roberto lobato corrÊa
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Regiao Cultural um tema fundamentalTRANSCRIPT
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REGIO CULTURAL - UM TEMAFUNDAMENTAL
R( lI\l:Jr["() L() I)AT() C()IZl!Departamento de Geografia (UFI4
Este texto procura discutir o conceit~ diregio cultural visando apontar um caminh''de investigao sobre
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nidades humanas caracterizadas por cultu-ras especficas" (Wagner e MikeselI, 2000,p. 122), identificadas com base na combina-o de traos culturais, materiais e no-materiais que tendem a originar uma paisa-gem cultural, como evidenciado nos estu-dos das regies francesas empreendidospela Escola Vidalina de geografia. As re-gies culturais so reas apropriadas, viven-ciadas e por vezes disputadas. Apresentamdiversos geossmbolos, fixos, que, por se-rem dotados de significados identitrios, for-talecem a identidade cultural dos gruposque as habitam (Bonnemaison, 2002). Es-sas regies so, via de regra, nomeadas,sendo designadas como diferen tes entre si.A contigidade espacial dos traos cultu-rais fundamental para a sua constituio,pois dela depende a comunicao imedia-ta entre os seus membros, por meio da quala existncia e a reproduo cultural soem grande parte viabilizadas. Por outrolado, as regies culturais podem ser reco-nhecidas em diversas escalas espaciais, COllS-ti tuindo a mais con tunden te expresso daespacialidade da cul tura.
Sua importncia no reside na identi-ficao e descrio de diferenas regionaiscomo um fim em si mesmo, mas como ummeio para a compreenso da diferenciadae desigual ao humana no espao e notempo. Compreenso que pode contribuirpara polticas culturais que visem quilo queMitchell (2000) denomina justia cultural,da qual a espacialidade constituinte. Sua
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importncia enorme no mbito na ]':s('()LIde Berkeley, na qual, juntamente com cu l-tura, paisagem cultural, histria da culuua(no espao) e ecologia cultural, um dostemas preferenciais (Wagner e Mikescll,2000). Ressalte-se que as regies culturaisno so permanentes. Criaes humanasesto submetidas a processos culturais que,em maior ou menor grau, as transformam.O grau de transformao, acentuado pelaglobalizao, a sua natureza e os agen tessociais de mudana e de resistncia sopontos que interessam geografia cultu-ral, valorizando as regies cul rurais e o seuestudo.
Norton (2000) aponta trs tipos deregies culturais, a saber: regies formais,funcionais e vernaculares. Os dois primei-ros tipos podem tambm ser referidos geografia econmica ou urbana. Em rela-o geografia cultural,' a regio formal definida pela uniformidade de um ou maistraos. culturais, como paisagem, lngua,religio ou etnieidade. Corresponde reacultural dos antroplogos e pode apresen-tar variadas dimenses. A regio dosmrmons um exemplo. J a regio fun-cional definida pela conectividade e podeincluir desde o lar at toda a superfcieterrestre. Admitimos que as reas ele .iulis-dio das dioceses catlicas sejam um cxcm-plo desse tipo. A regio vernacular, por hu,constitui-se em tipo de interesse ('spv('lic',)da geografia cultural: Nela, (\iV('I'S(L~ 11111,11'1culturais esto combinados. Podc' ~I'I 1'11
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tendida como produto da percepo espa-cial dos habitantes da regio e de fora dela,apresentando ntida identidade reconhe-cida pelo nome. Corresponde, quando as-sociada a uma pequena dimenso, ao "pays"da cultura francesa. A regio dos "cajuns",no delta do Mississipi, um exemplo deregio vernacular. Alm desses trs tiposde regies culturais, foram reconhecidastambm "ilhas culturais", pequenas reastnicas que se distinguem no interior deregies formais. Exemplifica-se com osmenonitas, que tendem a se organizar es-pacialmente em "ilhas culturais".
