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Vida de Santo Afonso Maria de Ligório edição Brasília-DF 2010

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Page 1: Vida de Santo Afonso Maria de Ligório

Vida de Santo Afonso

Maria de Ligório

1ª ediçãoBrasília-DF

2010

Page 2: Vida de Santo Afonso Maria de Ligório

© 2010 Editora Pinuswww.editorapinus.com.br

Todos os direitos reservados.

Título Original:Vida de San Alfonso María de Ligorio.

Tradução (realizada a partir da edição publicada por Apostolado de la Prensa, Madrid, Espanha, em 1927):Bethania Guerra de Lemos

Capa e diagramação:Yara Borghi Campi

Imagem da capa:Santo Anfonso Maria de Ligório, 1777crédito: http://alphonsianum.blogspot.com/

Vida de Santo Afonso Maria de Ligório. 1ª ed. - Brasília : Ed. Pinus, 2010.Xxxp.1. Ligório, Afonso Maria de, Santo. 2.Hagiografia. 3. Santos – Biografias.

ISBN: 978-85-63176-04-2CDU 929:27-36LIG

CDU 27-36LIG

Page 3: Vida de Santo Afonso Maria de Ligório

ÍndiceI. Seu nascimento, sua infância e sua educação ...................06II. Exerce a advocacia e, obedecendo à voz de Deus, abandona o fórum ................................................................10III. Sua vocação. - Abraça o estado eclesiástico ............... 14IV. Zelo de Santo Afonso por sua perfeição espiritual. - A obra das Capelas ................................................................ 20V. Santo Afonso de Ligório no Colégio da Santa Família. - Suas missões na Apúlia. - Aparição da Virgem ................. 24VI. Em Santa Maria dos Montes.- Princípios da Congregação do Santíssimo Redentor.- Aparições celestiais. - Resolução de Santo Afonso. - Contradições que sofreu .......29VII. Últimas provas. - Seus primeiros companheiros ....... 33VIII. Obstáculos que teve que vencer Santo Afonso para a fundação de seu Instituto. - Caráter do Instituto. - Razão do êxito de seu fundador. - Vida de Santo Afonso e de seus religiosos. - Dissensões e dispersão ................................... 37IX. Novas fundações e vocações. - Benéfica influência da Congregação ................................................................. 43X. A obra dos retiros.− Sua pregação e milagres. − Supressão violenta das casas de Formícola e de Scala ......................... 46XI. Missões em Nápoles.- Pronunciam os Redentoristas seus votos. - Don José de Ligório em Ciorani. - Fundação em Nocera de Pagani. - Perseguição. - Morte de monsenhor Falcoia .........50XII. Continua a perseguição. - Abertura do convento de Pagani. - Restabelece-se a paz. Fundação de Deliceto. - Morte edificante de Vito Curzio.- Aparição da Virgem .... 56XIII. A fundação de Caposele. - Favores da Virgem. - Santo Afonso tramita o reconhecimento civil de seu Instituto pelo Rei. - Recusa o Arcebispado de Palermo. - Volta a Nápoles ................61

