viagem descendo o rio amazonas

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  • 8/22/2019 Viagem Descendo o Rio Amazonas

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    ConselhoEditorial

    Edies Eletrnicas

    Viagem naAmrica

    Condamine

    Biblioteca BsicaClassicos da Poltica

    Brasil 500 anosMemria Brasileira

    VIAGEM NAAMRICA

    MERIDIONALDESCENDO O RIO

    DAS AMAZONAS

    Ch. - M. de La

    Condamine

    O BRASIL V ISTO POR ESTRANGEIROS

    O Brasil Visto por Estrangeiros

    Meridional

    Descendo o Rio

    das Amazonas

    Ch. - M. de La

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    Viagem na Amrica Meridional 1

    Os bancos de areia ondulados parecem incandescentes nas guas de

    um vermelho escuro de um trecho do rio Negro.

    Ilustrao extrada da publicao Costeau na Amaznia,

    edio da distribuidora Record de Servio de Imprensa S.A., 1984.

    SumrioPgina anterior

    http://abert_vam.pdf/
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    Viagem na Amrica Meridional 3

    .

    .......................................

    VIAGEM NA AMRICAMERIDIONAL DESCENDO ORIO DASAMAZONAS

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    4 La Condamine

    Mesa Diretora

    Binio 1999/2000

    Senador Antonio Carlos Magalhes

    Presidente

    Senador Geraldo Melo

    1oV ice-Presidente

    Senador Ronaldo Cunha Lima

    1oSecretrio

    Senador Nabor Jnior

    3oSecretrio

    Senador Ademir Andrade

    2oV ice-Presidente

    Senador Carlos Patrocnio

    2oSecretrio

    Senador Casildo Maldaner

    4oSecretrio

    Senador Eduardo Suplicy

    Senador Jonas Pinheiro

    Suplentes de Secretrio

    Senador Ldio Coelho

    Senadora Marluce Pinto

    Conselho Editorial

    Senador Lcio Alcntara

    Presidente

    Joaquim Campelo Marques

    V ice-Presidente

    Conselheiros

    Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga

    Raimundo Pontes Cunha Neto

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    Viagem na Amrica Meridional 5

    Coleo O Brasil Visto por Estrangeiros

    VIAGEM NA AMRICAMERIDIONAL DESCENDO O

    RIO DASAMAZONAS

    Braslia 2000

    .......................................

    Ch. - M . de La Condamine

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    6 La Condamine

    O BRASIL VISTO POR ESTRANGEIROS

    O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997,buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para a compreensoda histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do Pas.

    COLEO O BRASIL VISTO POR ESTRANGEIROS

    Srie Viajantes

    Reminiscncias de Viagem e Permanncia no Brasil Daniel P. KidderO Rio de Janeiro Como (1824-1826) C. SchlichthorstViagem ao Brasil Luiz Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz

    Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho Richard BurtonBrasil: AmazonasXingu Prncipe Adalberto da PrssiaViagem na Amrica Meridional Ch.-M de La CondamineDez Anos no Brasil Carl SeidlerBrasil: Terra e Gente (1871) Oscar CanstattViagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817 Maximiliano, Prncipe de Wied-NeuwiedSegunda Viagem a So Paulo e Quadro Histrico da Provncia de So Paulo Augusto de Saint-Hilaire

    Projeto grfico: Achilles Milan Neto

    Senado Federal, 2000Congresso NacionalPraa dos Trs Poderes s/no CEP 70168-970 [email protected]://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

    La Condamine, Charles-Marie de, 1701-1774.

    Viagem na Amrica Meridional descendo o rio das Amazonas / Ch. -M. de LaCondamine. Braslia : Senado Federal, 2000.204 p. (Coleo O Brasil Visto por Estrangeiros)

    1. Amrica do Sul, descrio. 2. Viagem, Amrica do Sul. 3. Relatrio de viagem,Amrica do Sul. 4. Descoberta geogrfica, rio Amazonas. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 918

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    Viagem na Amrica Meridional 7

    APRESENTAOpor Baslio de Magalhes

    pg. 13

    PREFCIOpg. 29

    RELATO

    I

    A medio da Terra e o seu achatamento Outros trabalhos acadmicos Viagens particulares As pirmides e suas inscriespg. 37

    II

    Projeto de retorno pelo rio das Amazonas Viagem de Orellana Diversos nomes do rio das Amazonas Viagem de rsua Outras

    tentativas Viagem de Teixeira Viagem do P. dAcua Carta do rio

    das Amazonas, por Sanson Carta do P. Fritz Curso do Maranho Caminhos de Quito ao Maranho: Archidona, Caelos, Janpg. 41

    III

    Partida de Tarqui Zaruma e suas minas de ouro; grande calor Pontesde cip Loja A quinquina De Loja a Jan Loyola e Valladolid Rios Chinchipe e Chachapoyas, afluentes do Maranho O porto de

    Jan. Os saltos do Maranho Areias aurferas; cacau Chuchungapg. 47

    .......................................

    Sumrio

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    8 La Condamine

    IV

    Onde o Maranho comea a ser navegvel Cumbinama, Escurrebragas,Guaracayo Rio e cidade de Santiago Os Xibaros Borja, capital das Mis-ses Espanholas O Pongo de Manseriche Acidente singular Choque da

    jangada com o rochedo Provncia de Mainas Raridade das pedraspg. 53

    V

    Os ndios americanos Diversidade de costumes e semelhana de carter

    Pobreza das lnguas americanas Palavras hebraicas comuns a vrias ln-guas dos povos da Amrica

    pg. 59

    VI

    As misses espanholas de Mainas O Morona e as trs bocas do Pastaa Laguna O Guallaga Canoas ndias Precaues para o levantamen-

    to da carta do Amazonas O rio Tigre Os jameus e sua lngua; as

    sarbacanas O autor refere-se ao curare sem mencionar o nome OUcaiale, talvez a verdadeira fonte do Amazonas

    pg. 63

    VII

    A Misso de S. Joaquim e os omguas, ou cabeas chatas Ofloripndio e a curupa A fertilidade da regio e as plantas teis Os

    cips As gomas, as resinas, os blsamos, os leos. O caucho e suas utili-

    dades O Napo Pebas, a ltima das misses espanholas. Os antropfa-gos do interior. As orelhas monstruosas

    pg. 69

    VIII

    S. Paulo de Olivena, a primeira Misso Portuguesa. A largura do Ama-zonas e os seus perigos. ndios guerreiros. O progresso das Misses Por-tuguesas O conforto dos ndios As brigantinas portuguesas Coari

    e outras misses carmelitas O Juta, o Juru, o Tef, o Coari O I;o Japur e suas bocas. Os antropfagos do Japur A lendria aldeia do

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    Ouro e o marco de Teixeira. O Iquiari e o Jurubech.O Cuchivara. Paraguari

    pg. 75

    IX

    As amazonas americanas As asiticas e as africanaspg. 81

    XPartida do Coari Lnguas gerais O Purus Rio Negro. O forte do rio

    Negro. As Misses Portuguesas. A comunicao com o Orinoco OCaquet seria a fonte comum do Orinoco, do rio Negro e do Japur Alenda do El Dorado. Os manaus. O lago Mara. O Essequibo e o rio Branco

    pg. 87

    XIO rio Madeira Os nomes Solimes e Amazonas O Jamund Estreito de Pauxis (bidos). As mars O Tapajs Os tupinambs.

    Pedras do Amazonas. Esmeraldas talhadas Montanhas da Guiana r-vore gigante - Forte de Perau Rio Xingu. Especiarias Os moscardos eos mosquitos do Amazonas Curup O brao do Tajipuru O rio das

    Duas Bocas. O Tocantins. O Muju O Parpg. 95

    XIIOs peixes. Peixe-boi. Mixano. Lampriatorpedo. Tartarugas e jabutis.Ervas que embriagam os peixes. Crocodilos Tigres. Pumas. Ursos?Al-

    ces. Coatis Os smios. Os sagis Os rpteis. A cascavel. A coral. Ame dgua O verme-macaco (berne) Os morcegos Pssaros. O co-libri. O tucano. Papagaios e araras. Papagaios envermelhecidos. O cauitau.

    O pssaro-trombeta. O Condorpg. 103

    XIII

    A chegada ao Par. A cidade do Par Experincias sobre o peso A varola

    e o tratamento pela inoculao A partida do Par Maraj. Mexiana eCaviana Forte de Macap, quase sob o Equador A pororoca Um

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    baixa-mar O cabo Norte. O Araguari. Rio e baa de Vicente Pinzn(Amap)pg. 111

    XIVChegada a Caiena O pndulo equinocial: medida que poderia universalizar-se Sementes de quinina Observaes sobre a velocidade do som Notas

    topogrficas Experincias de flechas ervadas Polvos do marpg. 119

    XVPartida para Suriname Chegada a Paramaribo Embarque paraAmesterd Corsrios Desembarque Chegada a Paris

    pg. 125

    PRIVILGIO DO REIpg. 127

    APNDICE ICarta a Madame***

    pg. 131

    Peas Justificativaspg. 149

    APNDICE II

    Carta sobre os componentes da Comissopg. 171

    APNDICE IIICarta sobre Madame des Odonais

    pg. 177

    NDICE ONOMSTICO

    pg. 201

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    a primeira metade do sculo XVII I ainda no se

    havia dado soluo positiva ao problema da forma esferide e dagrandeza da Terra. Em 1735, isto , quando em Frana reinavaLus XV (1714-1744), atingira o auge a discusso entre cassinianose newtonianos, uma vez que no se chegara a acordo entre os queaceitavam as determinaes do abade Picard e os que preferiam asconcluses dos irmos Cassinis (Jacques, 1677-1756, e Csar-Franois, chamado o Cassini -de-Thury, 1714-1784), fi lhos e

    dignos continuadores do notvel cientista Jean-Dominique Cassini(1625-1712), que pertenceu Academia das Cincias e organi-zou o Observatrio Astronmico de Paris.

    Era ento ministro do bisneto do rei-sol o conde deMaurepas (1701-1781), que, alm de ter prestado outros servi -os Frana qual o de haver propiciado a ascenso de Turgot aogalarim da poltica , foi seguramente quem decidiu que se pusesse

    termo s referidas controvrsias, mediante expedies tcnicas, asquais, em conformidade com o parecer dos sbios mais reputados,

    .......................................

    Apresentao

    N

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    14 La Condamine

    deveriam di rigir-se ao Equador, Lapnia e atmesmo ao extre-

    mo sul da frica, a fim de realizarem simultaneamente as trsseguintes tarefas: medir o arco do meridiano; determinar o com-primento do pndulo que bate o segundo; e verificar a atrao dofio a prumo pela massa semi -esfrica do Chimborazo, para con-firmar as previses de Newton.

    A primeira partiu em 1735 e foi a de que fez parte LaCondamine. Veremos mais adiante como ficou pessoalmente com-posta, assim como quando e de que maneira terminou.

    A segunda, que partiu em 1736, teve por figura prin-cipal Maupertui s (1698-1759), levando alm do padreOuthier, do astrnomo sueco Celsius (professor da Universidadede Upsala), e de alguns ajudantes mais trs membros da Acade-mia das Cincias, Clairault (1713-1765), Camus (1699-1768)

    e Pierre-Charles Lemonnier (1715-1799), que escreveu depoisinteressantes trabalhos sobre a Lua. Embarcaram em Rouen, e,como o seu objetivo era medi r os graus do meridiano no crculopolar rtico, foram ter Lapnia.