As regies culturais distinguem-se, as-sim, das regies econmicas, urbanas oupolticas, embora nas regies vernaculareshaja superposio entre elas. Mas o foco dainvestigao a cultura, a partir de um oumais traos culturais - etnia, lngua, reli-gio, costumes, valores e prticas produti-vas, entre outros. Subjacente est umadefinio abrangente de cultura, incorpo-rada pela Escola de Berkeley a partir doscontatos com os antroplogos culturais. Osgegrafos vidalinos, por sua vez, a partir deoutras matrizes, tm tambm uma nooabrangente de cultura. Esta desprovidade qualquer sentido supra-orgnico ou vis-ta como superestrutura. nessa noo emque, no nosso entender, devem pautar-seos estudos sobre regies culturais: a cultu-ra simultaneamente meio, reflexo e con-dio de existncia e reproduo dos gru-pos humanos (Corra. 2003).
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Na identificao de regies
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Na identificao de regies culturais,consideram-se principalmente informaesqualitativas que podem revelar diferenasde natureza e no de intensidade, indican-do que as regies culturais podem sernicas em termos de suas configuraes econtedos, cercadas por regies caracteri-zadas por outras co nfigura es e conte-dos. Se os procedimen tos formais de clas-sificao produzem regies definidas porcon tin uidades variveis, nos proced imen tosquali tativos verificam-se descon tin uidades erupturas abruptas entre as regies. O car-ter nico a que nos referimos, no entanto,no deve ser entendido de forma absoluta,mas como o resultado de uma combinaosingular de processos gerais e especficos.
A perspectiva saueriana, na iden tifica-o de regies culturais, de fundamen talimportncia. Parte-se do foco inicial da re-gio, enfatizando-se seu processo de for-mao, no qual os mesmos traos culturaisiro gerar essas regies. Trata-se de anlisecalcada na perspectiva da difuso espacialda cultura, cara Escola de Berkeley (Gade,2004). , assim, uma anlise do processode espacializao de uma cultura, de suaprpria formao, envolvendo espao etempo (Norton, 2000). Isso significa dizer
,que no so necessariamente consideradosatributos comuns, quantitativamente descri-tos e diferenciados. Essa perspectiva, poroutro lado, til para os pases de povoa-men to verificado a partir do sculo XVI,como os Estados Unidos e o Brasil. Nessespases, a formao de regies culturais
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recente, originando-se em muitos l'HS()~ 1111sculo XIX e mesmo no XX. Por isso, 11:111possuem "regies e nraizadas", CO!1IU di/Frmont (1973) em relao s regies l'll-ropias, asiticas e africanas, cujas rd/l'srecuam muito no tempo.
No processo de identificar, descrever l'analisar regies culturais, alguns conceitoselaborados no mbito da Escola de Berkeleypodem ser teis, compondo o quadro decompreenso das refer-idas regies. En treeles, esto:
foco inicial (hear/h) - local cujos atribu-tos foram difundidos para um dado espaoque passa a se caracterizar por uma h o mo-geneidade cultural. Trata-se do bero hist-rico de uma regio cultural, apresentando-se impregnado de simbolismo; ncleo (core) - centro de controle e reaonde os traos culturais so mais intensos.Pode confundir-se com o foco inicial; domnio (dornain) - rea onde os ira
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posio aplicada mais eficientemente sregies isoladas e com traos culturais bemdistintos, como aponta Norton (2000). En-tretanto, podemos considerar os quatro con-ceitos como referncias gerais. O conceitode franja, em particular, extremamentetil, pois descreve os limites culturais comouma zona de transio entre duas ou maisculturas. Esse conceito, na verdade, per-tinente na delimitao de regies de qual-quer tipo ou de reas intra-urbanas e muitotradicional no mbito da geografia.
Vrios focos iniciais ou ncleos foramevidenciados nos Estados Unidos, localiza-dos tanto na costa atlntica,. no golfo doMxico, como na costa pacfica, comprovan-do a complexidade do processo de forma-o de regies culturais. Tambm foramevidenciadas fases em que se verificou aformao de regies culturais, conformesumariada por Norton (2000). sabido queno Brasil houve vrios focos iniciais no pro-cesso de formao regional. Esses focos lo-calizam-se ao longo do litoral, a exemplo deSalvador, Rio de Janeiro e So Lus; mastambm no interior, a exemplo de SoLeopoldo e Blumenau. A existncia demltiplos focos iniciais apenas ratifica a tesede que a realidade mais complexa do queas .nossas teorias, sem, contudo, invalid-Ias.