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XIV. Aprovação da Regra dos Redentoristas. - Primeiro capítulo geral. - Vida interior e governo da Congregação ....65XV. Nova perseguição. - Fundações, conversões e milagres. - Santo Afonso em Amalfi ................................................... 70XVI. Reforma do Seminário de Nola e do Orfanato de Gaeta. - Projeta uma missão para converter os nestorianos da Ásia .......73XVII. É nomeado Bispo de Santa Águeda. Adoece gravemente. - Sua consagração ......................................... 76XVIII. Toma posse de sua Sede. - Sua vida em Santa Águeda .............................................................................. 80XIX. Trabalhos pastorais de Santo Afonso. - Adoece gravemente. Meios dos quais se valeu para santificar sua diocese .......................................................... 83XX. Caridade de Santo Afonso. -Assiste a um Capítulo geral de sua Congregação e volta a cair doente. - Um milagre. Apresenta a renúncia de sua dignidade episcopal e o Papa não a aceita ........................................................................ 86XXI. Funda Santo Afonso em Santa Águeda uma casa de religiosas Redentoristas. - O barão de Maffei persegue a Congregação ................................................................... 91XXII. Nova enfermidade de Santo Afonso. - Fica paralítico, mas continua exercendo sua missão apostólica ................... 94XXIII. Os Redentoristas, perseguidos em Sicília. - Cuidados do Santo com a família de seu irmão .................................. 98XXIV. Continuam as perseguições contra a Congregação em Nápoles e em Sicília. - Saem os Redentoristas de Sicília. - Prediz Santo Afonso a morte de Clemente XIV ..............103XXV. Coragem de Santo Afonso nos sofrimentos e nas perseguições de seu Instituto. Santo Afonso e a Companhia de Jesus, e sua compaixão por Clemente XIV. Sua carta ao Sacro Colégio. - Volta dos Redentoristas a Sicília ...........107

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XXVI. O Papa admite sua renúncia à mitra. - Regresso a Pagani. - Vida de Santo Afonso no seu retiro .................112XXVII. Continua Maffei perseguindo a Congregação do Santíssimo Redentor. - Triunfo dos Redentoristas. - Profecia e milagre. - Terrível prova ...............................................116XXVIII. Caluniado por Seggio, é deposto pelo Papa. - Virtudes das quais deu mostras Santo Afonso nessa grande tribulação ........................................................................122XXIX. Cai doente mortalmente. - Seu heroísmo, sua paciência e seu extraordinário fervor ................................125XXX. Aparece-lhe a Santíssima Virgem em seus últimos momentos. - Sua ditosa morte. - Funerais e milagres .....129XXXI. Os processos de sua beatificação e canonização ....133XXXII. Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. - Suas obras .......................................................................136XXXIII. A Bula “Qui Ecclesiae suae nunquam” .............141

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Vida de Santo Afonso Maria de LigÓrio

4I4Seu nascimento, sua infância e sua educação.

Em finais do século XVII residia em Nápoles, com o cargo de capitão das galeras do Rei Carlos II, um nobre cavaleiro cha-mado dom José de Ligório, que unia à sua boa linhagem a

mais estimável condição de ser um excelente cristão muito devoto da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja lembrança tinha sempre diante dos olhos por meio de estampas e imagens com as quais se comprazia em adornar a casa e o camarote que ocupava quando se encontrava a bordo de suas galeras.

Era casado com uma senhora chamada dona Ana Catarina Cava-lieri, que, inclusive, o excedia na piedade; dela, pode-se dizer que não vivia senão para Deus e para a sua família.

Esse santo casal teve sete filhos, todos eles modelos de virtude, e o maior foi o bem-aventurado protagonista da presente história. Nasceu em uma casa de campo em Marianella, próximo a Nápoles, no dia 27 de setembro do ano de 1696, e aos dois dias de nascido, ou seja, no dia da festividade do Arcanjo São Miguel, recebeu as águas regeneradoras do Batismo e seus piedosos pais consagram-no de uma maneira especial à Santíssima Virgem, sob cuja proteção o puseram.

Quis o Senhor glorificar o berço do menino Afonso, manifestan-do sua futura santidade, e tomou São Francisco de Jerônimo, grande apóstolo e taumaturgo da Companhia de Jesus, como instrumento para fazê-lo. O santo missionário visitou seu pai D. José poucos dias depois do nascimento de nosso bem-aventurado, e tomando nos bra-ços o recém-nascido, depois de abençoá-lo, disse em um impulso pro-fético, que lembrava o do velho Simeão:

− Este menino chegará a uma idade muito avançada; não morrerá antes dos noventa anos; será bispo e fará grandes coisas para a glória de Jesus Cristo.

Essa profecia impressionou profundamente a virtuosa dona Ana, mãe do menino Afonso, e pode-se supor que a estimulou ainda mais

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a semear em seu terno coração os germes da fé e da piedade, pois conhecia bastante os deveres de uma mãe e não confiaria a mãos mer-cenárias a primeira educação de seus filhos.