    Quando jrealizadas essas expedies e conhecidos osrespectivos resultados, ainda houve uma terceira, a de 1751, efe-tuada exclusivamente pelo padre De la Caille (1713-1762),que foi medi r os graus do meridiano no cabo da Boa Esperana,onde ainda se dedicou a outros trabalhos mais importantes.

    A de que fazia parte La Condamine, munida de pas-saportes concedidos pelo rei da Espanha (o qual era neto de LusXIV), Fi lipe V (1700-1745), pois ia operar nos domnios ibero-americanos, partiu de La Rochelle a 16 de maio de 1735. Iam

    com La Condamine dois outros membros da Academia das Cin-cias, Louis Godin e Pierre Bourguer (nascido em Croisic, a 16 de

    Apresentao

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    Viagem na Amrica Meridional 15

    fevereiro de 1698, e falecido em Paris, a 15 de agosto de 1758),

    a quem se deve a inveno do helimetro (por ele, primeiramen-te, denominado astrmetro), assim como os seguintes auxi liares:Joseph de Jussieu (1704-1779), da Faculdade de Paris e irmodos clebres botnicos (Antoine e Bernard) do mesmo apelido;Jean Seniergues, cirurgio, vtima do motim popular de Cuenca(Peru), a 29 de agosto de 1739; Verguin, engenheiro naval; DeMorainvi lle, desenhista de histria natural; Couplet, sobrinho do

    tesoureiro da Academia das Cincias; Hugo, especialista em ins-trumentos de matemtica; e Godin des Odonais (1713-1792),viajante e naturalista, que veio a tornar-se, pela lbrega odissiade sua esposa, uma das figuras notveis da importante misso. Aesta ainda se juntaram na Amrica, como representante de Fi lipeV, dois distintos oficiais da marinha espanhola, Jorge JuanSantaci lia e Antonio de Ulloa.

    A La Condamine, que jgozava do renome de bomescritor, coube a faina de relator dos trabalhos e sucessos da expe-dio aos altiplanos da Amrica meridional. E dela desempe-nhou-se galhardamente, dando ensejo ao aparecimento de trspublicaes, todas sobremaneira interessantes para a cultura hu-mana e uma delas particularmente para a cultura brasileira, pois

    que se refere ao nosso pas.A primeira assim se denominou: Relation abrge

    dum voyage dans linterieur de lAmerique mridionale,depuis la cte de la mer du Sud jusquaux ctes du Brsil ede la Guiane, em descendant la rivire des AmazonesLue lassemble publique de lAcadmie des Sciences, le 28avril 1745 (Paris, chez la Veuve Pissot, 1745), in-8o, XVI-

    216 pgs., avec une carte du Maragnon ou de la rivire desAmazones, leve para le mme. No ano imediato (como se

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    16 La Condamine

    infere da data da cartaapensa), esse informe oficial da misso

    cientfica saiu da mesma oficina tipogrfica e com o mesmo ttulo,sem a menor di ferena quanto ao formato, ao nmero de pginase carta geogrfica, o que induz a crer haja sido aproveitado orestante daeditio princeps, trazendo apenas no fim:Lettre Madame *** sur lmeute populaire excite em la ville deCuenca, au Prou, le 29 daot 1739, contre les acadmiciensdes sciences, envoys pour la mesure de la Terre (1746), in-

    8o, 112 pgs., e 1 estampa desdobrvel. A outra edio apareceu32 anos mais tarde, em outra oficina impressora, e foi assim de-nominada:Relation abrge dum voyage fait dans linterieurde lAmrique mridionale, depuis la cte de la mer du Sud

    jusquaux ctes du Brsil et de la Guiane, em descendant larivire des Amazones Par M. de La Condamine, delAcadmie des Sciences Avec une carte du Maragnon ou

    de la rivire des Amazones, leve par le mme Nouvelledition Augmente de la relation de lmeute populaire deCuenca, au Prou, et dune lettre de M. Godin des Odonais,contenant la relation du voyage de Mme. Godin, son pouse...(Maestricht, Jean-Edme Dufour & Philippe Roux, 1778),in-8o, XVI-379 pgs. Da 1aedio conhece-se a verso inglesa,feita dois anos depois e assim intitulada:A succint abridgementof a voyage made within the inland parts of South America,from the coasts of the South Sea to the coasts of Brazil andGuiana, down the river of Amazonas; and it was read in thepublic Assembly of the Academy of Sciences at Paris, April,28, 1745 By Mons. de la Condamine, of Academy Towhich is annexed a map of the Maragnon or river of Amazo-nas, drawn by the same (London, E. Withers, 1747)

    , in-4

    o

    ,XI I -108 pgs. e 1 mapa. Saiu tambm na coleo de viagens,

    Apresentao

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    Viagem na Amrica Meridional 17

    edi tada por Penkerton. Afora a edio da Calpe, houve aindaa

    daLabor, o que patenteia quanto interessouEspanha a expedi-o cientfica do sculo excepcional, realizada nesta poro doNovo Mundo e precisamente nas altiplancies andinas do entodomnio castelhano.

    A segunda veio a lume com a denominao seguinte:Journal du voyage fait, par ordere du Roi, lEquateur, servantdintroduction historique la mesure des trois degrs dumridien(Paris, Imprimerie Royale, 1751), in 4o, XXXVI-280-XV pgs., 2 gravuras, 2 mapas, 2 plantas e 1 diagrama.

    A terceira comps-se de duas cartas, uma dele (cujonome figura apenas com as iniciais) e a outra de um dos auxi liaresda sua expedio, Jean Godin des Odonais. Viu a luz da publici-dade com a denominao seguinte:Lettre de M. D. L. C. M.

    sur le sort des astronomes qui ont eu part aux dernires mesuresde la Terre, depuis 1735 Lettre de M. Godin des Odonaiset laventure tragique de Madame Godin dans son voyage dela province de Quito Cayenne, par le fleuve des Amazones(touilly, prs Ham, em Picardie, 20 octobre 1773), in-8o,30 pgs. Tendo registrado essa publicao pg. 164 de sua exce-lenteBibliographie brsilienne, A. L. Garraux disse dela o se-

    guinte:Pices fort rares et non cites dans Brunet, ni dansles catalogues spciaux sur lAmrique.

    Das trs cartas que se encontram no fim do presentevolume como verdadeiros apndices que di lucidam e comple-tam o Relato tiram-se informaes seguras sobre o fim que tive-ram os membros principais das outras expedies, assim como

    sobre a morte violenta do Dr. Seniergues em Cuenca e sobre tudoquanto aconteceu a Mme. Godin des Odonais e a seu marido.

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    18 La Condamine

    Quanto ao sobredi to cirurgio, o processo criminal,

    realizado na referida localidade equatoriana, sobremaneiracurioso, atpara que os nossos atuais estudiosos da evoluo dodireito apreciem como se praticava em terras do Novo Mundo, emmeados do sculo XVII I , a ritualidade penal de origem castelhana.

    No tocante a Godin des Odonais e sua esposa, acredi -tamos que, em nossa lngua pelo menos, vai esclarecer-se pelaprimeira vez tudo quanto lhes diz respeito nesta parte do conti-nente colombiano. Para isso e a fim de no repetir velhos errose simples conjeturas , recorri a duas fontes probidosas, de valorinestimvel. A primei ra o trabalho de Ferdinand Denis,epigrafado Mme. Godin des Odonais, e que, acompanhado deinteressantes notas, apareceu s pgs. 99-128, como apndice danova edio, por ele feita, da obraVoyage dans les forts de laGuyane Franaise Par P.-V. Malouet (Paris, 1853).

    O exem-plar, que eu tenho a fortuna de possui r, traz ainda outro escrito deFerdinand Deni s, Le brahme voyageur Ou la sagessepopulaire de toutes les nations, com um apndice inti tuladoLes femmes amricaines. As duas pequenas brochuras daBibliothque Diamant foram encadernadas num volume nico,trazendo, porm, cada uma delas a dedicatria autgrafa do sbio

    francs Madame Pereira da Silva, que presumo tenha sido aesposa do nosso conhecido e fecundo historigrafo, conselheiro JooManuel Pereira da Silva. A outra fonte, que se me deparou entreas publicaes da hemeroteca da nossa maior casa de livros, foi acoletnea valiosa e interessante (interessante atno atinente histria e geografia da grande possesso francesa da Amrica meri-dional), devida a Henri Froidevaux, inti tuladaDocuments

    indits sur Godin des Odonais et sur son sjour la Guyane,e inserta, com um timo retratohors textede Mme. Godin des

    Apresentao

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    Viagem na Amrica Meridional 19

    Odonai s, s pgs. 91-148 doJournal de la Socit des

    Amricanistes de Paris, no3, 1897.The Century Dictionary and Cyclopediada Mme.

    Godin des Odonais o nome batismal de Isabel, dizendo-a nasci-da em Riobamba em 1728 e ali casada com o naturalista francsem 1743. O certo que o pai dela, o Sr. De Grandmaison,residia naquela localidade, onde era dono de imveis, tendo,alm de outra fi lha, desposada por um Sr. Zavala, dois fi lhosvares, tambm domiciliados em Riobamba, homem de negciosum deles e clrigo regular o restante.

    Informa Ferdinand Denis que foi Louis Godin quempersuadiu seu primo, o engenheiro Jean Godin des Odonais, aprestar expedio os servios que se deviam esperar de seus varia-dos conhecimentos cientficos e de sua experincia de intrpido ex-

    cursionista. Como as demais informaes, respeitantes sua ativi -dade em terras sul-americanas, constam em boa parte de sua cartainserta no fim deste volume, limi tar-me-ei a consignar aqui ou-tros dados, que ele deixou de mencionar.

    Godin des Odonais, terminados os trabalhos da mis-so tcnica a que pertencia, ainda continuou por algum tempo noaltiplano andino, por onde andou estudando a flora e as lnguasindgenas da regio, alm de ter sido professor contratado da Uni-versidade de Qui to. Deixando a famlia, partiu dali em 1749;desceu o Amazonas, costeou a Guiana brasileira e chegou a Caienaem 1750, tendo-se estabelecido sem tardana no povoado li tor-neo junto ao forte de Oiapoque. O seu interesse pelas coisas dacincia revelou-se nas remessas, que fez para a Frana, quer de

    espcies vegetais nossas de aplicao teraputica, como asalsaparrilha e a btua, quer de uma gramtica do idioma quchua,

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    20 La Condamine

    por ele adqui rida em Lima e enviada de presente a Buffon. Mas

    a justa ambio de enriquecer em o Eldorado sul-americano le-vou-o a montar na Guiana Francesa uma fbrica para a pesca eexplorao do peixe-boi. Este mamfero (chamado guaraba ouguaragu, iuarane mana ou manatim, nos dialetos amazni-cos), pertencente ordem dos sirnios e famlia dos manatdeos(cienti ficamente denominadoTrichechus manatus), o mesmolamantim (amantino da Amrica de Lineu) ou manatim, que

    no perodo colonial figurou em nossas pautas de exportao, comoum produto semelhante ao bacalhau, e que bem podia aindaagora constituir uma das riquezas do setentrio brasileiro. Notendo podido realizar, em 1765, a viagem a Riobamba, a fim dei r buscar a famlia, pode-se di zer que ele, com algumasintermi tncias de enfermidade, esteve trabalhando vinte e doisanos na Guiana Francesa.

