verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/política...

21
257 verve Política das drogas e a lógica dos danos política de drogas e a lógica dos danos thiago rodrigues* O homem que se tornou livre pisa sobre o modo desprezível do bem-estar Friedrich Nietzsche O acirramento da violência relacionada ao tráfico de drogas ilícitas vem aguçando sensibilidades atentas a posturas outras de enfrentamento da questão do uso de substâncias psicoativas. Conservadores e progres- sistas convergem para a crítica do modelo de banimento legal dos psicoativos capitaneado pelos Estados Unidos e aceito pela maioria dos Estados no globo. O objetivo expresso da Proibição é a erradicação do uso de qual- quer droga que altere a consciência ou a percepção da realidade. Neste quadro, até mesmo psicoativos legais como o álcool e o tabaco caminham para uma situação de controle estrito que beira a proibição total. Em meio à grande quantidade de forças sociais que resistem à * Cientista Político, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP, poeta e pesquisador no Nu-sol. verve, 3: 257-277, 2003

Upload: nguyentuyen

Post on 18-Jan-2019

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

257

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

política de drogas e a lógica dos danos

thiago rodrigues*

O homem que se tornou livre pisa sobre o

modo desprezível do bem-estar

Friedrich Nietzsche

O acirramento da violência relacionada ao tráfico dedrogas ilícitas vem aguçando sensibilidades atentas aposturas outras de enfrentamento da questão do usode substâncias psicoativas. Conservadores e progres-sistas convergem para a crítica do modelo de banimentolegal dos psicoativos capitaneado pelos Estados Unidose aceito pela maioria dos Estados no globo. O objetivoexpresso da Proibição é a erradicação do uso de qual-quer droga que altere a consciência ou a percepção darealidade. Neste quadro, até mesmo psicoativos legaiscomo o álcool e o tabaco caminham para uma situaçãode controle estrito que beira a proibição total. Em meioà grande quantidade de forças sociais que resistem à

* Cientista Político, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP,

poeta e pesquisador no Nu-sol.

verve, 3: 257-277, 2003

Page 2: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

258

32003

proscrição das drogas, cresce, desde meados dos anos1980, uma postura reformista conhecida como reduçãode danos que vem conseguindo espaço entre osproibicionismos, principalmente nos países mais ricosda Europa e Oceania. Este artigo busca fazer uma leitu-ra preliminar das propostas de redução de danos, ex-pondo suas frentes de combate com o proibicionismo,suas potencialidades estratégicas na mudança do tra-tamento legal dos psicoativos e seus limites enquantoproposta alternativa ao modelo. Sem almejar conclu-sões, essa reflexão procurará instigar os defensores daredução de danos a contornarem o medo, o excesso demoderação e toda prudência que não seja tática.

A abstinência como fim

Declarada pelo governo de Richard Nixon, em 1972,a guerra às drogas tornou-se a tônica na abordageminternacional da questão das substâncias psicoativasilícitas. Naquele momento, o tema do controle mundialde psicoativos havia alcançado um patamar de alta re-gulamentação, cujo documento maior era a ConvençãoÚnica da ONU sobre Psicotrópicos, de 1961. Esse trata-do sintetizava décadas de convenções multilaterais que,desde o Congresso de Xangai, em 1909, vinham elabo-rando restrições à livre produção, venda e consumo dedrogas estimulantes, como a cocaína, e narcóticas, comoos opiáceos (ópio, morfina, heroína). O objetivo das nor-mas internacionais acordadas desde então era obanimento de todo uso que não fosse considerado parafins médicos. Na luta da medicalização contra os usostradicionais ou hedonistas, estava impressa a marca dapolítica externa dos Estados Unidos que, com grandeempenho, defendeu a confecção de legislaçõesantidrogas restritivas.

Sead
Destacar
Page 3: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

259

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

A postura estadunidense toma a forma de combatedireto às drogas ilícitas com Nixon, o que significava aidentificação, por parte do governo dos Estados Unidos,de países produtores e de países consumidores dessassubstâncias1. Essa distinção mostrou-se uma hábil es-tratégia de política externa, pois identificava países-fon-te, e, portanto, agressores, e países-alvo, vítimas dassubterrâneas máfias globais. Nesse quadro binário, tãopróprio das políticas estadunidenses, o sudeste asiáti-co se encarregava da heroína, assim como o México e oCaribe incumbiam-se de projetar maconha dos EUA. NaAmérica do Sul, uma droga bastante marginal desde osanos 1920, a cocaína, passava a substituir a marijuananos negócios ilícitos dos traficantes locais. As culturasde maconha existentes em solo estadunidense, quedesde os desertos de Nevada e do Oregon abasteciam omercado interno, não foram elencadas pelo governo nosEUA como uma preocupação, já que era necessário an-gariar apoio político e social para ações internacionaisde interceptação e erradicação de colheitas ilícitas depapoula e coca. A guerra às drogas era desenhada, as-sim, como uma postura governamental dirigida àexteriorização do problema da produção de psicoativose à repressão interna a consumidores e organizaçõesnarcotraficantes. A um só tempo, uma instrumentali-zação da Proibição às drogas como artifício de políticaexterna e recurso para a governamentalização — discipli-narização, vigilância e confinamento — de grupos soci-ais ameaçadores à ordem interna como negros, hispâ-nicos e jovens pacifistas.

