles estão concentrados grandes projetos de infraestrutura e

outros investimentos nos próximos anos. Além disso, a grande disponibilidade de

recursos naturais nos países periféricos para a geração de energias ditas renováveis,

como a solar, eólica e hidrelétrica coloca-os como elemento central na expansão

destas atividades.

Outras transformações devem, segundo a autora, ser impulsionadas nos

setores como agricultura, indústria, transporte e construção, atividades que recebem

grandes aportes de recursos proveniente das IFM’s, com o estabelecimento de um

novo paradigma de crescimento para os países periféricos, baseado na

sustentabilidade, nos baixos níveis de emissões e no uso eficiente dos recursos

naturais. Além disso, reforça-se o papel da modernização ecológica atribuindo à

inovação, aos instrumentos de mercado e ao consenso de colaboração a superação

da crise climática.

Instituições como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BIRD), desenvolveram estratégias e criaram soluções-empréstimos

e novos recursos que passaram a ser guiados em escala mundial. Segundo Furtado

(2016), essas ações se legitimam a partir de conceitos como desenvolvimento

sustentável, infraestrutura sustentável, tecnologia verde, ativos ambientais, economia

de baixo carbono, entre outros, e resultando assim da incorporação pelo capitalismo

das próprias críticas que lhe são realizadas. A autora, citando Boltanski e Chiapello

(1999), explica que em diferentes contextos históricos o capitalismo se apropria das

críticas que lhe são apresentadas, transformando-as em grande motor de sua

expansão e assim “desta forma o capitalismo responde à crítica não através da

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incorporação de dispositivos mais justos, mas sim mudando a forma imediata de

obtenção de benefícios”.

Assim, não faz parte da atuação das IFM’s propostas para modificação

estruturais nas relações de produção e consumo além de se ocultar as desigualdades

em torno do acesso, uso e da apropriação simbólica e material do meio ambiente. As

ações do Banco Mundial, por exemplo, são orientadas segundo Goldman (2005), por

um novo regime desenvolvimentista denominado de neoliberalismo verde. Isso por

que, devido as críticas e resistências a sua atuação no início dos anos 1990, o BM foi

forçado a rever os termos com o qual lidava com os efeitos sociais e ambientais de

seus projetos. Essa mudança reinventa e expande, não só a agenda do Banco, mas

toda a agenda neoliberal que passa a incluir dimensões além das meramente

econômicas, e possibilita a intervenção em novos territórios e modos de vida. Para

Ribeiro (2012), reforça-se a visão interdependente entre economia e natureza, cujo

significado não está em questionar o crescimento econômico, a exploração da

natureza e os padrões de consumo vigentes, mas sim em reconhecer estes problemas

e criar os mecanismos mais eficientes e menos impactantes regidos dentro da lógica

de mercado no capitalismo.

A preocupação deixou de ser propriamente com as questões ambientais,

passando a ser com a política energética, a imposição de tecnologias e a geração de

renda para determinados governos. Goldman (2005) explica que esse novo regime de

práticas sustentáveis foi difundido pelo Banco Mundial e envolveu diversos atores

como organizações ambientais, acadêmicos, institutos e agências estatais

responsáveis por reestruturar e capitalizar as relações entre a sociedade e natureza. O

papel de destaque que o Banco Mundial exerce, tem como base a relação desse

banco como um grande centro de formulação de conhecimento. Assim, a diante será

debatido o papel desta instituição como estruturante no debate relacionado a

problemática ambiental, já que através dos empréstimos, diretrizes e estudos de

cooperação técnica, o BM tem grande influência na formulação e implementação de

políticas públicas nos seus mutuários, tal como o Brasil.

3. O Papel do Banco Mundial no debate sobre meio ambiente

O Banco Mundial2 foi criado com o objetivo de auxiliar na reconstrução e

desenvolvimento de territórios dos países atingidos pela destruição da Segunda

Guerra Mundial, por meio de atividades dedicadas a promover capital para fins

2 Atualmente é composto de cinco entidades: 1. Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (CIRDI) e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI).

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produtivos, o investimento externo privado, incentivar o crescimento equilibrado de

longo prazo do comércio internacional e promover o incentivo para o desenvolvimento

dos recursos produtivos. Seu papel é de financiar investimentos em projetos de

desenvolvimento impulsionando o crescimento econômico e comercial.