    Regressando Frana, em 1733, Godin des Odonaispublicou diversas obras a respeito da histria natural e da etnografiados pases do Novo Mundo, que ele tivera ensejo de visitar.

    Cumpre no ser confundido com seu consangneo, oacadmico, o qual ao que tambm informa Ferdinand Denis nemsempre manteve relaes amistosas com os seus companheiros de

    expedio. Louis Godin, nascido a 28 de janeiro de 1704, esteveno Peru atcomeos de 1751, pois atexerceu ali , durante noveanos, o cargo de professor contratado de matemtica da Universi-dade de So Marcos, em Lima. Naquele ano, porm, resolveuretornar ao Velho Mundo; e, descendo o Amazonas, veio ter aoBrasil, pois foi de Pernambuco que ele velejou para a Europa.Tendo perdido o lugar remunerado que ocupava na Academia

    das Cincias, no parou muito tempo em seu pas natal, poisaceitou prontamente o convite para dirigir a Escola Naval (Aca-

    Apresentao

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    demia de Guardas-Marinha) de Cdiz (Espanha), onde expirou

    a 11 de setembro de 1760.Condorcet, no elogio de La Condamine, afi rmou que

    os derradeiros pensamentos deste foram consagrados comoventeodi ssia de Mme. Godin des Odonais na hi lia amaznica. Amulher herica viveu pelo menos at1790. A observao doinsigne sbio, nascido em 1743, e que, para escapar gui lhoti -na, preferiu o suicdio em 1794, faz a gente pensar em que La

    Condamine houvesse nutrido acendrado sentimento afetivo, queas gelhas da velhice e a distncia no lograram arrefecer, pelamulher que ele conhecera no desabrochar dos 15 anos...

    Tendo nascido em Paris, a 28 de janeiro de 1701,Charles-Marie de La Condamine abraou, aos 17 anos, a carrei-ra das armas, verificando praa na cavalaria do exrcito francs e

    chegando a distinguir-se bastante, sobretudo por ocasio do cercode Roses (1719), onde quase foi vtima de sua imprudente intre-pidez. Mas, ainda moo, trocou a espada pelo livro, graas aosrecursos do pai, que era recebedor-geral do errio. Voltou-sepreferentemente ao estudo das cincias positivas: depois de se ha-ver abeberado das regras da matemtica, dos conhecimentos deastronomia e das leis da fsica, mais empenhadamente se dedicou

    histria natural e medicina.

    Jpertencia ao quadro social da Academia das Cinciasde Paris, quando o desejo de conhecer o mundo o impeliu, primei-ramente, para o Prximo e Mdio Orientes. Foi em 1731 que,embarcado na esquadra de Duguay-Trouin, percorreu as costasmedi terrneas da frica e da sia, tendo vivido cinco meses emConstantinopla.

    Pouco depois do seu regresso, foi com prazer que se engajouna expedio ao Peru, resolvida em 1735, com uma destinao ex-

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    clusivamente cientfica, pois que o seu encargo nico era medir na

    linha equinocial a longitude do arco de um grau do meridiano.Faltou comisso uma boaentente cordiale. Louis

    Godin parece que foi o primeiro a indispor-se com os companhei-ros. E Pierre Bouguer, o mais velho de todos, talvez se sentissediminudo pelo prestgio desde logo exercido por La Condamine.O certo que este voltou sozinho Europa, em 1744 (s chegou aParis em 23 de janeiro de 1745), um ano depois de Bouguer,travando os dois, a propsito da expedio, uma polmica, na qualo segundo levou sobre o primeiro incontestvel vantagem, como foiento reconhecido pelos capazes de julgar a questo. Superior emtalento (no di zemos em preparo) ao seu antagonista, LaCondamine deixou-o muito longe na autodefesa e na dialtica.

    A expedio, depoi s de passar por So Domingos,

    Cartagena e Puerto Bello, atravessou o Istmo de Panam, e, denovo embarcada, chegou s costas do Peru, em 9 de maio de1736. Realizados os trabalhos para os quais lhe eram imprescin-dveis os dois principais companheiros, La Condamine, em 1743,com permisso do governo portugus, efetuou, de meados daqueleano a meados de 1744, a descida pelo nosso rio-mar, desde Jande Bracamoros atBelm do Par, o que lhe permitiu levantar a

    carta do curso do Amazonas, desde as nascentes atfoz. E essaexplorao foi relatada por ele no citadoJournal du Voyage,impresso em 1751. O seu mapa, como bem observou RodolfoGarcia, naHistria das Expedies Cientficas, consertou osdefeitos do padre jesuta Samuel Fritz, levantado em 1691 e quemereceu elogios de La Condamine, pois que o inaciano no dis-punha de instrumentos apropriados para aquela tarefa.

    fora de dvida que ele se preocupou com as plantasteis do Novo Mundo, uma das quais, de cada vez maior aplica-

    Apresentao

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    o s indstrias, lhe deveu o conhecimento na Europa. De Loja

    (precisamente o lugar donde saiu a casca mandada pelo corregedorJuan Lpez de Canizares para curar a esposa do conde de Chinchn,que vice-reinou no Peru de 1629 a 1639), mandou ele Acade-mia das Cincias, em fins de 1737 ou comeos de 1738, mais umaou duas variedades da planta febrfuga, que produziu, entre outrosalcalides, a quinina e a chinchonina. Por isso, Chinchonaofficinalis, que a quina de Loja, juntaram-se ento aChinchona

    officinaliscondaminea (para a qual fora proposto o nome deChinchona officinalis chaharguera) e aChinchona officinalisuritucinga, ambas descobertas e descritas por La Condamine, edas quais se tirou a loja fina. Sabe-se que a quina caliaia foiachada por Weddel na vertente andina, onde, mais tarde, outrasespcies ainda se depararam aos botnicos espanhis Ruiz, Pavn eMutis, aos dois primeiros dos quais se devem os talvez melhores

    escritos sobre Quinologia. E da borracha dele, sob os nomes decaucho e resina elstica, di lucidativa notcia, contando que os por-tugueses do Par aprenderam dos omguas a extrao, obeneficiamento e o uso do ltex e dos seus importantes produtos.

    O nome caucho no passa de simples espanholizaodo vocbulo quchua cutxu, pois assim designavam a borracha os

    incas, que, depois dos astecas, revelaram a mais adiantada civi li -zao americana. Com efeito, foi de uma artrocarpcea, aCastilloaelastica, abundante no antigo territrio do vice-reino do Peru,que se tirou o caucho, ali conhecido, em meados do sculo XVII I ,pelos membros da expedio da Academia das Cincias de Paris.D iscpulos dos incas, foram os omguas os mestres dos nossospatrcios da hilia amaznica, onde no tardaram a ser encontra-

    das duas timas rvores lactferas: aHevea brasiliensis, que agrande produtora da borracha brasileira;e amimusopsda famlia

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    das sapotceas, que da balata, a qual a nossa preciosa guta-

    percha. Pois bem: foi La Condamine que, compreendendo o altovalor industrial do caucho e as vantagens de introduzir na Europao til produto, mandou-o em 1740 ou levou-o pessoalmente paraa Frana em 1744. Pronunciando-se ali oxi tonamente a vozincaica, veio ela a transformar-se na esquisita grafia caoutchouc.Mui to embora a borracha fosse conhecida e utilizada pelos primiti-vos donos do Hemisfrio ocidental, quando a este aportou Colombo,

    em 1492 como se depreende das obras de Angleria(De OrbeNovo), Oviedo(Historia General y Natural de las Indias),Sahagn(Historia General de las cosas de Nueva Espaa),Torquemada(Monarchia Indiana) e Neuville(Observationscurieuses sur toutes les parties de la physique) lci to asseve-rar, consoante fez o nosso ilustre compatrcio Miguel Calmon duPin e Almeida, pg. 196 do seu erudi to volume sobreFatos

    Econmicos(Rio, 1913), que a Condamine, principalmente, sedeve a sua divulgao na Europa.

    Logo aps o seu regresso do Novo Mundo, fez umaviagem Itlia, em 1747, ali travando boas relaes de amizadecom o papa Benedi to XIV (1740-1758), de quem obteve licenaespecial, com dispensa do impedimento da consanginidade, para

    que o sbio francs pudesse desposar uma sobrinha. Esteve depoisna Inglaterra, donde no voltou mui to satisfeito, tanto que, emcerto folheto dado a lume apenas de retorno aos penates, ps emrelevo a pouco gentil hospitalidade britnica.

    A parenta foi-lhe mais enfermeira do que esposa, por-quanto La Condamine, afora a surdez que lhe apareceu na Am-rica e se agravou mais tarde, ainda ficou quase de todo paraltico;

    e o outro mal, de que sofria, a hrnia, veio a causar-lhe a morte,por motivo da operao a que se submeteu.

    Apresentao

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    Pertinaz foi o interesse que revelou pela profi laxia da

    varola, consti tuindo-se pelos seus escritos, que se estenderam porcerca de vinte anos (1754-1773), um autntico predecessor deEdward Jenner (1749-1823), o inventor da vacina.

    To pblica e notria se tornou a excessiva ou abusivacuriosidade de La Condamine, que se lhe atribui o haver lido,por cima dos ombros da duquesa de Choiseuil, uma carta ntimaque ela estava escrevendo, e ter sido encontrado pelo duque, nogabinete particular deste, a devassar-lhe a correspondncia; con-tando-se, mais, que se introduziu no meio dos ajudantes do car-rasco, quando, em 1757, foi torturado e esquartejado, em Paris,Robert-Franois Damiens, que feri ra a Lus XV com umacanivetada.

    To amigo de novidades cientficas era o seu esprito

    que, aos 73 anos, inteirado de que um jovem cirurgio haviadescoberto e estava aplicando certo processo para o tratamento e acura das hrnias, no hesitou em submeter-se operao da deque era portador, malgrado saber do perigo a que se expunha.Morreu, com efeito, poucos dias aps haver sofrido a intervenocirrgica, isto , a 4 de fevereiro de 1774.

    A sua memria ficou perpetuamente ligada s de dois

    outros insignes compatrcios seus, por motivo de haver ocupadocuruis dos dois mais altos cenculos intelectuais da Frana e dos deoutros pases da Europa culta, pois que tambm se lhe abriram asportas da Academia de Berlim, da Academia de So Petersburgo,da Real Sociedade de Londres e do Insti tuto de Bolonha. Recebeuainda o hbi to de cavaleiro da Ordem de So Lzaro. Condorcet,que, antes de pertencer Academia Francesa, foi membro da

    Academia das Cincias de Paris (onde sucedeu, no cargo de secre-trio, a Grandjean de Fouchy, em 1777), no podia deixar de

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    incluir em seus admirveisElogios o nome de La Condamine,

    a quem tributou a mais encomistica justia; e coube a Buffon(1707-1788) o elevado encargo de responder ao discurso de re-cepo de La Condamine na Academia Francesa.

