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Rogério Marques Benedito Júnior 2015 Vidas Divididas Baseado em factos reais

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Page 1: VIDAS DIVIDIDAS

Rogério Marques Benedito Júnior

2015

Vidas Divididas Baseado em factos reais

Page 2: VIDAS DIVIDIDAS

Índice

PREFÁCIO ............................................................................ 3

TEMPOS EXPERIMENTAIS ............................................ 7

A PAIXÃO INQUEBRÁVEL.............................................. 7

É O FIM? ............................................................................ 12

REUNIÃO FAMILIAR ..................................................... 21

O APAGAR DO SOL E A VINDA DA LUA................... 25

A TENTAÇÃO DOS RAPAZES DO BAIRRO .............. 31

A FESTA DO LOBOLO .................................................... 37

DESFECHO ......................................................................... 39

GLOSSÁRIO ...................................................................... 41

Page 3: VIDAS DIVIDIDAS

PREFÁCIO

Como alguns e algumas a Magui nasceu numa

família residente em DOMELA, um nome que

acordando a língua local, na sua tradução em

português significa “Coisas que Crescem” pela

simplicidade humildade e pura realeza vivia a

família da Magui. Mergulhando o sentimentalismo

e o humanismo nas descendentes. Magui era

ordinalmente terceira e penúltima filha de casa,

caracterizada pela criatividade, buscadora de

soluções, activa e muitas outras características

que a faziam ser desigual com as outras.

Enquanto outras procuravam ocupar o tempo com

coisas que para ela eram “uma perca de tempo”

ela preferia sentar no seu incomparável e

estranho silêncio, olhando pelas cavalgadas que a

rodeavam e sempre ao fim do dia a Magui levava

contigo uma lição de vida.

Page 4: VIDAS DIVIDIDAS

A Magui foi ficando adulta, mas sempre na

mesma perspectiva educacional, porque nunca se

deixava levar pelos caminhos transgressores da

sua cultura, hábitos e costumes da sua

comunidade. E uma rapariga assim, era cobiçada

pelos próximos, pelo simples facto de ela ser

exemplo para todos.

A comunidade em que estava inserida a Magui,

era muito calma e, sobretudo em que os

princípios ditados tinham que ser cumpridos,

queira sim ou não, como são os casos dos ritos de

iniciação, lobolo (dote oferecido à família da

noiva pelo marido, como forma de marcar um

garante infinito da sua relação), etc., como forma

de fazer com que a tradição lá vivida não fosse

para água abaixo, facto que fazia com que maior

parte dos rapazes e raparigas na idade

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adolescente, se caracterizassem pela

solidariedade, pelo respeito e que fossem

hospitaleiros.

Brilhante como a rara joia, era a sua beleza e

incomparável era o seu jeito característico.

Os rapazes do bairro admiravam-na

incansavelmente, com um forte desejo de vê-la

sempre e isto se devia ao simples facto de ela

possuir um estilístico corpo modelo. Como já era

tradição que todas as meninas não se casariam

sem o lobolo, com a Magui não foi menos

tradicional. Ela tal como todas passou pelo mesmo

caminho, só que antes de mais, Foram tantos os

pretendentes desejando-a como esposa, mas

porque a Magui era inquebrável perante os seus

princípios, ninguém a tinhaalcançado. Ela era

apaixonada por um jovem da cidade e simples

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visitante da sua Avó naquela comunidade, este

vinha sempre nos finais dos meses. O rapaz, que

roubou e descomandou com a máxima

incabulabilidade o coração da MaguiChamava-se

Manuel. Ora a disparidade social, cultural e

económicafazia com que ela fosse habitada de

medo perante o seu apaixonado.

*******************************************

“Tens um sonho? Persiga-o dando o seu melhor

para obtê-lo e realiza-lo.”

Autor:Rogério Marques B. Júnior

Page 7: VIDAS DIVIDIDAS

TEMPOS EXPERIMENTAIS

Desde cedo, a Magui, que assim era considerada,

conheceu, aprendeu, e viveu momentos

adjudicados ao sofrimento bem como a amargura.