Para Goldman (ibid) o Banco Mundial tornou-se também a maior instituição de

pesquisa do mundo, com orçamento de mais de trinta milhões de dólares por ano

dedicado a isto, e tendo 80% de seus profissionais formados nos melhores programas

americanos e britânicos de pós-graduação. Além disto, as informações exclusivas

cedidas por diferentes governos colocam o Banco em grande vantagem em relação a

outras instituições e cientistas. A produção de conhecimento do Banco é tão

expressiva que, mesmo aqueles estudiosos que criticam sua atuação, precisam

recorrer aos métodos de pesquisa e conclusões organizadas por ele para pautarem

suas análises.

Em um ano o Banco produz aproximadamente quatrocentos e cinquenta publicações oficiais, mais de cento e cinquenta artigos em jornais e mais de duzentos artigos, cujo uma parcela é publicada nos seus próprios periódicos. (incluindo A Revista de Economia do Banco Mundial e o a Revista do Observatório de Pesquisa do Banco Mundial), diversas revistas dos departamento e centenas de relatórios confidenciais internos (como Relatórios de Avaliação e de Assistência Estratégica dos Países). (Goldman, 2005. p. 106)

A produção de conhecimento é na verdade uma ferramenta de poder

fundamental a atuação do BM, uma vez que nela está seu trabalho de base, suas

propostas de inovações, orientações políticas e o estabelecimento de suas novas

metas. Sua posição estruturante na economia global relaciona-se diretamente a forma

com a qual seu conhecimento é produzido e difundido através de seus empréstimos.

Mesmo tendo entrado nos mercados ambientais apenas na década de 1990, sua

interpretação sobre sustentabilidade foi uma das mais importantes e ditou as regras do

modelo de desenvolvimento do capitalismo atual.

Após décadas ignorando e desmentindo os efeitos de seus financiamentos, o

Banco se viu diante de diversas campanhas em diferentes locais do mundo que

denunciavam os efeitos locais de seus projetos. As práticas e políticas do BM nas

mais remotas áreas da Índia, Brasil, Tailândia e Indonésia passaram a ganhar

destaque na mídia de diversos países centrais e, consequentemente, a se tornaram

tópicos de debate nos parlamentos de países como Estados Unidos, Inglaterra e

Japão.

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Para Goldman (ibid) foi a primeira vez que o modelo de desenvolvimento do

Banco Mundial foi posto em xeque. Em um primeiro momento a instituição negou a

sua participação, mas com as crescentes denúncias se viu pressionada a iniciar uma

mudança bastante significativa na sua própria organização. Além de novas teorias,

imagens, slogans, departamentos, prioridades e dados gerados rapidamente, a

argumentação do Banco passou a ser de que não poderá haver nenhum sucesso

econômico sem sustentabilidade ambiental e tratamento justo a minorias étnicas e

indígenas que vivem em ecossistemas frágeis. Suas ações para estabelecer esta

sustentabilidade pautam-se na atribuição de preço a natureza e por isso, qualquer

instituição social que tenha relações não capitalistas deveria ser transformada. O

Banco passou a atribuir responsabilidade aos países do Sul Global pela crise

ambiental pois, seriam neles que se concentram as relações não capitalistas com o

meio ambiente.

Essa é a explicação do Banco Mundial para o desperdício da água pela população mais pobre, atribuindo esse fato a um suposto preço muito baixo, o porque de muitas espécies nas florestas tropicais estarem extintas, e por que terras valiosas são dedicadas a culturas de subsistência de baixo valor. (Goldman, 2005. p. 10)

Cabe destacar que o debate Norte/Sul aparece com frequência quando se

busca a responsabilização da crise ambiental. Segundo Furtado (2012), ainda existem

muitos posicionamentos neo-malthusianos nos países centrais, que atribuem a

responsabilidade da degradação ambiental ao crescimento populacional dos países

pobres. Por outro lado, nos países periféricos “reivindica-se o direito de poluir,

alegando o direito ao desenvolvimento através da exploração da natureza”, como

forma de defesa dos grandes projetos de infraestrutura e do setor extrativista, ambas

atividades centradas na exportação de produtos primários e na exploração de recursos

naturais.