A associação entre drogas psicoativas e grupos es-pecíficos e dissonantes não era, de modo algum, umfato novo entre os estadunidenses. As associações pu-ritanas que clamavam, ainda no século XIX, pela proi-bição do álcool e do ópio traçavam uma linha direta entre

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 4: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

260

32003

essas substâncias e comunidades imigrantes, respecti-vamente, irlandeses e chineses. De maneira análoga,mexicanos eram vistos como inveterados consumido-res de maconha e os negros, como perigosos usuáriosde cocaína. Nos anos 1960, os estereótipos herdadosdas décadas de consolidação do proibicionismo nãohaviam se apagado, mas ao contrário, ganhavam emcomplexidade. Da geração dos escritores beats e dosmúsicos do jazz dos anos cinqüenta ao não-movimentoflower power da segunda metade da década de sessen-ta, o consumo de drogas ilícitas conquistou definitiva-mente espaço entre jovens brancos de classe média. Aheroína dos beats cedeu lugar às drogas alucinógenas,com destaque para a maconha e para o ácido lisérgico.

O combate ao hábito de usar drogas psicoativas erao alvo primordial do moralismo puritano que sustenta-va as políticas proibicionistas. A adoção de psicoativosentre jovens brancos soou como alarme para os defen-sores da erradicação do consumo dessas substâncias.Se o objetivo era banir um costume, o esforço para talnão poderia recair apenas sobre guetos. Uma visãoepidemiológica tomou de assalto os círculos conserva-dores e o governo dos EUA, identificando que a “conta-minação” causada pelas drogas espalhava-se pelo cor-po social. Contra a decadência física e moral era preci-so antepor um dique virtuoso composto de políticasrepressivas. As “drogas” eram o problema diagnostica-do pelo governo; assim, para eliminar o “vício” do ambi-ente social devia-se atacar a origem do flagelo. Dessaforma, às organizações narcotraficantes cabia a desar-ticulação, aos traficantes e aos usuários restava a pu-nição. A postura de tolerância zero norteadora das polí-ticas de segurança pública contemporâneas nos Esta-dos Unidos tomaram seus primeiros contornos no

Page 5: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

261

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

tratamento dispensado aos negociadores e aos consu-midores de substâncias ilícitas.

No âmbito internacional, as normas acordadas sob aONU não assumiram outras cores que não as da re-pressão total às drogas e seus “usos não medicinais”.Adendos à Convenção Única baniram psicoativos comoo LSD e a maconha — as drogas da contracultura — pornão se ver neles propriedade médica alguma. O máxi-mo de avanço registrado pela política antidrogasestadunidense, e por extensão da ONU, foi a identifica-ção de que a demanda (o lado dos consumidores) deve-ria receber atenção especial na qualidade de enfermos.A meta final não deixa de ser a abstinência, a sobrieda-de em nome da saúde individual e do bem-estar social.

As décadas de proibicionismo não trouxeram, noentanto, a erradicação do consumo. Pelo contrário, omercado negro instaurado pelo banimento legal dospsicoativos tornou-se uma pujante economia negocia-dora de compostos produzidos, transportados, vendi-dos e usufruídos na clandestinidade. A violência trazidana esteira das máfias narcotraficantes e as conseqüên-cias individuais do uso de substâncias adulteradas eministradas sem segurança produziram vozes críticasdentro de Estados proibicionistas. O combate às drogaspassou a ser visto por alguns grupos de médicos e cien-tistas sociais, europeus, australianos e estadunidensesem sua maioria, como uma guerra de impossível con-clusão que deveria ser substituída por uma outra óticaque procurasse não investir no improvável (o fim uni-versal do consumo), mas em alternativas que buscas-sem minimizar os perigos para aqueles que optaram pelaebriedade. Essa visão reformista, genericamente conhe-cida como redução de danos, pretende buscar formasde administrar o hábito de utilizar drogas psicoativas,

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 6: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

262

32003

diante da percepção de que o contrário é tarefa quixo-tesca e politicamente intencionada.