Sobremaneira, pouco era a felicidade pela

aparência emocional tanto como espiritual, e

difícil era prever o sofrimento que carregava.

Tudo começa assim:

A PAIXÃO INQUEBRÁVEL

Num dia como todos, em que a Magui tinha que

fazer todas as suas actividades em formatos de

deveres de casa, foi apanhar lenha numa dessas

serrações que se localizava bem próxima da sua

residência. Lentamente ela andava algures da sua

região, cantando, dançando e, era sempre assim

quando ela saía. Nas mais lentas e sedutoras

caminhadas, os seus passos progrediam em

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direcção a serração, o cenário antes visto

tropeça nos seus olhos, quando se depara com

uma formidável beleza masculina, o coração batia

mais depressa, o espaço temporal intricicavaa

saudade de vê-lo sempre, sentia frio

acompanhado de calor, quando o cheiro do rapaz

em formato da Madressilva, trespassavam o seu

sistema emocional. - “ O que vem a ser isso? Deve

ser um feitiço”- disse a si mesma. Prolepsando o

cenário, estava sozinha, e bem longe da

masculinidade que a encantara. Mas a ideia de

desvendar o puzzle sentimental não a largava,

pois ela estava apanhando a lenha: cantando para

disfarçar o pensamento que a marcara, e olhem

que nem por um segundo este o largou, com o ar

preocupado, carregou a lenha e foi

apressadamente para sua casa: “ um

Page 9: VIDAS DIVIDIDAS

comportamento jamais visto”. Chegou a casa

malmente respirando.

- O que foi?

- Estás Doente?

- TchineMuanaga? A família dela questionavam-na

espantadas, mas a Magui que sempre carregava

contigo um monte de palavras, neste momento

encontrava-se de lábios trancados, olhando as

pessoas com um olhar que dizia mais de mil

palavras. A sua mãe Jardiana, os Seus Irmãos

Graciel, Júlia e Zelenha, continuavam com mentes

vazias e longe da causa que afligia a Magui. Desta

vez, racionalmente, pois, para eles, algo assim era

combinada a uma manifestação divina e, só o

Mulaula, tinha o poder de interpretar.

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Esses detentores de poderes espirituais não

eram fáceis de serem encontrados, porque

caracterizam-se pela isolação, ficavam em zonas

perigosas e bem distantes da povoação. A família

da Magui incansavelmente procurava por uma

solução urgente, para devolverem a harmonia no

íntimo da Magui, mas sem sucessos. Passou-se um

dia, uma semana, um mês e o sentimento da Magui

crescia bruscamente feito uma mágica semente.

Enchia-se o coração com o ar da paixão e, quase

que explodira. Não existindo outra saída, houve

uma urgente necessidade de levarem-na a um

Ñanga, esta que foi fácil de encontrar.

- Dona Ñanga, a minha irmã não se alimenta e

está sempre pensativa, olhem só para ela está

tão magra comparada aos palitos de Macubar. Ela

não estava assim, era gorda bonita, era uma

Page 11: VIDAS DIVIDIDAS

menina invejada por todos, de repente o ser dela

desapareceu, desde o dia que ela vinha da

serração. O que é,Ñanga?

- humm, deixe-me cá pegar as tuas mãos Magui –

Pediu a Ñanga. Amedrontadamente a Magui

Levantou-as e pousou-as nas mãos da bruxa. – Oh!

Nabuyawaga, não se passa nada de grave com ela,

pois eu vejo uma tristeza no coração dela, em que

a felicidade mora numa masculinidade formosa e

bonita.

– O que quer dizer com isso? Curiositou a Magui

querendo ouvir mais coisas. Acreditem que ela, já

estava cansada de viver daquele jeito diferente.

