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S o b r e a S e pa r aç ão d e fac to c o m o

f u N da m e N to d o d i vó r c i o , e a l g o m a i S

Nuno de Salter Cid

Professor da Universidade de Évora

Escola de Ciências Sociais – Dep. de Economia

1. É relativamente fácil escolher o tema de um estudo de Direito da

Família para oferecer ao Senhor Professor Doutor Francisco Manuel

Pereira Coelho, sobretudo em matéria de “Direito Matrimonial”,

tantas são as hipóteses que se abrem a quem consulta a sua obra.

Escolhi a separação de facto como fundamento do divórcio, problema

sobre o qual teceu reflexões importantes1.

Conheci pessoalmente o Doutor Pereira Coelho na tarde do dia

10 de Novembro de 1992, em Coimbra, na Faculdade de Direito.

Satisfazendo o pedido de antigo aluno seu, aceitara receber-me e

ponderar a hipótese de me orientar na elaboração do «trabalho de

síntese» que deveria apresentar e discutir no âmbito das «provas

de aptidão pedagógica de capacidade científica» a que pretendia

candidatar-me na Universidade de Évora, onde então desempenhava

funções de assistente estagiário com serviço distribuído na área das

1 Cf. sobretudo Pereira Coelho: Curso de Direito de Família…, 1965, pp. 493-499; Anotação ao Ac. STJ de 14-03-1979, in RLJ, Ano 112.º, pp. 341-350; Divórcio e separação…, pp. 35-39; e, ultimamente, in Curso de Direito da Família…, 4.ª ed., pp. 636-642.

DOI: http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1113-6_2

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Ciências Jurídicas. Tratar-se-ia sobretudo da escolha de tema adequa-

do para aquele trabalho, que deveria ser uma dissertação compatível

com o padrão de exigência usual nos mestrados em Direito.

De Pereira Coelho conhecia apenas lições e um par de estudos

que lera com interesse e proveito2, a sua escrita límpida, ponderada,

a solidez e o requinte da sua argumentação, o claro propósito de

as pôr ao serviço da solução equilibrada de problemas que a vida

e a morte colocam ao Direito; não ignorava a importância por isso

reconhecida à sua doutrina pelos tribunais (3); e fora advertido:

sábio, prudente, generoso, de trato sempre delicado e afável, não

é contudo Professor pouco exigente. Naquela tarde de Novembro

ouviu pacientemente as ideias desajustadas que levava comigo; sem

apoucar nenhuma sugeriu-me temas alternativos, sumariamente

estruturados quanto ao que de essencial reclamaria o respectivo

tratamento para o efeito pretendido; e, ante a minha inclinação para

um deles, logo me deu nota de estudos nos quais poderia encontrar

pistas a explorar (4). Três ou quatro meses mais tarde, depois de

investigar, ler e sobretudo meditar, deveria enviar-lhe o que tivesse

conseguido escrever. A 10 de Fevereiro de 1993, em papel timbra-

do da Faculdade de Direito, assumiu formalmente a orientação na

verdade iniciada em Novembro. Lera com atenção e benevolência

as páginas que entretanto lhe enviara, tecera observações críticas,

2 Naquele tempo estava longe de conhecer bem a sua obra, mas tinha já consultado estes títulos: Filiação – Apontamentos das lições… (1978); Divórcio e separação… (1981); Curso de Direito da Família (1986); Casamento e família… (1986); Arrendamento – Direito substantivo e processual – Lições… (1988); Direito das Sucessões – Lições… (1992).

3 Hoje é possível verificá-lo facilmente: in http://www.dgsi.pt/ (IGFEJ), colocar *Pereira Coelho* em «Pesquisa Livre» referente a acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça ou das relações e consultar os resultados. E cf. infra nota 61.

4 O tema era o da protecção da casa de morada da família e a sua Anotação ao Ac. STJ de 02-04-1987, in RLJ, Ano 122.º, a que aludiu discretamente, continha o essencial sobre a matéria (cf. maxime pp. 136 ss.); entre os estudos que apontou nem sequer se contava a sua também essencial Anotação ao Ac. STJ de 10-05-1988, in RLJ, Ano 123.º, pp. 369 ss.