    Por ocasio do seu ingresso no cenculo, cujos estatutosdatam de 1635 e so devidos a Richelieu, no faltou quem lheatirasse a zargunchada dos versos seguintes:

    De La Condamine, aujourdhui ,Entre dans la troupe immortelle.I l est sourd: tant mieux pour lui !Mais pas muet: tant pis pour elle!

    D igno era ele, realmente, de pertencer quelesimortalizantes sodalcios, porque, alm de exmio cultor dos conhe-cimentos positivos, ainda se tornou, jem adiantada ancianidade,

    um emocionante conversado das musas. Surdo e torturado pelasmacacoas da velhez, La Condamine buscou lenitivo aos seus sofri-mentos fsicos em versos singelos, repassados de naturalidade esentimentalidade, com que modulou canes, tristonhas umas ealegres as demais, no lhe tendo faltado para uma dessas coletneaseditor benvolo. E suas composies poticas no deixaram de serlidas ento com sincero apreo por quantos lhe podiam avaliar osmritos de homem de letras, a quem no faltava a venerandaaurola de cientista consagrado. Alm disso, muitos artigos de sualavra, versando assuntos especulativos ou meramente literrios, fica-ram dispersos peloAlmanack des Muses, Mercure de France ePhilosophical Transactions, no falando nos que foram insertos,de 1731 a 1772,noRecueil de lAcadmie des Sciences.

    Os dois aspectos primaciais do talento de La Condaminedeveriam ter sido, repartida e apropositadamente, o fulcro das

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    justas homenagens que lhe foram preiteadas, embora sem nenhu-

    ma solenidade espetacular, pelos nossos mais elevados sindriosdos gneros por ele mais particularmente cultivados a Acade-mia Brasi leira de Cincias e a Academia Brasileira de Letras.Naquela, cumpre-me pr em justo destaque a erudi ta confern-cia que A propsi to do bicentenrio da expedio do Equadorali proferiu o Prof. JosFrazo M ilanez e foi dada a lume peloJornal do Comrcio (nmeros 5 e 12 de dezembro de 1943)

    desta capital.*Releva, entretanto, ponderar que, considerando-se ha-

    ver sido em 1744 que ele ultimou a sua importante misso emterras do Novo Mundo, e cujo remate consistiu na explorao donosso rio-mar a Epasa que melhormente lhe comemora o cente-nrio da frutuosa viagem, reedi tando-lhe, cuidadosamente

    vernaculizado e carinhosamente anotado, o interessante relatrio,apresentado e lido, em comeos de 1745, Academia das Cinciasde Paris. O presente volume traz no s a carta de La Condamine,concernente ao motim popular de Cuenca e que, com a data de1764, se juntou 1aed. daRelation abrge (de 1745), comotambm as que apareceram na ed. de 1778, uma dele prprio e aoutra da lavra de Godin des Odonais. Como ambas so da maior

    relevncia e pode haver quem queira averiguar se o tradutor delasno foi umtraditore, informa-se que elas podem ser lidas no origi-nal s pgs. 321-328 e 329-379 do volume da referida 2aed.,existente em nossa Biblioteca Nacional.

    Afora as obras a que jfiz especificada e detida refe-rncia, cabe-me a obrigao de citar ainda outros trabalhos de LaCondamine, tambm postos em letras de imprensa, e pelos quais

    se vque o seu irrequieto e culto esprito tanto se preocupava com*O Rio de Janeiro. (N.E.)

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    a astronomia, a geografia e a histria natural quanto com a edu-

    cao e a medicina. Excetuando-se o ltimo do rol .abaixo, todosos mais saram de tipografias da capital francesa.

    Foram as seguintes:La distance des tropiques(1738);La figure de la TerreDetermine par les observations de MM.De La Condamine et Bouguer (1749); Lettre critique surlducation (l751); Mesure des trois premiers dgrs du mridiendans lhemisphre austral (1751); Histoire des pyramides deQuito (1751); Mmoires sur linoculation (1754, 1758, 1765);Lettres Daniel Bernouilli sur l inoculation) (1760); [truncadono original]...tion en France (1764); Le pain mollet Pome(1768); eHistoire de linoculation de la petite vrole (Avignon,1773).

    Entre os seus escritos que ficaram inditos, conta-se o

    intituladoVoyage au Levant.As principais fontes de informao sobre a vida e as obras

    de La Condamine so as seguintes: Condorcet,loge deLa Condamine(doslogesda Academia das Cincias); Delille,Discours de rception lAcadmie Franaise; Buffon, Rponse au discours de rceptionde La Condamine lAcadmie Franaise; Voltaire, Dictionnairephilosophique, verbete Curiosi t; Chaudon et Delandine,

    Dictionnaire universel, historique, critique et bibliographique;Rvue Encyclopdique, tomo XI I, pg. 483; Hoefer, Nouvellebiographie gnrale, vol. XXVIII, pg. 545; Frederico Ruiz Morcuende,

    s pgs. VII -IX deRelacin abreviada (Madri , 1921); e RodolfoGarcia, que, em suaHistria das Expedies Cientficas, inserta spgs. 856-910 do vol. I doDicionrio histrico, geogrfico eetnogrfico do Brasil, faz referncia, como jconsignei atrs, aos tra-balhos de La Condamine, s pginas 867-869.

    BASLIODEMAGALHES

    Apresentao

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    ingum ignora que hdez anos vrios astrnomos

    da Academia foram enviados por ordem do Rei ao Equador e aoCrculo Polar, para a medir os graus terrestres, ao passo que ou-tros acadmicos faziam em Frana as mesmas operaes.

    Num outro reino, todas essas viagens, com a aparelha-gem e o nmero de observaes exigidas, no poderiam ter sidoseno o fruto de uma longa paz. Sob Lus XV, elas foram concebi -das e levadas a cabo durante o curso de duas guerras sangrentas; e

    enquanto os exrcitos do Rei voavam dum extremo ao outro daEuropa para o socorro dos seu soldados, os matemticos, espalhadospela superfcie da Terra, trabalhavam nas zonas trrida e glacialpara o progresso das cincias, e no proveito comum das naes.

    Eles trouxeram, como resultado de seus trabalhos, adeciso duma questo clebre; deciso cuja uti lidade parti lham a

    geografia, a astronomia, a fsica geral, e a navegao. Eles esclare-ceram uma dvida que interessa vida dos homens. Essas razes

    Prefcio

    .......................................

    Floriferis, ut apes, in saltibusomnia libant;Omnia nos...

    LUCRCIO

    N

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    mereciam que se empreendessem todas as labutas para se chegar a

    bom termo: a Academia no esmoreceu desde que se dedicou empresa, e acaba de dar-lhe a ltima demo.

    Sem insistir nas conseqncias diretas e evidentes quese podem tirar do conhecimento exato dos dimetros terrestrespara aperfeioar a geografia e a astronomia, o dimetro do Equa-dor, uma vez reconhecido como mais longo que o que atravessa aTerra de um plo ao outro, fornece um novo argumento, parano dizer uma demonstrao nova da revoluo da Terra emtorno do eixo, revoluo que se prende a todo o sistema celeste. Otrabalho dos acadmicos, jquanto medida dos graus, jquanto

    s experincias do pndulo, aperfeioadas e feitas com tanta pre-ciso em diferentes latitudes, traz nova luz acerca da teoria dopeso, que mal comea a sair das trevas. Enriquece a fsica geral,

    com novos problemas atagora insolveis sobre os nmeros e asdi rees da gravidade nos diversos lugares da Terra. Enfim, colo-ca-nos em vias de descobrir coisas ainda mais importantes, comoa da natureza da gravitao universal e suas verdadeiras leis, foraque anima os corpos celestes e que rege todo o universo.

    Os erros que o conhecimento da configurao da Terrapode fazer evitar aos navegadores deixam de o ser por que existem

    outros que so ataqui sem remdio? No, sem dvida. Quantomais se aperfeioar a arte de navegar tanto mais se sentira utili-dade de conhecer a forma da Terra. Tocamos talvez no assuntoquando essa uti lidade ainda no percebida sensivelmente pelos

    Prefcio

    1 Os arcos de meridiano, medidos pelas expedies de meados do sculo XVIII, foram substitudos,

    nas duas centrias seguintes, pelo arco de Spitzberg, medido pela comisso russo-sueca e pelonovo meridiano de Quito (arco do Equador), medido por uma comisso francesa, cujos serviosse estenderam de 1899 a 1906. (Nota de B. de M.)

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    marinheiros. Mas deixa de ser importante quando esse momento

    estainda distante? pelo menos certo que quando se duvida se aTerra alongada ou achatada tanto mais importncia prtica tem osaber-se a que nos devemos apegar para tomar medidas decisivas.

    Das trs viagens que tiveram por objeto, nestes ltimostempos, a medida dos graus terrestres, a primeira projetada e altima realizada a que fizemos ao Equador em 1735, MM.Godin, Bouguer e eu. O pblico foi informado, hvrios anos,do sucesso dos trabalhos dos acadmicos que operaram no crculopolar e nos nossos climas; e M. Bouguer, chegado primeiro que eu

    Frana, prestou contas na Assemblia Pblica da Academia, aos14 de novembro de 1744, do resultado de nossas observaes nalinha equinocial, e do acordo que se observa entre este resultadoe os do norte e de Frana. Cada um comparado com outro dos

    dois resultados prova o achatamento da Terra nos plos.Maior ateno hde reservar-nos para a histria de

    nossa medio da Terra, ou seja: para nossas observaes astron-micas e operaes trigonomtricas na provncia de Quito na Am-rica meridional; obra de que somos obrigados Academia e aoPblico, pois que foi para ela que nos enviaram to longe.

    Terminada a questo da configurao da Terra, e ate-nuada a curiosidade pblica neste particular, cri interessar mais aassemblia pblica de 26 de abril ltimo, com uma relao deviagem pelo rio das Amazonas, que desci desde o ponto em quecomea a ser navegvel atembocadura, percorrendo uma ex-tenso de mais de mil lguas. Mas a abundncia de assuntos no

    2 Ver oLivro da Figura da Terra,de M. De Maupertius, e outro sobre o Meridiano, de M. Cassini deThury.

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    me permitiu encerrar-me nos limites prescritos leitura; acha-

    ram-nos realmente acanhados, e fui obrigado a fazer acrescenta-mentos medida que ia lendo, o que interrompeu necessaria-mente a ordem e o seguimento do primeiro extrato. A minhapublicao de hoje apresenta-se na forma primi tiva.