– Tranquilize-te, esta é uma fase inicial da tua

felicidade, confie nos teus princípios e

alcançaras o rapaz ladrão do teu coração, agora

prometa-me uma coisa!

Page 12: VIDAS DIVIDIDAS

- Sim Ñanga.

- Faça o que o coração te manda fazer, mantenha

o teu espírito de criatividade e boa disposição,

porque o que tens, é um sentimento grande, mas

pequeno na sua Silábica, se chama AMOR à

primeira vista.

Os tempos já se tornavam normais e o sorriso, a

boa disposição voltou a habitar no seio da família

da Magui.

É O FIM?

Estava tudo voltando ao bom grado pela calma de

todos. A Magui já podia abrir os seus sábios

lábios, falando com a mais alta emotividade no

âmbito do compartilhamento das suas emoções e

sentimentos. Ela já não duvidava de si, desde o

dia que aÑanga disse-lhe para que não duvidasse

Page 13: VIDAS DIVIDIDAS

do que pensava. A vida andava com muita

naturalidade no progresso do tempo, e tudo

quanto era vivo também crescia. “Toda pessoa

que cresce muda de comportamento, mau ou bom,

vice versando a moral”, desigual a este princípio

foi a Magui. Esta que crescia genuinamente

dentro de uma invejável pureza e, longe dela

estava: a maldade, o orgulho e o ódio.

As cavalgadas do dia corriam numa velocidade de

cavalo, passaram-se dezenas de luas, dezena de

sóis, num vaivém, facto que trazia mudanças no

espírito mental da Magui, já estava mais crescida

como quem diz, mais pronta para levar a sua

própria vida. Numa interjeição passou pela frente

da Magui uma figura que vulcanizou os seus

desejos, deixando-a numa tremenda quentura

capaz de cozer os alimentos e, porquê não! De

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abrasear o ferro. Foi nesse momento que aquela

doença caracterizada por quatro letras (AMOR)

começou a invadir por completo o sistema

amoroso da Magui e, da ponta dos cabelos aos

dedos dos pés era a demarcação por onde ela

passava, os dedos começavam a tremer, o

coração ficava frágil à tentação do receio e,

esconder-se ou fugir daquela marcante figura

optava a condição unívoca de se ver livre

daqueles sentimentos. O palpitar do coração era

fora do normal.

Este todo mistério era trazido por uma simples

figura masculina. Tudo que a Magui queria

naquele instante, era não ter aqueles

sentimentos, mais não tinha como abandona-los

porque não encontrara a chave certa para abrir a

Page 15: VIDAS DIVIDIDAS

porta certa, de onde podia sair, e voltar a sentir-

se dona dela, sem nenhuma subordinação.

Desta vez, perece que já tinha reflectido ao

pormenor, até que se lembrou do que a ÑANGA

tinha-lhe dito.

O tempo passava e a Magui nada fazia, porque

nessa altura longe da coragem ela se encontrava,

e direpente, foi quando sem querer a sua boca se

abriu e suaves palavras voaram para o céu e

infectaram aquele lugar.

– Porquê tu me olhas tanto? Foi a questão

lançada. E o Manuel Ouvindo Aquilo, ficou menos

surpreso, ele sabia que cedo ou tarde aquela

mulher o faria uma genérica pergunta, afinal

também percebia que os olhares dela carregavam

milhões de palavras expressas numa só visão.

Page 16: VIDAS DIVIDIDAS

- Bem, te olho tanto porque a tua cara dá-se

muito bem com a minha, há uma dúvida que me diz

que não és estranha. Já agora posso saber quem

tu és?

A Magui, não acreditava daquela realidade, não

acreditava que estava a ouvir aquela voz roca e

carregada de uma viva macheza. Ali ficou de boca

aberta por alguns minutos, pois ela tentava falar

o seu nome, mas bem nessa altura, as palavras

voaram para bem longe dela e precisava de

grande corrida mental para encontra-las. Manuel

esperava ansioso e espantado com tamanha

timidez morando numa só formosura.

