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Venda das Acções da Rio Tinto Coal Mozambique Qual é o futuro dos Trabalhadores? Organização dos Trabalhadores de Moçambique-Central Sindical UNIDADE DE PESQUISA SINDICAL Elaborado por: Domingos Bihale Maputo, Setembro de 2014

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Venda das Acções da Rio Tinto Coal Mozambique

Qual é o futuro dos Trabalhadores?

Organização dos Trabalhadores de Moçambique-Central Sindical

UNIDADE DE PESQUISA SINDICAL

Elaborado por:

Domingos Bihale

Maputo, Setembro de 2014

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VENDA DAS ACÇÕES DA RIO TINTO

COAL MOZAMBIQUE

Qual é o futuro dos Trabalhadores?

Resumo

Este documento surge na sequência do anúncio da

venda dos activos da empresa Rio Tinto Coal

Mozambique a International Coal Ventures Private Limited da India e tem por objectivo expor as

preocupações da OTM-CS em relação ao futuro laboral dos trabalhadores da empresa Rio Tinto Coal

Mozambique após a conclusão do processo de venda.

O documento foi elaborado com base em evidências buscadas através de informações veiculadas nos

meios de comunicação social, comunicados da Rio

Tinto Coal Mozambique aos trabalhadores, página oficial da Rio Tinto e entrevistas aos colaboradores.

Por razões éticas as fontes orais e os comunicados oficiais do Rio Tinto aos Trabalhadores não foram

citadas.

Através deste posicionamento, a OTM-CS junta-se aos esforços que o comité sindical da RTCM está a

empreender para salvar os postos de trabalho e todos

os direitos laborais dos colaboradores da empresa.

Insta igualmente o Governo central e provincial para

convidar a Rio Tinto Coal Mozambique (RTCM) e

International Coal Ventures Private Limited (ICVL) a um encontro tripartido, que envolva os sindicatos

nacionais, para discutir e produzir-se uma declaração

conjunta de garantias de que o processo não vai resultar em despedimentos dos trabalhadores e por

último, exigem do Governo, o envolvimento das Centrais Sindicais em todos processos de negociações

de contratos com os megaprojectos, bem como nos

processos de transmissão, como forma de garantir que a agenda e os interesses dos trabalhadores não

serão relegados ao segundo ou terceiro planos.

INTRODUÇÃO

Rio Tinto é uma empresa multinacional de

origem autraliana e opera em todo o mundo e

em diversas áreas de mineração tais como

alumina, alumínio, bauxite, carvão, cobre,

diamantes, minério de ferro,titânio, urâneo,

ouro e prata.

Em 2011, a Rio Tinto adquiriu as acções da

empresa Riversdale Mining Limited relativas à

Mina de Benga, em Tete, num valor estimado

em 4 biliões de dólares americanos, passando a

designar-se Rio Tinto Coal Mozambique

(RTCM). A RTCM passou a controlar, para

além da mina de Benga, os activos da cadeia de

carvão, a Concessão Mineira de Zambeze, as

licenças de prospecção e pesquisa de Tete

Leste, entre outras licenças.

Em 2013 a RTCM iniciou o processo de venda

de suas acções, seus activos e suas conceções

em Tete e a 28 de Julho de 2014 assinou o

contrato de venda da Mina de Benga, dos

activos da cadeia de carvão, da Concessão

Mineira de Zambeze, das licenças de

prospecção e pesquisa de Tete Leste, bem como

de outras licenças por ela detidas à empresa

International Coal Ventures Private Limited

(ICVL), num valor estimado em 50 milhões de

dólares americanos.

A International Coal Ventures Private Limited

(ICVL) é um consórcio criado pelo Governo

indiano com o objectivo específico de adquirir

minas e activos de carvão fora da Índia como

forma de responder eficazmente à procura

interna de carvão estimulada pela sua indústria

em franco crescimento.

O processo de venda, como se referiu, iniciou a

28 de Julho de 2014, com a duração de 60 dias.

Nestes termos, a sua conclusão está prevista

para o dia 26 de Setembro de 2014.

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PROBLEMA

Qual vai ser o futuro dos trabalhadores depois

da conclusão do processo de transição da

RTCM para a ICVL? Que dispositivo legal

protege os trabalhadores de despedimentos

consequentes do processo de venda? Que papel

assume o governo perante o processo?