O conhecimento do processo de for-mao de regies culturais em pases depovoamento europeu enriquecido combase na proposio de R D. Mitchell, co-mentado por Norton (2000). Sua contri-buio enfatiza a complexidade da forma-
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o dessas regies derivada de li'C-S 1>1111 ("isos especficos contidos na difuso ('SI):I( i.1!duplicao, desvio e fuso. No pr("('.o;s()(I"duplicao, os traos culturais de lI)11 lu( ('inicial ou ncleo so reproduzidos ("111outras reas. Os traos culturais originuipodem, no entanto, ser alterados, devido ~Ioutras condies presentes na nova rea:trata-se do desvio. A fuso, por fim, consti-tui-se no mais freqente processo pelo qualnovas regies culturais so formadas: nelefundem-se traos culturais oriundos de doisou mais focos iniciais ou ncleos, com liresultante formao de uma nova regiocultural. Duplicao, desvio e fuso so pro-cessos que interessam geografia culturalbrasileira, que deve enfrentar a problemti-ca da compreenso de um intenso e atualprocesso de reconfiguraes regionais.
O conhecimento do processo em telarecebeu ainda importante contribuio deMeinig (1972). Em seu estudo sobre oOeste americano, foram identificados est-gios de evoluo regional que reafirmam ocarter evolutivo das regies culturais. Oprimeiro estgio o do transplante cultu-ral, no qual verificam-se experimentaese adaptaes ao novo ambiente. O SCg11l1-do foi denominado de cultura regional, li"qual se estabelece uma sociedade ICgiOll/l1.O terceiro, por sua vez, foi chuuuulo dI'impacto da cultura nacional, no qual 1>"-dres culturais gerais penetram 1111 I q.l;i:l
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vas configuraes culturais, resultan tes doprocesso de fuso. Os dois ltimos estgiosmarcam a integrao nacional e definem aperda da identidade regional.
A proposio de Meinig tem uma nti-da caracterstica seqencial, assemelhando-se aos estgios do ciclo da vida ou ao mode-lo de evoluo ,do relevo de W. M. Davis.Por outro lado, deixa de lado o fato de que,duran te o estgio de transplan te cul rural,ou o antecedendo, verificou-se aquilo quese pode denominar de limpeza tnica, coma expulso ou extermnio de povos indge-lias. Contudo, apesar dessas ressalvas, consi-deramos a proposio de Meinig a respeitoda criao, do desmantelamenlO - paraleloou no - e da recriao de regies culturaisobjeto para reflexo em uma perspectivacrtica. Essa proposio repensada pode sertil para a compreenso da dinmica regi-onal brasileira, em relao qual mais tardeser abordada.
Finalmente, no processo de formeH;ode regies culturais nos pases de povoa-mento europeu, Newton (apud Norton,2000) aponta trs mecanismos pelos quaisa cultura que se instala, constituda porimigrantes, estabelece relaes com o novoambiente. So os mecanismos de predispo-sio cultural, de adaptao cultural e deautoridade da tradio. Esses mecanismosrevelam matrizes culturais distintas, calca-das em prticas ecolgicas em contextosambientais semelhantes ou diferentes nasregies de origem.
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Essa propOslao eleve SI;\' dis('1I1 \(\.1 ,111se considerar o Brasil du sculu XIX, 1'\11que imigrantes oriundos de reas (k (lilll.1temperado e organizados em um siSIt'III,Icomunitrio, aldeo, ocupanuTI :\1'(':\'subtropicais com base em um sistern
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mais intensamente incorporada ao muncis2..-~lrbano-industrial, passa por processo 9sdesagregao que pode desc~E:~~0.:i.~-l~Os trs exemplos ratificam a instabilidadedas regies culturais.
