via de direito, via de favor

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    VIA DE DIREITO, VIA DE FAVOR

    Relatrio resultante de estudo sobre

    demanda, viabilidade, potenciais

    benefcios e impactos advindos da

    reabertura de estrada na Resex

    Riozinho do Anfrsio (PA).

    So Paulojunho de 2011

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    Expediente

    pesquisa, texto e mapas:

    Natalia Guerrero

    Juan DoblasMaurcio Torres

    diagramao e arte:

    Vitor Flynn

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    VIA DE DIREITO,

    VIA DE FAVOR

    Relatrio resultante de estudo sobre demanda, viabilidade,

    potenciais benefcios e impactos advindos da reabertura de

    estrada na Resex Riozinho do Anfrsio (PA).

    So Paulojunho de 2011

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    SUMRIO

    1. Apresentao 9

    2. Contextualizao regional 152.1. A Resex Riozinho do Anrsio 21

    2.1.1. Aspectos inra-estruturais esocioeconmicos 22

    2.1.1.1. Inra-estrutura, cidadania e economia naResex 23

    2.1.1.2. Meios de vida e gerao de renda 27

    2.2. Os de cima e os de baixo 303. A vida sem estrada e as expectativas do que se

    resolveria havendo uma estrada 41

    3.1. Sade: crianas sorem mais 43

    3.2. Produo e comrcio 45

    3.3. Outras razes 47

    4. Sobre a viabilidade da estrada 49

    4.1. Descrio material da estrada 51

    4.1.1. Declividade 54

    4.1.2. reas alagveis 54

    4.1.3. Situao atual da estrada 55

    4.2. A avor ou contra? apelo e solidariedade 57

    4.3. Restries 59

    5. A estrada de So Paulo 636. Concluso 75

    6.1. A estrada e os madeireiros 78

    6.2. A estrada no sai: que azer? 79

    6.3. Espaos de deciso 81

    Reerncias Bibliogrcas 83

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 4.1 Situao da estrada solicitada em relao aos limi-

    tes municipais.

    Figura 4.2 Perl planialtimtrico da estrada, no seu compri-

    mento total e na poro no traegvel atualmente.

    Figura 4.3 Perl da estrada com os pontos sujeitos a inundao

    destacados.

    LISTA DE GRFICOS

    Grfco 2.1 Distribuio de renda por regio com assalariados

    Grfco 2.2 Distribuio de renda por regio sem assalariadosGrfco 3.1 Mortalidade inantil na Resex Riozinho do Anrsio

    Grfco 4.1 Opinio sobre a estrada de acordo com a regio da

    Resex

    Grfco 4.2 Opinio sobre a estrada por localidades da Resex

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 2.1 A Resex Riozinho do Anrsio em relao s UCs do

    entorno.

    Mapa 2.2 Comunidades da Resex Riozinho do Anrsio.

    Mapa 2.3 Frentes de penetrao da grilagem.

    Mapa 4.1 Mapa topogrco mostrando o percurso da estrada

    solicitada.

    Mapa 4.2 reas alagveis no entorno da estrada solicitada.

    Mapa 6.1 Exemplo de identicao mediante sensoriamentoremoto.

    Mapa 6.2 processamento por componentes principais.

    Mapa 6.3 Interpretao tentativa.

    Mapa 6.4 Localizao da imagem processada na extremidade

    Oeste da Resex.

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    1. Apresenao

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    Eu achei ruim da primeiravez que eu fui [varando ap a esrada de So Paulo].Ainda hoje eu no achobom. A gene vai porque forado.

    Seu Janurio

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    As histrias de vida da populao da Resex Riozinho do

    Anrsio (pa) compem-se tal como as curvas do rio que

    lhe d nome: numerosas, imbricadas, de uma redundn-

    cia enganosa, que expressa a um s tempo o pertencimento com-partilhado e as especicidades irredutveis. No vocabulrio con-

    traditrio dos que se suspeitam clientes de direito, mas que vivem

    muitas vezes como clientes de avor, uma parcela da populao da

    Resex vem reiterando h alguns anos uma demanda a mediadores

    e agentes do Estado que atuam na regio: a reabertura de uma

    estrada que liga a reserva aos centros urbanos mais prximos. Isso

    concorreria, dizem muitos, para a melhoria da sade, do transpor-

    te, do comrcio, entre outros aspectos socioeconmicos. Mas pode-

    ria tambm, indicam alguns, acarretar maiores presses sobre os

    recursos da reserva e dar novo lego a confitos de que a regio

    oi palco num passado recente.

    Foi a partir desse quadro que o Instituto Chico Mendes de Con-

    servao da Biodiversidade (ICMBio), com apoio do Instituto So-

    cioambiental (isa), promoveu no nal de 2010 uma expedio de

    pesquisadores Resex Riozinho do Anrsio e a sua vizinha ime-

    diata, a Resex do Rio Iriri, com o intuito de mapear os benecios,

    presses e alternativas reabertura de uma antiga estrada detransporte de borracha que liga o rio s vias dos municpios pr-

    ximos de Trairo e Itaituba. dos resultados dessa expedio que

    se constitui, assim, o contedo do presente relatrio.

    Reunida em 02 de dezembro de 2010 em Trairo, a equipe in-

    terdisciplinar de pesquisadores se via composta por Mauricio Tor-

    res, Juan Doblas, Natalia Guerrero, o gestor do ICMBio para a Re-

    sex Riozinho do Anrsio, Luis Wagner Guimares, o coordenador

    adjunto do Programa Xingu do ISA na Terra do Meio, Marcelo Sa-lazar, e os moradores da prpria Resex: Gildo Bezerra de Castro,

    Lindomar Bezerra de Castro, Pedro Pereira de Castro e Edinho

    Bezerra de Castro. Foram dez dias de trabalho ao todo, da sada

    de Trairo at a chegada em Altamira, perodo durante o qual a

    equipe buscou dar conta dos seguintes objetivos em campo:

    Percurso da chamada estrada de So Paulo a p, jun-

    tamente com moradores da Resex. Foram dois dias de

    caminhada mata adentro, totalizando cerca de 40 quil-

    *

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    metros, ao longo dos quais os moradores da Resex que

    nos acompanhavam compartilharam seu conhecimento

    sobre a histria da estrada e seu uso tradicional passado

    e presente.

    Georreerenciamento do percurso da trilha sobre a qual

    se demanda a abertura da estrada, com anlise planial-

    timtrica. Para alm da estrada, realizou-se tambm o

    georreerenciamento das atuais moradas da Resex ao

    longo do rio, bem como de moradias antigas e outras

    toponmias mais signicativas, possibilitando projetar

    geogracamente os dados dos depoimentos acerca da

    estrada e da situao socioeconmica da Resex.

    Entrevistas com moradores da Resex sobre difculda-

    des cotidianas e o papel da estrada. Consulta a todos

    os moradores da Resex Riozinho do Anrsio que se en-

    contravam em suas casas, com gravao das entrevistas,

    para mapeamento de potenciais benecios e eventuais

    ameaas ou prejuzos que a empreitada pudesse acarre-

    tar. Na medida do possvel, e de orma complementar e

    mais sinttica, buscamos algo similar em entrevistas na

    Resex do Rio Iriri.

    Assinalamos, como reiteradamente o zemos em campo, que

    a equipe e aqui alamos em especco dos trs pesquisadores

    que realizaram as entrevistas e assinam o presente relatrio

    no detm poder algum sobre os meios de eetiva construo da

    estrada, e que sequer lhe cabia a responsabilidade de originar

    uma espcie de veredito sobre a reabertura ou no da via. O

    que estava no escopo de nossas atribuies, e que buscamos com

    empenho cumprir, era a gerao e registro do maior volume poss-

    vel de inormaes envolvendo a estrada em questo, o que aqui

    apresentamos.

    Assim, estruturalmente, o relatrio se inicia com uma contex-

    tualizao regional da Resex Riozinho do Anrsio, com desde da-

    dos sobre aspectos socioeconmicos da populao at uma reca-

    pitulao dos confitos sociais que ali eclodiram nos ltimos anos,

    passando por inormaes sobre os estgios de implementao da

    *

    *

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    Resex, bem como os trabalhos que o isa e outras organizaes vm

    desenvolvendo na regio.

    Num segundo momento, apresentam-se mais detidamente, com

    auxlio de mapas e grcos, os dados colhidos em campo juntos amlias da Resex, e que expressam as diculdades hoje en-

    contradas e para as quais se vislumbra a estrada como soluo.

    Como contraponto, discute-se a orma com que a implementao

    da estrada ocasionou possibilidades para madeireiros e grileiros

    barganharem acesso e recursos da Resex com a populao e de

    como (rente massiva demanda pela estrada) isso continua sen-

    do potencialmente possvel.

    O captulo seguinte dedica-se a analisar a viabilidade eetiva

    da estrada. Trata-se de descrever o percurso, sobre uma base de

    mapas diversicada e que contempla distncias, variaes sazo-

    nais, perl, manuteno, distribuio das opinies das amlias

    sobre a estrada etc. Alm disso, tece-se uma anlise ponderada

    das vantagens e dos riscos da estrada no que se reere ao custo de

    transportes e situao undiria cercada de confitos. Finalmen-

    te, dados da realidade de outras comunidades da regio que de-

    pendem de estradas em seu cotidiano permitem projetar quadros

    comparativos com a Resex Riozinho do Anrsio.No Captulo 5, os depoimentos de moradores da Resex, bem

    como outras ontes complementares, compem um percurso his-

    trico da estrada de So Paulo, desde seu emprego como trilha de

    animais de carga para transporte de borracha at o uso que dela

    se az hoje, como palco de atividades extrativistas ou via de aces-

    so aos centros urbanos mais prximos.

    Por m, o captulo de concluso no abriga, como j alertado,

    um aconselhamento echado com relao estrada. Nesse seg-mento do relatrio, apontam-se o que consideramos como os mais

    legtimos espaos para essa deciso, o registro de uma ocina

    em que os dados do relatrio oram preliminarmente apresenta-

    dos comunidade, bem como alternativas construo da estra-

    da que poderiam, eventualmente, solucionar alguns dos pleitos

    apresentados.

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    2. Conexualizao

    regional

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    Se no ivesse criado a Resex, a geneno ava aqui, ou ava aqui rabalhandode empregado.AlfredoDepois que esse ouro pessoal enroucom esse negcio dessas

    esradas, a foi que melhorou. Quemprimeiro enrou foi o povo do Osmar. Afoi que comeou a melhorar pro povo.[]Eles davam carona pra gene, erarapidinho. [] De graa, nunca cobraramum cenavo.

    Seu Anonio

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    AReserva Extrativista Riozinho do Anrsio teve sua cria-

    o decretada em 08 de novembro de 20041, mas o pro-

    cesso que resultou em sua ormalizao pode ser situado

    alguns anos antes, no bojo do imenso esoro de diversos atoressociais para propor a constituio, na poro do estado do Par

    conhecida como Terra do Meio, de um mosaico de unidades de

    conservao ambiental que visava o ordenamento territorial e

    o desenvolvimento sustentvel da regio2. Esse extenso traba-

    lho de levantamento, sistematizao e mobilizao, encomendado

    pelo Ministrio do Meio Ambiente ao isa em 2002, partia do reco-

    nhecimento, a um s tempo, da singular biodiversidade abrigada

    no territrio e das ameaas representadas por confitos e grandes

    projetos regio, para da propor ao governo um conjunto de pos-

    sveis solues.

