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7/29/2019 ValorII007-De eleies, desigualdade e Monteiro Lobato
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De eleies, desigualdade e Monteiro Lobato
Fbio Wanderley Reis
Vrios colunistas e blogueiros tm evocado, a propsito do desfecho
de nossa eleio presidencial, a frase de John McCain em 2008, em seguida
vitria de Obama: At agora ele era meu adversrio, agora meu
presidente. A cortesia cvica da declarao dificilmente poderia ser vista
como trao saliente da prpria poltica estadunidense nos ltimos tempos,
mesmo antes da posse de Obama (que dizer agora, com Tea Party e
assemelhados). De todo modo, contrasta tambm com a feiura de nossa
campanha recente, desde a belicosidade das manifestaes do presidente
Lula e das manipulaes e brigas na imprensa e na internet at o
chamamento guerra do discurso de Serra no dia da eleio, ou sua fala na
Frana no dia 5 de novembro.
Serra talvez um caso especial, de motivao patolgica diante de
nova frustrao, agora provavelmente definitiva, da fantasia de chegar
Presidncia como destino pessoal manifesto. Mas, quanto ao azedume do
nimo geral, pode ser que nem tudo seja negativo, vistas as coisas em
perspectiva. Se, como parece claro ( parte a paranoia eleitoreira da
ameaa autoritria ou totalitria), conseguimos avanar rumo
estabilizao do processo poltico e consolidao democrtica, preciso
contar com os componentes realistas do que Alessandro Pizzorno chamou
de oferta de esperana como importante fator a compor a operao da
democracia eleitoral: em contraste com a mera aposta numa cultura
cvica, tendente a fazer-se acompanhar do profissionalismo poltico em
sentido negativo e de uma poltica de aproveitadores, seria indispensvel aafirmao de divergncias que mobilizem e facultem algum grau de
participao vigilante, em que a referncia mesmo difusa a fins de longo
prazo sirva de lastro e imponha limites necessria criao de consenso
para as polticas de curto prazo.
Naturalmente, h fundamentos sociolgicos variados para
divergncias e animosidades, com destaque para etnias, religies e classes
sociais. Etnias e religies remetem a questes de igual-diferente, embora
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possam ganhar em importncia ao se articular com questes de igual-
desigual e de domnio e subordinao que so inerentes s relaes de
classe. Tivemos na campanha a surpresa de ver assuntos religiosos
transformados em temas eleitorais (em que no deixava de estar presente a
aposta em aspectos relevantes da desigualdade social), felizmente de
maneira que resultou incua. A estratificao socioeconmica, contudo, ou
o mundo de desigualdade das relaes de classe, constitui um aspecto de
importncia inequvoca no jogo poltico-eleitoral brasileiro, em
correspondncia com a observao que a sociologia poltica recente tem de
novo destacado: a de que a democracia eleitoral, medida que se afirme,
no pode seno tornar-se socialmente distributiva. A correlao do voto em
Dilma ou Serra com a posio dos eleitores nas escalas de educao e
renda, que as pesquisas mostraram, clara indicao dessa importncia.
Mesmo se tolice pretender ler a simples correlao em termos de algo
como uma sanguinolenta luta de classes.
Mas a dinmica da campanha e seus resultados, com as projees
geogrficas ou regionais do substrato social do voto, acabaram reforando a
relevncia poltica potencial da dimenso tnica. A odiosa hostilidade aos
nordestinos manifestada na internet por eleitores do Sudeste pode,
naturalmente, ser lida nessa linha. E, sem embargo do que h de
problemtico em pretender assimilar raa e etnia, dados os componentes
culturais ou psicossociolgicos da ideia de etnia, certamente revelador
algo divulgado na reta final da campanha em pesquisa do Vox Populi:
enquanto os votos dos eleitores que se declaravam brancos se dividiam em
propores iguais entre Serra e Dilma (44% para cada um), entre os demais
as propores eram 60% para Dilma e 32% para Serra. Dois teros do
Brasil negro e moreno integram a base de apoio popular ao governo Lula e
a sua candidata agora eleita presidente.
Tudo somado, bem clara a reiterao da afirmao gradual dos
menos iguais que a eleio representou, e cabe festejar que essa
afirmao, ao cabo de muitas turbulncias, encontre caminhos eleitorais e
institucionalmente sadios e promissores. E talvez apropriado que o fecho
do processo eleitoral tenha coincidido com a polmica criada em torno de
Monteiro Lobato, e do racismo contido em seus livros destinados s
crianas, pelo parecer do CNE relativo adoo escolar de Caadas de
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Pedrinho. Por certo no o caso de colocar Monteiro Lobato no ndex, o
que no foi a inteno do parecer. Mas preciso admitir, aps sculos de
comprometimento radical das oportunidades vitais e da autoestima de nossa
populao negra pela escravido e seus longos efeitos, que so necessrios
grandes esforose brigapara a mudana real da cultura resultante.
Pruridos relativos a valores literrios podem estar fora de lugar se se trata
de livrar nossas crianas negras de densos componentes txicos do nosso
legado cultural.
Valor Econmico, 11/11/2010