A RTCM declara que vai assumir a

responsabilidade de gerir as actividades até à

conclusão do processo de venda e garante

assegurar os postos de trabalho para os

colaboradores nacionais e estrangeiros com os

quais possui contratos de trabalho. Isto

significa, pelo menos à letra, que os seus

contratos vão transitar para a nova empresa. O

mesmo vai acontecer com as condições,

remuneração e direitos previstos nos contratos,

incluindo o acordo colectivo de trabalho. Em

relação aos trabalhadores subcontratados, a

RTCM imputa a responsabilidade dos

empregadores directos.

Entretanto, é necessário sublinhar que isso só

vai acontecer durante a transição para a nova

empresa, ou seja, as declarações da RTCM são

práticas apenas no período de transição (60

dias) que terminam a 26 de Setembro de 2014.

Depois deste período, a ICVL assumirá todas

as responsabilidades. Este é o período que

levanta preocupações.

Primeira preocupação - A RTCM não

comunicou, nem envolveu formalmente os

trabalhadores aquando das negociações com

ICVL, alegadamente por ela ser uma empresa

cotada na bolsa de valores. Este argumento não

é de todo convincente porquanto fere

claramente o procedimento de transmissão

prescrito na Lei do Trabalho nr:23/2007 de 1 de

Agosto, segundo o qual

“O transmitente e o adquirente devem,

previamente, informar e consultar os órgãos

sindicais de cada uma das empresas ou, na

falta destes, a comissão dos trabalhadores ou

a associação sindical representativa, da data

e motivos da transmissão e das projectadas

consequências da transmissão” (Nº1 do Artigo

77 da LT), sublinhado nosso.

A Direcção Geral da RTCM começou a

informar os trabalhadores sobre o decurso do

processo depois da assinatura do contrato.

Quanto à ICVL, até ao momento ainda não se

reuniu com os trabalhadores. Sabe-se, contudo,

que apenas emitiu um comunicado por escrito

a tranquilizar os trabalhadores, em

consequência da pressão levada a cabo por eles.

A questão que se coloca é: que validade legal

tem o comunicado?

Se aconteceu com os trabalhadores, aconteceu

também com o Governo. As declarações da

Ministra dos Recursos Minerais em torno do

negócio expressam uma grande surpresa com

que o Governo acolheu a notícia da assinatura

do contrato de venda:

“Formalmente não conheço o valor que a Rio

Tinto terá encaixado neste negócio, mas podem

ficar seguros de que qualquer montante que for

apurado será tributado no âmbito das mais-

valias” (Esperança Bias, Ministra dos

Recursos Minerais, in Jornal Notícias,

Sexta, 01 Agosto 2014).

Segunda preocupação - Não há nenhuma

garantia contratual nem legal de que, após a

conclusão do processo de venda, a ICVL

manterá todos os postos de trabalho activos,

incluindo as condições de trabalho, os direitos

e privilégios dos trabalhadores. É incerto, e a

RTCM é premptória neste aspecto, que a actual

política relativa a assistência médica,

medicamentosa e social, incluindo a segurança

social irá continuar nos moldes actuais. O

futuro aponta para a perda de muitos postos de

trabalho por parte de trabalhadores (nacionais e

estrangeiros), caso não se tome medidas

pontuais de fiscalização do processo.

Terceira preocupação - Há incerteza e

desconfiança dos trabalhadores em relação ao

seu futuro laboral. A incerteza e desconfiança

abrem espaço, nos termos da lei, para a rescisão

dos contratos por justa causa, conferindo aos

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trabalhadores o direito à indeminização.

Porém, a acontecer, a rescisão prejudicaria os

trabalhadores porque muitos deles são novos na

empresa.

A LEI DO TRABALHO NÃO VAI

EVITAR POSSÍVEIS

DESPEDIMENTOS

A Lei do Trabalho abre espaço para a transição

do trabalhador de um empregador para outro

em resultado de uma mudança de titularidade

de uma empresa ou estabelecimento, mas não

obriga ao novo empregador para tal acto. Diz a

Lei que com a mudança de titularidade de uma

empresa ou estabelecimento, pode o

trabalhador transitar para o novo empregador

(Nº 1 do Artigo 76 da LT), negrito nosso. A

assunção dos trabalhadores por parte do novo

empregador é uma possibilidade, conforme o

espírito da Lei.

