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CENTRO UNIVERSITÁRIO CÂNDIDO RONDON CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DEWIS MAYCON MENESES CALDAS “Vai descendo até o chão, fazendo „nhéconhéco‟ no salãoa comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande Cuiabá-MT 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CÂNDIDO RONDON

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEWIS MAYCON MENESES CALDAS

“Vai descendo até o chão, fazendo „nhéconhéco‟ no salão”

a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande

Cuiabá-MT 2011

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DEWIS MAYCON MENESES CALDAS

“Vai descendo até o chão, fazendo „nhéconhéco‟ no salão”

a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Cândido Rondon (Unirondon).

Orientadora: Prof. Ms. MARIÂNGELA SOLLA LÓPEZ

Cuiabá-MT 2011

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DEWIS MAYCON MENESES CALDAS

“Vai descendo até o chão, fazendo „nhéconhéco‟ no salão”

a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande

Situação Final:

Banca Examinadora:

Presidente: ______________________________ Ass:___________

Membro: ________________________________ Ass:___________

Membro: ________________________________ Ass:___________

Autor: ___________________________________ Ass:__________

Cuiabá, __/__/__

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Dedico esta pesquisa a todos aqueles que

insistem em trabalhar naquilo que gostam e acreditam

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Obrigado a todos os meus familiares. Todos eles - próximos ou distantes -

tiveram uma parcela fundamental no pensamento desta pesquisa.

Agradeço especialmente às cinco mulheres da minha vida: minha avó Odete,

minha mãe Odineia, minha irmã Brendha, minha tia Olenice e o apoio

constante da minha namorada, Bárbara. Um beijo gostoso para vocês.

Além destes, destaco todos os fiéis amigos, companheiros de trabalho,

músicos e bandas, parceiros que estiveram comigo nesta caminhada

compartilhando e acreditando nas minhas ideias loucas.

Para estes, um abraço especial do “Marânhas”.

Um sonoro obrigado aos meus professores. Principalmente para

minha orientadora, Mariângela López, a coordenadora do curso

de jornalismo da Unirondon, Fabíula Bento, e a professora

Sonia Zaramella, que foi uma das peças fundamentais na formação

jornalística e do pensamento profissional da nossa turma.

Claro que não poderia deixar de agradecer à Deus pela oportunidade de

conviver com todas essas pessoas e por tudo que aprendi na vida.

Agradeço de maneira especial a Roger Waters, Syd Barret,

Paul McCartney e John Lennon.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo entender o funcionamento da divulgação

dos produtos das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande. O

desenvolvimento do tema se desdobra em três importantes eixos de

investigação, a saber: a história do mercado fonográfico no Brasil, o percurso

da lambada da América Central até Mato Grosso e por fim, uma análise dos

cinco modelos mais comuns de divulgação utilizados pelas bandas atualmente

nas duas cidades. São elas: carro de som, panfletos, cartazes e faixas, o pit

stop, as rádios comunitárias e a internet. Foram entrevistados quatro músicos,

um pesquisador e outros quatro agentes que desempenham atividades

profissionais dentro do lambadão com divulgador, empresário ou produtor

musical.

Palavras-Chave: Modelos Alternativos de Comunicação; Cultura

Contemporânea; Identidade, Cultura e Mídia Local; Jornalismo Cultural; Música

na Periferia

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ABSTRACT

This study aims to understand the workings of the dissemination of productsof

the bands of lambadão in Cuiabá and Várzea Grande. The development of the

theme unfolds in three major axes of research, namely the history of the music

industry in Brazil, the course of lambada from Central America to Mato Grosso

and finally, an analysis of five commonly used models of dissemination used by

the bands currently in the two cities. They are: audio cars, flyers, posters and

banners, the pit stop, the community radio and the Internet. We interviewed four

musicians, a researcher and four other agents who perform professional

activities within the lambadão such as promoter, developer or producer.

Keywords: Alternative Models of Communication; Contemporary Culture;

Identity, Culture and Local Media, Cultural Journalism, Music on the Periphery

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Thomas Edson e seu fonógrafo. Pág 27.

Figura 2. Retrato de Frederico Figner. Pág 28.

Figura 3. Capa da trilha sonora da novela O Cafona, 1971. Pág 30.