Goldman (ibid) explica que muitas vezes a visão que o BM exerce traduz a

visão dos países desenvolvidos sobre a crise ambiental e, ao difundir a sua concepção

de proteção ambiental através de seus empréstimos, o Banco exige que os países

beneficiários façam mais do que reproduzir o “mantra da sustentabilidade”. Para

solicitar financiamento, os mutuários são constantemente solicitados para que

reestruturem as suas agências de Estado, elaborem legislações criando novos

espaços de comércio e mercados e adotem os novos protocolos científicos que são

resultados do próprio conhecimento e expertise do Banco sobre as causas e soluções

para a destruição ecológica e desenvolvimento mais saudável. Esse regime ainda

incentivou que os mutuários reformassem seus orçamentos e regime de taxas,

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abrissem seu sistema bancário e de seguros para investidores estrangeiros e

subordinem suas leis nacionais a padrões do Banco.

A “agenda verde” do Banco Mundial foi esculpida em um departamento

específico, cuja função é produzir conhecimento científico sobre questões que

emergem no debate político, o Departamento de Pesquisa Política (Policy Research

Departament- - PRD), onde se localiza o Departamento de Meio Ambiente do Banco.

Ao longo dos últimos dez anos, este departamento produziu políticas, financiamentos

específicos, ferramentas e dados aplicados tanto na ciência que envolve a

problemática ambiental, quanto uma série de estratégias para os países mutuários

implantando sua própria versão sobre o tema.

Mesmo com a grande quantidade de recursos aplicados em pesquisa, a ação

do PRD especificamente, assim como de seu Departamento de Meio Ambiente, é

limitada devido à insuficiência de verbas e tempo para realização de trabalhos de

campo, contratação de assistentes, pagamento de diárias e etc., o que leva ao

estabelecimento de regras e orientações gerais que não avaliam o efeito de uma

determinada política em contextos particulares. Além disso, a grande parte dos

funcionários são formados pela economia neoclássica e são treinados para lidar com a

questão ambiental pela própria instituição. A ideia promulgada é de que a análise

ambiental de um projeto é suma importância para que diminuam seus riscos e assim,

os recursos possam ser alocados de maneira mais eficiente.

Ao acompanhar os seminários de treinamento da equipe de avaliação

ambiental, o autor relata que a própria definição difundida de meio ambiente no banco

é limitada, referindo-se especificamente àqueles recursos que um determinado projeto

irá afetar. Pode-se considerar que esta é uma estratégia política importante pois,

define os exatos parâmetros temporais e espaciais que são considerados relevantes

para o Banco e assim, os quais ele tem responsabilidade. Nestes treinamentos são

transmitidos para os funcionários os conceitos guias para tratar de diversos problemas

ambientais relativos a água, ar, barulho, biodiversidade, flora e fauna e saúde

humana. Ao final de um treinamento, cada integrante da equipe deve ter claro que

conceitos e definições são mais relevantes e apropriados para cada caso em que

estão trabalhando.

O envolvimento do Banco na constituição de um campo ambiental levou a

temática a ser inserida no seu processo decisório de concessão de empréstimos. A

partir da década de 1990, a elaboração de uma proposta ganhou um novo modelo

institucional para inserir o tema relacionado ao meio ambiente, composto desde então

por três estágios que combinam tanto sua capacidade de pesquisa, os seus aportes

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financeiros e seu poder político. O primeiro estágio envolve a elaboração documental

da proposta, a análise de custo-benefício e avaliação ambiental. A partir deste

conjunto de informações, a proposta deve ser aprovada primeiramente pelos diretores

executivos do Banco, e só em seguida ser negociada com os contratantes. O estágio

dois corresponde a real implementação do projeto, seja ele de reforma institucional ou

de grandes obras. Como esse é um processo que pode demorar alguns anos, o

terceiro estágio diz respeito ao acompanhamento, visando garantir o bom andamento

do projeto, mesmo anos após o contrato de empréstimo ter sido firmado.

Com base na análise de documentos e em entrevistas com a equipe do Banco,

Goldman (ibid) aponta que os recursos destinados a elaboração do projeto,

concentram-se na elaboração do contrato, sobretudo no que diz respeito aos aspectos

legais e obrigatoriedades dos empréstimos. Apesar de se esperar que a primeira etapa

fosse aquela que demandaria mais tempo e recursos das equipes, ela é a etapa mais

curta, em média3. Na prática, menos de um por cento das despesas são efetivamente

destinadas a avaliação ambiental. O autor associa esse baixo investimento ao

aumento de tempo, recursos e a tensões que a discussão que diz respeito aos

impactos e transformações ambientais que um determinado projeto, como uma

hidrelétrica, uma mina, um porto ou um campo de exploração de petróleo, por

exemplo, podem causar.