Todas as manhãs, depois de haver-lhes dado a bênção, ensinava-os a levantar o coração a Deus com simples e ternas orações, e pelas tar-des reunia-os junto de si para explicar-lhes noções da Religião e rezar o Santo Rosário e outras orações em honra dos Santos.

Para afastá-los de todo o pecado, desde os seus mais ternos anos, levava-os semanalmente a confessarem-se com seu diretor espiritu-al, o Padre Pagano, da ordem do Oratório, e, além disso, não perdia nenhuma oportunidade de fazer penetrar em seus corações um ar-dente amor a Nosso Senhor Jesus Cristo e uma filial devoção a sua Santíssima Mãe.

Os frutos que obteve com seu santo zelo foram proveitosos em todos os seus filhos, mas Afonso sobrepujou a seus irmãos na virtu-de. Dotado de excelentes aptidões pessoais e das mais felizes dispo-sições, melhoradas com os dons mais estimados da graça, pode-se dizer que todas as virtudes se constituíram nele como uma segunda natureza. As diversões próprias de sua idade nunca tiveram atrativos para ele; por outro lado, os exercícios de piedade e devoção consti-tuíam todas as suas delícias e com frequência via-se-lhe retirar-se a uma paragem solitária para ali oferecer a Deus orações tão fervoro-sas quanto prolongadas.

Aos nove anos de idade foi admitido na Congregação de Jovens Nobres, dirigida pelos Padres do Oratório, e não tardou em mos-trar-se como um modelo de todas as perfeições aos olhos de seus companheiros, e como um objeto de admiração para todos os seus superiores. Com extraordinário fervor fez a sua primeira Comunhão, e desde então não deixou de frequentar a Mesa Eucarística, com uma devoção que edificava todas as pessoas que tinham oportunidade de surpreendê-lo naqueles momentos, nos quais sua alma parecia derre-ter-se pelo amor de Deus.

Acostumado por sua virtuosa mãe, desde muito cedo, à prática da oração, mal havia completado doze anos e já podia ser considerado com um mestre nas sublimações de tão santo exercício.

Distinguia-se também nosso bem-aventurado por uma grande de-licadeza de consciência e um não menor desprendimento de todas as

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coisas mundanas, e de ambas as virtudes deu um testemunho muito eloquente na ocasião que passamos agora a relatar.

Certo domingo, depois das vésperas, os Padres do Oratório levaram os jovens congregados a uma casa de campo para que nela descansas-sem, e os companheiros de Afonso o convidaram participar com eles em um determinado jogo. Durante algum tempo desculpou-se, alegando sua ignorância naquele gênero de entretenimento, mas ao final viu-se obrigado a ceder às suas insistências, e o acaso quis que ganhasse trinta partidas seguidas do sobredito jogo. Um de seus companheiros, com inveja de sua sorte, repreendeu-o acidamente por haver dito que desco-nhecia aquele jogo, dando a entender que ele tinha procedido com ma-lícia. Afonso, então, tendo o rosto coberto com as cores de uma digna vergonha, respondeu prontamente a seu descomedido companheiro:

− Como! Por uma bagatela como essa ofendeis a Deus? Tomai vosso dinheiro, que não hei de ser eu quem o conserve.

E, ao dizê-lo, atirou ao solo as moedas de cobre que acabara de ga-nhar, e afastando-se de seus companheiros internou-se na parte mais espessa do bosque sem que voltassem a vê-lo em todo o dia.

Próximo já da noite, os religiosos e os alunos pensaram em regres-sar à cidade; mas, como o jovem Afonso não aparecia, começaram a chamá-lo, e como não respondia procuraram-no por todo o jardim, encontrando-o ao final de joelhos diante de uma imagem da Virgem, a qual tinha o costume de levar consigo e que havia suspendido com o ramo de uma árvore.