Figura 4. Volume total de vendas mundiais de discos

(entre bilhões de US$) entre 1999 a 2003. Fonte: IFPI. Pág 32.

Figura 5. Percentual de redução de Faturamento registrado no

mercado fonográfico entre 2000-2003. Fonte IFPI. Pág 32.

Figura 6. Logotipo da gravadora Trama Virtual. Pág 35.

Figura 7. Shows pirotécnicos no tecnobrega paraense. Fonte: Agência Olhares. Pág 37.

Figura 8. Porto de Belém na década de 90. Pág 41.

Figura 9. Capa do disco Pinduca no Embalo do Carimbó e Sirimbó. Pág 42.

Figura 10. Capa do disco Lambada das Quebradas, do Mestre Vieira. 1976. Pág 43..

Figura 11. Foto do rosto de Chico Gil, retirada do disco Um Amor de Lambadão. Pág 45.

Figura 12. Banda Estrela Dalva, da cidade de Poconé. 1996. Pág 48.

Figura 13. Os dez integrantes da banda Os Maninhos e suas três dançarinas. Pág 50.

Figura 14. Banda Real Som completa. Pag 51.

Figura 15. Banda Erre Som durante gravação do DVD. Pág 53.

Figura 16. Central Show Bar, em Várzea Grande. “Vai descendo até o chão, vai descendo até o chão, fazendo inhéco, inhéco no salão”. Pág 55.

Figura 17. Fachada da Cabana da Dudu. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 56.

Figura 18. Fachada do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Protásio de Morais, novembro de 2011. Pág 57.

Figura 19. Coletânea Perfil Vol.01 da banda Os Ciganos, a sensação de Mato Grosso. Fonte: Wilson Cigano. Pág 58.

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Figura 20. Carro de Som em atividade numa rua em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 59.

Figura 21. Mercio Luiz ao lado de seu instrumento de trabalho. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011.Pág 61.

Figura 22. Cartaz que divulga o lançamento do CD da banda Os Ciganos.

62.

Figura 23. Faixa instalada em muro. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 63.

Figura 24. Faixa da festa Feijoada dos Amigos. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 64.

Figura 25. Cartaz pregado na porta do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 65.

Figura 26. Cartaz da gravação do 1º Cd do Central Show Bar, em Várzea Grande. Pág 66.

Figura 27. Cartaz do lançamento do 1º CD do Central Show Bar, em Várzea Grande. Pág 68.

Figura 28. Capa do Volume 13 da banda Real Som. Pág 69.

Figura 29. Locutor Gonça Voz Amiga durante apresentação do seu programa, na Estação VBG, em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011. Pág 70.

Figura 30. Valdelício Garcia antes de entrar no ar. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011. Pág 72.

Figura 31. Capa do terceiro volume da banda Bad Boys, Melô do Créu. Pág 74.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11 METODOLOGIA 16 1. A CULTURA E A PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA 23 1.1 A produção de bens no modelo da indústria cultural..........................................24 2. HISTORIA DO MERCADO FONOGRÁFICO NO BRASIL 27 2.1 A chegada do fonógrafo em solo brasileiro.................................................27 2.2 Mercado discográfico se estrutura..............................................................29 2.3 Discos começam a vender menos..............................................................31 2.4 A música na rede........................................................................................33 2.5 O download remunerado.............................................................................35 2.6 A potencialização dos nichos de mercado..................................................36 2.7 Meios de divulgação da música..................................................................38 3. A AVENTURA DO LAMBADÃO EM MATO GROSSO 41 3.1 Da América Central para o Brasil................................................................41 3.2 Chico Gil, o Rei do Lambadão.....................................................................44 3.3 Ritmo ganha destaque e mais seguidores..................................................47 3.4 Bandas de rasqueado entram no mercado do lambadão............................51 3.5 Lambadão, eletro-rítmo e lambadinha.........................................................52 3.6 Fãs se encontram em casas de show lotadas.............................................54 3.7 Eventos de lambadão ocupam outros espaços...........................................57 4. A COMUNICAÇÃO DAS BANDAS DE LAMBADÃO59 39 4.1 Carro de som...............................................................................................59 4.2 Panfletos, cartazes e faixas.........................................................................61 4.2.1 Analisando quatro modelos......................................................................64 4.3 Pit stop........................................................................................................68 4.4 Rádios comunitárias....................................................................................70 4.5 Internet........................................................................................................73 CONCLUSÃO 76 APÊNDICE – LISTA DE CIFRAS 79 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 80