Na medida em que os olhares acidentavam-se,

mais trancados ficavam os lábios da Magui. Não

tinha mais jeito, um deles tinha que ser forte e

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dizer: „Sai vergonha‟. Quem assim agiu, foi o

Manuel:

- Vá-la, não queres dizer o seu nome? Tudo bem,

eu digo o meu. Daqui é o Manuel. Prazer em

conhecê-la, e... Posso chamá-la de...

Desconhecida? Ou Silêncio?

Nesse momento, Manuel sorria malandramente

para ver se conseguia roubar dela apenas um

sorriso, de modo a fazer com que ela se sentisse

mais à vontade e com a consciência menos

pesada. Desta vez conseguiu, pois ele viu um

sorriso donzelo, um sorriso humilde no rosto

dela.

- Acho que agora tu estás um pouco calma. Sinta-

se à vontade, eu não sou um monstro em pessoa,

mais sim alguém que quer te ver bem. Disse o

Manuel

Page 18: VIDAS DIVIDIDAS

Com estas palavras, parece que ele tentava

acender uma luz que na verdade já estava acesa,

parece que tentava garantir o que na verdade

estava garantido, ou mesmo até di-la que a sua

amizade para com ela é eternizada. Claramente a

Magui, já estava a sentir-se maravilhada e

lisonjeada pelo rapaz, facto que lhe fez ter azas

e voar para voar atrás das palavras outrora

perdidas.

- O meu nome é Magui.

- Diga? O teu nome é Nargarida? Esta pergunta o

Manuel impôs-lhe para ver se na verdade ela

sentia-se detentora das palavras e afugentadora

do medo tímido. Combinando com que ele estava a

pensar, surgiu-lhe tal e qual.

- Não me chamo Nargarida, mas sim Magui.

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- Hum, ok com M? Mar-ga-ri-da, dizia o Manuel

soletrando. – Confesso que é um nome bonito, um

nome que rima com o ar, com o calor e rima com a

Vida, Ho! Magui.

Profanavam-se as palavras com tanta poesia e

musicalidade e paralelamente a isso, a Magui

ficava sem jeito, pela primeira vez ela via uma

pessoa tão extrovertida e ouvia palavras tão

galantes e bonitas.

Aquilo passou, e a Magui, voltou para casa como

nunca a tinham visto, ela estava hiper alegre, uma

alegria que contagiava todos os que ao seu redor

estavam, e a sua irmã Júlia, ficou curiosa em

querer saber se a Magui estava a sentir-se bem

ou, simplesmente o motivo daquela alegria

exacerbada.

Page 20: VIDAS DIVIDIDAS

- Impressão minha? Ou estás muito feliz hoje?

Perguntou Júlia.

A Magui ficou calada por algum instante,

inteligentemente pensou e disse baixinho para

que a sua mãe não pudesse saber:

- Júlia, eu te conto logo anoite o que aconteceu

comigo hoje e porquê estou felicíssima. Esta

bem?

A Júlia compreendeu a sua irmã e ambas foram

preparar o almoço, a tradição da região em que

vivia a Magui era de que as meninas tinham que

cuidar e fazer os trabalhos domésticos e os

rapazes fazerem outros trabalhos como a caça, a

pesca, etc, facto que caracterizava

desigualmente estes dois géneros, estando uns

aptos para uma determinada área de trabalho e

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outro não,uma espécie de divisão social de

trabalho.

REUNIÃO FAMILIAR

Já era meio-dia, o almoço já estava

confeccionado, as barrigas já começavam a

reclamar de fome por causa do efeito do bom

cheiro que das panelas saia. O almoço, já deve

estar servido, e tal como muitos esta refeição

era olhada com muito carisma e respeito, pois,

era através dele que a família que passava o dia a

trabalhar, tinha a oportunidade de reunir-se com

os outros membros, normalmente, a hora de

almoço, é um período em que ninguém poderia

estar ausente, era falta de respeito quem assim

procedesse.