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dera-me sugestões de melhoramento, ideias para desenvolver, e

incentivara-me a prosseguir. Foi sempre assim, do princípio ao fim:

com disponibilidade permanente e paciência infinita, discutia comi-

go problemas e pontos de vista, aconselhava-me cuidado especial

na fundamentação ou clarificação do que poderia ser questionável

ou parecer obscuro, e prestava-se a ler versões melhoradas; sempre,

sempre, sempre revelando as qualidades humanas e científicas que

me haviam sido antecipadas e que, viria a constar, lhe foram e são

sobejamente reconhecidas por todos quantos tiveram ou têm ainda

a sorte de o conhecer. Prestadas as provas — nas quais formulou

críticas profundas ao trabalho apresentado, todas construtivas, todas

merecidas —, incentivou-me a actualizar e completar alguns pontos,

a introduzir índices pormenorizados e a tudo rever cuidadosamente

com vista à publicação, que sugeriu e prometeu apadrinhar. Apesar

de entretanto aposentado, acompanhou-me igualmente nessa tare-

fa. No fim, ofereceu-me o generoso prefácio que figura no livro

publicado5 e prometeu depositar em boas mãos a minha orienta-

ção académica futura. Anos mais tarde aceitaria integrar o júri da

prova de doutoramento que prestei na Universidade de Évora. Até

aceitar essa tarefa e depois da prova concedeu-me a honra de com

ele trocar impressões sobre diversos assuntos e de permitir que

lhe enviasse esta ou aquela informação potencialmente útil para

estudos que quisesse escrever ou actualizar6. Mas os meus présti-

5 Cf. Francisco Pereira Coelho, Prefácio, in A protecção da casa…, pp. Vii-xi. 6 Sobre a preocupação constante de Pereira Coelho no sentido de actualizar e

melhorar as suas Lições e sobre suas qualidades de Mestre, cf. R. CaPelo de sousa, Direito da Família e das Sucessões — Relatório…, pp. 92-99. São relativamente po-bres as linhas que escrevi in Economia e Sociologia, n.º 73, 2002, pp. 216-219, em Recensão à “2.ª edição” do Curso de Direito da Família…, que em 2001 Pereira Coelho publicara em co-autoria com G. de Oliveira e com a colaboração de R. Moura Ramos. Entre o muito involuntariamente omitido, saliento agora palavras de 01-05-1971, com as quais J. J. teixeira ribeiro saudou a então iniciada cola-boração do Doutor Francisco Manuel Pereira Coelho na Revista de Legislação e de Jurisprudência: «Pereira Coelho traz consigo as qualidades que de há muito o impuseram à admiração e respeito de professores e alunos: o saber de raiz; a clareza

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mos, sobremaneira valorizados nas alusões inesperadas que lhes

fez7, não foram amiúde mais do que intenção, pois muito poucas

novidades eram para ele tal. Nunca deixei de beneficiar dos seus

ensinamentos, mesmo quando apenas leio e releio estudos seus ou

quando tenho o privilégio de com ele conversar sobre temas que

podem nada ter de jurídico. O Doutor Pereira Coelho é uma lição

permanente! Perdi há muito a esperança de encontrar palavras para

exprimir com justeza a admiração e a estima que tenho por ele, o

quanto lhe devo sem poder retribuir, como é para mim valiosa a

sua amizade genuína.

2. O Código Civil, desde a «Reforma de 1977»8, estabelece quan-

do há separação de facto, não para todos os efeitos, mas para ser

considerada fundamento do divórcio ou da separação de pessoas

e bens por «ruptura do casamento», se verificada por certo período

de tempo, sucessivamente encurtado pelo legislador até à expressão

actual de 1 ano consecutivo. Sob epígrafe «separação de facto», o

artigo 1782.º preceitua:

«Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da

alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de

vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles,

o propósito de não a restabelecer.»9

e elegância de expressão; a dedicação ao estudo; a seriedade na investigação e no ensino, que nada mais é, aliás, do que um aspecto da exemplar dignidade da sua vida» (cf. RLJ, Ano 104.º, p. 1).

7 Cf. Pereira Coelho, Curso…, Prefácio da 2.ª edição (de 2001) e a Nota à 4.ª edição (2008).

8 Operada pelo Decreto-Lei (DL) n.º 496/77, de 25-11.9 Art. 1782, n.º 1 (hoje na verdade número único); «Ruptura do casamento» é

a epígrafe actual do art. 1781.º, que desde a Reforma de 1977 tinha por epígrafe «Ruptura da vida em comum». Estas modificações resultaram da Lei n.º 61/2008, de 31-10. São do Código Civil (CC) todos os artigos citados no texto e nas notas sem indicação do diploma legal a que pertencem.

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