    Trata-se de um patrimnio socioambiental raro e surpreen-

    dente pelo seu grau de preservao, considerando o contexto

    regional onde est inserido. Tudo leva crer que este estado de

    preservao deve-se, sobretudo, ao papel de amortecimento

    exercido pelas terras indgenas no entorno da Terra do Meio

    [...]. Sua integridade, no entanto, est seriamente ameaada.

    Os vetores de ocupao descritos neste estudo reproduzem a

    clssica coalizo de interesses econmicos, responsveis pela

    ocupao do sul da Amaznia brasileira, congurando um mo-

    delo contnuo e perverso de apropriao e uso dos recursos

    naturais.3

    Neste ltimo decnio que se completa da realizao do estudo,

    o mosaico oi aos poucos se compondo conjuntamente com as Ter-

    ras Indgenas, tendo sido criados o Parque Nacional do Jamanxim

    (2006), a Floresta Nacional do Jamanxim (2006), a Estao Ecol-

    gica da Terra do Meio (2005), o Parque Nacional da Serra do Pardo

    (2005), a Floresta Nacional do Trairo (2006), a rea de Proteo

    Ambiental de Triuno do Xingu (2006) e as Resex Riozinho do An-

    rsio (2004), do Rio Iriri (2006) e do Rio Xingu (2008).

    A gura jurdica do mosaico consta do Sistema Nacional de

    Unidades de Conservao (Snuc), Lei 9.985 de 18 de julho de

    2000, em seu Artigo 26:

    1. Decreto s/ n publicado em

    09 de novembro de 2004, no

    Dirio Ocial da Unio, edio

    215, seo 1, pp. 08-9.

    2. Villas-Bas, A. et al. Estudos

    preliminares e formulao de

    uma proposta tcnica para a

    implantao de um mosaico

    de Unidades de Conservao

    no Mdio Xingu. So Paulo:

    Instituto Socioambiental,

    2003, p. 25.

    3. Ibidem, p. 26.

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    Art. 26. Quando existir um conjunto de unidades de conserva-

    o de categorias dierentes ou no, prximas, justapostas ou

    sobrepostas, e outras reas protegidas pblicas ou privadas,

    constituindo um mosaico, a gesto do conjunto dever ser ei-

    ta de orma integrada e participativa, considerando-se os seus

    distintos objetivos de conservao, de orma a compatibilizar

    a presena da biodiversidade, a valorizao da sociodiversida-

    de e o desenvolvimento sustentvel no contexto regional. Pa-

    rgrao nico. O regulamento desta Lei dispor sobre a orma

    de gesto integrada do conjunto das unidades.

    necessrio reiterar, porm, que a simples inscrio na letra

    da lei de um conjunto de unidades geogracamente prximas nogarante, eetivamente, o sucesso da proposta original, que o de

    azer rente a um confituoso cenrio de expropriao, violncia

    e disputa por recursos da regio, levado ao mais amplo conheci-

    mento pblico particularmente aps o assassinato da missionria

    Dorothy Stang, em 2005. Trata-se, portanto, como si acontecer

    quando se ala de polticas pblicas, de alocao de recursos e pla-

    nejamento de gesto, como se depreende da avaliao do ISA:

    Por tudo isso a Terra do Meio um desao capacidade doEstado brasileiro de ormular, coordenar e implantar polti-

    cas socioambientais e de ordenamento territorial. O destino

    da regio pode ser uma boa pista para saber se o Poder P-

    blico ser capaz, nos prximos anos, de proteger Amaznia e

    colocar em prtica uma alternativa sustentvel ao modelo de

    desenvolvimento predatrio que nela impera hoje.4

    Como dito, o trabalho que resultou na proposta do mosaico teve

    grandes propores e contou com o envolvimento de diversos mo-vimentos sociais e entidades da sociedade civil. Para os ns deste

    relatrio, importante identicar e destacar alguns desses atores

    que desenvolveram atividades mais diretamente nos territrios

    que hoje correspondem s Resex do Riozinho do Anrsio e do

    Rio Iriri5, e que ainda hoje o azem com destaque aos olhos dos

    ribeirinhos. Registre-se que as reeridas unidades de conserva-

    o, embora tenham sido decretadas h cerca de cinco anos, vm

    compartilhando um processo recente de eetiva implantao, com

    4. souza, Oswaldo Braga

    de. No centro do Par, um

    desao socioambiental ao

    Estado brasileiro. Notcias

    socioambientais. ISA, 06 out.

    2006.

    Disponvel em http://www.

    socioambiental.org/nsa/

    detalhe?id=2329. Acesso

    realizado em 02 de maro de

    2011.

    5. Embora o presente trabalho

    diga respeito a uma demanda

    maniesta na Resex Riozinho

    do Anrsio, a proximidade

    em termos geogrcos e de

    vnculos sociais entre essa

    Resex e a do Rio Iriri levaram

    equipe a estender algumas

    atividades tambm segunda.

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    a elaborao e consolidao de alguns de seus principais instru-

    mentos de gesto preconizados pelo Snuc, como o Plano de Mane-

    jo Participativo, o Plano de Utilizao e o Conselho Deliberativo.

    Nesse sentido, em diagnstico socioeconmico requisitado peloICMBio e datado de 2008, vemos que:

    Ao perguntar para os ribeirinhos sobre quem os ajudou e os

    ajuda no processo de desenvolvimento da resex as trs ins-

    tituies mais citadas so a fvpp Fundao Viver, Produzir

    e Preservar, a cpt Comisso Pastoral da Terra Prelazia do

    Xingu e o ibama Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e

    Recursos Renovveis.6

    A identicao dos principais rgos e entidades que atuam narea muitos deles hoje integrantes do Conselho Deliberativo das

    Resex nos parece importante porque se espera que o presente

    estudo possa eventualmente ornecer subsdios para algumas di-

    menses da atuao dessas entidades, seja para melhor compre-

    enso de uma demanda to reiterada, como o caso da estrada,

    seja para auxiliarem na elaborao de alternativas, caso essa de-

    manda, por deciso da populao ou por impedimentos externos,

    no se realize.Fundada em 1991, a Fundao Viver, Produzir e Preservar cons-

    titui uma organizao sem ns lucrativos sediada em Altamira,

    mas com atuao em cerca de vinte municpios do oeste do Par,

    destacadamente nas reas de articulao de movimentos sociais

    e auxlio ormulao de polticas pblicas para a regio. Nas Re-

    sex da Terra do Meio, seu trabalho se concretizou na esteira de um

    de seus programas, o do Movimento de Mulheres Trabalhadoras

    do Campo e da Cidade de Altamira (mmtcca). Segundo apresenta-

    o da prpria fvpp:

    Nos ltimos cinco anos o movimento de mulheres teve uma

    atuao decisiva apoiando a criao das Unidades de Con-

    servao na regio da Terra do Meio e as Reservas Extrati-

    vistas: Verde Para Sempre e a do Riozinho do Anrsio, assim

    como as do Rio Iriri e do Mdio Xingu que oram decretadas

    recentemente. Neste caso, o movimento de mulheres tem atu-

    ado em aes de cidadania em avor da populao que se en-

    6. ICMBio. Diagnstico

    socioeconmico,

    cadastramento e formao do

    Conselho Deliberativo da Resex

    Riozinho do Anfrsio. Altamira,

    2008. p. 91.

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    contram nestas reas, acilitando na retirada de documentos

    e realizando cursos de ormao para estas amlias.7 (grios

    no original)

    Com longa e histrica atuao junto a movimentos sociais cam-poneses, a Comisso Pastoral da Terra, em sua Prelazia do Xingu,

    tem contribudo na Terra do Meio com desde a articulao para a

    criao do mosaico de reas protegidas at permanentes esoros

    para ampliao do acesso a inraestrutura por parte dos morado-

    res das Resex, bem como a articulao de atores sociais locais e

    engajamento para denncia e resoluo de confitos undirios.

    O Instituto Socioambiental, undado em 1994 e igualmente no-

    trio por seu engajamento na deesa dos direitos de povos ind-genas e outras populaes tradicionais, tambm mencionado

    por muitos ribeirinhos das Resex Riozinho do Anrsio e do Iriri

    como um apoiador no que se reere a acesso a inraestrutura, or-

    ganizao comunitria, mediao junto ao poder pblico, entre

    outros. Coordenador de diversos dos estudos que culminaram com

    a criao de muitas unidades de conservao na Terra do Meio, o

    ISA mantm um programa que, alm de atuar diretamente junto

    aos povos indgenas do Parque Indgena do Xingu e da TI Panar,

    tambm contempla aes reerentes a outras unidades de conser-

    vao ambiental da regio. So linhas do Programa Xingu do isa

    na Terra do Meio:

    As principais aes so realizadas em parceria com diversas

    instituies governamentais, no governamentais, associaes

    e comunidades e so voltadas para aumentar a capacidade de

    interlocuo e o protagonismo poltico dos extrativistas com a

    sociedade; promover instalao de inraestrutura bsica nas

    Reservas Extrativistas; ampliar a autonomia econmica das

    comunidades e a capacidade de gesto de suas organizaes;

    promover condies para identicao e registro das prticas

    de manejo dos recursos naturais tradicionais, alm de con-

    tribuir para o processo de regularizao undiria nas reas

    protegidas.8

    Alm das entidades da sociedade civil destacadas pelos ribei-

    rinhos, as Resex Riozinho do Anrsio e do Rio Iriri so objeto das

    7. Texto de apresentao

    do projeto Movimento de

    Mulheres Trabalhadoras

    do Campo e da Cidade de

    Altamira (mmtcca).

    Disponvel em http://www.

    vpp.org.br/projetos_detalhe.

    asp?cod=61&cod_pai=13.

    Acesso realizado em 02 de

    maro de 2011.

    8. Apresentao do Programa

    Xingu no stio do isa.

    Disponvel em http://www.

    socioambiental.org/prg/xng.

    shtm. Acesso realizado em 02

    de maro de 2011.

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    atribuies de segmentos diversos da administrao pblica. o

    caso da Preeitura de Altamira, municpio sob cuja responsabi-

    lidade esto as duas Resex, bem como a Preeitura de Itaituba,

    que eventualmente se encarrega da sade dos ribeirinhos do altoRiozinho, como veremos adiante. A Polcia Federal e o Ministrio

    Pblico Federal tambm realizam aes na Resex. No entanto, o

    rgo cuja atuao reconhecida como mais prxima por parte

    da populao , sem dvidas, o Instituto Chico Mendes de Conser-

    vao da Biodiversidade (ICMBio), responsvel direto da gesto

    das unidades.