A abstinência como utopia

Os partidários das políticas de redução de danosconstroem seus argumentos a partir de um pressupos-to simples: consumir psicoativos faz parte de qualquercultura, é hábito sempre presente na história humanae que não pode ser suprimido. Assumindo ainevitabilidade do uso de drogas psicoativas, a preocu-pação deveria ser em fazer com que esse consumo pro-duzisse o menor prejuízo possível ao indivíduo que seintoxica e à sociedade2. Admite-se que há “conseqüên-cias negativas” do uso de drogas psicoativas para quemas consome (problemas físicos, financeiros, de relacio-namento interpessoal) e, por extensão, para o “conjun-to social” (perda de um ente produtivo ou, em casosextremos, um agente instabilizador da ordem). Fixadanesses pontos, a perspectiva da redução de danos emnada se diferenciaria da postura proibicionista. No en-tanto, autores como Marlatt3, MacRae4 e Lurie5 valori-zam a distinção entre a tônica proibicionista, calcadano par redução da demanda/redução da oferta, e o ob-jetivo da minimização de danos, centrado na elimina-ção do “mau uso”. Desse modo, o investimento das po-líticas sociais deveria ser destinado a intervenções quebuscassem banir não o uso de drogas, mas “o mau usoque pode resultar em importantes ameaças ao bem-es-tar do indivíduo ou da sociedade”6. Coloca-se, assim,uma clara distinção entre uso controlado e uso descon-trolado (ou abuso) de psicoativos.

As políticas de redução de danos, segundo Marlatt7,emergem em termos contemporâneos nos anos 1980,motivadas pelo alastramento dos casos de AIDS entre

Page 7: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

263

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

usuários de drogas injetáveis. Ao compartilharem se-ringas, os consumidores de heroína ou da menos usualcocaína injetável, corriam o risco de contaminação pelovírus HIV. Frente ao fato de que parecia improvável queos usuários de drogas injetáveis pudessem abandonarseu hábito devido à AIDS, surgem estudos e propostaspara a formulação de políticas de saúde que levassemem conta a necessidade em tornar a prática da injeçãodo opiáceo menos arriscada. Na cidade holandesa deRoterdã foi instituído, em 1984, um programa de trocasde seringas no qual funcionários do Serviço Municipalde Saúde encarregavam-se de fornecer seringas e ma-terial para higienização aos usuários de heroína, desdeque eles se apresentassem com regularidade aos pos-tos móveis destinados para tanto. O programa rapida-mente se desenvolveu para além da troca de seringas:nos pontos de atendimento, os consumidores de heroí-na passaram a ter acesso a serviço de checagem depureza da droga adquirida, além de prescrições e apli-cações de metadona, opiáceo sintético desenvolvido parasubstituir a heroína em tratamentos de desintoxicação8.

Aos programas desenvolvidos na Holanda, seguiram-se outros similares na Austrália, Inglaterra, Alemanha,Suíça, Canadá e, até mesmo no Brasil, quando, em prin-cípios dos anos 1990, a prefeitura da cidade de Santosimplantou com grande polêmica um projeto de troca deseringas.

Em linhas gerais, as medidas de redução de danosse organizam em torno de medidas como as já mencio-nadas trocas de seringas e assistência médica ao usuá-rio, mas também podem englobar serviços interdiscipli-nares de aconselhamento e acompanhamento dos indi-víduos considerados como “estilos de vida arriscados”.Equipes de psicólogos, assistentes sociais e médicosinteragem, em países como a Inglaterra, com o intuito

Page 8: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

264

32003

declarado de evitar a estigmatização do consumidor dedrogas injetáveis e de auxiliá-lo a seguir saudável e pro-dutivo. No Reino Unido é possível que pessoasdiagnosticadas pelo serviço médico estatal como depen-dentes possam receber prescrições de heroína e cocaí-na para que seu hábito seja controlado, tendo comoobjetivo imediato evitar a morte por overdose e a conta-minação pelo HIV e, no futuro, a abstinência. Para tan-to, é preciso que o consumidor se inscreva no Serviçode Dependência de Drogas, entrando num cadastro ge-ral que se esforça para se distinguir dos bancos de da-dos policiais.

Os programas de redução de danos são considera-dos9 como táticas de “baixa exigência” em contraposiçãoaos projetos de “alta exigência”, que preconizam a abs-tinência imediata do indivíduo tratado como dependen-te químico. Posturas de “alta exigência”são as levadas acabo pelo governo dos Estados Unidos, que investemna redução de demanda pelo tríptico caminho da re-pressão ao uso, tratamento compulsório aos condena-dos por porte de drogas e campanhas educacionais dotipo “diga não às drogas”. Exemplo das iniciativas de“conscientização de jovens”, citado por Weingardt &Marlatt10, é o programa D.A.R.E. (Drug Abuse ResistenceEducation), desenvolvido desde 1983 pela polícia de LosAngeles e que leva policiais uniformizados para as sa-las de aulas de 5a e 6a séries para aulas sobre os efeitosdas drogas ilícitas. Vale destacar que em inglês a siglaque nomeia o projeto significa desafio, fato que diz mui-to sobre o caráter da iniciativa: em aulas conduzidaspor policiais, os psicoativos ilegais são apresentadoscomo agentes de sedução e destruição pessoal e social,“forças” a que se deve resistir. Importante lembrar queem escolas brasileiras, quase vinte anos após a criaçãodo D.A.R.E. nos Estados Unidos, policiais militares pas-

Sead
Destacar
Page 9: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

265

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

sam a ministrar aulas com o mesmo teor do projeto pi-oneiro, indicando a afinidade — apesar do atraso — daspolíticas antidrogas brasileiras e estadunidenses11.