A regio cultural dos mrmons, estuda-da por Meinig (1965), constitui-se em im-portante exemplo. Localiza-se no Oeste ame-ricano, encravada nas Rochosas, estendendo-se sobretudo pelo estado de Utah. Sua for-mao se d a partir da dcada de 1840 erepresenta o encontro, a apropriao e agarantia da "terra prometida", o "deseret"dos mnrions, onde estes, os "santos", pode-riam viver sem contato com os "gentios", osno-mrmons. A regio est impregnada deinmeros significados associados s terrasbblicas: o deserto, as montanhas e o Salt Lake,este simbolizando o Mar Morto.
A regio cultural dos mrmons assimtrica, apresentando-se descontnuaem sua periferia. Meinig dividiu-a em trsreas: ncleo (core), domnio (clornain) efranja (sphere). A primeira, situada no OsiWasatch, constitui-se na rea de maior in-tensidade dos traos culturais mrmons,localizando-se a Salt Lake City, com o prin-cipal templo mrmOli. O ncleo estende-se por 65 milhas ao norte e ao sul de SaltLake City. A rea denominada domniapresenta ainda o predomnio de mrmon.."mas no a mesma intensidade dos traoculturais. Estende-se por oito condadoshomogeneamente mrmons, localizados emUtah e nas reas sudeste de ldaho e sudes-te de Nevada. A franja caracteriza-se pelo
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fato de os mrmons no serem 1l):\iU1'il,lIlos, em muitos casos vivendo enuav
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A regio cultural dos "cajuns", localiza-da no sudoeste do estado norte-americanode Louisiana (Waddell, 1987), constitui-seem exemplo de regio cultural que semanteve bem definida e internamenteintegrada enquanto esteve relativamenteisolada do mundo anglo-americano. Seu po-voamento inicia-se aps 1755, quando a co-lnia francesa de Acadie, no Canad, to-mada pelos ingleses e rebatizada de NovaScotia. Descendentes de franceses migrampara o que se tornaria a colnia francesade' Louisiana, ocupando as reas baixas epantanosas junto ao litoral. Alm dosacadiarios, de onde provm cadien, cadijine cajun, vieram tambm outros brancos,sobretudo de cultura hispnica, e negrosescravos. A partir de 1900, excedentesdemogrficos "cajuns" migram para a vizi-nha rea do Texas, estabelecendo umaperiferia da cultura "caju n" (Louder eLeblanc, 1987).
A lngua dominante na Louisiana "cajun" a francesa em suas diversas verses, comoo francs padro, o "cajun" e o "crele" dosnegros e mestios. A populao de lnguafrancesa, estimada em 1975 entre 300.000e 500.000 habitantes, predominantemen-te catlica. H forte convvio internacionale uma relativa mestiagern (Waddell, 1987).A pesca, a extrao de recursos naturais e apequena agricultura ou criao constituam-se na base econmica regional at a dcadade 1930, quando a extrao e a exploraode petrleo atraram parcela crescente dapopulao "caj un".
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As atividades econmicas rcgiOJ1lis 11,ram afetadas, tornando-se mais integl"ad\.~ ('dependentes da economia industrial nOI"\("americana. Os padres culturais tradicionais,marcas identitrias dos "cajuns", foram aba-lados - a lngua, a f catlica, a dieta ai i-mentar, a vida familiar, a rede instrumentalintra-tnica, a adaptao e a explorao dumeio ambiente e a "joie de vivre" (Larouche,1987). A identidade do grupo foi afetada.O movimento de integrao e aculturaco,no entanto, no foi linearmente progressi-vo: os momentos de solidez econmica esucesso das elites "cajuns" se traduziram emrenascimento da identidade; em momentosde crise econmica, a identidade "cajun"foi menos proclamada e valorizada.
