vida e obra de marx e engels

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Aspectos da vida e da obra de Marx e Engels Sandra M.M. Siqueira Francisco Pereira “A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na praxe que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da praxe é questão puramente escolástica” “Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras, do que se trata é de transformá-lo” (Marx, Teses sobre Feuerbach)

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Texto didático biográfico sobre Marx e Engels.

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  • Aspectos da vida e da obra deMarx e EngelsSandra M.M. SiqueiraFrancisco Pereira

    A questo de saber se ao pensamento humano

    pertence a verdade objetiva no uma questo da

    teoria, mas uma questo prtica. na praxe que o ser

    humano tem de comprovar a verdade, isto , a

    realidade e o poder, o carter terreno do seu

    pensamento. A disputa sobre a realidade ou no

    realidade de um pensamento que se isola da praxe

    questo puramente escolstica

    Os filsofos s interpretaram o mundo de diferentes

    maneiras, do que se trata de transform-lo

    (Marx, Teses sobre Feuerbach)

  • Aspectos da vida e da obra de Marx e Engels

    Sandra M. M. Siqueira e Francisco Pereira

    Lemarx, 2011.Dedicatria

    Aos marxistas revolucionrios.

  • SUMRIO

    I Introduo

    II Encontro para uma obra comum

    III Os jovens hegelianos e a Gazeta Renana

    IV O movimento socialista e o materialismo histrico

    V - A militncia revolucionria e a crtia da socieade burguesa

    VI O exlio em Londres e a publicao da obra magna

    VII A fundao da Primeira Internacional

    VIII A morte de Marx e a atividade cientfica de Engels

    Concluso

    Bibliografia

    I - INTRODUO

    No presente texto disponibilizamos uma sntese dos aspec-

    tos mais importantes da vida e da obra de Karl Marx e Friedrich

    Engels, para os leitores interessados no estudo do marxismo. O

    estudo foi realizado a partir da obra e do contexto histrico em

    que viveram os fundadores do marxismo e de textos publicados

    sobre os dois pensadores, remetendo os leitores particularmente

    s fontes e aos textos de Marx e Engels.

    Trata-se de uma verso ligeiramente modificada de um tex-

    to produzido para o Curso de Introduo ao Marxismo promovido

    pelo Laboratrio de Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx), se-

    diado na Faculdade de Educao da Universidade Federal da

    Bahia (FACED/UFBA), publicado pela primeira vez no site do

    mesmo grupo, intitulado Marx e Engels: aspectos da vida e da

    obra dos fundadores do marxismo.

    Em virtude da riqueza de acontecimentos da vida revolucio-

    nria e intelectual dos dois pensadores, muita coisa relevante foi

    preterida. O leitor pode, no entanto, aprofundar os conhecimen-

    tos fazendo o estudo das biografias existentes e de obras especi-

    alizadas sobre os detales do pensamento marxista. Por ltimo, o

    marxismo uma concepo de histria e de sociedade articulada

    luta de classe do proletariado e demais explorados pela supe-

    rao do capitalismo e constituio do socialismo. Eis o sentido

    desse texto.

  • II ENCONTRO PARA UMA OBRA COMUM

    Marx nasceu em 5 de maio de 1818 em Trier, na Alemanha,

    e morreu em 14 de maro de 1883, em Londres; Engels nasceu

    em 28 de novembro de 1820 em Barmen, na Alemanha, faleceu

    em 5 de agosto de 1895, em Londres, Inglaterra.1

    Marx era filho de um advogado judeu, de nome Heinrich

    Marx, convertido ao protestantismo e adepto de idias liberais e

    democrticas, e de Enriqueta Pressburg. A casa de Marx se tor-

    nou um ambiente de discusso em torno de tericos iluministas e

    liberais, como Voltaire e Rousseau. Engels, de outro lado, era fi-

    lho de um rico industrial do ramo txtil, tambm chamado Friedri-

    ch Engels e de Elizabeth Franziska Mauritia van Haar. De famlia

    1Quanto aos aspectos biogrficos existem bons livros que retratam a vida e a obra dos dois revolucionrios, em sua ligao com a luta social. Entre os autores, podemos citar: LNIN, V. I. As Trs Fontes. So Paulo: Expresso Popular, 2006; TROTSKY, Leon. O pensamento vivo de Karl Marx. So Paulo: Ensaio, 1990; RIAZANOV, David. Marx e Engels e a histria do movimento operrio. So Paulo: LPM,1990; KAUTSKY, Karl. As Trs Fontes do Marxismo. So Paulo: Centauro, 2002; HOFMANN, Werner. A Histria do pensamento do movimento social nos sculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984; BEER, Max. Histria do Socialismo e das lutas sociais. So Paulo: Expresso Popular, 2006; HOBSBAWM, Eric (org.). Histria do Marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; MANDEL, Ernest. A formao do pensamento econmico de Karl Marx (de 1843 at a redao de O Capital). Rio de Janeiro: Zahar, 1968; FREDERICO, Celso. O Jovem Marx: as origens da ontologia do ser social. So Paulo: Cortez, 1995; LWY, Michael. A Teoria da Revoluo no Jovem Marx. Petrpolis, RJ: Vozes, 2002; MACLELLAN, David. Karl Marx: vida e pensamento. Petrpolis: Vozes, 1990; LUKCS, Georg. O Jovem Marx e Outros Textos Filosficos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007; COGGIOLA, Osvaldo. Engels: o segundo violino. So Paulo: Xam, 1995; BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionrio do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

    religiosa e conservadora, teve em seu seio uma formao calvi-

    nista.

    Marx e Engels chegaram ao mesmo referencial por cami-

    nhos bem particulares. Marx finalizou o ginsio em Trier, sua ci-

    dade de origem. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de

    Bonn, onde cursou inicialmente Direito, transferindo-se em segui-

    da para a Universidade de Berlim, concluindo seus estudos em

    Filosofia. Doutorou-se em 1841, em filosofia, na Universidade de

    Iena, com a apresentao de uma tese sobre os filsofos materi-

    alistas da antiguidade, Demcrito e Epicuro.

    Engels, por sua vez, cursou o ginsio em Elberfeld. Educa-

    do para suceder o pai nos negcios, mostrou desde cedo dotes

    literrios na escola, sendo influenciado inicialmente pelos liberais

    democrticos. Chegou a freqentar a Universidade de Berlim

    apenas como ouvinte. Em 1841, uniu-se ao crculo jovem-hegeli-

    ano e destacou-se na crtica da filosofia conservadora de Schel-

    ling, um terico opositor das idias de Hegel. Por influncia de

    Moses Hess, revolucionrio alemo, Engels se tornou comunista

    mais cedo que Marx.

    O primeiro encontro entre Marx e Engels se deu na poca

    em que Marx era ainda redator da Gazeta Renana, em 1842,

    quando Engels se achava de passagem para a Inglaterra. Encon-

    trando-se em Paris em 1844, comunistas assumidos, Marx e En-

    gels travaram um profundo debate sobre suas idias e posies

  • polticas, tomando conscincia das concluses tericas a que ha-

    viam chegado, a partir de suas experincias e estudos filosficos

    e cientficos.

    A sntese de seus estudos histricos, econmicos, sociais,

    polticos e culturais, em meio ao contato com o movimento oper-

    rio, os haviam conduzido concepo materialista da histria, de

    base dialtica. Diante disso, os dois pensadores socialistas colo-

    caram firmemente a tarefa de produzir uma obra em comum de

    crtica aos jovens hegelianos, grupo que haviam integrado, ex-

    pondo a nova concepo de histria, de sociedade e dos indiv-

    duos.

    o incio de uma longa, tortuosa e profcua vida terica e

    prtica revolucionria, que findaria apenas com a morte de Marx,

    em 1883, trajetria esta que forneceu humanidade e classe

    operria em particular, um faboloso e atual instrumento para a

    luta de classes e para a compreenso da sociedade capitalista e

    suas contradies, cujo aprofundamento revela a necessidade da

    luta por sua superao, isto , pelo socialismo. Vejamos os prin-

    cipais fatos de sua vida revolucionria e as obras que produzi-

    ram.

    III OS JOVENS HEGELIANOS E A GAZETA RENA-NA

    Na Carta ao pai (1837), uma das nicas preservadas, Marx

    apresenta um balano de seu desenvolvimento intelectual no pri-

    meiro ano na Universidade de Berlim. Como era caracterstico do

    futuro revolucionrio, para passar a um novo patamar intelectual,

    realizava uma avaliao crtica de seu passado terico e de sua

    experincia poltica. Marx diz no texto: H momentos na vida

    que, tais quais marcas fronteirias, colocam-se diante de um pe-

    rodo concludo, porm, ao mesmo tempo, com determinao,

    para uma nova direo.2

    Trata-se, portanto, de um relato sobre encontro inicial de

    um jovem com as idias de grandes pensadores como Kant e Fi-

    chte, suas debilidades, as leituras que fazia de poetas e filsofos

    e a necessidade de superar sua primeira orientao filosfica a

    partir do novo patamar terico que havia alcanado, ou seja, o

    sistema hegeliano. Marx expressa j a influncia de Hegel, ao di-

    zer que, para alm do formalismo kantiano, que fazia uma cliva-

    gem entre o real e o ideal (ser e dever ser), era preciso investi-

    gar as idias na realidade mesma, em seu movimento, em suas

    contradies, em seu devir.

    2A carta pode ser encontrada em http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm. Os textos da juventude de Marx e Engels foram publicados em: MARX, Carlos. Escritos de Juventude. Mxico: Fundo de Cultura Econmica, 1987.

  • A carta expressa tambm seu encontro tortuoso com o pen-

    samento de Hegel e com o Clube de Doutores (Doctorclub), a ala

    esquerda do pensamento hegeliano, do qual faziam parte Bruno

    Bauer, Karl Kppen, Adolf Rutenberg, Edgar Bauer, Ludwig Buhl,

    Karl Nauwerk e Max Stirner. o incio de uma complexa, crtica e

    autocrtica relao com o pensamento hegeliano.