A mesa era rudimentar, as cadeiras eram

fabricadas de troncos de coqueiro, tudo bem

Page 22: VIDAS DIVIDIDAS

organizado por baixo da sombra de uma frondosa

mangueira que ficava no quintal da família da

Magui, neste ambiente super natural, com os

cantares das aves e uma brisa inimiga do calor,

decorria o almoço.

Senhor Alfaiate, pai da Magui, gostava de

perguntar as suas filhas o que lhes acontecera

durante o dia, mas antes abria, sempre, abria o

almoço com uma historia, depois iam para as

orações antes das refeições do “pão da vida”, e

finalmente almoçavam, e é durante a refeição

que muita coisa se fala, mas o mais fundamental

assunto que nunca falhava, eram as advertências

que os parentes da Magui faziam para que os

seus filhos tivessem cuidado com as coisas

mundanas, que não se deixassem enganar por

ninguém, neste caso, o Senhor Alfaiate,

Page 23: VIDAS DIVIDIDAS

particularizava a advertência para as meninas,

afirmando que estas tivessem cuidado com os

rapazes, principalmente os que vinham da cidade.

- minhas filhas, vocês já são adultas, e,

naturalmente, eu sei que devem estar no período

das pequenas paixões por rapazes. Eu não quero

interferir na vossa vida, mas, uma coisa é certa,

casem-se com homens da vossa terra, aqui onde

nasceram, e nada de rapazes da cidade...

Aconselhava o Pai da Magui, que durante o

discurso, foi interrompido por suas filhas.

- Porquê pai? Perguntou a Magui com um ar

carregado de muitos segredos.

O seu pai, que percebera que aquela pergunta

tinha uma origem na paixão da Magui por um

rapaz incerto, foi cuidadoso e declarativo ao

responder.

Page 24: VIDAS DIVIDIDAS

- Magui, é por simples motivo, que não o deves

fazer, os rapazes e as meninas da cidade

estudam e vocês aqui, somente cuidam da casa e

vão a machamba, tu serás vista como burra e

parva nos olhos destes rapazes, porque acima de

tudo eles também são espertos. E, eu como vosso

pai, não quero que isso aconteça com vocês. Eu

quero um genro que vá comigo ao campo caçar e

vá comigo aos mares pescar. Intenderam?

Todos acenaram a cabeça acompanhada ao som

da voz que confirmava a pergunta. Em meio de

tudo, a Magui, sentiu-se mal com essas

declarações feitas pelo seu pai, pois, como

sabem, ela estava apaixonada por um rapaz que

concidentemente vivia na cidade.

Page 25: VIDAS DIVIDIDAS

O APAGAR DO SOL E A VINDA DA LUA

Magui, que foi abalada pelos ditos do seu pai,

ficou com um ar pensativo, reflectia dentro de si,

tentava encontrar uma solução para aquele

problema, passou pela sua mente que seria

melhor abrir o jogo para o pai, e contar tudo o

que estava a acontecer, infelizmente a ideia virou

uma utopia, porque ela lembrou que existia um

principio moral que dizia que “O conselho de um

pai, é como uma corrente libertada do teu

pescoço, quem não acatar viverá até o fim dos

seus dias preso pela mesma corrente”. O

conformismo batia o coração da Magui, mas a

esperança reativava-a, porque bem ao fundo ela

percebia que “não ha regras sem excepções”.

- “até porque se eu for sincera com o pai, ele

poderá compreender, será? Ops! Deixa estar”...

Pensava a Magui meditadamente.

