veronica stigger os anoes [conto]

Upload: eduardo-sterzi

Post on 18-Oct-2015

96 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • .......ID

    o5 a ne 5 Ele tinha a altura de um pigmeu, eela batia na cintura dele. Os dois eram to pequenos quemal alcanavam o alto da bancada dos doces. Ela dava sal-tinhos para tentar ver o que a confeitaria tinha de bom. Ele,mais circunspecto, espichava o pescoo, apontava o narizpara cima e aspirava fundo - como se pudesse, pelo olfato,identificar as guloseimas que o olhar no divisava. Os dois

    at que faziam um conjunto bonitinho. No eram defor-mados, nem tinham aquele aspecto doentio caractersti-co de alguns anes. Pareciam to somente ter sido proje-tados em escala reduzida. Poderamos sentir compaixoou mesmo simpatia por eles, se no fossem to evidentessuas graves falhas de carter.

    No era a primeira vez que os vamos, e - pior -no era a primeira vez que os vamos tentando furar afila. O casal se aproveitava da baixa estatura para, sem-vergonhamente, passar na frente das outras pessoasque esperavam por atendimento. Foi assim, outro dia,na farmcia. Os dois entraram no estabelecimento eforam direto para a boca do balco, ignorando todosos que aguardavam pacientemente. S no brigamoscom eles porque no foi preciso. O balconista, desaten-to como sempre, no os percebeu e - benfeito! - nosatendeu primeiro.

    Contudo, naquele outro dia, na confeitara, a balconis-ta no s os viu mas, solcita como de costume, ofereceuum banquinho para que eles pudessem subir e enxergaros doces por cima da bancada. E no que os petulantesaceitaram a gentileza dela e ainda tiveram o despl antede ficar indagando de que era feito cada um dos infind-veis docinhos? s, que at ento aguentvamos quietos

  • cn...CXI

    o comportamento acintoso daqueles dois, comeamos areclamar. Vai demorar muito?, gritei do final da fila. Nsno temos o dia todo para ficar esperando, meu maridoacrescentou. E eles nem pestanejavam. Continuavam emcima do banquinho a perguntar sobre os doces e a pedirprovinhas. No deu um minuto e a senhora que estavana nossa frente berrou tambm: pra hoje? Seu Aristi-des, que levava a neta pequena pela mo e se achava logodepois dos anes, ajuntou: escolham logo, seus imbeci !A mulher de cerca de trinta anos, que estava atrs de ns,arrematou: , andem logo, seus moloides! Mas o casal,nem-te-ligo. Ele se lambuzava de provinhas de doces, eela ainda limpava a meleca aucarada que se depositaranos cantos de sua boca minscula com um guardanapoxadrez todo dobradinho.

    A senhora nossa frente comentou comigo quecruzara com o casalzinho outro dia no supermercado.Eles estavam com mais de vinte produtos nas mos,nas mos mesmo, me disse ela, porque eles no usavamcarrinho ou cesto. Acho que eles no alcanam nos car-rinhos, e os cestos arrastariam no cho, sups, pensati-va, quase condescendente. Mas, exclamou em seguida,queriam passar pelo caixa para at dez itens! A moa docaixa ficou meio sem jeito de dizer para os dois que eles

    L. ~ _

  • ....-o..

    no podiam estar ali e comeou a registrar os produ-tos, continuou a senhora, mas uma mulher grvida queestava na fila se enfureceu e chamou o gerente. E elesficaram bem assim, sem falar nada, fez ela apontandopara os dois com a cabea. Eles so bem estranhos, n?

    E l estavam eles, mudos novamente. Seu Aristides,impaciente, elevou a voz: andem logo, seus merdas!, acrescentou a senhora, vamos logo! E eu emendei:vocs deviam respeitar os mais velhos, pelo menos! Foia que a pequeninha se virou e me olhou. A boca mins-cula ainda estava suja de doce. Ela piscou, passeou alngua pelos lbios e continuou a me olhar por cima doombro, como se, at ento, no tivesse percebido queestvamos todos ali, esperando. Que foi?, perguntei aela. T olhando o qu? E ela s piscava, impvida. Qual a tua?, continuei, indo at ela. , qual a tua?, repetiuseu Aristides. Nisso, cheguei bem junto da biscazinhae a puxei com fora pelo brao. Sua idiota!, disse. Elaestava em cima do banquinho. Com a minha puxada,desequilibrou-se e caiu no cho, de cabea. Meu mari-do, que vinha logo atrs de mim, deu um empurro nohomenzinho, que parecia querer socorrer a esposa. Eletambm se desequilibrou e caiu do banquinho. Ao selevantar, fez meno de revidar, e meu marido acertou-

    lhe um joelhao no meio do rosto. O narizinho come-ou a sangrar. Seu Aristides veio correndo e deu outrojoelhao no rosto daquele tipinho, enquanto a neta deseu Aristides chutava-lhe a canela. O sujeitinho caiu nocho de novo, ao lado da mulher. A senhora que esta-va na fila passou a dar bengaladas nas cabeas e nascostas do casalzinho. Eu chutava, com muita vontade, abarriga da mulherzinha cada. Minha perna doa, masu continuava a chutar, sempre no mesmo ponto. Amulher de cerca de trinta anos se ajoelhou ao lado docasalzinho, pegou o homenzinho pelo pescoo e come-ou a bater com a cabea dele no cho, vrias vezes, atabrir uma fenda na parte de trs. Uma gosma espes-sa verde-amarronzada saa de dentro de sua cabea emelava o cho. Nesse meio-tempo, a senhora que esta-va na fila se concentrou apenas na mulherzinha: elalevantava a bengala e a baixava com fora naquele roston anguentado. Meu marido pulava em cima das per-nas do homenzinho, enquanto seu Aristides chutava seutronco. E a neta de seu Aristides, imitando meu marido,pulava sobre a barriga da mulherzinha.

    A balconista, que at ento estava quieta - achoqu em respeito a ns, que ramos clientes assduos daconfeitaria -, interveio. Gente, disse ela, d para parar

    L ~~_

  • com isso que a dona Slvia vem chegando, estou vendoela dobrar a esquina. Eu j estava cansada mesmo eparei de chutar o que j se tornara uma massa quaseinforme, vermelha. Arfando, fui lentamente me diri-gindo sada. Ao me ver sair meio cambaleante, meumarido parou de pular e veio atrs de mim. A mulherde cerca de trinta anos, com a respirao tambm alte-rada pelo esforo, se sentou encostada parede e psna testa as duas mos com as quais batera com a cabeado sujeitinho contra o cho. Ele estava transformadonuma espcie de pasta de carne e sangue, com peque-nos fragmentos de ossos desarranjando a uniformidadeda mistura. A aparncia de sua mulherzinha no eramuito diversa. A senhora ainda deu uma ltima ben-galada no que tinha sido um rosto, ajeitou o vestido, seapoiou na bengala e saiu. Seu Aristides, exausto de tan-to chutar o homenzinho, parou e fez sua neta tambmparar. Vamos, querida, deixa isso a e vamos embora,disse ele para a neta, enquanto a pegava pela mo. Jdo outro lado da calada, olhei para trs para cumpri-mentar dona Slvia, que entrava na confeitaria, e vi abalconista, com um grande rodo, empurrando para umcanto toda aquela sujeira.

    m......N..

    l _

    Teste- Que tal fazer, ento, o mesmo testecom mulheres gordinhas,de cabelos crespos?

    -------------------------------------