A despeito dos esforos visando reforare dar visibilidade cultura "cajun" - como (\transformao, em 1968, de toda a Louisianaem estado bilnge e a criao oficial, ruasno dernarcada territorialmente, da "regiocultural" denominada "Heart of Acadia 11a" ,em 1971 (Waddell, 1987) -, a regio cultu-ral dos "cajuns" desmantelou-se. Larouchc(1987) admite a possibilidade de ela se t\'f\I1S-formar em um "gueto cultural" Ol1, CO\\IOpreferimos, uma regio residual, ('l!jOS t I'(IOSidentitrios mais visveis - n Il\\'\sictl t' CI cozi-nha "cajun" - tornaram-se mcrcuntlllzados portodos os Estados Uuidos.
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A n.:g-\o eu li ural , enquanto espaoapropriado c controlado ou a ser incorpo-
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rado por um dado grupo ou instituio,torna-se objeto de polticas culturais quevisam contribuir para sua manuteno,expanso ou incorporao. Prticas cultu-rais diversas envolvendo celebrao,memorializao e criao de smbolosidentirrios, entre outros, criam e reafir-mam a apropriao regional Uohnson,1995; e Azaryahu, 1996). Trata-se, no dizerde Smith (1999), de "poltica cultural dasdiferenas", ou, segundo Azaryahu e Golan(2001), de "engenharia cultural". Os exem-plos a seguir evidenciam a complexidadedas relaes entre regio e poltica cultu-ral, envolvendo a toponmia, a origem t-nica e sua associao com vrios aspectos ea variao ao longo do tempo de prticasvisando apropriao de regies.
A toponmia no apenas um traoidentitrio, mas tambm um importantemeio pelo qual articulam-se linguagem,poder e territrio. Nomear a natureza elugares um exerccio de autoridade eevidncia de poder, sendo ainda instrumen-to de identidade de um grupo ou institui-o e autenticao da apropriao terriiorial(Azaryahu e Golan, 2001). Os exemplos demudanas de nomes de cidades em Israel eno Cazaquisto so elucidativos a respeitoda poltica cultural do Estado. O exemplodo Pas Basco diz respeito a um territriocontestado, no qual a toponmia desempe-nha um papel significativo. O exemplo daAmaznia na segunda metade do sculoXVIII contundente a respeito das rela-es entre toponmia e territrio.
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O governo israelense, ao cst ai>l' Iv!'!' I ,Ipartir de 1949 a poltica de hcbraici'.l(,:\I'do pas, revivendo a Terra de Israel c :1cultura hebraica, alterou o nome ele: rios,montanhas e cidades, substituindo nomesrabes e cristos por nomes hebraicos. Omapa de Israel teve sua toponmia altera-da. Assim, a cidade de Tel Rabia, fundadaem 1909, foi renomeada para Tel Aviv,enquanto Um Haled passou a se chamarNe ta nya (Azaryahu e Golan, 2001).Semelhantemente, a partir de 1991, coma independncia da ex-repblica soviticado Cazaquisto, implanta-se uma polticade desrussificao do pas, substituindo-seos topnimos russos por aqueles de lnguacasaque. A identidade nacional , assim,melhor explicitada. A antiga capital, AlmaAta, redenominada Almaty; e a nova ca-pital passa a ser Tselinograd, rebatizadacomo Astana (Brunct, 20(1).
No Pas Basco, onde h um significali-vo movimento separatista, as cidades pos-suem nomes em castelhano e em basco.Para os nacionalistas bascos, h um terri t-rio simblico, com identidade basca e iden-tificado pela lngua. Esse territrio esten-de-se provncia de Navarra, de minoriabasca, e rea Ironteiria francesa. Esseterritrio simblico, associado ao passado,est represen lado cartograficame n te emlivro da escola secundria, no qual noaparecem nem a fronteira com a provnciade Navarra, nem a fronteira francesa. To-dos os nomes esto na lngua basca, a exem-plo de Irunea (Pamplona), Doriostia (San
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Sebastian ) e Garazi (Saint Jean Pie d-de-Port) , esta ltima na Frana (Loyer, 2002),Smbolos identitrios, os nomes no territ-rio contestado, como os prprios limites,devem ser, por meio de uma poltica cul-tural, aprendidos por todos os bascos.