    No ano de 1841, Marx apresentou a tese de doutoramento

    intitulada Diferena entre as filosofias da Natureza em Demcrito

    e Epicuro Universidade de Iena, na Alemanha, recebendo o t-

    tulo de Doutor. a ltima presena de Marx na academia. Suas

    esperanas de se tornar professor universitrio se dissiparam

    quando a reao monrquica prussiana expulsou Bruno Bauer da

    ctedra de Teologia da Universidade de Bonn.

    Em sua tese, Marx desenvolve uma anlise criativa e nica

    dos filsofos materialistas da antiguidade e suas importantes

    contribuies para o desenvolvimento filosfico e cientfico. Criti-

    ca os jovens hegelianos por no manterem uma atitude crtica e

    autocrtica em relao ao mestre Hegel.3

    Marx se dedica ao jornalismo nos anos de 1842-1843 e co-

    labora com a Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), um jornal da

    burguesia liberal editao em Colnia, que tinha como horizonte a 3H as seguintes publicaes em portugus: MARX, Karl. Diferena entre as Filosofias da Natureza em Demcrito e Epicuro. Lisboa: Presena, 1972. H uma edio brasileira: MARX, Karl. Diferena entre as Filosofias da Natureza em Demcrito e Epicuro. So Paulo: Global, 1979.

    defesa das idias democrticas, de mudanas polticas e de re-

    forma do Estado. Marx se torna redator do jornal, atraindo com

    suas idias e posies a ateno da censura monrquica.

    Nele, Marx publica textos decisivos na sua trajetria intelec-

    tual, que expressam o contato com questes sociais, econmicas

    e polticas, como a criminalizao de um antigo costume campo-

    ns de recolher lenha nas florestas comunais por conta do avan-

    o da propriedade privada, a situao de misria dos vinhateiros

    do Mosela, os ataques liberdade de imprensa pelo governo mo-

    nrquico, entre outros.

    Na Gazeta Renana, Marx publica, entre outros textos, O

    Manifesto Filosfico da Escola Histrica do Direito, Debates acer-

    ca da Lei sobre o Furto de Madeira e Sobre a Liberdade de Im-

    prensa.4 Aqui, Marx obrigado a dar respostas a problemas pol-

    ticos, sociais e jurdicos, mas ainda com o arsenal categorial e

    terico que tinha chegado, qual seja o idealismo hegelino, da

    Marx combater o direito positivo estatal (injusto) com a ideia de

    um direito justo, dos camponeses pobres, para ele o verdadeiro

    direito.

    4Alguns destes textos podem ser lidos em: http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm. O texto sobre A liberdade de imprensa foi publicado em portugus em: MARX, Karl. A liberdade de imprensa. Porto Alegre: L&PM, 2006 e Notas sobre as recentes instrues prussianas relativos censura. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sobre literatura e arte. So Paulo: Global, 1986. Os textos da juventude de Marx e Engels foram publicados em: MARX, Carlos. Escritos de Juventude. Mxico: Fundo de Cultura Econmica, 1987.

  • A influncia hegeliana fica patente na seguinte passagem

    da crtica de Marx ao prolema da censura liberdade de impren-

    sa pela monarquia: Desde o ponto de vista da ideia, evidente

    que a liberdade de imprensa tem uma justificativa completamente

    diferente da censura, j que a primeira em si mesma um aspec-

    to da Ideia, da liberdade, um bem positivo; a censura apenas

    um aspecto da falta de liberdade, uma polmica entre o ponto de

    vista da semelhana e o ponto de vista da essncia, uma mera

    negao. E arremata: Uma lei da censura tem apenas a forma

    de lei. Uma lei da imprensa uma verdadeira lei. Uma lei de im-

    prensa uma lei verdadeira porque a essncia positiva da li-

    berdade.

    tambm durante este perodo que Marx forado, pela

    primeira vez, a tomar posio sobre as idias socialistas,

    pressionado por um jornal de direita. Em resposta, Marx conclui

    sobre a necessidade de estudar as idias socialistas para poder

    manifestar-se sobre elas. Nas palavras do prprio Marx:

    confessei francamente que os meus estudos feitos at ento

    no me permitiam ousar qualquer julgamento sobre o contedo

    das correntes francesas.

    Por conta da censura, Marx deixa a Gazeta Renana em

    1843, casa-se com Jenny von Westphalen e vai para Kreuznach.

    Como disse certa vez, se retirou do cenrio pblico para o gabi-

    nete de estudos.

    Dedica-se crtica do pensamento de Hegel, em especial

    sobre o direito e o Estado. O produto deste acerto de contas com

    as idias hegelianas o Manuscrito de Kreuznach, tambm chamado de Crtica Filosofia do Direito de Hegel ou Crtica da Teoria do Estado de Hegel, s publicada em 1927 pelo

    historiador marxista David Riazanov, na Unio Sovitica.5

    Nele, Marx se mostra do ponto de vista de suas posies

    polticas um verdadeiro democrata radical, sendo do ponto de

    vista filosfico influenciado pelo materialismo humanista de

    Ludwig Feuerbach, que havia realizado uma crtica materialista

    da filosofia hegeliana. Com base no materialismo feuerbachiano,

    Marx realiza uma crtica lgica idealista hegeliana, que, no fun-

    do, abria brechas legitimao da monarquia. Era preciso extrair

    o ncleo revolucionrio da dialtica hegeliana.

    Marx defende idias radicais para a poca como a sobera-

    nia popular, se ope monarquia e cita passagens que se torna-

    ram clebres como: A democracia o enigma resolvido de todas

    as constituies, O homem no existe em razo da lei, mas a

    5O texto foi publicado em portugus: MARX, Karl. Contribuio Crtica da Fi-losofia do Direito de Hegel. So Paulo: Boitempo, 2005.

  • lei existe em razo do homem e no a constituio que cria o

    povo, mas o povo que cria a constituio.

    Nosso filsofo, ao reexaminar criticamente a obra do seu

    antigo mestre, Hegel, encontra o seu prprio objeto de estudo: a

    sociedade. No ano seguinte, iniciar o estudo da anatomia da so-

    ciedade burguesa: a economia poltica.

    IV O MOVIMENTO SOCIALISTA E O MATERIALIS-MO HISTRICO

    No final de 1843, Marx viaja a Paris, poca o centro das

    idias e movimentos socialistas. Estuda a histria da Revoluo

    Francesa, de 1789, as idias socialistas e os tericos da econo-

    mia poltica. Conhece socialistas como Proudhon e Bakunin e en-

    tra em contato com a Liga dos Justos, fundada por Weitling, um

    emigrado socialista alemo. Funda a revista Anais Franco-Ale-

    mes(Deutsch-Franzosische Jahrbucher), junto com Arnold

    Ruge.

    No nico nmero, que saiu em fevereiro de 1844, Marx pu-

    blicou A questo judaica e a Introduo Crtica da Filosofia do

    Direito de Hegel. Nesta mesma edio dos Anais Franco-Ale-

    mes, Friedrich Engels tambm publicou o texto Esboo de uma

    Crtica da Economia Poltica, que causou uma profunda e simp-

    tica impresso no jovem Marx.

    Na Questo Judaica, Marx, apesar de reconhecer o carter

    progressivo da emancipao poltica burguesia, ela se limitava

    ser sujeito de direitos e obrigaes no mbito de uma socieade

    dilacerada pelas desigualdades sociais e econmicas, a socieda-

    de capitalista. Assim, contrape a emancipao humana cha-

    mada emancipao poltica limitada sociedade burguesa:

    emancipao poltica a reduo do homem, por um lado, a

  • membro da sociedade civil, indivduo independente e egosta e,

    por outro, a cidado, a pessoa moral. Conclui que s ser plena

    a emancipao humana quando o homem real e individual tiver

    em si o cidado abstrato; quando como homem individual, na sua

    vida emprica, no trabalho e nas suas relaes individuais, se ti-

    ver tornado um ser genrico; e quando tiver reconhecido e orga-

    nizado as suas prprias foras (forces propres) como foras soci-

    ais, de maneira a nunca mais separar de si esta fora social

    como fora poltica.

    Na Introduo crtica do direito de Hegel, Marx reconhece

    a classe revolucionria no capitalismo, capaz de levar at s lti -

    mas consequncias a luta pela superao do capitalismo. Porm,

    trata-se de viso ainda filosfica da classe operria. Segundo

    Marx, da mesma forma como a filosofia identifica as armas ma-

    teriais no proletariado, o proletariado tem as suas armas intelec-

    tuais na filosofia.

    Engels, por sua vez, destaca em seu Esboo de uma crtica

    da economia poltica, que a livre concorrncia na sociedade capi-

    talista leva constituio de monoplios e que a capacidade de

    produo adquirida pelo capitalismo, em razo da revoluo nas

    foras produtivas, pela industrializao e introduo das mqui-

    nas modernas engendra a superproduo, ou seja, a possibilida-

    de concreta de crises econmicas profundas.

    Em suas crticas s contradies da sociedade burguesa,

    Engels destaca ainda os mais fortes argumentos econmicos

    para a transformao social (...). a propriedade privada faz do

    homem uma mercadoria, cuja produo e destruio dependem,

    tambm elas, apenas da concorrncia, e que o sistema

    concorrencial massacrou deste modo, e massacra, diariamente

    milhes de homens; vimos tudo isto e tudo isto nos leva a

    suprimir este aviltamento da humanidade ao suprimir a

    propriedade privada, a concorrncia e os interesses

    antagnicos. E conclui: a concorrncia coloca capital contra

    capital, trabalho contra trabalho (...), como tambm cada um

    destes elementos contra os restantes, lanando o homem em

    estado de profunda degradao (Idem:76/77)

    Os textos de 1844, de Marx e Engels, A Questo Judai-

    ca, Introduo Crtica da Filosofia do Direito de Hegel, Manus-

    critos Econmico-Filosficos; Glosas Crticas Marginais ao Artigo

    O Rei da Prssia e a Reforma Social de um Prussiano represen-

    tam um avano em suas concepes filosficas, polticas e

    econmicas. Neles, Marx realiza uma crtica da cidadania bur-

    guesa limitada e defende a perspectiva da emancipao humana.