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O sol já dizia adeus ao dia e dava umas boas

vindas à noite, eram já dezessete horas e trinta

minutos, normalmente a este hora, nas zonas

recônditas as pessoas ja deviam estar a preparar

o “jantar”. Dezoito horas, eram horas para matar

o bicho da noite que com ele não pegamos sono e

acordamos fraquinhos e cansados. Após este

solene momento do dia, os rapazes e raparigas,

juntavam-se a volta da fogueira viva e bem acesa

para cautelosamente ouvirem histórias contadas

por pessoas mais vividas, historias estas que

demarcam a sua realidade social. Era quase

sempre assim, risos, perguntas a mistura

caracterizava-os, depois, todos meio cansados e

sábios com as histórias, apetecia era um leito

para se deitar. A Margaria e a sua irmã Julia,

pensavam também assim, daí que levantaram-se

adultamente, despediram os que ali estavam e

Page 27: VIDAS DIVIDIDAS

ambas rumaram para o quarto. Chegados lá, a

Julia não se esquecera da promessa da Magui.

- Magui, tu sabes que me deves uma explicação.

Não? Perguntava a Julia.

Fazendo-se de esquecida, a Magui Feedbackou

dizendo que não se lembrava da tal divida.

- Chegaste muito feliz hoje, bem, eu achei, ti fiz

uma pergunta e garantidamente, tu disseste que

me contarias anoite o motivo daquela felicidade,

a noite chegou e eu, curiosa ainda, quero saber.

Então? Vais ou não contar?

A Magui soltou umas gargalhadas.

-estava a brincar, apenas queria ver se estavas

mesmo interessada em saber isso.

Page 28: VIDAS DIVIDIDAS

-Olha Magui, eu como a tua irmã mais velha devo

saber o que acontece contigo, por isso não devia

e não devo esquecer-me disso.

Nesta altura em que elas conversavam, sacudiam

os lençóis e arrumavam a cama para se deitarem,

estando tudo como devia ser, prosseguiu-se o

descanso temporário, por cima de uma cagala e

por baixo dos lençóis. Bem nesse momento,

Magui, batia os lábios, contando oque acontecera.

- É o seguinte Julia minha irmã querida, hoje eu

encontrei-me com aquele rapaz que me deixava

toda mal naquele dia. Lembra-se?

- Com certeza que me lembro. Respondeu a Julia,

com o ar de quem queria ouvir mais coisas. – oque

mais aconteceu? Acrescentou perguntando.

Page 29: VIDAS DIVIDIDAS

- nós ficamos por um longo tempo olhando um ao

outro, e eu perguntei para ele porquê me olhava

tanto, ele, aproximou-se e começamos a

conversar, O nome dele é Manuel, ele é cômico,

mas sério, tem uma voz roca, eish! Mana, há

muita coisa boa que eu posso falar sobre ele.

- então tu ficaste feliz por isso? Insistiu a Júlia.

- Sabes mana, eu percebi que gosto dele, apenas

descobri, depois daquele trocar de conversa que

tivemos, é como se depois daquilo eu sentisse-me

muito mais leve, tranquila, mais dona de mim, etc,

até mesmo agora que falo, já sinto saudades dele.

Só que tem algum inconveniente.

Triste, Entretantou a Magui.

- Porquê? Que inconveniente é este?

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- Ele morra na cidade, e pelos vistos é alguém de

uma elite social e o pai diz que não quer que nos

casemos com alguém da cidade. Eu gosto dele,

não posso deixa-lo assim, sem mais e nem menos.

Nesta explicação a Magui, deixou rolar lagrimas

no seu rosto, pois, sentia-se triste e abatida com

o que ouvira do teu pai. A Júlia que

cuidadosamente escutava-a teve que tomar

posição de mais velha dizendo o seguinte:

-Minha irmã, não fiques triste por isso, temos

que nos adequar a nossa realidade, tens que

esquecer isso, olhe para o teu redor, existem

tantos rapazes bons, educados e trabalhadores

que gostam de ti e que são desta comunidade.

A conversa duraria mais tempo, mas porque o

sono lhes pedia licença, ambas não fecharam as

portas, permitiram que este entrasse e lhes

Page 31: VIDAS DIVIDIDAS

concedesse um descanso profundo e bem

gostoso.