    Para no iludi r aqueles que num relato de viagem sprocuram acontecimentos extraordinrios, e pinturas agradveisdos costumes estrangeiros e hbitos desconhecidos, devo advertirque esses aqui encontraro pouco de que se satisfaam. No tive aliberdade de fazer passear o leitor indi ferentemente por todos osobjetos apropriados a adular a sua curiosidade. Um dirio histri-co que escrevi assiduamente durante dez anos, talvez me fornece-ria os materiais necessrios a essa empresa: mas no se me depa-rou nem o lugar nem a ocasio de o fazer. Aqui o que interessa

    o levantamento da carta de curso de um rio que atravessa vastasregies, quase desconhecidas de nossos gegrafos. Tratava-se de daridia disso numa memria destinada a ler-se na Academia dasCincias. Numa semelhante exposio, mais me preocupando ins-truir do que divertir, aquilo que no toca geografia, astrono-mia, ou fsica comea a parecer digresso que afasta do meuobjetivo; mas por outro lado no era justo que eu abusasse da

    pacincia daqueles que, em maior nmero, compunham a assem-blia pblica, lendo uma l ista de nomes brbaros de naes erios, e um jornal de alturas do Sol e das estrelas, lati tudes e longi-tudes, medidas, rotas, distncias, sondagens, variaes de bssola,experincias de barmetro, etc. Esse era entretanto o fundo maisrico, e o que fazia o maior mrito de minha relao: era a nicacoisa que a podia distinguir de uma viagem ordinria. Tratei de

    achar um equilbrio entre esses dois extremos. Destinei toda amincia da parte astronmica e geomtrica s memrias da Aca-

    PrefcioPpPPPPPPrefcio

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    demia, ou coleo de nossas observaes, que lhe deve ser como

    uma continuao. No registro aqui seno os fatos capi tais, e aposio dos lugares mais notveis, seguindo a ordem da narrao.Tratei com algum desenvolvimento a questo das amazonas ameri-canas, porque me pareceu que isso se esperava de mim. Introduzientre as notas de fsica e histria natural alguns fatos histricos,quando eles no me desviavam muito do assunto. Eu no podiaevi tar de referir algumas discusses geogrficas, intimamente ligadas

    matria. Tal a comunicao do rio das Amazonas com o Orinoco,ligao antigamente admitida, depois negada, e enfim novamenteestabelecida por testemunhos decisivos. Tal o caso das perquiriesda Cidade do Ouro, e do marco plantado por Teixeira, e do lagoParima, e da cidade de Manoa, e do rio de Vicente Pinzn, etc.Cada um destes temas poderia ser o objeto de uma dissertao.Deles no tratei seno de passagem, pois sei quo pequeno o

    nmero de leitores curiosos por essas mincias, bem que teis einteressantes para os que amam este gnero de estudos. A precauoque tive de apor os ttulos marginais dara cada um a facilidadede escolher as matrias que forem de seu gosto.

    A pequena carta do curso do Amazonas, que acompa-nha este relato, bastarpara fixar a imaginao do leitor, en-

    quanto no posso dar uma maior e mais minuciosa em nossasmemrias, onde relatarei os meios que empreguei para a levan-tar; mas a grande no aparecerseno quando eu tiver alcanadoo grau de preciso que lhe posso conseguir, revendo todos os meusclculos de rotas e distncias, e corrigindo-os pelas minhas obser-vaes astronmicas. o que eu no poderia realizar hoje seno

    3 Em lugar de ttulos marginais, preferimos dividir o Relatoem captulos, com os respectivossumrios. (Nota desta edio.)

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    imperfeitamente, faltando ainda as observaes de longitude fei-

    tas com referncia a qualquer meridiano conhecido, para supriraquelas que no puderam ainda fazer-se em Paris, em correspon-dncia com as minhas em diversos lugares de minha rota.

    Juntei ao curso do Amazonas a topografia da provnciade Qui to, tirada da Carta de Tringulos de nosso meridiano. Fiza descrio da costa da mesma provncia, da rota de Quito aLima, e de Quito a Popayn, segundo as minhas viagens particu-lares e s de M. Bouguer. O resto da carta foi extrado de diversasmemrias, jornais e notas, que me foram comunicados no paspor vrios missionrios ou viajantes inteligentes. M. Danville,4

    gegrafo do rei, cuja habi lidade conhecida, me foi de grandevantagem para concatenar e redigir esses materiais esparsos, e en-riquecer a minha carta.

    Segui as ortografias espanhola e portuguesa com respei-to aos nomes dessas duas lnguas, e aos nomes indgenas dos pasessubmetidos dominao dessas duas Coroas. Eu quis assim evitaro inconveniente de os tornar irreconhecveis aos autores originais.

    4 Jean-Baptiste Bourguignon dAnville (1697-1782), irmo do clebre gravador Huberet Bourguignon(1699-1773), mais conhecido por Gravelot, deixou notveis estudos sobre metrologia e geografiaantigas. Deve-lhe assinalados progressos a cartografia, sobretudo a respeitante geografia histrica,pois desta lucubrou mais de 200 trabalhos. (Nota de B. de M.)

    Prefcio

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    o fim de maro de 1743, depois de eu ter passado seis mesesnum deserto, em Tarqui, perto de Cuenca, no Peru, ocupado noite e dia alutar contra um cu pouco favorvel astronomia, M. Bouguer me fezcomunicar que realizara, perto de Quito, no extremo setentrional de nossomeridiano, diversas observaes sobre uma estrela situada entre nossos doisznites, durante vrias das mesmas noites em que eu a estivera observandode meu lado, na extremidade austral da referida linha. Por essas observaessimultneas, sobre cuja importncia eu havia tanto insistido, havamos ad-quirido a vantagem singular de poder concluir, diretamente e sem nenhumahiptese, a verdadeira amplitude de um arco de trs graus do meridiano,quando lhe conhecamos geometricamente o comprimento, e pudemostirar essa concluso sem nada temer quanto a variaes quer pticas querreais, mesmo desconhecidas nos movimentos da estrela, pois que tinha sidoobtida no mesmo instante por ambos os observadores nas duas extremidadesdo arco. M. Bouguer, de volta Europa alguns meses antes de mim, partici-pou o nosso resultado ltima nossa assemblia pblica. Este resultado estde acordo com o das operaes feitas sob o crculo polar.5 Ele no concordamenos com os ltimos, executados em Frana,6 e todos conspiram em

    IA medio da Terra e o seu achatamento Outros traba-lhos acadmicos Viagens particulares As pi rmides e

    suas inscries

    N

    .......................................

    5 Por MM. De Maupertius, Clairaut, Camus e le Monnier, desta Academia, pelo abade Outhier,correspondente da Academia, e Celsius, professor de astronomia de Upsala.6Por MM. Cassini de Thury, e abade de la Caille.

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    fazer da Terra um esferide achatado nos plos. Partidos do ms de abril

    de 1735, um ano antes dos acadmicos enviados ao Norte, chegamos seteanos demasiado tarde para ensinar Europa alguma coisa nova sobre a figu-ra da Terra. Desde ento este assunto foi refeito por mos to hbeis, que euespero se me agradecer o enviar s memrias da Academia a narrao deminhas observaes particulares a respeito desta matria, renunciando eu odireito que me assiste de hoje entreter com elas esta assemblia.

    No me deterei aqui em fazer o relato dos outros trabalhosacadmicos, independentes da medida da Terra, aos quais nos entregamos

    tanto em comum quanto em particular, j na nossa rota da Europa para aAmrica, em lugares onde estanciamos, j depois de nossa chegada provn-cia de Quito, durante os intervalos freqentes causados pelos obstculosmais diversos, que no fizeram seno retardar vezes muitas o progresso denossas operaes. Ser-me-ia preciso para isso fazer o extrato dum grandenmero de memrias enviadas Academia desde sete ou oito anos, algunsdos quais no chegaram mesmo Frana, enquanto outros nem sequerapareceram, mesmo em resumo, nas nossas colees. No falarei absoluta-

    mente, pois, por agora, de nossas observaes astronmicas ou geomtricasda latitude e longitude de um grande nmero de lugares; da observao dosdois solstcios de dezembro de 1736 e junho de 1737, e da resultanteobliqidade da eclptica; de nossas experincias sobre o termmetro e obarmetro, e a declinao e inclinao da agulha imantada, sobre a velocida-de do som, sobre a atrao newtoniana, sobre o comprimento do pndulona provncia de Quito, em diferentes elevaes acima do nvel do mar,sobre a dilatao e condenao dos metais; nem lembrarei as duas viagensque fiz, uma em 1736 desde a costa do mar do Sul at Quito, subindo o riodas Esmeraldas, e a outra em 1737, de Quito a Lima.

    Dispensar-me-ei enfim de contar aqui a histria das duas pir-mides que fiz erigir, para fixar perpetuamente os dois termos da base funda-mental de todas as nossas medidas, e prevenir desse modo os inconvenien-tes que demasiado experimentamos em Frana, por falta de semelhanteprecauo, quando se quis verificar a base de M. Picard. A inscrio proje-

    tada, antes de nossa partida, na Academia das Boas-Letras, e a seguir depostasobre as pirmides, com as mudanas que as circunstncias do tempo e

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    lugar exigiram, foi denunciada pelos dois capites de marinha do rei de

    Espanha,7

    nossos adjuntos, como injuriosos a Sua Majestade Catlica, e no espanhola. Eu pessoalmente sustentei durante dois anos o processo in-tentado contra mim por essa causa, e o ganhei, por fim, contra a opinio doParlamento de Quito. O que passou neste choque, e diversos outros acon-tecimentos interessantes de nossa viagem, que a distncia dos lugares tantodesfigurou nas narraes que aqui chegaram, so antes assunto para umaexposio histrica, do que para uma memria acadmica. Limitar-me-einesta ao que concerne a minha volta Europa.

    7Esses oficiais da armada espanhola foram Jorge Juan Santacilia e Antonio de Ulloa. O segundoadquiriu depois justo renome, como militar, cientista e escritor. Alm de haver fundado oObservatrio Astronmico de Cdiz e o primeiro laboratrio metalrgico que houve em suaptria, ainda deixou duas obras importantes: uma sobre a comparticipao que ele e seu colegade farda tiveram na expedio de La Condamine, e intitulada Relacin histrica del viaje a la

    Amrica Meridional(1748); a outra tambm sobre assuntos concernentes ao Novo Mundo,Notcias americanas(1792). Aos dois ainda se deve a obra, hoje muito rara, denominadaNoticiassecretas de Amrica. (Nota de B. de M.)

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    ara multiplicar as ocasies de observar, combinramos desde muitotempo M. Godin, M. Bouguer e eu, voltar por caminhos diferentes. Deter-minei escolher um quase ignorado, e estava seguro de que ningum mo inve-

    jaria; era o do rio das Amazonas, que atravessa todo o continente da Amricameridional, do Ocidente ao Levante, e passa com razo por ser o maior cursodo mundo. Eu me propunha a tornar til essa viagem, com levantar umacarta desse rio, e recolher observaes de todo gnero que tivesse ocasio defazer num pas to pouco conhecido. As que respeitam os hbitos e costumessingulares das diversas naes que lhe habitam as margens seriam muito maisprprias a excitar a curiosidade de um grande nmero de leitores; porm euacreditei que em presena de um pblico ao qual familiar a linguagem dosfsicos e gemetras, no me era permitido versar matrias estranhas ao objeti-vo desta Academia. Entretanto, para ser melhor entendido, no posso deixarde dar algumas noes preliminares a propsito do rio de que vamos tratar, eainda de seus primeiros navegadores.

    Comumente se cr que o primeiro europeu que fez o reconhe-cimento do rio das Amazonas foi Francisco dOrellana. Ele embarcou bem

    perto de Quito, em 1539, no rio Coca, que mais abaixo toma o nome deNapo; deste ele veio ter a um outro maior, e, deixando-se derivar sem outro

    I IProjeto de retorno pelo rio das Amazonas Viagem deOrellana Diversos nomes do rio das Amazonas Via-gem de rsua Outras tentativas Viagem de Teixeira Viagem do P. dAcua Carta do rio das Amazonas, porSanson Carta do P. Fritz Curso do Maranho Ca-

    minhos de Quito ao Maranho: Archidona, Caelos, Jan

    P

    .......................................