    Marx assume-se definitivamente socialista e revolucionrio

    e, filosoficamente, encontra-se com o sujeito revolucionrio da

    poca atual: o proletariado. Estuda os economistas burgueses,

    aprofunda sua viso da sociedade capitalista, da propriedade pri-

  • vada e da alienao. Expe a sua primeira abordagem do comu-

    nismo nos Manuscritos Econmico-Filosficos.

    Para Marx, o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto

    mais riqueza produz, quanto mais a sua produo aumenta em

    poder e extenso. O trabalhador se torna uma mercadoria to

    mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorizao do

    mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporo direta a

    desvalorizao do mundo dos homens (Menschenwelt). O traba-

    lho no produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e

    ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que

    produz, de fato, mercadorias em geral.

    Comunista assumido, Marx expe a sua viso: O comunis-

    mo a posio como negao da negao, e por isso o momen-

    to efetivo necessrio da emancipao e da recuperao huma-

    nas para o prximo desenvolvimento histrico. O comunismo a

    figura necessria e o princpio energtico do futuro prximo, mas

    o comunismo no , como tal, o termo do desenvolvimento hu-

    mano a figura da sociedade humana.

    Expulso de Paris em 1845, por presso do governo alemo,

    Marx viaja a Bruxelas (Blgica), onde se encontra com Engels.

    Publicam sua primeira obra conjunta: A Sagrada Famlia, que ha-

    viam terminado em novembro de 1844. Neste texto, os dois revo-

    lucionrios realizam uma crtica mordaz dos jovens hegelianos,

    em especial aos irmos Bruno e Edgar Bauer, defendendo o ma-

    terialismo contra o idealismo. Apesar de ainda defender Feurba-

    ch contra os jovens hegelianos, Marx e Engels j defender uma

    concepo materialista mais aperfeioada.6

    O afastamento definitivo do materialismo humanista de Feu-

    erbach se dar ainda em 1845, quando Marx redige as Teses so-

    bre Feuerbach, publicadas postumamente por Engels em 1888.

    Nas famosas teses Marx faz uma sntese das idias que comea-

    r a desenvolver, junto com Engels, em A Ideologia Alem, no

    transcurso do mesmo ano at 1846. , como dissemos, a primei-

    ra crtica aberta a Feuerbach, em cujas idias Marx se baseou

    desde a crtica de Hegel em 1843 e com as quais produziu os

    textos de 1844.

    H passagens memorveis como Os filsofos tm apenas

    interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questo, porm,

    transform-lo; Mas, a essncia humana no uma abstrao

    inerente a cada indivduo. Na sua realidade ela o conjunto das

    relaes sociais; A doutrina materialista de que os seres huma-

    nos so produtos das circunstncias e da educao, [de que] se-

    6Parte dos textos pode ser encontrada em: www.marxists.org. H publicao em portugus de: MARX. Karl. Introduo Crtica da Filosofia do Direito de Hegel. In:Contribuio Crtica da Filosofia do Direito de Hegel. So Paulo: Boitempo, 2005; MARX, Karl. A Questo Judaica. So Paulo, Centauro: 2002; MARX, Karl. Sobre a questo judaica. So Paulo: Boitempo, 2010; ENGENS, Friedrich. Esboo de uma crtica da economia poltica. In: ENGELS, Friedrich. Poltica. So Paulo: tica, 1981; MARX, Karl. Manuscritos econmico-filosfi-cos. So Paulo, Boitempo, 2006; MARX, Karl. Glosas crticas marginais ao ar-tigo O rei da Prssia e a reforma social de um prussiano. So Paulo: Expres-so Popular, 2010; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada famlia. So Paulo: Boitempo, 2003.

  • res humanos transformados so, portanto, produtos de outras cir-

    cunstncias e de uma educao mudada, esquece que as cir-

    cunstncias so transformadas precisamente pelos seres huma-

    nos e que o educador tem ele prprio de ser educado; A ques-

    to de saber se ao pensamento humano pertence a verdade ob-

    jetiva no uma questo da teoria, mas uma questo prtica.

    na praxe que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto ,

    a realidade e o poder, o carter terreno do seu pensamento. A

    disputa sobre a realidade ou no realidade de um pensamento

    que se isola da praxe uma questo puramente escolstica.7

    Em 1844, Engels escreveu uma obra magistral: A situao

    da classe trabalhadora na Inglaterra, publicada em 1845, uma

    anlise contundente das razes da sociedade capitalista, da in-

    dustrializao, das condies de misria e opresso da classe

    trabalhadora, de suas primeiras formas de organizaes e lutas,

    enfim o jovem revolucionrio denuncia a profunda explorao a

    que eram submetidos os operrios.8

    Engels tem cincia sobre a necessidade do trabalhador

    sair dessa situao que os embrutece, criar para si uma existn-

    cia melhor e mais humana e, para isso, devem lutar contra os in-

    teresses da burguesia enquanto tal, que consistem precisamente

    7MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Teses sobre Feuerbach. In: A ideologia alem. So Paulo: Boitempo, 2002. Pode ser encontrado em: www.marxists.org.8ENGELS, Friedrich. A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra. So Paulo, Boitempo, 2007.

    na explorao dos operrios. Mas a burguesia defende seus inte-

    resses com todas as foras que pode mobilizar, por meio da pro-

    priedade e por meio do poder estatal que est sua disposio.

    A partir do momento em que o operrio procura escapar ao atual

    estado de coisas, o burgus torna-se seu inimigo declarado.

    Por essa poca Marx tambm redigiu um texto chamado

    Carta a Pvel V. Annenkov, em que sintetiza a nova concepo

    de mundo a partir de uma crtica s posies de Proudhon.9 Em

    Bruxelas, Marx e Engels levam frente o projeto da unidade en-

    tre teoria e prtica revolucionria, organizando um Comit de

    Correspondncia, com o objetivo de socializar as idias e lutas

    comunistas, aproximando os revolucionrios e as organizaes.

    Entre 1845 e 1846, concluem o manuscrito de A Ideologia

    Alem, que no seria publicado por dificuldades editoriais, per-

    manecendo indito at 1932, quando foi publicado na Rssia. o

    acerto de contas final com a sua conscincia filosfica anterior, o

    hegelianismo e os jovens hegelianos. Trata-se da primeira e mais

    extensa, profunda e densa crtica dos dois socialistas filosofia

    idealista e a exposio da concepo materialista da histria, que

    desenvolvero nas obras posteriores.10

    9A Carta a Pvel V. Annenkol, de Marx, pode ser encontra em: www.marxists.org. Podemos encontr-la tambm como anexo ao livro: MARX, Karl. Misria da Filosofia: resposta filosofia da misria do senhor Proudhon. So Paulo: Centauro, 2003.10O texto por completo foi publicado em: MARX, Karl. A ideologia alem. So Paulo: Boitempo, 2002.

  • Desde a antiguidade greco-romana, os pensadores se divi-

    diam em duas concepes fundamentais: materialismo e idealis-

    mo filosfico. possvel encontrar as teses iniciais do materialis-

    mo filosficos nos chamados fsicos como, por exemplo, Dem-

    crito e Epicuro. Por outro lado, a filosofia idealista encontrar na

    antiguidade a sua mais acabada expresso na obra do filosfo

    Plato.

    Desde ento, essas duas correntes opostas de pensamento

    e de explicao da relao entre as ideias e a matria vem se de-

    senvolvendo e se expressando nas teses dos diferentes pensa-

    dores. No diferente em nosso sculo, basta verificar as con-

    cepes reinantes, em aberta contraposio ao marxismo e

    luta dos explorados na atualidade.

    O materialismo histrico, que tem a sua base filosfica na

    corrente materialista, de base dialtica, parte da perspectiva, em-

    piricamente observvel e historicamente demonstrada, da anteri-

    oridade da matria (inorgnica e orgnica) sobre as idias e a

    conscincia. Trata-se de um fato j demonstrado pelas cincias

    que estudam o passado da humanidade (paleontologia, arqueolo-

    gia, histria) e do universo (fsica). A natureza inorgnica, duran-

    te bilhes de anos, e, mesmo a orgnica (animais e plantas),

    existiu antes do advento dos primeiros humanos e continuar a

    existir mesmo se a humanidade for exterminada.

    Somente em determinadas condies histricas que a

    conscincia comeou a se desenvolver, sob a base da matria

    altamente evoluda (o crebro) at chegar ao estgio atual. A

    conscincia , portanto, um estgio superior de desenvolvimento

    da matria e s pode existir sob esta base material.

    Eis um dos motivos pelos quais o materialismo inconcili-

    vel com as diversas concepes idealistas, que se apegam ao

    princpio da anterioridade das ideias e da conscincia sobre a

    matria, posio evidentemente sem qualquer base histrica. As

    concepes idealistas, desde a platnica at as mais recentes,

    no fundo se casam com as concepes religiosas, de modo que

    a idia primeira se confunde com a prpria idia de um ser sobre-

    natural, superior e anterior ao mundo, que o teria criado, segundo

    um plano pr-estabelecido, em que o destino dos homens se en-

    contra previamente traado e contra o qual impossvel lutar e

    transformar radicalmente.

    Mas quando no se trata do materialismo marxista, deve-

    mos deixar claro que difere do materialismo mecnico do sculo

    XVIII. O materialismo de Marx histrico e dialtico. Ao analisar

    a histria e estender a aplicao da filosofia materialista ao estu-

    do do desenvolvimento das formaes econmico-sociais, Marx

    parte da materialidade scio-histrica: as condies de produo

    e reproduo da vida social.

