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Vanessa Andrade Martins Pinto Os Sentidos Atribuídos pelos Profissionais da Estratégia Saúde da Família aos “Casos” de Saúde Mental Rio de Janeiro 2017

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Page 1: Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

Rio de Janeiro

2017

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

T

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Orientador Prof Drordm Paulo Duarte de

Carvalho Amarante

Coorientadora Profordf Drordf Ana Elisa Bastos

Figueiredo

Rio de Janeiro

2017

Catalogaccedilatildeo na fonte

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz

Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica

Biblioteca de Sauacutede Puacuteblica

P659s Pinto Vanessa Andrade Martins

Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede

da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade

Martins Pinto -- 2017

162 f tab graf

Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante

Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo

Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Aprovada em 07 de Abril de 2017

Banca Examinadora

Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes

CCSUFPB

Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto

FCMUERJ

Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom

ENSPFIOCRUZ

Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto

ENSPFIOCRUZ

Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante

ENSPFIOCRUZ

Rio de Janeiro

2017

Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um

projeto

Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que

este trabalho pudesse se concretizar

Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua

capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a

importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo

desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos

mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila

Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato

em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas

leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel

Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos

e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e

encorajamento para seguir em frente

Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu

generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal

Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a

pesquisa

Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes

momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras

nessa empreitada sem os quais nada teria sentido

Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos

manobras de alta complexidade

LANCETTI 2014 p107

RESUMO

Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-

analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo

geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do

territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de

campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais

nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)

enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a

teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees

utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram

principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo

caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros

tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma

visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia

comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores

que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das

vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho

casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo

econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos

profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na

Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a

relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o

deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes

Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe

Multidisciplinar

ABSTRACT

A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in

the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings

attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental

health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection

included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)

professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident

physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians

The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The

names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to

the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a

case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some

correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia

hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the

term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple

depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that

addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties

unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of

the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family

tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use

diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress

violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social

relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite

the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in

the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the

professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the

shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices

Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary

Team

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89

Meacutedicos Preceptores

Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99

Meacutedicos Residentes

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111

Enfermeiros

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede

ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede

APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

AM Apoio Matricial

UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede

CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados

com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo

CF Cliacutenica da Famiacutelia

CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental

DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica

DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais

ESB Equipe de Sauacutede Bucal

ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia

MS Ministeacuterio da Sauacutede

MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade

NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia

NOB Norma Operacional Baacutesica

OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede

OS Organizaccedilatildeo Social

OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de

Sauacutede no Rio de Janeiro

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

SF Sauacutede da Famiacutelia

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12

2 INTRODUCcedilAtildeO 13

3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20

32 Objetivos especiacuteficos 20

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de Termos 20

42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29

43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34

44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42

45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51

46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57

47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60

48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do estudo 71

52 Tipo de Estudo 72

53 Campo do Estudo 72

54 Participantes do Estudo 74

55 Procedimento para coleta dos dados 74

56 Forma de Anaacutelise dos dados 75

57 Aspectos Eacuteticos 77

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o Campo 78

62 Anaacutelise das entrevistas 82

621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89

622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99

623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111

624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120

625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138

REFEREcircNCIAS 146

APENDICES

APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160

APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161

12

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo

A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com

as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o

Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em

Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no

qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela

Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a

importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem

uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados

Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e

pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei

continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no

Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca

coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como

funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu

mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo

ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo

realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro

Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio

especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na

porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como

proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do

Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de

psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio

e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de

2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais

especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de

Atenccedilatildeo Psicossocial

Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142

agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio

especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo

comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a

questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia

13

Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das

pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de

doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo

primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social

Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento

das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo

primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para

depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para

entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF

(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode

permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees

de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob

sua responsabilidade

2 INTRODUCcedilAtildeO

Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma

Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do

modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e

construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares

Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no

territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras

poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)

Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo

atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo

e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no

processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de

atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em

sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o

contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)

Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a

organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave

Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e

14

prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)

desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no

desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas

aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro

contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades

de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de

acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo

primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo

Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como

estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se

destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com

enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e

Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem

se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em

sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o

tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao

Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da

personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista

cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios

emocionais em seus pacientes

Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a

atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de

pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo

bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo

primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)

No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo

organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando

profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos

compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras

psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos

planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos

15

usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as

unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp

MEGALE 2012)

Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova

concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios

diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida

comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003

apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma

campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos

e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes

com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram

tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)

Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede

mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do

caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da

vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting

terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e

a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)

Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter

como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o

desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)

Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram

induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e

Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases

conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e

desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que

esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como

poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado

Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a

utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito

individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos

16

o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo

Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e

reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia

prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)

A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e

veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da

Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima

em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute

que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a

que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem

exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana

Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes

da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental

na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo

de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o

desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional

de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo

com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo

ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos

hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a

comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de

normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)

A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001

reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e

intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta

Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo

assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser

considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no

atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi

sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental

17

Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos

dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em

psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode

gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o

treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais

diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos

meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas

de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram

prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos

gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o

intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e

revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional

programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo

podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute

sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito

de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A

formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria

limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede

mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de

residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio

Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de

sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave

formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um

dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos

postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de

medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e

estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia

de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local

de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na

formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de

atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no

18

acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na

educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo

primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de

formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)

Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo

Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da

Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil

2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave

Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com

financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das

redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi

decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool

e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I

Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e

emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar

Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129

Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando

nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de

serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a

populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)

A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos

cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados

de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades

de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica

das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e

Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e

Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o

objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de

sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade

E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu

trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na

19

populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham

eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito

de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade

Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos

cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS

via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede

no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem

aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em

ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de

territorializaccedilatildeo

O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de

identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua

responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por

atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria

uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo

da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF

poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social

O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de

serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo

primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o

processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao

sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no

circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS

Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no

entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de

Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)

O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede

mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente

instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e

os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e

trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o

20

entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente

e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata

3 OBJETIVOS

31 Objetivo Geral

Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca

do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua

responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro

32 Objetivos especiacuteficos

321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o

seu trabalho

322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram

ldquocasordquo de sauacutede mental

323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou

encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de termos

ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental

ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito

pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental

ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado

entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado

conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo

No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender

como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os

profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento

mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees

relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados

Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas

Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem

instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos

enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as

questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea

21

Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF

em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos

diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina

faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede

Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica

Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo

a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)

traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de

Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42

idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor

quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos

praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o

momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos

julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a

proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)

O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que

lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo

com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute

usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro

induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos

Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior

revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida

em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de

2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica

Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia

comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa

em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade

Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco

da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento

Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM

e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o

manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma

lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma

22

regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede

mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo

Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute

como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a

filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo

Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um

silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras

formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que

natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende

classificar

Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos

efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir

sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito

aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de

grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno

mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os

quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de

vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a

mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode

ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute

especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um

diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V

ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a

afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural

ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo

construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico

(FOUCAULT 1972)

Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma

posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as

qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a

norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar

23

Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma

coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo

Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute

necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que

jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX

Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir

das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as

objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria

farmacecircutica conclui

Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de

sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o

diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma

compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias

diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia

tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)

Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute

impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela

teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena

suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa

coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute

transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico

O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a

definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo

o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de

tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da

experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da

sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos

empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios

Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de

tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria

social dominante

24

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)

A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir

qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de

trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS

de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades

aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)

Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os

preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente

biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as

famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de

risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os

determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais

relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e

organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada

classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo

em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias

desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo

no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida

pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)

Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por

Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo

dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou

a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa

dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o

modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees

e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF

contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e

rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios

assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da

atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os

desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade

de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede

assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social

25

Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS

tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao

acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os

benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a

educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura

de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a

reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares

Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes

hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes

foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios

observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas

integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede

mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da

Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos

usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no

processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela

ESF no processo de cuidado

Os profissionais da ESF

A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional

composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em

Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista

em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede

(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede

(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)

Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os

profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede

da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da

Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a

meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De

maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias

daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o

nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)

26

Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme

Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)

Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre

a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as

finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II

- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em

contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da

sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar

todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias

quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de

promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio

de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na

comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo

de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob

sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir

com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da

malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002

Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo

de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano

infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras

normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as

disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames

complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a

demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em

conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de

educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar

do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de

agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e

terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou

necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III

27

- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria

gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e

procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a

serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia

locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio

proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar

mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar

das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e

VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da

USF

Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo

realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando

indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas

associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento

da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado

funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda

espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente

Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil

epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os

procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das

urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica

da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede

bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento

reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a

grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar

atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de

accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -

acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais

membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de

forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e

auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios

para o adequado funcionamento da USF

Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal

(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a

28

indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias

teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos

odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com

os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de

sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de

prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local

e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e

instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -

instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -

cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a

agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal

com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees

de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da

famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)

I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da

equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles

relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a

serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo

adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de

atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas

nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por

meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da

garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de

vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo

compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta

qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento

humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela

populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de

29

atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de

planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX

- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle

social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees

intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro

das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das

atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem

definidas de acordo com as prioridades locais

42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE

Aspectos Teoacutericos-Conceituais

Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as

accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos

fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma

coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de

atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias

disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas

poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede

Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles

estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico

No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais

aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees

ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em

procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de

envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da

promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)

No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos

componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a

organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta

maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as

accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o

que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende

analisar os modelos de atenccedilatildeo

30

Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar

um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-

cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser

diversos tendo em conta as realidades distintas

Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees

tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades

de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)

Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos

Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no

sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e

no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a

relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de

atenccedilatildeo

Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo

MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO

Medicina preventiva

(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas

meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em

1968)

(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente

fiacutesico bioloacutegico e sociocultural

lsquoModelo ecoloacutegicorsquo

lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo

Niacuteveis de prevenccedilatildeo

Medicina Comunitaacuteria

(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola

tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-

assistencial participaccedilatildeo da comunidade e

regionalizaccedilatildeo)

lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e

terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo

lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)

Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)

Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo

Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a

reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do

sistema de serviccedilos de sauacutede

Promoccedilatildeo da sauacutede

(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais

da sauacutede)

Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos

estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de

condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012

A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo

existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute

intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao

movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado

31

Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos

No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no

paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo

sanitarista

O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e

o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos

fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo

4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da

medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada

dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)

Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista

que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista

permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre

presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de

caraacuteter coletivo

Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde

o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico

(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas

de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias

(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais

(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria

e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)

Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da

integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou

buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo

sanitarista)

As propostas de modelos alternativos

Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-

se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos

serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da

deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na

perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees

32

programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)

Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia

A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento

Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo

caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades

epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees

nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo

de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas

riscos e as necessidades da comunidade

A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios

como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012

p247) define distritos sanitaacuterios como

Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede

definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos

gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e

privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos

poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada

para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior

quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede

Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa

organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com

mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida

um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios

Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e

da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de

redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais

de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-

se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de

condutas

Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na

geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de

danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a

assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada

accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca

33

reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de

sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e

acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)

Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)

Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)

O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na

anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs

orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar

processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe

profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios

de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da

atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo

do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos

incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012

p 483)

No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes

tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do

ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o

viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no

sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim

(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante

diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das

doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo

A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do

Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos

estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta

estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede

reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis

escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis

Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica

na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta

organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de

reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute

melhor descrita nos capiacutetulos seguintes

34

43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)

Conceitos trajetoacuteria e abordagem

O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e

apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram

ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo

do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do

sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees

de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o

movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da

Conferecircncia de Alma Ata em 1978

Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi

marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os

governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus

sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila

Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados

Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade

do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS

(FAUSTO 2005)

Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os

cuidados primaacuterios em sauacutede como

Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos

cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e

em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas

famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de

contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o

sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os

serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha

constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo

processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)

A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos

verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento

35

em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais

especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento

aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de

combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e

descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de

questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede

recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos

processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual

predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan

Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em

desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens

alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo

respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir

desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976

Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000

A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede

essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um

processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e

equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade

mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A

compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes

sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da

Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute

defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e

apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em

sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos

distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo

Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo

ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento

Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens

de APS entatildeo existentes (Quadro 2)

36

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede

ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE

APS seletiva

Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para

enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em

desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais

comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral

amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar

planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres

Conjunto restrito

de serviccedilos de

sauacutede para a

populaccedilatildeo pobre

Primeiro niacutevel

de atenccedilatildeo

Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de

cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do

tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de

primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e

serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da

concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas

universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave

disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou

medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general

practioners ndash GP)

Um dos niacuteveis de

atenccedilatildeo do

sistema de sauacutede

APS

abrangente ou

integral Alma-

Ata

A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema

de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social

Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de

enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e

cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo

comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas

e uso eficiente dos recursos

Estrateacutegia para

organizar os

sistemas de

atenccedilatildeo agrave sauacutede e

para a sociedade

promover a sauacutede

Abordagem de

sauacutede e de

direitos

humanos

Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais

amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata

Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser

inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo

para promover a equidade em sauacutede

Uma filosofia que

permeia os setores

sociais e de sauacutede

Fonte OPASOMS 2007 p04

Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria

pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave

sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e

abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com

consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p 506)

Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser

compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das

accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do

meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de

atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo

ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)

37

Atributos caracteriacutesticos da APS

Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses

industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield

(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem

reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas

especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de

responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao

longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e

social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das

diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais

complexas

Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo

devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se

na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter

competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos

grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo

para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros

da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de

agentes comunitaacuterios de sauacutede

Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na

capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de

serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios

o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)

do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao

generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A

coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento

populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de

doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais

Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral

segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do

desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que

implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do

processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social

do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de

38

poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento

social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da

poliacutetica municipal completa as autoras

Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com

diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e

planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades

individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede

Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos

Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da

eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de

aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas

de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)

Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos

serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave

compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de

Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)

Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a

primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por

iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido

trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo

primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em

centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do

ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo

encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)

ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos

serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e

Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram

imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos

sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o

primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus

consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de

sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que

permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar

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consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede

empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)

Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de

atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu

Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o

modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de

acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo

enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram

nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas

empresas por exemplo

Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento

como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que

separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em

uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em

serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os

ambulatoacuterios de hospitais

Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil

O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de

outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito

tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros

de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede

puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os

ambulatoacuterios em hospitais gerais

Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda

focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica

organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter

curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de

Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas

algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil

natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos

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ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua

indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)

esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da

doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que

aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos

Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease

tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava

accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento

cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana

atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre

sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias

deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela

unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo

de seguro de sauacutede

Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com

apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia

meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se

destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao

direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de

participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de

treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a

ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela

pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse

contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e

um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos

de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais

Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo

docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na

atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo

sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas

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no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida

(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)

A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a

atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi

criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava

a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em

cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por

oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua

conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS

Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do

Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa

Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios

experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise

previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem

alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede

Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria

respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo

de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees

Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos

baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo

Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo

de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local

seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o

sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo

independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados

programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de

Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como

modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos

adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

42

44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial

A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma

Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi

contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de

proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a

sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e

serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e

diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade

humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis

Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o

Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do

SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de

descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para

o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e

expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo

Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do

SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo

Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela

FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de

caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia

de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi

formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de

dezembro de 1993

No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um

novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade

financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)

contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro

niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de

agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)

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Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo

Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio

do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo

assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a

organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o

enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009

p24 )

Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve

uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do

Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela

primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual

(GIOVANELLA et al 2009)

Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm

1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do

seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de

promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)

No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da

Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no

paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a

ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira

- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013

Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das

EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o

objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e

resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns

meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e

assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a

proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que

tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes

Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os

desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira

incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo

44

primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo

recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de

trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p539)

A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de

entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos

cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria

incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na

famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de

modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo

caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede

O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma

perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a

comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes

O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de

alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos

profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes

satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas

locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-

qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em

2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo

Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de

especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)

Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa

integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior

parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo

especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior

investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos

ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental

cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de

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informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e

prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)

Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e

na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo

de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem

para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro

A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do

paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram

efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)

realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002

a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu

papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da

melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi

evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do

acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram

verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os

limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na

territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma

intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda

natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local

A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio

Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822

capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute

1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia

Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico

internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois

de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro

era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes

O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos

incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob

46

a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel

histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)

Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em

trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de

SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e

Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013

ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)

Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do

Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com

sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33

40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e

necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)

Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu

investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua

capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de

manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no

municiacutepio (CASOTTI et al 2013)

Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994

com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional

como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e

desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam

a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008

Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria

no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno

de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou

um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma

importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa

expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de

479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)

Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da

gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo

alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees

Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

47

(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o

campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015

OPAS 2013)

Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de

Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves

diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de

serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47

equipes em 2015

A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental

No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-

2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais

efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de

base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de

Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes

da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos

Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo

Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o

melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO

2013)

A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores

da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a

realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais

institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi

impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave

ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um

modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos

comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas

se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um

projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a

Reforma Psiquiaacutetrica

48

A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo

pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil

(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a

participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho

moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios

portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio

de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)

Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode

alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de

Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma

Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos

que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo

de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)

Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser

importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma

mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana

dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os

problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a

resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)

A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional

da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em

situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o

maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos

niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se

como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber

cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou

mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)

Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre

relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de

1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os

transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos

estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo

feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico

49

tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a

realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS

Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os

problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma

Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais

natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que

sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se

encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante

tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos

Apoio Matricial (AM)

No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio

esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)

estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e

usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar

obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio

interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso

de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto

de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS

Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um

estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de

50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as

atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos

estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF

reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da

integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais

comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os

usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por

um ou mais especialistas

Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade

dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo

organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de

maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico

50

no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos

mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem

compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a

construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas

Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de

construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo

esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos

esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio

brasileiro

A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash

Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo

primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os

serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo

Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas

Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede

Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio

Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio

(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o

acompanhamento dos pacientes

Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)

Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede

mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais

Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia

domeacutestica

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais

nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo

diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades

realizadas pela unidade

Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de

benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos

Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e

NASF

51

Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de

consulta meacutedica e grupo terapecircutico

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de

convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de

convivecircncia

Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados

Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados

Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM

via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois

turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o

CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado

encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e

recursos financeiros

45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil

A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o

desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o

trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua

capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e

entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo

(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)

Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes

medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia

fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas

biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a

aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo

do ensino das demais profissotildees de sauacutede

O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou

conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas

principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e

ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial

Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em

52

hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica

Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio

profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)

A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial

composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas

voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de

praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma

hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente

desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e

BELISAacuteRIO 2012)

Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a

foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que

a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada

na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma

quotidianamente (FREIRE 2003)

Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos

hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais

antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo

cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era

uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees

Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia

positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a

microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a

impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria

dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses

problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo

aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo

a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do

setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio

1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de

que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais

e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida

53

exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de

reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise

sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008

apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do

Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN)

Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos

pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os

postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo

sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo

contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais

de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e

progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e

compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo

(HADDAD et al 2010 p 38)

Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil

que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos

distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores

O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de

cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve

iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo

tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas

vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais

(BARROS et al 2010)

No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho

com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do

mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se

a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a

expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o

54

mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na

agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS

et al 2010)

Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm

402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante

coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres

para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite

(BRASIL MEC 2000)

Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo

de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS

em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a

formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho

pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)

Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do

modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares

a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos

meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero

de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)

Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos

Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de

1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial

atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o

nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo

Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo

para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do

Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da

enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute

que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria

Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio

Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos

Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais

de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino

profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a

55

permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo

em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)

Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990

registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios

sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de

Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para

os profissionais de enfermagem em geral

Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas

Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a

profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS

no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de

Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas

Secretarias Municipais de Sauacutede

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se

alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a

integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na

formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e

Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu

simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas

de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em

relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos

Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional

focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias

pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria

para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na

medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar

das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a

ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)

Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro

profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica

nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho

individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que

56

preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e

antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em

um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo

universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da

disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)

Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no

Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na

atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis

anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da

Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro

das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de

Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado

pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na

Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade

a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e

pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em

formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em

1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais

institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)

posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os

alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do

Brasil

Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado

ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades

baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo

tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em

decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica

puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente

em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes

pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu

agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso

57

salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios

de Sauacutede

Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o

ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas

envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser

visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala

assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de

cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a

comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-

se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de

fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes

46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA

Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental

Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao

modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os

indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse

contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes

Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz

necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia

O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto

fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos

pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se

construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e

administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este

conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o

contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo

doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)

O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos

princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua

58

ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia

subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo

biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais

[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma

importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do

pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o

lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador

o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte

do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade

(AMARANTE 1999 p49)

Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se

contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees

importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva

A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado

um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de

substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)

De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes

experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a

Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da

contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos

autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias

transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico

pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila

Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser

especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e

sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como

estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa

Luzio e Yasui (2003 p 32-33)

No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e

praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental

59

Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito

com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade

social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita

a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na

direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo

sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma

relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena

inclusive das terapecircuticas

No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo

de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem

significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo

com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de

sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e

Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e

Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas

com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se

colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o

conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais

visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos

No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees

advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por

instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila

mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social

Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os

vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas

accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que

institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo

de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria

No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas

a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a

anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao

conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e

a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em

60

processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula

como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a

imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social

Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam

mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira

cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana

Haacute que se observar ainda que

O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e

contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-

social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees

concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de

um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees

mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)

47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL

De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a

histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor

a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas

com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees

poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees

natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)

O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado

no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre

ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen

argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social

e cultural pois para ele

A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo

expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do

corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como

fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da

natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo

nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e

61

modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal

atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)

Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila

assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os

diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo

da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso

das praacuteticas meacutedicas

Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios

investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da

medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo

urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica

Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois

para ele

Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do

Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha

acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo

tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o

Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc

assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a

obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos

para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia

saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)

Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da

definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a

Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como

carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim

Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos

socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e

poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)

Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz

parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees

higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia

62

Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado

parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando

as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e

passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da

medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de

economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial

Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de

uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o

contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo

XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o

corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da

sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela

consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo

(FOUCAULT 2011 p80)

Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face

da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das

sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como

resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem

doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das

funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina

A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia

cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial

cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-

chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia

das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees

autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional

desempenha nesse processo

Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do

sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade

epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)

Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa

medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um

63

epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco

tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees

autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo

Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor

propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente

inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de

medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich

A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia

Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance

para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila

medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)

Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute

sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou

probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que

estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo

ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa

instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante

dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou

psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-

epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em

medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de

constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por

padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)

O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre

os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o

sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber

individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para

cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A

ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como

necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega

satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada

Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do

sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de

64

revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo

em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia

muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees

que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico

asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba

natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais

vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc

Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no

qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a

biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que

transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de

revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela

biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)

Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das

accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do

setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar

o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e

natildeo cuidar soacute da doenccedila

Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e

no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como

alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a

respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo

medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem

investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute

desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e

construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da

construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a

aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)

Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da

atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico

do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de

existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as

65

categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina

(TESSER 2004)

Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do

profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das

vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo

biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como

comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute

portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do

acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo

biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam

sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo

intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo

dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)

A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo

dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina

meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do

saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade

nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo

satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem

de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os

quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a

maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas

altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se

conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos

sintomas (TESSER 2006)

Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes

accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em

parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser

desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a

pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)

Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute

em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos

conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja

inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)

66

De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo

do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o

profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente

partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma

profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e

natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem

lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)

Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo

copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos

doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo

estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com

uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo

cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)

Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos

medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a

formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto

significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF

cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios

48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA

Epistemologia

O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser

trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio

desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian

McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela

qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees

sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da

profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta

Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses

interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira

Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph

Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas

de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo

67

clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre

Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)

O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa

mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos

profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a

abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na

qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas

na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo

hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta

nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a

ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o

imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o

profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir

quando o poder eacute compartilhado

Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo

sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que

eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em

um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem

centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como

- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos

- melhora na aderecircncia aos tratamentos

- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades

- reduccedilatildeo de sintomas

- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica

- melhora na sauacutede mental

- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes

Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica

meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A

ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente

questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard

(1986) e White (1988)

68

Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977

p130)

Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada

por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem

ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as

dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O

modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas

como uma entidade independente do comportamento social mas

tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com

base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)

Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no

pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo

Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas

opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na

avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55

2010)

Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi

desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no

meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo

(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no

meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)

O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une

aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)

sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da

pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo

da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)

Os seis componentes interativos

O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de

orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa

Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o

profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do

69

qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al

(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica

cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se

unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos

Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois

conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo

de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura

ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar

doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua

experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo

o que ela espera do meacutedico

O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da

doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos

muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu

desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive

inclusive o ecossistema

Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo

dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a

definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a

identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos

Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como

uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada

encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o

profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura

Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um

entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e

contratransferecircncia

E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional

seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho

em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de

sauacutede

Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira

Stewart et al (2010)

70

1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila

- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares

- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e

expectativas da pessoa

2 Entendendo a pessoa como um todo inteira

- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento

- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social

- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema

3 Elaborando um projeto comum de manejo

- Avaliando quais os problemas e prioridades

- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo

- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede

4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

- Melhorias de sauacutede

- Evitando ou reduzindo riscos

- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas

- Reduzindo complicaccedilotildees

5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa

- Exercendo a compaixatildeo

- A relaccedilatildeo de poder

- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)

- O auto-conhecimento

- A transferecircncia e a contratransferecircncia

6 Sendo realista

- Tempo e timing

- Construindo e trabalhando em equipe

- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis

71

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do Estudo

Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de

literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de

2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca

Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia

Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo

assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo

Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na

plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo

site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos

115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias

estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede

mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades

de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os

estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos

A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo

apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica

medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da

atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam

para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva

da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014

TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al

2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010

BUCHELE et al 2006)

Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes

conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria

estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu

cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a

necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de

sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois

os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede

mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al

72

2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES

BARRETO 2009)

A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de

entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo

52 Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos

entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a

abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do

universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um

espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO

2010)

Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o

pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o

acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e

mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os

problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e

anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo

de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as

observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)

53 Campo do Estudo

Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)

distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52

e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental

e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha

uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP

escolhida para realizaccedilatildeo do estudo

Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas

da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com

a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do

municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de

lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas

em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)

73

Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia

(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo

que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial

(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio

Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo

proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto

um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de

Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi

entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo

A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo

funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em

frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento

funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de

Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme

vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma

unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria

biblioteca

A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o

territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o

Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do

Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos

profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo

dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando

assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam

De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o

nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash

DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe

Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O

nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a

Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)

Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em

marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)

74

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho

de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada

equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)

teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de

Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)

meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A

equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)

auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra

1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade

54 Participantes do Estudo

Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos

enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a

equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo

fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu

nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes

profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo

preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e

dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes

trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores

Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe

miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses

E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento

durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar

do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute

menos de seis (6) meses

55 Procedimento para coleta dos dados

A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano

do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como

complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi

observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura

fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia

75

para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)

2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um

guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de

cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do

Conselho Nacional de Sauacutede

O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma

estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil

natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-

estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu

trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea

ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras

o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como

lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental

56 Forma de Anaacutelise dos dados

Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo

sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de

Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica

de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi

A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E

a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por

de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o

estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do

processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos

Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do

significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria

A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a

Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e

ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do

inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi

(2000)

ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que

natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo

(ORLANDI 2000 p 83)

76

Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio

histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)

A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um

discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o

sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico

e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende

dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-

construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)

Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel

disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair

a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores

pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que

ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o

contexto no qual estava inserido

Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do

Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos

ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio

absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)

Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do

enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo

Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros

discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que

fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no

interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo

a ser compreendido na anaacutelise do texto

Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e

quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo

Pecirccheux

1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si

mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-

histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas

2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia

de formaccedilotildees ideoloacutegicas

77

Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)

que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela

histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas

faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a

Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute

certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento

57 Aspectos Eacuteticos

O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do

responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo

Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo

sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais

participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim

atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos

Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio

processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e

contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo

importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica

78

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o campo

As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma

sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a

dinacircmica da equipe

Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das

reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a

equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de

sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam

para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis

encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim

como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de

exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava

desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre

determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a

alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe

Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de

vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos

agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de

trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de

determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora

aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja

ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir

sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que

deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e

multiprofissionais

Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca

da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de

fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo

do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo

andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O

acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com

corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de

79

apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou

alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes

segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas

As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de

atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para

atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se

localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para

farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo

1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1

sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de

expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino

tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para

profissionais e usuaacuterios

A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios

possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e

coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade

natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas

indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por

exemplo com setas indicativas

O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas

tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do

banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo

o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A

limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo

de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais

Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua

antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o

profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante

destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01

cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com

torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2

cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das

feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material

bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para

80

guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas

mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo

de artesanato guardavam o material

Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-

se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita

de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06

ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para

armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da

Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa

pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e

almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a

unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio

De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da

Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios

ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado

uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para

pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial

barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como

recomenda o referido manual

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram

colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim

como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio

eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma

das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela

gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada

(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de

procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e

Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras

caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)

Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante

as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com

Especialistardquo

81

O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia

semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a

proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se

voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um

espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias

A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no

periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de

duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC

da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei

muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo

sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos

de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes

falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia

deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete

como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os

participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos

de enfrentamento

O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe

repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e

pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar

junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo

psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que

gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do

usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data

retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o

conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a

utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas

Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com

outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas

aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o

acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que

contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma

proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico

82

O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros

Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a

melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico

singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo

entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS

2014)

62 Anaacutelise das entrevistas

Consideraccedilotildees introdutoacuterias

As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo

1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa

2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase

3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala

4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas

5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula

6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes

fictiacutecios

As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada

uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que

foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees

sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de

apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido

Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS

SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas

de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental

Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as

formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos

internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de

ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do

discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor

83

pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem

funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)

Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram

descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas

analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)

meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos

preceptores

De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de

discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada

entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o

processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na

anaacutelise das entrevistas

Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das

questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais

entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de

formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental conforme descrito a seguir

Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com

idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de

Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo

de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento

especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou

durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico

preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um

colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa

da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro

Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade

entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)

solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e

(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de

Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes

meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma

84

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a

buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo

formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)

entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de

formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam

tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou

que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua

graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar

(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)

Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)

sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do

Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de

formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter

residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia

Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na

ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF

estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para

lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma

parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de

Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional

informou ser morador da aacuterea onde trabalha

Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36

anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado

todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a

10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais

informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos

citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de

Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar

Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)

declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)

teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham

Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina

Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40

85

anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)

Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de

atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as

questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos

como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e

capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que

proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de

informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS

(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso

ldquoCaminhos do Cuidadordquo

A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores

meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo

biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas

Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo

na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)

Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a

famiacutelia (Bartolomeu)

Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()

a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente

administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que

entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo

(Claudemiro)

Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a

oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela

vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos

denominaram

Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)

Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)

Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo

muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)

Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com

eles (Heda)

Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade

(Hebe)

86

Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram

como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera

como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas

perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF

3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede

mental na ESF

As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o

seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem

interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos

de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com

expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao

maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do

estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e

a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)

aceitaram participar do estudo

Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei

livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o

projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF

Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar

as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-

me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo

Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram

muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns

trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o

momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos

territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente

a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental na sua aacuterea

Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos

residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O

que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com

87

desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo

de formaccedilatildeo do curso de residecircncia

Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio

de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e

Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede

(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e

diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em

expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros

incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute

formados no proacuteprio curso

Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados

Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o

ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que

costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe

As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha

disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe

contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas

entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a

preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees

importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido

a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se

mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel

Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi

a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo

Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e

na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade

com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a

entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um

teacutecnico de enfermagem

As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que

demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de

88

sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido

acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou

atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi

perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles

tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio

do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o

que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns

agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido

mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a

palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na

Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

89

621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Preceptores

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE

Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no

funcionamento familiar e social algum tipo de

transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente

aacutelcool e drogas

Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo

paciente pode ser muito complexo por menor que seja o

problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o

meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele

O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo

Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade

depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o

psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental

grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em

crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute

multidimensional envolve medicamento grupos em

sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com

assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe

matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no

CAPS

Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a

escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo

ser medicamentosa

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental

Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees

90

Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais

Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito

incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute

depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo

Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era

maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs

horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo

vai ficando muito melhor (Abel)

O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou

entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a

oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou

e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a

sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua

famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados

ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia

costumam ter por aiacute (Bartolomeu)

Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e

Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece

requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em

querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O

que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica

sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra

mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza

uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral

do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no

campo da APS

Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se

relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou

91

psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum

tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e

drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens

adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno

menta (Abel)

Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo

psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo

de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-

Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na

Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em

entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e

como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de

apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar

(COSTA-ROSA 2000)

A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do

relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes

um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para

denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010

foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo

sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves

terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel

portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o

centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila

Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal

como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico

ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do

histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do

planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de

sofrimento

Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o

jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma

formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando

durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o

indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental

92

para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura

do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento

psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como

hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)

Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute

apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de

nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada

Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o

cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em

relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma

A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva

Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro

haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor

distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como

qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser

compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva

(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao

outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim

dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)

A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo

biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos

contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e

qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede

e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental

tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado

ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento

O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um

objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em

inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao

modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e

classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para

estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)

93

No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo

ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um

conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria

dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social

sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido

no CID-10

Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como

ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade

eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que

alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso

revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse

processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial

Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo

citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que

noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro

(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua

afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate

epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose

paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo

ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)

Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute

depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida

dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as

questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na

maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo

Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da

Medicina de Famiacutelia

Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por

meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)

para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou

econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as

94

pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida

humanardquo

Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de

alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do

que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do

conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede

que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado

em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus

sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a

importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia

entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a

ldquodoenccedila do doenterdquo

Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato

anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e

secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente

funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento

da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)

Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute

a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo

validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia

dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas

recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica

que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento

possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto

conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque

existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)

Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de

que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela

eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do

sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das

consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e

o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio

95

atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa

atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)

Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o

progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)

fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores

sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico

de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa

que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em

sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do

modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo

o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente

mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield

(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na

regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta

o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo

nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum

(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno

psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e

o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno

mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos

De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre

que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao

maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no

abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o

portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti

(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos

transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo

mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo

sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos

No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve

medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente

96

social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui

ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a

dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua

demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se

reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por

demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)

No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa

fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua

concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a

experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila

A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash

cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos

demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional

estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser

centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo

atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado

na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos

direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter

uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento

humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o

objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que

formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem

mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo

entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no

contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando

inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar

a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a

fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico

Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina

costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda

97

Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram

transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que

considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social

e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo

sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser

uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana

porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de

Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que

se colocam no dia a dia

Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos

queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade

a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se

apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos

trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um

conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES

1998)

A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das

relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer

uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e

comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os

muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees

familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios

que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)

Recomendaccedilotildees

Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos

os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo

continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma

nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam

apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os

casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada

a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias

profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento

98

psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA

2013)

Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais

equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a

Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para

sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos

medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena

o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia

Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe

mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que

cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de

3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de

pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio

ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por

equipe (BRASIL 2012)

Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era

de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio

de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa

complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da

Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de

necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de

cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)

99

622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes

Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Residentes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo

na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na

forma como ele se relaciona no trabalho na

comunidade

envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica

qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou

doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer

usuaacuterio de drogas

tanto um transtorno de ansiedade mais leve com

prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental

mais grave como esquizofrenia e tambeacutem

alcoolismo uso de drogas iliacutecitas

qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo

profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute

bem psicologicamente

pisando em ovos

soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo

encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente

consegue encaminhar por causa do NASF

primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas

abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem

necessidade de falar

geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o

paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em

tratar ou que eu ache que sei manejar bem

eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com

algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com

o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida

faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo

Ter uma rede mais integrada

Talvez ter mais investimento em CAPS

Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria

para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas

Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido

ldquo

100

Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e

a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo

como por exemplo nas falas

Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de

ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu

resolvi fazer (Betino)

No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda

no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a

realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente

meacutedica (Accedilucena)

Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno

dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo

de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho

De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-

doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em

sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica

tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de

estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e

exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a

terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento

e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e

desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do

saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de

adoecimento

No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a

importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social

econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma

especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja

Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de

cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os

procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de

101

indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas

respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)

Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo

a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa

especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a

diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam

categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a

implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas

de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de

paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o

reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente

da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)

Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para

qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia

era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um

profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do

Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um

direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema

de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de

um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas

pessoas

Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do

mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio

social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a

sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de

assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez

mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo

do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)

Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga

horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de

que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito

extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja

102

para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos

abaixo

Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em

serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu

aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a

gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)

Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma

hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)

Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da

agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo

sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum

problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no

atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do

cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras

abordagens em sauacutede como representado nos discursos

Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da

cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada

paciente (Braacuteulio)

Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que

aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede

do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento

tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de

setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta

qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo

que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como

alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade

depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional

meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi

uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico

103

Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e

insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo

O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das

denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a

ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria

se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes

posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer

possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como

modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de

nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental

sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees

lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo

No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo

esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa

realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo

biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria

terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito

distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido

A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma

compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com

repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona

no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode

ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa

Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando

falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente

Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a

normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas

psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande

controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental

Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se

trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios

104

criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a

de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais

facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que

os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as

variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas

se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida

No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave

manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser

muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)

Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo

reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as

diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma

coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas

essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as

definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica

diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir

determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave

cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade

Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo

em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o

meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o

indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao

contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de

conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as

doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a

MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva

atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal

vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees

Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas

seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou

identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente

natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha

105

ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo

especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades

Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam

entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada

dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis

para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo

potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras

doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal

familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)

Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem

classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais

meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que

preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos

hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma

percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo

de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho

formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais

profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo

deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS

uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo

depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos

recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de

problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de

que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo

conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece

argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica

qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo

(CAMPOS 2005)

106

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes

entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na

abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada

durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por

outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem

Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa

falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)

Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa

que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)

Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram

disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados

seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a

diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu

tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a

psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)

Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo

discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de

cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da

equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o

CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude

observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado

de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do

governo estadual

Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos

essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade

pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada

Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes

usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute

a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa

e sua existecircncia-sofrimento

O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo

psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-

se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio

107

imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso

e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria

No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz

uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo

uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo

retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees

em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada

e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de

questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o

usuaacuterio no momento do atendimento

Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos

profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem

matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos

ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia

A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a

APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para

a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base

territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de

cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave

populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista

aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as

poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo

A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves

20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois

acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade

de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede

das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera

que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento

dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o

sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma

coisa implica uma relaccedilatildeo

Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e

Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus

usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos

108

indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca

de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da

comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido

adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede

Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e

seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho

para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e

abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa

relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso

Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua

composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a

histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os

membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor

entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a

sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada

indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser

reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das

accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede

Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada

para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo

holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no

especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em

MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a

importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem

criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema

A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra

ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional

cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o

tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de

trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a

promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo

109

Recomendaccedilotildees

Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos

profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como

modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais

diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede

da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03

(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada

NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de

Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios

na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias

semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas

semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria

semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do

MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado

A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir

sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade

emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo

ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo

Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em

condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas

condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e

da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar

uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta

e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado

a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue

oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio

Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico

brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica

atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por

niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre

os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema

hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave

sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito

de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos

110

complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de

complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria

agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior

densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave

sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)

Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave

Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando

equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas

Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente

hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de

prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de

responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave

sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os

sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos

Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao

investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas

do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como

exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de

melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees

desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede

brasileiro

A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como

CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos

meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos

Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para

uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios

orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica

111

623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes

Enfermeiros

Nuacutecleo discursivo Enfermeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou

sentindo que tem alguma coisa marco consulta e

matriciamento

Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta

deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo

quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando

quiser pode voltar

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para

o meacutedico avaliar

Dificuldade de relacionamento na escola ou em

casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas

violecircnciaai tem muita coisa

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o

paciente pode se tornar mais agressivo

Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma

doenccedila mental

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no

trabalho em sauacutede mental

Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF

Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)

112

As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de

atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos

(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de

acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de

leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute

atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das

pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de

sauacutede aguda

No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento

de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente

retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma

enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da

populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a

profissional sinaliza como

Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita

paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo

querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)

A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico

mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo

hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a

populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas

especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da

populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute

tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS

resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede

mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No

entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no

modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que

tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo

113

na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e

fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de

planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura

o serviccedilo e sua famiacutelia

Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar

relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool

drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio

lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia

desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do

coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema

na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)

Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem

conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de

superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As

condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute

produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa

Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo

patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais

Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos

de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila

mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a

centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de

sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das

pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes

como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente

ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma

procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e

reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)

Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo

reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado

um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na

atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante

114

Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da

formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes

Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute

entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no

hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e

pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico

Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe

(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial

a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em

primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma

sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo

deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de

algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo

(LANCETTI 2013 p 19)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao

modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de

atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco

consulta e matriciamento (Aacutedila)

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)

Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da

consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria

atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da

equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para

uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva

para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico

() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura

empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um

ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade

primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que

115

ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que

desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade

do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo

(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)

Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico

para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para

seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o

funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar

sobre o encaminhamento de um caso especifico

Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da

avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor

psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava

(Claudomiro)

O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado

na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua

contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico

Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio

do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador

Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas

assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma

coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)

Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da

chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo

tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute

muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra

O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial

(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de

intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir

das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com

gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum

especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et

al 2014)

116

Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito

tecircnue entre o cuidar e o medicalizar

Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito

acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles

(Clemecircncia)

Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem

sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo

numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a

cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em

acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e

prescrever medicaccedilatildeo

Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de

um discurso contra hegemocircnico

Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)

Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto

com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)

O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila

paciente

No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de

patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute

fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo

natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias

intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais

Recomendaccedilotildees

Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de

toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que

facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental

A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)

E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir

melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)

Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe

117

Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico

acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada

nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)

Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na

atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)

Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar

trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes

O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede

mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de

tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo

redondinha para vocecirc (Aacutedila)

Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas

situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita

dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo

de lidar (Clemecircncia)

Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de

violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea

Programaacutetica (CAP)

Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando

em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo

da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc

denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)

O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute

para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na

unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental

continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de

formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da

doenccedila mental

No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos

profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns

tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E

completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros

profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na

118

ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus

afazeres cotidianos

As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que

muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem

perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)

No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho

gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo

municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes

Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah

porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui

ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo

fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)

Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no

SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que

principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute

maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas

Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal

melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida

como deve ser feita a referencia e contra-referencia

Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz

() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o

Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)

Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria

eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito

e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da

regulaccedilatildeo (Aacutedila)

Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-

referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-

referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)

A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro

avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio

dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os

niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o

instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede

119

integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede

eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde

persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos

estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo

entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um

estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede

na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva

das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa

Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012

E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF

tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos

residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF

O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes

temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem

tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente

tem que telefonar (Claudomiro)

Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero

de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais

recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas

reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do

NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos

essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield

(2002) continua baseado no especialismo

Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para

apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas

possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que

incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo

de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)

120

624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas

uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda

hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes

piscando a vista fica inquieto

Aquele paciente dependente acompanhado pela

famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor

e uma atenccedilatildeo redobrada

Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso

de 3 ampolas de haldol de 1414 dias

Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe

e fazemos discussatildeo de casos

Sauacutede mental geralmente quando chega com

alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente

fica calmo e se precisar assim a gente

encaminha para a UPA

Depende de cada diagnoacutestico porque o

psiquiatra que estaacute junto com a gente do

matriciamento ele estaacute justamente para resolver

o que puder ser aqui junto com o meacutedico

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ter psiquiatra como meacutedico da unidade

Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia

Grupos de atividades para integraccedilatildeo social

121

Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades

de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para

falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram

pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o

sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta

diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em

participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa

categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita

participaccedilatildeo na equipe como um todo

No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali

no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas

aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)

Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a

gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo

geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de

alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)

Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder

dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento

no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem

dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em

afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se

repete mesmo na ESF

Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -

denuacutencia

1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito

sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)

2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de

estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no

acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios

Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um

profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum

outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa

122

coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a

queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)

Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute

dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios

tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)

respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios

por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as

pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um

modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar

agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou

tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves

unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo

em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado

para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita

resolutividade

Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por

Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo

Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos

e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade

fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e

da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a

Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria

Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente

em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar

reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia

Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo

Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs

ampolas de haldol (Daacutercio)

Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()

depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)

123

Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)

Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde

Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo

redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso

Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede

mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e

comportamentos estereotipados

Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai

fica pra laacute e pra caacute (Felismina)

Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute

acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho

(Daacutercio)

O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute

mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados

para o ambiente e cuidados hospitalares

Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais

exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo

pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo

Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento

para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no

serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF

Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus

discursos

Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar

a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)

Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles

ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)

Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo

dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)

O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem

suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos

O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o

cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de

124

viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da

poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza

(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas

queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das

pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para

atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de

enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo

psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees

de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza

sobre elas)

2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de

Enfermagem verifiquei dois modos de agir

1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador

como preconizado pela PNAB (2012)

Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)

Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do

meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na

unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da

equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos

devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)

2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento

confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental no discursos dos profissionais dessa categoria

Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a

medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)

O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de

acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes

pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do

plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os

meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo

soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute

mesmo visita domiciliar)

125

A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar

ajudando o paciente (Felismina)

Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute

para o controle de alguma coisa (Daacutercio)

No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os

teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior

parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados

com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive

muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo

Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto

quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria

Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na

unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade

Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute

apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais

Recomendaccedilotildees

Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de

sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho

estaacute bem realizado

Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro

da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto

com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede

mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)

Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas

atividades relatadas

No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no

profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua

patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por

meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia

Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade

atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro

que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma

126

passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem

problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)

Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o

modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de

sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

ainda ser do modo asilar

Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse

trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim

() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)

127

625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Nuacutecleos Discursivos Significantes

Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa

pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de

fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente

que comem compulsivamente ou deixam de comer que

bebem muito

Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente

que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da

vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando

doido estressado

Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria

tecircm dificuldades tentam ateacute se matar

Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute

agressiva transtorno bipolar obsessivo

Pessoas estressadas

Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da

rotina

Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta

uma crise eacute o momento que tu vive

Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios

Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria

depressatildeo

Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar

sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a

pessoa daquele quadro

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a

enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando

Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando

tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos

programas que oferecemos

Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos

que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um

tratamento

Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na

demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de

exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o

estresse do dia-a-dia

Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o

CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia

psiquiaacutetrica

Trago o caso pra equipe

Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos

da equipe marcamos uma visita domiciliar

A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai

ser feito

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE

SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica

Presenccedila de outros oacutergatildeos

Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber

Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF

Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS

Diminuir o tempo de espera para atendimento

Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo

Ter mais meacutedicos especializados

Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila

128

Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao

falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma

inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como

podemos observar nos discursos

Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)

Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)

Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)

Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem

formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele

habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa

ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs

(LANCETTI 2014 p96)

Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da

ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo

reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento

teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas

preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal

ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo

sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)

Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive

oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto

assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos

interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico

da equipe

Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como

com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para

os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que

estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos

deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em

capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e

avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas

da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a

engrenagem da ESF

129

No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente

nas falas

A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na

rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)

Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as

barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)

Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a

questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior

como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x

asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por

eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham

nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do

asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu

aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em

alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute

a cidade do Rio de Janeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e

diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida

estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal

resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno

psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado

No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da

Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e

da escuta

Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e

vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de

sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder

introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)

130

Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou

seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de

diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de

intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar

os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou

burocraacutetico (LANCETTI 2014)

Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento

A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha

aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra

dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui

porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e

quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga

velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era

que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em

casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)

Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a

usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas

que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia

fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa

usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa

dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para

possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre

elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como

objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de

outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e

menos medicalizadoras (SARACENO 2001)

Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem

mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de

territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que

deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce

com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees

Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional

de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas

131

No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento

Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute

louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()

Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e

maluco

Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala

eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros

falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)

Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia

ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os

termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico

O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo

de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e

integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no

processo de adoecimento

Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das

vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute

deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo

da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele

paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a

casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()

Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no

comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia

mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa

Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder

da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014

p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas

da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio

existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as

emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com

consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de

processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a

132

accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapecircutico (LANCETTI 2014)

No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde

melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a

alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos

informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem

Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas

que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo

deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre

natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente

jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou

deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)

Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa

das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do

modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso

acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de

sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se

necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no

hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento

valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas

indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa

ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede

nas cidades brasileiras

No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como

Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele

ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele

tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor

Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram

trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o

entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-

se uma vaidade em falar

Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a

diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o

133

remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente

nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)

Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade

em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo

por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de

aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais

ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento

Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as

atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de

equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos

discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes

exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se

necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos

elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a

uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a

populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)

Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na

cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam

Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle

() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de

racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de

focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio

equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS

comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres

que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas

domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o

controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013

p41)

134

Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer

conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua

atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de

produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O

indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se

corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico

Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade

traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do

cuidado a esses usuaacuterios

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu

fico soacute acompanhando (Hebe)

Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os

cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento

(Marcilene)

Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de

niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas

apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica

mais uma vez subordinado ao poder meacutedico

Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina

Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem

abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()

qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar

o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro

entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado

O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia

no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo

tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees

de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as

accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)

No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o

manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de

doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo

psiquiaacutetrica

135

Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia

descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou

estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo

() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada

Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o

quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada

accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce

que pode ser iatrogecircnica ou natildeo

Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe

pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria

A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no

modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os

documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a

figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se

necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo

romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse

entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e

sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara

Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a

gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios

controlados

Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz

(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de

uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da

criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica

o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo

do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste

personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando

agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um

territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as

transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem

do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)

136

Recomendaccedilotildees

Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no

discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir

que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede

mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem

ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica

Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo

sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo

comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas

Kiara

CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma

capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)

No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como

uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a

entrevistada tenta negar mas se contradiz

Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os

profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que

muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais

Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute

fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a

participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio

No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma

visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o

trabalho na ESF

Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles

tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)

Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc

tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar

porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute

interessante eu gosto (Jacobina)

Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado

no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia

ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS

137

Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui

a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute

sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves

vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)

Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria

faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser

pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui

noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)

O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia

da demora para o atendimento em sauacutede mental

Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute

aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do

meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem

uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante

E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois

na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede

mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que

demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando

as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008

138

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica

brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em

marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se

entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada

democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a

necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a

desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos

ao jaacute combalido SUS

A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$

600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de

conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa

Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa

de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de

promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede

A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a

sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica

que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o

cenaacuterio atual estaacute desolador

Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento

Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por

meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a

cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172

(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito

um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas

novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo

investimento feito na APS

Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os

sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo

adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo

como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela

triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o

139

texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a

intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees

discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que

se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi

de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a

linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas

ideologias

Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e

enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu

como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a

compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um

modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o

entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais

amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais

complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem

Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de

emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse

grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde

moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo

ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo

haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao

ponta da doenccedila jaacute instalada

As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede

mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade

Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem

psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora

tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado

na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre

transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que

inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o

encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais

graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica

140

Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma

perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de

sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as

categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele

questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute

passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como

linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental

Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos

externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do

Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos

uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos

e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade

para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em

atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra

e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das

equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse

que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto

agraves equipes da ESF

No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para

nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a

solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e

escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros

mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico

No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental

apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica

dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na

recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para

atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos

141

na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram

dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e

atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede

Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do

encaminhamento

Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de

ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida

(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede

(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo

Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social

muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da

prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do

empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e

da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo

Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF

estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos

a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com

visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes

a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento

longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente

para as pessoas mais abastadas da sociedade

O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e

desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado

para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de

questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os

benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os

meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos

usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da

dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado

pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a

intenccedilatildeo

142

Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma

enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a

princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam

pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece

tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios

um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga

Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de

funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a

unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e

odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses

grupos satildeo realmente propostas inovadoras

Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de

inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de

chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o

profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua

concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo

social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito

proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de

caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de

conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia

muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas

pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais

Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa

dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de

sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das

visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo

ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um

dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de

enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da

unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o

agente comunitaacuterio de sauacutede

Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade

Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e

divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da

143

Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS

como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros

recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento

da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia

Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF

acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que

necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos

de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios

profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute

situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro

A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e

dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo

especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a

importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um

todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por

parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a

quantidade e natildeo a qualidade do atendimento

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina

de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos

humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs

facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta

rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente

dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos

de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos

preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando

em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo

melhor

Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para

melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia

seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento

da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente

desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do

cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai

144

conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos

residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho

apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de

enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente

Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para

defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que

diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e

sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela

maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a

capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo

Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de

qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos

nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto

natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento

ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em

sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem

organizado deve garantir

Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e

poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos

sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas

De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista

tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que

possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute

doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as

dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o

cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo

acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento

se natildeo natildeo haacute

Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que

convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados

de sauacutede

As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia

cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio

145

de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada

na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais

foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade

e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor

Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da

Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados

encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental

ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os

profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo

com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no

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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista

Iniciais do nome

Idade Sexo Estado Civil Natural de

Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo

Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )

Tempo de atuaccedilatildeo na ESF

Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental

1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF

- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)

- Como eacute a sua rotina de trabalho

- O que caracteriza o seu trabalho na ESF

- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF

2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela

sua equipe da ESF

- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha

- Se encaminha para onde

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na

ESF

161

APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante

Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida

por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)

sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da

Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo

O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da

Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na

populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio

do Rio de Janeiro

Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede

da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses

O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da

Famiacutelia no territoacuterio adscrito

Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia

para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento

Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou

desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa

Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc

prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos

resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em

arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu

orientador e minha co-orientadora

A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da

pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito

atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo

A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com

questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo

O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas

seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora

Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco

(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP

O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo

sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute

influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em

seu territoacuterio de responsabilidade

Rubrica do Participante ____________

Rubrica do Pesquisador ___________

(1-2)

162

O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as

entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo

a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como

participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos

dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus

depoimentos

Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a

pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem

rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter

sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo

Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc

de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender

os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no

desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de

avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios

eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da

confidencialidade e da privacidade

Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863

E-Mail cepenspfiocruzbr

httpwwwenspfiocruzbretica

Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo

Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210

___________________________________________

Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)

Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial

LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de

Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom

RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015

Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo

em participar

_________________________________________

(Assinatura do participante da pesquisa)

Nome do participante _____________________________________________

Rubrica do Participante ____________

Rubrica da Pesquisadora _____________

(2-2)

Page 2: Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

T

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Orientador Prof Drordm Paulo Duarte de

Carvalho Amarante

Coorientadora Profordf Drordf Ana Elisa Bastos

Figueiredo

Rio de Janeiro

2017

Catalogaccedilatildeo na fonte

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz

Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica

Biblioteca de Sauacutede Puacuteblica

P659s Pinto Vanessa Andrade Martins

Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede

da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade

Martins Pinto -- 2017

162 f tab graf

Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante

Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo

Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Aprovada em 07 de Abril de 2017

Banca Examinadora

Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes

CCSUFPB

Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto

FCMUERJ

Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom

ENSPFIOCRUZ

Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto

ENSPFIOCRUZ

Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante

ENSPFIOCRUZ

Rio de Janeiro

2017

Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um

projeto

Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que

este trabalho pudesse se concretizar

Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua

capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a

importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo

desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos

mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila

Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato

em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas

leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel

Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos

e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e

encorajamento para seguir em frente

Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu

generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal

Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a

pesquisa

Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes

momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras

nessa empreitada sem os quais nada teria sentido

Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos

manobras de alta complexidade

LANCETTI 2014 p107

RESUMO

Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-

analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo

geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do

territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de

campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais

nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)

enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a

teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees

utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram

principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo

caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros

tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma

visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia

comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores

que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das

vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho

casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo

econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos

profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na

Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a

relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o

deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes

Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe

Multidisciplinar

ABSTRACT

A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in

the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings

attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental

health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection

included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)

professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident

physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians

The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The

names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to

the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a

case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some

correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia

hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the

term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple

depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that

addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties

unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of

the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family

tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use

diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress

violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social

relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite

the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in

the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the

professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the

shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices

Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary

Team

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89

Meacutedicos Preceptores

Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99

Meacutedicos Residentes

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111

Enfermeiros

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede

ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede

APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

AM Apoio Matricial

UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede

CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados

com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo

CF Cliacutenica da Famiacutelia

CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental

DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica

DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais

ESB Equipe de Sauacutede Bucal

ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia

MS Ministeacuterio da Sauacutede

MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade

NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia

NOB Norma Operacional Baacutesica

OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede

OS Organizaccedilatildeo Social

OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de

Sauacutede no Rio de Janeiro

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

SF Sauacutede da Famiacutelia

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12

2 INTRODUCcedilAtildeO 13

3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20

32 Objetivos especiacuteficos 20

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de Termos 20

42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29

43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34

44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42

45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51

46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57

47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60

48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do estudo 71

52 Tipo de Estudo 72

53 Campo do Estudo 72

54 Participantes do Estudo 74

55 Procedimento para coleta dos dados 74

56 Forma de Anaacutelise dos dados 75

57 Aspectos Eacuteticos 77

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o Campo 78

62 Anaacutelise das entrevistas 82

621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89

622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99

623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111

624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120

625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138

REFEREcircNCIAS 146

APENDICES

APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160

APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161

12

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo

A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com

as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o

Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em

Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no

qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela

Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a

importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem

uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados

Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e

pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei

continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no

Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca

coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como

funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu

mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo

ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo

realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro

Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio

especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na

porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como

proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do

Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de

psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio

e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de

2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais

especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de

Atenccedilatildeo Psicossocial

Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142

agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio

especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo

comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a

questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia

13

Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das

pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de

doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo

primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social

Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento

das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo

primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para

depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para

entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF

(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode

permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees

de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob

sua responsabilidade

2 INTRODUCcedilAtildeO

Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma

Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do

modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e

construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares

Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no

territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras

poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)

Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo

atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo

e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no

processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de

atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em

sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o

contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)

Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a

organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave

Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e

14

prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)

desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no

desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas

aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro

contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades

de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de

acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo

primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo

Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como

estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se

destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com

enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e

Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem

se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em

sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o

tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao

Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da

personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista

cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios

emocionais em seus pacientes

Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a

atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de

pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo

bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo

primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)

No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo

organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando

profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos

compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras

psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos

planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos

15

usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as

unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp

MEGALE 2012)

Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova

concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios

diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida

comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003

apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma

campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos

e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes

com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram

tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)

Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede

mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do

caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da

vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting

terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e

a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)

Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter

como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o

desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)

Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram

induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e

Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases

conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e

desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que

esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como

poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado

Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a

utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito

individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos

16

o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo

Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e

reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia

prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)

A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e

veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da

Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima

em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute

que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a

que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem

exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana

Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes

da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental

na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo

de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o

desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional

de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo

com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo

ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos

hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a

comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de

normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)

A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001

reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e

intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta

Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo

assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser

considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no

atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi

sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental

17

Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos

dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em

psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode

gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o

treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais

diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos

meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas

de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram

prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos

gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o

intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e

revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional

programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo

podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute

sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito

de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A

formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria

limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede

mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de

residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio

Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de

sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave

formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um

dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos

postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de

medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e

estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia

de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local

de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na

formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de

atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no

18

acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na

educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo

primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de

formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)

Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo

Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da

Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil

2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave

Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com

financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das

redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi

decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool

e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I

Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e

emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar

Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129

Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando

nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de

serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a

populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)

A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos

cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados

de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades

de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica

das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e

Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e

Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o

objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de

sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade

E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu

trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na

19

populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham

eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito

de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade

Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos

cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS

via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede

no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem

aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em

ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de

territorializaccedilatildeo

O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de

identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua

responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por

atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria

uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo

da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF

poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social

O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de

serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo

primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o

processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao

sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no

circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS

Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no

entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de

Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)

O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede

mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente

instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e

os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e

trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o

20

entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente

e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata

3 OBJETIVOS

31 Objetivo Geral

Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca

do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua

responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro

32 Objetivos especiacuteficos

321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o

seu trabalho

322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram

ldquocasordquo de sauacutede mental

323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou

encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de termos

ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental

ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito

pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental

ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado

entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado

conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo

No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender

como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os

profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento

mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees

relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados

Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas

Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem

instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos

enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as

questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea

21

Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF

em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos

diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina

faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede

Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica

Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo

a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)

traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de

Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42

idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor

quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos

praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o

momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos

julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a

proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)

O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que

lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo

com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute

usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro

induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos

Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior

revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida

em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de

2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica

Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia

comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa

em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade

Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco

da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento

Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM

e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o

manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma

lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma

22

regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede

mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo

Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute

como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a

filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo

Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um

silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras

formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que

natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende

classificar

Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos

efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir

sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito

aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de

grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno

mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os

quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de

vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a

mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode

ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute

especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um

diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V

ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a

afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural

ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo

construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico

(FOUCAULT 1972)

Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma

posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as

qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a

norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar

23

Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma

coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo

Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute

necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que

jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX

Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir

das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as

objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria

farmacecircutica conclui

Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de

sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o

diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma

compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias

diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia

tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)

Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute

impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela

teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena

suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa

coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute

transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico

O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a

definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo

o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de

tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da

experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da

sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos

empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios

Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de

tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria

social dominante

24

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)

A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir

qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de

trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS

de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades

aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)

Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os

preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente

biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as

famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de

risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os

determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais

relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e

organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada

classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo

em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias

desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo

no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida

pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)

Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por

Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo

dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou

a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa

dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o

modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees

e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF

contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e

rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios

assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da

atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os

desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade

de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede

assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social

25

Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS

tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao

acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os

benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a

educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura

de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a

reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares

Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes

hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes

foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios

observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas

integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede

mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da

Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos

usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no

processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela

ESF no processo de cuidado

Os profissionais da ESF

A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional

composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em

Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista

em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede

(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede

(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)

Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os

profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede

da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da

Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a

meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De

maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias

daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o

nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)

26

Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme

Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)

Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre

a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as

finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II

- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em

contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da

sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar

todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias

quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de

promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio

de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na

comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo

de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob

sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir

com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da

malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002

Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo

de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano

infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras

normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as

disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames

complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a

demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em

conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de

educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar

do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de

agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e

terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou

necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III

27

- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria

gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e

procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a

serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia

locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio

proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar

mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar

das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e

VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da

USF

Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo

realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando

indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas

associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento

da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado

funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda

espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente

Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil

epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os

procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das

urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica

da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede

bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento

reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a

grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar

atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de

accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -

acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais

membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de

forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e

auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios

para o adequado funcionamento da USF

Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal

(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a

28

indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias

teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos

odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com

os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de

sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de

prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local

e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e

instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -

instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -

cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a

agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal

com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees

de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da

famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)

I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da

equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles

relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a

serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo

adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de

atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas

nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por

meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da

garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de

vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo

compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta

qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento

humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela

populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de

29

atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de

planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX

- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle

social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees

intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro

das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das

atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem

definidas de acordo com as prioridades locais

42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE

Aspectos Teoacutericos-Conceituais

Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as

accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos

fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma

coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de

atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias

disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas

poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede

Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles

estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico

No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais

aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees

ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em

procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de

envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da

promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)

No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos

componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a

organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta

maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as

accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o

que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende

analisar os modelos de atenccedilatildeo

30

Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar

um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-

cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser

diversos tendo em conta as realidades distintas

Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees

tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades

de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)

Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos

Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no

sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e

no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a

relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de

atenccedilatildeo

Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo

MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO

Medicina preventiva

(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas

meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em

1968)

(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente

fiacutesico bioloacutegico e sociocultural

lsquoModelo ecoloacutegicorsquo

lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo

Niacuteveis de prevenccedilatildeo

Medicina Comunitaacuteria

(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola

tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-

assistencial participaccedilatildeo da comunidade e

regionalizaccedilatildeo)

lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e

terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo

lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)

Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)

Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo

Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a

reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do

sistema de serviccedilos de sauacutede

Promoccedilatildeo da sauacutede

(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais

da sauacutede)

Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos

estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de

condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012

A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo

existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute

intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao

movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado

31

Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos

No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no

paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo

sanitarista

O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e

o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos

fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo

4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da

medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada

dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)

Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista

que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista

permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre

presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de

caraacuteter coletivo

Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde

o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico

(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas

de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias

(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais

(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria

e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)

Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da

integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou

buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo

sanitarista)

As propostas de modelos alternativos

Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-

se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos

serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da

deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na

perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees

32

programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)

Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia

A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento

Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo

caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades

epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees

nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo

de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas

riscos e as necessidades da comunidade

A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios

como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012

p247) define distritos sanitaacuterios como

Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede

definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos

gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e

privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos

poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada

para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior

quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede

Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa

organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com

mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida

um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios

Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e

da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de

redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais

de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-

se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de

condutas

Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na

geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de

danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a

assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada

accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca

33

reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de

sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e

acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)

Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)

Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)

O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na

anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs

orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar

processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe

profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios

de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da

atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo

do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos

incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012

p 483)

No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes

tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do

ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o

viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no

sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim

(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante

diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das

doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo

A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do

Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos

estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta

estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede

reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis

escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis

Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica

na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta

organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de

reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute

melhor descrita nos capiacutetulos seguintes

34

43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)

Conceitos trajetoacuteria e abordagem

O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e

apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram

ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo

do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do

sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees

de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o

movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da

Conferecircncia de Alma Ata em 1978

Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi

marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os

governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus

sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila

Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados

Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade

do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS

(FAUSTO 2005)

Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os

cuidados primaacuterios em sauacutede como

Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos

cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e

em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas

famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de

contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o

sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os

serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha

constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo

processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)

A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos

verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento

35

em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais

especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento

aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de

combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e

descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de

questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede

recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos

processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual

predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan

Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em

desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens

alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo

respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir

desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976

Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000

A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede

essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um

processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e

equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade

mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A

compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes

sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da

Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute

defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e

apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em

sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos

distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo

Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo

ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento

Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens

de APS entatildeo existentes (Quadro 2)

36

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede

ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE

APS seletiva

Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para

enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em

desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais

comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral

amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar

planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres

Conjunto restrito

de serviccedilos de

sauacutede para a

populaccedilatildeo pobre

Primeiro niacutevel

de atenccedilatildeo

Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de

cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do

tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de

primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e

serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da

concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas

universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave

disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou

medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general

practioners ndash GP)

Um dos niacuteveis de

atenccedilatildeo do

sistema de sauacutede

APS

abrangente ou

integral Alma-

Ata

A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema

de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social

Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de

enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e

cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo

comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas

e uso eficiente dos recursos

Estrateacutegia para

organizar os

sistemas de

atenccedilatildeo agrave sauacutede e

para a sociedade

promover a sauacutede

Abordagem de

sauacutede e de

direitos

humanos

Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais

amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata

Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser

inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo

para promover a equidade em sauacutede

Uma filosofia que

permeia os setores

sociais e de sauacutede

Fonte OPASOMS 2007 p04

Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria

pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave

sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e

abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com

consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p 506)

Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser

compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das

accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do

meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de

atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo

ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)

37

Atributos caracteriacutesticos da APS

Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses

industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield

(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem

reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas

especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de

responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao

longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e

social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das

diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais

complexas

Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo

devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se

na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter

competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos

grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo

para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros

da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de

agentes comunitaacuterios de sauacutede

Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na

capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de

serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios

o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)

do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao

generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A

coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento

populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de

doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais

Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral

segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do

desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que

implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do

processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social

do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de

38

poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento

social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da

poliacutetica municipal completa as autoras

Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com

diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e

planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades

individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede

Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos

Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da

eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de

aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas

de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)

Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos

serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave

compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de

Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)

Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a

primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por

iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido

trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo

primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em

centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do

ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo

encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)

ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos

serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e

Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram

imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos

sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o

primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus

consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de

sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que

permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar

39

consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede

empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)

Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de

atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu

Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o

modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de

acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo

enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram

nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas

empresas por exemplo

Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento

como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que

separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em

uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em

serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os

ambulatoacuterios de hospitais

Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil

O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de

outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito

tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros

de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede

puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os

ambulatoacuterios em hospitais gerais

Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda

focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica

organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter

curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de

Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas

algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil

natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos

40

ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua

indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)

esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da

doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que

aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos

Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease

tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava

accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento

cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana

atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre

sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias

deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela

unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo

de seguro de sauacutede

Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com

apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia

meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se

destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao

direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de

participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de

treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a

ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela

pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse

contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e

um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos

de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais

Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo

docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na

atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo

sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas

41

no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida

(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)

A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a

atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi

criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava

a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em

cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por

oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua

conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS

Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do

Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa

Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios

experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise

previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem

alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede

Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria

respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo

de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees

Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos

baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo

Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo

de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local

seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o

sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo

independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados

programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de

Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como

modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos

adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

42

44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial

A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma

Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi

contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de

proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a

sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e

serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e

diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade

humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis

Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o

Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do

SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de

descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para

o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e

expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo

Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do

SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo

Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela

FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de

caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia

de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi

formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de

dezembro de 1993

No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um

novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade

financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)

contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro

niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de

agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)

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Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo

Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio

do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo

assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a

organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o

enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009

p24 )

Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve

uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do

Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela

primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual

(GIOVANELLA et al 2009)

Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm

1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do

seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de

promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)

No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da

Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no

paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a

ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira

- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013

Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das

EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o

objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e

resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns

meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e

assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a

proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que

tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes

Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os

desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira

incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo

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primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo

recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de

trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p539)

A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de

entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos

cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria

incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na

famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de

modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo

caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede

O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma

perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a

comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes

O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de

alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos

profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes

satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas

locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-

qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em

2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo

Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de

especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)

Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa

integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior

parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo

especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior

investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos

ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental

cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de

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informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e

prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)

Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e

na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo

de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem

para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro

A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do

paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram

efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)

realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002

a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu

papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da

melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi

evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do

acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram

verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os

limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na

territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma

intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda

natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local

A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio

Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822

capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute

1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia

Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico

internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois

de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro

era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes

O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos

incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob

46

a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel

histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)

Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em

trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de

SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e

Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013

ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)

Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do

Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com

sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33

40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e

necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)

Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu

investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua

capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de

manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no

municiacutepio (CASOTTI et al 2013)

Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994

com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional

como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e

desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam

a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008

Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria

no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno

de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou

um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma

importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa

expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de

479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)

Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da

gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo

alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees

Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

47

(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o

campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015

OPAS 2013)

Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de

Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves

diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de

serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47

equipes em 2015

A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental

No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-

2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais

efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de

base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de

Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes

da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos

Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo

Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o

melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO

2013)

A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores

da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a

realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais

institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi

impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave

ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um

modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos

comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas

se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um

projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a

Reforma Psiquiaacutetrica

48

A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo

pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil

(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a

participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho

moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios

portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio

de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)

Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode

alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de

Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma

Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos

que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo

de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)

Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser

importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma

mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana

dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os

problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a

resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)

A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional

da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em

situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o

maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos

niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se

como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber

cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou

mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)

Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre

relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de

1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os

transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos

estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo

feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico

49

tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a

realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS

Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os

problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma

Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais

natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que

sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se

encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante

tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos

Apoio Matricial (AM)

No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio

esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)

estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e

usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar

obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio

interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso

de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto

de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS

Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um

estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de

50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as

atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos

estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF

reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da

integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais

comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os

usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por

um ou mais especialistas

Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade

dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo

organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de

maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico

50

no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos

mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem

compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a

construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas

Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de

construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo

esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos

esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio

brasileiro

A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash

Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo

primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os

serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo

Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas

Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede

Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio

Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio

(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o

acompanhamento dos pacientes

Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)

Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede

mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais

Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia

domeacutestica

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais

nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo

diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades

realizadas pela unidade

Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de

benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos

Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e

NASF

51

Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de

consulta meacutedica e grupo terapecircutico

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de

convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de

convivecircncia

Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados

Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados

Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM

via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois

turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o

CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado

encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e

recursos financeiros

45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil

A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o

desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o

trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua

capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e

entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo

(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)

Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes

medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia

fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas

biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a

aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo

do ensino das demais profissotildees de sauacutede

O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou

conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas

principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e

ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial

Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em

52

hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica

Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio

profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)

A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial

composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas

voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de

praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma

hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente

desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e

BELISAacuteRIO 2012)

Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a

foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que

a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada

na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma

quotidianamente (FREIRE 2003)

Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos

hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais

antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo

cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era

uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees

Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia

positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a

microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a

impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria

dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses

problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo

aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo

a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do

setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio

1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de

que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais

e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida

53

exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de

reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise

sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008

apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do

Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN)

Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos

pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os

postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo

sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo

contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais

de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e

progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e

compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo

(HADDAD et al 2010 p 38)

Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil

que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos

distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores

O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de

cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve

iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo

tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas

vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais

(BARROS et al 2010)

No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho

com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do

mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se

a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a

expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o

54

mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na

agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS

et al 2010)

Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm

402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante

coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres

para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite

(BRASIL MEC 2000)

Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo

de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS

em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a

formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho

pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)

Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do

modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares

a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos

meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero

de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)

Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos

Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de

1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial

atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o

nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo

Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo

para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do

Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da

enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute

que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria

Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio

Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos

Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais

de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino

profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a

55

permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo

em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)

Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990

registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios

sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de

Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para

os profissionais de enfermagem em geral

Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas

Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a

profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS

no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de

Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas

Secretarias Municipais de Sauacutede

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se

alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a

integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na

formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e

Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu

simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas

de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em

relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos

Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional

focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias

pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria

para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na

medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar

das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a

ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)

Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro

profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica

nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho

individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que

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preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e

antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em

um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo

universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da

disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)

Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no

Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na

atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis

anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da

Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro

das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de

Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado

pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na

Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade

a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e

pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em

formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em

1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais

institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)

posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os

alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do

Brasil

Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado

ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades

baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo

tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em

decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica

puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente

em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes

pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu

agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso

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salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios

de Sauacutede

Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o

ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas

envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser

visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala

assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de

cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a

comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-

se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de

fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes

46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA

Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental

Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao

modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os

indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse

contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes

Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz

necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia

O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto

fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos

pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se

construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e

administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este

conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o

contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo

doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)

O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos

princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua

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ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia

subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo

biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais

[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma

importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do

pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o

lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador

o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte

do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade

(AMARANTE 1999 p49)

Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se

contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees

importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva

A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado

um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de

substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)

De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes

experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a

Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da

contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos

autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias

transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico

pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila

Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser

especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e

sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como

estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa

Luzio e Yasui (2003 p 32-33)

No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e

praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental

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Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito

com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade

social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita

a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na

direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo

sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma

relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena

inclusive das terapecircuticas

No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo

de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem

significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo

com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de

sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e

Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e

Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas

com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se

colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o

conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais

visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos

No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees

advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por

instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila

mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social

Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os

vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas

accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que

institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo

de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria

No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas

a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a

anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao

conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e

a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em

60

processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula

como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a

imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social

Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam

mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira

cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana

Haacute que se observar ainda que

O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e

contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-

social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees

concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de

um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees

mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)

47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL

De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a

histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor

a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas

com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees

poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees

natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)

O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado

no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre

ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen

argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social

e cultural pois para ele

A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo

expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do

corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como

fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da

natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo

nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e

61

modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal

atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)

Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila

assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os

diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo

da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso

das praacuteticas meacutedicas

Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios

investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da

medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo

urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica

Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois

para ele

Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do

Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha

acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo

tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o

Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc

assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a

obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos

para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia

saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)

Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da

definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a

Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como

carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim

Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos

socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e

poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)

Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz

parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees

higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia

62

Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado

parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando

as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e

passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da

medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de

economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial

Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de

uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o

contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo

XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o

corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da

sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela

consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo

(FOUCAULT 2011 p80)

Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face

da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das

sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como

resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem

doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das

funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina

A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia

cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial

cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-

chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia

das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees

autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional

desempenha nesse processo

Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do

sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade

epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)

Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa

medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um

63

epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco

tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees

autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo

Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor

propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente

inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de

medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich

A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia

Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance

para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila

medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)

Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute

sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou

probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que

estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo

ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa

instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante

dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou

psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-

epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em

medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de

constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por

padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)

O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre

os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o

sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber

individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para

cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A

ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como

necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega

satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada

Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do

sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de

64

revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo

em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia

muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees

que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico

asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba

natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais

vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc

Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no

qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a

biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que

transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de

revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela

biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)

Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das

accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do

setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar

o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e

natildeo cuidar soacute da doenccedila

Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e

no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como

alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a

respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo

medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem

investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute

desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e

construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da

construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a

aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)

Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da

atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico

do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de

existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as

65

categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina

(TESSER 2004)

Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do

profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das

vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo

biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como

comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute

portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do

acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo

biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam

sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo

intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo

dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)

A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo

dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina

meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do

saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade

nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo

satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem

de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os

quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a

maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas

altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se

conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos

sintomas (TESSER 2006)

Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes

accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em

parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser

desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a

pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)

Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute

em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos

conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja

inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)

66

De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo

do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o

profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente

partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma

profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e

natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem

lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)

Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo

copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos

doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo

estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com

uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo

cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)

Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos

medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a

formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto

significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF

cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios

48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA

Epistemologia

O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser

trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio

desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian

McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela

qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees

sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da

profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta

Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses

interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira

Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph

Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas

de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo

67

clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre

Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)

O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa

mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos

profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a

abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na

qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas

na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo

hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta

nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a

ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o

imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o

profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir

quando o poder eacute compartilhado

Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo

sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que

eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em

um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem

centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como

- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos

- melhora na aderecircncia aos tratamentos

- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades

- reduccedilatildeo de sintomas

- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica

- melhora na sauacutede mental

- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes

Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica

meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A

ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente

questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard

(1986) e White (1988)

68

Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977

p130)

Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada

por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem

ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as

dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O

modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas

como uma entidade independente do comportamento social mas

tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com

base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)

Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no

pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo

Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas

opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na

avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55

2010)

Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi

desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no

meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo

(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no

meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)

O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une

aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)

sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da

pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo

da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)

Os seis componentes interativos

O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de

orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa

Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o

profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do

69

qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al

(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica

cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se

unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos

Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois

conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo

de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura

ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar

doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua

experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo

o que ela espera do meacutedico

O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da

doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos

muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu

desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive

inclusive o ecossistema

Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo

dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a

definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a

identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos

Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como

uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada

encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o

profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura

Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um

entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e

contratransferecircncia

E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional

seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho

em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de

sauacutede

Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira

Stewart et al (2010)

70

1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila

- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares

- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e

expectativas da pessoa

2 Entendendo a pessoa como um todo inteira

- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento

- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social

- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema

3 Elaborando um projeto comum de manejo

- Avaliando quais os problemas e prioridades

- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo

- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede

4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

- Melhorias de sauacutede

- Evitando ou reduzindo riscos

- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas

- Reduzindo complicaccedilotildees

5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa

- Exercendo a compaixatildeo

- A relaccedilatildeo de poder

- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)

- O auto-conhecimento

- A transferecircncia e a contratransferecircncia

6 Sendo realista

- Tempo e timing

- Construindo e trabalhando em equipe

- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis

71

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do Estudo

Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de

literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de

2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca

Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia

Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo

assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo

Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na

plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo

site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos

115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias

estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede

mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades

de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os

estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos

A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo

apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica

medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da

atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam

para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva

da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014

TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al

2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010

BUCHELE et al 2006)

Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes

conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria

estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu

cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a

necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de

sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois

os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede

mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al

72

2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES

BARRETO 2009)

A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de

entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo

52 Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos

entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a

abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do

universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um

espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO

2010)

Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o

pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o

acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e

mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os

problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e

anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo

de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as

observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)

53 Campo do Estudo

Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)

distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52

e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental

e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha

uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP

escolhida para realizaccedilatildeo do estudo

Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas

da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com

a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do

municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de

lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas

em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)

73

Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia

(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo

que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial

(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio

Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo

proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto

um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de

Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi

entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo

A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo

funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em

frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento

funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de

Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme

vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma

unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria

biblioteca

A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o

territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o

Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do

Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos

profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo

dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando

assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam

De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o

nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash

DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe

Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O

nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a

Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)

Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em

marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)

74

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho

de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada

equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)

teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de

Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)

meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A

equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)

auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra

1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade

54 Participantes do Estudo

Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos

enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a

equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo

fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu

nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes

profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo

preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e

dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes

trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores

Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe

miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses

E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento

durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar

do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute

menos de seis (6) meses

55 Procedimento para coleta dos dados

A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano

do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como

complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi

observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura

fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia

75

para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)

2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um

guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de

cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do

Conselho Nacional de Sauacutede

O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma

estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil

natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-

estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu

trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea

ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras

o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como

lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental

56 Forma de Anaacutelise dos dados

Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo

sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de

Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica

de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi

A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E

a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por

de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o

estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do

processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos

Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do

significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria

A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a

Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e

ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do

inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi

(2000)

ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que

natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo

(ORLANDI 2000 p 83)

76

Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio

histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)

A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um

discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o

sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico

e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende

dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-

construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)

Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel

disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair

a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores

pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que

ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o

contexto no qual estava inserido

Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do

Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos

ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio

absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)

Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do

enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo

Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros

discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que

fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no

interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo

a ser compreendido na anaacutelise do texto

Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e

quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo

Pecirccheux

1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si

mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-

histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas

2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia

de formaccedilotildees ideoloacutegicas

77

Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)

que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela

histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas

faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a

Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute

certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento

57 Aspectos Eacuteticos

O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do

responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo

Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo

sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais

participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim

atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos

Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio

processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e

contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo

importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica

78

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o campo

As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma

sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a

dinacircmica da equipe

Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das

reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a

equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de

sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam

para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis

encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim

como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de

exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava

desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre

determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a

alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe

Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de

vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos

agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de

trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de

determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora

aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja

ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir

sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que

deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e

multiprofissionais

Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca

da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de

fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo

do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo

andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O

acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com

corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de

79

apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou

alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes

segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas

As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de

atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para

atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se

localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para

farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo

1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1

sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de

expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino

tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para

profissionais e usuaacuterios

A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios

possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e

coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade

natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas

indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por

exemplo com setas indicativas

O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas

tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do

banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo

o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A

limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo

de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais

Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua

antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o

profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante

destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01

cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com

torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2

cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das

feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material

bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para

80

guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas

mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo

de artesanato guardavam o material

Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-

se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita

de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06

ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para

armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da

Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa

pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e

almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a

unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio

De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da

Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios

ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado

uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para

pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial

barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como

recomenda o referido manual

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram

colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim

como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio

eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma

das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela

gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada

(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de

procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e

Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras

caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)

Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante

as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com

Especialistardquo

81

O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia

semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a

proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se

voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um

espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias

A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no

periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de

duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC

da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei

muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo

sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos

de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes

falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia

deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete

como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os

participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos

de enfrentamento

O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe

repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e

pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar

junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo

psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que

gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do

usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data

retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o

conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a

utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas

Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com

outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas

aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o

acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que

contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma

proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico

82

O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros

Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a

melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico

singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo

entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS

2014)

62 Anaacutelise das entrevistas

Consideraccedilotildees introdutoacuterias

As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo

1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa

2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase

3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala

4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas

5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula

6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes

fictiacutecios

As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada

uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que

foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees

sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de

apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido

Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS

SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas

de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental

Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as

formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos

internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de

ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do

discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor

83

pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem

funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)

Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram

descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas

analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)

meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos

preceptores

De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de

discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada

entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o

processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na

anaacutelise das entrevistas

Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das

questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais

entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de

formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental conforme descrito a seguir

Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com

idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de

Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo

de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento

especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou

durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico

preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um

colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa

da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro

Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade

entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)

solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e

(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de

Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes

meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma

84

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a

buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo

formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)

entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de

formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam

tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou

que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua

graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar

(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)

Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)

sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do

Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de

formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter

residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia

Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na

ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF

estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para

lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma

parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de

Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional

informou ser morador da aacuterea onde trabalha

Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36

anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado

todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a

10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais

informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos

citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de

Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar

Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)

declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)

teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham

Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina

Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40

85

anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)

Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de

atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as

questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos

como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e

capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que

proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de

informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS

(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso

ldquoCaminhos do Cuidadordquo

A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores

meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo

biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas

Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo

na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)

Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a

famiacutelia (Bartolomeu)

Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()

a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente

administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que

entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo

(Claudemiro)

Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a

oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela

vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos

denominaram

Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)

Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)

Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo

muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)

Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com

eles (Heda)

Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade

(Hebe)

86

Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram

como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera

como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas

perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF

3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede

mental na ESF

As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o

seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem

interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos

de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com

expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao

maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do

estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e

a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)

aceitaram participar do estudo

Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei

livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o

projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF

Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar

as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-

me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo

Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram

muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns

trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o

momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos

territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente

a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental na sua aacuterea

Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos

residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O

que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com

87

desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo

de formaccedilatildeo do curso de residecircncia

Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio

de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e

Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede

(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e

diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em

expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros

incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute

formados no proacuteprio curso

Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados

Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o

ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que

costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe

As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha

disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe

contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas

entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a

preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees

importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido

a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se

mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel

Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi

a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo

Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e

na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade

com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a

entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um

teacutecnico de enfermagem

As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que

demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de

88

sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido

acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou

atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi

perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles

tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio

do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o

que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns

agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido

mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a

palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na

Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

89

621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Preceptores

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE

Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no

funcionamento familiar e social algum tipo de

transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente

aacutelcool e drogas

Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo

paciente pode ser muito complexo por menor que seja o

problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o

meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele

O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo

Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade

depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o

psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental

grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em

crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute

multidimensional envolve medicamento grupos em

sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com

assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe

matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no

CAPS

Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a

escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo

ser medicamentosa

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental

Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees

90

Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais

Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito

incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute

depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo

Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era

maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs

horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo

vai ficando muito melhor (Abel)

O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou

entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a

oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou

e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a

sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua

famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados

ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia

costumam ter por aiacute (Bartolomeu)

Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e

Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece

requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em

querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O

que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica

sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra

mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza

uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral

do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no

campo da APS

Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se

relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou

91

psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum

tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e

drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens

adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno

menta (Abel)

Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo

psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo

de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-

Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na

Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em

entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e

como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de

apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar

(COSTA-ROSA 2000)

A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do

relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes

um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para

denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010

foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo

sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves

terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel

portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o

centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila

Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal

como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico

ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do

histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do

planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de

sofrimento

Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o

jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma

formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando

durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o

indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental

92

para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura

do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento

psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como

hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)

Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute

apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de

nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada

Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o

cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em

relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma

A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva

Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro

haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor

distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como

qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser

compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva

(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao

outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim

dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)

A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo

biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos

contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e

qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede

e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental

tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado

ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento

O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um

objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em

inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao

modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e

classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para

estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)

93

No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo

ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um

conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria

dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social

sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido

no CID-10

Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como

ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade

eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que

alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso

revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse

processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial

Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo

citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que

noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro

(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua

afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate

epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose

paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo

ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)

Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute

depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida

dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as

questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na

maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo

Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da

Medicina de Famiacutelia

Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por

meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)

para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou

econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as

94

pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida

humanardquo

Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de

alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do

que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do

conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede

que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado

em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus

sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a

importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia

entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a

ldquodoenccedila do doenterdquo

Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato

anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e

secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente

funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento

da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)

Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute

a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo

validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia

dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas

recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica

que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento

possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto

conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque

existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)

Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de

que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela

eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do

sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das

consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e

o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio

95

atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa

atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)

Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o

progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)

fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores

sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico

de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa

que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em

sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do

modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo

o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente

mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield

(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na

regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta

o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo

nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum

(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno

psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e

o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno

mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos

De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre

que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao

maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no

abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o

portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti

(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos

transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo

mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo

sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos

No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve

medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente

96

social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui

ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a

dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua

demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se

reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por

demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)

No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa

fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua

concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a

experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila

A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash

cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos

demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional

estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser

centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo

atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado

na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos

direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter

uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento

humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o

objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que

formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem

mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo

entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no

contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando

inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar

a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a

fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico

Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina

costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda

97

Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram

transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que

considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social

e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo

sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser

uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana

porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de

Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que

se colocam no dia a dia

Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos

queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade

a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se

apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos

trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um

conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES

1998)

A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das

relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer

uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e

comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os

muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees

familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios

que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)

Recomendaccedilotildees

Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos

os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo

continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma

nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam

apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os

casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada

a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias

profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento

98

psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA

2013)

Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais

equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a

Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para

sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos

medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena

o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia

Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe

mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que

cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de

3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de

pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio

ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por

equipe (BRASIL 2012)

Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era

de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio

de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa

complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da

Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de

necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de

cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)

99

622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes

Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Residentes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo

na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na

forma como ele se relaciona no trabalho na

comunidade

envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica

qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou

doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer

usuaacuterio de drogas

tanto um transtorno de ansiedade mais leve com

prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental

mais grave como esquizofrenia e tambeacutem

alcoolismo uso de drogas iliacutecitas

qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo

profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute

bem psicologicamente

pisando em ovos

soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo

encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente

consegue encaminhar por causa do NASF

primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas

abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem

necessidade de falar

geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o

paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em

tratar ou que eu ache que sei manejar bem

eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com

algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com

o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida

faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo

Ter uma rede mais integrada

Talvez ter mais investimento em CAPS

Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria

para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas

Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido

ldquo

100

Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e

a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo

como por exemplo nas falas

Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de

ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu

resolvi fazer (Betino)

No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda

no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a

realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente

meacutedica (Accedilucena)

Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno

dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo

de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho

De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-

doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em

sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica

tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de

estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e

exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a

terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento

e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e

desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do

saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de

adoecimento

No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a

importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social

econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma

especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja

Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de

cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os

procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de

101

indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas

respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)

Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo

a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa

especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a

diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam

categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a

implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas

de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de

paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o

reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente

da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)

Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para

qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia

era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um

profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do

Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um

direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema

de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de

um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas

pessoas

Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do

mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio

social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a

sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de

assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez

mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo

do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)

Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga

horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de

que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito

extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja

102

para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos

abaixo

Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em

serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu

aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a

gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)

Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma

hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)

Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da

agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo

sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum

problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no

atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do

cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras

abordagens em sauacutede como representado nos discursos

Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da

cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada

paciente (Braacuteulio)

Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que

aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede

do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento

tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de

setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta

qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo

que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como

alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade

depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional

meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi

uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico

103

Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e

insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo

O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das

denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a

ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria

se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes

posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer

possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como

modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de

nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental

sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees

lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo

No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo

esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa

realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo

biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria

terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito

distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido

A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma

compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com

repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona

no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode

ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa

Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando

falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente

Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a

normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas

psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande

controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental

Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se

trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios

104

criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a

de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais

facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que

os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as

variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas

se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida

No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave

manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser

muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)

Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo

reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as

diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma

coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas

essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as

definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica

diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir

determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave

cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade

Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo

em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o

meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o

indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao

contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de

conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as

doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a

MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva

atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal

vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees

Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas

seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou

identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente

natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha

105

ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo

especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades

Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam

entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada

dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis

para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo

potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras

doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal

familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)

Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem

classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais

meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que

preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos

hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma

percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo

de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho

formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais

profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo

deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS

uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo

depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos

recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de

problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de

que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo

conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece

argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica

qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo

(CAMPOS 2005)

106

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes

entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na

abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada

durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por

outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem

Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa

falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)

Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa

que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)

Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram

disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados

seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a

diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu

tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a

psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)

Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo

discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de

cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da

equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o

CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude

observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado

de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do

governo estadual

Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos

essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade

pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada

Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes

usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute

a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa

e sua existecircncia-sofrimento

O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo

psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-

se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio

107

imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso

e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria

No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz

uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo

uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo

retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees

em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada

e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de

questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o

usuaacuterio no momento do atendimento

Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos

profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem

matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos

ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia

A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a

APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para

a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base

territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de

cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave

populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista

aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as

poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo

A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves

20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois

acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade

de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede

das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera

que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento

dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o

sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma

coisa implica uma relaccedilatildeo

Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e

Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus

usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos

108

indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca

de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da

comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido

adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede

Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e

seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho

para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e

abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa

relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso

Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua

composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a

histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os

membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor

entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a

sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada

indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser

reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das

accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede

Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada

para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo

holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no

especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em

MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a

importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem

criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema

A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra

ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional

cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o

tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de

trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a

promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo

109

Recomendaccedilotildees

Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos

profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como

modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais

diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede

da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03

(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada

NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de

Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios

na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias

semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas

semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria

semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do

MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado

A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir

sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade

emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo

ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo

Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em

condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas

condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e

da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar

uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta

e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado

a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue

oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio

Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico

brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica

atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por

niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre

os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema

hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave

sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito

de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos

110

complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de

complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria

agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior

densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave

sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)

Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave

Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando

equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas

Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente

hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de

prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de

responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave

sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os

sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos

Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao

investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas

do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como

exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de

melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees

desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede

brasileiro

A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como

CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos

meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos

Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para

uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios

orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica

111

623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes

Enfermeiros

Nuacutecleo discursivo Enfermeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou

sentindo que tem alguma coisa marco consulta e

matriciamento

Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta

deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo

quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando

quiser pode voltar

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para

o meacutedico avaliar

Dificuldade de relacionamento na escola ou em

casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas

violecircnciaai tem muita coisa

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o

paciente pode se tornar mais agressivo

Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma

doenccedila mental

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no

trabalho em sauacutede mental

Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF

Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)

112

As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de

atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos

(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de

acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de

leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute

atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das

pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de

sauacutede aguda

No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento

de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente

retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma

enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da

populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a

profissional sinaliza como

Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita

paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo

querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)

A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico

mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo

hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a

populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas

especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da

populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute

tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS

resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede

mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No

entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no

modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que

tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo

113

na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e

fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de

planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura

o serviccedilo e sua famiacutelia

Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar

relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool

drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio

lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia

desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do

coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema

na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)

Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem

conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de

superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As

condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute

produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa

Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo

patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais

Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos

de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila

mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a

centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de

sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das

pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes

como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente

ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma

procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e

reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)

Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo

reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado

um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na

atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante

114

Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da

formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes

Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute

entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no

hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e

pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico

Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe

(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial

a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em

primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma

sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo

deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de

algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo

(LANCETTI 2013 p 19)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao

modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de

atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco

consulta e matriciamento (Aacutedila)

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)

Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da

consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria

atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da

equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para

uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva

para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico

() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura

empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um

ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade

primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que

115

ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que

desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade

do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo

(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)

Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico

para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para

seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o

funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar

sobre o encaminhamento de um caso especifico

Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da

avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor

psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava

(Claudomiro)

O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado

na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua

contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico

Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio

do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador

Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas

assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma

coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)

Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da

chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo

tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute

muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra

O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial

(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de

intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir

das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com

gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum

especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et

al 2014)

116

Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito

tecircnue entre o cuidar e o medicalizar

Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito

acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles

(Clemecircncia)

Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem

sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo

numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a

cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em

acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e

prescrever medicaccedilatildeo

Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de

um discurso contra hegemocircnico

Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)

Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto

com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)

O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila

paciente

No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de

patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute

fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo

natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias

intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais

Recomendaccedilotildees

Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de

toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que

facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental

A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)

E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir

melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)

Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe

117

Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico

acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada

nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)

Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na

atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)

Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar

trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes

O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede

mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de

tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo

redondinha para vocecirc (Aacutedila)

Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas

situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita

dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo

de lidar (Clemecircncia)

Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de

violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea

Programaacutetica (CAP)

Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando

em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo

da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc

denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)

O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute

para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na

unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental

continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de

formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da

doenccedila mental

No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos

profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns

tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E

completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros

profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na

118

ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus

afazeres cotidianos

As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que

muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem

perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)

No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho

gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo

municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes

Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah

porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui

ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo

fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)

Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no

SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que

principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute

maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas

Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal

melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida

como deve ser feita a referencia e contra-referencia

Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz

() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o

Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)

Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria

eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito

e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da

regulaccedilatildeo (Aacutedila)

Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-

referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-

referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)

A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro

avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio

dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os

niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o

instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede

119

integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede

eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde

persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos

estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo

entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um

estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede

na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva

das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa

Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012

E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF

tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos

residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF

O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes

temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem

tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente

tem que telefonar (Claudomiro)

Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero

de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais

recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas

reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do

NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos

essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield

(2002) continua baseado no especialismo

Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para

apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas

possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que

incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo

de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)

120

624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas

uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda

hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes

piscando a vista fica inquieto

Aquele paciente dependente acompanhado pela

famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor

e uma atenccedilatildeo redobrada

Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso

de 3 ampolas de haldol de 1414 dias

Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe

e fazemos discussatildeo de casos

Sauacutede mental geralmente quando chega com

alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente

fica calmo e se precisar assim a gente

encaminha para a UPA

Depende de cada diagnoacutestico porque o

psiquiatra que estaacute junto com a gente do

matriciamento ele estaacute justamente para resolver

o que puder ser aqui junto com o meacutedico

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ter psiquiatra como meacutedico da unidade

Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia

Grupos de atividades para integraccedilatildeo social

121

Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades

de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para

falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram

pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o

sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta

diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em

participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa

categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita

participaccedilatildeo na equipe como um todo

No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali

no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas

aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)

Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a

gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo

geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de

alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)

Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder

dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento

no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem

dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em

afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se

repete mesmo na ESF

Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -

denuacutencia

1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito

sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)

2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de

estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no

acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios

Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um

profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum

outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa

122

coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a

queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)

Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute

dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios

tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)

respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios

por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as

pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um

modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar

agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou

tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves

unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo

em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado

para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita

resolutividade

Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por

Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo

Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos

e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade

fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e

da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a

Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria

Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente

em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar

reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia

Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo

Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs

ampolas de haldol (Daacutercio)

Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()

depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)

123

Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)

Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde

Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo

redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso

Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede

mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e

comportamentos estereotipados

Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai

fica pra laacute e pra caacute (Felismina)

Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute

acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho

(Daacutercio)

O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute

mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados

para o ambiente e cuidados hospitalares

Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais

exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo

pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo

Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento

para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no

serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF

Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus

discursos

Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar

a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)

Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles

ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)

Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo

dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)

O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem

suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos

O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o

cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de

124

viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da

poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza

(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas

queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das

pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para

atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de

enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo

psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees

de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza

sobre elas)

2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de

Enfermagem verifiquei dois modos de agir

1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador

como preconizado pela PNAB (2012)

Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)

Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do

meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na

unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da

equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos

devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)

2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento

confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental no discursos dos profissionais dessa categoria

Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a

medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)

O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de

acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes

pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do

plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os

meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo

soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute

mesmo visita domiciliar)

125

A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar

ajudando o paciente (Felismina)

Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute

para o controle de alguma coisa (Daacutercio)

No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os

teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior

parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados

com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive

muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo

Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto

quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria

Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na

unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade

Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute

apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais

Recomendaccedilotildees

Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de

sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho

estaacute bem realizado

Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro

da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto

com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede

mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)

Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas

atividades relatadas

No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no

profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua

patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por

meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia

Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade

atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro

que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma

126

passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem

problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)

Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o

modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de

sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

ainda ser do modo asilar

Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse

trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim

() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)

127

625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Nuacutecleos Discursivos Significantes

Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa

pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de

fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente

que comem compulsivamente ou deixam de comer que

bebem muito

Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente

que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da

vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando

doido estressado

Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria

tecircm dificuldades tentam ateacute se matar

Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute

agressiva transtorno bipolar obsessivo

Pessoas estressadas

Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da

rotina

Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta

uma crise eacute o momento que tu vive

Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios

Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria

depressatildeo

Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar

sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a

pessoa daquele quadro

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a

enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando

Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando

tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos

programas que oferecemos

Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos

que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um

tratamento

Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na

demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de

exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o

estresse do dia-a-dia

Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o

CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia

psiquiaacutetrica

Trago o caso pra equipe

Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos

da equipe marcamos uma visita domiciliar

A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai

ser feito

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE

SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica

Presenccedila de outros oacutergatildeos

Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber

Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF

Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS

Diminuir o tempo de espera para atendimento

Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo

Ter mais meacutedicos especializados

Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila

128

Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao

falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma

inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como

podemos observar nos discursos

Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)

Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)

Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)

Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem

formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele

habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa

ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs

(LANCETTI 2014 p96)

Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da

ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo

reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento

teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas

preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal

ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo

sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)

Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive

oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto

assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos

interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico

da equipe

Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como

com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para

os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que

estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos

deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em

capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e

avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas

da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a

engrenagem da ESF

129

No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente

nas falas

A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na

rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)

Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as

barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)

Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a

questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior

como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x

asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por

eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham

nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do

asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu

aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em

alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute

a cidade do Rio de Janeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e

diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida

estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal

resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno

psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado

No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da

Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e

da escuta

Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e

vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de

sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder

introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)

