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RELAÇÕES ETNOBOTÂNICAS NAS FORMAS E USOS DE ESPÉCIES VEGETAIS EM UMA COMUNIDADE RURAL NO MUNICÍPIO DE URUCUIA NO NORTE DE MINAS GERAIS Thamyres Sabrina GONÇALVES 1 [email protected] RESUMO: Território de tradicional ocupação indígena e afrodescendente, o Norte de Minas constituiu-se em um espaço de extraordinária sociobiodiversidade no estado de Minas Gerais. Caracterizado pela presença de importantes fitofisionomias, como o cerrado e a mata seca a região abriga hoje populações de distintas formações etnoculturais que herdaram de seus antepassados tradicionais conhecimentos acerca do uso das plantas destas formações vegetais. Frutos de uma relação singular entre homem e natureza, os conhecimentos etnobotânicos são hoje importantes estratégias de reprodução sociocultural e socioespacial para as populações das comunidades rurais. Com base nestas constatações, este estudo tem o propósito de realizar um trabalho etnogeográfico á respeito das relações socioambientais e os conhecimentos tradicionais referentes ao uso da flora regional por estas comunidades. A metodologia de estudo baseia-se na revisão bibliográfica envolvendo a observação participante e a realização de conversas informais nas comunidades de Vereda Grande e Baixa Funda ambas no município de Urucuia. Os resultados encontrados mostram que os povos tradicionais do norte de Minas Gerais possuem atualmente riquíssimos conhecimentos populares sobre a agrobiodiversidade com o cultivo de espécies de usos múltiplos para a comunidade. Entretanto, o estudo mostrou também que os saberes tradicionais guardados há gerações por estes sujeitos correm sérios riscos de se perderem em meio a processos desagregadores que vem ocorrendo nas comunidades. Palavras-Chave: Norte de Minas, Etnogeografia, Etnobotânica. INTRODUÇÃO. Espaço de grande sociobiodiversidade no cenário sociocultural mineiro, o norte de Minas Gerais abriga diversas populações tradicionais como: indígenas, quilombolas, vazanteiros, caatingueiros e geraizeiros o que lhe confere, atualmente, relativa 1 Graduanda em Geografia na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

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Page 1: Vereda Grande e Baixa Funda ambas no município de Urucuia · Minas constituiu-se em um espaço de extraordinária sociobiodiversidade no estado de Minas Gerais. Caracterizado pela

RELAÇÕES ETNOBOTÂNICAS NAS FORMAS E USOS DE ESPÉCIES

VEGETAIS EM UMA COMUNIDADE RURAL NO MUNICÍPIO DE UR UCUIA

NO NORTE DE MINAS GERAIS

Thamyres Sabrina GONÇALVES1

[email protected]

RESUMO: Território de tradicional ocupação indígena e afrodescendente, o Norte de

Minas constituiu-se em um espaço de extraordinária sociobiodiversidade no estado de

Minas Gerais. Caracterizado pela presença de importantes fitofisionomias, como o

cerrado e a mata seca a região abriga hoje populações de distintas formações

etnoculturais que herdaram de seus antepassados tradicionais conhecimentos acerca do

uso das plantas destas formações vegetais. Frutos de uma relação singular entre homem

e natureza, os conhecimentos etnobotânicos são hoje importantes estratégias de

reprodução sociocultural e socioespacial para as populações das comunidades rurais.

Com base nestas constatações, este estudo tem o propósito de realizar um trabalho

etnogeográfico á respeito das relações socioambientais e os conhecimentos tradicionais

referentes ao uso da flora regional por estas comunidades. A metodologia de estudo

baseia-se na revisão bibliográfica envolvendo a observação participante e a realização

de conversas informais nas comunidades de Vereda Grande e Baixa Funda ambas no

município de Urucuia. Os resultados encontrados mostram que os povos tradicionais do

norte de Minas Gerais possuem atualmente riquíssimos conhecimentos populares sobre

a agrobiodiversidade com o cultivo de espécies de usos múltiplos para a comunidade.

Entretanto, o estudo mostrou também que os saberes tradicionais guardados há gerações

por estes sujeitos correm sérios riscos de se perderem em meio a processos

desagregadores que vem ocorrendo nas comunidades.

Palavras-Chave: Norte de Minas, Etnogeografia, Etnobotânica.

INTRODUÇÃO.

Espaço de grande sociobiodiversidade no cenário sociocultural mineiro, o norte de

