vários olhares e saberes

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Gilberto Braga Pereira VRIOS OLHARES E SABERES:EFEITOS DO IMAGINRIO SOBRE LIDERANA NOS PROCEDIMENTOS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE LDERES ORGANIZACIONAIS. Belo Horizonte FEAD-MINAS Centro de Gesto Empreendedora Ncleo de Ps-graduao e Pesquisa Mestrado em Administrao Modalidade Profissionalizante 2005 Gilberto Braga Pereira VRIOS OLHARES E SABERES:EFEITOS DO IMAGINRIO SOBRE LIDERANA NOS PROCEDIMENTOS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE LDERES ORGANIZACIONAIS. DissertaoapresentadaaoCursodeMestradoem Administrao;ModalidadeProfissionalizante,daFEAD-MinasCentrodeGestoEmpreendedora,comorequisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Administrao. rea de concentrao: Organizaes e Gesto dePessoas Orientadora: Profa. Dra. Adriane Vieira FEAD-Minas Centro de Gesto Empreendedora Belo Horizonte FEAD-MINAS 2005 FEAD-Minas Centro de Gesto Empreendedora Ncleo de Ps-graduao e Pesquisa Mestrado em Administrao: Organizaes e Gesto de Pessoas Modalidade: Profissionalizante DissertaointituladaVriosolharesesaberes:efeitosdoimaginriosobre liderananosprocedimentosdetreinamentoedesenvolvimentodelderes organizacionais,deautoriadomestrandoGilbertoBragaPereira,aprovada pela banca examinadora constituda pelos seguintes professores: Profa. Dra. Adriane Vieira FEAD-Minas - Orientadora Profa. Dra. ris Goulart Prof. Dr. Gelson Junquilho Prof. Dr. Fernando Coutinho Coordenador do Ncleo de Ps-graduao e Pesquisa FEAD-Minas Belo Horizonte, 08 de janeiro de 2005 AGRADECIMENTOS Comotodanarrativa,orelatocientficonotemfim,interrompe-semomentaneamenteou permanece em suspenso. Tampouco ele se inicia na primeira frase ou palavra. Por traz destas esconde-seumainfinidadedetantasoutrasqueasprecederam,algumasrelembradas,outras esquecidas e ainda muitas que sequer foram ouvidas.O humano caracteriza-se, pois, como um vir a ser dinmico que se constri e sua narrativa a expresso de seu imaginrio. Alm do que, a produo presente, qualquer que seja ela, remete aumpassado,aomesmotempodistanteeprximo,etambmdecorrentedeumfuturo forjado nas expectativas e possibilidades que se sonha.Estadissertaofrutodemltiplosdilogos-muitosdosquaisoprprioautorignora- proferidoscomtodosaquelesquefizeramefazempartedeumatrajetria,comoaindade dilogos do autor consigo mesmo. Muitosforamosqueentraramesaramsilenciosamentedahistriadoautor.Tantosoutros permaneceramporalgumtempoepartiram.Ehaindaaquelesquesedispem generosamenteacontinuarpartilhandosuasvidasetornaravidadoautormuitomais profcua.A todos estes, pelas contribuies intelectuais e emocionais, s possvel ser profundamente grato, e a gratido ainda mais especial quando se tem o privilgio de ser grato a muitos. este o caso. Por isso, oautor pede licena para romper o protocolo e opta deliberadamente por no fazer agradecimentonominal,masexpressaromaisprofundocarinhoeafetoatodosaquelesque esto guardados em seu corao. O real no est na partida nem na chegada:ele se impe pra gente no meio da travessia. Guimares Rosa1 As coisastm muitos jeitosde ser Depende do jeito da gente ver... Jandira Masur2 Todas as palavras j esto no dicionrio. A arte pinar as nossas e faz-las dizer o que queremos. Mauro Motta. 3 O mais importante e bonito, do mundo, isto:que as pessoas no esto sempre iguais, ainda no foram terminadas - mas que elas vo sempre mudando.Guimares Rosa4

1 ROSA, Joo Guimares. Grande serto: veredas. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1978. 2 MASUR, Jandira. O frio pode ser quente?. So Paulo: tica, 1988, p.1. 3 MOTTA, M. Alfinetes e Bombons apud Medeiros (1999, p. 26). A autora no inclui a referenciao completa e normalizada da obra citada. 4 Vide nota 1. RESUMO O objeto desta pesquisa remete ao imaginrio relativo liderana presente nas trs ltimas geraes de adultos.Parareconstru-loentrevistaram-sepessoasrepresentativasdecadaumadasgeraes consideradas, atravs da aplicao da tcnica de histria oral temtica. Os depoentes tiveram em comum a idade e um lugar social determinado pela posio ocupadalder ou profissional de treinamento e desenvolvimento(T&D)dentrodeorganizaesapartirdosanos1960.Comoobjetivogeral apropriou-se da tarefa de identificar a influncia do imaginrio social sobre liderananos procedimentos de T&D de lderes de organizao. O caminho percorrido para responder a esse problema central foi materializadoemumapesquisaqualitativacomenfoqueexploratrio.Oreferencialtericodebase encontrou ressonncia nos aspectos mais significativos das temticas liderana, imaginrio, geraes e tecnologia de T&D, os quais serviram de suporte para o trabalho de campo. Com base neles foipossvelconfirmarqueoprocessodeformaodelderesorganizacionaissofreuma influnciadiretanosdocontextohistricoimediatocomodeseudesdobramentonuma episteme que inclui figuraes imaginrias tais como valores, crenas, mitologias, ideologias, utopiasetc.Aomaterializarseuimaginrioatravsdanarrativadesuaslembranas,cada depoente a seu modo deu indicativos ou acusou a distncia entre a teoria e a prtica corrente. Palavras-chaves: Liderana; imaginrio; tecnologia de treinamento e desenvolvimento; comportamento organizacional. ABSTRACT The object of this research is the imaginary related to leadership in the three last generations. Toreconstructit,representativepeopleofeachoneoftheconsideredgenerationswere interviewed,throughthemethodofthematicoralhistory.Thesepeoplehadincommonthe age and a social identity determined by their activities - leaders or T&D professionals - inside theorganizationssince1960.Asgeneralobjectivetheauthorappropriatedofthetaskof identifyinghowthesocialimaginaryinfluencesoverleadershipintheT&Dproceduresfor leaders.Thewayfollowedtoanswerthismainproblemwasmaterializedinaqualitative researchwithexploratoryfocus.Thebasictheoreticreferencefoundresonanceinthemost significantaspectsofthethematicleadership,imaginary,generationsandT&Dtechnology, thewhichoneswereusedasasupportforthefieldresearch.Inthisway,itwaspossibleto confirmthatthedevelopmentprocessoforganizationalleadersisdirectlyinfluencedbythe immediatehistoricalcontextanditsunfoldinginanepistemethatincludesimaginary representations such as values, beliefs, mythologies, ideologies and utopias. By materializing his imaginary, through the narrative of memories, each interviewee brought indicators of the distance between theory and regular practice. Key-words: Leadership; imaginary; training and development technology; organizational behavior LISTA DE QUADROS 1. A histria das trs geraes ..................................................................41 2. Evoluo do T&D em paralelo ao processo de industrializao 1 fase: subdesenvolvimento ................................................................ 70 3. Evoluo do T&D em paralelo ao processo de industrializao 2 fase: em desenvolvimento ................................................................ 70 4. Evoluo do T&D em paralelo ao processo de industrializao 3 fase: incio da industrializao.......................................................... 71 5. Evoluo do T&D em paralelo ao processo de industrializao 4 fase: industrializao avanada......................................................... 71 6. Evoluo do T&D em paralelo ao processo de industrializao 5fase: ps-industrializao................................................................. 72 7.- Classificao das tcnicas de T&D segundo os modos de aprender...... 82 8.- Caracterizao dos sujeitos da pesquisa................................................ 95 9.- Categorias de relao.............................................................................. 99 10. - Conceito de liderana (1a) imaginrio dos lderes.............................. 102 11. - Conceito de liderana (1b) imaginrio dos lderes.............................. 103 12. - Conceito de liderana (1c) imaginrio dos profissionais de T&D...... 112 13. - Conceito de liderana (1d) imaginrio dos profissionais de T&D...... 113 14. - Expectativas de papel (1a) imaginrio dos lderes.............................. 117 15. - Expectativas de papel (1b) imaginrio dos profissionais de T&D...... 118 16. -Materialidadedarelaoimaginrioeliderananasaese tecnologia de T&D (1a) imaginrio dos lderes.................................... 120 17. - Materialidade da relao imaginrio e liderana nas aes tecnologia de T&D (1b) imaginrio dos profissionais de T&D............................. 123 18 - Contexto: fatos marcantes para as geraes (1a) imaginrio dos lderes 127 19 - Contexto: fatos marcantes para as geraes (1b) imaginrio dos profissionais de T&D.............................................................................. 130 SUMRIO 1.INTRODUO.........................................................................................................10 2.O IMAGINRIO SOBRE LIDERANA E AS GERAES.............................. 14 2.1 Imaginrio sobre liderana e contexto histrico geracional ............................................................ 14 2.1.1. Imaginrio: formas de expresso e estruturao do conceito ................................................ 14 2.1.2Imagens cambiantes e sedutoras: materialidade histrica do imaginrio............................... 19 2.1.2.1 Eu te darei o cu: promessas da dcada de 1960 ..............................................................20 2.1.2.2 Anos de chumbo: enquanto corria a barca dos anos 1970 ................................................ 23 2.1.2.3 Dcada maldita: o fim das utopias nos anos 1980 ............................................................. 27 2.1.2.4 Frgil democracia: as instabilidades e a transio dos anos 1990 ..................................... 31 2.2. Das geraes e das imagens sobre a autoridade.............................................................................37 3.LIDERANA,IMAGINRIOETECNOLOGIASDEPREPARAODE LDERES................................................................................................................... 50 3.1. Liderana e imaginrio...................................................................................................................50 3.1.1 Do conceito e da correlao ..................................................................................................50 3.1.2 Correntes tericas: retrospectiva e prospeco...................... ............................................... 60 3.2. Sobre liderana, imaginrio e tecnologia ....................................................................................... 66 3. 2.1 Correntes tericas sobre liderana e a tecnologia de preparao de lderes ........................ 66 3.2.2 Tecnologia de T&D e imaginrio........................................................................................... 82 4.DA PESQUISA EMPRICA: DEPOIMENTO DE QUEM ESTEVE L......................................90 4.1. Procedimentos metodolgicos.........................................................................................................90 4.1.1 Abordagem e tipo de pesquisa................................................................................................90 4.1.2 Coleta dos dados..................................................................................................................... 92 4.2Caracterizao dos sujeitos da pesquisa, descrio e anlise dos dados ......................................... 94 4.2.1 Caracterizao dos sujeitos da pesquisa.................................................................................. 94 4.2.2 Processo de anlise e categorizao das narrativas.................................................................. 100 4.2.3 Do conceito de liderana: imaginrio dos lderes e dos profissionais de T&D...................... 100 4.2.3.1 Imaginrio dos lderes: imagem, conceito, atributos, dolos e heris......................... 100 4.2.3.2 Imaginrio dos profissionais de T&D: imagem, conceito, atributos, dolos e heris.109 4.2.4 Expectativas de papel: imaginrio dos lderes e dos profissionais de T&D............................. 116 4.2.5 Materialidade da relao imaginrio e liderana nas aes e tecnologia de T&D................... 119 4.2.5.1 Imaginrio dos lderes: tipos de treinamento, eventos e tcnicas................................. 119 4.2.5.2 Imaginrio dos profissionais de T&D: tipos de treinamento, base terica, eventos e tcnicas. 122 4.2.6 Contexto: fatos marcantes para as geraes............................................................................... 126 4.2.6.1 Imaginrio dos lderes: dos anos 1960 aos primeiros anos do sculo XXI................... 126 4.2.6.2 Imaginrio dos profissionais de T&D: dos anos 1960 aos primeiros anos do sculo XXI 129 5.CONSIDERAES FINAIS................................................................................... 136 REFERNCIAS............................................................................................................... 141 ANEXOS ........................................................................................................................ 148 Anexo 1 Roteiro de entrevistas................................................................................... 148 Anexo 2 Snteses das entrevistas................................................................................ 151 1.INTRODUO A essncia da cincia fazer uma pergunta impertinente - e assim abrir caminho para uma resposta pertinente. Jacob Bronowski.5 Estaumadissertaosobreoimaginriorelativolideranapresentenastrsltimasgeraesde adultos.Parareconstru-loentrevistaram-sepessoasrepresentativasdecadaumadasgeraes consideradas, que tiveram em comum a idade e um lugar social determinado pela posio ocupada - lder ou profissional de treinamento e desenvolvimento (T&D) - dentro de organizaes a partir dos anos 1960.Remete-se,porconseguinte,aumtempoeaumlugarespecficos.Sotodaspessoasque chegaram ao mercado de trabalho a partir das ltimas dcadas do sculo XX e representam, cada uma o seu grau etrio. Nesse contexto, o problema de pesquisa ficou assim configurado: Qual a influncia do imaginrio social sobre liderana nos procedimentos de T&D de lderes de organizao?O objetivo geral da presente pesquisa consistiu em identificar, pois, a influncia do imaginrio social sobrelideranapresentenasgeraesSilenciosa,BabyBoomeX,categoriasaseremmaisbem esclarecidas adiante nos procedimentos de T&D de lderes de organizao. O caminho percorrido para se responder a esse problema central foi materializado nos seguintes objetivos especficos:investigarosconceitosdelideranapreponderantesemcadageraoobjetodapesquisa,na perspectivadosrespondentes(ldereseprofissionaisdeT&D),correlacionando-oscomaliteratura especializada;identificaraesprpriasdoestilodegestopredominanteemcadagerao,apartirdavisode gestores e de profissionais de T&D; descrever, tendo por referncia a percepo dos profissionais pesquisados, a representao imaginria presenteemcadageraoeasexpectativasdepapelconstrudastantoporaquelesemposiode liderana, quanto pelos responsveis pela sua capacitao;descrever a natureza dos eventos e tcnicas de desenvolvimento de lderes vivenciados pelos sujeitos da pesquisa e praticados pelas reas deT&D;