Absorto em estática contemplação diante da santa imagem, não percebeu a presença de seus companheiros, e quando ao fim recobrou o uso de seus sentidos ruborizou-se, vendo-se objeto da contempla-ção de seus amigos e de sua veneração, ao mesmo tempo em que o companheiro que antes o havia ofendido exclamava cheio de dor e arrependimento:

─ O que fiz, Senhor? Afligi a um santo e nunca mo perdoarei!Esses foram os frutos da educação cristã que nosso Santo recebeu

de sua mãe. E nada tem de estranho que não deixasse, até sua velhice, de elogiar os cuidados que ela lhe havia prodigalizado.

─ Se pratiquei algum bem em minha infância ─ dizia ─ se não fiz nada de mau naquela idade, devo-o inteiramente à diligência de minha mãe.

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E acrescentava:─ À morte do meu pai fiz a Deus o sacrifício do meu dever, que

a natureza parecia impor-me, ao impedir-me de estar ao seu lado; mas quando minha mãe se encontrar na mesma agonia, se não estou impossibilitado de fazê-lo, não terei coragem de deixá-la morrer sem ir dar-lhe assistência.

Os desígnios que Deus havia formado sobre os destinos do jovem Afonso requeriam que este recebesse uma instrução sólida e esmera-da; mas seus pais, temerosos dos perigos que pudesse correr em um colégio, deram-lhe dentro de sua casa mestres recomendáveis tan-to por seus costumes como por seus talentos. Com uma inteligência viva e prodigiosa memória, fez grandes progressos em latim, grego e francês, assim como em matemática e filosofia. Aplicou-se também ao desenho, à pintura, à arquitetura, à literatura italiana e à música, e obteve grandes resultados nas artes de adorno.

Seu pai, que lhe destinava à magistratura, quis que se dedicasse ao estudo do Direito civil e do canônico, e tais progressos fez neles que com a idade de dezesseis anos foi julgado digno do grau de doutor. Mas a toga que, segundo o costume, teve que vestir para defender sua tese, era longa demais para sua estatura, menos precoce que seu talento, e essa circunstância jocosa, que fez mais patente o mérito do interessante candidato, era recordada por ele com estas palavras, mos-tra da sã alegria de seu caráter:

─ Haviam-me colocado uma casaca tão longa que me pas-sava dos pés, o que divertiu muito os assistentes.

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Vida de Santo Afonso Maria de LigÓrio

4II4 Exerce a advocacia e, obedecendo à voz

de Deus, abandona o fórum.

Depois de dedicar-se durante três anos ao estudo da práti-ca dos procedimentos forenses nos tribunais de Nápoles, o jovem advogado começou a exercer sua profissão e muito

cedo adquiriu numerosa clientela, sendo muitas e muito importantes as causas que lhe foram confiadas, e famoso por ganhá-las todas com exceção da última, da qual falaremos mais adiante.

É verdade que havia imposto a si mesmo, como lei inviolável, não defender aquelas causas que lhe parecessem injustas, nem omitir nada de sua parte para fazer prevalecer o melhor direito; e, por essa razão, na idade em que os demais começam, o jovem Afonso já estava colocado no nível dos letrados mais hábeis e distintos do reino. Além disso, o êxito que al-cançou, o favor do presidente Caravita e o crédito de sua família, na qual havia não poucos senadores, prometeram-lhe um brilhante porvir.

Mas sua principal ambição era sempre ser agradável a Deus, e as suas obrigações forenses não o impediam de procurar a perfeição es-piritual. Foi nessa época que, sem levar em conta as repugnâncias da natureza nem a delicadeza de sua educação, acrescentou à prática das demais virtudes a visita aos hospitais.

Com frequência via-se-lhe, usando as insígnias da sua profissão, prestar aos pobres os mais humildes serviços. Fazia-lhes as camas, da-va-lhes de comer e consolava-os com a mais edificante caridade. Por sua vez, D. José de Ligório, longe de contrariar as piedosas inclinações de seu filho, apoiava-o com todas as suas forças: levava-o todos os anos à residência dos Padres Jesuítas ou à dos Sacerdotes da Missão para participar dos exercícios espirituais dados pelos mencionados religio-sos; e o piedoso jovem tirava cada vez desses retiros um novo ardor para o bem. Sua conduta era tão mesurada, tão honesta, que tão-somente a vista da modéstia do seu porte e da doce serenidade de seu semblante já inspirava o gosto pela virtude a todos que tratavam com ele.