A TENTAÇÃO DOS RAPAZES DO BAIRRO

A manha chegou, era um dia fresco, com uma

temperatura amena, o relógio indicava quatro

horas e como de habito, as pessoas daquela zona

acordavam àquela hora, já era possível vê-las

caminhando para a labuta, umas com enxadas,

outras com redes de pesca e ainda as mais novas,

levavam vassouras para limpar o quintal e balde

para cartar a agua.

Assim, também a Magui e a sua família já

estavam acordados prontos para mais um dia de

muita labuta. Durante o dia, a Magui foi

submetida a uma provação sentimental que

aconteceu aleatoriamente e muito longe de um

combino, pois, era como que os rapazes da sua

Page 32: VIDAS DIVIDIDAS

comunidade se apercebessem do que estava a

acontecer coma Magui.

Então, quando ela se dirigia para o poço cartar a

agua, estava também neste local umrapazque

admirava-a imensamente, ele, sempre procurou

umaoportunidadedeconversar com a Magui, para

exprimir todos os teus sentimentos, mas nunca

antes teve e naquela manha fresca em que

estavam apenas eles dois naquele poço, o Rapaz

que se identifica pelo nome de Pedro, procurou

pela coragem e a encontrou,sem demoras,

cumprimentou sorridente para a Magui:

- Bom dia Margaria, wamugumi?

Como já devem imaginar as pessoas da

comunidade da Magui, poucos sabiam falar

perfeitamente o português, e um deles foi o

Pedro.

Page 33: VIDAS DIVIDIDAS

- estou bem obrigado. Você? Responde a Magui.

Enquanto ela terminava a resposta, o Pedro vivia

emoções de uma paixão condenada por muito

tempo, este sentimento que muitas vezes é mais

forte do que nós, também o Pedro não foi tão

forte.

- Magui você dele és muito bonitinha. Muitos

pessoas aqui no bairro gosta de você, eu também

gosta vadhidy de você.

Foi com este elogio, atropelador do português,

que ele começava por convencer a Magui. Ela que

naquele momento levantava o cabungo cheio de

agua, espantou-se, largou o cabungo de volta para

o poço. Lembrou-se da conversa que teve na noite

passada com a tua Irmã Julia (... olhe para o teu

redor, existem tantos rapazes bons, educados e

Page 34: VIDAS DIVIDIDAS

trabalhadores que gostam de ti e que são desta

comunidade) imaginava a Magui extasiada.

- Magui estas a me ouvir? Perguntou Pedro.

A Magui num silêncio pensativo despertou-se com

o chamativo do Pedro, e este, por sua vez olhava

para ela esperando por algum retorno a respeito

doque disse.

- Sim estou a ouvir, mas por que me dizes isso

hoje? Por acaso a Minha Irma Julia disse-te

alguma coisa?

O Pedro assustado e ao mesmo tempo surpreso

respondeu.

- Não, ela não falar nada com eu. Agora é oquê?

Desta forma, respondia ele a Magui, e nesta

ordem, ela tentou de todas procurando por uma

Page 35: VIDAS DIVIDIDAS

resposta que satisfaria a causa daquela sua

pergunta.

- Nada não, estava a viajar mesmo, não leve a

serio ok?... e... Obrigado pelo elogio, tenho que ir.

Neste momento, apressada saia a Magui em

direcção a sua casa para achar um refugio para a

vergonha que passara e uma resposta doque o

Pedro lhe dira.

Acreditem que ela, estava neste momento a

passar por momentos difíceis, pois, estava

encoberta da palavra decisão, isto é, entre a sua

vontade e a do seu pai, qual é que devia ser

cumprida e levada a cabo? Na verdade esta era a

pergunta que não queria calar.

As horas foram passando, e o sol dizia adeus ao

dia e saudava a vinda das estrelas e da lua. Neste

Page 36: VIDAS DIVIDIDAS

período era comum verem-se famílias daquela

região reunida durante o jantar e neste momento

a Magui queria abrir-se com os teus pais doque

acontecera. Domada de coragem, ela começa a

contar a sua família e porque o seu pai e a sua

mãe já conheciam bem o enredo do Pedro,

mostraram-se felizes pela historia que ela

contara e em função disso, incentivaram a Magui

a abrir as portas para ele.