    2.1 A Resex Riozinho do AnRsio

    Estendidos pelo municpio de Altamira, sudoeste do Par, os limi-

    tes da unidade de conservao compreendem uma rea de 736.340

    hectares, situados na bacia do rio Xingu. Uma entre as dezenas de

    reas protegidas que constituem o mosaico da Terra do Meio, a

    Resex Riozinho do Anrsio limita-se ao norte com o municpio de

    Rurpolis, a oeste com a Floresta Nacional de Trairo, a sudoeste

    com o Parque Nacional Jamanxim, a sul com a Flona de Altamira,

    a nordeste com a Terra Indgena da Cachoeira Seca, a sudeste

    com a TI Xipaya e a leste com a Resex do Rio Iriri (Mapa 2.1). De

    acordo com o mais recente cadastramento, a Resex abrigava, em

    2011, 57 amlias9.

    No Captulo 5, ao tratarmos das origens da estrada cuja reaber-

    tura hoje se demanda, o histrico de ocupao da Resex Riozinho

    do Anrsio ser retomado. Por ora, note-se que, assim como mui-

    tas comunidades amaznidas, a ocupao mais recente da Resex

    Riozinho do Anrsio se remete extrao de borracha, na virada

    do sculo xix para o xx, perodo durante o qual as populaes ind-genas que habitavam a regio se deparam mais intensamente com

    os povoamentos de trabalhadores emigrados do Norte e Nordeste

    brasileiro, que vinham abastecer de mo-de-obra os emergentes

    seringais. Foram dcadas de violentos conrontos, que impuseram

    pesadas baixas a ambos os lados.

    Da desagregao dos seringais at os dias de hoje, os descen-

    dentes daqueles seringueiros, em cujos grupos oram incorpo-

    rados requentemente por meio da violncia membros das

    9. ICMBio. Op. cit. p. 08.

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    22 a r

    populaes indgenas, oram compondo um segmento campons

    forestal, alicerado na pequena agricultura consorciada com ati-

    vidades de caa, pesca, coleta, entre outras. O item a seguir se

    destina a traar um quadro sinttico e atual de como vive a popu-

    lao da Resex hoje a qual tipo de inra-estrutura tem acesso, aquais atividades produtivas se dedica, de que orma se organiza e

    se associa internamente etc.

    2.1.1 ASPECTOSInFRA-ESTRUTURAISESOCIOECOnMICOS

    A Resex Riozinho do Anrsio se situa a cerca de 400 km da sede

    municipal de Altamira, e tem em sua proximidade os eixos virios

    das rodovias br-163, a oeste, e br-230 a norte Ainda assim, no h

    acesso entre tais vias e as moradias da Resex, distribudas em 28

    Mapa 2.1 A Resex Riozinho

    do Anrsio em relao s UCs

    do entorno. Elaborao: Juan

    Doblas, 2011.

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    23/112

    23a ar

    localidades (Mapa 2.2) ao longo do rio, o que az com que o trans-

    porte de pessoas e produtos seja eito, quase que em absoluto, por

    meio de rabetas, voadeiras, em barcos prprios, da associao de

    moradores ou nos barcos de regato. Aps o incremento da Resex,uma pista de pouso, aberta pelo seringalista Anrsio Nunes em

    meados do sculo XX, e reativada por grileiros e madeireiros que

    atacaram a regio at 2004, oi recuperada e permite atendimen-

    tos de emergncia mdica por meio de avies monomotores. Ainda

    que importante, esse servio ainda raro, incerto, no regulamen-

    tado, caro, cando o transporte, ento, basicamente condicionado

    aos rios. A eetividade desses meios, como melhor veremos adian-

    te na concluso deste trabalho, se encontra diretamente aetada

    pela dinmica de cheias e vazantes. No vero, quando o Riozinho

    do Anrsio tem substantiva diminuio de vazo, diversos trechos

    se tornam virtualmente intransitveis por embarcaes mdias

    ou grandes durante o perodo de estiagem, principalmente entre

    os meses de agosto e novembro.

    At 2008, a Resex Riozinho do Anrsio no contava com ne-

    nhum oerecimento de educao ormal dentro de seus perme-

    tros. Hoje, h cinco escolas em uncionamento: nas comunidades

    de Lajeado, Boa Sade, Novo Paraso, Morro e Praia do Anrsio. Oatendimento de sade aos ribeirinhos por parte do poder pblico

    tambm tem um longo histrico de abandono e precarizao10.

    Para o atendimento das mais de cinqenta amlias, a Resex conta

    atualmente uma microscopista e h dois Agentes Comunitrios de

    Sade que atuam pelo Programa de Sade da Famlia (PSF).

    2.1.1.1 ira-rra, aaa ma a RESEx

    Em diagnstico encomendado pelo ICMBio (2008), oram registra-dos alguns itens de inra-estrutura bsica e sua distribuio pelas

    comunidades da Resex Riozinho do Anrsio. Temos, assim:

    Rabetas as rabetas so encontradas nas seguintes localida-

    des: uma em Buenos Aires, uma no Alto Alegre, duas no Paulo

    Aonso, uma no Portinho de Cima, uma em Novo Paraso, uma

    em Sorriso da Noite, uma em Barra do Vento, uma em Bom

    Jardim e uma na Praia Grande.

    10. Ver souza, Oswaldo Braga

    de. Crianas morrem por alta

    de atendimento na Resex

    Riozinho do Anrsio (pa).

    Notcias Socioambientais. isa.

    26 jun. 2007.

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    24 a r

    Mapa2.2

    Comunidadesda

    ResexRiozinh

    o

    doAnrsio.

    Elaborao:Juan

    Doblas,2011.

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    25a ar

    Barco comunitrio o barco comunitrio se encontra em Bom

    Jardim.

    Rdio amador existe rdio amador nas seguintes localida-

    des: Portinho de Cima (somente recebe chamadas), Novo Pa-

    raso e Bom Jardim.

    Televiso e Antena Parablica Somente as localidades

    Novo Paraso e Bom Jardim possuem televiso e antena

    parablica.

    Gerador - Somente as localidades Novo Paraso e Bom Jardim

    de utilizao da microscopista - possuem gerador.

    Locais para reunio as localidades Bom Jardim, Morro e

    Lajeado esto mais estruturadas, possuindo barraces para

    realizao das reunies.

    Local para pouso de helicptero possvel pousar helicp-

    teros nas seguintes localidades: Portinho de Cima, Lajeado,

    Boa Sade I e II, Novo Paraso, Bom Jardim, So Pedro, Praia

    Grande, Barra do Vento, Praia do Frizan.

    Pista de avio a localidade Praia do Frizan possui uma pista

    de pouso, que oi utilizada em 2006. Atualmente a pista en-

    contra-se em condies precrias, pois oi tomada pela planta

    espinhosa rabo de camaleo necessitando assim de limpeza

    para um eventual uso.

    Poo Artesiano a localidade Bom Jardim possui poo arte-

    siano, mas o mesmo est desativado por alta de um gerador

    adequado ou bomba manual.11

    Alm do apoio para obteno de alguns itens de inra-estrutura

    bsicos, como os listados acima, entre 2008 e 2010, em termos de

    gesto, a Resex contou com apoio para ormao de seu Conselho

    Deliberativo, elaborao de seu Plano de Uso, reviso de seu Pla-

    no de Manejo e legalizao da Associao de Moradores. Alm

    disso, oram desenvolvidos estudos e implementados projetos re-

    lacionados a gerao de renda, como para produo de leo de

    copaba, extrao de borracha, castanha-do-Brasil, entre outros

    11. ICMBio. Op. cit., p. 67-8.

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    26 a r

    produtos forestais no madeireiros.

    Na expedio realizada por esta equipe em dezembro de 2010,

    em busca de atualizao desse quadro, solicitamos aos moradores

    uma avaliao da situao de vida aps a implementao da Re-sex, particularmente no contexto dos projetos de inra-estrutura

    implementados, como os citados acima.

    No conjunto dos relatos, tomando o advento da Resex de modo

    geral, observaram-se algumas dierenas das opinies dos mora-

    dores do alto e do baixo Riozinho. Entre os primeiros, embora a

    maioria das avaliaes tenham sido positivas, alguns se mostra-

    ram mais desconados ou mesmo descontentes com aspectos res-

    tritivos da unidade de conservao, como seu Antonio*, que cri-

    ticou a proibio dos garimpos e a orma de gesto do territrio:

    Cada qual com o que seu, no com a terra que do Governo.

    J entre os moradores do baixo Riozinho, muitos caracterizaram a

    Resex como a garantia de sua permanncia na terra. Alredo en-

    tende que a criao da UC oi eliz ao interromper com a atuao

    de grileiros na rea: Se no tivesse criado a Resex, a gente no

    tava aqui, ou tava aqui trabalhando de empregado. Entendimen-

    to anlogo tem Joaquim: Foi bom porque eu no sa de onde eu

    vivo, de onde eu moro. Se no tivesse existido a Resex, hoje eu noexistia aqui.

    Essas avaliaes podero ser melhor compreendidas luz da

    recuperao histrica que se az adiante neste captulo, sobre os

    confitos relativamente recentes na regio da Resex envolvendo

    grileiros e madeireiros, bem como as ormas de atuao desses

    grupos no contexto das dierenas socioeconmicas entre as por-

    es do Riozinho do Anrsio.

    Com relao s modicaes na inra-estrutura das localida-des, advindas da implementao da Resex e do apoio das institui-

    es parceiras, podemos identicar alguns consensos e tambm

    algumas divergncias. O oerecimento de ensino ormal com a

    construo de cinco escolas na Resex , sem dvidas, objeto de

    diversos elogios ao longo de toda a Resex. Eu no tive a oportu-

    nidade que meus lhos esto tendo, disse Roberto. Em compen-

    sao, a sade ainda ator de proundo descontentamento. Em-

    bora um ou outro morador mencione o trabalho da microscopista,

    * Todos os depoimentos de

    moradores da Resex Riozinho

    do Anrsio citados so

    atribudos a nomes ctcios,

    para resguardar a identidade

    de seus autores.

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    27a ar

    atuante desde 2007, a populao da Resex quase unnime em

    armar que esse um campo extremamente undamental que

    pouco avanou nos ltimos anos.

    A comunicao, interna e externamente Resex, tambm oiapontada como um aspecto aprimorado nos ltimos anos, com a

    distribuio de rdios-amadores em diversas localidades. No en-

    tanto, por se tratar de um equipamento cuja instalao individu-

    alizada nas casas dos moradores, houve crticas por parte de algu-

    mas pessoas aos critrios de distribuio na Resex, bem como ao

    regime de acesso aos equipamentos. Isso apareceu tambm quan-

    do oi avaliada a distribuio dos motores-rabeta comunitrios.

    Em ambos os casos, muitos moradores demonstraram entender

    esses instrumentos como benecios direcionados a determinadas

    amlias, e no como aparatos de inra-estrutura da Resex. Eu

    no tenho nada custa da reserva, disse Mrio. Roberto arma

    que tambm nunca ganhou nada, nem motor, nem rdio.