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    guia mais que a correnteza, chegou ao cabo Norte, na costa da Guiana, aps

    uma viagem de1.800lguas (10.000 quilmetros) segundo seus clculos.Esse mesmo Orellana pereceu dez anos depois, com trs navios que lhetinham sido confiados em Espanha, sem ter podido achar a verdadeira fozdo seu rio.8

    O encontro que ele diz ter feito quando descia, de algumasmulheres armadas, das quais um cacique ndio lhe tinha dito que desconfi-asse, foi a origem do nome rio das Amazonas. Alguns lhe chamaram Orellana;mas antes j ele se chamava Maran,9 do nome de um outro capito espa-

    nhol. Os gegrafos que fizeram do Amazonas e do Maranho dois riosdiferentes, enganados como Laet pela autoridade de Garcilaso e de Herrera,ignoravam sem dvida que no somente os mais antigos autores espanhis10

    originais o designam por Maran, desde 1513, seno que o prprio Orellanadiz no seu relato que foi descendo o Maranho que descobriu as Amazonas,o que decisivo. De fato, este nome lhe foi sempre conservado at hoje, hmais de dois sculos, pelos espanhis, para todo o seu curso, e desde ascabeceiras do alto Peru. Contudo, os portugueses estabelecidos desde 1616

    no Par, cidade episcopal situada prximo da boca mais oriental desse rio,no o conheciam a seno pelo nome de rio das Amazonas, e mais acimapelo de Solimes, e transferiram o apelido de Maran, ou de Maranhoem seu idioma, a uma cidade e a uma provncia inteira, ou capitania, vizi-nha do Par. Usarei indistintamente o nome de Maranho, ou de rio dasAmazonas.

    8 No exata a assero de La Condamine, quanto data da partida de Orellana, nem verdade quehaja este morrido foz do Amazonas, como tambm no certo que o descobrimento do rio-martenha sido efetuado em 1541. Francisco de Orellana saiu de Quito em fins de fevereiro de 1541;mas a expedio que realizou por sua prpria conta s se iniciou cerca de um ano depois. Comefeito, partindo da aldeia indgena de Aparia, a 2 de fevereiro de 1542, chegou foz do Amazonasquase seis meses mais tarde, isto , a 24 de agosto. Quatro anos depois, o seu esprito aventureirocompeliu-o a uma nova viagem parte meridional do continente colombiano, tendo expirado nailha Margarida, pelos fins de novembro de 1546. Tudo isto se encontra minuciosamente no volumeDescubrimiento del ro de las Amazonas Segn la relacin, hasta ahora indita, de fr. Gaspar deCarvajal, com outros documentos referentes a Francisco de Orellana y sus conpaeros Com una introduccinhistrica y algunas ilustraciones por JosToribio Medina(Sevilha, 1894), tiragem limitada a 200

    exemplares, da qual o autor desta nota possui o no

    40. (Nota de B. de M.)9 Pronunciar maranhn.10 Ver Pierre Martyr, Fernndez de Enciso, Fernndez de Oviedo, Pedro Cieza, Augustn Zarate.

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    Em 1560, Pedro de rsua,11 enviado pelo vice-rei do Peru a

    procurar o famoso lago de Ouro de Parima, e a cidade de El Dorado, que secriam vizinhos das margens do Amazonas, chegou a este rio por um afluen-te que vem do lado do sul, de que falarei a seu tempo. O fim de rsua foiainda mais trgico do que o de Orellana, seu predecessor. rsua pereceu smos de Aguirre, soldado rebelde que se fez proclamar um rei. Este desceua seguir o rio, e depois de longa rota que no est ainda bem esclarecida,tendo levado a toda parte a morte e a pilhagem, acabou por ser esquartejadona ilha da Trindade.

    Semelhantes viagens no faziam grandes luzes quanto ao curso dorio. Alguns governadores particulares fizeram depois, com to pequenos resulta-dos, diversas tentativas. Os portugueses foram mais felizes do que os espanhis.

    Em 1638, um sculo depois de Orellana, Pedro Teixeira,12

    enviado pelo governador do Par frente de um numeroso destacamentode portugueses e ndios, subiu o Amazonas at a confluncia do Napo,por terra, com alguns portugueses de sua tropa. Foi bem recebido pelosespanhis, pois que ambas as naes obedeciam ento ao mesmo senhor. Elevolveu, um ano decorrido, ao Par, pelo mesmo caminho, acompanhado dospadres dAcua13 e dArtieda, jesutas, nomeados para prestarem contas junto corte de Madri das particularidades da viagem. Eles calcularam o caminho apartir da aldeia de Napo, lugar do embarque, at o Par, em 1.356 lguasespanholas, o que vale mais de 1.500 lguas martimas, e mais de l.900 das

    11La Condamine grafou Ursoa o nome do clebre conquistador, que se chamava Pedro dersua (1526-1561). Veja-se a respeito dele o trabalho atribudo a Francisco Vsquez,Relacinde todo lo que sucedi em la jornada de Omagua y Dorado, hecha por el gobernador Pedro de Ursua(Madri, 1881),publicada pela Sociedad de Biblifilos Espaoles, numa tiragem limitada a 300exemplares, trazendo o no 9 pertencente ao autor desta nota. (Nota de B. de M.)

    12 A expedio de Pedro Teixeira verdadeira conquista da hilia amaznica para a coroa portuguesa efetuou-se de 17 de outubro de 1637 a 12 de dezembro de 1639. O melhor trabalho queexiste sobre ela de lavra espanhola, pois foi escrito por D. Martn Saavedra y Guzmn epubl icado por Marcos Jimnez de la Espada: Viaje del capitn Pedro Teixeira aguas arriba del rode las amazonas(Madri, 1889). (Nota de B. de M.)

    13O padre Cristobal de Acua (1597-1675), pertencente Companhia de Jesus desde 1612, foimissionrio na Amrica do Sul, onde lecionou teologia moral em Quito, havendo ainda sido ali reitordo colgio de Cuenca. Tendo sido, em 1639, um dos companheiros do regresso da expedio de Pedro

    Teixeira, pde lucubrar o seu precioso trabalho Nuevo descobrimiento del gran ro de las Amazonas(Madri, 1641), aproveitado, pouco depois, em verdadeiro plgio, por um seu colega de roupeta. (Notade B. de M.).

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    nossas lguas comuns (cerca de 10.600km). A relao de tal viagem foi im-

    pressa em Madri em 1640. A traduo francesa feita em 1682, por M. DeGomberville, est nas mos de toda gente.

    O mapa muito defeituoso do curso desse rio, devido a Sanson,calcado em relato puramente histrico, foi depois copiado por todos osgegrafos, por falta de novas memrias, e no tivemos melhor at 1717.

    Ento apareceu pela primeira vez em Frana, no duodcimo tomodasCartas Edificantes, uma cpia de cada carta gravada em Quito em 1707, edirigida desde 1690 pelo padre Samuel Fritz, jesuta alemo, missionrio nasmargens do Maranho, rio que ele percorrera em toda a extenso.14 Por essacarta se soube que o rio Napo, que era ainda considerado a verdadeira fontedo Amazonas ao tempo da viagem do padre dAcua, no passava de umrio subalterno, que engrossava com suas guas as do Amazonas; soube-seoutrossim que este, sob o nome de Maran, saa dum lago perto deGuanuco, a trinta lguas de Lima.15 De resto, o padre Fritz, sem pndulo esem luneta, no pde determinar nenhum ponto em longitude. Ele nodispunha seno de um pequeno semicrculo de madeira, de trs polegadasde raio, para as latitudes; enfim, ele estava doente quando desceu o rio at oPar. Basta ler o seu jornal manuscrito, do qual possuo uma cpia,16 paraver que vrios obstculos, ento e por ocasio de sua volta misso, no lhepermitiram fazer as observaes necessrias para tornar exata a carta, princi-palmente na parte inferior do rio. Esse mapa no foi acompanhado de no-tas, a no ser algumas na mesma folha, quase sem qualquer pormenor his-trico; de sorte que nada se sabe na Europa de hoje em dia quanto ao que

    14Para que se possa bem avaliar a meritria capacidade do inaciano alemo, cumpre ler o excelentetrabalho que lhe consagrou Rodolfo Garcia e que foi inserto no tomo LXXXI daRev. do Inst.Hist. E Geogr. Bras., sob a epgrafe seguinte: O Dirio do padre Samuel Fritz (Com introduoe notas, 1917). O benemrito jesuta expirou a 20 de maro de 1725, aos 71 anos de idade, dosquais passou 40 na Amaznia. (Nota de B. de M.)

    15Hoje se sabe que o Amazonas nasce na serra nevada de So Loureno (5.500m) na cordilheirade Huayhuach (Peru), e que depois de um percurso de 45 quilmetros que atravessa opequeno lago Lauricocha. (Nota desta edio.)

    16 Ela foi tirada do original guardado nos Arquivos do Colgio de Quito, e me foi comunicada porD. Jos Pardo y Figueroa, marqus de Valleumbroso, hoje corregedor de Cuzco, bem conhecidona repblica das letras.

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    concerne aos pases atravessados pelo Amazonas, alm do que se havia aprendi-

    do h mais de um sculo pelaRelaodo padre Acua.17

    O Maranho, depois de sado do lago onde nasce a onze grausde latitude austral, corre para o norte at Jan de Bracamoros, na extensode seis graus, da ele se torna para o este quase paralelamente LinhaEquinocial at o cabo Norte, onde entra no oceano altura mesma doEquador, aps ter percorrido, desde Jan, onde comea a ser navegvel,trinta graus em longitude, ou 750 lguas comuns, avaliadas pelos rodeiosem 1.000 ou 1.100 lguas. Ele recebe do norte e do sul um nmero prodi-

    gioso de outros rios, muitos dos quais tm quinhentas ou seiscentas lguasde curso, no sendo alguns inferiores ao Danbio e ao Nilo. As margens doMaranho eram ainda povoadas, no faz um sculo, por um grande nme-ro de naes, que se retiraram para o interior das terras, mal viram os euro-peus. A no se encontram hoje seno umas poucas povoaes de naturaisdo pas, recentemente retirados dos bosques ou eles ou seus pais, uns pelosmissionrios espanhis do alto do rio, outros pelos missionrios portugue-ses estabelecidos na parte inferior.

    H trs caminhos que conduzem da provncia de Quito deMainas que empresta o nome s misses espanholas das margens doMaranho. Esses trs caminhos atravessam aquela famosa cadeia de monta-nhas, cobertas de neve, conhecidas como a cordilheira dos Andes. O pri-meiro, quase sob a Linha Equinocial, ao oeste de Quito, passa por Archidona,e leva ao Napo; foi o caminho que tomou Teixeira de volta de Quito, e odo padre Acua. O segundo por uma garganta ao p do vulco deTonguragua, a grau e meio de latitude austral; por a se chega provncia deCaelos, atravessando vrias torrentes cuja juno faz o rio chamado Pastaa,que entra no Maranho cento e cinqenta lguas acima do Napo. Esses dois

    17A obra intituladaEl Maran o Amazonas, de 1684, no mais que uma compilao informe.(Nota do autor.)Publicou-a na capital da Espanha, naquela data, o padre Manuel Rodrguez, de la Compaa deJess, procurador general de las provincias de Indias en la corte de Madrid. Tal foi oaproveitamento que, desde a pg. 101 at 141, nela fez doNuevo descubrimiento del gran ro de

    las Amazonas, do seu companheiro de regra religiosa, que Salva disse dela: volmen apreciablepor su raresa y por hallarse en l estractada casi copiada la obra de Cristoval de Acua. (Notade B. de M.)