. Os esforos de apropriao efetiva da, Amaznia por parte do governo portugus
na segunda metade do sculo XVIII, sob osauspcios da Companhia Geral do Gro-Par e Maranho, levaram redenominaode inmeras vilas, antigas misses religio-sas, com nomes de povoaes lusas:AJenquer, AJmeirim, Barcelos, Breves, Ega,Fo, bidos, Santarrn, entre outras. Des-se modo, estabelece-se uma marca, a serdifundida para todos, marinheiros e ho-mens de negcios, e expressa cartografica-mente, que no apenas identifica cadancleo de povoamento, mas tambm todoo territrio da Amaznia como posse por-tuguesa (Nunes Dias; 1970). Linguagem,poder e territrio esto articulados.
A idia de que uma dada cultura ten-de a se organizar espacialmente de modocoeso, possibilitando identificar regiescul turais, no foi adotada apenas em ter-mos acadmicos; visou-se evidenciar a aode complexos procesSSie' diferenciaoe homogeneizao, de Cl~O embate deri-vam regies cultura,. Estas foram tambmobjeto' de aes polticas. visando con trolar
_grupos culturais ou ampliar o es\?2..odum dado grupo. A regio cultural passa aadguirir inequivocamente o estatuto deterritrio, um conceito primordialmenlevinculado geog..:~fia pc~}.tica.
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De acordo com Diu (2000), desde "final do sculo XIX, na Alem (.\1111:1, :\
--t:effF-G-a-c;l-as-I:e.glQ.es cu It u ra is ro i u bL:.t () c\tointeresse, visando identificar os limites de,- __ o
_mundo _germnico. A distri~ui~o espaci,tId~ diale.tos, o ha~t rural,~s ~aneiras, oscosllifies ~_as lei~J'oram .-ED~peados. Apro-priada pelo Terceiro R,eich, a_noo de r~giQ.cultufal foi o!?jeto de in te nsa ateno,com vistas a jus.fi.ar uma possvel anexa-o de terrjtrios _ocupaLQs..qJI~~ no passa:do, teriam sido povoados por , tribos ger-mnic.iS- Nesse sentido, destacam-se os es-tudos do historiador Franz Petri sobre tra-os culturais do passado no norte da Frau-a, Blgica e Holanda. reas culturais dopassado seriam, assim, justificativas para aao poltica expansionisLa. Argumentosdessa natureza no so incomuns na hist-ria e na geografia. Afinal, a noo de re-gio cultural est associada iden udade degrupos lingsticos, religiosos e com orga-nizaes sociais distintas. Geografia e hist-ria cultural tm a sua dimenso poltica.
A expanso europia no sculo XIXfornece inmeros exemplos nos quais re-gies culturais foram objeto de
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dessa heterogeneidade territorial imposta.No entanto, essa situao encontrada, pormotivos profundamente distintos e maisantigos, na prpria Europa. Pases como aBlgica e a Espanha no so culturalmentehomogneos: no primeiro, distinguem-seuma regio cultural flamenga e outra val;na Espanha, castelhanos, catales, bascos egalegos convivem com suas identidades,territrios e conflitos. Os exemplos euro-peus so numerosos, envolvendo, entreoutros, a Europa Central, os Blcs e a an-tiga Unio Sovitica.
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As 12 regies foram reunidas em doisgrandes grupos. As nove primeiras caracteri-zavam-se por processos especficos de forma-o, sendo dotadas de autonomia. O segun-do grupo, constitudo pelas trs ltimas re-gies, no apresentava a autonomia das de-mais regies, estando unido a algumas delas.