5 BRONOWSKI, J. A ascenso do homemapud Medeiros (1999, p. 77). A autora no inclui a referenciao completa e normalizada da obra citada. 11 correlacionar as aes, as representaes imaginrias, as expectativas de papel e os procedimentos de T&D, a fim de se elucidar seo sistemapraticado pelos lderes compatvel com o idealizado nos modelos de gesto presentes na literatura.O poder e o encanto da magia sempre estiveram presentes em todos os tempos e fazem parte douniversosimblicoeimaginriodasgeraes.Canesenarrativasconstituemo testemunhodapresenademagos,xams,guruseherisaomesmotempointrigantese inspiradores de cautela. O mistrio que os envolve vem carregado das contradies com que a humanidadesemprebuscoulidaremrelaoaomundo.NotocantesCinciasSociais Aplicadas e em especial Administrao, o manto da magia freqentemente associado aos guruselderesorganizacionais,identificadoscomosuperastroscarismticos,providosde poderesparalivrarasempresasdetodososmales.Desvendaressemistriodescobrirsua estrutura,desnudarseustruques,passarafazerpartedouniversodamagia, compreender o mundo organizacional tanto naquilo que se traduz como real (formal) quanto no que se traduz subjetivamente (informal). Morgan(1996)advertequeaadministraoeficazassocia-secondioparaleras situaes que se est tentando administrar ouorganizar e que essa leitura remete a um lugar paraalmdoobjetivamentedado.Assim,corre-seoriscodesimplificarosfenmenos organizacionaisaosemanterpresoaumsolharou,ento,sentir-seludibriadopor desconhecer a estrutura damagia, seus princpios e pressupostos, seus smbolos por trs dos quais esto embutidas formas de pensar e uma viso de mundo. Este trabalho mostra sua relevncia ao considerar que [...]sempreseacreditouqueadministradoreseficazeseaquelesqueresolvem problemasnasceramassim;emlugardeteremsidotreinados,possuemumtipode podermgicoparacompreenderetransformarassituaesqueencontram.Casose olhe mais de perto o processo usado, todavia, descobre-se que esse tipo de mstica ou poderbaseia-sefreqentementenahabilidadededesenvolverprofundasapreciaes sobre as situaes que esto ocorrendo (MORGAN, 1996, p. 16). Constituiu-se,portanto,comoumesforodeseolharparaotemacomnovosolhos,como uma chance de se revisitar algo que pode, a princpio, parecer banal, corriqueiro e esgotado tal afamiliaridadequeotemaevoca.Porm,oriscodabanalizaoconsisteexatamenteem confundir-seoqueparecefamiliarcomoquenatural-naturalnosentidodeoriginal,da natureza daquele fenmeno. Muitoemboraostermoslderelideranafaampartedovocabulriocorrentenas organizaesempresariais,almdeseremencontradosnaliteraturasobrecomportamento 12 organizacional,emmuitoscasoshmal-entendidossobreoseusignificado.Muitosediz sobreofenmeno,muitosepensasobreele,emuitassoasrepresentaesquepovoamo imaginriosocial.Principalmentequandoseconsideramosdiversosmodelosdegesto propaladosaolongodosanosqueocuidadodeveserredobrado,umavezquesugerem fazeres especficos e conferem papis especiais queles que sofrem a ao ou ocupam posio de liderana. E mais,aticadahierarquiaabasedeformaodageraohojepresentenas organizaes, em que a mxima manda quem pode, obedece quem tem juzo o fio condutor das atividades. [...] Nos ltimos anos, entretanto, a tica da hierarquia vem sendocriticadaeencaradacomoalgoaserrompidoedesrespeitado,pornoservir comomeiodesubordinaodaspessoas.Nosdiasdehoje,fazeradiferenaa regra,masfazeradiferenanomeiodapirmideorganizacional,ondeexistemos mitoseosritosdaculturaorganizacional,torna-semuitomaiscomplexo.Mitos esses que ainda, e principalmente, esto fortemente embasados na tica da hierarquia (MANDELLI, 2001, p. 20). Pelomenosduastendnciassefortaleceramnaatualidade:novosdesenhosdeorganizaes sociais e novas expresses da liderana e da gerncia contemporneas (FISCHER, 1997). Tais esforos so entendidos como tentativas de se dar estrutura ao fazer produtivo e organiz-lo. Nesse contexto, as representaes imaginrias, as imagens e as metforas criadasnososomenteconstrutosdeinterpretaesouformasdeseencarararealidade: fornecemtambmumaestruturaparaaao.Asuautilizaogeradescobertasque freqentementepermitemagirdentrodeestratgiasnuncaantesconsideradas.[...]o usodasdiferentesmetforaspodelevaradiferentesenfoquesparaempreenderas tarefas de organizar e administrar [...] (MORGAN, 1996, p. 349).A investigao, portanto, teve por base analisar o fenmeno do imaginrio geracional face capacitao de lderes organizacionais. O trabalho de campo repousou sobre um universo de ldereseprofissionaisdeT&D,afimdeseidentificarasrepresentaesimaginriase concepestericasformuladaspelossujeitosdeorganizaesempresariaisemcorrelao com os construtos tericos implicados com o tema liderana. A partir do uso de fontes escritas eoraisbuscou-seanalisarosrespectivospressupostosediretrizescontidosnosmodelosde liderana conhecidos e divulgados entre os anos 1960 e a primeira dcada do sculo atuale o posicionamento pessoal dos agentes sociais, em atividade nesse perodo, ante as expectativas geradas por esses modelos.Orecortecronolgicodistinguetrstemposmarcadospelasgeraesestudadas.Nessa perspectiva,Conger(2002)categorizaastrsltimasgeraesdeadultosatravsde distines bastante peculiares quanto a imaginrio, histrico de vida, momento social em que viverame concepo acerca da relao com aautoridade. Ainda que adiante se resgate com 13 maisdetalhescadaumadelas,antecipam-seacronologiaeaclassificaopropostaspeloautor: GeraoSilenciosanascidaentre1923e1942;GeraoBabyBoomcompostapelosque partilham o nascimento entre os anos de 1943 e 1964; e, por fim, Gerao X que compreende o perodoentre1965e1981.Obviamentenosedevementenderosmarcosexpressosemanosde nascimento como absolutos; o que interessa considerar que cada gerao vivenciou e partilhou fatos sociaisque,circunscritosnadimensoespao-tempo,forjaramsuascondutas,adotouparadigmas prpriosedesenvolveurepresentaesimaginriasevisesdemundoespecficas.Soessas categorias que serviro de referncia para o presente estudo. Assim, partiu-se do princpio de que as atitudes e comportamentos humanos no so atributos fixos e autnomos que se mantm revelia das condies sociais. Pelo contrrio, a psicologia, a sociologia e aantropologiavmconfirmando,cadavezmais,anaturezarelacionalbiunvocadospadres comportamentais,quesoelementosbsicosdasestruturassociopoltico-econmicasque caracterizam as organizaes. Os referenciais tericos ancoraram-se em autores como: Bennis, Bergamini, Bolt, Castoriadis, Conger, Covey, Drucker, Enriquez, Fleury, Franco, Godoy, Penteado, Sennett e outros. Para discorrer sobre essa anlise e refletir sobre a questo das representaes do imaginrio, dividiu-se esta dissertao, para alm desta Introduo, em mais trs captulos centrais e um de consideraes finais. O primeiro dos captulos centrais Captulo 2 -focaliza a questo do imaginrio em relao ao fenmeno de geraes; o segundo- Captulo 3 -discute vertentes do tema central liderana e seus desdobramentosanteastcnicasdeaprendizagemedepreparaodoslderes;naseqncia,no Captulo4,descreve-seumaexperinciadetrabalhodecampo,articulando-seteoriaeprtica. Adotou-se um procedimento pontual de anlise descritiva, destacando-se as evidncias empricas por meio de quadros explicativos, numa tentativa de se estabelecerem as diferenas do imaginrio sobre liderana presentes em cada gerao. Cabelembrarqueestetrabalhorepresentaumaprimeiraincursonareapesquisadanotendo pretensesdeatingirresultadosdefinitivos.Trata-sedeestudoexploratrioqueestbaseadoem referenciaistericosequeaportamrealidadesdescritasporsujeitosqueaconstrurameviveram. Tem-seconscinciadasmltiplaspossibilidades,vertentesinterpretativaseviesespelosquaiso pesquisador poderia ter construdo essa demonstrao de resultados. Entretanto, variveis tais como exigidade de tempo, imposta pelo processo normativo implcito no mestrado, e a prpria abrangncia eriquezadostemasenvolvidos obrigaram decises metodolgicas e terico-conceituais que por si impuseram seus limites. 2 O IMAGINRIO SOBRE LIDERANA E AS GERAES O que sinto faz parte do que vejo. Provrbio Malts.67 2.1 Imaginrio sobre liderana e contexto histrico geracional Opresentecaptulotratadostemasimaginrioegeraes,recortesdefinidosparase desvendarotemacentralliderana.Porestasjanelasquesepretendeencontraralguma vertente, modelo terico que possa alimentar a curiosidadede saber, de ampliar a viso. As categoriastemticasimaginrioegeraesguardamemsirepresentaeseimagens,eso esses tesouros os elementos motivadores da investigao.Compreender esses conceitos parece ser condio precpua para que se possa seguir.2.1.1Imaginrio: formas de expresso e estruturao do conceito O que se pretende aqui configurar as bases tericas sobre o imaginrio nas quais se sustenta esta pesquisa, traando-se um panorama geral, contextual e ao mesmo tempo focado em uma perspectiva geracional.Nosetrata,portanto,deexplorarexaustootema imaginriomas, como dito, selecionar alguns elementos que sirvam de suporte anlise dos dados constantes no Captulo 4. Mais recentemente, a partir dos anos oitenta, tericos e pesquisadores passaram a sugerir que as organizaes so, essencialmente, [...]realidadessocialmenteconstrudas,queestomuitomaisnascabeasementes deseusmembrosdoqueexplicitadasemconjuntosconcretosderegraseformas especficas de relacionamentos. [...] Isto quer dizer que cada aspecto componente do todoorganizacionaltemumarespeitveldosedesignificadoimaginrioeimplcito quepodeserentendidocomoosentidodadorealidadeque,porsuavez, compartilhado por todos os integrantes dessa cultura.[...]Paraaspessoas,aentidadeorganizacional s tomareais contornosna medidaem que reflita aquilo que se acredita que ela seja (BERGAMINI, 1994, p. 118-120).