As táticas de “baixa exigência”, no entanto, buscamatrair o usuário das drogas tidas como “pesadas” (hero-ína, crack e cocaína, principalmente), tendo como armaa promessa de uma acolhida respeitosa, distinta da po-licial e não destinada diretamente contra seu hábito.Como o princípio assumido pelos defensores da redu-ção de danos é a impossibilidade em suprimir univer-salmente o uso de substâncias psicoativas, “metas in-termediárias”12 são estabelecidas visando a eliminaçãodos problemas decorrentes da não-assistência aos usu-ários criminalizados sob um regime proibicionista. As-sim, admitindo o não abandono da heroína, é desejávelque o indivíduo tenha acesso a quotas não adulteradasdessa droga, o que evita intoxicação e overdose. A ma-nutenção do uso de heroína de boa qualidade deve seracompanhada pela troca regular de seringas, o que difi-culta a transmissão de AIDS e outras doenças infecto-contagiosas. Ao consumidor de heroína, pode ser ofere-cido um ambiente seguro para o uso da droga (são assalas de uso controlado instaladas em países comoEspanha, Alemanha e Austrália), no qual enfermeiros epara-médicos estão de prontidão para socorrer o usuá-rio em dificuldades. Havendo possibilidade, a heroínainjetável deve ser substituída por modalidades fumáveisou ministrada por via oral. Nos postos de atendimento,as equipes multidisciplinares compõem um grande qua-dro assistencial que procura dar ao consumidor desdesuporte psicológico e médico até auxílio para encontrarempregos fixos. Por fim, se for vontade do habituado àheroína, as equipes de saúde podem encaminhá-lo paraclínicas de desintoxicação. Assim, o objetivo final de um

Sead
Destacar
Page 10: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

266

32003

programa de redução de danos como os instauradosdesde dos anos 1980 é a abstinência.

Do mesmo modo que o uso de psicoativos é tido comoinevitável na vida social, a abstinência é vista como oúnico meio completamente seguro de evitar danos aousuário e conseqüências percebidas como prejudiciaispara a comunidade. A aura que deve circundar as polí-ticas de redução de danos deve ser, entretanto, a daautonomia do consumidor e do respeito por seu hábitoe modo de vida. Segundo Marlatt, “a redução de danosreconhece a abstinência como resultado ideal, mas acei-ta alternativas que reduzam danos”13; postura que dife-renciaria a redução de danos das políticas proibicio-nistas para as quais “a única meta aceitável (...) é a abs-tinência vitalícia”14. Uma vida de usos moderados nãosignificaria isolamento social ou padecimento físico parao usuário, ainda que o ideal seja evitar qualquer consu-mo de psicoativos.

Os defensores de posturas alternativas aoproibicionismo estampado pelas diretrizes estadu-nidenses parecem convergir para a constatação de quea guerra às drogas significa não a erradicação do uso dedrogas psicoativas — meta inatingível — mas obanimento dos consumidores dessas substâncias parauma zona marginal, na qual os hábitos permanecemem modalidades pouco saudáveis, pois clandestinas. Umdos objetivos das políticas de redução de danos é trazero usuário à tona, inseri-lo na sociedade, acomodá-lo aonormal. O consumidor pode ser identificado como umusuário regular e estável — que mantém seu hábito epode viver ainda melhor com o auxílio das políticas deredução de danos — ou como um usuário problema que,com o respaldo dos serviços médicos e assistenciais deum Estado que adote posturas reformistas, pode ser tra-tado e recuperado. O uso de drogas tem potencialidade

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 11: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

267

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

para ser inócuo ou perigoso para o consumidor. Nesseponto, a ótica da redução de danos significa um grandeavanço com relação ao proibicionismo que só identificanas substâncias psicoativas conseqüências globais ne-gativas. As drogas são, desse modo, vistas como com-postos químicos com características próprias, mas queem si não são más ou boas. O que torna uma droga (apharmakós dos gregos) inofensiva ou venenosa é o in-tuito de quem a administra15. Contudo, a permanênciada percepção medicalizadora que identifica “consumi-dores com vida desestruturada” (por desemprego,marginalização, prostituição, etc.), ou qualquer outrocritério de anormalidade, aproxima a redução de danosdo proibicionismo levemente reformado, como o de Por-tugal, que não mais penaliza os indivíduos flagradoscom pequenas porções de psicoativos, mas os encami-nha para tratamento compulsório. A medicalização trazconsigo o deslocamento da criminalização mais direta(encarceramento) para outras formas de controle e res-trição de liberdade.