Eles esqueciam que a vontade sentimental da

Magui não era aquela que diziam, mas porque a

sociedade a condenava de gostar de alguém

“Estranho”, ela sentia-se muito mal com aquela

toda situação, facto que lhe obrigou a aceitar

aquilo que a maioria queria.

Daí para frente, Magui, começou a evitar

encontrar-se com o Manuel de forma a diminuir a

Page 37: VIDAS DIVIDIDAS

paixão que nutria por ele. Não foi uma tarefa

fácil, pois, como sabemos, o coração é o nosso

maior comando e difícil é comanda-lo em favor do

nosso intelecto, nesta ordem, a Magui, passou

momentos de subordinação total ao seu coração,

até que um dia o cenário mudou.

Ela esqueceu-se do Manuel e começou a levar uma

vida normal e nova com os galanteios do Pedro.

O mesmo aconteceu com Manuel, este percebeu

que a Magui já não lhe dava atenção, até que

também decidiu esquecer-se dela e levar a sua

vida normalmente.

A FESTA DO LOBOLO

Passado o tempo de reconstrução intelectual, já

se tornara normal os encontros entre Pedro e a

Magui.

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Atenção que estes encontros eram feitos

perante uma variedade de normas culturais. O

Pedro que loucamente amava a Magui, vice-versa,

ambos tinham sintomas de casamento e por isso,

chegou-se a um acordo da apresentação do Pedro

à família da Magui para um possível desfecho.

Como tradição da região de Domela localidade de

Nicoadala, província da Zambézia, para fazer-se

um casamento era necessário um lobolo vindo da

família do homem.

Neste caso, os produtos variavam entre

capulanas para as senhoras, factos para os

Senhores, bebidas tradicionais, e muitas outras

coisas.

Deste paradigma, o Pedro não focou alheio, pois,

lobolou a Magui, fazendo uma festa de arrombar

onde comeu-se, bebeu-se, divertiu-se e demasia.

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DESFECHO

Assim como um conto de fadas, a história

termina com casamentos em ambos, vivendo vidas

indesejadas, vidas em que cada um confundia no

seu intelecto a imagem do seu parceiro como

sendo do verdadeiro amado.

Com tudo isto, fica claro que nem sempre a vida

nos dá aquilo que realmente queremos, pois,

tempos há em que devemos nos adaptar com o

que a realidade nos fornece, pois, assim

estaremos a abrir uma porta que nos conduzirá a

uma felicidade se calhar melhor do que aquela

que teríamos com as coisas que gostamos.

Magui e Manuel agiram assim, esqueceram aquele

passado agarrando-se no que o presente lhes

proporcionara e como resultado, ambos foram

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muito felizes apesar das suas vidas estarem

divididas.

Tenho dito que muita das vezes a felicidade mora

onde o coração nunca antes imaginou palpitar.

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GLOSSÁRIO

MADRESILVA- Trepadeira caprifoliácea de

flores perfumadas, e sua flor

TCHINE MUANAGA? – Lingua e-chuabo que em

português quer dizer “Oque foi minha filha?”

MULAULA – e-Chuabo, Nome atribuído aos

curandeiros mais poderosos

MACUBAR – Folhas do palmar/coqueiro

NABUYAWAGA – é uma das línguas da província

da Zambézia, denominada E-Chuabo e que em

portugues significa “Meu Deus”

SILABICO- Adj. Em sílabas, ou relativo a elas.

MACHAMBA- Sinónimo de campo

CAGALA – E-Chuabo, em português é “ Esteira”

WAMUGUMI – em português: “Estas bem?”

VADHIDY – e-Chuabo, Muito

CABUNGO - um pote com o qual é retirada a água

do fundo do poço .