6 apud Medeiros (1999, p. 81). A autora no inclui a referenciao completa e normalizada da citao. 15 Nessesentido,oimaginriosocialconstriaidentidadecoletivae,almdedesignar identidadesepapisaseremrepresentados,expressanecessidadessociaisedelimitaos caminhospara atingi-las. Sovriossaberesevriosolharesqueconfiguramoimaginriosocial.Lidarcoma complexidadedarealidadedosfenmenossociaisedouniversoemgeralnuncaum estabelecimentosimplesdecorrespondnciacomacomplexidadeesofisticaodo pensamento humano. Na tentativa de encontrar uma aplicao ou funcionalidade para o que se conhece ou se imagina, a ao quase sempre se reveste de uma aparncia muito mais simples doqueaquelhedeuorigem.Aprofundaroestudodoimaginrionoscompreenderos seusmltiplossignificadosmasapropriar-sedeles,pensarcriticamente,oquepodeabrir alternativasparaseenfrentaregerircontradies.Almdedependerdossignificadosque atribui a seu trabalho, o indivduo tambm depende de seus referenciais de ao, ou seja, das representaes por meio das quais ele configura a realidade e seus problemas (MALVEZZI, 1995, p. 29).Basicamentepodemseridentificadasvriasvertentesparaoestudoeacompreensodo imaginrio.Tem-se,porexemplo,deumlado,acorrentepsicanaltica,quereconheceo simblico como a via de acesso ao imaginrio, e, de outro, a corrente sociolgica, que firma umaposiodeconceberoimaginriocomoumarepresentaocoletivaeno necessariamentesimblica.Tambmafilosofiaeaantropologiaincluemelementos conceituais que acrescem tematizao do imaginrio, fugindo ao propsito desta dissertao discorrer sobre todos eles.Nestetrabalho,contudo,tm-secomorefernciasascorrentessociolgicas,mais especificamenteavertentequecompreendeoimaginriocomointerpretao,conforme classificao proposta por Verlindo (2004). O autor distingue cinco dimenses do imaginrio socialnosestudosbrasileiros,asaber:(1)oimaginriocomodominao,associando-oao poderprodutordesubjetividades,dimensonaqualsociedademodernasociedade disciplinar;(2)outrosestudosvinculamimaginriosdiversasformasdeinterpretaoda realidadesocial,ousejaoentendimentodoimaginriocomointerpretao;(3)umoutro grupo,quetomaoimaginriocomoummecanismolingstico,comregrasprpriase contextuaisqueservemparaconstruirarealidadesocial,estabeleceoimaginriocomo criao;(4)oimaginriosocial,nessaquartapossibilidade,concebidoapartirdas diferenasqueseestabelecementreosgrupossociais,tornando-seentoimaginriocomo distino,ondeasdiferenassovistasculturalmentesemqueseelimineaidiadeque 16 existem condies objetivas que estabelecem diferenas entre grupos e classes sociais; e por fim, (5) o imaginrio como simbolizao tomado como uma linguagem simblica que indica como determinados sujeitos percebem a realidade. Emquaisquerdasdimensesdoimaginriosocial(dominao,interpretao,criao, distinoesimbolizao)percebe-sequeasmesmassevoltammenosparaarazodoque para a emoo, menos para a mobilizao de conceitos e idias do que para a mobilizao de imagens e sensaes.Ferreira (2002), alm de destacar a complexidade do tema imaginrio, chama ateno para o fatodequeelessetornouobjetodeinteresse,paraasvriasreasdosaber,apartirde meados do sculo passado.A imaginao tornou-se, na atualidade, caminho possvel tanto para o acesso ao real, quanto para se vislumbrar em possibilidades que venham a se tornar realidade. No obstante o fato de que imaginao e imaginrio no possam ser entendidos como sinnimos, pois que a primeira setraduzemumafaculdadeouatividadepsquicaindividualeoimaginriosempreuma representao coletiva, h uma evidente correlao entre eles.Desse modo, h uma srie de termos interdependentes que conferem uma complexidade mpar ao estudo do imaginrio. Os elementos constitutivos representaes, smbolos e imagense as categoriasanalticasrito,mito,ideologiaeutopiaestofortementepresentesnosestudos sobre o imaginrio. Franco8 (apud FERREIRA, 2002, p. 28) considera que essas trs ltimas modalidades se entrelaam.Omitofocasuaatenoemumpassadoindefinidoparaexplicaropresente,a ideologiaprojetanofuturoasexperinciashistricasdogrupoconcretase idealizadas, passadas e presentes; a utopia parte do presente na tentativa de antecipar ou preparar um futuro que recuperao de um passado idealizado.Como se confirmar mais adiante, essas categorias assumem grande relevncia ao se estudar o imaginrio geracional,mais especificamente o imaginrio geracional sobre liderana.Osconceitosextradosdasteoriassociais,filosficasepsicolgicasvariamdesdea associaoaterminologiastaiscomofico, fantasia e iluso, at processos de produo de conhecimento. Tambm so atribudas ao termo imaginrio dimenses polticas, econmicas e sociais.

8 FRANCO JR. H. Cocanha: histria de um pas imaginrio. So Paulo: Cia. das Letras, 1998. apud Ferreira (2002, p. 28). 17 Otermoimaginrioutilizadocomosinnimodefictcio,ilusrio,fantstico, inventivoeaterrneo.Emsuaorigemconfiguraumaimagemourealidade secundria,torna-seumasemelhanadaquiloqueapreende,umaaparncia constitudapelareflexodohomem.Oimaginrio,nessesentido,uma representao das coisas que existem no mundo (FERREIRA, 2002, p. 20). LeGoff(1994,p.14-15)consideraquetrstermosauxiliamnoesforodesedesvendaro conceito de imaginrio: a representao, que engloba todas e quaisquer tradues mentais de uma realidade exterior percebida e que est ligada ao processo de abstrao; o simblico, que sconcebidoquandooobjetoconsideradoremetidoparaumsistemadevalores subjacentes,histricoouideal;easimagens,queserevelamnodecorrerdasimples observao.Asverdadeirasimagens,contudo,soconcretase h muito tempo constituem o objeto de uma cincia individualizada: a iconografia. Produzem-seimagenspelofatodequetodasasinformaesprocessadaspelopensamento sempresopercepes.Nasrepresentaesdoreal,ossmbolossocriadoscomo mecanismosdeatribuiodesignificados.Apresenadossmbolos,nasociedadeda informao,elevaarepresentaoimaginriaaumstatussemprecedentes,umavezqueos fenmenoshistricosimaginadospassamaserpercebidoscomoreaisenomaiscomo inveno ou fantasia. Presentes na comunicao, os smbolos so, portanto, formas de criao de vnculos sociais e de significao cultural. Muito mais do que os sentidos prprios de cada sujeito em sua subjetividade, os smbolosexpressam a formao de uma identidade coletiva, quepermiteaoindivduonosacompreensodesimesmo,comoaestruturaodeseus elosdepertencimento.ApsicanlisedeFreud,porexemplo,consideraossmbolosapartir dossignificadoscontidosnahistriaindividualecoletiva,quandopreconizaqueos indivduos produzem seus sonhos coletivos (mitos) e sonhos pessoais utilizando imagens que soregistrostransfiguradosesublimadosdesuasexperinciasindividuais(LAPLANTINE; TRINDADE, 1997). Para Ferreira (2002, p. 24), [...]arepresentaodorealcompreendidaatravsdeimagensqueforam constitudasmedianteosentidoconferidoscoisas.Nessadireo,oimaginrio permiteentenderrepresentaescoletivasqueasociedadeproduz,umavezqueos significados atribudos ao real entrelaam-se com as estruturas simblicas [...]. OconceitodeimaginrioquesustentaestadissertaopodeserencontradoemCastoriadis (1982, p. 13): [...]criaoincessanteeessencialmenteindeterminada(social-histricaepsquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente possvel falar-se de alguma coisa. Aquilo que denominamos realidade e racionalidade so seus produtos. 18 Oautor(ibidem,p.154)sugerequeoimaginrioutilizaosimbliconosomentepara exprimir-se,oquebvio,masparaexistir,parapassardovirtualaqualquercoisaamais. [...] o simblico comporta quase sempre um componente racional-real, o que representa o real ou o que indispensvel para o pensar ou para o agir [...]. A definio de imaginrio proposta por Lapierre (1995, p. 30) acrescenta, contudo, que: Imaginrioumuniversofantasmtico,emparteinconsciente,subjacenteao pensamento e ao de um sujeito e que estrutura tanto sua relao com seumundo interior quanto com o mundo exterior. A palavra imaginrio aqui utilizada remete ao processoeaoprodutodaimaginao,tantoemsuadimensocognitiva(asidias,ospensamentoseasconcepesdevida)quantoemsuadimensoafetiva(osafetos,osdesejoseasdefesaspsicolgicas),permanecendoasduasdimenses indissociavelmente ligadas. Assim, pode-se dizer que para Lapierre (1995) h pelo menos dois componentes presentes na representaoimaginria.Oprimeirosurgecomoprofundamentepessoal,ofantasma;jaimaginao,aomesmotempo,pessoalepblicapessoal,namedidaemquecriadae mgica,epblica,porsereferiraoenquadramentosocial,aoprocessodeassimilaoda cultura.Orealnosumconjuntodefatos.Asrepresentaessocioculturaiscaracterizamuma poca.Taisfiguraessituam-senoterritriodeconcepesindividuais que se coletivizam, passandoaexpressarumethoscaractersticodaquelemomento.Ossmbolosrevelamoque est por trs da organizao da sociedade e da prpria compreenso da histria. A imaginao um dos modos pelos quais a conscincia apreende e elabora a vida. A conscincia obriga o homem a sair de si mesmo, a buscar satisfaes que ainda no encontrou. Antesdeseconstiturememfenmenohistrico-geogrfico,asorganizaesesto representadassimbolicamente,configurando-secomoumcomplexodesistemas imaginrios (SCHIRATO, 2000).Aorganizaonopodeviversemsegregarumoumaismitosunificadores,sem instituirritosdeiniciao,depassagemedeexecuo,semformarosseusheris tutelares(colhidoscomfreqnciaentreosfundadoresreaisouosfundadores imaginriosdaorganizao),semnarrarouinventarumasagaqueviverna memriacoletiva:mitos,ritos,heris,quetmporfunosedimentaraaodos membrosdaorganizao,delhesservirdesistemadelegitimaoededarassim umasignificaopreestabelecidassuasprticasesuavida(ENRIQUEZ, 1992, p. 34). OpensamentocientficocaractersticodosculoXIXdemarcaadicotomiacincia-imaginrio, razo-desejo. Nessa perspectiva, a histria assume uma ciso entre o que oficial 19 (fato) e o que fico (imaginrio) e passa a ser entendida como uma representao do real, contrastando-se com o imaginrio.O processo de industrializao, contudo, alm de possibilitar a reestruturao das relaes de trabalho, resgatou no mundo corporativo a importncia do imaginrio para a compreenso de seuprpriouniverso.Conheceressemundocorporativoapartirdenarrativasgeracionais relativasaoimaginriosobrelideranarompeestruturasfixas,expandeaconscinciaeo saber,modificaoolhar.Entend-lodentrodeumaperspectivageracionalrepeasimagens em seus contextos respectivos, dando-lhes materialidade histrica. Atravs do movimento de rememorar/relatar,atualizam-selembranas,resgata-seatrajetria,confere-sepropriedade aos fazeres quotidianos e reafirma-se a oralidade como expresso do imaginrio. comessaexpectativaqueaincursopelocontextohistricodasgeraes,objetodesta pesquisa, toma corpo na seo que se segue. 2.1.2Imagens cambiantes e sedutoras: materialidade histrica do imaginrio9 Rememorarnoreproduzir.Rememorarresgatarereconstruir.Relembrarprocesso dinmico em que as imagens danam ora assumindo nitidez lmpida, ora se tornando fugidias comoafluidezdasguasentreosdedoseaindaassumindoumenevoamentoopaco. Constitui-se,pois,emumvaivmdinmicoquenopermiteumenquadramentoprecisoe esttico. , portanto, atravs do imaginrio que se torna possvel caminhar por essas trilhas de imagenscambiantesesedutoras.Paracompreend-lasnecessrioqueserecorraaosfatos, mas tambm s representaes, aos smbolos, aos valores e s ideologias presentes. Contudo no se pode perder de vista que Oimaginrionoummeroreflexodeumarealidadematerialacabada.Tal concepo estticado imaginrio, subproduto de uma ontologia platnica, da crena naexistnciadeummundodeidiaspurasseparadasdorealefetivo,foi ultrapassadaporumavisomaisdinmicadofenmeno,baseadaemcompreenso ampliadadofuncionamentodossistemassimblicosnointeriordassociedades. (VARGAS, 1999, p. 176-177). Aseguirpercorre-seouniversooucontextoimaginriobrasileirocompreendidoentrea dcadade1960eaprimeiradcadadosculoXXI.Parte-sedeumcompromisso despretensioso,poisquenosepropeesgotartodaumadescriohistricasocialou