130

Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou

seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de

diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de

intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar

os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou

burocraacutetico (LANCETTI 2014)

Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento

A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha

aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra

dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui

porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e

quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga

velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era

que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em

casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)

Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a

usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas

que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia

fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa

usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa

dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para

possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre

elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como

objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de

outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e

menos medicalizadoras (SARACENO 2001)

Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem

mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de

territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que

deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce

com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees

Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional

de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas

131

No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento

Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute

louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()

Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e

maluco

Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala

eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros

falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)

Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia

ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os

termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico

O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo

de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e

integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no

processo de adoecimento

Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das

vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute

deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo

da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele

paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a

casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()

Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no

comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia

mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa

Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder

da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014

p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas

da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio

existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as

emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com

consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de

processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a

132

accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapecircutico (LANCETTI 2014)

No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde

melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a

alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos

informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem

Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas

que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo

deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre

natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente

jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou

deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)

Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa

das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do

modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso

acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de

sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se

necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no

hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento

valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas

indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa

ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede

nas cidades brasileiras

No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como

Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele

ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele

tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor

Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram

trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o

entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-

se uma vaidade em falar

Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a

diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o

133

remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente

nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)

Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade

em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo

por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de

aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais

ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento

Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as

atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de

equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos

discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes

exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se

necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos

elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a

uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a

populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)

Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na

cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam

Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle

() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de

racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de

focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio

equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS

comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres

que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas

domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o

controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013

p41)

134

Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer

conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua

atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de

produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O

indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se

corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico

Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade

traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do

cuidado a esses usuaacuterios

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu

fico soacute acompanhando (Hebe)

Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os

cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento

(Marcilene)

Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de

niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas

apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica

mais uma vez subordinado ao poder meacutedico

Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina

Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem

abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()

qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar

o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro

entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado

O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia

no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo

tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees

de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as

accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)

No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o

manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de

doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo

psiquiaacutetrica

135

Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia

descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou

estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo

() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada

Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o

quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada

accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce

que pode ser iatrogecircnica ou natildeo

Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe

pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria

A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no

modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os

documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a

figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se

necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo

romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse

entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e

sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara

Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a

gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios

controlados

Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz

(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de

uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da

criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica

o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo

do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste

personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando

agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um

territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as

transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem

do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)

136

Recomendaccedilotildees

Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no

discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir

que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede

mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem

ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica

Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo

sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo

comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas

Kiara

CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma

capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)

No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como

uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a

entrevistada tenta negar mas se contradiz

Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os

profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que

muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais

Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute

fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a

participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio

No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma

visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o

trabalho na ESF

Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles

tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)

Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc

tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar

porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute

interessante eu gosto (Jacobina)

Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado

no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia

ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS

137

Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui

a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute

sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves

vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)

Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria

faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser

pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui

noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)

O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia

da demora para o atendimento em sauacutede mental

Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute

aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do

meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem

uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante

E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois

na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede

mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que

demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando

as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008

138

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica

brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em

marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se

entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada

democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a

necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a

desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos

ao jaacute combalido SUS

A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$

600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de

conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa

Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa

de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de

promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede

A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a

sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica

que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o

cenaacuterio atual estaacute desolador

Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento

Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por

meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a

cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172

(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito

um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas

novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo

investimento feito na APS

Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os

sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo

adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo

como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela

triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o

139

texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a

intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees

discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que

se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi

de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a

linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas

ideologias

Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e

enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu

como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a

compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um

modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o

entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais

amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais

complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem

Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de

emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse

grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde

moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo

ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo

haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao

ponta da doenccedila jaacute instalada

As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede

mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade

Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem

psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora

tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado

na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre

transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que

inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o

encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais

graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica

140

Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma

perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de

sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as

categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele

questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute

passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como

linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental

Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos

externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do

Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos

uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos

e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade

para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em

atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra

e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das

equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse

que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto

agraves equipes da ESF

No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para

nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a

solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e

escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros

mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico

No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental

apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica

dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na

recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para

atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos

141

na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram

dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e

atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede

Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do

encaminhamento

Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de

ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida

(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede

(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo

Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social

muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da

prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do

empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e

da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo

Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF

estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos

a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com

visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes

a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento

longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente

para as pessoas mais abastadas da sociedade

O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e

desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado

para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de

questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os

benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os

meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos

usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da

dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado

pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a

intenccedilatildeo

142

Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma

enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a

princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam

pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece

tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios

um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga

Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de

funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a

unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e

odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses

grupos satildeo realmente propostas inovadoras

Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de

inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de

chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o

profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua

concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo

social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito

proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de

caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de

conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia

muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas

pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais

Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa

dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de

sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das

visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo

ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um

dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de

enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da

unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o

agente comunitaacuterio de sauacutede

Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade

Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e

divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da

143

Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS

como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros

recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento

da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia

Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF

acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que

necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos

de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios

profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute

situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro

A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e

dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo

especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a

importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um

todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por

parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a

quantidade e natildeo a qualidade do atendimento

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina

de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos

humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs

facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta

rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente

dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos

de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos

preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando

em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo

melhor

Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para

melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia

seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento

da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente

desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do

cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai

144

conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos

residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho

apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de

enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente

Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para

defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que

diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e

sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela

maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a

capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo

Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de

qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos

nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto

natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento

ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em

sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem

organizado deve garantir

Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e

poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos

sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas

De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista

tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que

possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute

doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as

dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o

cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo

acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento

se natildeo natildeo haacute

Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que

convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados

de sauacutede

As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia

cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio

145

de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada

na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais

foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade

e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor

Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da

Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados

encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental

ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os

profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo

com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no

acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista

Iniciais do nome

Idade Sexo Estado Civil Natural de

Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo

Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )

Tempo de atuaccedilatildeo na ESF

Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental

1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF

- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)

- Como eacute a sua rotina de trabalho

- O que caracteriza o seu trabalho na ESF

- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF

2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela

sua equipe da ESF

- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha

- Se encaminha para onde

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na

ESF

161

APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante

Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida

por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)

sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da

Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo

O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da

Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na

populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio

do Rio de Janeiro

Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede

da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses

O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da

Famiacutelia no territoacuterio adscrito

Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia

para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento

Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou

desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa

Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc

prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos

resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em

arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu

orientador e minha co-orientadora

A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da

pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito

atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo

A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com

questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo

O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas

seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora

Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco

(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP

O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo

sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute

influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em

seu territoacuterio de responsabilidade

Rubrica do Participante ____________

Rubrica do Pesquisador ___________

(1-2)

162

O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as

entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo

a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como

participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos

dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus

depoimentos

Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a

pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem

rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter

sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo

Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc

de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender

os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no

desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de

avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios

eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da

confidencialidade e da privacidade

Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863

E-Mail cepenspfiocruzbr

httpwwwenspfiocruzbretica

Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo

Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210

___________________________________________

Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)

Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial

LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de

Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom

RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015

Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo

em participar

_________________________________________

(Assinatura do participante da pesquisa)

Nome do participante _____________________________________________

Rubrica do Participante ____________

Rubrica da Pesquisadora _____________

(2-2)

Page 3: Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation

Catalogaccedilatildeo na fonte

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz

Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica

Biblioteca de Sauacutede Puacuteblica

P659s Pinto Vanessa Andrade Martins

Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede

da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade

Martins Pinto -- 2017

162 f tab graf

Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante

Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo

Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Aprovada em 07 de Abril de 2017

Banca Examinadora

Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes

CCSUFPB

Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto

FCMUERJ

Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom

ENSPFIOCRUZ

Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto

ENSPFIOCRUZ

Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante

ENSPFIOCRUZ

Rio de Janeiro

2017

Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um

projeto

Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que

este trabalho pudesse se concretizar

Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua

capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a

importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo

desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos

mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila

Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato

em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas

leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel

Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos

e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e

encorajamento para seguir em frente

Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu

generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal

Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a

pesquisa

Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes

momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras

nessa empreitada sem os quais nada teria sentido

Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos

manobras de alta complexidade

LANCETTI 2014 p107

RESUMO

Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-

analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo

geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do

territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de

campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais

nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)

enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a

teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees

utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram

principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo

caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros

tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma

visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia

comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores

que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das

vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho

casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo

econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos

profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na

Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a

relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o

deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes

Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe

Multidisciplinar

ABSTRACT

A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in

the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings

attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental

health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection

included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)

professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident

physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians

The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The

names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to

the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a

case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some

correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia

hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the

term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple

depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that

addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties

unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of

the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family

tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use

diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress

violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social

relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite

the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in

the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the

professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the

shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices

Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary

Team

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89

Meacutedicos Preceptores

Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99

Meacutedicos Residentes

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111

Enfermeiros

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede

ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede

APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

AM Apoio Matricial

UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede

CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados

com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo

CF Cliacutenica da Famiacutelia

CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental

DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica

DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais

ESB Equipe de Sauacutede Bucal

ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia

MS Ministeacuterio da Sauacutede

MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade

NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia

NOB Norma Operacional Baacutesica

OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede

OS Organizaccedilatildeo Social

OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de

Sauacutede no Rio de Janeiro

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

SF Sauacutede da Famiacutelia

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12

2 INTRODUCcedilAtildeO 13

3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20

32 Objetivos especiacuteficos 20

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de Termos 20

42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29

43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34

44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42

45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51

46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57

47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60

48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do estudo 71

52 Tipo de Estudo 72

53 Campo do Estudo 72

54 Participantes do Estudo 74

55 Procedimento para coleta dos dados 74

56 Forma de Anaacutelise dos dados 75

57 Aspectos Eacuteticos 77

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o Campo 78

62 Anaacutelise das entrevistas 82

621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89

622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99

623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111

624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120

625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138

REFEREcircNCIAS 146

APENDICES

APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160

APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161

12

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo

A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com

as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o

Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em

Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no

qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela

Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a

importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem

uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados

Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e

pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei

continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no

Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca

coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como

funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu

mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo

ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo

realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro

Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio

especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na

porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como

proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do

Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de

psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio

e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de

2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais

especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de

Atenccedilatildeo Psicossocial

Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142

agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio

especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo

comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a

questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia

13

Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das

pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de

doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo

primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social

Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento

das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo

primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para

depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para

entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF

(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode

permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees

de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob

sua responsabilidade

2 INTRODUCcedilAtildeO

Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma

Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do

modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e

construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares

Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no

territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras

poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)

Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo

atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo

e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no

processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de

atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em

sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o

contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)

Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a

organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave

Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e

14

prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)

desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no

desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas

aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro

contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades

de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de

acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo

primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo

Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como

estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se

destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com

enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e

Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem

se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em

sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o

tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao

Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da

personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista

cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios

emocionais em seus pacientes

Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a

atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de

pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo

bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo

primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)

No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo

organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando

profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos

compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras

psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos

planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos

15

usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as

unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp

MEGALE 2012)

Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova

concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios

diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida

comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003

apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma

campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos

e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes

com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram

tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)

Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede

mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do

caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da

vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting

terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e

a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)

Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter

como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o

desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)

Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram

induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e

Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases

conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e

desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que

esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como

poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado

Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a

utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito

individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos

16

o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo

Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e

reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia

prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)

A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e

veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da

Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima

em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute

que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a

que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem

exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana

Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes

da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental

na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo

de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o

desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional

de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo

com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo

ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos

hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a

comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de

normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)

A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001

reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e

intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta

Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo

assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser

considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no

atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi

sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental

17

Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos

dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em

psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode

gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o

treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais

diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos

meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas

de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram

prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos

gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o

intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e

revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional

programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo

podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute

sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito

de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A

formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria

limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede

mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de

residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio

Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de

sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave

formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um

dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos

postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de

medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e

estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia

de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local

de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na

formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de

atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no

18

acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na

educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo

primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de

formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)

Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo

Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da

Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil

2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave

Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com

financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das

redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi

decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool

e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I

Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e

emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar

Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129

Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando

nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de

serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a

populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)

A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos

cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados

de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades

de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica

das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e

Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e

Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o

objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de

sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade

E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu

trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na

19

populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham

eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito

de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade

Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos

cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS

via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede

no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem

aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em

ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de

territorializaccedilatildeo

O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de

identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua

responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por

atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria

uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo

da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF

poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social

O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de

serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo

primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o

processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao

sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no

circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS

Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no

entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de

Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)

O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede

mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente

instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e

os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e

trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o

20

entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente

e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata

3 OBJETIVOS

31 Objetivo Geral

Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca

do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua

responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro

32 Objetivos especiacuteficos

321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o

seu trabalho

322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram

ldquocasordquo de sauacutede mental

323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou

encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de termos

ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental

ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito

pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental

ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado

entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado

conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo

No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender

como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os

profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento

mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees

relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados

Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas

Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem

instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos

enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as

questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea

21

Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF

em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos

diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina

faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede

Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica

Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo

a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)

traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de

Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42

idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor

quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos

praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o

momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos

julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a

proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)

O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que

lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo

com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute

usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro

induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos

Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior

revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida

em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de

2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica

Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia

comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa

em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade

Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco

da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento

Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM

e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o

manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma

lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma

22

regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede

mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo

Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute

como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a

filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo

Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um

silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras

formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que

natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende

classificar

Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos

efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir

sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito

aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de

grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno

mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os

quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de

vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a

mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode

ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute

especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um

diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V

ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a

afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural

ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo

construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico

(FOUCAULT 1972)

Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma

posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as

qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a

norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar

23

Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma

coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo

Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute

necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que

jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX

Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir

das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as

objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria

farmacecircutica conclui

Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de

sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o

diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma

compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias

diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia

tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)

Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute

impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela

teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena

suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa

coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute

transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico

O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a

definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo

o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de

tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da

experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da

sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos

empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios

Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de

tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria

social dominante

24

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)

A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir

qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de

trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS

de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades

aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)

Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os

preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente

biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as

famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de

risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os

determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais

relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e

organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada

classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo

em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias

desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo

no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida

pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)

Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por

Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo

dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou

a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa

dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o

modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees

e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF

contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e

rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios

assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da

atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os

desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade

de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede

assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social

25

Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS

tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao

acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os

benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a

educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura

de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a

reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares

Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes

hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes

foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios

observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas

integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede

mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da

Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos

usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no

processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela

ESF no processo de cuidado

Os profissionais da ESF

A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional

composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em

Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista

em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede

(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede

(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)

Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os

profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede

da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da

Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a

meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De

maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias

daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o

nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)

26

Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme

Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)

Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre

a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as

finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II

- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em

contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da

sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar

todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias

quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de

promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio

de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na

comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo

de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob

sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir

com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da

malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002

Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo

de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano

infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras

normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as

disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames

complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a

demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em

conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de

educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar

do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de

agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e

terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou

necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III

27

- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria

gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e

procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a

serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia

locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio

proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar

mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar

das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e

VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da

USF

Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo

realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando

indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas

associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento

da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado

funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda

espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente

Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil

epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os

procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das

urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica

da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede

bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento

reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a

grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar

atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de

accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -

acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais

membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de

forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e

auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios

para o adequado funcionamento da USF

Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal

(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a

28

indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias

teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos

odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com

os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de

sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de

prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local

e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e

instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -

instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -

cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a

agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal

com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees

de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da

famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)

I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da

equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles

relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a

serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo

adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de

atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas

nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por

meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da

garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de

vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo

compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta

qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento

humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela

populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de

29

atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de

planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX

- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle

social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees

intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro

das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das

atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem

definidas de acordo com as prioridades locais

42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE

Aspectos Teoacutericos-Conceituais

Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as

accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos

fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma

coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de

atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias

disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas

poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede

Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles

estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico

No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais

aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees

ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em

procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de

envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da

promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)

No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos

componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a

organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta

maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as

accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o

que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende

analisar os modelos de atenccedilatildeo

30

Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar

um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-

cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser

diversos tendo em conta as realidades distintas

Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees

tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades

de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)

Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos

Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no

sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e

no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a

relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de

atenccedilatildeo

Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo

MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO

Medicina preventiva

(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas

meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em

1968)

(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente

fiacutesico bioloacutegico e sociocultural

lsquoModelo ecoloacutegicorsquo

lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo

Niacuteveis de prevenccedilatildeo

Medicina Comunitaacuteria

(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola

tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-

assistencial participaccedilatildeo da comunidade e

regionalizaccedilatildeo)

lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e

terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo

lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)

Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)

Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo

Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a

reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do

sistema de serviccedilos de sauacutede

Promoccedilatildeo da sauacutede

(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais

da sauacutede)

Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos

estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de

condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012

A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo

existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute

intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao

movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado

31

Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos

No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no

paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo

sanitarista

O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e

o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos

fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo

4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da

medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada

dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)

Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista

que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista

permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre

presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de

caraacuteter coletivo

Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde

o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico

(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas

de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias

(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais

(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria

e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)

Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da

integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou

buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo

sanitarista)

As propostas de modelos alternativos

Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-

se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos

serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da

deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na

perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees

32

programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)

Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia

A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento

Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo

caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades

epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees

nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo

de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas

riscos e as necessidades da comunidade

A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios

como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012

p247) define distritos sanitaacuterios como

Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede

definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos

gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e

privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos

poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada

para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior

quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede

Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa

organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com

mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida

um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios

Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e

da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de

redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais

de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-

se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de

condutas

Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na

geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de

danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a

assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada

accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca

33

reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de

sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e

acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)

Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)

Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)

O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na

anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs

orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar

processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe

profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios

de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da

atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo

do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos

incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012

p 483)

No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes

tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do

ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o

viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no

sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim

(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante

diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das

doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo

A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do

Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos

estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta

estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede

reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis

escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis

Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica

na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta

organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de

reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute

melhor descrita nos capiacutetulos seguintes

34

43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)

Conceitos trajetoacuteria e abordagem

O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e

apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram

ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo

do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do

sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees

de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o

movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da

Conferecircncia de Alma Ata em 1978

Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi

marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os

governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus

sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila

Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados

Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade

do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS

(FAUSTO 2005)

Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os

cuidados primaacuterios em sauacutede como

Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos

cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e

em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas

famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de

contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o

sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os

serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha

constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo

processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)

A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos

verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento

35

em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais

especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento

aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de

combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e

descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de

questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede

recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos

processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual

predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan

Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em

desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens

alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo

respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir

desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976

Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000

A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede

essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um

processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e

equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade

mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A

compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes

sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da

Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute

defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e

apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em

sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos

distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo

Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo

ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento

Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens

de APS entatildeo existentes (Quadro 2)

36

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede

ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE

APS seletiva

Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para

enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em

desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais

comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral

amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar

planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres

Conjunto restrito

de serviccedilos de

sauacutede para a

populaccedilatildeo pobre

Primeiro niacutevel

de atenccedilatildeo

Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de

cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do

tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de

primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e

serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da

concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas

universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave

disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou

medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general

practioners ndash GP)

Um dos niacuteveis de

atenccedilatildeo do

sistema de sauacutede

APS

abrangente ou

integral Alma-

Ata

A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema

de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social

Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de

enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e

cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo

comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas

e uso eficiente dos recursos

Estrateacutegia para

organizar os

sistemas de

atenccedilatildeo agrave sauacutede e

para a sociedade

promover a sauacutede

Abordagem de

sauacutede e de

direitos

humanos

Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais

amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata

Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser

inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo

para promover a equidade em sauacutede

Uma filosofia que

permeia os setores

sociais e de sauacutede

Fonte OPASOMS 2007 p04

Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria

pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave

sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e

abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com

consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p 506)

Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser

compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das

accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do

meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de

atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo

ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)

37

Atributos caracteriacutesticos da APS

Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses

industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield

(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem

reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas

especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de

responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao

longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e

social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das

diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais

complexas

Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo

devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se

na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter

competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos

grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo

para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros

da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de

agentes comunitaacuterios de sauacutede

Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na

capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de

serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios

o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)

do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao

generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A

coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento

populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de

doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais

Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral

segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do

desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que

implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do

processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social

do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de

38

poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento

social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da

poliacutetica municipal completa as autoras

Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com

diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e

planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades

individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede

Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos

Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da

eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de

aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas

de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)

Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos

serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave

compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de

Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)

Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a

primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por

iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido

trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo

primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em

centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do

ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo

encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)

ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos

serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e

Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram

imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos

sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o

primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus

consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de

sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que

permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar

39

consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede

empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)

Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de

atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu

Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o

modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de

acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo

enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram

nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas

empresas por exemplo

Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento

como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que

separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em

uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em

serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os

ambulatoacuterios de hospitais

Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil

O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de

outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito

tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros

de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede

puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os

ambulatoacuterios em hospitais gerais

Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda

focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica

organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter

curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de

Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas

algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil

natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos

40

ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua

indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)

esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da

doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que

aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos

Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease

tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava

accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento

cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana

atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre

sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias

deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela

unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo

de seguro de sauacutede

Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com

apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia

meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se

destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao

direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de

participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de

treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a

ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela

pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse

contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e

um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos

de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais

Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo

docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na

atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo

sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas

41

no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida

(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)

A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a

atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi

criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava

a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em

cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por

oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua

conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS

Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do

Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa

Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios

experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise

previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem

alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede

Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria

respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo

de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees

Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos

baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo

Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo

de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local

seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o

sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo

independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados

programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de

Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como

modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos

adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

42

44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial

A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma

Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi

contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de

proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a

sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e

serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e

diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade

humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis

Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o

Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do

SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de

descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para

o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e

expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo

Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do

SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo

Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela

FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de

caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia

de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi

formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de

dezembro de 1993

No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um

novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade

financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)

contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro

niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de

agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)

43

Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo

Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio

do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo

assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a

organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o

enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009

p24 )

Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve

uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do

Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela

primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual

(GIOVANELLA et al 2009)

Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm

1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do

seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de

promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)

No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da

Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no

paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a

ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira

- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013

Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das

EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o

objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e

resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns

meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e

assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a

proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que

tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes

Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os

desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira

incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo

44

primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo

recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de

trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p539)

A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de

entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos

cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria

incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na

famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de

modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo

caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede

O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma

perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a

comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes

O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de

alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos

profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes

satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas

locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-

qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em

2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo

Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de

especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)

Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa

integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior

parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo

especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior

investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos

ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental

cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de

45

informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e

prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)

Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e

na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo

de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem

para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro

A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do

paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram

efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)

realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002

a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu

papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da

melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi

evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do

acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram

verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os

limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na

territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma

intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda

natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local

A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio

Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822

capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute

1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia

Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico

internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois

de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro

era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes

O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos

incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob

46

a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel

histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)

Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em

trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de

SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e

Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013

ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)

Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do

Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com

sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33

40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e

necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)

Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu

investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua

capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de

manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no

municiacutepio (CASOTTI et al 2013)

Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994

com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional

como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e

desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam

a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008

Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria

no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno

de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou

um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma

importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa

expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de

479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)

Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da

gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo

alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees

Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

47

(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o

campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015

OPAS 2013)

Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de

Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves

diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de

serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47

equipes em 2015

A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental

No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-

2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais

efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de

base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de

Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes

da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos

Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo

Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o

melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO

2013)

A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores

da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a

realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais

institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi

impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave

ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um

modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos

comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas

se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um

projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a

Reforma Psiquiaacutetrica

48

A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo

pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil

(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a

participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho

moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios

portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio

de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)

Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode

alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de

Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma

Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos

que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo

de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)

Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser

importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma

mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana

dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os

problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a

resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)

A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional

da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em

situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o

maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos

niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se

como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber

cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou

mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)

Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre

relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de

1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os

transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos

estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo

feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico

49

tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a

realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS

Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os

problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma

Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais

natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que

sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se

encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante

tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos

Apoio Matricial (AM)

No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio

esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)

estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e

usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar

obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio

interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso

de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto

de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS

Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um

estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de

50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as

atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos

estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF

reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da

integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais

comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os

usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por

um ou mais especialistas

Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade

dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo

organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de

maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico

50

no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos

mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem

compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a

construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas

Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de

construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo

esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos

esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio

brasileiro

A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash

Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo

primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os

serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo

Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas

Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede

Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio

Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio

(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o

acompanhamento dos pacientes

Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)

Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede

mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais

Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia

domeacutestica

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais

nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo

diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades

realizadas pela unidade

Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de

benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos

Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e

NASF

51

Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de

consulta meacutedica e grupo terapecircutico

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de

convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de

convivecircncia

Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados

Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados

Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM

via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois

turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o

CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado

encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e

recursos financeiros

45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil

A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o

desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o

trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua

capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e

entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo

(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)

Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes

medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia

fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas

biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a

aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo

do ensino das demais profissotildees de sauacutede

O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou

conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas

principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e

ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial

Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em

52

hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica

Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio

profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)

A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial

composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas

voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de

praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma

hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente

desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e

BELISAacuteRIO 2012)

Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a

foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que

a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada

na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma

quotidianamente (FREIRE 2003)

Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos

hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais

antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo

cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era

uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees

Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia

positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a

microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a

impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria

dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses

problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo

aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo

a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do

setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio

1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de

que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais

e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida

53

exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de

reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise

sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008

apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do

Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN)

Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos

pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os

postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo

sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo

contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais

de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e

progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e

compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo

(HADDAD et al 2010 p 38)

Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil

que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos

distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores

O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de

cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve

iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo

tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas

vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais

(BARROS et al 2010)

No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho

com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do

mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se

a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a

expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o

54

mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na

agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS

et al 2010)

Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm

402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante

coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres

para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite

(BRASIL MEC 2000)

Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo

de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS

em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a

formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho

pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)

Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do

modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares

a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos

meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero

de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)

Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos

Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de

1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial

atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o

nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo

Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo

para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do

Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da

enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute

que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria

Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio

Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos

Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais

de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino

profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a

55

permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo

em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)

Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990

registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios

sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de

Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para

os profissionais de enfermagem em geral

Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas

Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a

profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS

no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de

Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas

Secretarias Municipais de Sauacutede

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se

alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a

integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na

formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e

Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu

simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas

de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em

relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos

Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional

focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias

pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria

para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na

medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar

das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a

ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)

Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro

profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica

nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho

individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que

56

preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e

antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em

um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo

universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da

disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)

Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no

Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na

atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis

anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da

Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro

das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de

Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado

pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na

Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade

a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e

pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em

formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em

1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais

institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)

posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os

alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do

Brasil

Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado

ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades

baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo

tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em

decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica

puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente

em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes

pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu

agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso

57

salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios

de Sauacutede

Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o

ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas

envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser

visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala

assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de

cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a

comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-

se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de

fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes

46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA

Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental

Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao

modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os

indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse

contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes

Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz

necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia

O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto

fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos

pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se

construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e

administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este

conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o

contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo

doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)

O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos

princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua

58

ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia

subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo

biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais

[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma

importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do

pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o

lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador

o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte

do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade

(AMARANTE 1999 p49)

Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se

contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees

importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva

A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado

um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de

substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)

De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes

experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a

Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da

contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos

autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias

transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico

pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila

Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser

especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e

sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como

estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa

Luzio e Yasui (2003 p 32-33)

No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e

praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental

59

Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito

com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade

social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita

a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na

direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo

sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma

relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena

inclusive das terapecircuticas

No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo

de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem

significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo

com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de

sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e

Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e

Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas

com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se

colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o

conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais

visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos

No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees

advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por

instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila

mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social

Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os

vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas

accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que

institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo

de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria

No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas

a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a

anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao

conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e

a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em

60

processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula

como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a

imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social

Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam

mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira

cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana

Haacute que se observar ainda que

O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e

contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-

social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees

concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de

um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees

mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)

47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL

De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a

histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor

a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas

com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees

poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees

natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)

O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado

no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre

ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen

argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social

e cultural pois para ele

A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo

expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do

corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como

fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da

natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo

nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e

61

modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal

atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)

Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila

assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os

diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo

da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso

das praacuteticas meacutedicas

Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios

investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da

medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo

urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica

Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois

para ele

Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do

Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha

acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo

tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o

Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc

assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a

obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos

para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia

saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)

Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da

definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a

Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como

carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim

Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos

socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e

poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)

Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz

parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees

higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia

62

Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado

parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando

as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e

passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da

medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de

economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial

Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de

uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o

contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo

XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o

corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da

sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela

consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo

(FOUCAULT 2011 p80)

Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face

da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das

sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como

resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem

doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das

funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina

A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia

cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial

cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-

chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia

das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees

autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional

desempenha nesse processo

Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do

sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade

epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)

Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa

medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um

63

epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco

tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees

autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo

Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor

propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente

inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de

medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich

A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia

Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance

para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila

medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)

Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute

sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou

probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que

estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo

ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa

instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante

dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou

psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-

epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em

medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de

constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por

padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)

O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre

os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o

sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber

individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para

cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A

ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como

necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega

satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada

Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do

sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de

64

revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo

em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia

muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees

que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico

asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba

natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais

vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc

Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no

qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a

biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que

transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de

revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela

biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)

Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das

accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do

setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar

o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e

natildeo cuidar soacute da doenccedila

Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e

no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como

alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a

respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo

medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem

investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute

desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e

construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da

construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a

aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)

Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da

atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico

do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de

existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as

65

categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina

(TESSER 2004)

Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do

profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das

vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo

biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como

comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute

portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do

acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo

biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam

sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo

intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo

dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)

A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo

dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina

meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do

saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade

nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo

satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem

de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os

quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a

maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas

altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se

conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos

sintomas (TESSER 2006)

Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes

accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em

parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser

desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a

pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)

Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute

em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos

conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja

inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)

66

De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo

do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o

profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente

partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma

profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e

natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem

lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)

Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo

copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos

doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo

estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com

uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo

cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)

Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos

medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a

formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto

significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF

cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios

48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA

Epistemologia

O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser

trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio

desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian

McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela

qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees

sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da

profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta

Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses

interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira

Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph

Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas

de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo

67

clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre

Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)

O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa

mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos

profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a

abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na

qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas

na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo

hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta

nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a

ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o

imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o

profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir

quando o poder eacute compartilhado

Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo

sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que

eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em

um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem

centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como

- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos

- melhora na aderecircncia aos tratamentos

- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades

- reduccedilatildeo de sintomas

- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica

- melhora na sauacutede mental

- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes

Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica

meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A

ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente

questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard

(1986) e White (1988)

68

Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977

p130)

Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada

por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem

ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as

dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O

modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas

como uma entidade independente do comportamento social mas

tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com

base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)

Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no

pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo

Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas

opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na

avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55

2010)

Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi

desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no

meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo

(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no

meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)

O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une

aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)

sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da

pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo

da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)

Os seis componentes interativos

O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de

orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa

Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o

profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do

69

qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al

(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica

cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se

unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos

Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois

conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo

de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura

ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar

doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua

experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo

o que ela espera do meacutedico

O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da

doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos

muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu

desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive

inclusive o ecossistema

Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo

dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a

definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a

identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos

Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como

uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada

encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o

profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura

Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um

entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e

contratransferecircncia

E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional

seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho

em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de

sauacutede

Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira

Stewart et al (2010)

70

1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila

- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares

- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e

expectativas da pessoa

2 Entendendo a pessoa como um todo inteira

- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento

- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social

- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema

3 Elaborando um projeto comum de manejo

- Avaliando quais os problemas e prioridades

- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo

- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede

4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

- Melhorias de sauacutede

- Evitando ou reduzindo riscos

- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas

- Reduzindo complicaccedilotildees

5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa

- Exercendo a compaixatildeo

- A relaccedilatildeo de poder

- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)

- O auto-conhecimento

- A transferecircncia e a contratransferecircncia

6 Sendo realista

- Tempo e timing

- Construindo e trabalhando em equipe

- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis

71

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do Estudo

Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de

literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de

2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca

Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia

Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo

assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo

Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na

plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo

site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos

115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias

estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede

mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades

de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os

estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos

A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo

apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica

medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da

atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam

para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva

da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014

TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al

2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010

BUCHELE et al 2006)

Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes

conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria

estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu

cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a

necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de

sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois

os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede

mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al

72

2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES

BARRETO 2009)

A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de

entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo

52 Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos

entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a

abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do

universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um

espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO

2010)

Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o

pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o

acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e

mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os

problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e

anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo

de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as

observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)

53 Campo do Estudo

Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)

distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52

e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental

e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha

uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP

escolhida para realizaccedilatildeo do estudo

Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas

da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com

a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do

municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de

lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas

em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)

73

Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia

(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo

que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial

(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio

Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo

proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto

um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de

Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi

entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo

A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo

funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em

frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento

funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de

Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme

vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma

unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria

biblioteca

A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o

territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o

Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do

Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos

profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo

dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando

assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam

De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o

nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash

DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe

Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O

nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a

Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)

Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em

marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)

74

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho

de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada

equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)

teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de

Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)

meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A

equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)

auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra

1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade

54 Participantes do Estudo

Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos

enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a

equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo

fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu

nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes

profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo

preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e

dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes

trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores

Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe

miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses

E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento

durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar

do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute

menos de seis (6) meses

55 Procedimento para coleta dos dados

A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano

do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como

complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi

observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura

fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia

75

para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)

2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um

guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de

cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do

Conselho Nacional de Sauacutede

O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma

estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil

natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-

estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu

trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea

ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras

o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como

lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental

56 Forma de Anaacutelise dos dados

Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo

sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de

Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica

de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi

A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E

a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por

de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o

estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do

processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos

Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do

significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria

A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a

Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e

ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do

inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi

(2000)

ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que

natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo

(ORLANDI 2000 p 83)

76

Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio

histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)

A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um

discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o

sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico

e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende

dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-

construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)

Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel

disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair

a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores

pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que

ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o

contexto no qual estava inserido

Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do

Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos

ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio

absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)

Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do

enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo

Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros

discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que

fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no

interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo

a ser compreendido na anaacutelise do texto

Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e

quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo

Pecirccheux

1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si

mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-

histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas

2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia

de formaccedilotildees ideoloacutegicas

77

Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)

que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela

histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas

faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a

Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute

certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento

57 Aspectos Eacuteticos

O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do

responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo

Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo

sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais

participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim

atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos

Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio

processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e

contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo

importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica

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6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o campo

As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma

sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a

dinacircmica da equipe

Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das

reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a

equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de

sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam

para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis

encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim

como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de

exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava

desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre

determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a

alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe

Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de

vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos

agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de

trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de

determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora

aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja

ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir

sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que

deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e

multiprofissionais

Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca

da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de

fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo

do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo

andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O

acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com

corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de

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apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou

alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes

segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas

As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de

atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para

atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se

localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para

farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo

1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1

sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de

expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino

tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para

profissionais e usuaacuterios

A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios

possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e

coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade

natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas

indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por

exemplo com setas indicativas

O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas

tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do

banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo

o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A

limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo

de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais

Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua

antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o

profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante

destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01

cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com

torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2

cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das

feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material

bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para

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guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas

mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo

de artesanato guardavam o material

Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-

se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita

de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06

ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para

armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da

Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa

pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e

almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a

unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio

De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da

Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios

ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado

uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para

pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial

barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como

recomenda o referido manual

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram

colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim

como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio

eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma

das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela

gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada

(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de

procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e

Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras

caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)

Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante

as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com

Especialistardquo

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O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia

semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a

proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se

voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um

espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias

A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no

periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de

duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC

da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei

muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo

sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos

de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes

falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia

deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete

como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os

participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos

de enfrentamento

O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe

repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e

pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar

junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo

psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que

gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do

usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data

retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o

conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a

utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas

Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com

outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas

aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o

acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que

contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma

proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico

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O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros

Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a

melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico

singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo

entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS

2014)

62 Anaacutelise das entrevistas

Consideraccedilotildees introdutoacuterias

As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo

1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa

2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase

3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala

4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas

5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula

6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes

fictiacutecios

As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada

uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que

foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees

sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de

apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido

Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS

SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas

de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental

Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as

formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos

internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de

ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do

discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor

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pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem

funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)

Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram

descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas

analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)

meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos

preceptores

De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de

discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada

entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o

processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na

anaacutelise das entrevistas

Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das

questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais

entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de

formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental conforme descrito a seguir

Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com

idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de

Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo

de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento

especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou

durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico

preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um

colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa

da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro

Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade

entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)

solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e

(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de

Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes

meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma

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especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a

buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo

formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)

entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de

formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam

tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou

que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua

graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar

(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)

Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)

sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do

Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de

formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter

residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia

Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na

ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF

estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para

lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma

parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de

Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional

informou ser morador da aacuterea onde trabalha

Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36

anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado

todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a

10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais

informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos

citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de

Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar

Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)

declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)

teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham

Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina

Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40

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anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)

Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de

atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as

questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos

como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e

capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que

proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de

informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS

(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso

ldquoCaminhos do Cuidadordquo

A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores

meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo

biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas

Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo

na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)

Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a

famiacutelia (Bartolomeu)

Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()

a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente

administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que

entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo

(Claudemiro)

Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a

oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela

vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos

denominaram

Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)

Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)

Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo

muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)

Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com

eles (Heda)

Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade

(Hebe)

86

Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram

como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera

como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas

perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF

3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede

mental na ESF

As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o

seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem

interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos

de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com

expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao

maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do

estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e

a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)

aceitaram participar do estudo

Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei

livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o

projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF

Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar

as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-

me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo

Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram

muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns

trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o

momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos

territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente

a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental na sua aacuterea

Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos

residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O

que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com

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desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo

de formaccedilatildeo do curso de residecircncia

Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio

de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e

Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede

(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e

diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em

expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros

incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute

formados no proacuteprio curso

Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados

Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o

ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que

costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe

As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha

disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe

contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas

entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a

preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees

importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido

a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se

mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel

Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi

a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo

Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e

na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade

com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a

entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um

teacutecnico de enfermagem

As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que

demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de

88

sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido

acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou

atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi

perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles

tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio

do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o

que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns

agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido

mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a

palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na

Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

89

621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Preceptores

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE

Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no

funcionamento familiar e social algum tipo de

transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente

aacutelcool e drogas

Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo

paciente pode ser muito complexo por menor que seja o

problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o

meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele

O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo

Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade

depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o

psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental

grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em

crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute

multidimensional envolve medicamento grupos em

sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com

assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe

matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no

CAPS

Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a

escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo

ser medicamentosa

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental

Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees

90

Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais

Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito

incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute

depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo

Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era

maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs

horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo

vai ficando muito melhor (Abel)

O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou

entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a

oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou

e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a

sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua

famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados

ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia

costumam ter por aiacute (Bartolomeu)

Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e

Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece

requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em

querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O

que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica

sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra

mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza

uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral

do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no

campo da APS

Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se

relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou

91

psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum

tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e

drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens

adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno

menta (Abel)

Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo

psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo

de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-

Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na

Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em

entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e

como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de

apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar

(COSTA-ROSA 2000)

A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do

relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes

um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para

denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010

foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo

sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves

terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel

portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o

centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila

Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal

como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico

ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do

histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do

planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de

sofrimento

Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o

jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma

formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando

durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o

indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental

92

para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura

do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento

psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como

hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)

Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute

apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de

nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada

Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o

cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em

relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma

A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva

Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro

haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor

distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como

qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser

compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva

(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao

outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim

dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)

A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo

biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos

contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e

qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede

e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental

tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado

ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento

O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um

objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em

inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao

modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e

classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para

estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)

93

No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo

ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um

conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria

dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social

sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido

no CID-10

Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como

ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade

eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que

alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso

revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse

processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial

Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo

citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que

noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro

(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua

afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate

epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose

paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo

ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)

Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute

depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida

dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as

questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na

maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo

Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da

Medicina de Famiacutelia

Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por

meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)

para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou

econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as

94

pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida

humanardquo

Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de

alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do

que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do

conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede

que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado

em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus

sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a

importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia

entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a

ldquodoenccedila do doenterdquo

Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato

anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e

secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente

funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento

da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)

Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute

a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo

validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia

dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas

recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica

que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento

possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto

conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque

existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)

Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de

que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela

eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do

sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das

consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e

o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio

95

atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa

atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)

Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o

progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)

fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores

sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico

de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa

que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em

sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do

modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo

o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente

mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield

(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na

regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta

o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo

nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum

(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno

psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e

o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno

mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos

De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre

que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao

maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no

abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o

portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti

(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos

transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo

mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo

sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos

No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve

medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente

96

social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui

ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a

dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua

demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se

reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por

demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)

No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa

fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua

concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a

experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila

A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash

cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos

demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional

estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser

centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo

atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado

na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos

direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter

uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento

humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o

objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que

formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem

mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo

entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no

contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando

inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar

a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a

fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico

Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina

costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda

97

Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram

transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que

considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social

e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo

sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser

uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana

porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de

Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que

se colocam no dia a dia

Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos

queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade

a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se

apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos

trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um

conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES

1998)

A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das

relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer

uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e

comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os

muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees

familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios

que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)

Recomendaccedilotildees

Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos

os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo

continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma

nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam

apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os

casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada

a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias

profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento

98

psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA

2013)

Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais

equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a

Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para

sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos

medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena

o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia

Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe

mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que

cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de

3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de

pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio

ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por

equipe (BRASIL 2012)

Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era

de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio

de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa

complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da

Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de

necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de

cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)

99

622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes

Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Residentes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo

na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na

forma como ele se relaciona no trabalho na

comunidade

envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica

qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou

doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer

usuaacuterio de drogas

tanto um transtorno de ansiedade mais leve com

prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental

mais grave como esquizofrenia e tambeacutem

alcoolismo uso de drogas iliacutecitas

qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo

profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute

bem psicologicamente

pisando em ovos

soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo

encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente

consegue encaminhar por causa do NASF

primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas

abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem

necessidade de falar

geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o

paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em

tratar ou que eu ache que sei manejar bem

eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com

algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com

o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida

faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo

Ter uma rede mais integrada

Talvez ter mais investimento em CAPS

Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria

para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas

Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido

ldquo

100

Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e

a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo

como por exemplo nas falas

Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de

ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu

resolvi fazer (Betino)

No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda

no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a

realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente

meacutedica (Accedilucena)

Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno

dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo

de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho

De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-

doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em

sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica

tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de

estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e

exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a

terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento

e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e

desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do

saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de

adoecimento

No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a

importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social

econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma

especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja

Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de

cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os

procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de

101

indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas

respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)

Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo

a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa

especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a

diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam

categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a

implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas

de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de

paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o

reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente

da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)

Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para

qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia

era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um

profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do

Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um

direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema

de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de

um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas

pessoas

Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do

mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio

social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a

sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de

assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez

mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo

do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)

Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga

horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de

que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito

extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja

102

para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos

abaixo

Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em

serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu

aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a

gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)

Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma

hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)

Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da

agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo

sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum

problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no

atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do

cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras

abordagens em sauacutede como representado nos discursos

Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da

cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada

paciente (Braacuteulio)

Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que

aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede

do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento

tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de

setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta

qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo

que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como

alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade

depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional

meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi

uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico

103

Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e

insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo

O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das

denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a

ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria

se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes

posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer

possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como

modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de

nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental

sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees

lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo

No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo

esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa

realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo

biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria

terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito

distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido

A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma

compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com

repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona

no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode

ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa

Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando

falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente

Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a

normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas

psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande

controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental

Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se

trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios

104

criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a

de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais

facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que

os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as

variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas

se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida

No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave

manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser

muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)

Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo

reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as

diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma

coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas

essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as

definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica

diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir

determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave

cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade

Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo

em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o

meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o

indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao

contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de

conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as

doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a

MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva

atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal

vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees

Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas

seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou

identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente

natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha

105

ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo

especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades

Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam

entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada

dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis

para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo

potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras

doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal

familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)

Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem

classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais

meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que

preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos

hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma

percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo

de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho

formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais

profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo

deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS

uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo

depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos

recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de

problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de

que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo

conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece

argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica

qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo

(CAMPOS 2005)

106

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes

entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na

abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada

durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por

outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem

Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa

falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)

Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa

que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)

Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram

disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados

seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a

diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu

tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a

psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)

Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo

discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de

cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da

equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o

CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude

observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado

de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do

governo estadual

Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos

essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade

pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada

Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes

usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute

a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa

e sua existecircncia-sofrimento

O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo

psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-

se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio

107

imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso

e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria

No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz

uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo

uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo

retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees

em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada

e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de

questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o

usuaacuterio no momento do atendimento

Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos

profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem

matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos

ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia

A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a

APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para

a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base

territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de

cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave

populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista

aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as

poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo

A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves

20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois

acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade

de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede

das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera

que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento

dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o

sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma

coisa implica uma relaccedilatildeo

Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e

Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus

usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos

108

indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca

de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da

comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido

adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede

Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e

seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho

para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e

abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa

relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso

Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua

composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a

histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os

membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor

entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a

sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada

indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser

reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das

accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede

Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada

para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo

holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no

especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em

MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a

importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem

criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema

A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra

ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional

cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o

tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de

trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a

promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo

109

Recomendaccedilotildees

Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos

profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como

modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais

diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede

da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03

(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada

NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de

Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios

na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias

semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas

semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria

semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do

MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado

A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir

sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade

emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo

ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo

Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em

condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas

condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e

da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar

uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta

e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado

a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue

oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio

Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico

brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica

atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por

niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre

os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema

hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave

sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito

de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos

110

complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de

complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria

agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior

densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave

sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)

Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave

Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando

equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas

Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente

hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de

prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de

responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave

sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os

sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos

Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao

investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas

do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como

exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de

melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees

desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede

brasileiro

A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como

CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos

meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos

Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para

uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios

orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica

111

623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes

Enfermeiros

Nuacutecleo discursivo Enfermeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou

sentindo que tem alguma coisa marco consulta e

matriciamento

Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta

deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo

quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando

quiser pode voltar

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para

o meacutedico avaliar

Dificuldade de relacionamento na escola ou em

casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas

violecircnciaai tem muita coisa

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o

paciente pode se tornar mais agressivo

Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma

doenccedila mental

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no

trabalho em sauacutede mental

Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF

Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)

112

As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de

atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos

(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de

acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de

leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute

atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das

pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de

sauacutede aguda

No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento

de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente

retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma

enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da

populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a

profissional sinaliza como

Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita

paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo

querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)

A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico

mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo

hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a

populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas

especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da

populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute

tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS

resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede

mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No

entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no

modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que

tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo

113

na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e

fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de

planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura

o serviccedilo e sua famiacutelia

Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar

relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool

drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio

lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia

desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do

coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema

na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)

Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem

conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de

superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As

condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute

produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa

Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo

patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais

Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos

de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila

mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a

centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de

sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das

pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes

como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente

ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma

procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e

reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)

Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo

reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado

um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na

atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante

114

Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da

formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes

Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute

entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no

hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e

pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico

Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe

(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial

a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em

primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma

sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo

deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de

algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo

(LANCETTI 2013 p 19)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao

modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de

atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco

consulta e matriciamento (Aacutedila)

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)

Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da

consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria

atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da

equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para

uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva

para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico

() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura

empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um

ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade

primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que

115

ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que

desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade

do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo

(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)

Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico

para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para

seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o

funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar

sobre o encaminhamento de um caso especifico

Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da

avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor

psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava

(Claudomiro)

O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado

na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua

contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico

Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio

do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador

Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas

assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma

coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)

Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da

chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo

tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute

muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra

O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial

(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de

intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir

das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com

gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum

especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et

al 2014)

116

Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito

tecircnue entre o cuidar e o medicalizar

Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito

acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles

(Clemecircncia)

Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem

sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo

numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a

cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em

acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e

prescrever medicaccedilatildeo

Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de

um discurso contra hegemocircnico

Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)

Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto

com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)

O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila

paciente

No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de

patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute

fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo

natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias

intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais

Recomendaccedilotildees

Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de

toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que

facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental

A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)

E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir

melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)

Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe

117

Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico

acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada

nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)

Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na

atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)

Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar

trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes

O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede

mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de

tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo

redondinha para vocecirc (Aacutedila)

Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas

situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita

dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo

de lidar (Clemecircncia)

Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de

violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea

Programaacutetica (CAP)

Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando

em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo

da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc

denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)

O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute

para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na

unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental

continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de

formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da

doenccedila mental

No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos

profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns

tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E

completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros

profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na

118

ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus

afazeres cotidianos

As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que

muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem

perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)

No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho

gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo

municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes

Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah

porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui

ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo

fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)

Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no

SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que

principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute

maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas

Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal

melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida

como deve ser feita a referencia e contra-referencia

Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz

() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o

Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)

Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria

eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito

e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da

regulaccedilatildeo (Aacutedila)

Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-

referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-

referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)

A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro

avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio

dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os

niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o

instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede

119

integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede

eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde

persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos

estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo

entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um

estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede

na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva

das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa

Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012

E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF

tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos

residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF

O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes

temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem

tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente

tem que telefonar (Claudomiro)

Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero

de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais

recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas

reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do

NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos

essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield

(2002) continua baseado no especialismo

Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para

apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas

possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que

incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo

de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)

120

624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas

uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda

hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes

piscando a vista fica inquieto

Aquele paciente dependente acompanhado pela

famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor

e uma atenccedilatildeo redobrada

Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso

de 3 ampolas de haldol de 1414 dias

Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe

e fazemos discussatildeo de casos

Sauacutede mental geralmente quando chega com

alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente

fica calmo e se precisar assim a gente

encaminha para a UPA

Depende de cada diagnoacutestico porque o

psiquiatra que estaacute junto com a gente do

matriciamento ele estaacute justamente para resolver

o que puder ser aqui junto com o meacutedico

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ter psiquiatra como meacutedico da unidade

Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia

Grupos de atividades para integraccedilatildeo social

121

Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades

de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para

falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram

pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o

sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta

diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em

participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa

categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita

participaccedilatildeo na equipe como um todo

No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali

no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas

aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)

Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a

gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo

geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de

alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)

Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder

dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento

no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem

dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em

afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se

repete mesmo na ESF

Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -

denuacutencia

1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito

sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)

2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de

estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no

acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios

Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um

profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum

outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa

122

coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a

queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)

Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute

dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios

tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)

respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios

por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as

pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um

modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar

agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou

tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves

unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo

em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado

para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita

resolutividade

Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por

Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo

Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos

e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade

fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e

da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a

Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria

Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente

em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar

reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia

Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo

Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs

ampolas de haldol (Daacutercio)

Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()

depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)

123

Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)

Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde

Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo

redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso

Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede

mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e

comportamentos estereotipados

Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai

fica pra laacute e pra caacute (Felismina)

Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute

acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho

(Daacutercio)

O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute

mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados

para o ambiente e cuidados hospitalares

Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais

exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo

pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo

Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento

para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no

serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF

Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus

discursos

Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar

a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)

Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles

ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)

Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo

dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)

O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem

suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos

O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o

cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de

124

viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da

poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza

(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas

queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das

pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para

atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de

enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo

psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees

de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza

sobre elas)

2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de

Enfermagem verifiquei dois modos de agir

1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador

como preconizado pela PNAB (2012)

Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)

Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do

meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na

unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da

equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos

devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)

2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento

confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental no discursos dos profissionais dessa categoria

Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a

medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)

O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de

acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes

pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do

plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os

meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo

soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute

mesmo visita domiciliar)

125

A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar

ajudando o paciente (Felismina)

Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute

para o controle de alguma coisa (Daacutercio)

No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os

teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior

parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados

com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive

muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo

Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto

quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria

Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na

unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade

Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute

apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais

Recomendaccedilotildees

Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de

sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho

estaacute bem realizado

Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro

da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto

com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede

mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)

Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas

atividades relatadas

No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no

profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua

patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por

meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia

Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade

atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro

que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma

126

passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem

problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)

Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o

modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de

sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

ainda ser do modo asilar

Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse

trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim

() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)

127

625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Nuacutecleos Discursivos Significantes

Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa

pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de

fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente

que comem compulsivamente ou deixam de comer que

bebem muito

Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente

que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da

vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando

doido estressado

Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria

tecircm dificuldades tentam ateacute se matar

Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute

agressiva transtorno bipolar obsessivo

Pessoas estressadas

Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da

rotina

Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta

uma crise eacute o momento que tu vive

Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios

Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria

depressatildeo

Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar

sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a

pessoa daquele quadro

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a

enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando

Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando

tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos

programas que oferecemos

Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos

que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um

tratamento

Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na

demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de

exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o

estresse do dia-a-dia

Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o

CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia

psiquiaacutetrica

Trago o caso pra equipe

Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos

da equipe marcamos uma visita domiciliar

A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai

ser feito

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE

SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica

Presenccedila de outros oacutergatildeos

Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber

Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF

Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS

Diminuir o tempo de espera para atendimento

Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo

Ter mais meacutedicos especializados

Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila

128

Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao

falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma

inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como

podemos observar nos discursos

Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)

Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)

Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)

Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem

formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele

habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa

ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs

(LANCETTI 2014 p96)

Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da

ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo

reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento

teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas

preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal

ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo

sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)

Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive

oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto

assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos

interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico

da equipe

Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como

com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para

os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que

estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos

deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em

capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e

avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas

da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a

engrenagem da ESF

129

No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente

nas falas

A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na

rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)

Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as

barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)

Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a

questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior

como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x

asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por

eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham

nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do

asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu

aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em

alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute

a cidade do Rio de Janeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e

diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida

estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal

resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno

psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado

No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da

Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e

da escuta

Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e

vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de

sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder

introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)

130

Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou

seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de

diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de

intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar

os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou

burocraacutetico (LANCETTI 2014)

Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento

A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha

aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra

dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui

porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e

quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga

velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era

que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em

casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)

Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a

usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas

que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia

fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa

usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa

dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para

possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre

elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como

objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de

outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e

menos medicalizadoras (SARACENO 2001)

Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem

mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de

territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que

deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce

com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees

Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional

de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas

131

No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento

Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute

louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()

Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e

maluco

Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala

eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros

falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)

Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia

ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os

termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico

O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo

de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e

integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no

processo de adoecimento

Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das

vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute

deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo

da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele

paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a

casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()

Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no

comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia

mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa

Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder

da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014

p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas

da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio

existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as

emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com

consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de

processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a

132

accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapecircutico (LANCETTI 2014)

No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde

melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a

alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos

informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem

Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas

que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo

deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre

natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente

jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou

deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)

Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa

das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do

modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso

acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de

sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se

necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no

hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento

valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas

indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa

ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede

nas cidades brasileiras

No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como

Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele

ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele

tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor

Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram

trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o

entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-

se uma vaidade em falar

Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a

diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o

133

remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente

nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)

Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade

em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo

por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de

aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais

ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento

Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as

atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de

equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos

discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes

exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se

necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos

elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a

uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a

populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)

Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na

cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam

Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle

() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de

racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de

focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio

equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS

comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres

que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas

domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o

controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013

p41)

134

Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer

conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua

atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de

produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O

indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se

corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico

Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade

traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do

cuidado a esses usuaacuterios

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu

fico soacute acompanhando (Hebe)

Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os

cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento

(Marcilene)

Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de

niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas

apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica

mais uma vez subordinado ao poder meacutedico

Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina

Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem

abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()

qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar

o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro

entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado

O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia

no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo

tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees

de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as

accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)

No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o

manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de

doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo

psiquiaacutetrica

135

Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia

descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou

estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo

() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada

Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o

quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada

accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce

que pode ser iatrogecircnica ou natildeo

Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe

pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria

A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no

modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os

documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a

figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se

necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo

romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse

entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e

sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara

Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a

gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios

controlados

Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz

(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de

uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da

criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica

o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo

do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste

personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando

agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um

territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as

transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem

do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)

136

Recomendaccedilotildees

Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no

discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir

que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede

mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem

ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica

Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo

sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo

comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas

Kiara

CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma

capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)

No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como

uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a

entrevistada tenta negar mas se contradiz

Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os

profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que

muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais

Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute

fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a

participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio

No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma

visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o

trabalho na ESF

Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles

tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)

Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc

tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar

porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute

interessante eu gosto (Jacobina)

Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado

no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia

ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS

137

Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui

a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute

sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves

vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)

Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria

faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser

pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui

noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)

O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia

da demora para o atendimento em sauacutede mental

Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute

aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do

meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem

uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante

E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois

na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede

mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que

demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando

as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008

138

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica

brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em

marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se

entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada

democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a

necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a

desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos

ao jaacute combalido SUS

A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$

600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de

conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa

Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa

de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de

promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede

A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a

sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica

que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o

cenaacuterio atual estaacute desolador

Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento

Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por

meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a

cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172

(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito

um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas

novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo

investimento feito na APS

Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os

sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo

adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo

como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela

triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o

139

texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a

intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees

discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que

se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi

de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a

linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas

ideologias

Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e

enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu

como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a

compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um

modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o

entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais

amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais

complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem

Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de

emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse

grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde

moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo

ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo

haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao

ponta da doenccedila jaacute instalada

As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede

mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade

Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem

psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora

tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado

na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre

transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que

inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o

encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais

graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica

140

Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma

perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de

sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as

categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele

questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute

passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como

linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental

Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos

externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do

Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos

uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos

e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade

para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em

atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra

e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das

equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse

que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto

agraves equipes da ESF

No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para

nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a

solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e

escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros

mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico

No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental

apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica

dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na

recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para

atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos

141

na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram

dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e

atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede

Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do

encaminhamento

Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de

ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida

(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede

(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo

Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social

muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da

prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do

empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e

da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo

Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF

estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos

a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com

visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes

a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento

longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente

para as pessoas mais abastadas da sociedade

O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e

desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado

para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de

questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os

benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os

meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos

usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da

dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado

pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a

intenccedilatildeo

142

Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma

enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a

princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam

pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece

tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios

um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga

Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de

funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a

unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e

odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses

grupos satildeo realmente propostas inovadoras

Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de

inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de

chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o

profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua

concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo

social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito

proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de

caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de

conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia

muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas

pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais

Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa

dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de

sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das

visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo

ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um

dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de

enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da

unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o

agente comunitaacuterio de sauacutede

Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade

Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e

divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da

143

Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS

como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros

recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento

da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia

Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF

acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que

necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos

de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios

profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute

situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro

A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e

dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo

especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a

importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um

todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por

parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a

quantidade e natildeo a qualidade do atendimento

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina

de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos

humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs

facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta

rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente

dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos

de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos

preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando

em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo

melhor

Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para

melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia

seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento

da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente

desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do

cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai

144

conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos

residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho

apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de

enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente

Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para

defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que

diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e

sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela

maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a

capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo

Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de

qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos

nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto

natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento

ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em

sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem

organizado deve garantir

Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e

poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos

sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas

De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista

tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que

possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute

doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as

dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o

cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo

acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento

se natildeo natildeo haacute

Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que

convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados

de sauacutede

As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia

cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio

145

de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada

na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais

foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade

e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor

Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da

Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados

encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental

ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os

profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo

com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no

acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

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160

APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista

Iniciais do nome

Idade Sexo Estado Civil Natural de

Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo

Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )

Tempo de atuaccedilatildeo na ESF

Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental

1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF

- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)

- Como eacute a sua rotina de trabalho

- O que caracteriza o seu trabalho na ESF

- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF

2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela

sua equipe da ESF

- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha

- Se encaminha para onde

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na

ESF

161

APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante

Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida

por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)

sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da

Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo

O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da

Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na

populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio

do Rio de Janeiro

Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede

da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses

O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da

Famiacutelia no territoacuterio adscrito

Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia

para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento

Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou

desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa

Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc

prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos

resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em

arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu

orientador e minha co-orientadora

A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da

pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito

atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo

A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com

questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo

O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas

seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora

Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco

(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP

O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo

sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute

influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em

seu territoacuterio de responsabilidade

Rubrica do Participante ____________

Rubrica do Pesquisador ___________

(1-2)

162

O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as

entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo

a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como

participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos

dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus

depoimentos

Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a

pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem

rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter

sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo

Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc

de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender

os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no

desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de

avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios

eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da

confidencialidade e da privacidade

Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863

E-Mail cepenspfiocruzbr

httpwwwenspfiocruzbretica

Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo

Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210

___________________________________________

Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)

Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial

LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de

Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom

RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015

Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo

em participar

_________________________________________

(Assinatura do participante da pesquisa)

Nome do participante _____________________________________________

Rubrica do Participante ____________

Rubrica da Pesquisadora _____________

(2-2)

Page 4: Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation

Vanessa Andrade Martins Pinto

Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo

de Sauacutede Mental

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na

Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede

Mental

Aprovada em 07 de Abril de 2017

Banca Examinadora

Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes

CCSUFPB

Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto

FCMUERJ

Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom

ENSPFIOCRUZ

Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto

ENSPFIOCRUZ

Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante

ENSPFIOCRUZ

Rio de Janeiro

2017

Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um

projeto

Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que

este trabalho pudesse se concretizar

Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua

capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a

importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo

desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos

mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila

Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato

em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas

leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel

Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos

e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e

encorajamento para seguir em frente

Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu

generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal

Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a

pesquisa

Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes

momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras

nessa empreitada sem os quais nada teria sentido

Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos

manobras de alta complexidade

LANCETTI 2014 p107

RESUMO

Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-

analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo

geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do

territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de

campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais

nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)

enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a

teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees

utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram

principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo

caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros

tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma

visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia

comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores

que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das

vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho

casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo

econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos

profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na

Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a

relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o

deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes

Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe

Multidisciplinar

ABSTRACT

A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in

the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings

attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental

health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection

included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)

professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident

physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians

The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The

names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to

the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a

case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some

correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia

hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the

term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple

depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that

addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties

unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of

the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family

tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use

diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress

violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social

relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite

the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in

the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the

professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the

shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices

Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary

Team

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89

Meacutedicos Preceptores

Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99

Meacutedicos Residentes

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111

Enfermeiros

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede

ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede

APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

AM Apoio Matricial

UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede

CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados

com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo

CF Cliacutenica da Famiacutelia

CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental

DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica

DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais

ESB Equipe de Sauacutede Bucal

ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia

MS Ministeacuterio da Sauacutede

MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade

NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia

NOB Norma Operacional Baacutesica

OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede

OS Organizaccedilatildeo Social

OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de

Sauacutede no Rio de Janeiro

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

SF Sauacutede da Famiacutelia

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12

2 INTRODUCcedilAtildeO 13

3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20

32 Objetivos especiacuteficos 20

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de Termos 20

42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29

43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34

44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42

45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51

46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57

47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60

48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do estudo 71

52 Tipo de Estudo 72

53 Campo do Estudo 72

54 Participantes do Estudo 74

55 Procedimento para coleta dos dados 74

56 Forma de Anaacutelise dos dados 75

57 Aspectos Eacuteticos 77

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o Campo 78

62 Anaacutelise das entrevistas 82

621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89

622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99

623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111

624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120

625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138

REFEREcircNCIAS 146

APENDICES

APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160

APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161

12

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo

A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com

as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o

Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em

Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no

qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela

Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a

importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem

uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados

Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e

pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei

continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no

Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca

coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como

funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu

mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo

ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo

realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro

Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio

especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na

porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como

proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do

Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de

psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio

e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de

2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais

especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de

Atenccedilatildeo Psicossocial

Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142

agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio

especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo

comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a

questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia

13

Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das

pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de

doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo

primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social

Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento

das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo

primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para

depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para

entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF

(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode

permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees

de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob

sua responsabilidade

2 INTRODUCcedilAtildeO

Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma

Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do

modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e

construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares

Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no

territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras

poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)

Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo

atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo

e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no

processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de

atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em

sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o

contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)

Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a

organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave

Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e

14

prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)

desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no

desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas

aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro

contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades

de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de

acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo

primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo

Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como

estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se

destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com

enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e

Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem

se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em

sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o

tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao

Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da

personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista

cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios

emocionais em seus pacientes

Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a

atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de

pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo

bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo

primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)

No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo

organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando

profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos

compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras

psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos

planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos

15

usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as

unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp

MEGALE 2012)

Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova

concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios

diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida

comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003

apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma

campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos

e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes

com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram

tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)

Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede

mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do

caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da

vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting

terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e

a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)

Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter

como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o

desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)

Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram

induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e

Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases

conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e

desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que

esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como

poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado

Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a

utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito

individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos

16

o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo

Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e

reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia

prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)

A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e

veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da

Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima

em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute

que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a

que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem

exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana

Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes

da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental

na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo

de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o

desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional

de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo

com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo

ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos

hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a

comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de

normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)

A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001

reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e

intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta

Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo

assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser

considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no

atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi

sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental

17

Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos

dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em

psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode

gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o

treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais

diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos

meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas

de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram

prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos

gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o

intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e

revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional

programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo

podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute

sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito

de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A

formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria

limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede

mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de

residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio

Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de

sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave

formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um

dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos

postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de

medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e

estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia

de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local

de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na

formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de

atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no

18

acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na

educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo

primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de

formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)

Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo

Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da

Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil

2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave

Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com

financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das

redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi

decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool

e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I

Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e

emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar

Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129

Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando

nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de

serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a

populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)

A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos

cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados

de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades

de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica

das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e

Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e

Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o

objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de

sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade

E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu

trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na

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populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham

eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito

de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade

Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos

cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS

via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede

no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem

aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em

ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de

territorializaccedilatildeo

O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de

identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua

responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por

atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria

uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo

da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF

poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social

O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de

serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo

primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o

processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao

sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no

circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS

Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no

entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de

Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)

O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede

mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente

instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e

os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e

trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o

20

entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente

e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata

3 OBJETIVOS

31 Objetivo Geral

Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca

do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua

responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro

32 Objetivos especiacuteficos

321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o

seu trabalho

322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram

ldquocasordquo de sauacutede mental

323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou

encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de termos

ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental

ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito

pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental

ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado

entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado

conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo

No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender

como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os

profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento

mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees

relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados

Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas

Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem

instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos

enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as

questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea

21

Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF

em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos

diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina

faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede

Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica

Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo

a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)

traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de

Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42

idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor

quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos

praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o

momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos

julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a

proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)

O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que

lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo

com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute

usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro

induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos

Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior

revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida

em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de

2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica

Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia

comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa

em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade

Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco

da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento

Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM

e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o

manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma

lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma

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regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede

mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo

Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute

como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a

filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo

Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um

silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras

formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que

natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende

classificar

Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos

efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir

sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito

aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de

grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno

mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os

quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de

vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a

mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode

ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute

especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um

diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V

ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a

afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural

ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo

construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico

(FOUCAULT 1972)

Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma

posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as

qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a

norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar

23

Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma

coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo

Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute

necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que

jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX

Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir

das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as

objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria

farmacecircutica conclui

Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de

sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o

diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma

compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias

diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia

tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)

Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute

impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela

teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena

suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa

coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute

transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico

O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a

definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo

o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de

tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da

experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da

sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos

empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios

Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de

tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria

social dominante

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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)

A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir

qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de

trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS

de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades

aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)

Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os

preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente

biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as

famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de

risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os

determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais

relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e

organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada

classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo

em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias

desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo

no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida

pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)

Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por

Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo

dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou

a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa

dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o

modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees

e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF

contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e

rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios

assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da

atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os

desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade

de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede

assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social

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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS

tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao

acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os

benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a

educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura

de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a

reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares

Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes

hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes

foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios

observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas

integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede

mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da

Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos

usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no

processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela

ESF no processo de cuidado

Os profissionais da ESF

A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional

composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em

Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista

em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede

(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede

(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)

Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os

profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede

da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da

Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a

meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De

maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias

daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o

nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)

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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme

Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)

Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre

a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as

finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II

- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em

contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da

sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar

todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias

quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de

promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio

de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na

comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo

de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob

sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir

com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da

malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002

Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo

de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano

infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras

normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as

disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames

complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a

demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em

conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de

educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar

do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de

agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e

terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou

necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III

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- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria

gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e

procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a

serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia

locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio

proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar

mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar

das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e

VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da

USF

Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo

realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando

indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas

associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento

da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado

funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda

espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente

Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil

epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os

procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das

urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica

da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede

bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento

reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a

grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar

atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de

accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -

acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais

membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de

forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e

auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios

para o adequado funcionamento da USF

Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal

(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a

28

indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias

teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos

odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com

os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de

sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de

prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local

e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e

instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -

instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -

cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a

agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal

com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees

de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da

famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)

I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da

equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles

relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a

serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo

adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de

atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas

nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por

meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da

garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de

vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo

compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta

qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento

humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela

populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de

29

atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de

planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX

- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle

social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees

intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro

das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das

atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem

definidas de acordo com as prioridades locais

42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE

Aspectos Teoacutericos-Conceituais

Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as

accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos

fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma

coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de

atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias

disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas

poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede

Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles

estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico

No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais

aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees

ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em

procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de

envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da

promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)

No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos

componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a

organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta

maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as

accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o

que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende

analisar os modelos de atenccedilatildeo

30

Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar

um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-

cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser

diversos tendo em conta as realidades distintas

Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees

tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades

de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)

Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos

Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no

sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e

no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a

relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de

atenccedilatildeo

Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo

MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO

Medicina preventiva

(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas

meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em

1968)

(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente

fiacutesico bioloacutegico e sociocultural

lsquoModelo ecoloacutegicorsquo

lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo

Niacuteveis de prevenccedilatildeo

Medicina Comunitaacuteria

(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola

tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-

assistencial participaccedilatildeo da comunidade e

regionalizaccedilatildeo)

lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e

terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo

lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)

Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)

Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo

Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a

reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do

sistema de serviccedilos de sauacutede

Promoccedilatildeo da sauacutede

(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais

da sauacutede)

Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos

estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de

condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012

A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo

existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute

intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao

movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado

31

Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos

No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no

paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo

sanitarista

O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e

o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos

fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo

4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da

medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada

dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)

Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista

que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista

permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre

presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de

caraacuteter coletivo

Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde

o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico

(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas

de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias

(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais

(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria

e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)

Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da

integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou

buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo

sanitarista)

As propostas de modelos alternativos

Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-

se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos

serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da

deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na

perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees

32

programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)

Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia

A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento

Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo

caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades

epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees

nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo

de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas

riscos e as necessidades da comunidade

A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios

como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012

p247) define distritos sanitaacuterios como

Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede

definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos

gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e

privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos

poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada

para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior

quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede

Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa

organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com

mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida

um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios

Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e

da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de

redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais

de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-

se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de

condutas

Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na

geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de

danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a

assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada

accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca

33

reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de

sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e

acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)

Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)

Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)

O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na

anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs

orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar

processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe

profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios

de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da

atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo

do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos

incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012

p 483)

No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes

tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do

ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o

viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no

sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim

(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante

diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das

doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo

A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do

Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos

estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta

estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede

reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis

escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis

Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica

na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta

organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de

reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute

melhor descrita nos capiacutetulos seguintes

34

43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)

Conceitos trajetoacuteria e abordagem

O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e

apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram

ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo

do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do

sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees

de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o

movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da

Conferecircncia de Alma Ata em 1978

Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi

marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os

governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus

sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila

Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados

Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade

do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS

(FAUSTO 2005)

Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os

cuidados primaacuterios em sauacutede como

Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos

cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e

em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas

famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de

contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o

sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os

serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha

constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo

processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)

A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos

verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento

35

em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais

especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento

aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de

combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e

descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de

questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede

recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos

processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual

predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan

Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em

desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens

alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo

respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir

desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976

Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000

A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede

essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um

processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e

equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade

mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A

compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes

sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da

Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute

defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e

apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em

sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos

distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo

Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo

ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento

Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens

de APS entatildeo existentes (Quadro 2)

36

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede

ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE

APS seletiva

Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para

enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em

desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais

comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral

amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar

planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres

Conjunto restrito

de serviccedilos de

sauacutede para a

populaccedilatildeo pobre

Primeiro niacutevel

de atenccedilatildeo

Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de

cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do

tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de

primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e

serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da

concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas

universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave

disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou

medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general

practioners ndash GP)

Um dos niacuteveis de

atenccedilatildeo do

sistema de sauacutede

APS

abrangente ou

integral Alma-

Ata

A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema

de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social

Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de

enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e

cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo

comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas

e uso eficiente dos recursos

Estrateacutegia para

organizar os

sistemas de

atenccedilatildeo agrave sauacutede e

para a sociedade

promover a sauacutede

Abordagem de

sauacutede e de

direitos

humanos

Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais

amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata

Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser

inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo

para promover a equidade em sauacutede

Uma filosofia que

permeia os setores

sociais e de sauacutede

Fonte OPASOMS 2007 p04

Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria

pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave

sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e

abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com

consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p 506)

Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser

compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das

accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do

meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de

atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo

ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)

37

Atributos caracteriacutesticos da APS

Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses

industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield

(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem

reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas

especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de

responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao

longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e

social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das

diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais

complexas

Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo

devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se

na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter

competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos

grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo

para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros

da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de

agentes comunitaacuterios de sauacutede

Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na

capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de

serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios

o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)

do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao

generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A

coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento

populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de

doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais

Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral

segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do

desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que

implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do

processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social

do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de

38

poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento

social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da

poliacutetica municipal completa as autoras

Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com

diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e

planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades

individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede

Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos

Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da

eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de

aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas

de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)

Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos

serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave

compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de

Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)

Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a

primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por

iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido

trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo

primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em

centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do

ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo

encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)

ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos

serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e

Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram

imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos

sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o

primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus

consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de

sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que

permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar

39

consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede

empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)

Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de

atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu

Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o

modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de

acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo

enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram

nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas

empresas por exemplo

Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento

como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que

separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em

uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em

serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os

ambulatoacuterios de hospitais

Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil

O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de

outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito

tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros

de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede

puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os

ambulatoacuterios em hospitais gerais

Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda

focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica

organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter

curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de

Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas

algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil

natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos

40

ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua

indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)

esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da

doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que

aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos

Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease

tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava

accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento

cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana

atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre

sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias

deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela

unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo

de seguro de sauacutede

Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com

apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia

meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se

destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao

direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de

participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de

treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a

ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela

pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse

contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e

um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos

de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais

Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo

docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na

atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo

sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas

41

no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida

(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)

A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a

atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi

criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava

a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em

cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por

oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua

conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS

Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do

Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa

Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios

experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise

previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem

alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede

Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria

respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo

de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees

Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos

baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo

Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo

de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local

seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o

sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo

independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados

programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de

Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como

modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos

adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

42

44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial

A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma

Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi

contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de

proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a

sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e

serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e

diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade

humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis

Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o

Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do

SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de

descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para

o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e

expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo

Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do

SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo

Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela

FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de

caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia

de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi

formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de

dezembro de 1993

No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um

novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade

financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)

contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro

niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de

agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)

43

Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo

Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio

do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo

assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a

organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o

enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009

p24 )

Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve

uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do

Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela

primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual

(GIOVANELLA et al 2009)

Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm

1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do

seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de

promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)

No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da

Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no

paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a

ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira

- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013

Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das

EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o

objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e

resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns

meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e

assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a

proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que

tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes

Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os

desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira

incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo

44

primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo

recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de

trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p539)

A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de

entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos

cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria

incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na

famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de

modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo

caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede

O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma

perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a

comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes

O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de

alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos

profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes

satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas

locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-

qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em

2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo

Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de

especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)

Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa

integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior

parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo

especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior

investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos

ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental

cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de

45

informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e

prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)

Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e

na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo

de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem

para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro

A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do

paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram

efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)

realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002

a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu

papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da

melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi

evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do

acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram

verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os

limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na

territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma

intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda

natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local

A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio

Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822

capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute

1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia

Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico

internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois

de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro

era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes

O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos

incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob

46

a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel

histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)

Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em

trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de

SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e

Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013

ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)

Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do

Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com

sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33

40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e

necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)

Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu

investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua

capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de

manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no

municiacutepio (CASOTTI et al 2013)

Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994

com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional

como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e

desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam

a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008

Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria

no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno

de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou

um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma

importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa

expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de

479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)

Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da

gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo

alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees

Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

47

(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o

campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015

OPAS 2013)

Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de

Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves

diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de

serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47

equipes em 2015

A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental

No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-

2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais

efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de

base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de

Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes

da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos

Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo

Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o

melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO

2013)

A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores

da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a

realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais

institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi

impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave

ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um

modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos

comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas

se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um

projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a

Reforma Psiquiaacutetrica

48

A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo

pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil

(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a

participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho

moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios

portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio

de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)

Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode

alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de

Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma

Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos

que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo

de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)

Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser

importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma

mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana

dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os

problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a

resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)

A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional

da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em

situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o

maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos

niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se

como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber

cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou

mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)

Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre

relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de

1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os

transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos

estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo

feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico

49

tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a

realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS

Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os

problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma

Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais

natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que

sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se

encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante

tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos

Apoio Matricial (AM)

No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio

esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)

estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e

usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar

obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio

interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso

de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto

de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS

Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um

estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de

50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as

atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos

estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF

reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da

integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais

comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os

usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por

um ou mais especialistas

Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade

dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo

organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de

maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico

50

no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos

mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem

compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a

construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas

Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de

construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo

esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos

esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio

brasileiro

A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash

Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo

primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os

serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo

Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas

Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede

Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio

Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio

(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o

acompanhamento dos pacientes

Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)

Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede

mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais

Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia

domeacutestica

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais

nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo

diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades

realizadas pela unidade

Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de

benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos

Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e

NASF

51

Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de

consulta meacutedica e grupo terapecircutico

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de

convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de

convivecircncia

Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados

Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados

Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM

via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois

turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o

CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado

encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e

recursos financeiros

45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil

A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o

desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o

trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua

capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e

entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo

(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)

Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes

medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia

fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas

biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a

aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo

do ensino das demais profissotildees de sauacutede

O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou

conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas

principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e

ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial

Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em

52

hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica

Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio

profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)

A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial

composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas

voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de

praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma

hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente

desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e

BELISAacuteRIO 2012)

Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a

foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que

a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada

na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma

quotidianamente (FREIRE 2003)

Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos

hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais

antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo

cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era

uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees

Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia

positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a

microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a

impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria

dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses

problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo

aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo

a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do

setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio

1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de

que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais

e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida

53

exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de

reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise

sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008

apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do

Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN)

Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos

pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os

postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo

sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo

contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais

de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e

progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e

compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo

(HADDAD et al 2010 p 38)

Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil

que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos

distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores

O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de

cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve

iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo

tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas

vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais

(BARROS et al 2010)

No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho

com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do

mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se

a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a

expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o

54

mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na

agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS

et al 2010)

Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm

402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante

coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres

para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite

(BRASIL MEC 2000)

Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo

de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS

em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a

formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho

pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)

Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do

modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares

a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos

meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero

de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)

Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos

Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de

1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial

atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o

nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo

Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo

para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do

Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da

enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute

que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria

Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio

Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos

Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais

de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino

profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a

55

permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo

em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)

Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990

registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios

sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de

Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para

os profissionais de enfermagem em geral

Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas

Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a

profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS

no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de

Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas

Secretarias Municipais de Sauacutede

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se

alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a

integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na

formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e

Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu

simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas

de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em

relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos

Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional

focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias

pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria

para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na

medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar

das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a

ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)

Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro

profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica

nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho

individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que

56

preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e

antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em

um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo

universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da

disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)

Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no

Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na

atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis

anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da

Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro

das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de

Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado

pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na

Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade

a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e

pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em

formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em

1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais

institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)

posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os

alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do

Brasil

Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado

ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades

baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo

tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em

decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica

puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente

em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes

pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu

agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso

57

salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios

de Sauacutede

Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o

ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas

envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser

visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala

assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de

cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a

comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-

se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de

fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes

46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA

Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental

Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao

modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os

indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse

contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes

Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz

necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia

O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto

fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos

pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se

construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e

administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este

conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o

contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo

doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)

O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos

princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua

58

ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia

subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo

biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais

[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma

importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do

pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o

lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador

o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte

do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade

(AMARANTE 1999 p49)

Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se

contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees

importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva

A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado

um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de

substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)

De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes

experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a

Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da

contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos

autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias

transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico

pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila

Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser

especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e

sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como

estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa

Luzio e Yasui (2003 p 32-33)

No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e

praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental

59

Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito

com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade

social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita

a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na

direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo

sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma

relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena

inclusive das terapecircuticas

No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo

de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem

significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo

com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de

sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e

Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e

Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas

com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se

colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o

conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais

visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos

No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees

advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por

instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila

mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social

Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os

vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas

accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que

institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo

de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria

No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas

a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a

anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao

conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e

a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em

60

processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula

como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a

imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social

Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam

mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira

cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana

Haacute que se observar ainda que

O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e

contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-

social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees

concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de

um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees

mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)

47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL

De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a

histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor

a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas

com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees

poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees

natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)

O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado

no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre

ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen

argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social

e cultural pois para ele

A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo

expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do

corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como

fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da

natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo

nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e

61

modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal

atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)

Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila

assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os

diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo

da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso

das praacuteticas meacutedicas

Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios

investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da

medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo

urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica

Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois

para ele

Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do

Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha

acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo

tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o

Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc

assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a

obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos

para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia

saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)

Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da

definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a

Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como

carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim

Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos

socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e

poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)

Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz

parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees

higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia

62

Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado

parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando

as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e

passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da

medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de

economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial

Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de

uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o

contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo

XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o

corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da

sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela

consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo

(FOUCAULT 2011 p80)

Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face

da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das

sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como

resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem

doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das

funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina

A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia

cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial

cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-

chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia

das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees

autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional

desempenha nesse processo

Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do

sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade

epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)

Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa

medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um

63

epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco

tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees

autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo

Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor

propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente

inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de

medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich

A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia

Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance

para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila

medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)

Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute

sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou

probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que

estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo

ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa

instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante

dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou

psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-

epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em

medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de

constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por

padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)

O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre

os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o

sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber

individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para

cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A

ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como

necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega

satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada

Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do

sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de

64

revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo

em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia

muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees

que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico

asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba

natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais

vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc

Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no

qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a

biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que

transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de

revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela

biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)

Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das

accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do

setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar

o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e

natildeo cuidar soacute da doenccedila

Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e

no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como

alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a

respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo

medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem

investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute

desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e

construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da

construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a

aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)

Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da

atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico

do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de

existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as

65

categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina

(TESSER 2004)

Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do

profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das

vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo

biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como

comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute

portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do

acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo

biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam

sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo

intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo

dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)

A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo

dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina

meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do

saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade

nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo

satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem

de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os

quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a

maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas

altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se

conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos

sintomas (TESSER 2006)

Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes

accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em

parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser

desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a

pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)

Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute

em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos

conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja

inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)

66

De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo

do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o

profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente

partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma

profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e

natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem

lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)

Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo

copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos

doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo

estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com

uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo

cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)

Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos

medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a

formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto

significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF

cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios

48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA

Epistemologia

O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser

trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio

desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian

McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela

qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees

sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da

profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta

Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses

interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira

Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph

Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas

de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo

67

clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre

Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)

O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa

mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos

profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a

abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na

qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas

na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo

hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta

nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a

ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o

imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o

profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir

quando o poder eacute compartilhado

Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo

sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que

eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em

um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem

centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como

- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos

- melhora na aderecircncia aos tratamentos

- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades

- reduccedilatildeo de sintomas

- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica

- melhora na sauacutede mental

- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes

Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica

meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A

ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente

questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard

(1986) e White (1988)

68

Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977

p130)

Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada

por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem

ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as

dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O

modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas

como uma entidade independente do comportamento social mas

tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com

base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)

Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no

pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo

Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas

opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na

avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55

2010)

Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi

desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no

meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo

(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no

meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)

O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une

aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)

sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da

pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo

da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)

Os seis componentes interativos

O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de

orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa

Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o

profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do

69

qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al

(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica

cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se

unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos

Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois

conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo

de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura

ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar

doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua

experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo

o que ela espera do meacutedico

O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da

doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos

muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu

desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive

inclusive o ecossistema

Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo

dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a

definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a

identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos

Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como

uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada

encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o

profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura

Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um

entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e

contratransferecircncia

E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional

seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho

em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de

sauacutede

Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira

Stewart et al (2010)

70

1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila

- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares

- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e

expectativas da pessoa

2 Entendendo a pessoa como um todo inteira

- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento

- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social

- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema

3 Elaborando um projeto comum de manejo

- Avaliando quais os problemas e prioridades

- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo

- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede

4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

- Melhorias de sauacutede

- Evitando ou reduzindo riscos

- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas

- Reduzindo complicaccedilotildees

5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa

- Exercendo a compaixatildeo

- A relaccedilatildeo de poder

- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)

- O auto-conhecimento

- A transferecircncia e a contratransferecircncia

6 Sendo realista

- Tempo e timing

- Construindo e trabalhando em equipe

- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis

71

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do Estudo

Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de

literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de

2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca

Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia

Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo

assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo

Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na

plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo

site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos

115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias

estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede

mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades

de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os

estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos

A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo

apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica

medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da

atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam

para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva

da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014

TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al

2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010

BUCHELE et al 2006)

Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes

conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria

estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu

cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a

necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de

sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois

os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede

mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al

72

2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES

BARRETO 2009)

A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de

entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo

52 Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos

entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a

abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do

universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um

espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO

2010)

Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o

pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o

acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e

mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os

problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e

anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo

de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as

observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)

53 Campo do Estudo

Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)

distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52

e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental

e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha

uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP

escolhida para realizaccedilatildeo do estudo

Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas

da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com

a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do

municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de

lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas

em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)

73

Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia

(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo

que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial

(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio

Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo

proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto

um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de

Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi

entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo

A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo

funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em

frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento

funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de

Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme

vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma

unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria

biblioteca

A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o

territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o

Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do

Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos

profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo

dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando

assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam

De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o

nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash

DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe

Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O

nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a

Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)

Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em

marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)

74

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho

de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada

equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)

teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de

Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)

meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A

equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)

auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra

1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade

54 Participantes do Estudo

Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos

enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a

equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo

fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu

nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes

profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo

preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e

dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes

trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores

Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe

miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses

E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento

durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar

do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute

menos de seis (6) meses

55 Procedimento para coleta dos dados

A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano

do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como

complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi

observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura

fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia

75

para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)

2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um

guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de

cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do

Conselho Nacional de Sauacutede

O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma

estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil

natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-

estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu

trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea

ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras

o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como

lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental

56 Forma de Anaacutelise dos dados

Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo

sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de

Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica

de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi

A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E

a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por

de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o

estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do

processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos

Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do

significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria

A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a

Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e

ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do

inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi

(2000)

ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que

natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo

(ORLANDI 2000 p 83)

76

Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio

histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)

A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um

discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o

sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico

e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende

dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-

construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)

Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel

disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair

a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores

pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que

ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o

contexto no qual estava inserido

Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do

Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos

ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio

absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)

Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do

enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo

Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros

discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que

fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no

interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo

a ser compreendido na anaacutelise do texto

Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e

quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo

Pecirccheux

1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si

mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-

histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas

2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia

de formaccedilotildees ideoloacutegicas

77

Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)

que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela

histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas

faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a

Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute

certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento

57 Aspectos Eacuteticos

O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do

responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo

Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo

sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais

participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim

atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos

Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio

processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e

contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo

importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica

78

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o campo

As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma

sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a

dinacircmica da equipe

Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das

reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a

equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de

sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam

para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis

encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim

como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de

exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava

desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre

determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a

alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe

Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de

vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos

agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de

trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de

determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora

aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja

ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir

sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que

deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e

multiprofissionais

Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca

da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de

fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo

do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo

andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O

acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com

corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de

79

apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou

alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes

segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas

As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de

atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para

atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se

localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para

farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo

1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1

sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de

expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino

tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para

profissionais e usuaacuterios

A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios

possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e

coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade

natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas

indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por

exemplo com setas indicativas

O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas

tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do

banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo

o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A

limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo

de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais

Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua

antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o

profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante

destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01

cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com

torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2

cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das

feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material

bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para

80

guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas

mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo

de artesanato guardavam o material

Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-

se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita

de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06

ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para

armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da

Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa

pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e

almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a

unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio

De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da

Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios

ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado

uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para

pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial

barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como

recomenda o referido manual

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram

colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim

como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio

eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma

das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela

gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada

(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de

procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e

Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras

caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)

Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante

as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com

Especialistardquo

81

O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia

semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a

proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se

voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um

espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias

A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no

periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de

duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC

da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei

muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo

sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos

de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes

falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia

deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete

como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os

participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos

de enfrentamento

O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe

repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e

pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar

junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo

psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que

gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do

usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data

retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o

conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a

utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas

Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com

outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas

aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o

acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que

contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma

proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico

82

O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros

Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a

melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico

singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo

entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS

2014)

62 Anaacutelise das entrevistas

Consideraccedilotildees introdutoacuterias

As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo

1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa

2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase

3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala

4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas

5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula

6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes

fictiacutecios

As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada

uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que

foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees

sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de

apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido

Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS

SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas

de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental

Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as

formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos

internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de

ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do

discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor

83

pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem

funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)

Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram

descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas

analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)

meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos

preceptores

De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de

discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada

entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o

processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na

anaacutelise das entrevistas

Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das

questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais

entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de

formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental conforme descrito a seguir

Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com

idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de

Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo

de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento

especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou

durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico

preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um

colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa

da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro

Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade

entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)

solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e

(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de

Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes

meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma

84

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a

buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo

formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)

entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de

formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam

tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou

que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua

graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar

(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)

Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)

sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do

Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de

formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter

residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia

Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na

ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF

estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para

lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma

parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de

Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional

informou ser morador da aacuterea onde trabalha

Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36

anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado

todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a

10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais

informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos

citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de

Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar

Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)

declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)

teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham

Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina

Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40

85

anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)

Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de

atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as

questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos

como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e

capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que

proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de

informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS

(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso

ldquoCaminhos do Cuidadordquo

A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores

meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo

biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas

Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo

na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)

Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a

famiacutelia (Bartolomeu)

Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()

a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente

administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que

entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo

(Claudemiro)

Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a

oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela

vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos

denominaram

Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)

Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)

Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo

muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)

Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com

eles (Heda)

Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade

(Hebe)

86

Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram

como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera

como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas

perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF

3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede

mental na ESF

As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o

seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem

interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos

de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com

expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao

maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do

estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e

a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)

aceitaram participar do estudo

Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei

livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o

projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF

Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar

as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-

me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo

Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram

muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns

trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o

momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos

territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente

a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental na sua aacuterea

Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos

residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O

que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com

87

desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo

de formaccedilatildeo do curso de residecircncia

Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio

de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e

Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede

(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e

diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em

expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros

incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute

formados no proacuteprio curso

Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados

Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o

ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que

costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe

As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha

disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe

contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas

entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a

preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees

importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido

a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se

mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel

Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi

a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo

Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e

na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade

com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a

entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um

teacutecnico de enfermagem

As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que

demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de

88

sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido

acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou

atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi

perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles

tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio

do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o

que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns

agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido

mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a

palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na

Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

89

621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Preceptores

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE

Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no

funcionamento familiar e social algum tipo de

transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente

aacutelcool e drogas

Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo

paciente pode ser muito complexo por menor que seja o

problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o

meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele

O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo

Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade

depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o

psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental

grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em

crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute

multidimensional envolve medicamento grupos em

sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com

assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe

matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no

CAPS

Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a

escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo

ser medicamentosa

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental

Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees

90

Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais

Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito

incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute

depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo

Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era

maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs

horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo

vai ficando muito melhor (Abel)

O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou

entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a

oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou

e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a

sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua

famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados

ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia

costumam ter por aiacute (Bartolomeu)

Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e

Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece

requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em

querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O

que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica

sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra

mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza

uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral

do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no

campo da APS

Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se

relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou

91

psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum

tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e

drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens

adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno

menta (Abel)

Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo

psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo

de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-

Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na

Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em

entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e

como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de

apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar

(COSTA-ROSA 2000)

A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do

relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes

um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para

denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010

foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo

sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves

terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel

portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o

centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila

Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal

como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico

ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do

histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do

planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de

sofrimento

Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o

jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma

formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando

durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o

indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental

92

para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura

do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento

psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como

hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)

Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute

apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de

nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada

Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o

cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em

relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma

A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva

Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro

haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor

distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como

qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser

compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva

(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao

outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim

dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)

A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo

biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos

contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e

qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede

e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental

tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado

ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento

O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um

objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em

inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao

modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e

classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para

estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)

93

No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo

ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um

conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria

dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social

sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido

no CID-10

Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como

ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade

eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que

alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso

revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse

processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial

Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo

citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que

noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro

(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua

afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate

epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose

paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo

ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)

Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute

depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida

dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as

questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na

maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo

Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da

Medicina de Famiacutelia

Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por

meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)

para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou

econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as

94

pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida

humanardquo

Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de

alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do

que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do

conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede

que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado

em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus

sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a

importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia

entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a

ldquodoenccedila do doenterdquo

Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato

anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e

secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente

funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento

da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)

Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute

a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo

validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia

dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas

recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica

que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento

possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto

conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque

existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)

Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de

que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela

eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do

sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das

consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e

o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio

95

atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa

atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)

Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o

progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)

fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores

sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico

de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa

que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em

sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do

modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo

o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente

mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield

(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na

regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta

o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo

nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum

(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno

psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e

o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno

mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos

De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre

que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao

maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no

abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o

portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti

(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos

transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo

mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo

sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos

No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve

medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente

96

social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui

ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a

dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua

demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se

reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por

demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)

No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa

fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua

concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a

experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila

A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash

cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos

demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional

estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser

centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo

atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado

na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos

direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter

uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento

humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o

objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que

formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem

mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo

entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no

contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando

inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar

a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a

fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico

Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina

costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda

97

Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram

transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que

considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social

e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo

sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser

uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana

porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de

Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que

se colocam no dia a dia

Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos

queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade

a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se

apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos

trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um

conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES

1998)

A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das

relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer

uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e

comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os

muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees

familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios

que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)

Recomendaccedilotildees

Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos

os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo

continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma

nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam

apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os

casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada

a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias

profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento

98

psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA

2013)

Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais

equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a

Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para

sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos

medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena

o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia

Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe

mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que

cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de

3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de

pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio

ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por

equipe (BRASIL 2012)

Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era

de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio

de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa

complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da

Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de

necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de

cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)

99

622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes

Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Residentes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo

na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na

forma como ele se relaciona no trabalho na

comunidade

envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica

qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou

doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer

usuaacuterio de drogas

tanto um transtorno de ansiedade mais leve com

prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental

mais grave como esquizofrenia e tambeacutem

alcoolismo uso de drogas iliacutecitas

qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo

profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute

bem psicologicamente

pisando em ovos

soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo

encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente

consegue encaminhar por causa do NASF

primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas

abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem

necessidade de falar

geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o

paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em

tratar ou que eu ache que sei manejar bem

eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com

algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com

o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida

faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo

Ter uma rede mais integrada

Talvez ter mais investimento em CAPS

Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria

para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas

Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido

ldquo

100

Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e

a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo

como por exemplo nas falas

Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de

ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu

resolvi fazer (Betino)

No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda

no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a

realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente

meacutedica (Accedilucena)

Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno

dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo

de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho

De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-

doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em

sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica

tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de

estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e

exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a

terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento

e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e

desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do

saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de

adoecimento

No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a

importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social

econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma

especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja

Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de

cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os

procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de

101

indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas

respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)

Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo

a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa

especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a

diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam

categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a

implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas

de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de

paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o

reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente

da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)

Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para

qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia

era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um

profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do

Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um

direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema

de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de

um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas

pessoas

Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do

mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio

social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a

sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de

assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez

mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo

do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)

Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga

horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de

que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito

extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja

102

para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos

abaixo

Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em

serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu

aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a

gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)

Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma

hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)

Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da

agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo

sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum

problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no

atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do

cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras

abordagens em sauacutede como representado nos discursos

Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da

cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada

paciente (Braacuteulio)

Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que

aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede

do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento

tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de

setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta

qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo

que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como

alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade

depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional

meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi

uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico

103

Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e

insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo

O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das

denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a

ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria

se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes

posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer

possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como

modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de

nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental

sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees

lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo

No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo

esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa

realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo

biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria

terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito

distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido

A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma

compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com

repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona

no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode

ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa

Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando

falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente

Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a

normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas

psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande

controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental

Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se

trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios

104

criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a

de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais

facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que

os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as

variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas

se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida

No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave

manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser

muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)

Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo

reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as

diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma

coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas

essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as

definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica

diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir

determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave

cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade

Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo

em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o

meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o

indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao

contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de

conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as

doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a

MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva

atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal

vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees

Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas

seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou

identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente

natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha

105

ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo

especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades

Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam

entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada

dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis

para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo

potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras

doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal

familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)

Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem

classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais

meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que

preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos

hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma

percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo

de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho

formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais

profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo

deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS

uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo

depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos

recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de

problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de

que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo

conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece

argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica

qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo

(CAMPOS 2005)

106

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes

entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na

abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada

durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por

outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem

Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa

falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)

Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa

que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)

Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram

disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados

seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a

diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu

tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a

psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)

Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo

discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de

cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da

equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o

CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude

observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado

de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do

governo estadual

Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos

essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade

pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada

Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes

usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute

a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa

e sua existecircncia-sofrimento

O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo

psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-

se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio

107

imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso

e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria

No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz

uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo

uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo

retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees

em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada

e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de

questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o

usuaacuterio no momento do atendimento

Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos

profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem

matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos

ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia

A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a

APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para

a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base

territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de

cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave

populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista

aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as

poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo

A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves

20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois

acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade

de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede

das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera

que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento

dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o

sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma

coisa implica uma relaccedilatildeo

Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e

Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus

usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos

108

indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca

de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da

comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido

adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede

Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e

seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho

para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e

abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa

relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso

Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua

composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a

histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os

membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor

entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a

sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada

indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser

reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das

accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede

Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada

para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo

holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no

especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em

MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a

importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem

criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema

A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra

ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional

cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o

tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de

trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a

promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo

109

Recomendaccedilotildees

Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos

profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como

modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais

diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede

da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03

(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada

NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de

Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios

na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias

semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas

semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria

semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do

MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado

A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir

sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade

emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo

ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo

Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em

condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas

condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e

da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar

uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta

e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado

a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue

oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio

Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico

brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica

atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por

niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre

os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema

hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave

sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito

de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos

110

complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de

complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria

agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior

densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave

sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)

Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave

Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando

equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas

Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente

hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de

prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de

responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave

sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os

sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos

Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao

investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas

do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como

exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de

melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees

desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede

brasileiro

A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como

CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos

meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos

Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para

uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios

orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica

111

623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes

Enfermeiros

Nuacutecleo discursivo Enfermeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou

sentindo que tem alguma coisa marco consulta e

matriciamento

Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta

deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo

quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando

quiser pode voltar

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para

o meacutedico avaliar

Dificuldade de relacionamento na escola ou em

casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas

violecircnciaai tem muita coisa

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o

paciente pode se tornar mais agressivo

Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma

doenccedila mental

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no

trabalho em sauacutede mental

Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF

Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)

112

As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de

atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos

(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de

acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de

leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute

atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das

pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de

sauacutede aguda

No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento

de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente

retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma

enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da

populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a

profissional sinaliza como

Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita

paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo

querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)

A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico

mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo

hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a

populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas

especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da

populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute

tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS

resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede

mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No

entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no

modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que

tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo

113

na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e

fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de

planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura

o serviccedilo e sua famiacutelia

Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar

relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool

drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio

lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia

desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do

coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema

na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)

Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem

conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de

superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As

condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute

produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa

Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo

patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais

Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos

de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila

mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a

centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de

sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das

pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes

como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente

ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma

procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e

reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)

Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo

reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado

um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na

atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante

114

Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da

formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes

Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute

entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no

hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e

pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico

Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe

(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial

a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em

primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma

sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo

deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de

algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo

(LANCETTI 2013 p 19)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao

modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de

atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco

consulta e matriciamento (Aacutedila)

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)

Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da

consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria

atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da

equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para

uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva

para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico

() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura

empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um

ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade

primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que

115

ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que

desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade

do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo

(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)

Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico

para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para

seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o

funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar

sobre o encaminhamento de um caso especifico

Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da

avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor

psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava

(Claudomiro)

O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado

na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua

contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico

Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio

do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador

Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas

assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma

coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)

Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da

chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo

tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute

muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra

O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial

(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de

intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir

das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com

gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum

especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et

al 2014)

116

Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito

tecircnue entre o cuidar e o medicalizar

Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito

acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles

(Clemecircncia)

Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem

sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo

numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a

cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em

acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e

prescrever medicaccedilatildeo

Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de

um discurso contra hegemocircnico

Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)

Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto

com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)

O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila

paciente

No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de

patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute

fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo

natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias

intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais

Recomendaccedilotildees

Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de

toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que

facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental

A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)

E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir

melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)

Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe

117

Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico

acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada

nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)

Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na

atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)

Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar

trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes

O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede

mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de

tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo

redondinha para vocecirc (Aacutedila)

Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas

situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita

dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo

de lidar (Clemecircncia)

Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de

violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea

Programaacutetica (CAP)

Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando

em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo

da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc

denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)

O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute

para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na

unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental

continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de

formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da

doenccedila mental

No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos

profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns

tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E

completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros

profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na

118

ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus

afazeres cotidianos

As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que

muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem

perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)

No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho

gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo

municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes

Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah

porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui

ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo

fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)

Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no

SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que

principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute

maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas

Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal

melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida

como deve ser feita a referencia e contra-referencia

Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz

() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o

Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)

Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria

eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito

e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da

regulaccedilatildeo (Aacutedila)

Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-

referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-

referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)

A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro

avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio

dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os

niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o

instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede

119

integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede

eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde

persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos

estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo

entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um

estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede

na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva

das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa

Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012

E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF

tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos

residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF

O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes

temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem

tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente

tem que telefonar (Claudomiro)

Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero

de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais

recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas

reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do

NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos

essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield

(2002) continua baseado no especialismo

Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para

apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas

possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que

incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo

de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)

120

624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas

uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda

hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes

piscando a vista fica inquieto

Aquele paciente dependente acompanhado pela

famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor

e uma atenccedilatildeo redobrada

Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso

de 3 ampolas de haldol de 1414 dias

Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe

e fazemos discussatildeo de casos

Sauacutede mental geralmente quando chega com

alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente

fica calmo e se precisar assim a gente

encaminha para a UPA

Depende de cada diagnoacutestico porque o

psiquiatra que estaacute junto com a gente do

matriciamento ele estaacute justamente para resolver

o que puder ser aqui junto com o meacutedico

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ter psiquiatra como meacutedico da unidade

Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia

Grupos de atividades para integraccedilatildeo social

121

Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades

de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para

falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram

pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o

sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta

diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em

participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa

categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita

participaccedilatildeo na equipe como um todo

No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali

no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas

aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)

Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a

gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo

geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de

alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)

Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder

dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento

no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem

dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em

afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se

repete mesmo na ESF

Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -

denuacutencia

1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito

sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)

2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de

estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no

acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios

Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um

profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum

outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa

122

coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a

queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)

Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute

dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios

tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)

respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios

por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as

pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um

modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar

agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou

tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves

unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo

em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado

para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita

resolutividade

Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por

Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo

Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos

e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade

fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e

da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a

Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria

Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente

em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar

reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia

Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo

Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs

ampolas de haldol (Daacutercio)

Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()

depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)

123

Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)

Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde

Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo

redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso

Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede

mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e

comportamentos estereotipados

Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai

fica pra laacute e pra caacute (Felismina)

Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute

acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho

(Daacutercio)

O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute

mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados

para o ambiente e cuidados hospitalares

Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais

exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo

pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo

Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento

para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no

serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF

Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus

discursos

Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar

a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)

Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles

ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)

Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo

dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)

O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem

suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos

O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o

cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de

124

viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da

poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza

(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas

queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das

pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para

atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de

enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo

psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees

de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza

sobre elas)

2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de

Enfermagem verifiquei dois modos de agir

1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador

como preconizado pela PNAB (2012)

Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)

Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do

meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na

unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da

equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos

devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)

2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento

confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental no discursos dos profissionais dessa categoria

Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a

medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)

O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de

acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes

pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do

plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os

meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo

soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute

mesmo visita domiciliar)

125

A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar

ajudando o paciente (Felismina)

Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute

para o controle de alguma coisa (Daacutercio)

No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os

teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior

parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados

com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive

muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo

Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto

quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria

Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na

unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade

Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute

apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais

Recomendaccedilotildees

Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de

sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho

estaacute bem realizado

Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro

da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto

com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede

mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)

Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas

atividades relatadas

No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no

profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua

patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por

meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia

Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade

atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro

que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma

126

passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem

problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)

Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o

modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de

sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

ainda ser do modo asilar

Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse

trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim

() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)

127

625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Nuacutecleos Discursivos Significantes

Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa

pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de

fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente

que comem compulsivamente ou deixam de comer que

bebem muito

Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente

que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da

vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando

doido estressado

Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria

tecircm dificuldades tentam ateacute se matar

Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute

agressiva transtorno bipolar obsessivo

Pessoas estressadas

Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da

rotina

Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta

uma crise eacute o momento que tu vive

Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios

Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria

depressatildeo

Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar

sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a

pessoa daquele quadro

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a

enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando

Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando

tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos

programas que oferecemos

Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos

que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um

tratamento

Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na

demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de

exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o

estresse do dia-a-dia

Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o

CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia

psiquiaacutetrica

Trago o caso pra equipe

Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos

da equipe marcamos uma visita domiciliar

A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai

ser feito

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE

SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica

Presenccedila de outros oacutergatildeos

Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber

Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF

Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS

Diminuir o tempo de espera para atendimento

Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo

Ter mais meacutedicos especializados

Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila

128

Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao

falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma

inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como

podemos observar nos discursos

Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)

Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)

Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)

Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem

formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele

habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa

ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs

(LANCETTI 2014 p96)

Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da

ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo

reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento

teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas

preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal

ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo

sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)

Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive

oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto

assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos

interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico

da equipe

Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como

com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para

os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que

estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos

deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em

capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e

avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas

da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a

engrenagem da ESF

129

No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente

nas falas

A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na

rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)

Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as

barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)

Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a

questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior

como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x

asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por

eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham

nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do

asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu

aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em

alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute

a cidade do Rio de Janeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e

diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida

estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal

resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno

psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado

No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da

Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e

da escuta

Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e

vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de

sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder

introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)

130

Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou

seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de

diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de

intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar

os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou

burocraacutetico (LANCETTI 2014)

Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento

A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha

aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra

dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui

porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e

quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga

velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era

que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em

casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)

Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a

usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas

que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia

fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa

usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa

dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para

possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre

elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como

objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de

outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e

menos medicalizadoras (SARACENO 2001)

Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem

mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de

territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que

deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce

com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees

Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional

de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas

131

No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento

Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute

louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()

Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e

maluco

Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala

eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros

falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)

Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia

ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os

termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico

O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo

de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e

integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no

processo de adoecimento

Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das

vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute

deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo

da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele

paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a

casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()

Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no

comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia

mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa

Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder

da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014

p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas

da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio

existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as

emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com

consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de

processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a

132

accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapecircutico (LANCETTI 2014)

No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde

melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a

alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos

informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem

Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas

que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo

deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre

natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente

jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou

deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)

Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa

das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do

modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso

acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de

sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se

necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no

hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento

valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas

indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa

ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede

nas cidades brasileiras

No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como

Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele

ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele

tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor

Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram

trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o

entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-

se uma vaidade em falar

Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a

diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o

133

remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente

nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)

Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade

em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo

por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de

aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais

ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento

Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as

atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de

equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos

discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes

exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se

necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos

elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a

uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a

populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)

Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na

cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam

Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle

() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de

racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de

focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio

equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS

comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres

que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas

domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o

controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013

p41)

134

Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer

conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua

atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de

produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O

indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se

corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico

Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade

traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do

cuidado a esses usuaacuterios

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu

fico soacute acompanhando (Hebe)

Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os

cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento

(Marcilene)

Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de

niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas

apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica

mais uma vez subordinado ao poder meacutedico

Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina

Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem

abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()

qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar

o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro

entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado

O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia

no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo

tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees

de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as

accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)

No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o

manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de

doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo

psiquiaacutetrica

135

Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia

descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou

estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo

() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada

Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o

quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada

accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce

que pode ser iatrogecircnica ou natildeo

Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe

pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria

A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no

modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os

documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a

figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se

necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo

romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse

entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e

sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara

Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a

gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios

controlados

Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz

(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de

uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da

criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica

o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo

do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste

personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando

agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um

territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as

transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem

do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)

136

Recomendaccedilotildees

Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no

discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir

que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede

mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem

ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica

Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo

sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo

comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas

Kiara

CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma

capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)

No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como

uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a

entrevistada tenta negar mas se contradiz

Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os

profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que

muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais

Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute

fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a

participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio

No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma

visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o

trabalho na ESF

Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles

tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)

Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc

tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar

porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute

interessante eu gosto (Jacobina)

Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado

no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia

ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS

137

Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui

a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute

sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves

vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)

Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria

faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser

pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui

noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)

O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia

da demora para o atendimento em sauacutede mental

Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute

aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do

meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem

uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante

E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois

na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede

mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que

demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando

as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008

138

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica

brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em

marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se

entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada

democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a

necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a

desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos

ao jaacute combalido SUS

A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$

600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de

conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa

Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa

de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de

promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede

A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a

sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica

que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o

cenaacuterio atual estaacute desolador

Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento

Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por

meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a

cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172

(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito

um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas

novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo

investimento feito na APS

Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os

sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo

adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo

como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela

triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o

139

texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a

intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees

discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que

se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi

de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a

linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas

ideologias

Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e

enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu

como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a

compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um

modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o

entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais

amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais

complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem

Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de

emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse

grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde

moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo

ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo

haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao

ponta da doenccedila jaacute instalada

As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede

mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade

Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem

psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora

tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado

na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre

transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que

inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o

encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais

graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica

140

Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma

perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de

sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as

categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele

questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute

passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como

linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental

Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos

externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do

Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos

uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos

e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade

para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em

atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra

e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das

equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse

que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto

agraves equipes da ESF

No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para

nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a

solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e

escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros

mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico

No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental

apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica

dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na

recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para

atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos

141

na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram

dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e

atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede

Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do

encaminhamento

Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de

ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida

(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede

(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo

Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social

muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da

prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do

empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e

da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo

Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF

estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos

a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com

visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes

a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento

longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente

para as pessoas mais abastadas da sociedade

O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e

desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado

para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de

questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os

benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os

meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos

usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da

dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado

pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a

intenccedilatildeo

142

Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma

enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a

princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam

pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece

tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios

um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga

Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de

funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a

unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e

odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses

grupos satildeo realmente propostas inovadoras

Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de

inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de

chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o

profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua

concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo

social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito

proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de

caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de

conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia

muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas

pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais

Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa

dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de

sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das

visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo

ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um

dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de

enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da

unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o

agente comunitaacuterio de sauacutede

Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade

Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e

divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da

143

Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS

como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros

recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento

da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia

Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF

acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que

necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos

de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios

profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute

situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro

A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e

dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo

especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a

importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um

todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por

parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a

quantidade e natildeo a qualidade do atendimento

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina

de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos

humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs

facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta

rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente

dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos

de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos

preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando

em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo

melhor

Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para

melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia

seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento

da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente

desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do

cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai

144

conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos

residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho

apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de

enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente

Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para

defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que

diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e

sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela

maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a

capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo

Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de

qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos

nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto

natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento

ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em

sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem

organizado deve garantir

Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e

poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos

sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas

De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista

tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que

possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute

doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as

dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o

cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo

acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento

se natildeo natildeo haacute

Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que

convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados

de sauacutede

As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia

cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio

145

de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada

na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais

foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade

e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor

Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da

Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados

encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental

ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os

profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo

com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no

acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista

Iniciais do nome

Idade Sexo Estado Civil Natural de

Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo

Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )

Tempo de atuaccedilatildeo na ESF

Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental

1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF

- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)

- Como eacute a sua rotina de trabalho

- O que caracteriza o seu trabalho na ESF

- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF

2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela

sua equipe da ESF

- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha

- Se encaminha para onde

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na

ESF

161

APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante

Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida

por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)

sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da

Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo

O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da

Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na

populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio

do Rio de Janeiro

Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede

da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses

O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da

Famiacutelia no territoacuterio adscrito

Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia

para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento

Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou

desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa

Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc

prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos

resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em

arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu

orientador e minha co-orientadora

A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da

pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito

atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo

A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com

questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo

O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas

seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora

Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco

(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP

O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo

sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute

influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em

seu territoacuterio de responsabilidade

Rubrica do Participante ____________

Rubrica do Pesquisador ___________

(1-2)

162

O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as

entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo

a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como

participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos

dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus

depoimentos

Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a

pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem

rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter

sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo

Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc

de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender

os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no

desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de

avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios

eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da

confidencialidade e da privacidade

Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863

E-Mail cepenspfiocruzbr

httpwwwenspfiocruzbretica

Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo

Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210

___________________________________________

Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)

Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial

LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de

Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom

RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015

Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo

em participar

_________________________________________

(Assinatura do participante da pesquisa)

Nome do participante _____________________________________________

Rubrica do Participante ____________

Rubrica da Pesquisadora _____________

(2-2)

Page 5: Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation

Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um

projeto

Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que

este trabalho pudesse se concretizar

Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua

capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a

importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo

desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos

mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila

Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato

em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas

leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel

Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos

e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e

encorajamento para seguir em frente

Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu

generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal

Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a

pesquisa

Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes

momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras

nessa empreitada sem os quais nada teria sentido

Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos

manobras de alta complexidade

LANCETTI 2014 p107

RESUMO

Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-

analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo

geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do

territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de

campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais

nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)

enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a

teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees

utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram

principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo

caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros

tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma

visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia

comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores

que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das

vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho

casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo

econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos

profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na

Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a

relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o

deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes

Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe

Multidisciplinar

ABSTRACT

A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in

the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings

attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental

health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection

included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)

professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident

physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians

The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The

names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to

the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a

case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some

correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia

hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the

term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple

depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that

addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties

unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of

the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family

tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use

diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress

violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social

relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite

the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in

the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the

professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the

shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices

Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary

Team

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89

Meacutedicos Preceptores

Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99

Meacutedicos Residentes

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111

Enfermeiros

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede

ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede

APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

AM Apoio Matricial

UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede

CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados

com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo

CF Cliacutenica da Famiacutelia

CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental

DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica

DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais

ESB Equipe de Sauacutede Bucal

ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia

MS Ministeacuterio da Sauacutede

MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade

NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia

NOB Norma Operacional Baacutesica

OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede

OS Organizaccedilatildeo Social

OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de

Sauacutede no Rio de Janeiro

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica

PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

SF Sauacutede da Famiacutelia

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12

2 INTRODUCcedilAtildeO 13

3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20

32 Objetivos especiacuteficos 20

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de Termos 20

42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29

43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34

44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42

45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51

46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57

47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60

48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do estudo 71

52 Tipo de Estudo 72

53 Campo do Estudo 72

54 Participantes do Estudo 74

55 Procedimento para coleta dos dados 74

56 Forma de Anaacutelise dos dados 75

57 Aspectos Eacuteticos 77

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o Campo 78

62 Anaacutelise das entrevistas 82

621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89

622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99

623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111

624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120

625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138

REFEREcircNCIAS 146

APENDICES

APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160

APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161

12

1 APRESENTACcedilAtildeO

11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo

A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com

as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o

Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em

Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no

qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela

Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a

importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem

uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados

Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e

pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei

continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no

Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca

coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como

funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu

mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo

ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo

realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro

Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio

especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na

porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como

proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do

Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de

psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio

e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de

2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais

especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de

Atenccedilatildeo Psicossocial

Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142

agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio

especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo

comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a

questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia

13

Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das

pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de

doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo

primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social

Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento

das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo

primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para

depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para

entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF

(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode

permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees

de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob

sua responsabilidade

2 INTRODUCcedilAtildeO

Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma

Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do

modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e

construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares

Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no

territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras

poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)

Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo

atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo

e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no

processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de

atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em

sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o

contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)

Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a

organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave

Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e

14

prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)

desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no

desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas

aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro

contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades

de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de

acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo

primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo

Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como

estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se

destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com

enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e

Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem

se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em

sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o

tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao

Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da

personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista

cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios

emocionais em seus pacientes

Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a

atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de

pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo

bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo

primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)

No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo

organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando

profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos

compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras

psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos

planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos

15

usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as

unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp

MEGALE 2012)

Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova

concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios

diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida

comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003

apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma

campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos

e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes

com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram

tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)

Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede

mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do

caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da

vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting

terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e

a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)

Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter

como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o

desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)

Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram

induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e

Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases

conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e

desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que

esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como

poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado

Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a

utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito

individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos

16

o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo

Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e

reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia

prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)

A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e

veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da

Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima

em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute

que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a

que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem

exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana

Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes

da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental

na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo

de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o

desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional

de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo

com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo

ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos

hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a

comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de

normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)

A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001

reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e

intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta

Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo

assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser

considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no

atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi

sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental

17

Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos

dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em

psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode

gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o

treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais

diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos

meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas

de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram

prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos

gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o

intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e

revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional

programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo

podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute

sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito

de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A

formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria

limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede

mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de

residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)

Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio

Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de

sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave

formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um

dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos

postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de

medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e

estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia

de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local

de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na

formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de

atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no

18

acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na

educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo

primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de

formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)

Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo

Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da

Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil

2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave

Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com

financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial

(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das

redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi

decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool

e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I

Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e

emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar

Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129

Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando

nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de

serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a

populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)

A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos

cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados

de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades

de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica

das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e

Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e

Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o

objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de

sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade

E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu

trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na

19

populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham

eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito

de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade

Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos

cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS

via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede

no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem

aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em

ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de

territorializaccedilatildeo

O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de

identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua

responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por

atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria

uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo

da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF

poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social

O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de

serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo

primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o

processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao

sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no

circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS

Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no

entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de

Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)

O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede

mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente

instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e

os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e

trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o

20

entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente

e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata

3 OBJETIVOS

31 Objetivo Geral

Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca

do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua

responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro

32 Objetivos especiacuteficos

321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o

seu trabalho

322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram

ldquocasordquo de sauacutede mental

323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou

encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

4 QUADRO TEOacuteRICO

41 Definiccedilatildeo de termos

ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental

ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito

pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental

ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado

entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado

conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo

No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender

como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os

profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento

mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees

relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados

Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas

Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem

instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos

enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as

questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea

21

Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF

em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos

diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina

faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede

Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica

Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo

a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)

traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de

Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42

idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor

quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos

praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o

momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos

julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a

proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)

O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que

lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo

com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute

usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro

induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos

Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior

revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida

em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de

2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica

Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia

comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa

em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade

Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco

da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento

Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM

e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o

manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma

lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma

22

regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede

mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo

Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute

como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a

filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo

Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um

silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras

formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que

natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende

classificar

Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos

efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir

sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito

aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de

grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno

mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os

quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de

vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a

mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode

ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute

especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um

diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V

ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a

afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural

ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo

construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico

(FOUCAULT 1972)

Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma

posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as

qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a

norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar

23

Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma

coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo

Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute

necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que

jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX

Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir

das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as

objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria

farmacecircutica conclui

Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de

sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o

diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma

compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias

diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia

tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)

Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute

impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela

teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena

suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa

coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute

transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico

O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a

definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo

o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de

tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da

experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da

sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos

empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios

Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de

tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria

social dominante

24

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)

A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir

qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de

trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS

de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades

aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)

Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os

preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente

biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as

famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de

risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os

determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais

relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e

organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada

classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo

em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias

desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo

no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida

pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)

Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por

Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo

dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou

a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa

dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o

modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees

e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF

contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e

rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios

assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da

atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os

desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade

de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede

assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social

25

Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS

tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao

acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os

benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a

educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura

de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a

reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares

Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes

hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes

foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios

observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas

integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede

mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da

Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos

usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no

processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela

ESF no processo de cuidado

Os profissionais da ESF

A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional

composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em

Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista

em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede

(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede

(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)

Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os

profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede

da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da

Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a

meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De

maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias

daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o

nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)

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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme

Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)

Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre

a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as

finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II

- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em

contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da

sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar

todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias

quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de

promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio

de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na

comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo

de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob

sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir

com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da

malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002

Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo

de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano

infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras

normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as

disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames

complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a

demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em

conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de

educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar

do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de

agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e

famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e

terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou

necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III

27

- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria

gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e

procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a

serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia

locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio

proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar

mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar

das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e

VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da

USF

Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo

realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando

indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas

associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento

da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado

funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda

espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente

Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil

epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os

procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das

urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica

da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede

bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento

reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a

grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar

atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de

accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -

acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais

membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de

forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e

auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios

para o adequado funcionamento da USF

Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal

(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a

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indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias

teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos

odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com

os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de

sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de

prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local

e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e

instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -

instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -

cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a

agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal

com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees

de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos

necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF

Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da

famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)

I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da

equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles

relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a

serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo

adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos

comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de

atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas

nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por

meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da

garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de

vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo

compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta

qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento

humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela

populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de

29

atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de

planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX

- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle

social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees

intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro

das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das

atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem

definidas de acordo com as prioridades locais

42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE

Aspectos Teoacutericos-Conceituais

Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as

accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos

fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma

coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de

atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias

disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas

poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede

Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles

estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico

No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais

aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees

ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em

procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de

envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da

promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)

No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos

componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a

organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta

maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as

accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o

que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende

analisar os modelos de atenccedilatildeo

30

Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar

um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-

cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser

diversos tendo em conta as realidades distintas

Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees

tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades

de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)

Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos

Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no

sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e

no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a

relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de

atenccedilatildeo

Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo

MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO

Medicina preventiva

(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas

meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em

1968)

(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente

fiacutesico bioloacutegico e sociocultural

lsquoModelo ecoloacutegicorsquo

lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo

Niacuteveis de prevenccedilatildeo

Medicina Comunitaacuteria

(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola

tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-

assistencial participaccedilatildeo da comunidade e

regionalizaccedilatildeo)

lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e

terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo

lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)

Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)

Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo

Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a

reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do

sistema de serviccedilos de sauacutede

Promoccedilatildeo da sauacutede

(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais

da sauacutede)

Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos

estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de

condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012

A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo

existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute

intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao

movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado

31

Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos

No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no

paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo

sanitarista

O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e

o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos

fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo

4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da

medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada

dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)

Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista

que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista

permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre

presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de

caraacuteter coletivo

Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde

o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico

(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas

de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias

(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais

(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria

e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)

Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da

integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou

buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo

sanitarista)

As propostas de modelos alternativos

Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-

se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos

serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da

deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na

perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees

32

programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)

Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia

A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento

Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo

caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades

epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees

nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo

de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas

riscos e as necessidades da comunidade

A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios

como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012

p247) define distritos sanitaacuterios como

Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede

definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos

gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e

privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos

poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada

para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior

quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede

Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa

organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com

mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida

um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios

Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e

da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de

redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais

de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-

se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de

condutas

Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na

geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de

danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a

assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada

accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca

33

reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de

sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e

acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)

Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)

Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)

O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na

anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs

orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar

processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe

profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios

de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da

atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo

do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos

incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012

p 483)

No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes

tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do

ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o

viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no

sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim

(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante

diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das

doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo

A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do

Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos

estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta

estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede

reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis

escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis

Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica

na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta

organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de

reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute

melhor descrita nos capiacutetulos seguintes

34

43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)

Conceitos trajetoacuteria e abordagem

O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e

apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram

ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo

do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do

sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees

de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o

movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da

Conferecircncia de Alma Ata em 1978

Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi

marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os

governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus

sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila

Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados

Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade

do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS

(FAUSTO 2005)

Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os

cuidados primaacuterios em sauacutede como

Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos

cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e

em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas

famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de

contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o

sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os

serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha

constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo

processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)

A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos

verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento

35

em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais

especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento

aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de

combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e

descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de

questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede

recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos

processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual

predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan

Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em

desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens

alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo

respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir

desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976

Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000

A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede

essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um

processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e

equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade

mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A

compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes

sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da

Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute

defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e

apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em

sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos

distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo

Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo

ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento

Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens

de APS entatildeo existentes (Quadro 2)

36

Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede

ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE

APS seletiva

Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para

enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em

desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais

comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral

amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar

planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres

Conjunto restrito

de serviccedilos de

sauacutede para a

populaccedilatildeo pobre

Primeiro niacutevel

de atenccedilatildeo

Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de

cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do

tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de

primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e

serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da

concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas

universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave

disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou

medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general

practioners ndash GP)

Um dos niacuteveis de

atenccedilatildeo do

sistema de sauacutede

APS

abrangente ou

integral Alma-

Ata

A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema

de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social

Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de

enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e

cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo

comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas

e uso eficiente dos recursos

Estrateacutegia para

organizar os

sistemas de

atenccedilatildeo agrave sauacutede e

para a sociedade

promover a sauacutede

Abordagem de

sauacutede e de

direitos

humanos

Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais

amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata

Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser

inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo

para promover a equidade em sauacutede

Uma filosofia que

permeia os setores

sociais e de sauacutede

Fonte OPASOMS 2007 p04

Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria

pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave

sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e

abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com

consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p 506)

Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser

compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das

accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do

meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de

atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo

ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)

37

Atributos caracteriacutesticos da APS

Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses

industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield

(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem

reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas

especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de

responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao

longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e

social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das

diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais

complexas

Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo

devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se

na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter

competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos

grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo

para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros

da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de

agentes comunitaacuterios de sauacutede

Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na

capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de

serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios

o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)

do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao

generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A

coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento

populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de

doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais

Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral

segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do

desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que

implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do

processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social

do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de

38

poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento

social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da

poliacutetica municipal completa as autoras

Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com

diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e

planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades

individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede

Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos

Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da

eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de

aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas

de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)

Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos

serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave

compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de

Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)

Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a

primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por

iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido

trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo

primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em

centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do

ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo

encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)

ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos

serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e

Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram

imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos

sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o

primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus

consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de

sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que

permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar

39

consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede

empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo

(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)

Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de

atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu

Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o

modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de

acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo

enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram

nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas

empresas por exemplo

Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento

como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que

separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em

uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em

serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os

ambulatoacuterios de hospitais

Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil

O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de

outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito

tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros

de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede

puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os

ambulatoacuterios em hospitais gerais

Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda

focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica

organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter

curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de

Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas

algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil

natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos

40

ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua

indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)

esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da

doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que

aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos

Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease

tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava

accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento

cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana

atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre

sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias

deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela

unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo

de seguro de sauacutede

Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com

apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia

meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se

destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao

direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de

participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de

treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a

ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela

pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse

contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e

um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos

de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais

Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo

docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na

atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo

sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas

41

no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida

(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)

A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a

atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi

criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava

a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em

cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por

oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua

conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS

Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do

Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa

Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios

experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise

previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem

alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede

Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria

respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo

de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees

Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos

baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo

Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo

de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local

seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o

sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo

independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados

programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de

Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como

modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos

adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)

42

44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial

A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma

Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi

contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de

proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a

sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e

serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e

diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade

humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis

Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o

Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)

Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do

SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de

descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para

o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e

expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo

Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do

SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo

Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela

FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de

caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia

de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi

formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de

dezembro de 1993

No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um

novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade

financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)

contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro

niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de

agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)

43

Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo

Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio

do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo

assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a

organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o

enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009

p24 )

Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve

uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do

Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela

primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual

(GIOVANELLA et al 2009)

Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm

1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do

seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de

promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)

No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da

Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no

paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a

ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira

- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013

Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das

EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o

objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e

resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns

meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e

assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a

proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que

tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes

Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os

desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira

incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo

44

primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo

recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de

trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA

MENDONCcedilA 2012 p539)

A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de

entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos

cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria

incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na

famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de

modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo

caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede

O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma

perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a

comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes

O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de

alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos

profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes

satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas

locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-

qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em

2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo

Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de

especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)

Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo

primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa

integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior

parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo

especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior

investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos

ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental

cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de

45

informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e

prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)

Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e

na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo

de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem

para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro

A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do

paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram

efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)

realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002

a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu

papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da

melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi

evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do

acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram

verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os

limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na

territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma

intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda

natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local

A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio

Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822

capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute

1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia

Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico

internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois

de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro

era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes

O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos

incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob

46

a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel

histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)

Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em

trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de

SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e

Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013

ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)

Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do

Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com

sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33

40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e

necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)

Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu

investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua

capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de

manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no

municiacutepio (CASOTTI et al 2013)

Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994

com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional

como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e

desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam

a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008

Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria

no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno

de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou

um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma

importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa

expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de

479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)

Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da

gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo

alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees

Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

47

(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o

campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015

OPAS 2013)

Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de

Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves

diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de

serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47

equipes em 2015

A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental

No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-

2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais

efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de

base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e

prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de

Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes

da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos

Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo

Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o

melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO

2013)

A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores

da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a

realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais

institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi

impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave

ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um

modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos

comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas

se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um

projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a

Reforma Psiquiaacutetrica

48

A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo

pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil

(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a

participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho

moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios

portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio

de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)

Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode

alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de

Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma

Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos

que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo

de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)

Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser

importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma

mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana

dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os

problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a

resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)

A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional

da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em

situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o

maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos

niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se

como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber

cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou

mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)

Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre

relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de

1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os

transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos

estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo

feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico

49

tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a

realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS

Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os

problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma

Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais

natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que

sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se

encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante

tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos

Apoio Matricial (AM)

No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio

esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)

estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e

usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar

obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio

interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso

de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto

de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS

Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da

Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um

estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de

50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as

atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos

estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF

reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da

integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais

comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os

usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por

um ou mais especialistas

Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade

dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo

organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de

maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico

50

no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos

mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem

compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a

construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas

Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de

construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo

esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos

esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio

brasileiro

A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash

Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo

primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os

serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo

Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas

Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede

Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio

Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio

(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o

acompanhamento dos pacientes

Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)

Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede

mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais

Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia

domeacutestica

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais

nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo

diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades

realizadas pela unidade

Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de

benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos

Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e

NASF

51

Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de

consulta meacutedica e grupo terapecircutico

Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de

convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de

convivecircncia

Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados

Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados

Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM

via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois

turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o

CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado

encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e

recursos financeiros

45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil

A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o

desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o

trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua

capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e

entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo

(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)

Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes

medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia

fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas

biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a

aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo

do ensino das demais profissotildees de sauacutede

O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou

conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas

principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e

ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial

Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em

52

hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica

Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio

profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)

A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial

composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas

voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de

praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma

hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente

desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e

BELISAacuteRIO 2012)

Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a

foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que

a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada

na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma

quotidianamente (FREIRE 2003)

Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos

hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais

antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo

cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era

uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees

Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia

positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a

microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a

impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria

dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses

problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo

aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo

a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do

setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio

1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de

que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais

e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida

53

exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de

reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise

sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008

apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do

Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN)

Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos

pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os

postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo

sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo

contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais

de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e

progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e

compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo

(HADDAD et al 2010 p 38)

Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil

que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos

distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores

O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de

cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve

iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo

tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas

vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais

(BARROS et al 2010)

No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho

com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do

mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se

a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a

expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o

54

mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na

agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS

et al 2010)

Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm

402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante

coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres

para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite

(BRASIL MEC 2000)

Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo

de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS

em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a

formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho

pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)

Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do

modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares

a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos

meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero

de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)

Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos

Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de

1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial

atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o

nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo

Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo

para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do

Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da

enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute

que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria

Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio

Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos

Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais

de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino

profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a

55

permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo

em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)

Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990

registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios

sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de

Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para

os profissionais de enfermagem em geral

Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas

Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a

profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS

no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de

Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas

Secretarias Municipais de Sauacutede

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se

alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a

integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na

formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e

Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu

simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas

de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em

relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos

Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional

focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias

pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria

para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na

medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar

das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a

ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)

Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro

profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica

nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho

individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que

56

preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e

antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em

um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo

universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da

disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)

Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no

Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na

atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis

anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da

Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro

das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de

Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado

pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na

Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade

a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e

pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em

formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em

1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais

institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)

posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os

alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do

Brasil

Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado

ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades

baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo

tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em

decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica

puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente

em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes

pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu

agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso

57

salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios

de Sauacutede

Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o

ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas

envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser

visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala

assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede

devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de

cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a

comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-

se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de

fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes

46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA

Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental

Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao

modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os

indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse

contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes

Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz

necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia

O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto

fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos

pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se

construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e

administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este

conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o

contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo

doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)

O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos

princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua

58

ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia

subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo

biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais

[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma

importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do

pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o

lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador

o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte

do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade

(AMARANTE 1999 p49)

Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se

contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees

importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva

A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado

um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de

substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)

De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes

experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a

Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da

contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de

Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos

autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias

transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico

pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila

Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser

especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e

sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como

estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa

Luzio e Yasui (2003 p 32-33)

No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e

praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental

59

Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito

com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade

social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita

a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na

direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo

sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma

relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena

inclusive das terapecircuticas

No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo

de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem

significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo

com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de

sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e

Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e

Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas

com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se

colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o

conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais

visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos

No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees

advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por

instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila

mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social

Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os

vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas

accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que

institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo

de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria

No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas

a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a

anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao

conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e

a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em

60

processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula

como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a

imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social

Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam

mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira

cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana

Haacute que se observar ainda que

O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e

contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-

social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees

concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de

um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees

mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-

ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)