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Essa muda pregação foi o meio do qual se valeu Deus para conver-ter a um jovem mouro que Afonso tinha a seu serviço.

− Não poderia acreditar – dizia aquele pobre infiel – que uma reli-gião que regula tão admiravelmente os costumes e a conduta de meu amo não fosse a verdadeira.

E pensando sobre isso, fez-se instruir nela. Havendo caído doente, ainda que seu mal não parecesse grave, pediu com viva insistência que lhe administrassem o Batismo. A Virgem Santíssima, São José e São Joaquim, segundo o que ele mesmo contou, apareceram-lhe ordenan-do que se fizesse batizar imediatamente, porque queriam levá-lo para o céu.

Em vista disso, foi batizado sendo-lhe recomendado depois que descansasse; ao que o novo cristão respondeu:

− Não é momento de descansar, mas sim de ir agora mesmo ao Paraíso.

E, efetivamente, meia hora depois o feliz converso entregou sua alma a Deus com um sorriso nos lábios.

Estava o jovem Afonso destinado a arrebatar ao mundo as suas ví-timas, a desenganar seus partidários e a prevenir contra suas seduções as almas inocentes; e fez Deus que a ambição de D. José de Ligório contribuísse com esse plano providencial. Ele, certo já do favor de seus príncipes, esperava ter em seu filho um aumento da honra e da pros-peridade para sua casa. E, efetivamente, os triunfos obtidos por Afonso no fórum, seus talentos tão variados, suas maneiras tão distintas, seu nobre caráter e suas grandes virtudes, começavam a fazê-lo agradável a muitos senhores de linhagem, que disputavam a honra de tê-lo como genro. Com essas lisonjeiras esperanças, seu pai lançou nosso bem-aventurado ao turbilhão do grande mundo e em suas mais esplêndidas festas; entretanto, embora o jovem Afonso não deixasse de gostar de semelhantes diversões, não perdeu o temor a Deus, e seu coração soube manter-se em superfície, no meio da correnteza que tentava afundá-lo.

Sua salvaguarda foi uma vigilância muito severa sobre seus sentidos, e como não era muito bom dos olhos e tinha a necessidade de usar óculos, aproveitou-se deste defeito físico para a defesa de seus outros sentidos, retirando as lentes corretoras cada vez que entrava em algu-ma reunião mundana; e de tal modo serviu-lhe essa louvável argúcia, que chegou a confessar a um dos seus religiosos que, mesmo durante

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o tempo de sua maior dissipação, não cometeu nenhum pecado grave. Não obstante, seu contato com aquela sociedade frívola não deixou de esfriar seu fervor religioso, e talvez tivesse descido mais baixo ainda, se o Senhor, que velava por ele, não o houvesse detido a tempo.

Durante a Quaresma do ano de 1722, um amigo virtuoso convi-dou-o a fazer os exercícios espirituais dados pelos sacerdotes da Missão, e, havendo concordado, a sós com Deus reconheceu o perigo que havia corrido, abominou as diversões loucas às quais se havia entregado, e to-mou a resolução de dar ao mundo um eterno adeus, renunciando a toda ligação humana para consagrar-se sem reservas ao serviço do Senhor.

Tomadas essas santas resoluções, as quais fortificou com um acrés-cimo de amor a Jesus Sacramentado, começou a pô-las em prática, deixando de frequentar as reuniões mundanas nas quais podia correr perigo de cair em dissipação, e no ano seguinte, em um novo retiro espiritual que fez acompanhado de seu pai, confirmou suas santas dis-posições, começando por ceder seus direitos de primogenitura ao seu irmão D. Hércules, como passo prévio à sua total renúncia do mundo.