9 Todos os ttulos das sees quaternrias que integram esta seo so agradecimentos e homenagem respectivamente, a Leite (2004), Dias (2003), Sousa (1999) e Zaverucha (2000), autores que tornaram possvel a reconstruo desse panorama das ltimas dcadas. 20 econmicaenemtampoucoareconstituiodahistriapolticaoudeeventosemcada dcada.Pretende-se sim dar relevncia s contingncias sociais e s imagens construdas,atentando-se em especial para a juventude em cada poca, num esforo de compreender os imaginrios representativos das trs geraes objeto desta pesquisa.Oseventospolticos,econmicos,sociaiseculturaisestoaserviodeumaviagemao imaginrio de ento e de seu mapeamento. O dilogo com os autores o suporte sobre o qual se pretende descobrir alguma abertura para se enxergar a materialidade imaginria, na certeza dequepoucoprovvelqueseconsigacapturaraessnciadasociedadebrasileira,mesmo quecircunscritaemumadcadaoutempoespecfico,poisnoexisteessnciadeuma sociedade.Humacultura,moldadanomovimentoincessantedosacontecimentos,das utopias, das polticas de transformao ou conservao (SILVA, 1996, p. 38). 2.1.2.1 Eu te darei o cu: promessas da dcada de 1960 Braslia torna-se a capital do Brasil no primeiro ano da dcada de 1960. No mesmo ano, Jnio Quadroselege-sePresidentedaRepblica,naquelaqueseriaaltimaeleiodiretaato pleito de 1989 dentro do processo de redemocratizao do pas. A dcada comumente lembrada como os anos da inveno ou criao original, da exploso da contracultura. Valores tradicionais so contestados e a liberdade espontnea conquista seu espao.Oimaginriopresentemove-senoterrenodautopia,configurandoumcarter passadista, mtico e idlico, quer futurista, messinico ou apocalptico.O otimismo povoava as expectativas reafirmadoras do slogan: Brasil, pas do futuro10. Essa representao, no dizer de Silva (1996), toma fora com o golpe militar de 1964, projetando uma ideologia ufanista e demarcando o mito do futuro.EmseguidaaofurordesenvolvimentistadaadministraoJuscelinoKubitschek,a instabilidadepolticavividanosprimeirosanosdesembocano1deabrilde1964.De vassouraempunho,JnioQuadrospermaneceporsetemesesnogoverno,personificandoo papelfugazdemoralizador.Tratava-sedemodernizar,sematentarcontraosinteresses dominantes. Modernizao-conservadora (ibidem, p. 109). Vem a renncia, o vice-presidente

10 ZWEIG, Stefan. Brasil, pas do futuro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 21 JooGoulartassume.Aagitaopermanece,crescemasreivindicaes,fortalecem-seos sindicatos, multiplicam-se manifestaes populares. As greves operrias e estudantis assustam aselites.Militares,empresrioseaprpriaclassemdiaunem-separaneutralizar a ameaa comunista. A modernidade atropela todos os temores. Com a implantao da ditadura sob a bandeira da segurana nacional e do combate inflao, d-seamaiscontrastanterealidade:seqestros,assaltosabancos,estudantesnasruas,luta armada e uma infinidade de ideologias materializadas em grupos de esquerda.Noinciodadcadaumaprogressivaaceleraodapolitizaodaclasseoperriafaz-se presente. Surgem as federaes que agrupam sindicatos de mesmo ramo industrial. Em 1962 constitui-se,adespeitodalegislao,aCGT(ComandoGeraldosTrabalhadores).O crescimentoeconmicoretrai-sesensivelmente,eosnveisinflacionrios,aocontrrio, elevam-se dramaticamente. E,emmeioatudo,doisprojetosdeconstruodofuturo:Deumlado,agenerosa,mas dogmtica,fnoamanhprevistopeladialticahegeliana-marxista.Deoutro,oliberalismo [...]convencidodequeprecisoimporumpadrodedesenvolvimentoantesdaentregas benfazejas leis do mercado. (ibidem, p. 110). Gil (2001) acusa a dissoluo dos organismos institucionaisquecongregavamossindicatos e o conseqente controle econmico e poltico dostrabalhadores.OssindicatospassamaserfortementetuteladospeloMinistriodo Trabalho.Lideranassindicaissosilenciadas,tornandooclimatotalmenteadversoparaas reivindicaes operrias. Todo esse cenrio completa-se com o movimento estudantil de maio de 1968 e o dos hippies, oumelhor, dos herdeiros beatniks. Uma malha imaginria tecida sobre a idia de que s o futurointeressa.Omodelomilitarautoritrioestabelece-sepelaforaepordecretoecom promessasdeumamanhmagnfico.Emmeioaoscontrastes,omovimentohippiemarcaa dcadacomumpresentesmodesconcertante.Omovimentoestudantilfrancs,deoutro modo,apropriadocomoestmuloaovitalismooucomoideologiadeconstruofuturade uma sociedade libertria. No imaginrio, a ameaa vermelha. A decolagem inicial do ufanismo referendada pela classe mdia dos anos 1960. A entrada de capitalinternacionalfinanciaamodernizaoconservadora.Omilagreeconmico(1969-1973)garantesuasbases,cominflaobaixa,industrializaoegeraodeempregos.Na visodeGil(2001),ocrescimentoe a modernizao das empresas, no perodo, valorizam a planificao, a tecnologia e a especializao profissional. 22 Contudo,oprojetorecessivo,excluiooperariadoetrazcomoconseqnciaaelevao fulminantedadvidaexternabrasileira.Ochoquedopetrleo,oretornodainflao,a escassezdemo-de-obraobservadanosgrandescentrosindustriaiseoretornoda manifestaodomovimentooperriososinaisdequenemtudoiabem.Maistarde,os intelectuais viriam a denunciar o uso do esporte como veculo de alienao.Aesquerdaacabouporconfundirainstrumentalizaocircunstancialcoma condioinerente.Passou-seacrerqueofuteboleraintrinsecamentealienante.[...] Afestaera, por um lado, o oposto do cotidiano,do trabalho, e servia conservao daordem.Poroutrolado,elaseopunhaconscientizao,sublimandoasenergias revolucionrias e, de novo, favorecia o conformismo. (SILVA, 1996, p. 112).Comoanosrebeldes,osanos1960configuramsonhos,utopias,lutaseprticasno-conformistas. Dcada em que os hippies, situados na fronteira entre a utopia holista moderna eodescompromissops-moderno,conviveramcomosguerrilheirosurbanoseos revolucionrios marxistas. Tempos da ditadura militar (ibidem, p. 231). Quemlest,acordadoelcido,prevoquevirianosprximosanospintadoscomoutras tintas. Promete-se o cu e muitas coisas mais. A famlia como unidade referencial j era. O negcio botar pra quebrar. Fazem-se igualmente poltica e festival.A chegada da plula em 1960 provoca um corte no tempo e demarca uma transformao no comportamento. A herana beatnik de desafio ao sistema, as imagens de rebeldia, a alienao, a esttica chocante (cabelos, roupas exticas etc.) personificam uma idia de que o mundo um lugar extraordinrio para se viver, para alm do espao domstico e do ideal burgus que era a famlia. Bagunar o coreto a palavra de ordem nesse imenso parque de diverses, com o sexo livre incluso, mas ainda com discrio, sem levantar bandeira. O lema ser moderno, curtir e ter prazer. Caretas por dentro, ainda que inseridos no contexto por fora.OBrasildocomeodosanos60viviaumdospoucosmomentosdanossahistria emquepudemosveroquechamvamosdeforasprogressistaschegaremmuito prximasdopoderpoltico.Haviaumaarterevolucionriasendodesenvolvida [...]colocandonaordemdodiaaconstruodeumaculturanacional,populare democrtica a servio da revoluo social que acreditvamos estar prxima (DIAS, 2003, p. 27). Em 1968/69, com o AI-5, Costa e Silva d incio ao que viriam a ser os anos de chumbo, os anos silenciosos. 23 2.1.2.2 Anos de chumbo: enquanto corria a barca dos anos 1970 O sonho acabou11. Durante os anos 1970 o Brasil vive o paradoxo: (1) o apogeu do orgulho patriticoalimentadopeladitaduramilitar,prevalecendoosideaisdemodernizaoe(2)a vergonha da ausncia de democracia. A explorao da utopia futurista consagra o slogan O Brasil o pas do futuro como uma ideologia.Os artifcios e os mecanismos de obscurecimento manipulamo real. A viso de intelectuais a de que se aproveita a euforia do tricampeonato na copa de 1970 para encobrir atrocidades, tortura e caa aos intelectuais de esquerda, militantes comunistas e guerrilheiros urbanos.otempodemobilizaoparasecantarprafrenteBrasil,salveaseleoenoventa milhesemao....Acatarse,aglriaeaunidadenacionalressoamnosquatrocantosdo pas, consolidando imagens e representaes que servem aos interesses das elites. Coroam-se aspromessasfeitasnadcadaanteriorsobaglriaverde-amarela.Ofutebolcatalisaa convergncia, funcionando como elo de ligao afetivo e tranqilizador. Boa parte da populao confirma a utopia futurista, por razes que variam do convencimento genuno ao completo desconhecimento.OBrasil,aindaqueaplenasacralizaodofuturismotenhaocorridonoincioda dcada de 1970, atravessou a ditadura e o caos sem vacilar quanto a uma convico gestadanosdiasdeliberdade.Aexacerbao,pelosmilitares,domito,oua transformao do mito em ideologia, coincidiu com o sentimento popular.Osmilitaresbuscaramnofuturismoocoraodopovo,nicaformadeobscurecer, por tempo determinado, o horror ditatorial (SILVA, 1996, p. 22). Naqueles anos de chumbo no h lugar para propostas radicais e libertrias nos costumes, que dessem relevncia ao aqui e agora. O exlio no fim dos 1960 e comeo dos 1970 silencia a crtica famlia como instituio, enquanto o regime investe na indstria cultural. AcomunicaodaditaduratrabalhafirmementeimagenscomoBrasil,ame-ooudeixe-o, Este um pas que vai pra frente etc. Invade a indstria cultural uma linguagem coloquial, voltadaparaosdramasdaclassemdia.Palavrastaiscomodesbundarepiraoso incorporadas ao vocabulrio cotidiano, sugerindo que o discurso se fazia acompanhar de fatos e atitudes. Por um lado, representaes docotidiano a servio da criao de novos modelos, deumafachadadeBrasilquesemoderniza,poroutro,representaesquesoentendidas como desafio ordem estabelecida. Nesse sentido, a cultura de massa tornou-se ela mesma, a razo do processo de modernizao. A indstria cultural , portanto, sustentada pela ideologia