47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL

De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a

histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor

a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas

com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees

poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees

natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)

O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado

no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre

ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen

argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social

e cultural pois para ele

A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo

expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do

corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como

fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da

natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo

nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e

61

modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal

atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)

Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila

assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os

diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo

da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso

das praacuteticas meacutedicas

Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios

investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da

medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo

urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica

Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois

para ele

Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do

Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha

acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo

tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o

Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc

assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a

obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos

para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia

saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)

Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da

definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a

Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como

carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim

Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos

socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e

poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)

Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz

parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees

higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia

62

Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado

parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando

as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e

passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da

medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de

economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial

Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de

uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o

contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo

XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o

corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da

sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela

consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo

(FOUCAULT 2011 p80)

Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face

da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das

sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como

resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem

doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das

funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina

A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia

cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial

cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-

chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia

das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees

autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional

desempenha nesse processo

Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do

sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade

epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)

Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa

medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um

63

epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco

tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees

autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo

Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor

propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente

inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de

medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich

A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia

Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance

para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila

medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)

Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute

sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou

probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que

estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo

ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa

instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante

dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou

psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-

epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em

medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de

constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por

padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)

O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre

os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o

sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber

individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para

cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A

ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como

necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega

satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada

Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do

sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de

64

revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo

em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia

muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees

que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico

asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba

natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais

vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc

Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no

qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a

biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que

transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de

revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela

biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)

Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das

accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do

setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar

o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e

natildeo cuidar soacute da doenccedila

Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e

no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como

alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a

respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo

medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem

investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute

desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e

construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da

construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a

aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)

Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da

atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico

do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de

existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as

65

categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina

(TESSER 2004)

Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do

profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das

vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo

biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como

comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute

portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do

acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo

biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam

sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo

intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo

dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)

A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo

dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina

meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do

saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade

nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo

satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem

de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os

quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a

maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas

altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se

conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos

sintomas (TESSER 2006)

Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes

accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em

parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser

desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a

pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)

Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute

em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos

conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja

inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)

66

De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo

do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o

profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente

partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma

profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e

natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem

lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)

Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo

copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos

doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo

estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com

uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo

cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)

Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos

medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a

formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto

significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF

cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios

48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA

Epistemologia

O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser

trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio

desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian

McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela

qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees

sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da

profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta

Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses

interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira

Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph

Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas

de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo

67

clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre

Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)

O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa

mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos

profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a

abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na

qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas

na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo

hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta

nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a

ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o

imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o

profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir

quando o poder eacute compartilhado

Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo

sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que

eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em

um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem

centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como

- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos

- melhora na aderecircncia aos tratamentos

- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades

- reduccedilatildeo de sintomas

- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica

- melhora na sauacutede mental

- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes

Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica

meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A

ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente

questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard

(1986) e White (1988)

68

Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977

p130)

Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada

por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem

ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as

dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O

modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas

como uma entidade independente do comportamento social mas

tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com

base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)

Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no

pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo

Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas

opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na

avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55

2010)

Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi

desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no

meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo

(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no

meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)

O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une

aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)

sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da

pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo

da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)

Os seis componentes interativos

O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de

orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa

Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o

profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do

69

qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al

(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica

cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se

unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos

Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois

conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo

de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura

ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar

doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua

experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo

o que ela espera do meacutedico

O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da

doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos

muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu

desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive

inclusive o ecossistema

Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo

dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a

definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a

identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos

Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como

uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada

encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o

profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura

Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um

entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e

contratransferecircncia

E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional

seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho

em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de

sauacutede

Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira

Stewart et al (2010)

70

1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila

- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares

- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e

expectativas da pessoa

2 Entendendo a pessoa como um todo inteira

- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento

- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social

- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema

3 Elaborando um projeto comum de manejo

- Avaliando quais os problemas e prioridades

- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo

- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede

4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede

- Melhorias de sauacutede

- Evitando ou reduzindo riscos

- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas

- Reduzindo complicaccedilotildees

5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa

- Exercendo a compaixatildeo

- A relaccedilatildeo de poder

- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)

- O auto-conhecimento

- A transferecircncia e a contratransferecircncia

6 Sendo realista

- Tempo e timing

- Construindo e trabalhando em equipe

- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis

71

5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS

51 Etapas do Estudo

Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de

literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de

2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca

Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia

Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo

assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo

Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na

plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo

site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos

115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias

estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede

mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades

de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os

estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos

A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo

apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica

medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da

atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam

para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva

da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014

TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al

2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010

BUCHELE et al 2006)

Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes

conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria

estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu

cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a

necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de

sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois

os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede

mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al

72

2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES

BARRETO 2009)

A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de

entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo

52 Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos

entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a

abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do

universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um

espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO

2010)

Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o

pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o

acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e

mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os

problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e

anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo

de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as

observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)

53 Campo do Estudo

Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)

distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52

e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental

e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha

uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP

escolhida para realizaccedilatildeo do estudo

Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas

da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com

a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do

municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de

lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas

em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)

73

Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia

(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo

que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial

(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio

Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo

proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto

um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de

Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi

entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo

A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo

funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em

frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento

funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de

Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme

vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma

unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria

biblioteca

A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o

territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o

Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do

Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos

profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo

dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando

assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam

De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o

nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash

DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe

Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O

nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a

Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)

Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em

marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)

74

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho

de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada

equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)

teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de

Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)

meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A

equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)

auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra

1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade

54 Participantes do Estudo

Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos

enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a

equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo

fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu

nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes

profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo

preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e

dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes

trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores

Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe

miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses

E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento

durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar

do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute

menos de seis (6) meses

55 Procedimento para coleta dos dados

A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano

do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como

complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi

observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura

fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia

75

para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)

2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um

guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de

cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do

Conselho Nacional de Sauacutede

O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma

estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil

natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-

estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu

trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea

ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras

o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como

lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental

56 Forma de Anaacutelise dos dados

Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo

sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de

Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica

de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi

A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E

a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por

de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o

estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do

processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos

Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do

significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria

A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a

Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e

ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do

inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi

(2000)

ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que

natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo

(ORLANDI 2000 p 83)

76

Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio

histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)

A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um

discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o

sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico

e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende

dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-

construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)

Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel

disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair

a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores

pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que

ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o

contexto no qual estava inserido

Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do

Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos

ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio

absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)

Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do

enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo

Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros

discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que

fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no

interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo

a ser compreendido na anaacutelise do texto

Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e

quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo

Pecirccheux

1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si

mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-

histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas

2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia

de formaccedilotildees ideoloacutegicas

77

Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)

que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela

histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas

faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a

Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute

certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento

57 Aspectos Eacuteticos

O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional

de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do

responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo

Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo

sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais

participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim

atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos

Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio

processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e

contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo

importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica

78

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

61 Descrevendo o campo

As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma

sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a

dinacircmica da equipe

Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das

reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a

equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de

sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam

para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis

encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim

como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de

exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava

desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre

determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a

alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe

Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de

vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos

agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de

trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de

determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora

aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja

ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir

sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que

deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e

multiprofissionais

Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca

da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de

fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo

do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo

andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O

acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com

corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de

79

apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou

alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes

segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas

As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de

atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para

atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se

localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para

farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo

1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1

sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de

expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino

tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para

profissionais e usuaacuterios

A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios

possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e

coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade

natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas

indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por

exemplo com setas indicativas

O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas

tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do

banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo

o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A

limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo

de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais

Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua

antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o

profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante

destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01

cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com

torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2

cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das

feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material

bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para

80

guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas

mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo

de artesanato guardavam o material

Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-

se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita

de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06

ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para

armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da

Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa

pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e

almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a

unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio

De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da

Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios

ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado

uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para

pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial

barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como

recomenda o referido manual

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram

colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim

como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio

eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma

das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela

gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada

(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de

procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e

Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras

caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)

Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante

as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com

Especialistardquo

81

O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia

semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a

proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se

voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um

espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias

A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no

periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de

duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC

da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei

muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo

sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos

de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes

falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia

deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete

como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os

participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos

de enfrentamento

O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe

repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e

pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar

junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo

psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que

gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do

usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data

retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o

conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a

utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas

Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com

outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas

aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o

acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que

contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma

proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico

82

O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros

Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a

melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico

singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo

entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS

2014)

62 Anaacutelise das entrevistas

Consideraccedilotildees introdutoacuterias

As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo

1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa

2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase

3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala

4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas

5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula

6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes

fictiacutecios

As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada

uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que

foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees

sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de

apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido

Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS

SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas

de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e

percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental

Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as

formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos

internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de

ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do

discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor

83

pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem

funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)

Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram

descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas

analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)

meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos

preceptores

De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de

discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada

entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o

processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na

anaacutelise das entrevistas

Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das

questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais

entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de

formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental conforme descrito a seguir

Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com

idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de

Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo

de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento

especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou

durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico

preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um

colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa

da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro

Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade

entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)

solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e

(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de

Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes

meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma

84

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a

buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo

formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)

entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de

formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam

tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede

mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou

que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua

graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar

(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)

Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)

sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do

Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de

formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter

residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia

Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na

ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF

estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para

lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma

parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de

Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional

informou ser morador da aacuterea onde trabalha

Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36

anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado

todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a

10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais

informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos

citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de

Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar

Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)

declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)

teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham

Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina

Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40

85

anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)

Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de

atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as

questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos

como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e

capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que

proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de

informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS

(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso

ldquoCaminhos do Cuidadordquo

A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores

meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo

biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas

Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo

na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)

Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a

famiacutelia (Bartolomeu)

Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()

a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente

administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que

entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo

(Claudemiro)

Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a

oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela

vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos

denominaram

Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)

Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)

Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo

muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)

Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com

eles (Heda)

Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade

(Hebe)

86

Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram

como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera

como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas

perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF

3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede

mental na ESF

As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o

seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem

interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos

de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com

expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao

maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do

estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e

a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)

aceitaram participar do estudo

Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei

livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o

projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF

Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar

as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-

me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo

Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram

muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns

trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o

momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos

territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente

a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental na sua aacuterea

Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos

residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O

que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com

87

desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo

de formaccedilatildeo do curso de residecircncia

Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio

de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e

Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede

(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e

diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de

Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em

expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros

incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute

formados no proacuteprio curso

Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados

Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o

ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que

costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe

As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha

disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe

contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas

entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a

preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees

importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido

a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se

mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel

Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi

a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo

Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e

na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade

com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a

entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um

teacutecnico de enfermagem

As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que

demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de

88

sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido

acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou

atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi

perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles

tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio

do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o

que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns

agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido

mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a

palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na

Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede

89

621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores

Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Preceptores

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE

Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no

funcionamento familiar e social algum tipo de

transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente

aacutelcool e drogas

Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo

paciente pode ser muito complexo por menor que seja o

problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o

meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele

O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo

Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade

depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o

psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental

grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em

crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute

multidimensional envolve medicamento grupos em

sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com

assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe

matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no

CAPS

Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a

escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo

ser medicamentosa

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental

Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees

90

Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais

Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito

incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute

depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo

Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era

maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs

horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo

vai ficando muito melhor (Abel)

O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou

entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a

oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou

e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a

sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua

famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados

ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia

costumam ter por aiacute (Bartolomeu)

Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e

Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece

requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em

querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O

que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica

sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra

mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza

uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral

do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no

campo da APS

Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se

relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou

91

psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum

tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e

drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens

adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno

menta (Abel)

Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo

psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo

de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-

Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na

Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em

entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e

como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de

apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar

(COSTA-ROSA 2000)

A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do

relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes

um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para

denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010

foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo

sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves

terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel

portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o

centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila

Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal

como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico

ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do

histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do

planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de

sofrimento

Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o

jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma

formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando

durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o

indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental

92

para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura

do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento

psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como

hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)

Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute

apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de

nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada

Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o

cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em

relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma

A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva

Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro

haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor

distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como

qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser

compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva

(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao

outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim

dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)

A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo

biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos

contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e

qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede

e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental

tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado

ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento

O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um

objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em

inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao

modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e

classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para

estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)

93

No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo

ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um

conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria

dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social

sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido

no CID-10

Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como

ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade

eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que

alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso

revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse

processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial

Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo

citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que

noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro

(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua

afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate

epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose

paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo

ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)

Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute

depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida

dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as

questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na

maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo

Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da

Medicina de Famiacutelia

Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por

meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)

para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou

econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as

94

pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida

humanardquo

Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de

alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do

que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do

conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede

que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado

em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus

sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a

importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia

entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a

ldquodoenccedila do doenterdquo

Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato

anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e

secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente

funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento

da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)

Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute

a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo

validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia

dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas

recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica

que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento

possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto

conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque

existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)

Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de

que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela

eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do

sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das

consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e

o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio

95

atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa

atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)

Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o

progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)

fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores

sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico

de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa

que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em

sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do

modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo

o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente

mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield

(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na

regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta

o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo

nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum

(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno

psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e

o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno

mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos

De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre

que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao

maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no

abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o

portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti

(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos

transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo

mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo

sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos

No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve

medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente

96

social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui

ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a

dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua

demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se

reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por

demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)

No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a

abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa

fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua

concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a

experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila

A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash

cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos

demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional

estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser

centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo

atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que

tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado

na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos

direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter

uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento

humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o

objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)

O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que

formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem

mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo

entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no

contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando

inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar

a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a

fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico

Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina

costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda

97

Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram

transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que

considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social

e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo

sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser

uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana

porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de

Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que

se colocam no dia a dia

Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos

queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade

a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se

apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos

trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um

conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES

1998)

A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das

relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer

uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e

comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os

muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees

familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios

que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)

Recomendaccedilotildees

Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos

os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo

continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma

nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam

apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os

casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada

a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias

profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento

98

psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA

2013)

Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais

equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a

Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para

sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos

medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena

o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia

Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe

mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que

cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de

3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de

pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio

ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por

equipe (BRASIL 2012)

Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era

de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio

de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa

complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da

Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de

necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de

cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)

99

622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes

Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Meacutedicos Residentes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo

na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na

forma como ele se relaciona no trabalho na

comunidade

envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica

qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou

doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer

usuaacuterio de drogas

tanto um transtorno de ansiedade mais leve com

prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental

mais grave como esquizofrenia e tambeacutem

alcoolismo uso de drogas iliacutecitas

qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo

profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute

bem psicologicamente

pisando em ovos

soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo

encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente

consegue encaminhar por causa do NASF

primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas

abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem

necessidade de falar

geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o

paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em

tratar ou que eu ache que sei manejar bem

eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com

algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com

o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida

faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo

Ter uma rede mais integrada

Talvez ter mais investimento em CAPS

Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria

para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas

Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido

ldquo

100

Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e

a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo

como por exemplo nas falas

Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de

ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu

resolvi fazer (Betino)

No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a

Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda

no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a

realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente

meacutedica (Accedilucena)

Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno

dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo

de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade

investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho

De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-

doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em

sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica

tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de

estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e

exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a

terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento

e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e

desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do

saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de

adoecimento

No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a

importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social

econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma

especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja

Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de

cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os

procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de

101

indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas

respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)

Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo

a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa

especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a

diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam

categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a

implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas

de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de

paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o

reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente

da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)

Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para

qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo

Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia

era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um

profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do

Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um

direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema

de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de

um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas

pessoas

Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do

mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio

social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a

sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de

assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez

mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo

do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)

Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga

horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de

que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito

extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja

102

para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos

abaixo

Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em

serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu

aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a

gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)

Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma

hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)

Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da

agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo

sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum

problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no

atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do

cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras

abordagens em sauacutede como representado nos discursos

Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da

cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada

paciente (Braacuteulio)

Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que

aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede

do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento

tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de

setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta

qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo

que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como

alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade

depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional

meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi

uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico

103

Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e

insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo

O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das

denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a

ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria

se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes

posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer

possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como

modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de

nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental

sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees

lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo

No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo

esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa

realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo

biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria

terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito

distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido

A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma

compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com

repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona

no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma

especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode

ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa

Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando

falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente

Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a

normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas

psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande

controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental

Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se

trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios

104

criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada

profissional (DALGALARRONDO 2008)

A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a

de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais

facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que

os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as

variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas

se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida

No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave

manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser

muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)

Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo

reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as

diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma

coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas

essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as

definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica

diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir

determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave

cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade

Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo

em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o

meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o

indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao

contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de

conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as

doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a

MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva

atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal

vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees

Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas

seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou

identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente

natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha

105

ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo

especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades

Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam

entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada

dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis

para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo

potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras

doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal

familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)

Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem

classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais

meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que

preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos

hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma

percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila

Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos

diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo

de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a

novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho

formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais

profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo

deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS

uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo

depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos

recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de

problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de

que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo

conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece

argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica

qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo

(CAMPOS 2005)

106

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes

entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na

abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada

durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por

outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem

Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa

falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)

Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa

que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)

Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram

disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados

seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a

diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu

tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a

psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)

Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo

discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de

cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da

equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o

CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude

observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado

de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do

governo estadual

Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos

essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade

pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada

Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes

usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute

a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa

e sua existecircncia-sofrimento

O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo

psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-

se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio

107

imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso

e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria

No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz

uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo

uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo

retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees

em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada

e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de

questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o

usuaacuterio no momento do atendimento

Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos

profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem

matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos

ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia

A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a

APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para

a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base

territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de

cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave

populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista

aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as

poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo

A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves

20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois

acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade

de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede

das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera

que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento

dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o

sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma

coisa implica uma relaccedilatildeo

Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e

Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus

usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos

108

indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca

de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da

comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido

adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede

Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e

seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho

para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e

abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa

relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso

Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua

composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a

histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os

membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor

entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a

sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada

indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser

reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das

accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede

Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada

para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo

holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no

especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em

MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a

importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem

criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema

A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra

ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional

cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o

tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de

trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a

promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo

109

Recomendaccedilotildees

Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos

profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como

modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais

diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede

da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03

(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada

NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de

Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios

na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias

semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas

semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria

semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do

MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado

A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir

sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade

emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo

ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo

Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em

condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas

condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e

da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar

uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta

e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado

a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue

oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio

Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico

brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica

atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por

niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre

os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema

hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave

sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito

de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos

110

complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de

complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria

agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior

densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave

sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)

Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave

Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando

equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas

Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente

hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave

sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de

prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de

responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave

sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os

sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos

Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao

investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas

do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como

exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de

melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees

desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede

brasileiro

A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como

CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos

meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos

Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para

uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios

orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica

111

623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros

Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes

Enfermeiros

Nuacutecleo discursivo Enfermeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou

sentindo que tem alguma coisa marco consulta e

matriciamento

Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta

deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo

quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando

quiser pode voltar

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para

o meacutedico avaliar

Dificuldade de relacionamento na escola ou em

casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas

violecircnciaai tem muita coisa

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o

paciente pode se tornar mais agressivo

Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma

doenccedila mental

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no

trabalho em sauacutede mental

Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF

Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)

112

As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de

atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos

(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de

acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de

leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute

atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das

pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de

sauacutede aguda

No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento

de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente

retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma

enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da

populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a

profissional sinaliza como

Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita

paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo

querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)

A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico

mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo

hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a

populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas

especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da

populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute

tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS

resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental

No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede

mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No

entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no

modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico

esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que

tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo

113

na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e

fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de

planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura

o serviccedilo e sua famiacutelia

Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar

relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool

drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio

lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia

desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do

coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema

na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)

Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem

conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de

superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As

condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute

produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa

Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo

patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais

Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos

de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila

mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a

centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de

sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das

pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes

como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente

ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma

procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e

reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)

Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo

reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado

um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na

atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante

114

Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da

formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes

Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute

entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no

hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e

pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico

Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe

(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial

a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em

primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma

sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo

deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de

algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo

(LANCETTI 2013 p 19)

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao

modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de

atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico

Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco

consulta e matriciamento (Aacutedila)

Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)

Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da

consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria

atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da

equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para

uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva

para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico

() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura

empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um

ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade

primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que

115

ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que

desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade

do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo

(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)

Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico

para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para

seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o

funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar

sobre o encaminhamento de um caso especifico

Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da

avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor

psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava

(Claudomiro)

O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado

na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua

contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico

Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo

de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio

do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador

Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas

assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma

coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)

Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da

chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo

tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute

muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra

O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial

(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de

intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir

das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com

gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum

especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et

al 2014)

116

Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito

tecircnue entre o cuidar e o medicalizar

Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito

acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles

(Clemecircncia)

Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem

sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo

numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a

cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em

acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e

prescrever medicaccedilatildeo

Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de

um discurso contra hegemocircnico

Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)

Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto

com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)

O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila

paciente

No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de

patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute

fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo

natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias

intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais

Recomendaccedilotildees

Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de

toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que

facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental

A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)

E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir

melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)

Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe

117

Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico

acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada

nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)

Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na

atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)

Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar

trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes

O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede

mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de

tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo

redondinha para vocecirc (Aacutedila)

Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas

situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita

dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo

de lidar (Clemecircncia)

Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de

violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea

Programaacutetica (CAP)

Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando

em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo

da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc

denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)

O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute

para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na

unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental

continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de

formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da

doenccedila mental

No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos

profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns

tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E

completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros

profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na

118

ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus

afazeres cotidianos

As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que

muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem

perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)

No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho

gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo

municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes

Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah

porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui

ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo

fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)

Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no

SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que

principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute

maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas

Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal

melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida

como deve ser feita a referencia e contra-referencia

Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz

() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o

Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)

Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria

eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito

e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da

regulaccedilatildeo (Aacutedila)

Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-

referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-

referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)

A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro

avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio

dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os

niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o

instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede

119

integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede

eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde

persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos

estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo

entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um

estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede

na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva

das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa

Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012

E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF

tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos

residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF

O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes

temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem

tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente

tem que telefonar (Claudomiro)

Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero

de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais

recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas

reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do

NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos

essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield

(2002) continua baseado no especialismo

Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para

apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas

possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que

incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo

de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)

120

624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Teacutecnicos de Enfermagem

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas

uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda

hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes

piscando a vista fica inquieto

Aquele paciente dependente acompanhado pela

famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor

e uma atenccedilatildeo redobrada

Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso

de 3 ampolas de haldol de 1414 dias

Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe

e fazemos discussatildeo de casos

Sauacutede mental geralmente quando chega com

alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente

fica calmo e se precisar assim a gente

encaminha para a UPA

Depende de cada diagnoacutestico porque o

psiquiatra que estaacute junto com a gente do

matriciamento ele estaacute justamente para resolver

o que puder ser aqui junto com o meacutedico

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE

MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Ter psiquiatra como meacutedico da unidade

Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia

Grupos de atividades para integraccedilatildeo social

121

Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades

de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para

falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram

pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o

sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta

diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em

participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa

categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita

participaccedilatildeo na equipe como um todo

No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali

no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas

aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)

Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a

gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo

geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de

alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)

Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder

dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento

no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem

dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em

afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se

repete mesmo na ESF

Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -

denuacutencia

1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito

sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)

2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de

estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de

Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no

acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios

Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um

profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum

outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa

122

coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a

queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)

Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute

dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios

tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)

respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios

por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as

pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um

modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar

agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou

tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves

unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo

em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado

para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita

resolutividade

Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por

Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo

Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos

e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade

fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e

da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a

Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria

Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente

em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar

reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia

Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo

Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs

ampolas de haldol (Daacutercio)

Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()

depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)

123

Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)

Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde

Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo

redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso

Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede

mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e

comportamentos estereotipados

Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai

fica pra laacute e pra caacute (Felismina)

Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute

acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho

(Daacutercio)

O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute

mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados

para o ambiente e cuidados hospitalares

Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais

exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo

pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo

Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento

para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no

serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF

Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus

discursos

Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar

a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)

Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles

ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)

Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo

dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)

O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem

suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos

O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o

cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de

124

viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da

poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza

(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas

queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das

pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para

atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de

enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo

psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees

de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza

sobre elas)

2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de

Enfermagem verifiquei dois modos de agir

1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador

como preconizado pela PNAB (2012)

Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)

Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do

meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na

unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da

equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos

devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)

2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento

confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede

mental no discursos dos profissionais dessa categoria

Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a

medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)

O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de

acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes

pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do

plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os

meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo

soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute

mesmo visita domiciliar)

125

A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar

ajudando o paciente (Felismina)

Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute

para o controle de alguma coisa (Daacutercio)

No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os

teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior

parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados

com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive

muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo

Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto

quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria

Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na

unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade

Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute

apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais

Recomendaccedilotildees

Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de

sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho

estaacute bem realizado

Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro

da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto

com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede

mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)

Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas

atividades relatadas

No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no

profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua

patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por

meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia

Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade

atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro

que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma

126

passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem

problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)

Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o

modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de

sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

ainda ser do modo asilar

Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse

trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim

() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)

127

625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede

Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL

NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES

Nuacutecleos Discursivos Significantes

Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa

pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de

fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente

que comem compulsivamente ou deixam de comer que

bebem muito

Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente

que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da

vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando

doido estressado

Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria

tecircm dificuldades tentam ateacute se matar

Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute

agressiva transtorno bipolar obsessivo

Pessoas estressadas

Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da

rotina

Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta

uma crise eacute o momento que tu vive

Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios

Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria

depressatildeo

Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar

sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a

pessoa daquele quadro

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a

enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando

Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando

tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos

programas que oferecemos

Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos

que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um

tratamento

Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na

demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de

exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o

estresse do dia-a-dia

Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o

CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia

psiquiaacutetrica

Trago o caso pra equipe

Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos

da equipe marcamos uma visita domiciliar

A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai

ser feito

RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE

SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA

Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica

Presenccedila de outros oacutergatildeos

Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber

Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF

Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS

Diminuir o tempo de espera para atendimento

Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo

Ter mais meacutedicos especializados

Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila

128

Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao

falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma

inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como

podemos observar nos discursos

Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)

Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)

Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)

Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem

formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele

habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa

ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs

(LANCETTI 2014 p96)

Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da

ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo

reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento

teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas

preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal

ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo

sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)

Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive

oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto

assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos

interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico

da equipe

Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como

com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para

os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que

estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos

deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em

capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e

avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas

da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a

engrenagem da ESF

129

No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente

nas falas

A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na

rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)

Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as

barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)

Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a

questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior

como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x

asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por

eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham

nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do

asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu

aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em

alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute

a cidade do Rio de Janeiro

GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)

1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e

diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida

estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal

resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno

psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado

No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da

Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e

da escuta

Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e

vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de

sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder

introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)

130

Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou

seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de

diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de

intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar

os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou

burocraacutetico (LANCETTI 2014)

Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento

A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha

aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra

dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui

porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e

quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga

velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era

que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em

casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)

Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a

usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas

que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia

fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa

usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa

dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para

possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre

elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como

objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de

outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e

menos medicalizadoras (SARACENO 2001)

Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem

mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de

territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que

deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce

com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees

Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional

de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas

131

No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental

apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento

Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute

louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()

Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e

maluco

Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala

eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros

falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)

Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia

ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os

termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico

O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo

de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e

integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no

processo de adoecimento

Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das

vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute

deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo

da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele

paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a

casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()

Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no

comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia

mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa

Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder

da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014

p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas

da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio

existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as

emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com

consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de

processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a

132

accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapecircutico (LANCETTI 2014)

No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde

melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a

alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos

informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem

Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas

que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo

deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre

natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente

jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou

deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)

Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa

das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do

modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso

acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de

sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se

necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no

hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento

valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas

indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa

ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede

nas cidades brasileiras

No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como

Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele

ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele

tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor

Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos

ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram

trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o

entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-

se uma vaidade em falar

Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a

diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o

133

remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente

nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)

Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade

em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo

por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de

aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais

ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento

Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as

atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de

equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto

2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental

Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos

discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes

exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se

necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos

elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a

uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a

populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)

Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na

cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam

Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle

() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de

racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de

focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio

equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS

comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres

que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas

domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o

controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013

p41)

134

Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer

conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua

atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de

produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O

indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se

corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico

Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade

traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do

cuidado a esses usuaacuterios

Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu

fico soacute acompanhando (Hebe)

Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os

cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento

(Marcilene)

Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de

niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas

apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica

mais uma vez subordinado ao poder meacutedico

Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina

Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem

abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()

qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar

o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro

entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado

O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia

no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo

tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees

de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as

accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)

No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o

manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de

doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo

psiquiaacutetrica

135

Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia

descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou

estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo

() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada

Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o

quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada

accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce

que pode ser iatrogecircnica ou natildeo

Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe

pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria

A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no

modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os

documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a

figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se

necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo

romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse

entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e

sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara

Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a

gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios

controlados

Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz

(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de

uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da

criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica

o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo

do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste

personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando

agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um

territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as

transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem

do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)

136

Recomendaccedilotildees

Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no

discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir

que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede

mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem

ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica

Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo

sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo

comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas

Kiara

CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma

capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)

No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como

uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a

entrevistada tenta negar mas se contradiz

Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os

profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que

muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais

Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute

fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a

participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio

No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma

visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o

trabalho na ESF

Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles

tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)

Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc

tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar

porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute

interessante eu gosto (Jacobina)

Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado

no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia

ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS

137

Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui

a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute

sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves

vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)

Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria

faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser

pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui

noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)

O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia

da demora para o atendimento em sauacutede mental

Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute

aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do

meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem

uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante

E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois

na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede

mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que

demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando

as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008

138

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica

brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em

marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se

entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada

democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a

necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a

desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos

ao jaacute combalido SUS

A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$

600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de

conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa

Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa

de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de

promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede

A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a

sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica

que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o

cenaacuterio atual estaacute desolador

Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento

Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por

meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a

cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172

(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito

um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas

novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo

investimento feito na APS

Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os

sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo

adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo

como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela

triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o

139

texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a

intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees

discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que

se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi

de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a

linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas

ideologias

Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e

enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu

como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a

compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um

modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o

entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais

amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais

complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem

Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e

agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de

emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse

grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde

moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo

ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo

haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao

ponta da doenccedila jaacute instalada

As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede

mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade

Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem

psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora

tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado

na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre

transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que

inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o

encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais

graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica

140

Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos

teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da

psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda

euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma

perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de

sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as

categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele

questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute

passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como

linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental

Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos

externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do

Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos

uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos

e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade

para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em

atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra

e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das

equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse

que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto

agraves equipes da ESF

No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos

Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para

nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais

ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias

desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a

solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e

escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros

mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico

No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental

apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica

dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na

recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para

atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos

141

na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram

dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e

atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede

Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do

encaminhamento

Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de

ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida

(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas

com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou

social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede

(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo

Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social

muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da

prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do

empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e

da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo

Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF

estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos

a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com

visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes

a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento

longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente

para as pessoas mais abastadas da sociedade

O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e

desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado

para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de

questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os

benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os

meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos

usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da

dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado

pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a

intenccedilatildeo

142

Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma

enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a

princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam

pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece

tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios

um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga

Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de

funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a

unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e

odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses

grupos satildeo realmente propostas inovadoras

Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de

inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de

chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o

profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua

concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo

social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito

proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de

caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de

conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia

muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas

pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais

Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa

dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de

sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das

visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo

ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um

dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de

enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da

unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o

agente comunitaacuterio de sauacutede

Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade

Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e

divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da

143

Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS

como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros

recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento

da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia

Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF

acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que

necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos

de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios

profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo

Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute

situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro

A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e

dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo

especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a

importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um

todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por

parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a

quantidade e natildeo a qualidade do atendimento

A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina

de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos

humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs

facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta

rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente

dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos

de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos

preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando

em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo

melhor

Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para

melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia

seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento

da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente

desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do

cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai

144

conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos

residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho

apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de

enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente

Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para

defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que

diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e

sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela

maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a

capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo

Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de

qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos

nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto

natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento

ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em

sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem

organizado deve garantir

Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e

poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e

aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos

sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas

De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista

tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que

possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute

doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as

dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o

cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo

acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento

se natildeo natildeo haacute

Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que

convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados

de sauacutede

As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia

cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio

145

de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada

na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais

foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade

e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor

Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da

Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados

encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental

ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os

profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo

com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no

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160

APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista

Iniciais do nome

Idade Sexo Estado Civil Natural de

Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo

Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )

Tempo de atuaccedilatildeo na ESF

Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental

1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF

- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)

- Como eacute a sua rotina de trabalho

- O que caracteriza o seu trabalho na ESF

- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF

2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela

sua equipe da ESF

- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha

- Se encaminha para onde

- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na

ESF

161

APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante

Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida

por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola

Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)

sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da

Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo

O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da

Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na

populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio

do Rio de Janeiro

Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede

da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses

O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da

Famiacutelia no territoacuterio adscrito

Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia

para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento

Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou

desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa

Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc

prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos

resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em

arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu

orientador e minha co-orientadora

A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da

pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito

atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo

A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com

questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo

O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas

seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora

Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco

(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP

O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo

sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute

influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em

seu territoacuterio de responsabilidade

Rubrica do Participante ____________

Rubrica do Pesquisador ___________

(1-2)

162

O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as

entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo

a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como

participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos

dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus

depoimentos

Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a

pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem

rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter

sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo

Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc

de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender

os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no

desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de

avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios

eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da

confidencialidade e da privacidade

Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863

E-Mail cepenspfiocruzbr

httpwwwenspfiocruzbretica

Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo

Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210

___________________________________________

Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)

Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial

LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de

Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom

RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015

Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo

em participar

_________________________________________

(Assinatura do participante da pesquisa)

Nome do participante _____________________________________________

Rubrica do Participante ____________

Rubrica da Pesquisadora _____________

(2-2)

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