Estas regies, vernaculares, pode-sedizer, foram definidas com base em umolhar diferente daquele dos gegrafos que,
O por volta de 1955, consideravam cinco gran-c& des regies: Norte, Nordeste (Ocidental e
~ s' ~ Oriental), Leste (Setentrional e Meridio-j;;i ..10 f .$>-. nal), Sul e Centro-Oeste. Apenas duas re-O Cf:J ,f,!f:J gies, Amaznia (Norte) e Centro-Oeste,
I ( ,~ \~'~/ijeram comuns s duas divises regionais,r:,
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-- ~~~f------------------------------=-formao de regies culturais, dimensopoltica delas e aos processos socioculturaisem curso no Brasil, apresentaremos algunspontos que julgamos pertinentes a respei-to das regies culturais brasileiras e de suadinmica.}2ro}2osio de DiguesJr. cons-titui-se no quadro de referncia emprica}2ara os pontos que se seguem, os quai~.devem ser considerados como uma basepara discusso:
1. Como se constituram no Brasil as regiesculturais? Quais foram os seus focos iniciais(hearths) e ncleos (cores)? A este respeito,pode-se pensar na existncia de dois ou maisncleos (cores) para cada regio cultural?Pensa-se, por exemplo, no Nordeste Agrriodo Litoral, na regio denominada Mediterr-neo Pastoril e nas reas de ColonizaoEuropia;2. As franjas (s/2.heres) das regies culturaismerecem meno especial. Que mecanismose agentes sociais criaram essas zonas de tran-mo entre regies cullllJ_ajs distin tas? Varia-ram elas no tempo, sendo caracterizadas poravanos e recuos? Que conflitos foram esta-belecidos nas diversas franjas, zonas de ten-so entre culturas diferentes? Pensa-se, a ester~Reito, nas franjas entre reas de distintos
J!RoS de vegetao, floresta e campos no Su);floresta e cerrado no Centro-Oeste; e florestae ~a no Nordeste. O Agreste nordesti-no , nesse sentido, uma rea de interesse;3. Que "ilhas culturais" existem no Brasil ecomo foram diferenciadas das regies cultu-rais em que se situam? Os brejos de altitude
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ou de exposio do Norclcst e l' :t I'\';I~1111'11,1d~or pequenos grupos, como (),~1111"11"nitas e ucranianos no Paran, aparCCl'lI1 ('11111'ireas de interesse. Pequenas reas (OI""ld.l"em torno de antigos Quilombos so tal11lH~1I1de interesse Qara o gegrafo_5~tural;4. possvel distinguir estgios no pro("('sso de formao das regies culturais brasilei-ras? Como se caracteriza cada um deles CIIItermos de processos, agentes sociais ctempciralidades? Tratar-se-ia, em realidade,de uma periodizao dos processos culturaisno espao? Pensa-se, neste caso, na rea doOeste baiano, na zona cacaueira e nas reasde campo incorporadas ao complexo agru-industrial;5. "pnde e_em Qlle.fQncfu:i?es oCQ~!-.~.!:.
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a dissoluo no seria o ltimo estgio, comoMeinig propusera para os Estados Unidos.Acreditamos que, mais do que em outrasregies culturais, a Amaznia apresenta essapossibilidade de fragmentao, tal a ao di-ferenciada e intensa de processos sociocul-turais a partir de 1970;7. 'Onde e em que condies regies cultu-rais tornam-se residuais, caracterizadas porprofunda impermeabilidade quelas inova-es capazes de transform-Ias? Que barrei-ras garantem o seu status residual? E comoelas esto integradas vida econmica epoltica. nacional? Este pon to requer atenoespecial, pois o carter residual semprerelativo: estudos empricos, como nos tpi-cos acima indicados, so necessrios;8. Os pontos acima apontados nos remetem crtica que Kofman (1981) tece a Frrnont,quando este afirma que na Europa as re-gies evoluram de "regies enraizadas", cons-titudas h muito tempo, para regies funcio-nais. Argumenta Kofman que nem todas asregies europias foram igualmen teurbanizadas, Isso significa dizer que a din-mica regional muito complexa, compor-tando diferenas segundo a natureza e aintensidade das transformaes. No h,nesse sentido, uma teoria sobre a dinmicaregional. A dissoluo seria, assim. uma daspossibilidades .de transformao regional.