    Muitos ribeirinhos declaram no conhecer as atividades de-

    senvolvidas pela Associao de Moradores. Em alguns casos, sua

    atuao oi alvo de crticas. Seu Janurio, por exemplo, acredita

    que a entidade raca, pois acha que deveria haver mais encon-

    tros entre os comunitrios. S tem reunio quando vem gentede ora, avalia. Alm disso, altaria empenho na circulao de

    inormaes importantes, como os projetos de gerao de renda

    e ans.

    A propsito de inormaes sobre projetos, vale registrar que

    por diversas vezes ouviu-se a caracterizao do isa como divul-

    gador e realizador de muitos deles, como o rdio, que oi o isa

    que deu. Hoje tem coisa que ningum nunca via motor, rdio,

    arinheira, avalia Joo Pedro, e completa: o isa d uma oramuito grande aqui dentro. Essa meno explcita ao Instituto

    expressa um reconhecimento do que j oi eito ao mesmo tempo

    em que nos remete s condies de realizao da pesquisa para

    este relatrio, j que muitos podem ter acabado nos identicando

    como membros da organizao (ou mesmo com alguma esera do

    poder pblico), e consequentemente superdimensionado nossa

    capacidade de interveno na realidade da Resex. Elogiar expli-

    citamente os projetos, associando-os ao instituto, seria uma orma

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    de buscar rearmar o compromisso com a manuteno e amplia-

    o desses projetos. Buscando eeito semelhante, mas de orma

    simetricamente inversa, houve quem osse veemente em pintar

    um cenrio extremamente negativo da vida na Resex. Jos, ummorador do alto Riozinho, por exemplo, oi extremamente categ-

    rico em armar que com a Resex s houve piora. Questionado so-

    bre a escola, que seus lhos hoje requentam, sua caracterizao

    oi a de que tem uma porcaria a embaixo. Assim, esse tipo de

    discurso acaba constituindo, muitas vezes, uma orma de reivin-

    dicao mais do que uma avaliao objetiva e ranca da situao

    em questo. Anal de contas, na Resex como em qualquer outro

    lugar, ocorre como diz seu Claudemir: A vasilha do ter nunca

    enche....

    ... M a gra ra

    A produo dos meios de vida para a populao da Resex Riozi-

    nho do Anrsio se az em torno de uma combinao de atividades

    agrcolas e extrativistas, neste ltimo caso relativa tanto a recur-

    sos vegetais quanto animais. O principal produto das lavouras da

    Resex a mandioca, que divide espao com culturas variadas,

    como o arroz, o eijo, a macaxeira, o milho, a banana, a melancia,

    a batata, as avas, a abbora, o car etc. Dessa ampla gama que

    abastece as mesas dos ribeirinhos, esto mais sujeitas a comercia-

    lizao, sempre em uno das necessidades das amlias, a ari-

    nha de mandioca, o milho em espigas e, eventualmente, o arroz.

    Diante desse quadro, possvel compreender por que a agri-

    cultura no constitui precisamente a principal onte de renda na

    Resex, ainda que seja uma parte undamental da produo dos

    meios de vida, ao lado da pesca e da caa. Isso porque, quando seala em onte de renda num segmento campons forestal, como

    o caso, est-se pensando em meios pelos quais as amlias obtm a

    monetarizao que lhes permita acessar bens industrializados.

    Assim, segundo o ltimo diagnstico socioeconmico realiza-

    do12, a atividade que ocupava o primeiro lugar como principal

    onte de renda das amlias da Resex Riozinho do Anrsio era

    o extrativismo, responsvel por 58,5% da renda geral. Dentre

    os produtos extrativistas, a castanha-do-brasil gura no topo do

    12. Ibidem, p. 71-3.

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    29a ar

    ranking, seguida mais de longe pelo leo de copaba, o peixe, o

    leo de andiroba, o mel, a seringa e o breu. A distribuio dessas

    atividades ao longo do ano pode ser vista na reproduo do calen-

    drio produtivo da Resex, no Quadro 2.1.

    Neste ponto, cabe registrar algumas vises sobre o impacto de

    projetos de gerao de renda, cujo desenvolvimento tem ocorrido

    nos ltimos trs anos, tem tido na vida dos moradores da Resex,

    a partir de depoimentos tomados em 2010. Dentre os programas

    Qar . Calendrio

    produtivo da Resex Riozinho

    do Anrsio

    Fonte: ICMBio, 2008.

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    30 a r

    especcos de apoio ao extrativismo, como o ligado extrao de

    castanha, andiroba, copaba e borracha, os ltimos dois oram os

    mais mencionados pelos moradores da Resex, com destaque evi-

    dente para o projeto da seringa. Isso no quer dizer que todas asmenes tenham se dado em contexto de aprovao incondicio-

    nal. Na realidade, a maior parte dos moradores com conhecimen-

    to ou experincia direta com o projeto apontou questes a serem

    trabalhadas para que se obtenha sucesso. Embora se reconhea

    o preo relativamente atraente pago pelo produto, muitos deles

    apontaram inseguranas sobre a orma de operacionalizao do

    transporte da produo at Altamira. Aonso conta, por exemplo,

    que oi esse o motivo pelo qual entrou e saiu bem logo do pro-

    jeto da seringa. Mrio avaliou o preo pago pelo produto muito

    baixo em relao ao rete: No d para mim. Em contrapon-

    to, e de orma esperada, para o regato de Hlio, o projeto oi

    bem-vindo. Para outros, tambm, muitos dos quais j trabalhavam

    com a extrao de seringa antes dos projetos, o apoio oi interes-

    sante. Foi a avaliao, por exemplo, de Alredo, de Srgio, e dos

    irmos Romeu e Ramiro. Este ltimo declarou, inclusive, que se

    no estivesse envolvido no projeto de extrao da borracha, muito

    provavelmente teria procurado emprego junto s madeireiras daregio, para quem j trabalhou em outros momentos: No estou

    trabalhando nesse rumo a porque eu estou cortando seringa, mas

    se eu no tivesse cortando seringa, eu tava presses bem a, .

    Em 2008, um segmento de 14% da populao tambm mencio-

    nou receber dividendos oriundos de salrios ou aposentadorias,

    responsveis por 30,1% da renda geral da Resex. A porcentagem

    restante advm da venda de produtos da agricultura (9,7%) e de

    atividades de garimpo (1,7%).13 importante ressalvar que esses dados constituem uma mdia

    geral da Resex Riozinho do Anrsio, mas que uma anlise mais

    pormenorizada permitir observar uma clivagem no que se reere

    situao socioeconmica e de inra-estrutura da populao da

    unidade de conservao, particularmente plasmada na localiza-

    o geogrca das amlias: aquelas que habitam a parte mais

    baixa do Riozinho do Anrsio, as que ocupam a parte mdia e as

    que se estabeleceram no alto do rio. Mais do que curiosidade es-

    13. Ibidem, p. 71

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    31a ar

    tatstica, essa desigualdade que tinha origens histricas e acen-

    tuadas por ocasio da criao da UC vem desenhando ao longo

    dos ltimos anos um cenrio de disputas, agravadas por atores

    externos e que se inscreve no contexto confituoso da regio comoum todo. disso que trata o tema a seguir.

    . os de ciMA e os de bAixo

    Cinqenta e sete amlias ribeirinhas, uma nica unidade de con-

    servao. Entre as localidades extremas da Resex Riozinho do An-

    rsio Buenos Aires e Praia do Anrsio correm 144 quilmetros

    de margens pontualmente ocupadas, ao longo dos quais a paisa-

    gem pode pouco mudar, mas uma srie de circunstncias resultaem realidades socioeconmicas relativamente diversas.

    Se o conhecimento tradicional acerca da foresta e de como dali

    extrair sustentadamente os meios de vida algo que marca a po-

    pulao da Resex como um todo, o rio se oerece mais acilmente

    a uns que a outros no que se reere s possibilidades de transpor-

    te e transporte fuvial numa comunidade ribeirinha tambm

    comrcio, sade, educao. Nesse quadro, grande a importncia

    dos regates, que possibilitam aos ribeirinhos a troca de seus pro-

    dutos por bens industrializados. Alm disso, aos trabalhadores

    assalariados da Resex, que se apresentam mais reqentemente

    nas cidades, possvel acessar esses bens industrializados sem

    a mediao do regato, o que proporciona vantagens econmi-

    cas, j que o sistema de troca implica em preos mais altos pelos

    produtos.

    Ora, o que produziria, ento, a relativa desigualdade socioeco-

    nmica entre as amlias de dadas regies da Resex Riozinho do

    Anrsio e em qual proporo ela se d? Como vimos, a venda outroca de produtos extrativistas responde por parte signicativa da

    renda auerida na Resex, bem como a parcela oriunda de salrios.

    Assim, segundo diagnstico de 2008 (ICMBio), o baixo Riozinho

    concentrava maior nmero de trabalhadores assalariados do que

    as pores mdia e alta. Alm disso, devido pouca vazo do rio,

    a regio do alto Riozinho, j relativamente mais dependente dos

    regates, v esses instrumentos escassearem durante um longo

    perodo do ano, dicultando o escoamento de sua produo e, con-

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    32 a r

    sequentemente, seu acesso a bens industrializados. Em 2010, a

    equipe observou que pouco mudou nessa situao. Seu Janurio,

    morador de Alto Alegre, no alto Riozinho, relatou que no segun-

    do semestre do ano os regates desaparecem. Naquele incio dedezembro de 2010, quando realizvamos o trabalho para este re-

    latrio, o morador contava j no dispor mais de sal, uma vez que

    no tinha tido a oportunidade de compr-lo nos barcos ou de arcar

    com o peso de carreg-lo nas costas, pela varao da estrada do

    So Paulo. Situao anloga encontramos na casa de dona Clarice,

    da localidade vizinha do Postinho, em cuja mesa no se encontra-

    va arroz havia algum tempo, dado que a encomenda de alimentos

    que zera ao regato em julho daquele ano ainda no tinha sido

    entregue. Nos Grfcos 2.1 e 2.2, temos a distribuio da renda na

    Resex dividida entre os trs segmentos geogrcos, com e sem a

    considerao dos salrios.

    Grf . Distribuio

    de renda por regio com

    assalariados

    Fonte: ICMBio, 2008

    Grf . Distribuio

    de renda por regio sem

    assalariados

    Fonte: ICMBio, 2008.

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    33a ar

    Quando se ala em diviso do Riozinho do Anrsio entre parte

    alta e baixa, porm, no a distribuio de renda o aspecto ime-

    diatamente mencionado, mas uma oposio poltica suscitada por

    confitos recentes em torno da utilizao dos recursos e da gestodo territrio, e que envolvem outros atores sociais que no exclu-

    sivamente as amlias da Resex. Resgataremos a seguir o histrico

    dessa disputa, na esteira da apresentao acima da distribuio

    de renda, para explicitar a orma com que atores socioeconmi-

    cos subjacentes emergiram, no discurso de variados grupos, como

    atores morais, reduzindo um complexo confito poltico a uma

    maniquesta batalha entre os do bem e os do mal.