11 Declarao de John Lennon revista Rolling Stones apud Dias (2003, p. 34). 24 do poder autoritrio institudo e possui caractersticas prprias, comuns aos pases capitalistas, de desenvolvimento tecnolgico. Acontraculturaabriafogocontraaespciedemorteemvidaproduzidaporuma sociedadeondeimperaototalitarismotecnocrtico.Sistemascomumaintegrao organizacionalperfeitaeumexrcitodeespecialistastcnicosparaexplicarcomo deve funcionar a vida, da poltica educao, do lazer cultura como um todo, onde at os impulsos inconscientese at mesmooprotesto contra a tecnocracia tudo se torna objeto de exame e de manipulao puramente tcnicos (ibidem, p. 75). Entretanto, conforme Dias (2003), uma espcie de fossa generalizada se estabelece, e a faixa dos que correm margem alarga-se.Odiscursojnoeramaisideolgicocomonosanos60,erompercomaclula-materdasociedadeautoritriatambmdeixavadeserumsloganaqueseaderia atravsdegrupos,partidosoumovimentosdemassa.Cadaumnasua [...].Tnhamos razes de sobra para ser do contra. O alvo bvio no era a ditadura e, sim,aclassemdiaquelheserviadebase,solidamenteincrustadaemseu conformismo,necessidadedeseguranaemoralismo,felizecontentecomseus eletrodomsticos,apostandoagoratodassuasfichasno milagre doDelfim,entregue aumconsumismovoraz,carrozero,TVemcores,casanapraia,aesnabolsa... (DIAS, 2003, p. 55-70). Amesmaautoraconfiguraajuventudedosanos1970comoperdidaentreumainfncia permissivavividanosanos1960demuitaspromessaseaidadeadultaodiosamente conformistaimpostapelos anos de chumbo.No lugar do coletivo entrou o individual na assim chamada dcada do eu, e a vida cotidiana foi o foco privilegiado da arte e da cultura (ibidem, p. 86). A grande misso ser capaz de transformar a prpria vida. Pellegrini (1996) fala de um vazio cultural experimentado no incio dos anos 1980, em que sebuscadissiparanvoacinzaquepairasobreadcadaanterior.Aqueleltimodecnio apresentava-se enigmtico e incompreensvel em suas contradies, por parecer envolvido na densa bruma do contexto histrico e poltico que o marcara. [...] os anos 1970, na verdade, iniciaram-se com o AI-5, em 1968, e terminaram com aanistiaeaabertura,em1979,caracterizando-se,assim,comoumperodo francamentemarcadopelamilitarizaodoEstadoeportodasasconseqncias resultantesdessefatoparaavidaeconmica,poltica,socialeculturaldopas (ibidem, p. 5). Convive-secomimagensbastantediversas:Napsicodeliadosanosloucos,aambigidade sexual e vastas cabeleiras confundiam os papis, indicando o declnio do macho (ibidem, p. 89). 25 O movimento dos hippies pacifistas - tipos muito estranhos cheios de smbolos e flores - e o imaginrio psicodlico12 drogas, viagens astrais, vnis, a Era de Aqurio - confundem-se em siecomoimaginriopoltico,dalutaarmadaedototalitarismo,queaparentemente correspondeaoutrouniverso.Asimagensassociadasaomovimentohippietomacontornos inusitados:paz,amoreflorsoosequivalentesdesubverso,proxenitismoedrogas, construindorepresentaeseforjandoumimaginriosocialemqueseestabelecem antagonismos. Revoluosocialversusrevoluocomportamental.Caminhosqueseexcluam quemfossedeesquerdanodeveriausardrogas,umacoisadealienado;enquanto paraohippie,polticaeraumjogosujoedesprezvel,eagrandemissoera transformar a prpria vida (ibidem, p. 102). Dias(2003,p.160-161)resgataoquejulgaseremasalternativaspossveisemmeioao contexto vivido:Deixarrolaroudeixarsangrar?Paraquemficounopas,dispostoabotarpra quebrar, s existiamduas possibilidades: curtir o barato da descoberta de si mesmo e fazer sua revoluo comportamental, semscriptprvio; ouroer o prprio fgado e noveroutrasadasenovirarguerrilheiro,entrandodesolanacontra-revoluo armada, com previsvel script final. Osdesbundadossacreditavamnoprocessoindividualcomosada,nabuscado revolucionar-se; j os guerrilheiros reprimiamossentimentospessoais, seguindo um rgidomanualdecondutaquedesvalorizavaasquestesindividuaisemproldo coletivoedeumarevoluosocialqueviria.Eoorgasmoficavaparadepoisda revoluo. Osqueoptamporumaposiointermediria,conformeDias(2003)supe,fazem-no geralmente pela integrao ou subordinao ao modelo autoritrio institudo, visto que formas de resistncia s h duas. Em depoimento a Dias (2003, p. 164), Fernando Gabeira descreve uma representao que d uma dimenso pica militncia armada: Osonhodemuitosdenseraodepassarlogoparaumgrupoarmado.Emnossa mitologiaparticular,conferamosaosquefaziamestetrabalhotodasasqualidades domundo.[...] Dizamos, claro, que todotrabalho era importante, mesmo o mais humilde.Masissonobastava.Osjornaisestimulavamnossasfantasias.Eram descriesmirabolantes:jovenscomnervosdeao(aindasaamosnaspginasde polcia);lourasquetiravamumametralhadoradesuascapascoloridas.Claro,voc ri.[...]Masafantasiatrilhacaminhosquenosecontrolam[...]Imagine[...]voc fazendoumassaltocomnervosdeao,dormindocomalouraqueinterceptouo carrodaradiopatrulhacomumarajadademetralhadora,depositandooseu revlver Taurusnamesinhadecabeceiraedizer:Dormeempaz,meubem,quedentroem breve o Brasil ser socialista.

12TermocriadoporTimothyLearyporvoltade1960,comosignificadodeexpansodaconscincia. Originalmenteerausadoemrefernciasdrogasalucingenasedepoispassouatraduzirtodasassensaes, em especial vises coloridas, experimentadas pelas pessoas sob o efeito das drogas (DIAS, 2003, p. 142). 26 Entretanto,tambmnessadcadaocapitalismoentraemrecesso,combaixastaxasde crescimentoealtastaxasinflacionrias.NoBrasil,acrisedopetrleodesfazamagia,ea classemdiav-sediantedeumarealidadediversadadecantadaprosperidadeedas promessasdosprimeirosanosdadcadade1970.Acoisacomeaaficarpreta,ea expressocriseeconmicaentrounocotidianodopascomosintomaprincipaldeuma doena crnica que se instalava no corao do combalido corpo nacional: a inflao (ibidem, p. 185). Para Silva (1996, p. 113)aseleieslegislativasde1974foramomeioqueosmilitaresencontrarampara simular a democracia [...].Surpresa.O Movimento Democrtico Brasileiro (MDB nicopartidodeoposiopermitido)massacrouaAlianaRenovadoraNacional (Arena), representao oficial. O milagre econmico comeava a afundar em 1973. Diantedacriseeconmica,darecesso,dodesempregoedamisria,nenhuma paixo esportiva conseguiria aplacar a insatisfao. Na viso de Dias (2003, p. 189), o clima j era outro, inclusive para o pessoal do desbunde. Comoventobatendoafavordaaberturadeu-setambmoesvaziamentodasmargens contraculturais.Aindaassimpersistemalgunsdeseuselementos,comoporexemploas drogaseavidaemcomunidadesalternativas,massemumprojetosocialarticulado.As pessoas j se drogam individualmente e comeam um caminho para dentro de si mesmas. Em1979opasexperimentaadecadnciadoregimemilitaredeseuprojetode modernizao conservadora. As utopias marxistas j vivem sob suspeio. O povo mantm-se amalgamado ao seu imaginrio, ao presente de afetos, festas e relaes. ento, conforme expressaDias(2003,p.191),queumfatoinimaginvelcomeoua tomar forma no campo polticobrasileiro:auniodeforasdogovernoedasociedadecivilparaenfrentaropoder dos pores. E a juventude do anos 70 que entra na barca nesse momento, j outra. Afiana Gil(2001)queaprogressivademocratizaoeasaesreivindicatriasdostrabalhadores comeamaserevelarnovamentemaisvisveis.Aslideranasoperriasvoltamcenana negociao dos assuntos trabalhistas. A luta agora j no mais se configura como um embate entre capitalistas e socialistas. Trata-se de um embate entre aqueles que detm o poder e os que no o detm. Quem chega com 20 anos no final dos anos 1970 pega o bonde andando. A viagem de autoconhecimento j tinha sado de moda, e os tempos pediam drogas mais speeds, como a cocana (ibidem, p. 341). A dcadaencerra-se,deixandoparatrsaradicalizaonaliberaodasemoes,bandeira dos libertrios. 27 Osanos1970quehaviamamanhecidohippies,floridoseingnuos,anoitecempunks, agressivos e cinzentos - uma redefinio de mundo, uma representao que se materializa: [...] mundo que, desde ento, passou a ser dividido em termos de regimes totalitrios e regimes livres, assim entendido pela direita e, com alguma dificuldade, aceito pela esquerda;comascrisesqueiamdainflaoaodesemprego;dacrisemonetria crisedeenergia;comaerosodacredibilidadedepersonalidadespblicase instituiesintocadas;comaconstataodequecorrupoeescndalonoeram privilgio de ditaduras latino-americanas [...] (ibidem, p. 343). Maria Paula Nascimento Arajo13(apud DIAS, 2003, p. 347) assim sintetiza aqueles anos: Todageraotemumamarcaespecfica.Melhordizendo,todageraoquetenha tido algum tipo de envolvimento poltico tem a marca dessa participao; algo como umdistintivoquefazcomqueaspessoasquepartilhamdessaexperinciase reconheam[...]amarcadageraodosanos1970parecetersidoadesconfiana emrelaoatodotipodehierarquia;convenesepadresinstitucionalizadosde vida(noquedizrespeitoaformasdeatuaopoltica,modelosfamiliarese processosdeprofissionalizao);aresistnciaaodiscursodacompetncia (identificado com o poder institudo); e, principalmente, uma ateno para a questo da diferena, do indivduo e da subjetividade. 2.1.2.3Dcada maldita: o fim das utopias nos anos 1980 Arrolados como a dcada maldita, os anos 1980 carregam o peso da privatizao do poltico, do desencanto utpico, do fim das ideologias,dos sonhos e da histria. Reconhece-se nesses anosoinciodofim dosculo XX. A dcada,por alguns denominada perdida, marcada porforterecessoeconmica,inflao,elevaodosnveisdedesemprego,reduo proporcionaldossalriose,pelaintensificaodaautomaoatravsdamultiplicaodo nmero de demisses. (GIL, 2001, p. 56). Adcadacoincidecomomomentoderedemocratizaodopas,traduzidonatransio polticaentreaditaduramilitareaprimeiraeleiodiretaparaarepresentaomximada nao.Entretanto,noseufinal,convive-secomumBrasilmarcadopelasjurasdecaa obstinada aos marajs e com o resgate de promessas num governo com marcas populistas.Osltimosanosdadcadaabremumaperspectivaapsosilncio:ajuventudedapoca empurradaemdireo reconstruo de uma outra viso de mundo e escolha deartefatos para express-la. Gil(2001)relataqueseobserva,nasorganizaes,osurgimentodasnovastecnologias gerenciaisvoltadasparaareduodecustoscompessoal,processoseoutrasdespesasde

13ARAJO, M. P. N. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na dcada de 70. apud DIAS, 2003, p. 347. 28 gesto.Popularizam-senadcadaconceitoscomodescentralizao,downsizing, reestruturao, reengenharia, empowerment, gesto japonesa etc. O momento pois caracterizado como sendo da Gerao X, jovens adultos e adolescentes que se iniciam na aventura da descoberta de um espao mais amplo que se estenda paraalm do familiar,deumespaopolticoesocialaserconquistado.Hnecessidadedeseconstruir novasimagensenovossignificadosparaoprivadoeopblico:emcertamedida,uma expectativa de retomada. Vargas(1999)salientaqueaanlisedadcadamerece,entretanto,umcuidadomaior, sobretudonotocanteaossujeitosimplicadoscomessemomentohistricoespecfico.Na visodoautor,temerrioeinjustoafirmarqueajuventudedosanosoitentaseconfigura comoimplicitamenteaptica,passiva,alienadaeincapazdecriticarconsistentemente.Ele toma uma direo que desemboca no comparativo entre os paradigmas utpico e ps-utpico, dando relevo a rupturas que configuram essa passagem. Silva(1991)14recorrendo-seaMaffesoliexplicitaqueosanos1980seconfiguramcomo marcorepresentativodatransioparaaps-modernidade,oqueimplicaamortedetrs utopias seculares: a aposta no futuro, a f na ideologia do trabalho e o apego ao prometesmo, smbolodaproduomoderna.Decorreentoque,aosepensarnasnovasmodalidadesde convivncia e interpretaes de mundo, no se pode prescindir de uma compreenso do que se convencionou chamar de paradigma ps-utpico. Portanto,aafirmaosimplistadeque,noqueserefereespecificamenteaoBrasil,agerao que nasceu e se formou sob a ditadura militar desaprendeu a capacidade de criticar o sistemadominanteeoptouporumescapismohedonista,conformistaealienado deve ceder lugar a uma anlise ampliada do fenmeno da ps-modernidade e de suas implicaes para a reorganizao da esfera scio-poltica.Aidia de que a superao do ideal ps-utpico tem como contrapartida obrigatria oconformismoeacriticismomerecesermelhoravaliada.(VARGAS,1999,p. 186). Como faz Vargas (1999) com base na etimologia da palavra utopia do grego u-topos, o no lugar-,possvelverificarqueopensamentoutpicoremeteaumtempoimaginriode uma era de ouro ou a um futuro livre dos males, mas nunca ao aqui e agora. , portanto, um embate entre presente e futuro, conforme visto quando se discutiu o conceito de imaginrio,