Adicionalmente, a Lei do Trabalho permite a

ocorrência de rescisão de contrato sempre que

o adquirente tenha intenção de mudar ou venha

a mudar o objecto da empresa, nos doze meses

subsequentes, se essa mudança implicar uma

alteração substancial das condições de

trabalho (alínea d) do Nº 2 do artigo 76).

É evidente que a Lei determina que,

Havendo transmissão de uma empresa ou

estabelecimento de um empregador para outro, os

direitos e obrigações, incluindo a antiguidade do

trabalhador, emergentes do contrato de trabalho

e do instrumento de regulamentação colectiva de

trabalho existentes passam para o novo

empregador (Nº 3, do artigo 76).

Mas esta determinação não impõe que o novo

empregador mantenha todos os postos de

trabalho e as condições de trabalho durante um

determinado período, porque o respeito pelos

postos de trabalho e as condições depende do

bom senso do novo empregador, já que, de

acordo com a Lei,

[o] novo titular da empresa ou estabelecimento

é solidariamente responsável pelas obrigações

do transmitente vencidas no último ano de

actividade da unidade produtiva anterior à

transmissão, ainda que respeitem a

trabalhadores cujos contratos tenham já

cessado, nos termos da lei, à data da referida

transmissão (Nº 4, do artigo 76), negrito nosso.

Entende-se, claramente, que a preservação do

número de postos de trabalho e das condições

de trabalho nos actuais termos contratuais

dependerá do bom senso e solidariedade da

ICVL. Sabe-se na prática que a solidariedade

não é obrigação e, não sendo, não pode decorrer

de um dispositivo legal.

Esta lacuna legal alarga o campo de manobras

para a ICVL despedir um número grande de

trabalhadores, ampliando desta forma o raio de

dúvidas e receios dos trabalhadores da RTCM

em relação ao seu futuro laboral em Tete.

O GOVERNO ESTÁ MAIS

PREOCUPADO COM AS MAIS-

VALIAS DO QUE COM A

SEGURANÇA DOS POSTOS DE

TRABALHO

O Governo de Moçambique, através do

Ministério de Recursos Minerais e Ministério

das Finanças (Autoridade Tributária de

Moçambique), já veio ao público pronunciar-se

sobre o anúncio da venda da RTCM a ICVL.

Em ambos pronunciamentos, o Governo centra

a sua preocupação na taxação das mais-valias e

em nenhum momento mostra-se preocupado

com a salvaguarda dos postos de trabalho e das

condições sócio-laborais inerentes.

No lugar de estar inteiramente envolvido no

processo, o Governo limita-se a acompanhar o

processo, incluindo a questão laboral. “Segundo temos acompanhado, a Rio Tinto

não está em condições de continuar com as

operações em Moçambique. Estamos

informados de que isso não significa a

paralisação das operações, e todos os direitos

dos trabalhadores estão salvaguardados”

(Esperança Bias, Ministra dos Recursos

Minerais, in Jornal Notícias, Sexta, 01

Agosto 2014).

O Governo apenas está informado que “todos

os direitos dos trabalhadores estão

salvaguardados”. Quem informou? A RTCM

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claro. Até a informação que a RTCM dá ao

governo merece crédito? Prova-se que a Rio

Tinto ou suas subsidiárias ao nível global tem

advogado e difundido informação de boas

práticas ambientais, de higiene e segurança no

trabalho e de respeito pelos direitos laborais de

países onde opera. Todavia, há evidências1 que

mostram que isso, em muitos países como

Estados Unidos da América, Austrália, Reino

Unido, Mongólia, Indonésia, Papua Nova

Guiné, Índia e Madagáscar e Zimbabwe, não

passa de uma falsa publicidade. Além, disso, a

Rio Tinto já foi cotada na sexta posição de

empresas multinacionais mais controversas do

mundo pela RepRisk, uma organização de

avaliação das multinacionais2, citada pela

organização IndustriALL Global Union em

20123. Estes exemplos colocam em dúvida as

garantias que a RTCM dá aos trabalhadores e

ao Governo de Moçambique.