    Os moradores do Alto Riozinho contam que a explorao de

    madeira na regio comeou ainda na dcada de 1990. Vivia-se a

    ebre do mogno e, na busca por essa espcie, alguns moradores

    oram contratados para prospectar a madeira e outros, ainda, o-

    ram consultados e contratados para a construo da pista de pou-

    so conhecida como do Formiga. O grande argumento utilizado

    pelos madeireiros para conseguir pacicamente a permisso dos

    ribeirinhos para essa invaso em seu territrio era o de que tanto

    a atividade quanto a pista de pouso trariam inmeros benecios

    aos moradores.Foram trs grandes vetores de entrada de madeireiras:

    1) Projetos de Assentamentos Areia 1 e 2;

    2) Porto da Maribel (antiga madeireira Bannach);

    3) So Flix do Xingu, via Estrada da Canopus.

    Na esteira da explorao madeireira que chegava ao pice na

    primeira metade da dcada de 2000, vinha a grilagem com pre-tenses de propores inacreditveis. Assim como as madeirei-

    ras, as rentes de grilagem eram basicamente as mesmas. Alm

    disso, tanto em um caso como em outro, a populao da regio do

    Alto Riozinho oi a mais exposta aos que chegavam, com mostra

    o Mapa 2.3. Alm das rentes que guram no mapa, importante

    mencionar a rente de ocupao que se delineia pelo municpio

    de Rurpolis, pelos projetos de assentamento Paraso e Campo

    Verde. Relatos e evidncias oriundas de imagens de satlite apon-

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    34 a r

    tam indcios graves de grilagem e devastao. A investigao des-

    sa rente esteve ora do escopo deste trabalho, mas premente a

    necessidade de maiores estudos nessa regio.

    Diversos estudos elaborados por ocasio da criao da UC re-

    gistram uma situao de cooptao de ribeirinhos por madeireiros

    e grileiros. Isso sempre oi viabilizado por meio de algum aten-

    dimento social, suposta e aparentemente oertado pelos grupos

    que chegavam. Entre esses servios, segundo estudo elaborado

    em 2008, as estradas e outros meios de deslocamento tinham lu-

    gar de destaque:

    Maa . Frentes de

    penetrao da grilagem.

    Elaborao: Juan Doblas,2011.

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    35a ar

    No Noroeste [da Resex] oram abertas duas estradas para o

    transporte de equipamentos e suprimentos e tambm para o

    transporte de madeira para a serraria Quatro de Paus, na pro-

    ximidade dos assentamentos Areia i e ii, prximo de Trairo e

    Itaituba. Uma estrada sai de aproximadamente 3 km do Rio-

    zinho do Anrsio (prximo localidade Palhal), contornando

    o igarap Palhal, passando pelos assentamentos Areia i e ii e

    continuando para a br-163 (Cuiab-Santarm). Nessa estrada

    encontra-se a sede da agronesp, que comprou terras de alguns

    moradores da regio entre 2003 e 2004. Nas margens do Rio-

    zinho ainda se encontram pequenas placas azuis em rvores,

    que indicam a regio adquirida por essa empresa.

    Outra estrada construda, conhecida como So Paulo, termina

    a 1100m do Riozinho do Anrsio, prxima ao igarap Ferven-

    tado, passando pela flona do Trairo e pela azenda Santa

    Ceclia, se juntando estrada que vem do Palhal e seguindo

    para a br- 163. Ambas as estradas esto atualmente tomadas

    pela capoeira e pela mata. Porm, a estrada So Paulo est

    sendo parcialmente mantida pelos moradores da regio, que

    se reuniram no incio de 2007 para limp-la (servio que le-vou por volta de 40 dias), pois este o principal acesso deles

    cidade mais prxima, Trairo. Estas estradas oram aber-

    tas por Osmar Ferreira. Primeiramente oi eito o trecho que

    chega at o Rio Branco e posteriormente, em agosto de 2004,

    oi aberta a rea do Rio Branco at prximo beira do Riozi-

    nho. Tanto a estrada So Paulo quanto a do Palhal eram anti-

    gamente (por volta de 1940) utilizadas para transporte eito

    com animais, ligando as localidades s cidades prximas para

    satisazer s necessidades de comercializao e sade. Servi-

    ram para o escoamento de madeiras como ip, jatob e cedro,

    at novembro de 2004, quando a Reserva oi criada.

    Na regio onde a estrada cruza o limite da Reserva, prximo

    aos assentamentos Areia i e ii, h uma azenda chamada Pri-

    mavera, que chega a ocupar uma rea dentro da Reserva e

    que tambm oi um importante vetor de sada de madeira da

    Reserva. A regio representa hoje em dia um dos principais

    pontos vulnerveis da resex.14 14. Ibidem, p. 84.

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    36 a r

    A tomar pelos relatos, a chegada das madeireiras populao

    do Riozinho do Anrsio seguiu um protocolo bastante comum: o

    do avor. Como sempre, prometiam s comunidades servios p-

    blicos, o que mais lhes altava. Como a ausncia do Estado ogrande vazio a ser aproveitado, atacavam o calcanhar de Aquiles

    das carncias do grupo: transporte e empregos. Um procedimento,

    alis, muito parecido com o de mas do mundo inteiro. A nem to-

    das as comunidades a presso e as oertas dos grileiros chegaram

    da mesma orma e, naturalmente, nem todas se deixaram aliciar.

    As do Baixo Riozinho, por exemplo, reagiram s oertas.

    A entrada de grileiros e madeireiros com a conivncia de

    moradores das beiras do Riozinho do Anrsio parece ter sido o

    embrio de um dos maiores plos ormadores de tenses. preci-

    so entender que, como contumaz grilagem, o conronto direto

    com a populao ocupante da rea sempre evitado, deixando-se

    o emprego da violncia explcita para quando os grupos j esto

    demasiado divididos e enraquecidos. Isso oi notado em diagns-

    tico elaborado em 2008:

    Percebe-se a existncia de certo respeito e troca entre gri-

    leiros e ribeirinhos. Os grileiros ganhavam dos ribeirinhos a

    mo de obra barata, o direito terra, que era comprada ou

    grilada, e o silncio com relao s invases. Essa conquista

    do silncio se comprova em dierentes casos ocorridos, nos

    quais os grileiros mudaram de plano/ rota ao se depararem

    com algumas insatisaes dos moradores. No caso da locali-

    dade Estapiri, ao receber a reclamao do morador local so-

    bre a invaso de seus castanhais, o gerente da picada desviou

    o percurso sem maiores discusses.15

    Como dito, comum que, na tentativa de cooptao das comu-

    nidades, alm de garantirem sua entrada, os madeireiros tambm

    trabalhem para a desarticulao entre elas16. No Riozinho do An-

    rsio, ao que registram os estudos, parece que lograram xito e

    essa diviso tomou contraste por ocasio da criao da Resex:

    Em relao criao da resex, os principais confitos exis-

    tentes entre as amlias oram gerados pelo interesse na per-

    manncia dos grileiros e, com isso, a possibilidade de bene-

    15. Ibidem, p. 85.

    16. C.:torres, Maurcio. A

    Pedra Muiraquit: o caso do

    rio Uruar no enrentamento

    dos povos da foresta s

    madeireiras na Amaznia.

    Revista de Direito Agrrio,

    Braslia: nead-mda; Incra; aBda,

    ano 20, n. 20, 2007. p. 93-124.

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    37a ar

    ciamento mais imediato dos que estavam vendendo terras e

    trabalhando para esses grupos. Em alguns depoimentos ca

    evidente que quando os grileiros estavam dominando o

    Riozinho do Anrsio, muitas amlias pararam de trabalhar

    nos seus sistemas de produo, isto , no colocavam roas e

    nem coletavam os produtos da foresta, cando dependentes

    dos recursos provenientes da grilagem (Rocha et al., 2005).

    No entanto, essa relao era questionada por algumas am-

    lias que perceberam o sistema de aliciamento e presso que

    estava em torno da grilagem e comearam a denunciar. Essas

    maniestaes acirraram o confito entre as amlias e, atual-

    mente, existe uma ciso entre as amlias do Alto e do Baixo

    Riozinho do Anrsio. Esse distanciamento aumentou aps a

    criao da resex, principalmente devido ao pouco contato do

    ibama com as amlias do alto riozinho, e oram constatadas

    situaes de revanchismo entre localidades, amlias e li-

    deranas.17

    A cooptao de ribeirinhos por grileiros, entretanto, no algo

    to linear e cil de ser compreendido e, muito menos, passvel de

    ser posto numa linha maniquesta de bons e maus, dos bons

    ribeirinhos do Baixo Riozinho do Anrsio, que resistiram aos

    grileiros, versus os maus ribeirinhos do Alto, que trabalharam a

    soldo dos grupos de grilagem.

    Sim, parte da populao das comunidades do Riozinho ps-se a

    deender a atividade de madeireiras e grileiros. De uma parcela,

    essa inclinao se explicaria por serem ribeirinhos empregados

    por estes grupos. Porm, apenas isso no explica a adeso de v-

    rias amlias operao de madeireiros e grileiros que os expro-

    priavam e que, claramente, lhes privam de seu direito terra. H,ento, que se entender contextualizadamente a posio vinda de

    uma gente que sempre viveu em um mundo regido pelas relaes

    de avor e de tutela (alis, o que est longe de ser uma peculia-

    ridade da regio, ou da Amaznia); uma gente a quem qualquer

    cidadania nunca oi apresentada como direito, mas como conces-

    so e benevolncia que, mesmo eitas pelo Estado, provinham dos

    prstimos pessoais do governante. Uma gente a quem as relaes

    trilham a orma da dependncia e do avor, azendo da violncia

    17. silVa, Paulo Amorim

    da. Contextualizao

    scio-ambiental da Reserva

    Extrativista Riozinho do

    Anfrsio: um estudo de

    caso Altamira, PA / Paulo.Dissertao (Mestrado

    em Cincias Florestais e

    Ambientais). Manaus: ufam,

    2007. p. 70.

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    38 a r

    simblica a regra da vida social e cultural. Violncia tanto maior

    porque invisvel sob o paternalismo e o clientelismo, considerados

    naturais e, por vezes, exaltados como qualidades positivas do ca-

    rter nacional.18

    preciso, portanto, entender a opo dos ribeirinhos do Alto

    Riozinho de se deixarem cooptar mais como uma estratgia pol-

    tica de sobrevivncia do que como ato de carter moral. No seria

    impossvel que, se a entrada de madeireiros e grileiros se tivesse

    iniciado pela oz do Riozinho do Anrsio, a situao de adeso a

    esses grupos osse inversa.

    Gestes anteriores da Resex, ainda por administrao do Iba-

    ma, parecem no ter compreendido a situao e agido de acordo.

    Segundo relatos dos ribeirinhos (que coincidem com narrativas

    da antiga gestora), episdios como o da obrigatoriedade imposta

    da implantao de placas de sinalizao da unidade de conserva-

    o na rente de certos moradores geraram uma resistncia ain-

    da maior da populao do Alto Riozinho do Anrsio em relao

    Resex. Pode-se entender que, de orma ineliz, tambm a ad-

    ministrao da UC distinguia aquela populao em amigos e

    opositores.

