valor93-legislativo, executivo e delegação
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Legislativo, Executivo e delegao
Fbio Wanderley Reis
O Senado Federal promoveu h pouco um ciclo de debates sobre o
Poder Legislativo no mundo contemporneo, tomando diversos aspectos das
relaes entre os poderes que tm sido objeto de preocupao. Em sesso de
que eu mesmo participei, destacavam-se temas aparentemente diversos, que
vo das implicaes do chamado presidencialismo de coalizo a uma
suposta crise geral de representatividade do Legislativo e ao fato de que ele
deve conviver com o exerccio de atribuies normativas tambm pelo
Executivo e pelo Judicirio.
Problemas ligados atuao do Judicirio tm sido considerados aqui
com alguma insistncia. Quanto s relaes Executivo-Legislativo, o tema do
presidencialismo de coalizo sugere antes de tudo (supostamente em
consequncia da combinao de presidencialismo, federalismo,
bicameralismo, multipartidarismo e representao proporcional) a
fragmentao das foras polticas representadas no Congresso e, apesar de
certas releituras e contestaes, a debilidade do Executivo que derivaria da
necessidade de organizar-se com base em grandes coalizes instveis. Mas um
tema tambm saliente quanto a essas relaes tem sido o das medidas
provisrias, e no de todo casual que o simpsio no Senado tenha coincidido
com a devoluo algo dramtica pelo presidente do Congresso da chamada
MP das filantrpicas.
H aqui algumas ponderaes gerais pertinentes. Uma, de cunho
doutrinrio relativo aos princpios constitucionalistas, salienta o desiderato de
que os diferentes poderes sejam autnomos e se relacionem em termos deequilbrio e igualdade. Outra, de natureza factual, aponta para fatores que h
tempos levam expanso do Executivo pelo mundo afora, em conexo com
fenmenos (passveis de disputas sobre como caberia avali-los normativa-
mente em cada caso) como o estado de bem-estar, a tecnoburocracia, o
neocorporativismo... Uma indagao importante a de se essa expanso
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compromete necessariamente os princpios constitucionalistas quanto s
relaes dos poderes. E a mesma questo surge, naturalmente, se nos voltamos
para as medidas provisrias. As condies de urgncia e relevncia
contempladas na Constituio para o recurso a elas fazem delas instrumentos
de governo legtimo em determinadas circunstncias. Mas seu uso abundante edesatento aos critrios legitimadores ameaa redundar em desequilbrio e em
sujeitar o Legislativo a eventuais caprichos autoritrios do Executivo.
As anlises de cincia poltica a respeito no tm sido de grande ajuda.
Procurando ligar o recurso s medidas provisrias pelo presidente s coalizes
do nosso presidencialismo (como em artigo de 2005 de Carlos Pereira e
outros, Under what Conditions do Presidents Resort to Decree Power?), as
observaes feitas acabam enredadas em suposies problemticas eprovavelmente enganosas sobre qual poder, nas relaes Executivo-
Legislativo, o mandante e qual o mandatrio ou agente, e portanto o
subordinado. Assim, no primeiro perodo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, o fato de que o governo teria sido capaz de compor uma coalizo
governamental ampla e bem recompensada vista como resultando em
delegao legitimadora pelo Congresso, que responde delegando ao
presidente autoridade para governar por MPs, enquanto em casos de menor
capacidade circunstancial de compor coalizo anloga o presidente teria de
recorrer unilateralmente (autoritariamente?) a elas. Ora, claro que um
Congresso que responde ao poder do presidente dificilmente poderia ser
considerado o mandante real na relao, e a idia de delegao nada
acrescenta ao aspecto factual das manobras mais ou menos exitosas deste ou
daquele titular da Presidncia nas circunstncias de maior ou menor
precariedade poltico-partidria que encontrar. Com a ressalva, naturalmente,
da delegao correspondente ao fato em si de que a lei contemple o
instrumento da medida provisria, que provavelmente requer, ele mesmo,
explicao numa sociologia realista.
Isso sugere que a nfase em quem manda basicamente torta ou
equivocada. No obstante a bvia importncia constitucional da autonomia
dos poderes e de seu equilbrio, como condio de que no se tenha ditadura,
ela no resulta em que eles devam brigar, como vemos com frequncia em
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nosso conflagrado Estado-arena do momento. Preservadas, em particular, as
condies de iseno e adjudicao competente por parte do Judicirio (oxal
as turbulncias atuais se resolvam), o que cabe esperar das relaes entre o
Legislativo e o Executivo antes que se articulem de modo apropriado, vale
dizer, de modo a assegurar o governo a um tempo democrtico e eficiente. Eno h como deixar de repetir a respeito, parte confuses novidadeiras, a
velha observao de que o instrumento que nos tem faltado para isso so
partidos polticos em que o enfrentamento do desafio de combinar a
penetrao eleitoral e a coeso real em torno de idias (referidas, por certo, a
interesses, tanto quanto possvel adequadamente agregados, e s identidades
correspondentes, talvez inevitavelmente definidas de maneira algo tosca)
venha a propiciar a disciplina no comportamento parlamentar e ao governo
como um todo maior organicidade e a busca consistente de polticas de maioralcance. O que tambm remete a uma sociologia atenta, em nosso caso, ao
spero e deficiente substrato social da poltica.
Valor Econmico, 15/12/2008
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