  • Na sntese de Marx e Engels: No a conscincia que de-

    termina a vida, mas sim a vida que determina a conscincia. Na

    primeira forma de considerar as coisas, partimos da conscincia

    como sendo o indivduo vivo; na segunda, que corresponde

    vida real, partimos dos prprios indivduos reais e vivos, e consi-

    deramos a conscincia unicamente como a sua conscincia.

    O trabalho a atividade que faz a mediao entre os ho-

    mens e a natureza na produo das condies materiais, isto ,

    econmico-sociais, necessrias existncia da vida em socieda-

    de. Nenhuma sociedade possvel sem o trabalho, sem a rela-

    o metablica do homem com a natureza.

    Mais trabalho ou menos trabalho, explorado ou associado,

    mas sempre o trabalho ser, como diz Marx, a eterna relao do

    homem com a natureza para produzir os meios de produo e de

    subsistncia. Mesmo a sociedade mais evoluda (comunista) ter

    como base o trabalho associado, livre, coletivo e destinado a

    atender as necessidades sociais, estando todo o processo de tra-

    balho sob o controle dos produtores organizados.

    Desta forma, no processo histrico, os homens estabele-

    cem entre si relaes de produo, de cooperao ou de explora-

    o, que se expressam nas relaes de propriedade. Ao longo da

    histria, os homens passaram por diversas formaes socioe-

    conmicas, cada uma com determinadas formas de trabalho. So

    estas condies socioeconmicas, ao longo da histria, que

    constituem a base sobre a qual se constroem determinadas for-

    mas de conscincia social (arte, filosofia, religio, cincia, direito,

    entre outras) e as instituies jurdico-polticas (Estado).

    Para os dois revolucionrios, estrutura social e o Estado

    nascem continuamente do processo vital de indivduos determi-

    nados; mas desses indivduos no tais como aparecem nas re-

    presentaes que fazem de si mesmos ou nas representaes

    que os outros fazem deles, mas na sua existncia real, isto , tais

    como trabalham e produzem materialmente; portanto, do modo

    como atual em bases, condies e limites materiais determinados

    e independentes de sua vontade. A produo das ideias, das re-

    presentaes e da conscincia est, a princpio, direta e intima-

    mente ligada atividade material e ao comrcio material dos ho-

    mens; ela a linguagem da vida real. As representaes, o pen-

    samento, o comrcio intelectual dos homens aparecem aqui ain-

    da como a emanao direta de seu comportamento material. O

    mesmo acontece com a produo intelectual tal como se apre-

    senta na linguagem da poltica, na das leis, da moral, da religio,

    da metafsica etc. de todo um povo. So os homens que produ-

    zem suas representaes, suas ideias etc., mas os homens re-

    ais, atuantes, tais como so condicionados por um determinado

    desenvolvimento de suas foras produtivas e das relaes que a

    elas correspondem, inclusive as mais amplas formas que estas

    podem tomar

  • A formao social tem como base um determinado modo de

    produo e de troca dominante. Isto significa que numa mesma

    formao social permanecem resqucios de relaes sociais an-

    teriores. Na sociedade burguesa, baseada na indstria e na ex-

    plorao do trabalho assalariado pelo capital, observa-se a per-

    manncia de relaes sociais pr-capitalistas, particularmente

    nos pases capitalistas mais atrasados. Entretanto, na sociedade

    burguesa, o modo de produo capitalista o dominante e tende

    mesmo a se expandir gradualmente, mercantilizando as relaes

    sociais e colocando-as sob o controle do capital.

    O modo de produo uma articulao de foras produti-

    vas (fora de trabalho, ferramentas, instalaes etc.) e relaes

    de produo (se expressam nas relaes de propriedade). As re-

    laes de produo podem desenvolver ou obstaculizar o avano

    das foras produtivas.

    Enquanto foi possvel expandir as relaes mercantis, sob a

    base da propriedade privada, as relaes de produo capitalis-

    tas incentivaram o desenvolvimento da cincia e da tcnica, apli-

    cando-as ao processo produtivo, aumentando a produtividade do

    trabalho, incrementando a quantidade e qualidade das mercado-

    rias, diminuindo o tempo de trabalho socialmente necessrio para

    produzi-las.

    Hoje, quando os mercados esto partilhados entre as po-

    tncias, o emprego limitado da tcnica na produo acompa-

    nhado do desemprego crnico e de crises de superproduo,

    quase permanentes e cada vez mais profundas. As relaes de

    produo capitalistas tornaram-se um estorvo ao desenvolvimen-

    to da cincia e da tcnica e a sua aplicabilidade para resolver os

    problemas da humanidade. Quando isto ocorre, diz Marx, abre-se

    uma poca de revoluo social.

    Desde o incio do sculo XX, vivenciamos revolues prole-

    trias em vrios pases, como foi o exemplo histrico da Revolu-

    o Russa de 1917 e de diversos outros processos revolucionri-

    os vitoriosos ou no. Esta concepo materialista da histria, de-

    senvolvida por Marx e Engels, a base segura para a compreen-

    so do passado e do presente, abrindo perspectivas para a luta

    por novas relaes sociais (socialismo).

    O perodo em que Marx e Engels desenvolverm mais

    exaustivamente o materialismo histrico ao mesmo tempo um

    momento de acerto de contas com outros socialistas como Jo-

    seph Proudhon e Weitling. Na Carta a Annenkov, Marx critica a

    obra de Proudhon, denominada Filosofia da Misria. o fim de

    uma simpatia que nutria por Proudhon, em particular por sua

    obra O Que a Propriedade?.

    Marx demonstra o carter reformista das teses de

    Proudhon, que sequer arranhavam as relaes de produo capi-

    talista, e, por conseqncia, seu apego aos ideais burgueses

    abstratos (liberdade, igualdade), transmutando-os para a sua

  • anlise da sociedade burguesa. Portanto, um momento de dife-

    renciao com as demais correntes filosfico-polticas do movi-

    mento operrio.

    V A MILITNCIA REVOLUCIONRIA E A CRTICA DA SOCIEDADE BURGUESA

    Finalmente, em 1847, Marx e Engels se integram Liga dos

    Justos, uma organizao que evolui para o comunismo e que se

    torna, por influncia de Marx, a Liga dos Comunistas, inscreven-

    do em seu estatuto a luta pelo fim da propriedade privada. Alm

    do trabalho na Liga dos Comunistas, Marx e Engels fundam uma

    Associao de Operrios em Bruxelas.

    Neste ano, Marx continua a sua crtica de maneira mais

    acabada s idias de Proudhon, numa obra denominada A Mis-

    ria da Filosofia, em oposio Filosofia da Misria. Mostra as fra-

    quezas das teorias de Proudhon e sua adaptao s relaes de

    produo burguesas. Como se disse mais acima, Proudhon havia

    se conduzido de uma postura inicialmente revolucionria para

    uma concepo reformista da transfoirmao social.

    O Proudhon de Filosofia da Misria, que Marx tanto admira-

    va, j se encontrava muito distante daquele de O que a proprie-

    dade?. Enquanto o primeiro criticava ardorosamente a proprieda-

    de privada, a explorao da fora de trabalho e os males sociais

    do capitalismo, o segundo esboo um programa reformista e

    adaptado pequena burguesia, defendendo idias como o Ban-

    co Popular, que, segundo supunha, daria crdito sem juros aos

  • trabalhadores. Ainda em 1849, a experincia de fundao de um

    Banco Popular por Proudhon findaria fracassada.

    Marx antecipa o fracasso das teorias reformista de

    Proudhon em seu livro de polmica com o pensador francs, mas

    aproveita a ocasio para expor de uma forma mais penetrante a

    teoria materialista da histria, a partir de uma anlise dos tericos

    da economia, consolidando, numa sntese concreta do desenvol-

    vimento econmico-social, as aquisies tericas anteriores.11

    Ainda em 1847, Marx e Engels foram encarregados no pri-

    meiro Congresso da Liga dos Comunistas de redigir um manifes-

    to sobre o programa e as idias da organizao comunista. En-

    gels elabora um documento em forma de perguntas e respostas

    intitulado Princpios do Comunismo.

    Com base nele, Marx e Engels escrevem o Manifesto do

    Partido Comunista, por ocasio do caldeiro da luta de classes

    na Europa. O texto s foi publicado em fevereiro de 1848, quan-

    do explodiu a Revoluo de 1848. Na Frana, por fora dos

    acontecimentos revolucionrios, a monarquia foi derrubada e pro-

    clamada a Repblica.

    Os operrios demonstraram a fora e o vigor apresentando

    suas prprias reivindicaes, diferenciando-se claramente da

    11Os textos podem ser encontrados, em parte, no site: www.marxists.org. H publicao em portugus: MARX, Karl. A Misria da Filosofia. So Paulo: Cen-tauro, 2003.

    burguesia. A classe dominante reagiu luta operria com repres-

    so, processos, exlios e expurgos. Expulso de Bruxelas, Marx

    retorna a Paris e em seguida Alemanha, organizando, com En-

    gels, em Colnia, a revista Neue Rheinische Zeitung. Participam

    ativamente das lutas polticas, dirigindo a associao operria de

    Colnia e a resistncia operria em Elberfeld.

    O Manifesto Comunista de 1848 um marco na histria do

    pensamento da humanidade, constituindo uma sntese do desen-

    volvimento histrico da sociedade burguesa e de suas contradi-

    es. Expressa o contexto revolucionria da poca em que foi

    produzido, antecipa as tendncias polticas do movimento socia-

    lista e assenta o programa dos comunistas no movimento oper-

    rio.

    Logo na comeo do documento, nossos autores argumen-

    tam: Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo.