A crítica ao proibicionismo presente nos discursosde redução de danos não implica necessariamente numadefesa de posturas mais radicais no que se refere à si-tuação legal das drogas. Conforme apontam Weingardt& Marlatt, “a abordagem de redução de danos é compa-tível com uma grande variedade de opções políticas quese situam em um espectro entre a legalização total e aproibição total”16. Por “legalização total” poder-se-ia su-por uma situação na qual não houvesse controles go-vernamentais sobre a produção, circulação, venda econsumo de psicoativos, compondo um cenário dedesregulamentação ultra-liberal. Os autores, no entan-to, fazem questão de salientar que tal grau deliberalização não seria prudente devido à ausência decontroles públicos efetivos sobre o circuito comercial

Page 12: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

268

32003

das drogas psicoativas. Em todo caso, “as intervençõesde redução de danos são compatíveis com todas as op-ções de políticas de drogas, inclusive a proibição”17. Emum ambiente proibicionista alguns movimentos sãopossíveis, como a troca de seringas, mas as chances deampliação do auxílio aos consumidores de psicoativosaumentam com a flexibilização das políticas antidrogas.Assim, o terreno para a redução de danos é mais fértilnum país como a Holanda, em que há descriminalizaçãode facto18 do uso de psicoativos, do que nos EstadosUnidos ou Brasil.

A possibilidade de que táticas de redução de danoscoexistam com medidas de guerra às drogas expõe a nuo fato de que, em seu conjunto, elas não ambicionammais do que reformulações dentro do regimeproibicionista. No “espectro legal” citado por Weingardt& Marlatt19, a situação mais progressista tolerável é ade uma legalização com forte controle estatal, na qual onarcotráfico sucumbiria pela concorrência de um Esta-do droguista que produzisse e vendesse psicoativos ouque, ao menos, controlasse a comercialização em pon-tos específicos de venda20. Os partidários da redução dedanos apuram-se em explicitar que sua preocupação éminimizar o uso inevitável de drogas e não incentivarseu consumo. Querem ser vistos como pragmáticos enão apologistas.

O menos pior dos mundos

Assim como a perspectiva da redução de danos é crí-tica ao proibicionismo, mas pode conviver com ele, pode-se dizer que tal visão alternativa não implica numa per-cepção positiva, ou mesmo isenta de juízos de valor, douso de drogas psicoativas. O consumo dessas substân-cias é percebido como “inevitável”, o que não significa

Page 13: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

269

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

“desejável”. Além do esforço para se distinguir dos de-fensores de transformações mais radicais da situaçãolegal dos psicoativos, a perspectiva das políticas de re-dução de danos se dá a partir de um ponto de vistanegativo: a preocupação está em minimizar prejuízos,dada a impossibilidade de um mundo abstêmio. As es-tratégias de implementação de políticas de redução dedanos investem em educação para a diminuição dos ris-cos e em programas para suavizar seqüelas do uso dedrogas. A acusação vinda de proibicionistas de que aredução de danos incita o uso de drogas (ou o sexo, nocaso da distribuição de preservativos) não procede; umpouco distanciados da obtusidade, os conservadoresconstatariam, ao menos, um certo grau de reprovação àintoxicação.

O consumo de psicoativos não recebe incentivo dire-to dos projetos de redução de danos que, focados naquestão da saúde pública, buscam intervir no que con-sideram um problema social. O hábito de injetar heroí-na ou consumir qualquer substância psicoativa, longede ser glamourizado, é tido como um desvio, uma anor-malidade da conduta saudável. Estar ligado compulsi-vamente a uma droga é considerado um “comportamentoaditivo” e tais padrões de comportamento “são respos-tas mal-adaptadas ao enfrentamento de problemas e não(uma) doença”21. Distanciado da abordagem que quali-fica imediatamente o consumidor como “doente” — umavanço com relação ao proibicionismo — a afirmaçãodo psicólogo estadunidense transita na fronteira quesepara a patologização da não-patologização do uso dedrogas, mas não a transpõe. Adiante em seu artigo,Marlatt afirma que as políticas de redução de danos sãoalternativas de “promoção de saúde aos problemas deestilo de vida”22. O hábito é uma opção do indivíduo eele não pode ser obrigado a deixá-lo, no entanto, sua

Sead
Destacar
Page 14: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

270

32003

prática é desviante e pode causar-lhe mal, ou ainda,pode vir a prejudicar outros indivíduos, o universo forade si, a sociedade.