14 SILVA, J. M. A misria do cotidiano: energias utpicas em um espao moderno e ps-moderno, Porto Alegre: Artes & Ofcios, 1991, p. 21. apud VARGAS, 1999 p. 185-186. 29 entendido nesse caso como o paradigma utpico e ps-utpico, ou, melhor ainda, um embate entre as representaes predominantes nesses dois lugares. Vargas(1999)destacaemseutextoalgunselementoscontestatriosdoquechamauma anlise simplista dos anos 1980. Atenta para o fato, por exemplo, de que at aquele momento o pensamento utpico privilegiava o futuro, um depois, sempre esperado, alm de considerar forosoafirmarqueacrisedeideologiasedasenergiasutpicasconstituifenmeno internacional e no somente circunscrito no contexto scio-histrico brasileiro.Aps-utopiaconfigurariaomomentodapresentidadeouagoridade,lanandoporterraa crena na linearidade da histria, a iluso do conhecimento histrico objetivo, a noo de que ojogopolticoconstituiamelhorformadeconstruoetc.Combaseemautoresbalizados, Vargas(1999)localizaaorigemdessatransformaonosmovimentosdajuventudeurbana europiaeamericana,dosanos1960,queerigiramoespontanesmocomoformade contestao,exigindoaliberaohedonistadocorpo,eentronizaramarevoluono quotidiano dos comuns. Oautorcontinua,discutindoqueoparadigmaps-utpico,almdealterarapercepoe representaodotempo,reavaliaanoodosespaos(pblicoeprivado)eovaloraeles atribudo. O espao pblico encerraria o lugar da utopia, o desejo de construo de um lugar ocupado de forma igualitria. Assim,oidealdemocrticocedeespaoaumidealcomunitriorenovadonasltimas dcadas,decorrenteemgrandepartedareediodeantigosvalores.Suasmarcasseriamo cotidiano, o localismo, o presente, o passional e o imaginrio.Osentimentocoletivorevitalizado,agoradeumaformafamiliarizada,mediante a exaltaodeumtempopresenteedeumespaoprivado,ododomstico,do cotidianoexperienciado,dasaessemqualidade,dasrelaesdevizinhana,das afinidades das turmas e tribos de bairro. Essa restrio temporal e espacial das aes individuaisnorepresentaria,contudo,ummergulhocegonoindividualismo acrtico, passivo e desinteressado (ibidem, p. 190). Ainexistnciadoobjetivocomum,associadaaovnculohedonistaetribal,atualizapara Vargas (1999), uma solidariedade de outro tipo, interiorizada, familiar, relacional e orgnica, marcadapelosentimentalismo.Ofimdasenergiasutpicastoma lugar, ento, na afirmao do tempo presente e do espao privado, em substituio projeo futurista e messinica. Outro aspecto importante no tocante ao imaginrio relativo aos anos 1980 diz respeito ao que Marra(1999)chamade viradaneoliberalna Amrica Latina, situada entre os anos 88/90. A marca:ascensoconcomitantedegovernantes(Salinas/Mxico,Collor/Brasil, 30 Menem/Argentina, Perez/Venezuela e Fujimori/Peru) que tm em comum o fato de no terem confessadoemcampanhaoqueefetivamentefariamdepoisdeeleitos,implementando exatamente o oposto do que propalaram.LanandomodasidiasdeWerneckSodr,aautora(ibidem,p.120)referendaque,no Brasil em particular, a vitria neoliberal se deve ao sucateamento das universidades pblicas, alienaodeextensasreasculturaise,acimadetudo,grandeofensivadamdia, intensamentemobilizadaparaacruzadacontraoquepossumosdenacional.Econtinua, refletindoqueconceitoscomonao,ptria,Estado,soberaniaetc.sodepreciados,oque almdosfracassossucessivosdeplanoseconmicos,dadescrenanoEstadoeda desmoralizao crescente da poltica e dos polticos, acerta em cheio a auto-estima do que nacional.OmitodomercadotomaforaemdetrimentodoEstado,exigindoumareviso constitucional antes mesmo que leis complementares sejam elaboradas, a fim de ajust-la ao pensamento neoliberal. nos anos 1980, ento, que o Brasil se reencontra com a democracia formal e entrega-se ao presente.Ofuturoutpicoperdeaaurademagiaefascnio.ParaSilva(1996,p.149),para que se compreenda a gerao dos caras pintadas , precisoevitar-seoerrodacontraposioalienao/no-alienao.Afirmarqueos jovensbrasileirosapresentaramaprovadesuaconscientizao.[...]Emvezda refutaododiagnsticododesacatamento,dadespolitizaoedapassividade,a juventudeativououtradinmicadeprticasocial.Ano-alienaoconsiste,na vertentehegeliano-marxista,naexpressodeumaidentidade,deumaessnciaem movimento, de um compromisso em processo de finalizao.Entretanto,avisodeSilva(1996,p.150)adeque,contratodososargumentos,ano sistematizaodeumaatuaopolticatomaforma,naqualofragmentrioeaculturado sentimento pesam: os jovens estiveram nas avenidas, pressionaram as autoridades, jogaram no espao pblico, embaralharam as cartas e, como vieram, partiram: espontneos, coloridos, eclticos e descomprometidos.E conclui: Apassagemdofuturismoaopresentesmonosignificaafundaodoparasopela desistnciadeprocur-loemumtempovindouro.Desumano,oBrasildamisria produzumimaginrioespetacular,decriaoemaleabilidade,queomundops-industrialdesconhece.AverdadeirautopiaseriaaconstruodeumBrasiljustoe orgulhoso de seu estilo barroco (ibidem, p. 153). Nos grandes centros urbanos assiste-se ao surgimento de espaos de jovens, de tribos e de bomios que se ligam pelo quotidiano e pelo comum, sem elos e com esperanas no amanh. A geografia compe-se pelaocupaodeespaosreaisedeimportnciasimblica,naausnciadeprojetosmonolticos. Presentes esto os ideais efmeros, os laos frouxos, importando mais a afetividade implcita do que a 31 permanncia, a lealdade e o compromisso em longo prazo, a busca de prazer intenso no possvel e a adoo da trivialidade como elemento de aproximao. Oimaginriosocialumadasrespostaspostuladaspelacoletividadeaosseusprpriosproblemas. Sendo assim, bom que se recorra a Silva (1996, p. 11) para compreender que osbrasileirosnosoatoresinterpretandopapisprevistosemroteirosconcebidos deantemo.Tampoucoproduzemahistriacotidianaemcompletadependnciade um imaginrio. A mo-dupla entre o pensado, sonhado, idealizado, introjetado como valor mtico ou fundado e o realizado abre ao pesquisador o corao do social. Nessa vertente de entendimento, o autor analisa que a idia expressa em O Brasil o pas do futuro,seesgotara.Acrenanofuturoredentor,orgulhodeumapopulaopolicultural, perderaacapacidadedeunificar,seduzireiludir.Antesseconfundiamfuturismo,mito, fabulrio,ideologia,projeesesonhos,fazendodesabarsobreopasorealismoe empurrandoosbrasileirosparaaconstruodeseupresente.Emresumo;existiunoBrasil at cerca de 1985 um mito, umsonho, uma fantasia e mesmo uma certeza: o futuro faria do Brasil a locomotiva do mundo (ibidem, p. 14). Vargas(1999,p.192)deixa,enfim,adescriodeumaimagemquesupostamente representariaageraodosanos1980,utilizando-sedaexpressoanjosdecadospara simbolizar um grupo social que compartilha grau etrio semelhante e que, tendo perdido a f noparasoutpico,fincapnumpresentecontraditrio,injustoeviolento,umpresente saturado de apelos consumistas, de signos de rotao e de revolues por minuto; presente, no entanto,quetambmotempodafesta,dojogoestticoeexibicionista,dasgrandes efervescncias[...]dafruiopermanentedoaquieagoraemumespaocrescentemente privatizado. 2.1.2.4 Frgil democracia: as instabilidades e a transio nos anos 1990 Quandosedirigeoolharparaanalisaroimaginriosocialdosanos1990,depara-secom indcios tanto de continuidade quanto de rupturas. Constatam-se a convivncia concomitante dovelhoedonovo,prpriaatodasociedadeemtransformao,eumapluralidadede posiestericasepolticasqueapontamtendnciasotimistasoupessimistasconformeo caso. Profundas transformaes polticas e econmicas marcam o incio dos anos 1990 - pelo menosesseoviscomoqualGil(2001)oenxerga.Seusargumentossoarrolados: 32 esfacelamento dos estados comunistas do leste europeu, unificao alem, fim Guerra Fria. Ocorrncias que no s se reflem diretamente no mundo todo, como tambm consolidam ou reafirmam a hegemonia americana, tanto poltica quanto militar. presente nos anos 1990 a imagem de exuberncia, sobretudo para uma realidade americana, mas que em certa medida afeta a conjuntura da Amrica Latina, em especial do Brasil.Stiglitz(2003)salientaqueadcadaemqueasfinanasreinamabsolutas.Durantetodaa dcada o crescimento econmico americano se mantm, a inflao permanece sob controle, e os nveis de desemprego so os mais baixos do mundo. Nosexuberantesanos90,ocrescimentoatingiunveisnovistosemumagerao. ArtigosdejornaleespecialistasproclamaramquehaviaumaNovaEconomia,que asrecesseseramcoisadopassadoequeaglobalizaotrariaprosperidadeparao mundotodo.Masnofinaldadcada,oquepareciaseroalvorecerdeumaera passouaassemelhar-semaisemaisaumdaquelesbrevessurtosdeatividade econmica[...]seguidoinevitavelmenteporumcolapso,quemarcaramo capitalismo h duzentos anos (STIGLITZ, 2003, p. 33). Conformeconsideraesseautor,noeraoqueseesperava,porqueomundojnomaisse dividiaideologicamente;podianoserofimdahistriamas,pelomenosporunspoucos anos,confiou-sequeeraoinciodeumanovaera.Noeraapenasocapitalismoque triunfara sobre o comunismo; a verso americana do capitalismo, baseada em uma imagem de individualismo rude, parecia ter triunfado sobre outras verses mais brandas (ibidem, p. 34).ANovaEconomiatinhacomoseuepicentroaspontocom,queestavamsupostamente revolucionandoaformadesefazernegcios:mudanadeumaproduodebensparaa produo de idias. Processamento de informao, no mais de pessoas e estoques.Os primeiros sinais de que algo no ia bem foram aparecendo no mundo no final da dcada, inclusivenoBrasilde1999.NavisodeStiglitz(2003),agrandelioaseraprendidade tudo isso que preciso haver equilbrio entre o papel do governo e o dos mercados.Entretanto,oqueimportanodiscutirpormenorizadamentearealidadeeconmicaou mesmoosboomsecolapsosdocapitalismomoderno.Oqueinteressa,evidentemente,o processamento do resgate de uma imagem presente no imaginrio dos anos 1990 que tambm repercute na gerao que viveu e vive sob essa gide. Apsalutainglriacontraosndicesinflacionrios,arecessoeodesempregodadcada anterior, iniciam-se no Brasil dos anos 1990 as iniciativas de integrao ao mercado mundial. A economia abre-se para o capital externo, e, na viso de Gil (2001), tal fator contribui para o aumentonovolumededemisses,atque,domeiodadcadaemdiante,seobtma 33 estabilidade monetria (Plano Real), mesmo que desacompanhada do crescimento econmico e do nvel de emprego. Um fenmeno bastante importante, continua o autor, foi a migrao de grandecontingentedeprofissionais para omercado informal. O foco reivindicatrio passa a ser, ento, a preservao do emprego atravs de um movimento sindical arrefecido. Em suas consideraes, Gil (2001) confia que, ainda assim, o poder dos trabalhadores no pode ser de tododesconsiderado,vistoquetantogovernoquantoempresriospassamaseutilizar intensamente da expresso pacto social. O discurso poltico das lideranas sindicais tambm se modifica e passa a ser dedicado a causas sociais.NoBrasil,napassagemdosanos1980paraosanos1990,convive-secomumaimagemno mnimo desconcertante: Tudo o que os guerrilheiros e militantes sixties no obtiveram, apesar da paixo e da disciplina,osgarotosde1990alcanaramcomespalhafato,criatividadeenenhum projetodelongoalcance.[...]Alheiossutopiasmarxistasoulibertrias, desinteressadosdeguerrilhasoudapolticapartidriaoudetendncias[...],os rebeldeslanarammodeumaarmaestranhaaoarsenaldosantecessores:ohumor (SILVA, 1996, p. 146) EmSousa(1999,p.9)localizam-secrticasassociaoautomticaquesehabituoufazer entre juventude e representao de imagens de esperana, desejo de justia, portadora mpar deutopiasouprojetosdetransformaodasociedadeexistente.Nacondiodeeloentreo passadoeofuturo,caberiaaelaserfocodamudanadolegadosocialpelainvenodo futuro. Aautoraanalisaoresgatedautopianosanos1990atravsdaretomadademovimentos sociais e da militncia poltica de jovens. Ela tem o cuidado, entretanto, de no se afastar da representaopredominantee,arrisca-seadizer,unnimedaculturabrasileiracomo fortementeautoritria.Outrocuidadodesuaparteconsiderarosefeitosda internacionalizaodaeconomiasobreasubjetividadecontempornea.Evita,ainda,olugar comum de atualizar modelos prprios aos movimentos estudantis ou manifestaes de rua que ocorreramquandodoimpeachmentdopresidenteCollor.Seuesforo,aocontrrio,todo dirigidonosentidodeconstruirargumentosqueconfirmemqueoscontedosdasaes coletivasdosjovenshojenosignificamnemretrocessonemavano,masoquepossvel historicamente sua gerao ser portadora (ibidem, p. 14). Posto isso, se, ao analisar o imaginrio presente na atualidade relativo liderana ou relao comaautoridade,selevaemcontaotrajetopercorridoataquipelasltimasgeraesde adultos, no se exige muito esforo para compreender que a marca do autoritarismo ainda se 34 revelafortementepresente,sobretudoquandoseconsidera,comofazSousa(1999),queo autoritarismotemseufundamentomaterialemrelaesdedominaoedesigualdades sociais, expressas de mltiplos modos e que transformam a vida das pessoas e a cultura. Nessa perspectiva,eladestacaqueaprpriarazoqueorientaaeconomiaessencialmente autoritria e, nesse sentido abrangente. Oautoritarismo[...]colocadoemquestoquandoconsideramosqueaconstruo dacidadaniaempasescapitalistasrevelaaimportnciadaraizhistricacomo elementoconstitutivodaculturaedocomportamentopolticodeumpovosobreo qual atuou e atua a reificao social (ibidem, p. 58). seguindo esse percurso que Sousa (1999, p. 93) caracteriza os movimentos sociais presentes na dcada de 1990 como aes coletivas que preservamumcomportamentosocialderesistnciaedelutaantiautoritriacomo ponto comum, mas adquirem a fragmentariedade prpria da sociabilidade em que se desenvolveram,tornandoavisibilidadedasaesdasconquistaslimitadaaseus aspectos localizados, em razo da enorme complexidade que as relaes assumiram. Portanto,sooutroselementosqueconstroemestasrelaes:apluralidade,a distopia,aspreocupaescomasmicrocorrelaes e com as solueslocalizadas, e que ainda carregam a incgnita quanto aos horizontes que podero alcanar. E,paraseuentendimento,nosepodeprescindirdevariveisquemarcama contemporaneidadecomoaviolncia,amisria,afaltadecidadaniaeacarnciade democracia. O Brasil dos anos 1990 convive com imagens revivificadas de populismo e de tendncias de personalizaoeespetacularizaodoslderespolticos,comavisodogovernantecomo salvadorcarismticoecomasacralizao-satanizaodapoltica,associando-sesemprea essaltimaimagensnegativas.Ateatralizaodopoderreduzapopulaoaespectadores, processando a troca do pblico pela publicidade, implicando no descomprometimento com o bem comum. A crise do Estado acentua-se, bem como o descrdito na poltica e no poltico; a internacionalizaodaeconomiaeareestruturaoprodutiva,quesupostamentedeslocaa decisoparaabasedaproduo,vinculam-se,ainda,comestruturascentralizadas., portanto, a convivncia do velho com o novo. Tudo isso marca o imaginrio social e o cenrio dosanos1990,trazendoemseubojocontradieseincertezas,ocompartilhamentoda diluio de referenciais.Aosedizerqueasociedadebrasileiraautoritria,pensa-seemdeterminadostraosgerais queserepetememvriasesferassociais,dafamliaaoEstado,passandopelasrelaesde trabalho, escola e cultura. Vive-se, sem que se tenha uma conscincia clara de que a sociedade verticalizadaedequenelaasrelaessodecumplicidadequandoossujeitosse 35 reconhecemcomoiguaisedemando/obedinciaquandoessesmesmossujeitosse reconhecemdiferentes,numarelaonosdeassimetria,masprincipalmentede desigualdade.O que ocorreu a partir dos anos 1990, na concepo de Teixeira (1998, p. 182) que osbrasileirosconheceramdepertoocenriodo qual apenastinham ouvido falar. O desempregoestruturalapresentou-seapartirdaaberturadasfronteirascomerciais. Oscortesdepessoalantescclicoserelacionadoscomaquedadefaturamentodas empresaserampequenosdiantedosquecomearamaserpromovidosnoincioda dcada de 90. Acresce-seatudoissomaisumelementoimportanteaserconsideradonotocanteao imaginriogeracionalqueconsistenaindagaosobreaestabilidadedaconstruo democrticaemprocesso,iniciadaapartirdosanos80,principalmenteporquesetratade refletir sobre a relao entre o poder civil e o militar. No raro depara-se com afirmaes em jornais ou em livros acadmicos de que a democracia brasileiraestconsolidada.Ademocraciabrasileirafrgil,pelomenosnavisode Zaverucha(2000).Baseadonatesedequeosmilitares s esto parcialmente submetidos ao controle civil, o autor confia que as Foras Armadas no tm o peso no poder como no regime autoritrio, estando porm ainda distante a sua subordinao ao poder civil. Considera que o fimdosregimesautoritriosnaAmricaLatinadeulugaraosurgimentodegovernos democrticos, como se sabe, no sentido de que se assegurou a escolha direta, livre e peridica para os cargos executivos e legislativos. Alm do que o Congresso e os partidos, bem como os sindicatosfuncionamnormalmente;noexistecensuraestatalnamdiaehliberdadede associaes etc. Contudo, o respeito s eleies per se e a prpria existncia delas no podem ser entendidos como consolidao democrtica.[...]ainstabilidadepolticacontinuaaexistiremumcontinenteondecoexistem democraciasproceduraiscompopulaessocialeeconomicamentemarginalizadas, tbiasinstituiespolticas,altosnveisdeviolnciaecorrupo.Ademocracia nestespasespermanecedeummodogenrico;contudo,noseconseguecriarum ethos democrtico. Masoquevema sercontrolecivil sobre os militares?Trata-se da capacidade de as autoridadesconstitudas(Executivo,LegislativoeJudicirio)easociedadecivil organizada(sindicatos,associaes,imprensaetc.)limitaremocomportamento autnomodasForasArmadas,eliminando,porconseguinte,enclavesautoritrios dentro do aparelho do Estado (ZAVERUCHA, 2000, p. 11). Para o mesmo autor, os militares brasileiros mostram-se satisfeitos em no ter de carregar o nusdesergovernoe,simultaneamente,usufruemobnusdeserpoder(ibidem,p.11). Alm do que, no Brasil, pela ausncia de um lder militar proeminente, o poder exercido de 36 forma mais sutil. O autor recorre a Desh15, e registra que h uma excessiva presena militar nosistemapoltico.Ouseja,adoutrinamilitaraindadeterminaquais,ondeecomoos recursos militares sero usados. Essas afirmaes, bom que se diga, fazem aluso aos governos de Fernando Collor, Itamar FrancoeFernandoHenriqueCardoso,compreendendoaanlisedoperodoentreosanos 1990 e 1998.Um outro elemento importante o fato de Dahl16 ao classificar o Brasil como uma poliarquia, no menciona dentre os critrios usados, a necessidade da existncia do controle democrtico sobre os militares de uma populao livre de violncia arbitrria por parte das polcias ou de uma justia imparcial no tratamento dos civise militares. E o mesmo Zaverucha (2000, p. 14)queconclui:umademocraciapoltica(poliarquia)podeexistirsemumcontrolecivil sobre os militares; contudo, um regime democrtico requer este tipo de controle.AanlisedeZaverucha(2000)serveaopropsitodesedarrelevnciacaracterizaode uma natureza latente do poder militar, num esforo de se obter entendimento sobre o quanto da presena do poder autoritrio no imaginrio contemporneo encontra eco no real.O autor argumenta, enfim,queCollor,enquantoestevefortepoliticamente,foiopresidentecivilquemais fustigouosinteressesmilitareseporisso,dentreoutrosmotivos,nocontoucoma caserna quando precisou de apoio para evitar sua defenestrao. Itamar, por sua vez, mostrou-setosubservienteaosmilitaresquantoJosSarney.JFHC,emborano apresenteasubservinciadeSarneyeItamar,mostrou-sedisposto,freqentemente, a compor politicamente com os militares (ibidem, p. 16). Emsntese,recorrendo-seaAbramo(1998),tem-seque,nadcada1960eempartedade 1970,aimagemconstrudaparaajuventudeassumeumaconotao,poca,dejovens ameaandoaordem,nosplanospoltico,socialemoral;dejovensquecomumaatitude crticaordemestabelecida,desencadearamatosconcretosvoltadostransformao: movimentospacifistas,estudantisedeoposioaoautoritarismo,rejeiotecnocraciae outras formas de dominao,contracultura e movimento hippie. Somente muitos anos depois queessaimagem,principalmentearelativajuventudedosanos1960foireeditadano imaginrio social, plasmando-se como idealista, generosa, criativa, que cometeu a ousadia de sonhar e comprometer-se com a mudana social.