    Todas as potncias da velha Europa unem-se numa Santa Alian-

    a para conjur-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radi-

    cais da Frana e os policiais da Alemanha. A averso s idias

    comunistas era uma prova clara de que: 1: O comunismo j

    reconhecido como fora por todas as potncias da Europa; 2:

    tempo de os comunistas exporem, abertamente, ao mundo intei-

    ro, seu modo de ver, seus objetivos e suas tendncias, opondo

    um manifesto do prprio partido lenda do espectro do comunis-

    mo.

  • Porm, os fundadores do marxismo no apenas sintetizam

    o programa proletrio. O Manifesto Comunista mostra que todas

    as formaes econmico-sociais, com exceo das sociedades

    comunistas primitivas, foram marcadas pela diviso em classes

    sociais e, portanto, pela luta de classes em torno dos seus inte-

    resses materiais. Da sociedade escravista antiga, passando pe-

    las sociedades feudais at a sociedade capitalista atual, a classe

    dominante procurou manter o seu poder na base da explorao

    da fora de trabalho e na apropriao do excedente econmico

    produzido pelos trabalhadores, com os recursos existes, em par-

    ticular o Estado e as suas instituies.

    Como nas sociedades classistas anteriores, a sociedade

    capitalista marcada pela diviso em classes sociais distintas e

    antagnicas: sociedade burguesa moderna, que brotou das ru-

    nas da sociedade feudal, no aboliu os antagonismos de classe.

    No fez mais do que estabelecer novas classes, novas condies

    de opresso, novas formas de luta em lugar das que existiram no

    passado.

    O capitalismo foi, entre todas as formaes econmico-soci-

    ais anteriores, o que mais desenvolveu as foras produtivas (a

    tcnica e a organizao do trabalho), com o processo de industri-

    alizao e exapanso do comrcio em escala mundial. Durante

    sculos, as relaes de produo burguesas, fundadas na propri-

    edade privada dos meios de produo, garantiu o livre desenvol-

    vimento das foras produtivas e a internacionalizao da forma

    mercantil.

    A burguesia criou, como dizem Marx e Engels, o seu prprio

    coveiro. No s criou foras produtivas para alm das condies

    de absoro dos mercados, como as foras produtivas constitu-

    das pela indstria moderna se chocam profundamente com as re-

    laes de produo baseadas na propriedade privada.

    Como dizem, A sociedade burguesa, com suas relaes de

    produo e de troca, o regime burgus de propriedade, a socie-

    dade burguesa moderna, que conjurou gigantecos meios de pro-

    duo e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que j no pode

    controlar os poderes infernais que invocou. H dezenas de anos,

    a histria da indstria e do comrcio no seno a histria da re-

    volta das foras produtivas modernas contra as modernas rela-

    es de produo, contra as relaes de propriedade que condi-

    cionam a existncia da burguesia e seu domnio. Basta mencio-

    nar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ame-

    aam cada vez mais a existncia da sociedade burguesa. Cada

    crise, destri regularmente no s uma grande massa de produ-

    tos fabricados, mas tambm uma grande parte das prprias for-

    as produtivas j criadas.

    O resultado so as crises constantes e peridicas de produ-

    o, previstas por Marx e Engels no Manifesto, que acumularam

    ao longo do sculo XIX, e mais particulamente no sculo XX, os

  • elementos de uma crise maior, a chamada crise estrutural do ca-

    pitalismo, como ocorre na atualidade.

    Para minimizar os efeitos catastrficos da crise capitalista,

    tendo em vista que no podem super-las definitivamente, a bur-

    guesia, mostraram Marx e Engels, no s destri foras produti-

    vas excedentes, como explora ainda mais os mercados em dis-

    puta e a classe operria. No sculo XX, alis, a burguesia no

    exitou em destruir conquistas histricas dos trabalhadores e, se

    falharem os intrumentos anteriores, provocar guerra regionais e

    mundiais.

    Fazendo uma anlise histrica do capitalismo, Marx e En-

    gels mostram que o comunismo no uma utopia ou um ideal

    puramente moral, como acreditavam os socialistas anteriores,

    mas uma possibilidade aberta pelo desenvolvimento da socieda-

    de burguesa atual, com o processo de industrializao, a articula-

    o da economia mundial, o desenvolvimento da cincia e da

    tcnica e o surgimento do proletariado, classe que produz a ri-

    queza social, apropriada pelo capital sob a forma da mais-valia,

    que vive inteiramente de seu prprio trabalho e que no tem, por-

    tanto, interesse em manter a sua explorao social.

    Entretanto, a emancipao do proletariado deve ser realiza-

    da pelo prprio proletariado. Marx e Engels deixam patente a ne-

    cessidade de organizao poltica do proletariado em um partido

    de novo tipo, capaz de levar at as ltimas conseqncias o pro-

    cesso de transformao social.

    Afirmam nossos auotores: A burguesia, porm, no se limi-

    tou a forjar as armas lhe traro a morte; produziu tambm os ho-

    mens que empunharo essas armas os operrios modernos, os

    proletrios. Com o desenvolvimento da burguesia, isto , do capi-

    tal, desenvolve-se tambm o proletariado, a classe dos oprrios

    modernos, os quais s vivem enquanto tm trabalho e s tm tra-

    balho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esse operrios,

    constrangidos a vender-se a retalho, so mercadoria, artigo de

    comrcio como qualquer outro; em consequncia, esto sujeitos

    a todas as vicissitudes da concorrncia, atodas as flutuaes do

    mercado.

    O manifesto uma obra, que, ainda hoje, representa uma

    fonte para os revolucionrios, que lutam pela superao do capi-

    talismo e a construo de uma sociedade socialista. Foi publica-

    do em diversos idiomas.12

    No perodo seguinte, dcada de 1850, marcado pela derrota

    das lutas operrias e pela avassaladora contra-revoluo burgue-

    sa na Europa, os revolucionrios dos diversos pases sofreram

    perseguio, represso e condenaes da justia burguesa.

    Marx e Engels, por exemplo, so processados pela justia alem 12Em portugus ver: MARX, Karl. O Manifesto Comunista. So Paulo: Boitem-po, 2002.

  • por criticar as autoridades e participar da resistncia poltica. So

    absolvidos no processo judicial de Colnia.

    So desse perodo as seguintes obras conjuntas ou indivi-

    duais de Marx e Engels:Trabalho Assalariado e Capital

    (1849); As Lutas de Classes na Frana de 1848 a 1850 (1850);

    18 Brumrio de Lus Bonaparte (1852); Mensagem do Comit

    Central Liga dos Comunistas (1850); Carta a Joseph Weyde-

    meyer (1852); Revoluo e Contra-Revoluo na Alemanha

    (1852); O Recente Julgamento de Colnia (1852).13

    Trabalho Assalariado e Capital foi produto de conferncias

    de Marx aos operrios, sendo que nele se faz uma anlise das

    relaes entre capital e trabalho no capitalismo. Na Mensagem

    do Comit Central Liga dos Comunistas, Marx expe o carter

    permanente da revoluo socialista e alerta para o fato dos ope-

    rrios manterem a vigilncia frente a burguesia e a pequena-bur-

    guesia, assegurando a sua independncia de classe em todas as

    situaes, no deixando que a revoluo se esgote nas tarefas

    democrticas.

    Os escritos do perodo de 1849 a 1852, particularmente As

    Lutas de Classes na Frana e O 18 Brumrio traam um quadro

    histrico dos acontecimentos revolucionrios, dos quais Marx e 13 Os textos podem ser encontrados em: www.marxists.org. Tambm h as seguintes publicaes: MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. So Paulo: Global, 1987; MARX, Karl. As lutas de classes na Frana: 1848-1850. So Paulo: Global, 1986; MARX, Karl. O 18 Brumrio de e Cartas a Kugelmann. So Paulo: Paz e Terra, 1977.

    Engels tiraram importantes concluses histricas sobre o carter

    contra-revolucionrio da burguesia nos acontecimentos de 1848

    em diante, o papel do operariado como classe revolucionria e a

    luta de classes como motor dos fatos histricos.

  • VI O EXLIO EM LONDRES E A PUBLICAO DA OBRA MAGNA

    Marx continua suas atividades revolucionrias em Londres,

    onde passa a morar com a famlia, depois da derrota dos proces-

    sos revolucionrios de 1848 e do desencadeamento da contra-re-

    voluo burguesa em toda a Europa, de modo que, como revolu-

    cionrio, colabora no apoio aos emigrados, reforando a luta dos

    operrios e de suas organizaes. Passando por muitas priva-

    es financeiras, encontra apoio no amigo Engels.

    Durante um longo perodo, com a sade agravada, Marx

    afasta-se temporariamente dos estudos de economia poltica,

    que s retomar progressivamente. Escreve para os peridicos

    New York Daily Tribune, Peoples`s Paper e Neue Oder-Zeitung,

    sobre diversos temas e fatos da poca, tais como A Guerra da

    Crimia, Revoluo Espanhola, a dominao britnica da ndia,

    China, Guerra Anglo-Persa e um ensaio sobre Smon Bolvar.

    Foram escritos nesta fase: A Dominao Britnica na ndia

    (1853); A Companhia das ndias Orientais (1853); A Revoluo

    na China e na Europa (1853); Os Resultados Eventuais da Domi-

    nao Britnica na ndia (1853); A Guerra Anglo-Persa (1856); A

    Guerra contra a Prsia (1857); Cartas a Friedrich Engels (1856),

    Simon Bolvar (1858) e, particularmente, os Grundrisse (1857-

    1858). 14

    Com o retorno aos estudos econmicos, Marx escreve entre

    1857 e 1858 volumosos manuscritos preparatrios s suas obras

    posteriores de economia, que passaram a ser conhecidos

    como Grundrisse (fundamentos para a crtica da economia polti-

    ca), publicados pelo Instituto Marx-Engels de Moscou, em 1939-

    1941.