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    caminhos so os que tomam ordinariamente os missionrios de Quito, os

    nicos europeus que freqentam essas regies, cuja comunicao com avizinha provncia de Quito quase totalmente interrompida pela cordilhei-ra, que no praticvel seno alguns meses do ano. O terceiro caminho por Jan de Bracamoros, cinco graus e meio de latitude austral onde oMaranho comea a ser navegvel; e este o nico por onde se possamconduzir bestas de carga ou de montaria de marcha a p, e preciso tudolevar s costas dos ndios; entretanto este o menos concorrido dos trs,tanto por causa das longas voltas e das chuvas contnuas, que tornam as

    rotas quase impraticveis durante a mais bela estao do ano, quanto peladificuldade e perigo dum desfiladeiro, chamado o Pongo, que se topa aodeixar a cordilheira. Foi principalmente para conhecer por mim mesmo talpasso, de que no se falava em Quito seno com uma admiraoentremisturada de medo, e para abranger na minha carta toda a extensonavegvel do rio, que escolhi esta ltima rota.

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    arti de Tarqui, limite austral de nosso meridiano, a cinco lguas aosul de Cuenca, no dia 11 de maio de 1743. Na minha viagem de Lima em1737 eu tinha seguido o caminho ordinrio de Cuenca a Loja; desta vezsegui um atalho que passa por Zaruma, para situar esse lugar na minhacarta. Corri certo risco ao vadear o rio de los Jubones, muito crescido ento,e sempre muito rpido; mas a troco desse perigo evitei um maior, 18 que meesperava no grande caminho de Loja.

    Duma montanha por onde passei na rota de Zaruma, v-seTumbes, porto do mar do Sul, onde os espanhis fizeram a primeira desci-

    da, alm da Linha, quando da conquista do Peru. Foi propriamente desseponto que comecei a distanciar-me do mar do Sul, para atravessar, do oci-dente para o oriente, todo o continente da Amrica meridional.

    Zaruma, situada a 3 40 de latitude austral, d o nome a umapequena provncia ao ocidente da de Loja. Laet, por mais exato que seja,

    I I IPartida de Tarqui Zaruma e suas minas de ouro; grandecalor Pontes de cip Loja A quinquina De Loja aJan Loyola e Valladolid Rios Chinchipe e Chachapoyas,afluentes do Maranho O porto de Jan Os saltos do

    Maranho Areias aurferas; cacau Chuchunga

    .......................................

    P

    18 Fui depois informado que pessoas encarregadas pelos autores ou cmplices do assassnio deSeniergues, nosso cirurgio, me esperavam no grande caminho de Cuenca a Loja. Elas sabiam que

    eu trazia comigo para a Espanha uma cpia autntica do processo-crime que eu tinhaacompanhado como executor testamentrio, e temiam com razo que a sentena da audincia deQuito, dada contra todas as regras, e cheia de nulidades, fosse cassada pelo Conselho de Espanha.

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    no faz dela nenhuma meno na sua descrio da Amrica. Esse lugar teve

    outrora alguma celebridade, pelas minas, hoje quase abandonadas. O ouroa de m qualidade, e somente de quatorze quilates; misturado de prata,e no deixa de ser demasiado doce submetido ao martelo.

    Achei em Zaruma a altura baromtrica de 24 polegadas e 2linhas (0,6546mm); sabe-se que essa altura no varia na Zona Trrida comonos nossos climas. Ns verificamos em Quito, durante anos a fio, que a suamaior diferena no passa absolutamente de uma linha e meia. M. Godinfoi o primeiro a notar que suas variaes, que so pouco mais ou menos de

    uma linha em vinte e quatro horas, tm alternativas muito regulares, coisaque, uma vez conhecida, permite julgar da altura mdia do mercrio, poruma nica experincia. Todas aquelas que havamos feito na costa do mardo Sul, e as que eu havia repetido na minha viagem de Lima, me tinhamensinado qual era essa altura mdia ao nvel do mar; assim pude eu concluirbem exatamente que o terreno de Zaruma tem a elevao de cerca de 700toesas (1.364m), 19 o que no chega metade da elevao do solo de Quito.Servi-me para esse clculo de uma tabela organizada por M. Bouguer sobre

    uma hiptese que corresponde at agora melhor do que qualquer outra anossas experincias do barmetro, feitas em diversas alturas determinadasgeometricamente. Eu chegava de Tarqui, pas assaz frio, e ressentia-me deum grande calor em Zaruma; entretanto eu no estava menos alto do quena Montanha Pelada da Martinica, onde tnhamos experimentado um frioacerbo, chegando duma regio baixa e quente. Suponho aqui j estaremtodos informados de que durante a nossa longa estada na provncia de Qui-to, debaixo da Linha Equinocial, reconhecemos constantemente que a ele-

    vao do solo maior ou menor decide quase inteiramente do grau de calor,e que no preciso subir 2.000 toesas para a gente se transportar de um valequeimado dos ardores do sol at o sop dum cmulo de neve to antigoquanto o mundo, a coroar uma montanha vizinha.

    19 Toesa (fr. Toise, ao tempo em que oi se pronunciava o, do lat.Tensa, subentendidobracchia), antiga medida linear, correspondente a 1 metro e 949 centmetros. Chamou-se toesa do

    Peru a usada por La Condamine, Jorge Juan Santacilia e Antonio Ulloa, e, antes da criao dosistema mtrico decimal (7 de abril de 1795), ainda a empregaram Delambre e Mchain,quando mediram, em fins do sculo XVIII, o meridiano de Paris. (Nota de B. de M.)

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    Encontrei no meu caminho vrios rios que era preciso atraves-

    sar em pontes de corda, de cascas de rvore, ou dessas espcies de cip que sechamam lianas, nas nossas ilhas da Amrica. Tais lianas entrelaadas em redeformam de uma outra margem uma galeria no ar, suspensa por dois grossos cabosdo mesmo material, e presas as extremidades de cada lado a ramos de rvores. Oconjunto apresenta o mesmo aspecto que o de uma rede de pescar, ou, antes, de umhamac indiano que fosse estendido atravs do rio. Como as malhas desse enredadoso muito largas, e o p poderia enfiar-se por elas, deitam-se alguns canios no fundode semelhante bero, para servir de soalho. V-se bem que o peso de todo o tecido

    em si mesmo, e mais ainda o do transeunte, deve fazer uma grande curva em todo oengenho; e se se pensa que o passante, no meio dele, sobretudo quando venta, se achaexposto a grandes balanos, facilmente se compreender que uma tal ponte, no rarode mais de trinta toesas (cerca de 60m) de comprimento, tem o quer que deterrfico primeira vista; entretanto os ndios que no so menos do que intrpidospor natureza, passam por a correndo, carregados de bagagens, e com as albardas dasmulas que se fazem atravessar a nado, e se riem de ver hesitar o viajante. Maseste tem logo vergonha de se mostrar menos resoluto. Essa no alis a esp-

    cie de ponte mais singular nem a mais perigosa que se usa no pas; mas adescrio me apartaria demasiado de meu assunto.

    Repeti, passando por Loja, as observaes de latitude e altura dobarmetro, j feitas em 1737; na minha viagem de Lima, achei os mesmos resul-tados,20Loja menos alto do que Quito, perto de 350 toesas (Quito tem 2.850mde altitude; Loja tem 2.220m), e o calor a sensivelmente maior; as montanhasda vizinhana no passam de colinas, em comparao com aquelas das cercanias deQuito. Elas no deixam porm de servir de divisrio para as guas da provncia, e

    o mesmo outeiro chamado Caxanuma, onde cresce a melhor quinquina,21 aduas lguas para o sul de Loja, d nascimento a ribeiros que tomam direes

    20Ver Memrias da Academia, 1938, pgs. 226 e 228, sobre a rvore de quinquina.21 Veja-se o que j se disse no Prefcio a propsito da quina, quer quanto denominao de uma

    das variedades dela, em que se perpetuou o nome do autor (aChinchona officinalis condaminea),quer quanto ao esforo dele no sentido de transplant-la para Caiena e para a Frana. Trsbotnicos espanhis, M utis, H iplito Ruiz e Jos Pavn descreveram outras espcies,cientificamente conhecidas por Chinchona succirubra, lanciflia, micranta, ntida e purprea.No Brasil, tanto se aclimaram as espcies peruanas, quanto se encontraram outras, entre asquais aRemijia hilair ii , de que se extrai o vieirinho, e a ferrugnea (vulgarmente chamada

    quina-da-serra). No so rubiceas as chamadas quina-brava, quina-cip, quina-cruzeira,quina-do-campo, quina-falsa, quina-do-mato, quina-de-so-paulo e quina-do-rio, todas emnosso pas empregadas pela medicina emprica. (Nota de B. de M.)

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    opostas, uns para o Ocidente, para o mar do Sul, e outros para o Oriente, a

    engrossar o Maranho.O dia 3 de junho passei-o todo em uma dessas montanhas.

    Com a ajuda de dois ndios dos arredores, que eu havia tomado para meguiar, no pude em toda a jornada recolher mais que oito ou nove mudas dequinquina, aptas a serem transportadas. Fi-las meter com a terra do lugarem uma caixa suficientemente grande. Essa caixa foi transportada com pre-cauo por homem que caminhava sob as minhas vistas at o lugar em queembarquei; eu esperava conservar ao menos algum p, que poderia deixar

    depositado em Caiena, se no se apresentasse em estado de poder ser trans-portado atualmente para a Frana, para o jardim do Rei.

    De Loja a Jan atravessam-se os derradeiros contrafortes da cor-dilheira. Por todo esse caminho se marcha quase sempre atravs de flores-tas, onde chove cada dia durante onze, e algumas vezes doze meses por ano;no possvel secar a o que quer que seja. Os cestos, cobertos de peles deboi, que so as malas do pas, apodrecem, e exalam um cheiro insuportvel.Passei por duas cidades que s tinham o nome, Loyola e Valladolid, ambasopulentas e povoadas de espanhis h menos de um sculo, e agora reduzi-das a pequenas aldeias de ndios e mestios, e decadas de sua primitivasituao. Jan mesma, que ainda mantm o ttulo de cidade, e que deveriaser a sede da residncia do governador, no passa hoje de uma aldeia ruim.Outro tanto aconteceu maior parte das cidades do Peru distanciadas domar, e muito desviadas do grande caminho de Cartagena a Lima. Encontreiem toda essa rota muitos rios que tive de passar, uns a vau, outros por essaspontes de que acabo de falar, e outros sobre jangadas que se fazem ali mes-mo, com um lenho de que a natureza prov todas essas florestas. Esses riosreunidos formam um outro grande e muito rpido chamado Chinchipe,mais largo que o Sena em Paris. Por ele desci de jangada percorrendo cincolguas, at Tomependa, aldeia ndia vista de Jan, em uma situao agrad-vel, na confluncia de trs grandes rios. O Maranho fica no meio. Elerecebe do sul o rio Chachapoyas, e do oeste o Chinchipe, por onde vimdescendo.