A preocupação da OTM-CS agrava-se ainda,

porque até ao momento da finalização deste

estudo, o Ministério do Trabalho ainda não se

fizera ao terreno para ir perceber in loco o que

estava acontecer e nem tinha convidado os

representantes da RTCM e muito menos os da

ICVL para ter uma explicação exaustiva e

garantias. O Governo Provincial também

continuava à margem do processo. Este

posicionamento indica que, numa situação de

despedimentos massivos, o governo não estará

em condições de repor a ordem e legalidade e

muito menos estará em condições avantajadas

para salvar os postos de trabalho dos

colaboradores nacionais da RTCM.

A OTM-CS é PELA SALVAGUARDA

DOS POSTOS DE TRABALHO E

CONDIÇÕES INERENTES

A Organização dos Trabalhadores de

Moçambique-Central Sindical (OTM-CS) e o

Movimento Sindical em geral juntam-se

1 http://londonminingnetwork.org/docs/Rio-Tinto-

background-information-2011.doc. 2 http://www.industriall-

union.org/sites/default/files/uploads/documents/industri

all-rio-tinto-africa-report.pdf.

incondicionalmente aos esforços que o comité

sindical da RTCM está a empreender para

salvar os postos de trabalho e todos os direitos

laborais dos colaboradores da empresa. Neste

sentido comprometem-se a apoiar todas as

acções legalmente reconhecidas, concorrentes

para a justiça laboral durante e depois da

conclusão do processo de venda.

A OTM-CS insta vigorosamente ao Governo

central e provincial para convidar a RTCM e

ICVL a um encontro tripartido, que envolva os

sindicatos nacionais, para discutir e produzir-se

uma declaração conjunta de garantias de que o

processo, efectivamente, não vai lançar

cidadãos nacionais colaboradores da RTCM ao

desemprego e nem vai alterar as condições de

trabalho ora vigentes.

A venda da RTCM expõe claramente a lacuna

existente na legislação laboral e mineira

moçambicana. A OTM-CS desafia o Governo

e os empregadores a discutir, na Comissão

Consultiva do Trabalho (CCT), a actual lei do

Trabalho, tendo em conta o actual contexto de

grandes descobertas de carvão, gás, petróleo e

outros recursos naturais. O artigo 76 da Lei do

Trabalho sobre “Transmissão da empresa ou

estabelecimento” pode ser revisto ou ser

regulamentado para cobrir situações futuras

idênticas à da venda dos activos da RTCM a

ICVL. É importante que se estabeleça um

período mínimo de garantia dos postos de

trabalho dos colaboradores das empresas em

caso de transmissão.

Por último, a OTM-CS exige do Governo, o

envolvimento das Centrais Sindicais em todos

processos de negociações de contratos com os

megaprojectos, bem como nos processos de

transmissão, como forma garantir que a agenda

e os interesses dos trabalhadores não serão

relegados ao segundo ou terceiro planos.

3 www.industriall-­union.org

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REFERÊNCIAS

IndustriALL Global Union, “Rio Tinto in Africa: Global Citizen or Corporate Shame? June

2012, http://www.industriall-union.org/sites/default/files/uploads/documents/industriall-

rio-tinto-africa-report.pdf.

Jornal Notícias, Economia, “Ministra Esperança Bias Reage- Venda da mina de Benga é um

processo normal”, Sexta, 01 Agosto 2014.

Jornal O País, Economia, “Governo investiga negócio polémico da mineradora Rio Tinto”, Segunda,

11 Agosto 2014.

Jornal Sol do Indico Economia, “Ministra dos Recursos minerais considera «normal» a venda de

mina de Benga”, 1 de Agosto, 2014: http://www.soldoindico.co.mz/ministra-dos-recursos-

minerais-considera-normal-a-venda-de-mina-de-benga/08/2014

Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho, in Boletim da República- Publicação Oficial da

República de Moçambique, I SÉRIE — Número 31, Quarta-feira, 1 de Agosto de 2007,

Maputo: Imprensa Nacional;

London Mining Network “Rio Tinto: are they telling us the whole truth?”, 11 April 2011,

http://londonminingnetwork.org/docs/Rio-Tinto-background-information-2011.doc.

Macau Hub, Notícias, “Governo de Moçambique atento à venda de activos do grupo Rio

Tinto”,2014/08/11: http://www.macauhub.com.mo/pt/2014/08/11/governo-de-

mocambique-atento-a-venda-de-activos-do-grupo-rio-tinto/

Rio Tinto Media Release, “Rio Tinto agrees sale of coal assets in Mozambique”, 30 July 2014:

http://www.riotinto.com/media/media-releases-237_11406.aspx