    Isso, de orma muito marcante, ecoa ainda hoje. E, ainda hoje,ouvimos alar do tempo dos grileiros com certo saudosismo e re-

    erncia de que aquele tenha sido o tempo em que de ato hou-

    ve atendimento pblico. Pela ala de seu Antonio, por exemplo,

    observamos como esse atendimento sempre esteve tambm in-

    trinsecamente vinculado s possibilidades de melhoria no trans-

    porte viabilizadas pelas estradas para retirada de madeira, como

    dito acima:

    Depois que esse outro pessoal entrou com esse negcio des-

    sas estradas, a oi que melhorou. Quem primeiro entrou oi o

    povo do Osmar. A oi que comeou a melhorar pro povo. []

    Eles davam carona pra gente, era rapidinho. Ia e no outro dia

    estava em casa, de volta. [] De graa, nunca cobraram um

    centavo.

    Durante os trabalhos de campo, muito se aventou sobre a pos-

    sibilidade de alguns moradores do alto Riozinho do Anrsio con-

    tinuarem a manter uma relao com madeireiros na qual os pri-

    18.chaui

    , Marilena.Conformismo e resistncia:

    aspectos da cultura popular

    no Brasil. 1. ed., 6. reimp., So

    Paulo, Brasiliense, 1996. p. 54.

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    39a ar

    meiros permitir-lhes-iam a entrada no permetro da Resex e os

    segundos lhes proviessem de transporte e empregos. Porm, pode-

    se inerir que, se tal explorao ocorre, conta com, ao menos, a

    cincia dos ribeirinhos do Alto Riozinho.Nada coletado em campo oi conclusivo nesse sentido. Porm,

    uma anlise aproundada das imagens de satlite recentes dispo-

    nveis (satlites Landsat, cbers e alos) detectou alteraes recen-

    tes (setembro de 2010) na cobertura forestal da rea estudada,

    evidenciando eies possivelmente originadas em processos de

    extrao seletiva de madeira, sem corte raso de vegetao (c.

    guras no captulo Concluso)19.

    Durante o trabalho de campo, vrias ontes distintas narraram

    uma inormao unssona no sentido de armar que a explorao

    de madeira na rea entre o Riozinho do Anrsio e o PA Areia

    continua e com a cooperao de alguns dos moradores do Alto

    Riozinho. Os possveis ramais e outras eies de degradao fo-

    restal detectados com ajuda das imagens de satlite reorariam

    a hiptese da existncia de explorao atual de madeira dentro

    da Resex, sem aclarar, obviamente, se essa explorao est sendo

    realizada com ou sem a ajuda dos moradores da reserva.

    Para alm de dizer se esse ato ocorre ou no, algo ora do es-copo deste trabalho, importa registrar dois pontos ainda mais im-

    portantes pelo seu carter sistmico:

    1. A ace oeste da Resex Riozinho do Anrsio de acesso -

    cil abundante atividade de extrao criminosa de madeira e

    est completamente ora de controle da gesto.

    No que este ato aponte qualquer inoperncia ou negligncia

    da gesto, mas ato que, dentro dos recursos sicos e humanos

    com que os servidores da Resex contam, o monitoramento do queocorre s costas dos moradores, a oeste do Riozinho do Anrsio,

    completamente ausente.

    O ato ainda mais grave, pois a atividade criminosa de madei-

    reiras no PA Areia (porta de entrada para os ramais madeireiros

    que avanam sobre a Resex) algo sedimentado e que, h quase

    uma dcada, vence a queda de brao contra as aes de scaliza-

    o. Diversas vezes a madeireira instalada no assentamento oi

    echada e sempre reabriu com outra achada ormal. Segundo os

    19. As imagens Landsat e cBers

    no aportaram inormao

    clara sobre degradaoforestal, por serem de

    resoluo insuciente (caso

    das imagens Landsat) ou

    por excessiva cobertura de

    nuvens na rea analizada

    (imagens cBers). As alteraes

    mencionadas oram

    visualizadas em imagens

    ornecidas pelo satlite

    alos, sensor prism, de alta

    resoluo (10 metros) aps

    processamento especco

    (substrao do 2 e 3

    principal componente).

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    40 a r

    moradores do PA Areia, quem administra hoje a madeireira l

    instalada um morador de Trairo conhecido por Django.

    A explorao da regio antiga, o que az supor que a madeira

    mais prxima sede da madeireira esteja esgotada, justicandoque se avancem s matas mais bem preservadas da Resex Riozi-

    nho do Anrsio.

    Tanto sica, como administrativamente, a gesto da Resex, em

    Altamira, distante do que se passa na ronteira oeste da Resex.

    Para a gesto alcanar o Alto Riozinho, a atual via fuvial, o que

    torna invivel nas atuais condies de inraestrutura que o

    monitoramento dessa aixa (terrestre) acontea.

    2. Os moradores do Alto Riozinho permanecem merc da co-

    optao dos madeireiros para acessarem atendimento a algu-

    mas necessidades bsicas.

    Sem armar que a associao entre ribeirinhos e madeireiras

    esteja ocorrendo, inegvel o ato de que, para a populao mais

    a montante do Riozinho do Anrsio, essa seria uma opo para

    terem condio, por exemplo, de salvar um lho picado por uma

    cobra. Ou, mesmo, ter acesso a produtos de consumo bsico que

    no chegam no perodo de seca.

    Isso, somando-se ao ato de haver uma governana rgil da re-gio por parte do ICMBio, torna a situao bastante avorvel aos

    interesses sempre muito grandes das madeireiras na regio.

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    3. A vida sem esrada eas expecaivas do que se

    resolveria havendo uma esrada

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    42 a r

    A um empo desses aatrs, morreu dois flhos meus

    por fala de recurso. No caso,

    se ivesse uma esrada, euacharia que inha como erchegado a a cidade. Podiamorrer, porque da moreningum se livra, mas morriaendo recurso.Robero

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    43a ar

    Mortalidade inantil, produtos da roa, laos de paren-

    tesco. Educao, alimento, lazer. O que teriam em co-

    mum essas e outras tantas preocupaes prementes na

    Resex Riozinho do Anrsio? Conversando com seus moradores,aprendemos que a questo do transporte, de orma geral, consti-

    tui reqentemente um gargalo a dicultar o encaminhamento de

    uma srie de problemas cotidianamente enrentados na Resex.

    Nesse sentido, somos levados a refetir conjuntamente: para

    qu uma estrada? Para qu esta estrada? No captulo anterior, vi-

    mos alguns dados sobre as condies em que vivem as amlias do

    Riozinho, e vimos que essas condies podem mudar dependen-

    do da regio do rio que se habita. Neste captulo, resta saber de

    que orma essas narrativas sobre as condies de vida se cruzam

    com os anseios ace reabertura de uma estrada como a do So

    Paulo.

    Os motivos so vrios, mas dois deles so presena garantida

    em praticamente todas as alas: sade e comrcio melhorariam

    com a estrada, com uma sada de doentes para a cidade e uma

    possibilidade alternativa de escoamento de produo e compra

    de mercadorias.

    3.1 sAde: cRiAnAs soReM MAis

    As crianas so lembrana constante tanto as que escaparam

    por pouco de algum acidente ou doena atal, como as que no

    tiveram essa sorte, perecendo e alimentando as taxas alarmantes

    de mortalidade inantil. Entre os prprios beiradeiros que acom-

    panharam a equipe deste trabalho, encontramos histrias de sua

    luta para salvar os lhos. Lindomar, em 2005, quase perde o lho

    aps uma picada de cobra. Gildo, em 2010, varou a estrada de SoPaulo para buscar atendimento mdico ao seu pequeno de oito

    anos, que apresentava escaras proundas que, depois, conrma-

    ram-se como sendo causadas por leishmaniose. Se, aps a longa

    caminhada, o menino logrou ser atendido, outros trs irmos seus

    no tiveram a mesma sorte. Dos seis lhos que a mulher de Gildo

    teve, trs morreram nos primeiros anos por problemas de sade

    agravados pela alta de condies de chegada cidade.

    Histria semelhante tem dona Clarice, de cujos oito lhos nas-

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    44 a r

    cidos vivos apenas quatro sobreviveram aos primeiros anos de

    idade:

    O J., ns tentamos tirar pra Altamira, mas s chegou num lu-

    gar chamado So Francisco, tambm esse a deu oito dias deebre. Tambm se tivesse a estrada a, tinha recurso de ter

    tirado ele. A outrazinha, a minha primeira, ela oi e morreu de

    sarampo. No tinha recurso de levar pra Altamira, tambm.

    Ela demorou uns 10 dias. A F. demorou uns oito dias, e mor-

    reu. Agora a D. a gente pensa que oi doena do ar. Nenhum

    deu recurso de tirar.

    Ou o caso da lha de seu Romeu:

    Nesse ponto, se ela [a estrada] tivesse aberta, ela tinha me

    ajudado, por causa que eu passei seis dias com ela l em bai-

    xo, e a no teve jeito de eu tirar ela, o negcio oi esse a, a

    ela oi e morreu l, num lugar chamado Bom Jardim. Passei

    seis dias l esperando oportunidade e no tive, esperando

    motor e no tive. E no podia sair pra canto nenhum.

    Ou ainda o de Roberto, que perdeu dois lhos no Riozinho:

    At um tempo desses a atrs, morreu dois lhos meus por al-ta de recurso. No caso, se tivesse uma estrada, eu acharia que

    tinha como ter chegado at a cidade. Podia morrer, porque da

    morte ningum se livra, mas morria tendo recurso. Morreram

    aqui. Quando eu tentei tirar, oi tarde. Acho que oi malria,

    nem descobri a doena deles. Foi esse a o problema Tendo a

    estrada pra andar, tudo cil de resolver, at o prprio peixe.

    Ajuda todos.

    Joaquim, da localidade Os Tapiri, e Agente Comunitrio deSade h cinco anos (e que j perdeu dois de seus lhos na Re-

    sex), conta que, em sua avaliao, a estrada importante para

    a sade dos moradores da Resex de um modo geral. Em junho

    [2010], tive que sair s pressas com seu O., conta da assistncia

    que proveio a um dos moradores mais velhos da reserva. Foram

    trs dias de varao, sem comer e sem parar, na trilha at o PA

    Areia. Para no ver o paciente morrer, explica.

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    45a ar

    3.2 PRoduo e coMRcio

    Para os ribeirinhos do alto Riozinho, como j dito anteriormente,

    a dependncia dos regates para venda da produo e aquisio

    de bens impe uma dura sina durante o longo perodo do ano emque a seca costuma aastar qualquer embarcao que no possa

    ser soerguida ou arrastada nos pedrais do rio. Mesmo sem abertu-

    ra suciente para passagem de veculos, uma alternativa utilizada

    j a estrada So Paulo, como aponta diagnstico realizado em

    2008:

    J no alto Riozinho a comercializao ocorre em sua maioria

    por uma antiga estrada de animais, a qual oi reaberta pelos

    madeireiros e hoje mantida pelos moradores. A estrada So

    Grf . Mortalidade

    inantil na Resex Riozinho do

    Anrsio*.