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INTRODUÇÃO

A identidade musical brasileira foi construída a partir de três origens

distintas. A primeira delas é a indígena, primeiros habitantes do território. A

segunda é a orquestração e o contraponto1 europeu. E por fim, o batuque e

sotaque africano, que chegou aqui pelos navios negreiros. Por consequência

dessas fusões, a música popular brasileira apresenta uma pluralidade de

ritmos, estilos e propostas estéticas únicas no mundo, resultado de um longo

percurso de misturas e influências (NAPOLITANO, 2005).

Por conseqüência dessa pluralidade de ritmos que aportavam no Brasil,

a maioria deles foi se encaixando ao contexto brasileiro, se desenvolvendo e

moldando a identidade musical brasileira (MARIZ; 1981). Alguns dos gêneros

como o choro, o baião e o samba, por exemplo, nasceram por meio das fusões

de outros ritmos como lundu, maxixe, polca, coco, xaxado, maculelê e outros.

O lambadão mato-grossense é um gênero que passou por esse processo. Veio

da lambada do Pará, herança da salsa e do merengue caribenho e tem as

algumas semelhanças com o Mentho, que é a música folclórica jamaicana.

Ao chegar em Mato Grosso, ganhou novas características, mudou a

condução rítmica, com mais velocidade, e deu um novo caráter ao timbre2.

Mais que isso, deu um novo caráter à forma de apresentar o produto também

mudou, tanto nos elementos do palco como na divulgação e reverberação dos

eventos e festas. Este trabalho tem por objetivo estudar este novo tipo de

comunicação e divulgação dos produtos das bandas de lambadão em Cuiabá e

Várzea Grande, seja música gravada ou apresentações ao vivo.

Para começo de conversa, é necessário primeiro atentar-se ao que se

entende por gênero musical. De acordo com a enciclopédia Vocabulário de

1 Técnica usada na composição onde duas ou mais melodias são compostas. Foi dominante a partir do

renascimento (1450 - 1600) até o romantismo (1800 – 1910) 2 É a característica sonora que nos permite distinguir sons de mesma freqüência. Por exemplo, quando

ouvimos uma nota tocada por um piano e a mesma nota produzida por um violino, podemos imediatamente identificar os dois sons como a mesma nota, mas com características sonoras muito distintas, estas características chamamos de timbre.

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Musica Pop, do jornalista inglês Roy Shuker, um gênero musical pode ser

definido como uma categoria ou tipo

As diversas enciclopédias, as histórias-padrão as análises críticas a respeito da música popular usam o conceito de gênero como um elemento básico de organização. A organização das lojas de discos também sugere a existência de gêneros na música popular claramente definidos e assim entendidos pelos consumidores. Também os músicos, freqüentemente, situam o seu trabalho segundo gêneros e estilos musicais. (SHUKER, 1998, p.141)

O assunto chama a atenção pelo seguinte motivo: mesmo sendo um

gênero de grande força em Mato Grosso, com casas especializadas e em

média 100 bandas em atividade3, com uma produção de música gravada maior

que qualquer outro ritmo local, ainda assim, o lambadão não possui espaço nas

mídias tradicionais, pois não o considera parte da cultura popular cuiabana4.

Não encontramos dados específicos sobre os números do mercado de vendas

das bandas de lambadão, pois não há estudos relacionados. Além disso, uma

das forças do gênero é a pirataria que, mesmo ainda ilegal, é apropriada para o

modelo de divulgação das bandas em Cuiabá e Várzea Grande.

Este “bloqueio” existente entre as mídias tradicionais como jornais,

revistas, tv‟s abertas e rádios de grande audiência, e as bandas de lambadão.

tem muitas razões, sendo o preconceito uma delas. Frente a este cenário, A

frente deste desafio, os artistas criaram um circuito próprio, que atende aos

interesses do público-alvo e funciona, se o objetivo for lotar as apresentações.

Eles, os lambadeiros, desenvolveram alternativas de comunicação que vão

desde mídias mais populares como cartazes e carro de som, até mecanismos

oferecidos pela internet para grupos musicais.