    Essa juno dos trs rios fica a 5 30 de latitude austral, e desdea o Maranho, pesar de seus rodeios, vai sempre aproximando-se a pouco e

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    pouco da Linha Equinocial, at a sua embocadura. Abaixo do referido ponto

    o rio se estreita, e rasga passagem entre duas montanhas; a violncia da corren-te, os rochedos que a barram, e vrios saltos, o tornam impraticvel. O que sechama o Porto de Jan, o lugar onde se obrigado a ir embarcar, fica a quatrodias de Jan, no rio de Chuchunga, que vai dar no Maranho, abaixo dossaltos. No entanto, um expresso que eu enviara a Tomependa, com ordens dogovernador de Jan ao seu lugar-tenente de Santiago, para me enviar umacanoa ao porto, atravessara todos os obstculos em uma pequena jangada feitade dois ou trs pedaos de madeira, o que basta a um ndio nu e excelente

    nadador, como todos os so. De Jan ao porto atravessei o Maranho, e meachei vrias vezes nas suas margens. Nesse trecho o rio recebe do norte vriastorrentes que, no tempo das grandes chuvas, carreiam uma areia misturada depalhetas e gros de ouro. Os ndios vo recolher, ento, precisamente a quan-tidade necessria para pagar o tributo ou capitao, e somente o fazem quan-do esto muito solicitados a pag-lo. O resto do tempo eles calcariam o ourodebaixo dos ps, em vez de se darem ao trabalho de o recolher e triar. Em todaessa zona, as duas margens do rio esto cobertas de cacau selvagem,22 que no

    menos bom que o cultivado, e de que os ndios no fazem tampouco omenor caso.

    Na quarta jornada aps a minha partida de Jan, vadeei vinte euma vezes a torrente do Chuchunga, e uma ltima vez o atravessei de bote;as mulas, em caminho de casa, se lanaram a nado mesmo carregadas, emeus instrumentos, livros e papis, tudo ficou molhado. Era o quarto inci-dente deste gnero que eu tinha padecido desde que viajava nas montanhas;meus naufrgios no cessaram seno com o embarque.

    Achei em Chuchunga uma aldeia de dez famlias ndias, gover-nadas por um cacique, que entendia pouco mais ou menos tantos termosespanhis quantos eu da sua lngua. Em Jan fui obrigado a desfazer-me dedois criados do pas, que poderiam servir-me de intrpretes. A necessidade

    22 To saboroso achou o chocolate o botnico a quem coube dar nome ao cacau, que o qualificou demanjar divino, exata traduo da voz gregatheobroma. O originrio, provavelmente, dos vales do

    Orinoco e do Amazonas, o nossoTheobroma cacao(da famlia das esterculiceas) apresenta duasvariedades: a silvestre e a cultivada. Na Amrica espanhola, as suas trs espcies receberam asdenominaes decacao criollo, cacao forasteroecacao calabacillo. (Nota de B. de M.)

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    me sugeriu o meio de passar sem eles. Os ndios de Chuchunga no tinham

    mais que pequenas canoas, prprias para o uso que delas fazem, e a que euhavia mandado buscar em Santiago por um prprio no podia chegar antesde quinze dias. Encarreguei o cacique de mandar fazer-me pelos seus ho-mens uma jangada ou balsa ( o nome que do no pas a essa embarcao e madeira de que ela se faz),23 e a pedi to grande, que me coubesse comtodos os instrumentos e bagagens. O tempo necessrio para preparar a balsame deu o de secar os papis e livros, folha por folha, precauo to necess-ria quanto aborrecida. O sol no se mostrava seno pelo meio-dia: era o

    bastante para que uma pessoa pudesse tomar a altura. Achei 5 21 delatitude austral, e vi pelo barmetro, mais baixo dezesseis linhas que beira-mar, que 235 toesas acima do seu nvel (a cerca de 460m de altura) h riosnavegveis sem interrupo. Contudo h uma aparncia bem grande de queo ponto em que comea a navegao de um rio que tem antes mais de millguas de curso deve ser mais acima do que o dos rios ordinrios.

    23 Jangada, nome que se presume oriundo de xangd, voz malaiala, designa atualmente, emnosso pas, uma embarcao chata, usada pelos pescadores da costa oriental e formada de cincopaus rolios (o mimbura central, dois meios e dois bordos), aos quais se junta um mastro (obor). A zona da jangada, como se pode ver noDicionrio Martimo Brasileiro(Rio, 1877), pg.

    109, a compreendida entre os rios So Francisco e Caracu. O apelativo aplica-se tambm a duasrvores da nossa flora: a jangada-brava, da famlia das tiliceas (Heliocarpus americanus); e ajangada-do-campo, da famlia das borraginceas (Cordia superba). (Nota de B. de M.)

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    o dia 4 de julho, depois do meio-dia, embarquei em umapequena canoa de dois remadores, precedido da balsa, escoltado por todosos ndios do aldeamento. Eles entraram ngua at a cintura para a conduzira mo nos passos perigosos, e ret-la entre os rochedos, e nos pequenossaltos, contra a violncia da correnteza. No dia seguinte de manh, depoisde muitas voltas, desemboquei no Maranho, cerca de quatro lguas para onorte do lugar em que eu havia embarcado. a que comea a ser navegvel.Foi necessrio aumentar e fortificar a jangada, proporcionada ao leito doriozinho por onde eu viera. De noite o rio cresceu dez ps, e foi necessriotransportar s pressas a folhagem que me servia de abrigo, que os ndiosconstroem com habilidade e presteza admirveis. Estive retido nesse lugarpor trs dias, a conselho, ou antes por ordem dos meus guias, a quem euestava obrigado de atender. Eles tiveram bastante tempo para preparar abalsa, e eu para fazer observaes. Medi geometricamente a largura do rio:achei 135 toesas (263m), embora j diminudo de 15 a 20 toesas. Vriosafluentes que ele recebe acima de Jan so mais largos, o que me fez concluirque ele deve ser a de uma grande profundidade; efetivamente, com umcordel de 28 braas (46,48m), no encontrei fundo seno no tero da largura.

    No pude sondar no meio do leito, onde a velocidade de uma canoa abando-nada corrente era de uma toesa e um quarto por segundo (cerca de 2,5m).

    IVOnde o Maranho comea a ser navegvel Cumbinama,Escurrebragas, Guaracayo Rio e cidade de Santiago Osxibaros Borja, capital das misses espanholas O Pongo deManseriche Acidente singular Choque da jangada com o

    rochedo Provncia de Mainas Raridade das pedras

    N

    .......................................

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    O barmetro, mais alto quatro linhas que no porto, mostrava que o nvel

    da gua era mais baixo cerca de 50 toesas (quase 100m), desde Chuchunga,onde no gastei mais que oito horas para descer. Observei no mesmo lugara latitude de 5o 1 para o sul.

    No dia 8 prossegui caminho, e passei pelo estreito deCumbinama, perigoso pelas pedras de que est cheio. No tem mais de 20toesas de largura. Ao dia seguinte encontrei o de Escurrebragas, que de outrotipo. O rio, detido por uma encosta de rocha muito escarpada em que esbarraperpendicularmente, obrigado a se desviar subitamente, fazendo um ngulo

    reto na primeira direo. O choque das guas, com toda a velocidade adquiri-da pelo estreitamento do canal, cavou na rocha uma enseada profunda, ondeas guas da margem do rio so retidas, apartadas pela rapidez das do centro.Minha jangada, sobre a que eu ento estava, carreada pelo fio da corrente paraessa cavidade, no fez outra coisa seno girar durante uma hora e alguns minu-tos. As guas, girando, me arrastavam para o meio do leito do rio, onde ochoque da grande correnteza fazia vagas que teriam infalivelmente feito sub-mergir uma canoa. O tamanho e a solidez da jangada punham-na em segu-

    rana neste particular; mas eu era sempre repelido pela violncia da correntepara o fundo da enseada, donde s consegui sair pela percia de quatro ndiosque eu havia conservado com uma pequena canoa, para uma eventualidade.Estes, tendo seguido ao longo da margem juntinho terra, escalaram o roche-do, donde me atiraram no sem trabalho algumas lianas, que so as cordas dopas, com as quais me rebocaram a balsa, at que a repuseram no fio da gua.No mesmo dia atravessei um outro estreito, chamado Guaracayo, onde oleito do rio, apertado entre dois rochedos grandes, no tem 30 toesas de

    largura; este no perigoso seno nas grandes cheias. Encontrei essa noite acanoa grande de Santiago, que subia para me buscar no porto; mas lhe eramnecessrios ainda seis dias para atingir apenas o lugar donde eu partira essamanh, e donde eu derivara em dez horas.

    Cheguei no dia 10 a Santiago das Montanhas, aldeamento hojesituado na foz do rio do mesmo nome, e formado dos restos de uma cidadeque tinha dado o seu ao rio. As margens so habitadas por uma nao ndia,chamada xibaros, outrora crist, e revoltada h um sculo contra os espa-nhis, para se furtarem aos trabalhos nas minas de ouro da regio; desdeento, retirados para florestas inacessveis, eles se mantm independentes, e

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    impedem a navegao do rio, por onde se poderia descer comodamente em

    menos de oito dias das cercanias de Loja e de Cuenca, donde eu partira porterra havia dois meses. O terror que inspiram tais ndios obrigou o resto doshabitantes de Santiago a mudar duas vezes de habitao, e cerca de quarentaanos a descer at a embocadura do rio no Maranho.

    Abaixo de Santiago encontra-se Borja,24 cidade pouco mais oumenos da qualidade das precedentes, conquanto capital do governo deMainas, que compreende todas as misses espanholas das margens doMaranho. Borja separada de Santiago25 apenas pelo famoso Pongo de

    Manseriche. Ponto, antigamente Puncu, na lngua do Peru, significa por-ta. D-se tal nome, nessa lngua, a todas as passagens estreitas, mas esta otraz por excelncia. um caminho que o Maranho, voltando para o este,depois de duzentas lguas de curso para o norte, abre no meio das monta-nhas da cordilheira, cavando um leito entre duas muralhas paralelas de ro-chedos quase a pique. Obra de um sculo uns soldados espanhis de Santi-ago descobriram essa passagem, e ousaram franque-la. Dois missionrios

    jesutas da provncia de Quito seguiram-nos de perto, e fundaram em 1639

    a misso de Mainas,26 que se estende at muito longe na descida do rio.Tendo chegado a Santiago, eu calculava transportar-me a Borja no mesmodia, e me bastava uma hora para a chegar. Mas, sem embargo de meusrecados reiterados, e das ordens e recomendaes de que estvamos semprebem providos, cuja execuo raramente vimos, as madeiras da grande janga-da que devia atravessar o Pongo no estavam cortadas. Contentei-me defazer fortalecer a minha com uma nova cinta de que eu a fiz enquadrar, parareceber a primeira prova de choques, quase inevitveis nas sinuosidades, por

    24 do comeo do sculo XVII a fundao da capital dos mainas e cujo nome, primitivamenteSo Francisco de Borja, proveio do ento vice-rei do Peru, Francisco de Borja (prncipe deEsquilache), que foi quem nomeou governador daqueles silvcolas a D. Diego de Vaca y Veja,fundador da referida povoao, onde entraram os primeiros soldados espanhis em 1616.(Nota