    Fonte: expedio

    dezembro/2010.

    * O grco apresentado pode

    apenas indicar uma tendncia,

    j que a coleta dos dados se

    deu de orma complementar

    s entrevistas, no tendo

    sido possvel aplicar uma

    metodologia que permitisse

    sua utilizao na comparao

    com indicadores de outros

    locais.

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    46 a r

    Paulo utilizada como nica rota de comercializao pela

    maioria dos moradores, sendo comercializado por esse cami-

    nho principalmente mel e copaba.

    Isso ocorre devido maior acilidade de acesso por essa rota

    at a cidade - com dois dias de viajem p at o condomnio

    Santa Ceclia, onde conseguem carona at Trairo ou Itaituba

    e tambm devido ao ato de pouqussimos regates chega-

    rem a subir o rio, mesmo no inverno, deixando a populao

    isolada.

    A cidade se torna uma opo atraente para os moradores, pois

    l conseguem vender seus produtos a dinheiro, pelo mesmo

    preo vendido a troco pelos regates, e aumentam seu poder

    aquisitivo, comprando mercadorias industrializadas a preos

    mais baixos.20

    No entanto, segundo moradores entrevistados, pouco h de

    acilidade na opo de usar a estrada, tal como se encontra

    agora. A gente no pode trazer muita coisa, a gente compra

    um pouquinho l e tem que trazer nas costas, relata dona

    Clarice. Eu achei ruim da primeira vez que eu ui. Ainda hoje

    no acho bom. A gente vai porque orado, desabaa seu

    Janurio.

    Da a ideia de que uma eetiva reabertura dessa estrada cons-

    tituiria um grande avano para intensicar o comrcio e gerar

    renda entre essas amlias da Resex, j que se trata de uma rota

    por elas bem conhecida (o conhecimento dessa e de outras estra-

    das desde os tempos antigos ser abordado no Captulo 5). Nas

    palavras de Alredo:

    Essa estrada, se ela sasse, era at bom pra gente. Porque de

    vero seca muito, e pra gente chegar at a Maribel dicil

    demais, pra gente. Eu j tenho andando por a, pra Itaituba,

    j tenho ido de p, tenho vindo. S que de p ruim, se ti-

    vesse transporte, se por acaso ela varasse aqui pra beira, eu

    acharia que era melhor pra gente, levar uma produozinha

    da gente. Eu j tenho plantado melancia, tem dado melancia

    e tem estragado tudo, porque no tem como tirar, abbora

    tambm. Muitas coisas estragam.

    20. ICMBIO. Op. cit. p. 48-9.

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    47a ar

    Roberto, que trabalha com roa, pesca e tem ideias de se lanar

    no projeto da seringa, tambm gostaria de poder escoar sua pro-

    duo nas cidades de Trairo, Itaituba, assim como Romeu: Eu

    acho que ela podia ajudar a gente vender o produto da gente.

    . outRAs RAzes

    Alm de sade e comercializao da produo, algumas pessoas

    sugeriram outras razes pelas quais seria conveniente ver a estra-

    da de So Paulo reaberta.

    Embora no guarde uma relao imediata, j que as escolas e

    seus respectivos proessores se reportam cidade de Altamira, e

    no Itaituba ou Trairo, a questo da educao tambm apareceu

    na conversa. Csar, proessor do Lajeado, relatou muitas dicul-

    dades de chegar escola, vindo de Altamira, em viagem na qual

    empenhou quase um ms: Nessa minha subida, eu subi no vero,

    oi bastante atrapalhado, eu passei quase um ms pra poder che-

    gar aqui de Altamira. Eu sa no dia 5 de agosto e j ui chegar

    aqui dia 26 praticamente. Alm disso, relata preocupao com as

    crianas pelas quais se responsabiliza pessoalmente e a saga do

    proessor anterior em busca de atendimento mdico de emergn-

    cia aparece como uma ameaa, uma sombra sobre suas condies

    de trabalho na Resex. Nesse sentido, ainda que conesse no ter

    conhecimento especco sobre a estrada em questo, arma ver

    no mnimo com bons olhos a perspectiva de uma alternativa de

    transporte emergencial:

    Se tivesse uma estrada aqui, seria bem vivel mesmo. At

    porque o proessor que tava aqui, o outro que j saiu daqui,

    ele no morreu, se ele no conseguiu chegar l [em Altamira]

    morto, pelas graas de Deus, mas ele chegou complicado. Ele

    teve, se no me engano, ele teve oi malria, ineco de rins,

    e comeo de dengue. Ele oi pra cidade curar duma malria e

    quando ele voltou pra c, ele j voltou com a dengue. A deu

    uma raqueza nele, ele chegou a desmaiar. O pessoal pegou ele

    nas pressas, pediram ajuda por Altamira, mas no conseguiu.

    Quando vieram pra poder ajudar, ele j estava chegando l.

    Graas a deus, ele oi pro hospital, mas t bem ele. Nem vir pra

    c, no veio mais. Que at hoje no conseguiu se recuperar.

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    48 a r

    Outro anseio registrado em algumas alas oi o de aproximar

    parentes que vivem no beirado aos que vivem na cidade, e vice-

    versa. Muitas amlias do alto Riozinho tm amiliares morando

    em Trairo ou Itaituba. Filho mais velho de seu Cirino, um dos mo-radores mais idosos da Resex, seu Loureno, nascido no Riozinho,

    mas morador atual de Trairo, maniesta descontentamento pela

    distncia que tem guardado de sua terra, desde que deixou o rio

    pela cidade, em 1982, em busca de escola para os lhos. Segundo

    ele, o transporte via Altamira, lento e custoso, ainda mais com

    tantos lhos a custear passagem, inviabiliza as visitas. Repetiu

    vrias vezes que sente saudades do Riozinho, de cozinhar peixe

    assado na beira do rio, como era o costume da gente.

    Alredo, no Riozinho, relata caso anlogo, mas inverso:

    Eu mesmo, tem uma sobrinha minha que tem vontade de co-

    nhecer uma irm dela que mora a no Areia, mas a no tnm

    estrada e ela no vai porque ela no garante andar. A gente

    tambm tem muito parente em Itaituba, Trairo, at no Areia

    mesmo tem. Um bocado de conhecido que j morou aqui tam-

    bm e oi embora l. Eles no vm aqui...

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    4. Sobre a viabilidade

    da esrada

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    50 a r

    De ser boa [a esrada], uma coisaboa, s que ela pode razer muiosproblemas. Da pra essa esrada

    funcionar, o Ibama deve de omar muiocuidado, pra no er invasor. Pode er.Prprio grileiro, gene que v a esradaabera....Joo Pedro

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    51a ar

    No Captulo 3, apresentamos um panorama construdo

    especialmente a partir de relatos dos moradores do alto

    Riozinho, quando questionados sobre os motivos que os

    levam a requerer com tanto empenho a reabertura da estrada.Temos algumas respostas, portanto, questo para qu uma es-

    trada?. Outras ainda se impem: por que uma estrada? Por que

    esta estrada, em particular? Como se posiciona, numrica e espa-

    cialmente, o conjunto de todos os moradores da Resex em relao

    aceitao ou no dessa ideia? Como seria viabilizada a emprei-

    tada? E sua manuteno?

    Para dar conta dessas indagaes, em primeiro lugar, iniciamos

    por explicar materialmente de que alamos quando nos reerimos

    estrada de So Paulo seu trajeto, seu perl etc. Em seguida,

    apresentamos de orma espacializada as opinies da Resex como

    um todo acerca da reabertura e, ento, as restries mencionadas

    ao projeto.

    4.1 descRio MAteRiAl dA estRAdA

    A estrada considerada neste relatrio acompanha o percurso re-

    alizado tradicionalmente pelos moradores da regio do Riozinho

    do Anrsio entre as suas localidades e as cidades da bacia do

    Tapajs, atravessando os municpios de Trairo e Itaituba (Figura

    4.1).

    Com o intuito de denir quantitativamente a estrada de orma

    precisa, decidiu-se xar o marco zero desta na ltima azenda ocu-

    pada de orma permanente depois do Projeto de Assentamento

    Areia, e antes da entrada na Floresta Nacional do Trairo (Mapa

    4.1).

    A seguir, so reproduzidos alguns dados de interesse relativos estrada:

    Comprimento total: 83,1 quilmetros;

    Comprimento atualmente trafegvel por carro 4x4: 49,7 km;

    Comprimento atualmente no trafegvel (trilha): 33,4 km;

    Ponto de menor altitude: 177 metros;

    Ponto de maior altitude: 400 metros;

    Declividade mdia: 4.3%;

    Declividade mxima: 26%.

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    52 a r

    figura

    4.1

    Situaoda

    estradasolicitada

    emrelaoaos

    limitesmunicipais.

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    53a ar

    Maa . Mapa topogrco

    mostrando o percurso da

    estrada solicitada, desde o seu

    comeo na Fazenda do Seu

    Ivo nas proximidades do PA

    Areia at a localidade do Alto

    Alegre, na beira do Riozinho

    do Anrsio. So reproduzidas

    as principais toponmias

    recolhidas durante a travessia

    a p (varao) dos 33,4

    quilmetros atualmente no

    traegveis da estrada.

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    55a ar

    4.1.1 DECLIvIDADE

    A partir do perl altimtrico da estrada oi calculada a declivida-

    de associada, mediante derivao da curva do perl. Em seguida

    oi aplicada uma mdia mvel de 100 metros de comprimento,com o intuito de controlar possveis pontos esprios no dado de

    estrada.

    A partir da anlise estatstica dos dados obtidos, pode-se apon-

    tar que aproximadamente 10% da estrada esto situados em ter-

    renos com declividades iguais ou maiores a 10%, declividade que,

    segundo o manual do dnit de construo de estradas rurais, seria

    a mxima admissvel numa estrada, mesmo sendo essa estrada

    de tipo iv (mnima traegabilidade) (dner, 1999). Isso implicaria,

    ormalmente, na mudana local do percurso da estrada em certos

    trechos (notadamente na serra dos Abacaxis, na Flona Trairo, e

    na regio do Igarap dos Mutuns, no Parna Jamanxim). Embora

    achemos possvel a construo da estrada conservando o traado

    atual e as declividades observadas, com a anuncia das munici-

    palidades envolvidas, deve ser considerado o custo adicional em

    manuteno representado pela maior susceptibilidade eroso

    dos trechos com declividade orte ou muito orte.

    4.1.2 REASALAGvEIS

    A disponibilidade de um modelo altimtrico de boa preciso e

    resoluo da regio, ornecido pelo ibge (projeto topodata) possi-

    bilita o estudo das reas sujeitas a inundao na regio percor-

    rida pela estrada solicitada. A metodologia de clculo oi imple-

    mentada no programa ArcGIS, com a utilizao do mdulo spatial

    analyste detalhada a seguir:

    1) Clculo da rede de drenagem detalhada mediante estudo

    das linhas de fuxo associadas topograa;

    2) Clculo do gradiente associado topograa da regio;

    3) Clculo do custo de deslocamento (distance cost), a partir

    dos pontos de drenagem determinados em 1) e utilizando o

    gradiente calculado em 2) como supercie de custo;

    4) Calibrao para determinar o ponto de inundao mxi-

    ma na estao de chuvas.