Por consequência, estes agentes culturais criaram uma forma alternativa

de se comunicar com seu público, agregando um valor imaterial a esta música,

que por sua expressão cultural periférica, recebe uma valoração negativizada

em relação a outros produtos musicais. Esta forma de abrangência e

3 Informação dita pelo guitarrista Wilson Cigano, em entrevista realizada por mim no bairro do Planalto,

dia 17 de outubro, porém, este número não é oficial. Não há estudos econômicos específicos sobre o segmento. 4 Resposta do guitarrista Wilson Cigano durante a entrevista do dia 17 de outubro.

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estruturação do nicho compõe uma parcela de uma nova cadeia produtiva

deslocada da economia oficial (VIANNA, 2003).

A razão deste trabalho nasceu por uma série de experiências profissionais.

Há cinco anos atuamos no mercado cultural local como jornalista e por um

período como músico. Tivemos importantes experiências com festivais de

música (Festival Calango 2007, 2008 e 2009, Festival Grito Rock 2007, 2008 e

2009, Festival Volume 2007 e 2008, Semana da Música 2006 e 2007) e no

coletivo Volume – Voluntários da Música, que tinha em seu catálogo 27 bandas

locais do gênero rock distribuídas em várias vertentes que vão desde os de

fácil assimilação, com o powerpop, ao mais pesado e específico, a exemplo, o

grindcore.

Também trabalhamos a comunicação de uma banda evangélica, o

Louvor Aliança, que nos deu a oportunidade de entender mais profundamente

o segmento da música cristã nacional e local e suas particularidades.

Trabalhamos ainda com a música folclórica, no Festival de Cururu e Siriri de

2008 e com o rap, durante o Festival Consciência Hip-Hop do mesmo ano.

Outra importante experiência é a que estamos atualmente, na comunicação

integrada da Orquestra do Estado de Mato Grosso, que assim como as outras,

tem um segmento específico da música de concerto nacional e

internacionalmente, que se articula de forma diferente e um “modo de fazer”

correspondente aos seus interesses.

Além da música e ainda no segmento cultural, cumprimos a função de

assessor de imprensa durante a SEDA – Semana do Audiovisual em 2006 e

2007, e na 7º Mostra de Dança de Mato Grosso. Outra experiência com a

cultura veio no aniversário de 289 anos da cidade de Cuiabá, que teve uma

programação com atividades durante todo o mês de abril em vários espaços da

cidade, com quase todos os gêneros musicais envolvidos, inclusive o

lambadão. Estas experiências serviram para me aproximar da imprensa local e

me mostraram como preparar um produto cultural do modo que ele possa ser

fonte, ou inspiração, dos jornalistas dos veículos locais de grande alcance. De

todos eles, exceto o segmento evangélico, não tive dificuldades em conseguir

pautas dentro e fora da imprensa cultural local.

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Em uma pequena experiência com uma banda de lambadão

encontramos uma série de dificuldades nas sugestões de pauta endereçadas à

imprensa, por isso, decidimos estudar sobre este assunto. É curioso um ritmo

conseguir tanta exposição junto a seu público-alvo, manter as casas cheias,

com bandas lançando até três discos por ano e ainda ter um mercado que não

é reconhecido pelas mídias tradicionais predominantes.

Outra força motora para a escolha deste tema foi a necessidade de

documentação do atual processo mercadológico do lambadão hoje nas cidades

de Várzea Grande e Cuiabá. Acreditamos que futuramente surgirão novas

propostas de análises científicas sobre o universo desse segmento, sendo esta

a primeira pesquisa em comunicação que aborda este tema, o que, de certa

forma, instigou o interesse pessoal para a realização desta monografia.

O presente trabalho é dividido em quatro partes. O primeiro deles é

referente à pesquisa bibliográfica para a fundamentação teórica. Um dos

pontos fundamentais deste capítulo foi o livro A Cauda Longa: do Mercado de

massa para o mercado de nicho, de Chris Anderson. Foi nesta publicação que

descobrimos o potencial dos mercados de nichos, da poderosa rede de

tendências e estilos musicais que essas “brechas” da cadeia produtiva da

música conseguem absorver..

Ainda neste processo, um teórico que merece destaque é o argentino

Nestor Canclini. A sua publicação, Culturas Híbrida -. Estratégias para entrar e

sair da modernidade, nos apresentou a cultura como um sistema simbólico que

transforma o sistema social, sendo a cultura um conjunto de práticas mutáveis

e relativistas que norteiam a comunidade. Esse também foi um importante fator

de relevância na condução da pesquisa.

