valor105-legalidade, moralidade e eficiência
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7/29/2019 Valor105-Legalidade, moralidade e eficincia
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Legalidade, moralidade e eficincia
Fbio Wanderley Reis
Em sua coluna no Valor Econmico, alguns dias atrs (20, 21 e 22 de
maro), Claudia Safatle comentava o parecer do procurador-geral do
Ministrio Pblico junto ao Tribunal de Contas da Unio, Lucas Furtado,
que serviu de fundamento absolvio, pela Justia Federal, de autoridades
do governo Fernando Henrique Cardoso acusadas de improbidade
administrativa no processo de privatizao da Telebrs. O parecer destaca
que a atuao estatal no deve mais ser balizada apenas pelos critrios de
legalidade, de moralidade e de impessoalidade, mas tambm pelos
princpios da eficincia e da economicidade, com a nfase na
produtividade e na obteno de resultados. O foco da coluna a
preocupao com as implicaes para a renovao mais ou menos urgente
de concesses em diversas reas (setor eltrico, ferrovias, internet) de uma
deciso afirmativa da Justia baseada nessa nova leitura eficiente dos
preceitos constitucionais relevantes nova no obstante o fato de que a
emenda constitucional 19/98 j inclui, no artigo 37, meno explcita
eficincia entre os princpios a serem obedecidos pela administrao
pblica, em seus diversos nveis, ao lado dos de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade.
Mesmo no nvel tcnico da administrao como campo especial de
estudo e reflexo, a questo da eficincia objeto de grandes confuses,
particularmente em suas relaes com a burocracia. A tendncia recente,
em que Lucas Furtado se insere (tal como Bresser Pereira em sua passagem
pelo Ministrio da Reforma do Estado), tem sido a de contrapor uma
administrao gerencial, vista como gil e eficiente, administrao
burocrtica supostamente emperrada e estpida, de acordo com o sentido
que a expresso burocracia veio a adquirir coloquialmente e em que a
adeso ritualista aos meios perde de vista os fins. Em certo sentido, banal,
naturalmente, a necessidade de lutar contra a distoro ritualista e buscar a
eficincia. Mas o gerencialismo reinventador do Estado esquece que a
burocracia essencial organizao poltico-administrativa racional, ou
implantao do princpio racional-legal de que falava Max Weber.
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Mais que isso, porm, o apego a normas legais universalistas e
impessoais condio indispensvel da operao de um Estado
democrtico. Como tenho s vezes ressaltado aqui, se a eficincia supe
fins no problemticos a serem alcanados atravs da manipulao mais
expedita possvel dos meios disponveis, a prpria definio da democracia
envolve tomar como problemticos os fins: a democracia reconhece que os
fins so mltiplos e com frequncia antagnicos, em correspondncia com
a multiplicidade dos atores sociopolticos e de seus interesses, e que a
grande tarefa do Estado democrtico justamente a de conciliar
institucionalmente os fins diversos, num processo orientado por normas
imparciais e que ser por fora, em alguma medida, moroso e complicado.
E o desafio o de como acomodar o desiderato banal de maximizar a
eficincia nesse quadro de exigncias democrticas sem falar de que a
referncia eficincia remete ela mesma questo tambm complicada da
acuidade na avaliao cognitiva ou intelectual da situao em que se trata
de agir e das percepes variveis quanto s relaes entre meios e fins.
De qualquer modo, a Justia o instrumento por excelncia a
garantir o carter democrtico daquele processo perene de conciliao.
Nessa perspectiva, est longe de ser evidente o que poderemos ter a ganhar
com alteraes legais (como a da emenda 19/98) ou reinterpretaes
constitucionais que introduzem a possibilidade de jogar com consideraes
de moralidade e mesmo legalidade em nome de equvocas alegaes de
eficincia (apesar de formulaes inevitavelmente matizadas que colocam a
eficincia ao lado de outros princpios, quanta imoralidade vale a
eficincia?). Se tomamos a privatizao que foi objeto da recente deciso
judicial, por exemplo, os fatos conhecidos a respeito tornam patente a
manipulao em que se empenharam as autoridades acusadas. Dizer isso
no envolve necessariamente questionar a nobreza da motivao dessas
autoridades: a manipulao que as gravaes ilegais evidenciam
reconhecida mesmo por leais simpatizantes polticos das pessoas agora
absolvidas, com a alegao de que a manipulao no limite da
irresponsabilidade era motivada pelo interesse de tornar mais competitiva
a disputa em torno da concesso e, assim, pela ateno, realisticamente
orientada, para o interesse pblico.
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Mas, ainda que se preservem gradaes, fcil apontar o paralelismo
dessa maneira de ver as coisas com certo maquiavelismo de araque em que
a presumida justificao dos meios pelos fins, na cabea de lideranas
ideologicamente autocomplacentes, resultou h pouco no desastre do
mensalo. E que fazer, por exemplo, com a questo de graus de eficincia?
O fato de um grupo desqualificado pelos manipuladores ter obtido a
concesso deveria ser tomado como indicando que seria necessrio
manipular mais? Se a Justia pode rechaar a acusao de improbidade em
nome da busca de eficincia no deveria tambm ponderar a ineficincia
relativa e talvez puni-la?
No custa reforar as preocupaes que Claudia Safatle salienta
quanto s consequncias da situao legal produzida para os negcios
futuros. Mas h, a meu ver, confuses e perigos maiores numa Justia que
ouviu cantar o galo da eficincia e se empenha desajeitadamente em
equilibr-la com legalidade e moralidade.
Valor Econmico, 30/3/2009
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