15 DESH, M. C. Soldiers, states and structures: the end of the cold war and weakening U. S. civilian control in Armed Forces & Society, v.24, no 3, Spring, p. 389-406 apud ZAVERUCHA, 2000, p. 12. 16 DAHL, R. A . Democracy ands. Its critics.New Haven: Yale University Pressapud ZAVERUCHA, 2000, p. 12. 37 Nosanos1980,continuaAbramo(1998),emfortecontraste,ajuventudeassumeuma simbologiapatolgica,porqueopostadosanos1960:individualista,consumista, conservadora, indiferente aos assuntos pblicos e aptica, tudo isso associado ao pragmatismo e falta de idealismo e de compromisso poltico. E, por fim, dos anos 1990 at a atualidade, a visibilidade do jovem muda. Agora a presena deinmerasfigurasjuvenisnoespaopblicoquesurpreendeemsuasaescoletivasou individuais.Porm,algumasdessasaescontinuammarcadaspeloindividualismoepela fragmentao e agora vm acompanhadas de violncia, desregramento e desvio (meninos de rua, arrastes, surf ferrovirio, gangues, galeras e puro vandalismo).Uma vez tecido um panorama global da conjuntura sobre a juventude que viveu, construiu e materializouoimaginriorelativoautoridadeerelaocomosmodelosdeliderana presentesquernafamlia,quernaescola,napolticaetc.,pretende-secompreenderum pouco mais pormenorizadamente, na seo seguinte, em que se constituem de fato as geraes equelimitesasdeterminam,bemcomocaracterizaras trs ltimas geraes de adultos que foram jovens um dia e suas respectivas representaes. 2.2Das geraes17 e das imagens sobre autoridade Acronologiainiciadapeloanodenascimentoeasdiferenasetriassituam-seentreosmais elementaresparmetrosdeterminantesdodestinoedavidahumana.Nasociedadehumana,a transio biolgica, marcada pelas diferentes fases etrias, condiciona-se, obviamente, a definies culturais e constitui uma base para a definio dos seres humanos, para formao de atividades e relacionamentos mtuoseparaasdiferentesdistribuiesdospapissociais.Emboraasignificaodas diferentesidadeseaextensoelimitesdasidades,queformamcategoriasetrias relativamenteunitrias,variemdeumasociedadeparaoutra,noconhecemosnenhuma sociedade que no distinga as vrias idades e no as defina por meio de normas e valores de suatradiocultural.[...]Ascaractersticasdeumgrauetrionopodemsertotalmente compreendidas,excetonasuarelaocomascaractersticasdeoutrosgraus (EISENSTADT, 1976, p. 2-3).