    A Fgra . mostra o perl

    planialtimtrico da estrada,

    juntamente com o grco de

    declividade (em vermelho)

    e as principais eies

    topogrcas reconhecidas

    no terreno (planaltos, serras,

    igaraps etc.).

    gra . Perl

    planialtimtrico da estrada, no

    seu comprimento total (acima)

    e na poro no traegvel

    atualmente (embaixo). O

    grco vermelho representa a

    declividade mdia em 100m

    da estrada.

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    56 a r

    O Mapa 4.2 e a Figura 4.3 mostram o resultado desta

    metodologia.

    Destarte, oram identicados 20 trechos da estrada que preci-

    sariam da construo e manuteno de pontes e terraplenagenspara assegurar a passagem permanente de veculos. Vale assina-

    lar que o comprimento mdio dos trechos sujeitos a inundao

    grande (maior de 150 metros), o que exigiria a construo de

    pontes e estruturas de grande comprimento e provavelmente cus-

    to elevado.

    4.1.3 SITUAOATUALDAESTRADA

    Atualmente a estrada possui um trecho traegvel por veculos

    com trao 4x4 que totaliza 49,7 km dos 83 totais da estrada

    (Mapa 4.1 acima).

    Como oi mencionado anteriormente, esse trecho da estrada

    mantido pelo grupo que gerencia a Fazenda Santa Ceclia, que

    o seu maior utilizador. Cabe mencionar que, apesar da custo-

    sa manuteno realizada periodicamente, na poca de chuvas a

    estrada at a azenda Santa Ceclia ca praticamente intransit-

    vel, precisando, em caso de necessidade, do uso de correntes ou

    o apoio de tratores para assegurar a passagem pelos trechos mais

    complicados.

    4.2 A AvoR ou contRA? Apelo e solidARiedAde

    Anteriormente, vimos como entre os moradores do alto Riozinho

    a reabertura da estrada de So Paulo projetada, no mais das

    vezes, como a salvao da lavoura. Conorme se desce o rio, po-

    rm, a demanda parece perder sua intensidade de atrao. Os pa-

    rentes aparecem cada vez mais como estando exclusivamente emAltamira; o porto da Maribel, como uma sada menos penosa; e as

    condies de acesso a bens e produtos, menos complicadas que

    entre as amlias do alto. Como aponta seu Claudemir, a gente

    mais Altamira. Principalmente quem mora aqui, a parentagem,

    tudo acompanhante Altamira. No que complementado por

    seu Paulo Henrique, que relaciona a dierena na ligao com os

    municpios capacidade de reivindicao junto s respectivas

    preeituras e secretarias:

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    57a ar

    Maa . reas alagveis no

    entorno da estrada solicitada.

    Os trechos inundveis da

    estrada so mostrados em

    laranja (evitveis mediante

    mudana leve no percurso)

    e em amarelo (dicilmenteevitveis).

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    58 a r

    figura

    4.3Perldaestrada

    comospontossu

    jeitos

    ainundaodesta

    cados

    (crculosamarelos).

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    59a ar

    Inclusive, porque l, Trairo, no nosso municpio, Itaituba

    tambm no . Eu levei gente daqui pra Itaituba, pra trata-

    mento, mas com apoio do Exrcito, e hoje ns no temos esse

    apoio. E Altamira, se ns no tiver nem um centavo, ns j

    vamos. Como esse velho que passou aqui agorinha [doente],

    ele no t l porque melhorou, mas ele j tinha alado com

    o secretrio l, e o carro j vinha por ele na Maribel. E l a

    gente pode at achar algum que aa uma carona pra ns,

    mas no temos esse poder de cobrar do pessoal do Trairo, de

    Itaituba, porque no nosso municpio.

    Deveramos presumir, ento, que as amlias que no habitam

    o alto Riozinho se opem terminantemente reabertura da estra-da? De orma alguma. Na prtica, quando instados a se posicionar,

    oram poucos os moradores que se disseram contrrios recupe-

    rao da via. A distribuio das opinies nas regies da Resex

    pode ser observada nos Grfcos 4.1 e 4.2.

    Para compreender esse quadro, importante lembrar que, em-

    bora tenhamos em itens anteriores algumas dierenas socioeco-

    nmicas entre as amlias do alto e baixo Riozinho, no se trata

    de uma desigualdade gritante. Em outras palavras, os moradores

    de baixo tambm tm diculdades cotidianas para atendimentos

    mdicos emergenciais, de escoamento de sua produo, de des-

    vantagens no comrcio com os regates etc. So, portanto, muito

    capazes de se solidarizar com a situao dos moradores do alto, e

    reconhecer que sua vida poderia, talvez, melhorar com a estrada

    reaberta. Como resume Dirceu: Sobre a preciso deles, tudo que

    eles contam pouco. Gente morrendo mngua. Seu Paulo Hen-

    rique tambm se mostra solidrio: No sou contra, no. Porque

    a gente no pensa s na gente.Pra eles, l, ca timo. Ainda queno me benecie nada pra mim, eu no sou contra.

    . RestRies

    Se a solidariedade se traduz em apoio, importante dizer que

    esse apoio no incondicional. At mesmo moradores da poro

    mais alta do Riozinho reconheceram que uma estrada uncional

    ligando a beira do rio a centros urbanos prximos traria bene-

    cios, mas tambm poderia implicar problemas.

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    60 a r

    Grf . Opinio sobre a

    estrada por localidades da

    Resex.

    Grf . Opinio sobre

    a estrada de acordo com a

    regio da Resex.

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    61a ar

    As preocupaes principais de quem no abraa incondicional-

    mente a ideia da estrada se concentraram, em primeiro lugar, na

    reerncia a um possvel retorno de grileiros e madeireiros que te-

    riam se aastado aps a criao da Resex, o que signicaria novose maiores esbulhos e o reavivar de antigos confitos. Num segundo

    momento, registrou-se uma apreenso mais diusa com a possibi-

    lidade de ocupao de pores da Resex por pessoas quaisquer,

    a disputar espao e recursos com os atuais moradores. Na ala de

    Joo Pedro, vemos sintetizados ambos os medos: De ser boa [a

    estrada], uma coisa boa, s que ela pode trazer muitos proble-

    mas. Da pra essa estrada uncionar, o Ibama deve de tomar muito

    cuidado, pra no ter invasor. Pode ter. Prprio grileiro, gente que

    v a estrada aberta....

    Ante essas perspectivas e projees, os moradores costumavam

    apresentar possveis solues, ou seja, certos condicionantes sem

    cujo cumprimento acreditam, a sim, que a estrada no deveria

    ser construda.

    Resta apresentar, assim, quais seriam as possveis solues, tan-

    to aquelas aventadas pela prpria populao como as levantadas

    neste trabalho, para mitigar os eventuais impactos negativos da

    eetivao do projeto. Uma alternativa comumente citada pelosbeiradeiros seria a restrio do acesso estrada, com instalao

    de algum tipo de equipamento, como porteira ou, principalmente,

    uma guarita vigiada. Nesse caso, diz-se do vigia que poderia ser

    tanto algum da Resex como, preerencialmente, do rgo gestor,

    ainda bastante conundido com o Ibama. Segurana que eu digo

    uma guarita, com o prprio Ibama, disse Joo Pedro; A gente

    az uma porteira, e no entra [gente indesejada], no. A gente

    caa a uma pessoa pra tomar de conta, prope dona Clarice.Sem mencionar diretamente uma restrio sica ao acesso

    estrada, muitos mencionaram a necessidade de algum tipo de

    scalizao ou monitoramento por parte do poder pblico. Eu

    penso assim, que o ICMBio s vezes acho que ele pode de vez em

    quando dar uma olhada, ver se tem algum querendo... ou ento

    mesmo a gente, se tiver algum querendo entrar, a gente pode

    [scalizar], arma Alredo. Seu Claudemir tem opinio seme-

    lhante: [A estrada] atrapalha se a gente liberar pra encher de

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    gente. Mas se tiver uma ordem, o Ibama scalizando, quem entrar

    ora, sai.

    Por m, h quem acredite que o prprio movimento de pessoas

    da Resex na estrada uncionaria como monitoramento, coibindoaes criminosas na UC; e h tambm aqueles, como Leonor, para

    quem a estrada no deveria ser construda em hiptese alguma:

    Rapaz, pra mim mesmo eu acho que no vai ser bom, no. Pra

    mim, bom do jeito que t. Se tem essa da Maribel, na minha

    opinio, essa da t valendo. Por mim mesmo, ela no saa

    nunca. Eu acho que vai ser ruim. Tenho pra mim que vai tra-

    zer de runa, muito bandido que pode varar at de ps, que

    o pessoal j tem o costume de varar de ps. Eles podem novir pela estrada, assim, do jeito que ns vem ou ns vamos,

    mas eles vm de outra maneira. Se no tiver uma segurana

    l, eu acho que no o certo, no. Pra mim, no. Eu sou con-

    tra mesmo essa estrada. No sei se pelo meu costume... Por

    mim no sairia nunca.

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    5. A esrada de

    So Paulo

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    A primeira vez que eu andei nessa esradaeu inha nove anos. Quando meu painasceu, em 1913, essa esrada j exisia. Eu

    sei porque meu pai me conava. Quandoele morreu, eu inha 18 anos. Ele conavaque quando ele nasceu j exisia ela, essavarao daqui pra Iaiuba.Seu Janurio

  • 8/3/2019 Via de direito, via de favor

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    Quando meu av veio do Cear, com a idade de 20 anos, meu

    av chegou pra c, da ele entrou com a amlia dele, veio

    com flho, a veio azendo essa varao pra c. Meu av cor-

    tava, meu pai cortava seringa tambm. A estrada oi eita do Paranaqui para tirar seringa da borracha, que eles cortavam seringa. An-

    tigamente o ramo era seringa, antigamente no existia outro ramo.

    O ramo era seringa e azia o roado pra gente comer o plantio que a

    gente azia. Cortava seringa e botava roa. Quando era fnal de ano,

    o seringueiro descia ajustar conta com o patro l em Itaituba. Era

    desse jeito. E de ms em ms vinha o comboio, trazer rancho, o que

    precisava pro seringueiro. O comboio que ns chama, o pessoal hoje

    chama tropa, n, negcio de burro. Era de burro de l do Paran Mi-

    rim presse meio aqui tudinho de burro. At o Riozinho.

    A descrio que seu Aguinaldo az hoje do que era o Riozinho

    do Anrsio na virada do sculo xix aproxima essa realidade da de

    muitas outras regies amaznicas em que imperava a coleta da

    borracha para exportao, com seu sistema de aviamento, suas

    relaes de trabalho, sua atividade extrativa crescentemente co