    Esse manuscrito, realamos, no publicado em vida por se

    tratar de apontamentos sobre seus estudos, teve uma grande in-

    fluncia nos debates marxistas no sculo XX e continuam a des-

    pertar a ateno de muitos estudiosos. De qualquer forma, um

    texto fabuloso, que deve ser estudado por todos os marxistas,

    porque ele nos d um quadro de como Marx desenvolvia suas

    pesquisas. uma fonte valiosa para a questo do mtodo.15

    Marx trabalhou resolutamente para a publicao de sua pri-

    meira grande obra econmica, Para a Crtica da Economia Polti-

    ca (1859).16 Acumulou longos anos de estudo, desde a dcada

    14Os textos podem ser encontrados em www.marxists.org.15Uma parte do manuscrito, sobre as sociedades pr-capitalistas, foi publicada em portugus: MARX, Karl. Formaes econmicas pr-Capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. O texto completo foi pubicado recentemente em portugus: MARX, Karl. Grundrisse. So Paulo, Boitempo, 2011. Os demais textos em:www.marxists.org.16O texto pode ser encontrado em: www.marxists.org. Publicao em portu-gus: MARX, Karl. Para a Crtica da Economia Poltica. So Paulo: Abril Cultu-ral, 1982.

  • de 1840, quando iniciou as primeiras leituras dos economistas

    clssicos. A obra to esperada foi adiada por vrios anos, at

    que finalmente veio a lume. Numa linguagem rebuscada e difcil,

    a obra se tornou um fracasso editorial. Poucos compreenderam a

    complexa anlise empreendida pelo gigante Marx.

    Os contornos fundamentais de sua teoria econmica esta-

    vam sedimentados, como o estudo da clula da sociedade capi-

    talista, a mercadoria, e do dinheiro. Trata-se de uma obra mpar

    na histria da economia, mas pouco lida pelos prprios marxis-

    tas. Junto com os estudos econmicos, Marx d continuidade

    elaborao de artigos sobre problemas da conjuntura da poca

    para o New York Daily Tribune e Das Volk.

    Entretanto, o primeiro livro de O Capital, a obra magna de

    Marx, s veio a lume em 1867.17 A partir da anlise da forma

    mercadoria, que, como falamos, a clula mais simples da

    sociedade burguesa, Marx realiza uma anlise profunda da

    organizao capitalista e de suas contradies scio-

    econmicas.

    Para ele, o trabalho a relao metablica do homem com

    a natureza, a partir do qual se extraem os meios de produo e

    17No Brasil, a obra foi publicada integralmente em: MARX, Karl. O Capital: crtica da economia poltica. So Paulo: Civilizao Brasileira, 2002; MARX, Karl. O Capital. So Paulo: Nova Abril Cultural, col. Os Economistas, 1982.

    os meios de subsistncia, indispensveis existncia social.

    Portanto, a fora de trabalho produz, em seu intercmbio com a

    natureza, desde as sociedades mais simples s mais complexas,

    o contedo material da riqueza social.

    Desde que surgiram as sociedades classistas, a fora de

    trabalho explorada pela classe dominante. Na sociedade

    escravista antiga, os escravos eram explorados pelos ricos

    proprietrios de terra. No feudalismo, os camponeses eram

    submetidos ao trabalho servil. Sob o capitalismo, o trabalho

    assalariado explorado pela burguesia.

    O trabalho toma, portanto, determinaes histricas,

    dependendo da formao social em anlise. Mas nenhuma delas

    pode existir sem trabalho, sem a relao com a natureza, sem a

    produo da riqueza social.

    A teoria do valor-trabalho a base a partir da qual Marx

    analisa a sociedade burguesa e desenvolve suas idias

    econmicas. Esta teoria foi desenvolvida inicialmente pelos

    economistas clssicos, em particular por Adam Smith e David

    Ricardo, em quem Marx tanto se inspirou para aprofundar a sua

    anlise da sociedade capitalista e a crtica da prpria economia

    poltica burguesa.

    Em O Capital, diz Marx, a mercadoria a clula da

    sociedade burguesa, e esta constitui uma coleo de

  • mercadorias. A mercadoria, por sua vez, um objeto externo,

    uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades

    humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham

    do estmago ou da fantasia.

    Segundo o autor, A riqueza das sociedades onde rege a

    produo capitalista configura-se em imensa acumulao de

    mercadorias, e a mercadoria, isoladamente considerada, a

    forma elementar dessa riqueza. Por isso, nossa investigao

    comea com a anlise da mercadoria. Com a expanso das

    relaes capitalistas em todo o mundo, mercantilizam-se as

    relaes sociais. Diversas coisas e relaes passam a ser

    exploradas pelo capital.

    Na parte sobre a acumulao primitiva do capital, Marx

    analisa como foram constitudas as pr-condies para a

    sedimentao do capitalismo, atravs da transformao dos

    trabalhadores em assalariados, de modo que a classe dominante

    os expropriou de qualquer meio de produo, e a acumulao de

    capital, por meio da explorao colonial, da expropriao de

    bens da igreja, da espoliao de camponeses e artesos, entre

    outros. Coube aos governos e Estados imporem o trabalho

    assalariado como forma dominante atravs de leis de

    assalariamento, as chamadas leis sanguinrias, com penas para

    os que no se sujeitavam a elas.

    Estudadas as pr-condies para a sociedade capitalista,

    Marx estuda como se d a relao entre capital e trabalho no

    processo de produo. Atravs da explorao da fora de

    trabalho pelo capital, os trabalhadores engendram a riqueza

    social, apropriada de forma privada pela burguesia.

    Na sociedade burguesa, o trabalhador trabalha sob o

    controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O

    capitalista cuida em que o trabalho se realize de maneira

    apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de

    rpoduo, no se desperdiando matria-prima e poupando-se o

    instrumental de trabalho, de modo que s se gaste deles o que

    for imprescindvel execuo do trabalho.

    Porm, o produto propriedade do capitalista, no do

    produtor imediato, o trabalhador. O capitalista paga, por

    exemplo, o valor dirio da fora de trabalho. Sua utilizao, como

    de qualquer outra mercadoria por exemplo, a de um cavalo que

    alugou por um dia -, pertence-lhe durante o dia. Ao comprador

    pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da fora de

    trabalho, apenas cede realmente o valor-de-uso que vendeu, ao

    ceder seu trabalho. Ao penetrar o trabalhador na oficina do

    capitalista, pertence a este o valor-de-uso da sua fora de

    trabalho, sua utilizao, o trabalho. O capitalista compra a fora

    de trabalho e incorpora o trabalho, fermento vivo, aos elementos

    mortos constitutivos do produto, os quais tambm lhes

    pertencem. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho

  • apenas o consumo da mercadoria que comprou, a fora de

    trabalho, que s pode consumir adicionando-lhe meios de

    produo. O processo de trabalho um processo que ocorre

    entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe

    pertencem. O produto desse processo pertence-lhe do mesmo

    modo que o produto do processo de fermentao em sua

    adega.

    Sob a aparncia de uma igualdade jurdico-formal, expressa

    no contrato de trabalho, o capital adquire a mercadoria fora de

    trabalho no mercado, colocando-a a seu servio durante uma

    certa jornada de trabalho. Pela utilizao da fora de trabalho, o

    capitalista paga o preo desta mercadoria, ou seja, o salrio,

    que, no limite, constitudo pela quantidade de trabalho

    socialmente necessrio para a reproduo da fora de trabalho e

    de sua famlia. evidente que o preo, que varia para cima e

    para baixo do valor da fora de trabalho depende da oferta e da

    procura, mas sofre tambm os condicionamentos histrico-

    sociais da luta de classes.

    Marx continua: durante uma parte da jornada (necessria),

    produz-se o salrio pago ao trabalhador. Na outra parte

    (excedente) o trabalhador produz a riqueza a mais, no paga, o

    excedente econmico, apropriado sob a forma de mais-valia pelo

    capitalista. Portanto, a mais-valia constituda na produo

    social, enquanto a sua realizao, a sua transformao em

    capital-dinheiro, depende do comrcio, da circulao.

    Estava desvendado o segredo da produo capitalista, da

    riqueza social e da acumulao de capital. A riqueza do

    capitalista no produto de sua natural capacidade de negociar,

    como defendiam tericos burgueses anteriores a Marx, nem da

    proteo divina, como imaginavam outros, mas da explorao da

    fora de trabalho assalariada na base da propriedade privada

    dos meios de produo.

    Marx analisa na parte sobre A lei geral da acumulao

    capitalista, a tendncia do capitalismo de produzir, de um lado,

    uma imensa riqueza, acumulada pela burguesia, e, de outro,

    uma enorme misria, vivenciada cotidianamente pelos

    trabalhadores. A pauperizao relativa das massas uma

    tendncia geral do desenvolvimento capitalista, tendo em vista a

    desproporo crescente entre o que o trabalhador recebe, em

    salrios, e o que o capitalista acumula, em capitais.

    A concorrncia entre os capitalistas leva-os a inovar

    permanentemente, introduzindo a tcnica mais moderna no

    processo de produo (capital constante), tendo em vista a

    produo de mais mercadorias, a um preo menor. Portanto,

    inovam para reduzir o tempo socialmente necessrio para a

    produo das mercadorias e ganhar a concorrncia com seus

    pares.

    Na concorrncia acirrada, ocorre a centralizao e a

    concentrao do capital entre cada vez menos capitalistas,

  • formando-se grandes monoplios. A mudana na composio

    orgnica do capital (aumento do capital investido em maquinaria)

    leva tendncia a queda da taxa de lucro, com a reduo do

    capital varivel, investido em salrios. A cincia e a tcnica se

    tornam, nas condies de aplicao burguesa, instrumentos de

    opresso dos capitalistas sobre os trabalhadores, incrementando

    o desemprego, que, no sculo XX, acompanhando as

    contradies analisadas por Marx, se faz cada vez mais

    estrutural, crnico.