Não queria o mundo, entretanto, soltar sua presa, e, para tentar enlaçá-la com doces correntes, sugeriu ao pai de nosso bem-aventurado a ideia de casá-lo com a filha do duque de Presenzano, e para isso, sem contar com seu filho, insinuou seu projeto ao duque, que o acolheu favoravelmente.

Com esse objetivo, D. José ordenou ao jovem Afonso que frequen-tasse a casa do nobre prócere, e, obediente nosso Santo ao mandato paterno, assim o fez; porém, longe de procurar ser agradável aos olhos da jovem duquesa, foi tão reservado com ela ao ponto de desgostá-la; apesar disso, D. José não imaginava a causa da indiferença de seu filho; compelia-o continuamente para que aceitasse um partido que por todos os motivos não podia ser mais vantajoso.

Não se atrevia nosso bem-aventurado a combater abertamente os propósitos de seu pai nem a contar-lhe os seus, por medo de causar-lhe um grande pesar; nessa situação, optou por encomendar a Deus o assunto, agindo assim prudentemente, pois o Senhor encarregou-se de resolvê-lo rompendo outro vínculo, o último que o ligava ao mun-do, ou seja, sua profissão de advogado.

Estava encarregado Afonso de defender um pleito no qual seu cliente devia, segundo o resultado da causa, ganhar ou perder a soma de seiscentos mil ducados e, como se pode supor, dedicou-se a estu-dar os autos com o cuidado que requeriam interesses tão importan-

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tes. Um mês inteiro ocupou-lhe dito estudo, e, dominando o assunto, apresentou-se ao Tribunal com a altivez de quem tem a segurança de sair vitorioso de uma batalha. Falou com a sua habitual eloquência, e o presidente do Tribunal já se preparava para ditar a sentença favorá-vel ao seu cliente, quanto o advogado da parte contrária cortou-lhe a palavra, apresentando ao mesmo tempo, com um sorriso maligno, um documento que o nosso Santo havia interpretado erroneamente.

O jovem Afonso leu-o com atenção febril, e, convencido de seu equívoco, longe de tentar atenuá-lo com sutilezas de leguleio, respon-deu com voz trêmula, porém cheia de franqueza:

− Tendes razão; o equivocado sou eu.E sem atender aos consolos que quis prodigar-lhe o presidente do

Tribunal, dizendo-lhe que semelhantes erros não eram raros no fórum, com grande confusão subtraiu-se à vista dos presentes que enchiam a sala, retirando-se à casa cheio de amargura, e repetindo estas palavras:

−Oh! mundo! Agora te conheço! Ah, tribunais, não voltareis a ver-me!Quando chegou à sua casa encerrou-se em seus aposentos. Seu

pai encontrava-se ausente naquele momento e sua mãe não percebeu sua chegada. Na hora do almoço chamaram à porta de seu quarto e ele respondeu que não queria comer. O mesmo aconteceu na hora do jantar, e isso alarmou bastante sua família.

Maior ainda foi a inquietude da família, quando, ao dia seguinte, Afonso negou-se a franquear a entrada de seu quarto ao seu próprio pai.

− Ele vai morrer! – exclamava, chorando, Dona Ana.− Que morra! – gritava D. José, irritado pela negativa de seu filho

a abrir-lhe a porta.Todo o dia passou na mesma angústia; mas ao terceiro, vencido pelas

súplicas de sua mãe, o jovem consentiu em sair de sua clausura e sentar-se à mesa, ainda que mal tenha podido tragar um bocado de comida.

Ao final reconheceu que sua dor havia sido excessiva, mas as reflexões que fez acerca dos perigos do fórum confirmaram-lhe, como a Santo André Avelino, a resolução de abandonar a advocacia. Despediu-se de seus clientes e encerrou-se em seus aposentos como um eremita, sem ver mais do que a sua família, passando as manhãs consagrado à oração e às leituras piedosas, e as tardes nas Igrejas ou visitando os hospitais.