A fatalidade do uso parece ser constatação dolorosaque coloca em marcha um tipo de cálculo muito especí-fico, uma matemática dos prejuízos, uma lógica dosdanos. Em seu clássico escrito de 1859, Sobre a Liber-dade, John Stuart Mill desenvolve, entre outros pon-tos, a discussão sobre os limites de intervenção da so-ciedade sobre a conduta individual. O liberal fia-se naidéia de que a sacrossanta esfera da liberdade individu-al não pode ser alvo de reprimendas ou ingerênciasindiscriminadas do Estado ou de outros indivíduos. Oespaço reservado ao autogoverno deveria ser mantido atodo custo, uma vez que os interesses individuais sãomais preciosos do que os abstratos interesses sociais.O primado liberal da autonomia individual não poderia,assim, ser subjugado em nome do bem-estar coletivo.Para Stuart Mill, as pequenas vilanias de um indivíduo,seus hábitos privados imorais, seus “defeitos pessoais”podem causar repulsa, mas não justificam punição.Aquela pessoa que “não possa viver com moderação,que não consiga se refrear de deleites perniciosos, quebusque prazeres animais às expensas dos que possu-em sentimento e intelecto, deve esperar ser rebaixadana opinião alheia, e ter um quinhão menor de seus sen-timentos favoráveis”23. Trata-se, assim, de uma repro-vação moral que pode implicar em isolamento social,mas nunca em sanções pela lei.

Quando o ato privado extrapola seus limites? As bar-reiras ao livre exercício do autogoverno são burladas nomomento em que o ato pernicioso de alguém atinge umoutro indivíduo. Afirma Stuart Mill que se “as danosasconseqüências de seus atos não recaem sobre ela mes-ma [a pessoa autora desses atos], mas sobre outros, é

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 15: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

271

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

preciso que a sociedade, como protetora de todos osseus membros, exerça represália sobre o infrator”24. OEstado e a força da lei devem ser convocados para res-taurar a ordem e restituir os direitos usurpados peloexercício desmesurado da liberdade a que se entregouum dos indivíduos da comunidade. A fórmula que esta-belece os limites e a justeza de uma intervenção da so-ciedade sobre o indivíduo pode ser sintetizada como apergunta: sobre quem recaem os danos? Se o autor dosatos é o único prejudicado, não há justificativas para aintromissão social; se outro indivíduo termina por serferido em seus direitos, então o maquinário parareconstituição da normalidade deve ser acionado.

Uma lógica dos prejuízos infligidos muito similar apa-rece nos discursos sobre redução de danos quando osautores mencionados neste artigo defendem a posturaalternativa como modo de enfrentar o tema do consu-mo de drogas ilícitas. Como para os liberais clássicos aexistência do Estado era um mal necessário para ga-rantir os direitos civis e a propriedade privada, os de-fensores da política de redução de danos assumem suaspolíticas alternativas como resposta à “existência infe-liz” do hábito de se intoxicar. Diante do incontornável,deve-se minimizar o sofrimento individual e social. Noraciocínio da redução de danos, a manutenção de usu-ários de drogas injetáveis pelo controle de pureza dassubstâncias inoculadas e pela troca de seringas é ummal muito menor do que deixá-los desamparados, con-taminando e contaminados pelo vírus da AIDS. Trataros consumidores como cidadãos plenos é menos preju-dicial para os próprios e para a sociedade do que julgá-los como criminosos. O fornecimento de substânciaspsicoativas ilegais por médicos credenciados é maissaudável e seguro ao consumidor (pelas garantias depureza e acompanhamento profissional) e para a socie-

Page 16: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

272

32003

dade (desarticulação, ainda que parcial, do narcotráfico)do que lançar os usuários no circuito da marginalização.A abstinência solveria o problema, no entanto, não hácomo se contar com sua conquista universal.

A medição do dano social e individual surge, talvez,sem a marca punitiva explícita do pensamento liberal;entretanto, os instrumentos de controle não se apagamnuma situação mais flexível com relação às drogas ile-gais (tendo sempre como referência o proibicionismo).Apesar dos programas de redução de danos serem con-siderados de “baixa exigência” por não impingir o aban-dono do hábito pela internação compulsória, a criaçãode pré-requisitos como a inscrição nos serviços de saú-de ou a relação próxima com os funcionários desse apa-rato estatal criam outros circuitos de registro e catalo-gação dos indivíduos e seus hábitos. Em países euro-peus como a Inglaterra e a Alemanha, que criaram aindano século XIX estruturas complexas de registro dos vi-vos e de manutenção dos corpos produtivos, como apre-sentou Michel Foucault25, não parece coincidência queas políticas de redução de danos possam encontrar es-paço em meio às posturas proibicionistas. No conjuntode técnicas de controle social não existem apenasvetores coercitivos. O investimento na saúde instauraoutras modalidades de intervenção positiva; contar osmortos e os vivos e trazer a população com suasespecificidades para o campo da normalidade são téc-nicas de governo não desprezadas pelos Estados oci-dentais. O Estado julga, por vezes mata legalmente, mastambém permite que se viva. Por meio do proibicionismoo acesso que o Estado tem sobre o consumidor é pelavia repressiva; num ambiente no qual transitem postu-ras reformistas de redução de danos, o Estado mantémcontato com o consumidor pela via assistencial. Em ter-mos de controle, muda-se o instrumento de acesso, mas