No segundo capítulo reconstruímos em ordem cronológica os principais

momentos da história do mercado fonográfico no Brasil. Muitas foram as

transformações ocorridas desde a chegada do tcheco Fred Figner em solo

brasileiro no ano de 1891, o desenvolvimento do mercado discográfico e o

advento da internet com suas mudanças drásticas na indústria musical. É

válido destacar algumas delas como o download remunerado, desenvolvido

pela gravadora Trama, os meios mais comuns de divulgação antes e depois da

internet, e por fim, a potencialização dos nichos.

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A história do surgimento e desenvolvimento do lambadão no estado é

apresentada no capítulo três. Nele descobrimos os principais discos da

lambada surgida no Pará e o seu caminho rumo ao estado de Mato Grosso. Há

uma seção que conta a vida do Rei do Lambadão, Chico Gil, e sua influência

na construção do imaginário lambadeiro nas cidades de Cuiabá, Várzea

Grande e Poconé. Para exemplificar, especificamos a ocupação do lambadão

em outras esferas, como no carnaval oficial da Prefeitura Municipal e a

definição de vertentes como lambadinha e as bandas de eletro-ritmo, que com

o teclado simulam as linhas de contra-baixo e bateria.

É ideal a leitura deste trabalho ao som da coletânea Grandes Sucessos

do Lambadão, organizados por nós e entregue como apêndice. As músicas

selecionadas seguem uma ordem cronológica e ilustram a história do lambadão

proposta neste trabalho, bem como suas diferenciações estéticas musicais

existentes.

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METODOLOGIA

O trabalho proposto foi realizado em três etapas. A primeira delas se

concentrou na pesquisa bibliográfica, com levantamento de referências teóricas

primárias e secundárias – envolvendo livros, artigos e páginas de web sites.

O primeiro questionamento foi entender como a lambada chegou ao

Brasil e em que momento ela criou vertentes até chegar a Mato Grosso. No

Google Acadêmico5, tivemos acesso a uma série de artigos da Universidade

Federal do Pará (UFPA) sobre o assunto, inclusive alguns que contam, mesmo

que de forma rasa, sobre a vertente da lambada chamada lambadão que foi

levada para Mato Grosso pelas mãos de garimpeiros. Levantamos os principais

fonogramas da época da chegada da lambada para audição. O objetivo era

encontrar semelhanças, tanto estruturais6 quanto estéticas, da lambada

paraense com o lambadão mato-grossense. Esta audição nos introduziu de

fato ao universo musical do lambadão, suas variações e possibilidades

harmônicas.

Pela internet e por consultas esporádicas ao Arquivo Público de Cuiabá,

encontramos jornais antigos que publicaram notícias relacionadas ao lambadão

ou sobre seus artistas. Nestas leituras, outros questionamentos surgiram sobre

a história cronológica do lambadão e os principais acontecimentos que

mudaram a sua trajetória, a exemplo, a morte de Chico Gil e a polêmica

apresentação da banda Estrela Dalva no Programa do Ratinho, em 1997, no

SBT. Após a audição de mais de 50 discos e uma noção cronológica da história

do ritmo no estado, chegamos ao momento de selecionar quem seriam os

nossos entrevistados.

Antes de falarmos sobre o processo das entrevistas, é importante deixar

claro que não utilizaremos entrevistas quantitativas, e sim qualitativas.

Optamos por fazer perguntas sobre o processo vivido pelos personagens,

5 Ferramenta de pesquisa do Google que permite pesquisar em trabalhos acadêmicos, literatura escolar,

jornais de universidades e artigos variados. Lançado em novembro de 2004 passou a oferecer buscas em português no dia 10 de janeiro de 2006 6 No sentido de forma musical, que pode ter variações rítmicas, de timbre ou de harmonia de uma peça

musical específica.