O olhar sobre o ciclo do projeto mostra que as etapas de coleta de dados, pesquisa e avaliação ambiental são pequenas comparativamente as demais. Durante sua fase de elaboração, muito tempo e dinheiro são destinados aos aspectos legais e condições de contratação. Depois a tarefa principal é vender o projeto para os executivos, diretores do Banco e representantes governamentais. Obviamente neste momento os gerentes de projetos não vão divulgar fatos e análises controversas. Quando o projeto chega na fase 2, e é realmente implementado, a maioria dos gerentes de empréstimos estão envolvidos na elaboração de novas propostas. (Goldman, 2005. p.112)

Desta forma, observa-se que a lógica da instituição não se transforma quando

são incorporadas questões ambientais em sua cartilha de empréstimos ou ao próprio

ciclo que em determinado projeto tem no BM. Para Goldman (ibid) não há incentivo

institucional que encoraje a equipe a produzir dados sobre a questão ambiental dos

projetos, observar os problemas e propor mudanças para tratar o que o Banco

denomina de “externalidades sociais e ambientais”.

Intrisicamente a prespectiva que considera as externalidades um fenômeno

unicamente extraeconômico, emerge a concepção de “internalização” dos custos

ambientais, que pode ser entendido como a forma com a qual se deve solucionar o 3 Na fase 1 do projeto costuma-se demorar em média 1,5 anos e as fases 2 e 3, 7,5 anos.

Page 14: viewDiferentemente do que ocorreu a partir do final da década de 1980, período caracterizado pela hegemonia da política de livre mercado,

problema através de uma transação econômica. No caso do Banco Mundial,

internalizar os custos ambientais implica em solucionar, com base na racionalidade

científica, as inadequações de um determinado empréstimo. Esta leitura mercantil

permite também reduzir o conjunto de processos sociais que envolvem a temática

ambiental, e assim, neutralizar lutas que questionam a apropriação gratuita do meio

ambiente.

É importante destacar que os conceitos, métodos e regras que são difundidos

pelo BM seguem muitas vezes para as esferas públicas, sobretudo daqueles países

que estão recebendo seus empréstimos. Um método de categorização dos projetos

similar a do BM, por exemplo, foi adotado pelo BNDES. Essa tranferência de modelos

caracteriza a atuação do BM na década e 2000 e diz respeito a uma forma mais

“suave e gentil”, de modo a subtituir os empréstimos de ajuste que tinham se tornado

alvo de desaprovação pública nos anos 1990. A sua atuação mais recente se

relaciona a elaboração de estudos, eficientização e gestão dos órgão públicos dos

países mutuários. .

No Brasil, a relação entre o BNDES e o Banco Mundial mostrou-se

estruturante, através dos próprios desembolsos e de esforços políticos conjuntos entre

as instituições (Ortiz, 2012). O seu apoio ao BNDES foi também responsável pela

inserção do capitalismo brasileiro em esfera internacional nos anos 2000 e os diversos

esforços entre esses bancos foram fundamentais para consolidar os megaprojetos do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o fortalecimento de empresas

brasileiras no mercado internacional e a Iniciativa para Integração da Infraestrutura

Regional Sul-Americana (IIRSA).

Dentre esses esforços está o Empréstimo Programático de Política para o

Desenvolvimento em Gestão Sustentável (SEM DPL) feito em 2008 pelo BM ao Brasil

e gerido pelo BNDES. O empréstimo no valor de U$ 1,3 bilhão é destinado a ações

políticas na área de meio ambiente e tinha o objetivo de melhorar a efetividade e

eficiência das políticas e diretrizes do sistema de gestão ambiental no país.

Especificamente no BNDES4, o recurso seria destinado a formulação e aprovação de

uma nova Política Socioambiental, a elaboração dos procedimentos de investimentos

de gestão de riscos sociais e ambientais e o subsídio à elaboração do marco

regulatório para o Fundo Amazônia.