Page 17: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

273

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

ele permanece. É preciso afirmar que as estratégias deredução de danos abrem brechas importantes noproibicionismo, abalando abordagens criminalizadorase punitivas ao produzir um pequeno ruído nas diretri-zes da guerra às drogas. No entanto, as políticas de re-dução de danos demonstram uma grande fé na capaci-dade assistencialista do Estado, denotando suas pro-cedências social-democratas e que sugerem umanostalgia do Estado de Bem-Estar Social e seu potenci-al de intervenção saneadora. Essa crença, todavia, nãotorna possível perceber que há controle também ondese promove a saúde e se combate as pestes26.

Levada a seus limites, a ótica da redução de danospode sugerir questões interessantes como a da prima-zia do indivíduo em decidir sobre si e seu hábito ousobre a capacidade de regulação local das práticas deintoxicação, sem que haja a necessidade de leis ou cri-térios universais e homogêneos a pautar condutas en-tre os indivíduos e as substâncias psicoativas27. Abrem-se possibilidades de pensar que a localidade, o convíviodireto, a vida do consumidor e os seus relacionamentossejam espaços de uma regulação não imposta, mas acor-dada na particularidade de cada existência. O argumentohistórico de que a relação dos homens com os psicoativosé milenar e que não provocou a implosão das socieda-des — premissa levantada pela redução de danos — deveser lembrada aqui como uma chamada para refletir so-bre as intencionalidades políticas da Proibição e a uni-versalidade da Lei. O campo se fertiliza, então, para li-berações que forcem a barreira da lógica da padroniza-ção e criminalização de condutas, abrindo espaços parao governo de si. Não o governo de si ensimesmado dosliberais, lembrados aqui via Stuart Mill, mas uma con-dução da própria existência que se dê na relação com o

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 18: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

274

32003

outro e que prescinda de controles ou apaziguamentosassistenciais.

As propostas e programas de redução de danos ex-pressam uma vontade: minimizar o sofrimento e tratarcom humanidade os usuários de drogas. Ainda que essapostura seja um passo além em tempos deproibicionismo visceral, cabe aos seus partidários umpouco de surpresa, de desconcerto, de instabilização.Em 1922, Errico Malatesta aconselhava a liberação davenda de cocaína — numa proposta que agradaria osdefensores da redução de danos —, baseando sua pro-posição no fato de que o acesso à cocaína diminuiria osproblemas sociais ainda que não impedisse o “uso no-civo”, pois “as causas sociais que criam a infelicidade”jamais desaparecerão. Vibrando em freqüência afim,Antonin Artaud bradava em seu texto “Segurança Pú-blica: a liquidação do ópio” que a proibição desta droganão suprimiria os usos “absolutamente desesperados”.Que “os perdidos se percam”, provoca o poeta. Eles sãopoucos e não podem ser contidos, pois se decidiram.Em todo caso, não justificam a Proibição e esta não abolea infelicidade. Como contabilizar, em lógicas e cálculosde danos, o incomensurável?

Notas1 Edson Passetti. Das fumeries ao narcotráfico. São Paulo, EDUC, 1991.

2 John Marks. “Dosagem de manutenção de heroína e cocaína” in Maurides

Ribeiro & Sérgio Seibel (orgs.). Drogas: hegemonia do cinismo. São Paulo, Memorialda América Latina, 1997.

3 G. Alan Marlatt. “Redução de danos no mundo: uma breve história” in G.

Alan Marlatt (e cols.). Redução de danos: estratégias práticas para lidar com comportamen-tos de alto risco. Porto Alegre, Artmed, 1999.

Sead
Destacar
Sead
Destacar
Page 19: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

275

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

4 Edward MacRae. Redução de danos para cannabis e alucinógenos. Apresentação rea-

lizada no Seminário Nacional de Redução de Danos. São Paulo, novembro de2002, [mimeo].

5 Peter Lurie. “Redução de danos: a experiência norte-americana” in Maurides

Ribeiro e Sérgio Seibel (orgs.), op. cit.