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Rosendahl e Corra (1998, 2000) le-vantam algumas guestoes em relao smudanas culturais, como a ressignificaqda natureza em regies em r-leno r-rocesso
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de reconfigurao: a Amaznia c ilS ill ('q"de cerrado, por exemplo. Em rcICl~';i(l :1estas, merece meno o estudo de Haes\),It'1 t(1997) sobre o Oeste bai an o , regio duMediterrneo Pastoril que foi submetida ;,intensa migrao gacha, acompanhada demudanas na demografia, economia e po-ltica, assim como na paisagem regional enos significados atribudos natureza e aoespao estruturado por um poderoso com-plexo agro-industrial centrado na soja.
Outras reas brasileiras merecem amesma ateno e o mesmo cuidado que oOeste baiano mereceu. S:Y,g'ere-se, a eSle_resr-eito, que se considerem possveis r
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Mato-Grossense? Eis um caminho para seiniciar um estudo sobre essa regio. Os bre-jos de altitude e de exposio do Nordeste,pequenas reas agrcolas, densamente po-voadas, que desempenharam importantepapel no abastecimento de alimentos paraa regie canavieira, constituem outras reasde interesse. Sero eles regies residuais?Como possveis transformaes no processoprodutivo foram percebidas e avaliadas pe-los moradores dos brejos de Areia,Garanhuns, Mata Grande e Triunfo, entreoutros?
As reas de colonizao europia, etni-camente homogneas, h apenas poucasdcadas constituem outra regio cultural.Mereceram elas no passado a ateno degegrafos, entre eles Leo Waibel (1949).Decorridos mais de cinqenta anos, ques-tiona-se sobre a permanncia e a mudanade traos culturais que, no passado, defi-niam sua singularidade. Como, por exem-plo, a modernizao da agricultura e o pro-cesso de sucesso hereditria interferemnos padres culturais regionais? A denomi-nada dispora gacha teria efe tivam e n terecriado nas regies de emigrao novasreas culturais semelhantes a outros espa-os, a exemplo do Oeste baiano?
A Amaznia, at cerca de 1970, consti-tuiu-se em uma ampla regio cultural. Pro-'cessos socioculturais, ainda em curso, afe-tam a regio. As reas de "terra-firme",palco de transformaes intensas, so umconvite para estudos de geografia cultural.Ser que nessas reas esto se constituindo
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regies emergentes? As reas l'ilwil'illll,I',tambm merecem ateno. Lc mbr.uuov.nesse sentido, a Vrzea do Careiro, pl'(')xima a Ma naus, profundamente cst ud adupor Sternberg (1998) h cerca de cinqcruaanos. Ela constitui um excelente campopara anlises relativas permanncia e ;:\mudana cultural em pequenas reas. Adenominada Area do Caf, descrita porDigues Jr., merece tambm ateno. foiela submetida a mudanas nos ltimos cin-qenta anos. fragmentou-se, deixando re-sduos regionais? O que so hoje o Nortedo Paran e o Oeste paulista, estudados nopassado por Monbeig (1984)?
H, em diversas escalas espaciais, in-meras regies culturais a merecerem a aten-o dos gegrafos interessados na dimen-so cultural do espao e em sua dinmica.
CONSIDERAC/lES fiNAIS
Ao longo deste texto, alguns pontos (\respeito das regies culturais [oram breve-mente apresentados e discutidos, enquan-to outros foram deixados de lado. Quere-mos conclu-Io insistindo em apenas umponto. possvel falar, no comeo do scu-10 XXI, em regies culturais em UIl1 J)il'scomo o Brasil? Devido l complt:xifli\(k (:JIdesigualdade com que ero(.'l's,~WI s()('i()-cu l rurais ocorrem no cs pt\~'() 111 asi Iv i 1'0,aCl~amos C]~e possvel f'lltll' VI11 I'l'gif>cscult\.lLl.is.,-~iduais e, Clllt~l'gl'llIvH, MOlS l'SS
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ricas, em vrias escalas espaciais. apoiadasem um slido embasamento na geografiacultural, tanto em sua verso saueriana
~uanto em sua verso renovaq~
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