17VELHO,O.G.Gerao.In.FUNDAOGETLIOVARGAS.DicionriodeCinciasSociais.Riode Janeiro:FGV,1986apudSchmidt(2001,p.88)destacaqueoconceitosociolgicodegeraopodeser entendido em quatro sentidos distintos: [...] (i) conjunto de todos os membros de uma sociedade; ii) conjunto dosdescendentesdomesmoprogenitorouprogenitores;iii)conjuntodosindivduosquenasceram aproximadamente na mesma poca; iv) perodo entre o nascimento dos indivduos nascidos na mesma poca e suaprole.E,emconformidadecomries(1997),otermorecebeaconceituaode[...]umapopulao relativamentehomognea,quecorrespondeaoshomensesmulheresnascidosnoespaodeumavintenade anos [...]. 38 Assim, as definies culturais relativas a cada grupo etrio distinguem-no em seu conjunto de caractersticas bsicas, no obstante a variedade de detalhes passveis de enumerao em cada indivduo que o compe. Um grupo etrio usualmente definido em termos amplos como umtipohumanogeralenocomoqualquertraooupapelespecfico,pormenorizado (ibidem, p. 2). Alm de, em certa medida, serem culturalmente atribudas a determinada idade atividadesespecficas,servemprincipalmentecomoexpressessimblicaserituaisdeum padro de comportamento mais abrangente.Uma definio cultural de uma faixa etria ou de uma gama de idades sempre uma ampladefiniodepotencialidadeseobrigaeshumanasnumadadafasedavida. Noumaprescrioouexpectativadeumpapeldetalhado,masdedisposies gerais,bsicas,nosentidodasquaispodemserconstitudos papismaisespecficos e s quais eles podem ser atribudos (ibidem, p. 2). As definies institucionais em uso convencionaram chamar de jovens aos que se situam entre os 15 e os 24 anos. Com esse parmetro possvel, pelo menos cronologicamente, supor-se o que vem a ser um adulto. Portanto, o recorte geraes, alm de poder ser entendido como uma categorizao, carrega consigo uma conotao ideolgica, visto que se associa regularmente a significados, valores, expectativas e grau de importncia relativa de cada segmento etrio, quer na viso individual ou coletiva. As expectativas de papel ficam, pois, condicionadas a esses artefatos culturais e esto inseridas em cada segmento etrio numa relao recproca que lhes d sentido. Ou seja, as caractersticas de uma determinada gerao e as expectativas de papel18 a elas relacionadas spodemsercompreendidasnumcomparativosoutrasgeraes,emseuscontrastese semelhanas e, tambm, em uma viso de continuidade, ante a qual se torna possvel obter um mapa total das potencialidades humanas. Depreende-se, portanto, que igualmente para a sociedade e para os indivduos a distino por categoriasetriascumprefunoprimordialparaoindivduo,estabeleceparmetros necessriosintegraoeauto-identificao;paraosistemasocialconstituielemento essencial sua estruturao. bemverdadequecadaculturaestabeleceosintervalosemanosqueconfigurariamcada gerao,eissoumdificultadorquandosepensaemumaanlisecomparativa.Tambm verdadequenosepodetomarosreferenciaisemanoscomoabsolutos,atporqueno possvel obter sempre uma regularidade de fenmenos, ainda que comparativos gerais possam

18 Eisenstadt (1976) salienta que um grupo ou sociedade um sistema de papis e que o papel a unidade bsica desuaintegrao,compreendendoumsegmentodocomportamentototaldoindivduoemrelaoaoutros indivduos e organizando todos eles em padres bastante distintos. 39 ser feitos mediante uma categorizao igualmente abrangente e no absoluta.Alm do mais, aspeculiaridadeseosritmosindividuaissemprereservaroapossibilidadederespeitara distino e ao mesmo tempo fazer lembrar que cada indivduo nico. No artigo Quem a gerao X?,Conger (2002) caracteriza trs geraes distintas em sua relao com o local de trabalho e o fenmeno da liderana. Como o artigo resulta de pesquisa realizada nos EUA, resta saber se as tendncias tambm se aplicam realidade do Brasil e se o grau etrio caracterizado corresponde com exatido ao proposto para aquela sociedade. A ttulo de esclarecimento, o autor conceitua geraes como[...] produtos de fatos histricos que influenciam profundamente os valores e a viso de mundo de seus membros. Esses eventos trazem s pessoas lembranas e emoes fortes,quemoldamprofundamentesuasidiassobreinstituies,autoridade, dinheiro, famlia e carreira (CONGER, 2002,p. 69). AGeraoXaqueoautorsereferenottulodeseuartigocompreendeosindivduos nascidosentre1965e198119,ouseja,osadultosdosdiasatuais,queinicialmenteforam considerados slackers,umgrupodeniilistasdesmotivadosecticos[...]desconfiamdahierarquia. Preferemarranjosmaisinformais.Queremjulgarmaispelomritodoquepelo status.Sobemmenosleaisasuasempresas.Apreciamotrabalhoemequipe. Conhecemcomputadoresporforaepordentro.Gostamdedinheiro,mastambm procuramequilbriocomavidapessoal.Enfim,estomudandoasempresas (CONGER, 2002, p. 64-65). Avessos hierarquia, vale reforar, esses indivduos preferem o trabalho em equipe e desejam um funcionamento comunitrio para a empresa. Respondem necessidade de seu tempo, pois sfrutificameprosperamnasorganizaescontemporneasporqueestastiveram,porsua vez, de responder aos imperativos de mercado, s exigncias de competitividade e qualidade. Nesse caso, no se podem dissociar comportamentos socialmente aceitos da materialidade que os suscita e permite sua consolidao.Nessa perspectiva, a do materialismo histrico, a Gestao X contrasta substancialmente com a Gerao Silenciosa,formada pelos chamados burocratas executivos dos anos 50 a 70 dosculopassado,queforamleaissempresasemquetrabalhavamedelasreceberam lealdadeemtroca.Representativosdaeradecomando,essesexecutivosforam

19Podem-seidentificarintervalosdistintosparadefinircadagerao.Entretanto,emtodos,nota-sea permannciadentrodasdcadasconsideradasporConger(2002),ouseja,paraaGeraoXtemosos nascimentosentreosanos1960e1980eassimpordiante.H,portanto,umadiferenciaodeautorpara autor,emtornodedoisatrsanos,oquenofimnoperturbaacompreensodomomentosocial caracterizado. 40 surpreendidos,emmeadosdosanos70,pelaaceleraodasmudanasnocapitalismo ocidental e cederam espao como fora de trabalho para a Gerao Baby Boom, composta por pessoas nascidas entre 1943 e 1964.Alentidoeainflexibilidadeadaptativadosmodeloshierrquicosderamlugarsequipes multifuncionaisporprojeto,tendoporbaseumaestruturadefuncionamentosupostamente muito mais democrtica e participativa. medida que o modelo de comando perdia eficcia e o trabalho em equipe crescia, osrelacionamentosnolocaldetrabalhosetornarammaisinformaiseos funcionrios mais dinmicos. Eles passaram a ter menos pacincia com as restries dosistemahierrquicoemenosdisposiodesesubmeterautomaticamenteaos chefes.Umchefenoconseguiamaisadministrarcomafacilidadequetinhana dcada anterior. A lealdade diminuiu drasticamente no incio por parte da empresa, masosfuncionriosnodemoraramaseguiroexemplo(CONGER,2002,p. 66-67). Com os boomers, assiste-se runa da aura que envolvia as posies de autoridade. Para eles, aautoridadeperdiagradativamenteaconfiabilidade,quandonolhespareciatotalmente erradanosparadigmas,deciseseviso.Emumaproporcionalidadeinversa,comono poderia ser de outro modo, crescia a independncia, reduzindo-se a obedincia. Para Conger (2002, p. 67-68), agrandeimportnciaatribudaindependnciaest,emparte,relacionadaao crescenteaumentodariquezanosEUA.Aspessoaspassaramadispordemais dinheiroparaadquirirosservioseaparelhosnecessriosparamanterumacasa. Essefatortornou-asmenosdependentesdafamliaedacomunidade.Almdisso, nosanos60,asplulasanticoncepcionaischegaramaomercado,dandosmulheres maiorcontrolesobresimesmasecontribuindoparaosurgimentodomovimento feminista. Essas mudanas[dentre outras] criamanovaraa dosexecutivos da gerao baby boom. Numespaodeumanicagerao,portanto,palavrascomochefeepresidente mudaramcompletamentedesentido.Norepresentammaissinaispositivosde realizaoeautoridade,massimsmbolosdedistanciamentodaspessoas,de agressividade gratuita e de outros atributos indesejveis. O QUADRO 1, apresenta uma sntese comparativa de parte dos atributos, das peculiaridades, das representaes imaginrias e das expectativas quanto ao trabalho e organizao de cada gerao descrita. 41 QUADRO 1 A histria das trs geraes DenominaesNascimentoPeculiaridades Silenciosa burocratas Entre 1925 e 1942FilhosdefamliasqueviveramaIIGuerraea Grande Depresso; Alta valorizao do emprego; Obedincia e lealdade; Estilo de liderana autoritrio; Baby boom yuppies Entre 1943 e 1964Criados na era do rock; Conviveramcomumperododeextraordinria riqueza dos EUA; Conviveramcomfatoshistricosqueexpuserama vulnerabilidade da autoridade; Indulgentese narcisistas; Marcas:rebeldiaeidealismoutpico(hippies, esquerdistas, revolucionrios etc.); Estilosdelideranacontrastantes:esperanae idealismo X cinismo e apatia; Gerao X slackers Entre 1965 e 1981Filhosdemesquetrabalhamforaedepais separados,soosirmosmaisnovosdos boomers; Marcas: realismo pragmtico e ctico; Lealdade a si mesmos e no ao chefe; Trabalho como sinnimo de transao; Traos proeminentes: buscam equilbrio real entre trabalhoevidapessoal;soindependentes; representamaEradaInformao;sonhamcom locais de trabalho que lembrem comunidades. Fonte: Adaptado de Conger, 2002. Nota: Contrariamente ao que recomenda a ABNT no corpo de tabelas e de quadros evitam-se traos verticais para separar colunas [...] tampouco se colocam traos horizontais (FRANA, 2003, p. 97) -, optou-se pela manuteno dos mesmos emproldeumamelhoremaisfcilvisualizaodacorrespondnciaentreosdados.Taldecisorespalda-seem orientao da prpria norma: a disposio dos dados em uma tabela [ou em um quadro] deve permitir a comparao e ressaltar as relaes existentes, destacando o que se pretende demonstrar(ibidem, p. 96) Para o propsito desta dissertao encontram-se outros argumentos que justificam a escolha do recorte geraesparasetentarcompreenderotemacentralliderana,atravsdabuscaderespostass questes expressas nos seus objetivos especficos, porque o desenvolvimento bem sucedido de padres de comportamento que se conformam s normas e expectativas de papis de uma sociedade envolve um alto grau de integrao da personalidade e concomitante desenvolvimento de atitudes especiais no quadro da personalidade do indivduo. Entreestas a atitude do indivduo para coma autoridade e sua cooperao so extremamente cruciais para o funcionamento adequado da personalidade no contexto do sistema social. Estas atitudespodemsersubdivididasemtrscategoriasprincipais:acapacidadedeobedecera pessoas investidas de autoridade;