6 Edward MacRae, op. cit., 2002, p. 01.

7 Idem.

8 A eficiência da metadona no tratamento de heroinômanos é contestada no

meio médico devido ao alto grau aditivo atribuído à droga. Questiona-se se aaplicação de metadona simplesmente não substituiria um hábito por outro;

com a diferença de que a produção comercial da metadona envolve maioresinteresses da indústria farmacêutica do que a banida produção de heroína. Essa

mesma indústria defende a eficiência da substância nos processos dedesintoxicação. Antonio Escohotado. O livro das drogas. São Paulo, Dymanis

Editorial, 1997 e John Marks. “Dosagem de manutenção de heroína e cocaína”in Maurides Ribeiro & Sérgio Seibel (orgs.). Drogas: hegemonia do cinismo. São

Paulo, Memorial da América Latina, 1997.

9 G. Alan Marlatt. “Princípios básicos e estratégias de redução de danos” in G.Alan Marlatt, op. cit.

10 G. Alan Marlatt & Kenneth Wingardt. “Redução de danos e políticas públi-

cas” in G. Alan Marlatt, op. cit.

11 Guilherme Corrêa. “Escola-droga” in Verve. São Paulo, Nu-sol/PUC-SP, no

1, 2002, pp. 165-181.

12 G. Alan Marlatt. “Redução de danos no mundo: uma breve história” in G.

Alan Marlatt (e cols.), op. cit.

13 idem, p. 46.

14 Ibidem.

15 Antonio Escohotado. O livro das drogas. São Paulo, Dymanis Editorial, 1997.

16 G. Alan Marlatt & Kenneth Wingardt. “Redução de danos e políticas públi-

cas” in G. Alan Marlatt, op. cit. p. 257.

17 Idem, p. 258.

18 Na Holanda, o proibicionismo mais tradicional (aquele afinado às diretrizesinternacionais e estadunidenses) vigorou até meados da década de 1970. Em

1976, foi aprovada a Lei Holandesa do Ópio, que diferenciava drogas psicoativasque produziam efeitos toleráveis (haxixe, maconha) e as que não (heroína, co-

caína, LSD, anfetaminas). Nos anos oitenta, as mudanças ocorridas no sentidoda aplicação de medidas de redução de danos para consumidores de heroína

assinalou um novo percurso que, todavia, não implicava na reformulação dasleis específicas de drogas. Em 1996, em resposta às pressões dos Estados Uni-

Page 20: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

276

32003

dos e de vizinhos europeus (que visavam coibir viagens de “turismo das dro-

gas” à Holanda), os Países Baixos limitaram a venda de maconha e haxixe noscoffee shops (estabelecimentos com autorização para vender esses psicoativos)

das antigas 30g para 05g por pessoa. Aos holandeses ficou permitido o cultivode até 10 pés de maconha por indivíduo cultivador. Essas medidas denotam a

preocupação do Estado holandês em restringir a produção e venda de maco-nha e haxixe em níveis mínimos para consumo pessoal. Dessa maneira, perce-

be-se que a Holanda não é um país tão permissivo quanto o senso comumsobre a questão das drogas ilegais ou as diretrizes proibicionistas internacio-

nais pode considerar.

19 G. Alan Marlatt & Kenneth Wingardt, op. cit.

20 John Marks, op. cit.

21 G. Alan Marlatt. “Redução de danos no mundo: uma breve história” in G.Alan Marlatt (e cols.), op. cit., p. 50.

22 Idem, p. 51.

23 John Stuart Mill. A Liberdade e Utilitarismo. São Paulo, Martins Fontes, 2000,pp. 119-120.

24 Idem, p. 122.

25 Michel Foucault. “O nascimento da medicina social” in Microfísica do poder,Rio de Janeiro, Graal, 1998.

26 Salete Oliveira. Política e Peste: Crueldade, Plano Beveridge, Abolicionismo Penal. SãoPaulo, Tese de Doutorado em Ciências Sociais — PUC/SP, 2001.

27 Edward MacRae & Júlio Simões. Rodas de Fumo — O uso da maconha entre cama-das médias urbanas. Salvador, EDUFBA, 2000.

Page 21: verve política de drogas e a lógica dos danosconselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/Política de Drogas e a... · ria receber atenção especial na qualidade de enfermos. A

277

vervePolítica das drogas e a lógica dos danos

RESUMO

A política de guerra às drogas recebe críticas diante da impro-

vável erradicação do hábito de consumir substâncias

psicoativas. Este artigo busca tecer uma breve apresentação

das políticas de redução danos que foram formuladas como

alternativa à abordagem proibicionista da questão dos

psicoativos, mostrando os avanços estratégicos e seus limites

quando confrontadas à postura da liberação.

ABSTRACT

A política de guerra às drogas recebe críticas diante da impro-

vável erradicação do hábito de consumir substâncias

psicoativas. Este artigo busca tecer uma breve apresentação

das políticas de redução danos que foram formuladas como

alternativa à abordagem proibicionista da questão dos

psicoativos, mostrando os avanços estratégicos e seus limites

quando confrontadas à postura da liberação.