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deixando-os livres para falar sobre suas impressões de todo o processo, por

isso, não pré-definimos um roteiro de perguntas. Seguimos a orientação prática

do livro Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático, de

George Gaskell e Martin Bauer, que argumenta

A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e objetivo das relações entre os atores sociais e a sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos segundo suas impressões a cerca do processo das bandas de lambadão

Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo. Além de julgarmos ser

uma documentação histórica sobre o gênero, é também o material bruto de

mini-documentário que será apresentado durante a defesa deste trabalho, que

ainda acompanha um disco de coletâneas com os grandes lambadões da

história do gênero. Nesta antologia estão todas as músicas citadas nesta

monografia e ainda outras que julgamos imprescindíveis para o entendimento

do universo singular deste ritmo. São elas:

Número Música Artista Página de

referência

1 Lambada Pinduca 42

2 Mariazinha Mestre Vieira 43

3 Ei Amigo Chico Gil 44

4 Toque Toque Dj (versão

da banda Styllus Pop

Som)

Os Maninhos 49

5 Vou Dançar com essa

Menina

Estrela Dalva 48

6 Dança da Vassoura Styllus Pop Som 55

7 Pra Balançar Styllus Pop Som 53

8 A Lua (versão em eletro-

ritmo deste clássico do

Os Ciganos 58

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folclore cuiabano)

9 Você é Minha Estrela Dalva 48

10 Lambadão de Poconé Estrela Dalva 48

11 Não vá Dizer Adeus

(cover Ph.D)

Real Som 50

12 Bad Romance (cover

Lady Gaga)

Real Som 50

13 Batman (versão ao vivo) Erre Som 52

14 Melô do creu Bad Boys 74

15 Filme Triste (versão ao

vivo)

Scort Som 50

16 Chorando se Foi Kaoma 43

17 Me Chama que eu Vou Sidney Magal 44

18 Vinheta para carro de

som

Faixa Bônus 59

19 Vinheta para carro de

som

Faixa Bônus 59

Para conseguirmos entender pelo menos uma interface da história do

lambadão, traçamos um perfil a partir do depoimento de personagens chave

sobre o desenvolvimento do gênero e das questões acerca da divulgação e

distribuição de produtos e das atividades comunicacionais dos artistas de

lambadão nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande. Assim, estipulamos um

universo de personagens selecionados pelos seguintes critérios: estilo ou

identidade musical, assiduidade de apresentações, tempo de atividade, função

comunicacional e popularidade. Destes quesitos selecionamos as seguintes

fontes:

Nome Profissão Por que?

Tião de Oliveira Empresário de bandas

de lambadão e radialista

Agencia bandas

de lambadão desde o

final da década de 80 e

também é compositor de

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alguns hits do gênero.

Foi empresário da

banda Os Maninhos,

grupo responsável por

levar o lambadão para

as rádios, TVs e ao

“boom” do ritmo no

estado durante a década

de 90

Wilson Cigano Guitarrista e promotor

de eventos

A sua banda, Os

Ciganos, já lançou 16

discos e está na ativa

desde 1998. Além disso,

sua experiência com o

rasqueado e o mercado

musical local vem desde

pequeno, quando

acompanhava seu pai (o

cantor de rasqueado Zé

Cigano) em festas e

saraus por todo o estado

Leonézio Batista da

Silva (DJ Léo)

Produtor musical e

técnico de som

Há 20 anos cumprindo a

função de técnico de

som das bandas de

lambadão em Várzea

Grande, é também o

proprietário do estúdio

LBS, que funciona há

cinco anos no bairro do

Jardim Glória 2, em

Várzea Grande.

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Valdelício Garcia Guitarrista, vocalista e

radialista

Há 16 anos faz parte da

banda Real Som e é

radialista

Gonça Voz Amiga Locutor de festas,

radialista e dono de

carro de som de

divulgação

Há mais de 25 anos

participa ativamente do

cenário do lambadão de

Várzea Grande. É um

requisitado locutor de

festas na região.

Milton Pereira de Pinho

(Guapo)

Músico e pesquisador

musical

É pesquisador musical,

músico e ex-conselheiro

estadual de cultura. Em

2010 publicou o livro

Remedeia Co que Tem,

sobre a música no

Centro-Oeste e em

2011, foi compositor do

disco O Berrante

Pantaneiro, lançado pela

Orquestra do Estado de

Mato Grosso

Nilton Pereira da Costa Empresário e vocalista

da banda Bad Boys e

dono de carro de som

de divulgação

Participa do cenário

lambadeiro há pelo

menos 10 anos e desde

2007 tem um carro de

som que divulga as

festas pelos bairros da

periferia de Várzea

Grande.