Minas Gerais abriga diversas populações tradicionais como: indígenas, quilombolas,

vazanteiros, caatingueiros e geraizeiros o que lhe confere, atualmente, relativa

1 Graduanda em Geografia na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Page 2: Vereda Grande e Baixa Funda ambas no município de Urucuia · Minas constituiu-se em um espaço de extraordinária sociobiodiversidade no estado de Minas Gerais. Caracterizado pela

heterogeneidade em sua formação sociocultural e socioespacial. Tais populações

adquiriram ao longo do tempo um rico e importante sistema de conhecimentos acerca

dos usos das espécies vegetais dos ecossistemas da mata seca e do cerrado. Com o

propósito de garantir a reprodução socioespacial, socioeconômica e sociocultural dessas

famílias no meio rural, permitindo a esses povos satisfazerem suas necessidades ao

mesmo tempo em que conservam a biodiversidade das matas no entorno de suas

comunidades. À medida que foi sendo possível domesticar algumas das espécies, as

populações passaram a introduzi-las em ambientes denominados quintais

agroecológicos, onde são desenvolvidas também outras atividades como à criação de

pequenos animais, cultivos alimentares e de plantas exóticas de uso medicinal. Com

isso, tornou-se mais fácil o trabalho de busca e coleta de determinadas plantas,

reduzindo o esforço dos indivíduos, que chegavam a deslocar quilômetros para

encontrar certas espécies, aumentando a agrobiodiversidade dos quintais e,

principalmente, diversificando as possibilidades de uso dos recursos naturais

introduzidos nestes espaços.

OBJETIVOS

Com base nestas constatações, o presente estudo tem como propósito identificar os usos

de espécies vegetais com os diversos fins como: terapêuticos, biocidas, simbólico-

culturais e artesanais, buscando compreender também as formas de uso de tais plantas;

as partes utilizadas de cada espécie como casca, folhas, flores, frutos e raízes. Acredita-

se que estudos como este permitem alcançar importantes avanços na produção e

divulgação de novos conhecimentos sobre as populações negras. Possibilitando

preservar e transmitir saberes que correm, cada vez mais, o risco de se perderem em

meio à homogeneização etnoecossistêmica provocada pela modernização agrícola e

introdução da cultura de eucalipto nas chapadas da região.

METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa está balizada em procedimentos de um trabalho de pesquisa

bibliográfica em livros e artigos de diferentes áreas tais como: fitossociologia, ecologia

e propagação vegetal, etnogeografia, biogeografia e geografia rural. Com destaque para

os trabalhos de Calixto & Ribeiro (2004), Crepaldi & Peixoto (2010), Dupin & Gontijo

(2010), Diniz, Tubaldini & Silva (2010) e Rodrigues et. al (2010), além de trabalhos

relativos aos estudos etnobotânicos em quintais, como realizados por Florentino,

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Araújo e Albuquerque (2007), Gomes (2010) e Souza (2010). Procedeu-se também o

registro iconográfico das espécies vegetais e dos espaços onde são cultivadas. Também

foram feitas observações nas comunidades através de visitas guiadas por agricultores

quilombolas a fim de se identificar os principais conhecimentos etnobotânicos acerca do

uso da agrobiodiversidade cultivada nos espaços do entorno das residências nas

comunidades de Vereda Grande e Baixa Funda na cidade de Urucuia.

RESULTADOS

Após a identificação das espécies, dos usos que delas são feitos e das partes utilizadas

de cada planta, foi realizado um inventário com as principais categorias de uso e as

espécies correspondentes aos mesmos. Neste sentido, foram identificados 5 (cinco)

tipos principais de conhecimentos etnobotânicos nas comunidades: medicinal,

comestível, artesanal, ornamental e simbólico-cultural.

Espécie\ usos medicinal comestível artesanal ornamental simbólico-cultural parte utilizada da planta

Alecrim (Rosmarinus officinalis ) x flor e folhas

Angico (Anadenanthera sp.) Casca x Casca

Aroeira (Schinus sp. ) x x Madeira, casca e folhas

Arruda (Ruta sp. ) x x Folhas

Barbatimão (Stryphnodendron sp. ) x Casca

Cagaita (Eugenia dysenterica ) x fruto

Chuchu (Sechium edule ) x x folhas e broto

Erva cidreira (Melissa officinalis ) x folhas

Eucalipto (Eucalyptus sp. ) x x folhas e madeira

Goiaba (Psidium sp. ) x x folhas e fruto

Hortelã (Mentha sp. ) x folhas

Maracujá do mato (Passiflora sp. ) x x folhas e fruto

Mandioca (Manihot esculenta Crantz ) x x manipueira e amido

Mangaba (Hancornia speciosa Gomes ) x x folha e fruto

Pequi (Caryocar brasiliensis ) x x folhas, semente e fruto

Poejo (Mentha pulegium ) x folha, caule e raíz

Quebra Pedra (Phyllanthus spp. ) x ramos

Transagem (Plantago sp. ) x folhas

Ypê Roxo (Tabebuia impetiginosa ) x x x casca e madeira

Urucum (Bixa arborea ) x x x fruto e sementesFonte: Informações coletadas em pesquisas de campo durante o ano de 2011.

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REFERÊNCIA:

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DUPIN, P. C. & GONTIJO, B. M. Os usos da biodiversidade do Alto Jequitinhonha

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FLORENTINO, A. T. N.; ARAÚJO, E. de L. & ALBUQUERQUE, U. P. de.

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GOMES, G. S. Quintais agroflorestais no município de Irati - Paraná, Brasil:

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RODRIGUES, L. de M.; DINIZ, R. F.; DEUS, J. A. S. de; GIANASI, L. M. Uso de

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Novas e Chapada do Norte – Vale do Jequitinhonha/MG. In: SIMPÓSIO

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