    Ao contrrio dos economistas burgueses que defendiam um

    suposto equilbrio permanente do mercado e desprezam a

    importncia das crises, Marx demonstrou o carter cclico da

    economia capitalista. O capitalismo desenvolve contradies

    internas, que, periodicamente, levam-no a crises cada vez mais

    profundas. So as leis histricas da sociedade burguesa,

    estudadas em O Capital e desenvolvidas posteriormente por

    outros tericos marxistas, particularmente quanto aos

    monoplios, previstos em suas tendncias por Marx.

    Como ficou evidenciado ao longo do sculo XX, o

    capitalismo no cai de podre, por mais desagregadoras que

    sejam as suas contradies, que levam a humanidade a guerras,

    destruio de foras produtivas, misria, ao desemprego e

    fome. No mximo, ao desenvolver as suas contradies sociais,

    arrasta a humanidade para a barbrie, mas descarrega sobre os

    trabalhadores os efeitos nefastos das crises econmicas.

    o que percebemos na atual crise econmico-financeira,

    iniciada nos EUA e expandida para a Europa, Amrica Latina,

    sia e frica. Para quem achava que Marx estava morto e o

    capitalismo triunfante, surpreendeu-se com o estouro da crise e a

    profunda atualidade da teoria marxista.

    Por fim, preciso dizer que os livros II e III, de O Capital,

    foram publicados por Engels, respectivamente, em 1885 e 1894.

    O livro IV, tambm conhecido como Teorias da mais-valia, foi

    publicado por Karl Kautsky, em 1905 e 1910. H tambm um

    escrito intitulado O Captulo VI Indito de O Capital, que deveria

    se constituir o sexto captulo do primeiro livro, segundo indicao

    de Marx, mas no chegou a ser publicado junto com o Livro I.

    Somente em 1933 seria publicado em Moscou.

  • VII A FUNDAO DA PRIMEIRA INTERNACIONAL

    O movimento operrio renasce na dcada de 1860 na

    Europa, depois da contrarrevoluo da dcada de 1950.

    Envolvido nas lutas polticas, Marx inicia a redao de O Capital

    em 1863, ao tempo em que escreve inmeros textos importantes

    de economia. Marx continua redigindo O Capital, concluindo sua

    redao em 1866.

    So desse perodo os textos: Mensagem Inaugural da

    Associao Internacional dos Trabalhadores (1864); Salrio,

    Preo e Lucro (1865); Maquinaria e Trabalho Vivo (Os efeitos da

    Mecanizao sobre o Trabalhador)(1863); Produtividade do

    Capital, Trabalho Produtivo e Improdutivo (1863); Trabalho e

    Tecnologia (Manuscritos de 1861-1863); Carta a J. B. Von

    Schweitzer (Sobre Proudhon - 1865); Carta a Engels (1866) e

    Instrues para os Delegados do Conselho Geral Provisrio: as

    diferentes questes (1866).18

    Do ponto de vista de sua teoria econmica, em 1865, Marx

    pronunciou um discurso no Conselho Geral da Associao

    Internacional dos Trabalhadores, que deu origem ao livro Salrio,

    Preo e Lucro, uma obra em que Marx, de forma clara e em

    18Os textos podem ser lidos em: www.marxists.org. Publicaes em portugus: MARX, Karl. Salrio, Preo e Lucro. So Paulo: Global, 1981.

    linguagem simples, desenvolve a sua teoria econmica e conclui

    com as seguintes palavras de ordem: Em vez do lema

    conservador de: um salrio justo por uma jornada de trabalho

    justa!, dever inscrever na sua bandeira esta divisa

    revolucionria: Abolio do sistema de trabalho assalariado!". .

    Engels participa juntamente com Marx do grande

    empreendimento de unir as lutas e esforos do proletariado

    numa organizao internacional. Em 28 de setembro de 1864,

    fundada a Associao Internacional dos Trabalhadores, em

    Londres, Inglaterra, conhecida posteriormente como Primeira

    Internacional.

    Na Mensagem Inaugural, Marx diz: Conquistar o poder

    poltico tornou-se, portanto, o grande dever das classes

    operrias e finaliza afirmando: Proletrios de todos os pases,

    uni-vos!. Seu primeiro Congresso ocorreu em Genebra, Sua,

    em 1866.

    Durante a sua existncia, a Internacional realizou cinco

    Congressos, em Genebra (1866), Lousane (1867), Bruxelas

    (1868), Basilia (1869) e Haia (1872). Neste ltimo, ocorreu o

    embate com Bakunin e seus adeptos, causando uma ciso na

    Internacional e a transferncia de sua sede para Nova York.

    Apesar dos esforos de Marx e Engels, a Internacional era,

    de fato, uma federao de organizaes nacionais e grupos

  • polticos de vrios pases, inclusive composta por adeptos de

    Bakunin, Proudhon, Mazzini e Lassalle. As divergncias no

    interior da internacional se tornaram antagnicas, tendo em vista

    as profundas diferenas de pressupostos e concepes entre

    marxistas e anarquistas, particularmente quanto ao Estado, a

    transio ao socialismo, o partido poltico e as formas de

    organizao do proletariado.

    Alm disso, um fato tornou-se a pedra de toque da Primeira

    Internacional e selou o seu destino: a Comuna de Paris. A

    Guerra Franco-Prussiana levou derrota, humilhao e runa da

    Frana. Sobre os escombros da guerra, o proletariado se

    levantou em Paris, em 1871, e tomou o poder. Tal

    acontecimento, de dimenses histricas internacionais, ficou

    conhecido como A Comuna de Paris. Para Marx, a Comuna era

    essencialmente um governo da classe operria, o produto da

    luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma poltica,

    finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipao

    econmica do trabalho.

    Marx destacou que a Comuna de Paris, A Comuna foi

    formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrgio

    universal nos vrios bairros da cidade, responsveis e revogveis

    em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram

    naturalmente operrios ou representantes reconhecidos da

    classe operria. A Comuna havia de ser no um corpo

    parlamentar mas operante, executivo e legislativo ao mesmo

    tempo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo

    central, a polcia foi logo despojada dos seus atributos polticos e

    transformada no instrumento da Comuna, responsvel e

    revogvel em qualquer momento. O mesmo aconteceu com os

    funcionrios de todos os outros ramos da administrao. Desde

    os membros da Comuna para baixo, o servio pblico tinha de

    ser feito em troca de salrios de operrios. Os direitos adquiridos

    e os subsdios de representao dos altos dignitrios do Estado

    desapareceram com os prprios dignitrios do Estado. As

    funes pblicas deixaram de ser a propriedade privada dos

    testas-de-ferro do governo central. No s a administrao

    municipal mas toda a iniciativa at ento exercida pelo Estado

    foram entregues nas mos da Comuna.

    Tomadas essas medidas, inclusive a separao entre o

    governo e a influncia da Igreja, continua Marx, Todas as

    instituies de educao foram abertas ao povo gratuitamente e

    ao mesmo tempo desembaraadas de toda a interferncia de

    Igreja e Estado. Assim, no apenas a educao foi tornada

    acessvel a todos mas a prpria cincia liberta das grilhetas que

    os preconceitos de classe e a fora governamental lhe tinham

    imposto.

  • Marx aponta que Os funcionrios judiciais haviam de ser

    despojados daquela falsa independncia que s tinha servido

    para mascarar a sua abjeta subservincia a todos os governos

    sucessivos, aos quais, um aps outro, eles tinham prestado e

    quebrado juramento de fidelidade. Tal como os restantes

    servidores pblicos, magistrados e juizes haviam de ser eletivos,

    responsveis e revogveis.

    Para tanto, a grande medida social da Comuna foi a sua

    prpria existncia atuante. As suas medidas especiais no

    podiam seno denotar a tendncia de um governo do povo pelo

    povo. Tais foram a abolio do trabalho noturno dos oficiais de

    padaria; a proibio, com penalizao, da prtica dos patres

    que consistia em reduzir salrios cobrando multas a gente que

    trabalha para eles, sob variados pretextos um processo que o

    patro combina na sua prpria pessoa os papis de legislador,

    de juiz e de executor, e surrupia o dinheiro para o bolso. Outra

    medida desta espcie foi a entrega a associaes de operrios,

    sob reserva de compensao, de todas as oficinas e fbricas

    fechadas, quer os capitalistas respectivos tivessem fugido quer

    tivessem preferido parar o trabalho.

    Apesar do pouco tempo em que os operrios

    permaneceram no poder, pouco mais de dois meses, a Comuna

    representou uma experincia monumental para a luta proletria

    internacional, fornecendo as bases reais para a elaborao por

    Marx da obra A Guerra Civil na Frana, de 1871, na qual analisa

    a experincia da Comuna, tirando concluses histricas sobre a

    questo do Estado, da transio socialista, do papel do

    proletariado revolucionrio e da direo poltica.

    No mbito da Associao Internacionao dos

    Trabalhadores e das lutas polticas com as demais tendncias

    em seu interior e fora dela, podemos citar os seguintes textos: A

    Guerra Civil na Frana (1871); Artigo de Engels sobre O Capital

    de Marx (1868); Mensagem Unio Operria Nacional dos

    Estados unidos (1869); Sobre o Direito de Herana em Face dos

    Contratos e da Propriedade Privada (1869); Extrato de uma

    Participao Confidencial (1870); Sobre a Comuna (Marx e

    Engels 1871); Estatutos Gerais da Associao Internacional

    dos Trabalhadores (1871); Das Resolues do Congresso Geral

    Realizado em Haia (1872).19

    A experincia transformada em teoria a partir do evento da

    Comuna de Paris de 1871 e da prpria organizao e atuao da

    Associao Internacional dos Trabalhadores, a Primeira

    Internacional, foi fundamental para os revolucionrios da

    Segunda e Terceira Internacionais e para a militncia socialista

    nas diversas situaes revolucionrias do sculo XX.

    19Os textos podem ser encontrados em: www.marxists.org. Publicado em portugus: MARX, Karl. A Guerra Civil na Frana. So Paulo: Global, 1986.