4 Segundo Ortiz (2012), o empréstimo também previa a contratação de seiscentos técnicos para o Ministério de Meio Ambiente (IBAMA e ICMBio), o apoio aos planos de Zoneamento Ecológico e Econômico do Programa Amazônia Sustentável e recursos destinados a implementação ao Plano Nacional de Recursos Hídricos.

Page 15: viewDiferentemente do que ocorreu a partir do final da década de 1980, período caracterizado pela hegemonia da política de livre mercado,

Considerações Finais

É inegável o papel central que o BNDES adquiriu nos últimos anos, entretanto,

como agência estatal reconhecida como centro de formulação de políticas, poderia

se apresentar como enclave de especialização e decisões que promovessem o

acesso mais igualitário aos recursos naturais. Nos últimos anos, quando volta-se

aos setores extrativistas, seus projetos têm se mostrado com um quadro de

violações de direitos humanos e conflitos ambientais. política ambiental do BNDES

lançada em 2006 já se mostra incapaz de ser um instrumento forte de planejamento e

que possa impedir que a chegada de grandes obras não signifique a imposição de um

quadro de violações de direitos humanos e conflitos com as populações locais. A não

utilização de critérios rígidos e claros sobre os projetos, assim como a transferência da

responsabilidade para os órgãos ambientais contribuem para que o Banco não possua

efetiva autonomia para tratar das transformações territoriais causadas por seus

financiamentos.

Percebe-se que, tanto as políticas tanto quanto suas ações relacionadas ao

campo ambiental são bastante alinhadas as práticas hegemônicas sobre o tema, ou

seja, são voltadas sobretudo a abertura de novos mercados e ações mitigadoras sem

que seja verdadeiramente transformada a lógica de acumulação. Esta forma de lidar

com a problemática ambiental tem em uma de suas bases a difusão de um modelo de

atuação do Banco Mundial, que legitima uma maneira própria de lidar com o que

poderia ser um elemento contestatório a suas práticas.

A incorporação do discurso da sustentabilidade e do desenvolvimento

sustentável pelo Banco Mundial não foram suficientes para transformas as práticas de

contratação obrigatórias aos mutuários, as pressões sofridas pelos profissionais que

lidam com a temática, os financiamento reduzidos para a pesquisa, a forma como os

fluxos de informação são manipulados interna e externamente, e os meios pelos quais

se dão a produção do conhecimento. Ou seja, a constituição de uma política voltada

ao meio ambiente é também reflexo de práticas culturais de controle social, bem como

de incorporação e construção de hegemonia tanto sobre a problemática ambiental,

quanto sobre o próprio modelo de desenvolvimento capitalista imposto pela instituição.

Cabe destacar que a forma com a qual o BM se apropria da questão ambiental

reforça o papel da modernização ecológica, assim como o rearfima como ator central

Page 16: viewDiferentemente do que ocorreu a partir do final da década de 1980, período caracterizado pela hegemonia da política de livre mercado,

nos campos intelectuais, econômicos e políticos que estruturam a questão ambiental.

Sua capacidade de formação de opinião e de estruturador do pensamento e políticas

liberais forja consensos e aceitação social de suas teses. O processo de desregulação

da questão ambiental tem resultado na definição que o Banco entende como meio

ambiente, que reafirma suas práticas e elimina da temática a dimensão do conflito. A

difusão da crise climática e da preocupação ambiental, foram oportunidades onde o

Banco Mundual se reinventou e se recapitalizou fortalecendo seu papel, ao lado do

FMI.

Não obstante, o BNDES segue as mesmas práticas do BM ao difundir suas

políticas voltadas ao campo ambiental. Sua ação contraditória traz inúmeros

questionamentos sobre a natureza dos investimentos, os interesses geopolíticos, os

atores envolvidos no processo de elaboração dos seus guias ambientais, as disputas

sociais e o efetivo impacto sobre o território. Uma mudança de postura do Banco

frente a suas responsabilidades, extinguindo suas práticas minimalistas referentes aos

compromissos legais exigidos pelos órgãos de controle, poderia diminuir as constantes

violações denunciadas em seus projetos. Além disso, o BNDES poderia ter um papel

fundamental para contribuir que o licenciamento ambiental dos grandes projetos fosse

conduzido de maneira mais democrática e justa.

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