  • Lnin e Trotsky se amparam nas anlises de Marx sobre a

    Comuna para produzir textos axiais para a luta socialista e para a

    compreenso dos problemas da transio do capitalismo ao

    socialismo. Essas anlises em conjunto devem ser estudadas e

    compreendidas pela militncia socialista da atualidade.

    VIII A MORTE DE MARX E A ATIVIDADE CENTFICA DE ENGELS

    No perodo que vai do incio dos anos 1870 at 1883, Marx

    se encontra com a sade abalada. No consegue mais se

    dedicar com a mesma fora e ritmo com que se atirou

    anteriormente causa do proletariado e produo terica.

    Ainda consegue foras para intervir nos debates no Partido

    Social-Democrata Alemo, realizando uma crtica mordaz ao seu

    programa, que fazia concesses ao reformismo para justificar

    alianas com setores do movimento operrio, como os

    lassallianos. Para tanto, redige a Crtica do Programa de Gotha

    (1875) e a Carta a W. Bracke (1875) em que expe suas

    crticas.20

    Nessa poca, Marx manifesta interesse sobre o movimento

    revolucionrio russo e as formas de propriedades existentes no

    pas, como a comuna camponesa (o Mir). Engels, por sua vez,

    escreve vrias obras importantes neste perodo, procurando

    estender a anlise marxista a domnios vastos, dando grandes

    contribuies teoria marxista na compreenso de vrias

    temticas.

    Deste perodo, pode-se citar entre outras obras de

    Engels: Sobre o Problema da Autoridade (1873); O Papel do

    20Os textos se encontam em: MARX, Karl. Crtica do programa de Gotha. So Paulo: Boitempo, 2012.

  • Trabalho na Transformao do Macaco em Homem (1876); Anti-

    Dhring (1877-1878); Dialtica da Natureza (1878-1882);

    Discurso diante da Sepultura de Marx (1883).21

    Karl Marx morre em Londres, em 14 de maro de 1883. Em

    seu discurso diante da sepultura de Marx, Engels disse: Pois

    Marx era antes de tudo revolucionrio. Contribuir, de um ou outro

    modo, com a queda da sociedade capitalista e de suas

    instituies estatais, contribuir com a emancipao do moderno

    proletariado, que primeiramente devia tomar conscincia de sua

    posio e de seus anseios, conscincia das condies de sua

    emancipao essa era sua verdadeira misso em vida.

    Na dcada seguinte, alm de continuar a atividade de

    organizao e publicao dos Livros II e III de O Capital, de

    Marx, Engels elabora obras formidveis como A Origem da

    Famlia, da Propriedade Privada e do Estado (1884);

    Contribuio Histria da Liga dos Comunistas (1885) Ludwig

    Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem (1886); O Papel da

    Violncia na Histria (1887-1888). 22

    21Existem as seguintes publicaes: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. So Paulo, Alfa-mega, 1980; MARX, Karl. Dialtica da natureza. Lisboa: Editorial Presena, 1974; MARX, Karl. A dialtica da natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979; ENGELS, Friedrich. Anti-Dhring. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. Os textos podem ser lidos em: www.marxists.org.

    22 Parte dos textos podem ser obtidos em: www.marxists.org. Os textos foram publicados tambm em: ENGELS, Friedrich. A Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro: bertrand Brasil, 1991; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. Rio de Janeiro: Vitria, 1963.

    Em 5 de agosto de 1995, falecia o principal amigo de Karl

    Marx e um dos maiores gnios produzidos pela humanidade:

    Friedrich Engels. Deixou de existir um homem que soube

    produzir cincia e atuar entusiasticamente na organizao das

    massas proletrias.

    Junto com Marx, assimilou criticamente tudo de bom que foi

    produzido pela humanidade e contribuiu decisivamente para a

    compreenso da histria dos homens e da sociedade capitalista.

    Por fim, Marx e Engels dedicaram toda a sua vida luta contra a

    explorao social sem conformismos ou adaptaes. Com suas

    vidas e sua obra, representam o cume a que chegou o

    pensamento histrico-social no sculo XIX e a abertura para

    novos conhecimentos na cincia social no sculo XX at os

    nossos dias.

    Na a toa, Lnin sintetizou a importncia de Engels da

    seguinte maneira: Engels foi o mais notvel sbio e mestre do

    proletariado contemporneo em todo o mundo civilizado. Desde o

    dia em que o destino juntou Karl Marx e Friedrich Engels, a obra

    a que os dois amigos consagraram toda a sua vida converteu-se

    numa obra comum. Assim, para compreender o que Friedrich

    Engels fez pelo proletariado, necessrio ter-se uma ideia

    precisa do papel desempenhado pela doutrina e atividade de

    Marx no desenvolvimento do movimento operrio

  • contemporneo. Marx e Engels foram os primeiros a demonstrar

    que a classe operria e as suas reivindicaes so um produto

    necessrio do regime econmico atual que, juntamente com a

    burguesia, cria e organiza inevitavelmente o proletariado;

    demonstraram que no so as tentativas bem intencionadas dos

    homens de corao generoso que libertaro a humanidade dos

    males que hoje a esmagam, mas a luta de classe do proletariado

    organizado. Marx e Engels foram os primeiros a explicar, nas

    suas obras cientficas, que o socialismo no uma inveno de

    sonhadores, mas o objectivo final e o resultado necessrio do

    desenvolvimento das foras produtivas da sociedade atual. Toda

    a histria escrita at aos nossos dias a histria da luta de

    classes, a sucesso no domnio e nas vitrias de umas classes

    sociais sobre outras. E este estado de coisas continuar

    enquanto no tiverem desaparecido as bases da luta de classes

    e do domnio de classe: a propriedade privada e a produo

    social anrquica. Os interesses do proletariado exigem a

    destruio destas bases, contra as quais deve, pois, ser

    orientada a luta de classe consciente dos operrios organizados.

    E toda a luta de classe uma luta poltica.

    Neste sentido, destaca Lnin, Todo o proletariado que luta

    pela sua emancipao tornou hoje suas estas concepes

    de Marx e Engels; mas nos anos 40, quando os dois amigos

    comearam a colaborar em publicaes socialistas e a participar

    nos movimentos sociais da sua poca, eram inteiramente novas.

    Ento, eram numerosos os homens de talento e outros sem

    talento, honestos ou desonestos, que, no ardor da luta pela

    liberdade poltica, contra a arbitrariedade dos reis, da polcia e do

    clero, no viam a oposio dos interesses da burguesia e do

    proletariado. No admitiam sequer a ideia de os operrios

    poderem agir como fora social independente. Por outro lado, um

    bom nmero de sonhadores, algumas vezes geniais, pensavam

    que seria suficiente convencer os governantes e as classes

    dominantes da iniquidade da ordem social existente para que se

    tornasse fcil fazer reinar sobre a terra a paz e a prosperidade

    universais. Sonhavam com um socialismo sem luta. Finalmente,

    a maior parte dos socialistas de ento e, de um modo geral, os

    amigos da classe operria, no viam no proletariado seno

    uma chaga a cujo crescimento assistiam com horror medida

    que a indstria se desenvolvia. Por isso todos procuravam o

    modo de parar o desenvolvimento da indstria e do proletariado,

    parar a roda da histria. Contrariamente ao temor geral ante o

    desenvolvimento do proletariado, Marx e Engels punham todas

    as suas esperanas no contnuo crescimento numrico deste.

    Quanto mais proletrios houvesse, e maior fosse a sua fora

    como classe revolucionria, mais prximo e possvel estaria o

    socialismo. Pode exprimir-se em poucas palavras os servios

  • prestados por Marx e Engels classe operria dizendo que eles

    a ensinaram a conhecer-se e a tomar conscincia de si mesma, e

    que substituram os sonhos pela cincia.23

    Lnin conclui: por isso que o nome e a vida

    de Engels devem ser conhecidos por todos os operrios; por

    isso que, na nossa compilao, cujo fim, como o de todas as

    nossas publicaes, acordar a conscincia de classe dos

    operrios russos, devemos dar um apanhado da vida e da

    actividade de Friedrich Engels, um dos dois grandes mestres do

    proletariado contemporneo.

    Enquanto o capitalismo estiver de p, enquanto houver

    explorao, misria, fome e desemprego, a obra de Marx e

    Engels ser atual e somente a partir da assimilao de suas

    idias e da experincia internacional do proletariado possvel

    se pensar na luta conseqente por uma nova sociedade, o

    socialismo.

    23O artigo de Lnin intitulado Friedrich Engels, de 1895, pode ser lido em www.marxists.org.

    CONCLUSO

    Marx e Engels alm de terem dado uma contribuio

    cientfico-filosfica formidvel ao pensamento humano, eram

    homens que conjugaram durante toda a sua vida a teoria com a

    prtica militante. Seu esforo cientfico estava voltado

    compreenso da histria da humanidade, crtica da sociedade

    burguesa atual e organizao da classe operria e demais

    explorados para superar a propriedade privada e a explorao de

    classe e abrir uma nova perspectiva para os trabalhadores.

    O desenvolvimento do capitalismo ao longo do sculo XX e

    no incio do presente sculo XXI s tem demonstrado a justeza

    do pensamento desses dois revolucionrios, de que o

    capitalismo s pode continuar existindo concentrando de um lado

    a riqueza nas mos de uma minoria e a misria entre a maioria

    da sociedade em todos os pases. medida que a crise

    estrutural evolui aprofundam-se a misria, a fome, o desemprego

    e a destruio da natureza.

    O capitalismo, portanto, no tem mais nada de progressivo

    a dar humanidade, ao contrrio, a sua base, a propriedade

    privada monopolista dos meios de produo, tem conduzido a

    humanidade ao abismo das guerras e da barbrie. Da advem a

    atualidade do marxismo e a necessidade de transform-lo numa

    arma material a servio da organizao poltica da classe

    operria e da maioria explorada nas suas lutas contidianas,

    articuladas luta pelo socialismo.

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