Kleber Cigano Tecladista da banda os

Ciganos e dono de

estúdio

É músico e produtor

musical. Em seu estúdio

grava e produz a maioria

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das bandas próximas à

região do bairro do

Planalto, em Cuiabá

Mercio Luiz Applo Dono de carro de som

em Várzea Grande há

mais de vinte anos

É um expressivo

divulgador de eventos

na região. Sua empresa

já tem quatro carros de

som que funcionam de

domingo a domingo.

Também possui

equipamento de som

que aluga para festas de

lambadão na cidade

Visitamos rádios comunitárias, realizamos entrevistas, conversamos por

telefone, visitamos estúdios, entramos na dança nas festas, garimpamos os

últimos lançamentos dos discos e acompanhamos algumas bandas na internet

para conferir seu posicionamento junto ao púbico–alvo. Todos esses encontros

revelaram hipóteses, análises e conclusões apresentadas neste trabalho.

Na quarta e última parte, escolhemos cinco meios de divulgação mais

utilizadas pelos artistas lambadeiros, sendo eles: carro de som, panfletos,

cartazes e faixas, a figura do pit stop, rádios comunitárias e a Internet.

Escolhemos estes cinco temas por serem os mais comumente utilizados pelas

bandas. Dos nove entrevistados, quatro são músicos, um é pesquisador e

outros quatro trabalham em outras atividades profissionais dentro do lambadão

como divulgador, empresário ou produtor musical.

Outro ponto de grande relevância nesta conjuntura do gênero são as

progressões harmônicas das canções, que revelam uma estrutura tonal

simples e por vezes falha. A intenção não é apontar os erros de contraponto,

harmônico ou as dissonâncias das músicas, mas sim, entendermos mais

profundamente as características musicais do lambadão. Por isso, todas as

letras das músicas que aparecem nesta pesquisa estão cifradas para violão e

acompanham uma tabela de acordes no apêndice.

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Ao cumprirmos todas estas etapas, catalogamos todo o material

coletado e ainda continuamos em contato com os entrevistados por telefone

para informações adicionais. Com estas informações em mãos e o apoio de

personagens ativos no processo em questão sanando nossas dúvidas, demos

início à transcrição da história do lambadão em Mato Grosso e aos

mecanismos de comunicação utilizados pelas bandas atualmente, que

apresentamos agora.

1. A CULTURA E A PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA

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A cultura, para García Canclini (1996), é um processo de produção de

fenômenos que contribui, por meio de representação ou elaboração simbólica

das estruturas materiais, para compreender, reproduzir ou transformar o

sistema social. Neste sentido, se pensarmos a cultura como a produção e a

troca de significados entre os membros de uma sociedade ou grupo, o

fenômeno de constituição identitária torna-se integrante de um circuito cultural

específico. Neste circuito estão presentes a produção, a circulação, a

recepção. o consumo e a regulação cultural que criam significados através dos

sistemas de representação simbólica (HALL, 2003)

Entende-se a cultura, então, como um processo e um conjunto de

práticas, e não apenas como um repertório de bens culturais. Segundo García

Canclini (1996), a maior parte dos bens culturais é consumida como

“acessórios rituais”, em um processo em que o consumo dá um sentido ao

fluxo rudimentar dos acontecimentos. Neste contexto, bens e mensagens não

são apenas consumidos, mas apropriados pelo consumidor. Assim, o consumo

não denota algo irracional, porque possui um sentido. Com isso, ao adquirir um

produto cultural de determinado musico ou grupo, o consumidor está

preocupado com o que aquilo representa para ele na formação – reafirmação –

de sua identidade. Para Caclini, o consumo é um lugar de pensar.

O termo cultura tem diversos conceitos, modificando-se conforme a área

do conhecimento em que se está discutindo. De acordo com o pensamento de

Eliot (1965), cultura atua como uma espécie de pano de fundo para a vida

social. Mais que isso, é um espírito coletivo que determina um conjunto de

hábitos que podem ser cultivados ou abandonados por indivíduos ou grupos,

em questões relacionadas a comportamento, gastronomia, moda,

conhecimento e aos meios de acesso a este conhecimento, à arte, e ao

consumo do entretenimento.

O início do pensamento de massa começou em meados do século XIX.

Os avanços da produção em larga escala, a abundância de bens de consumo e

a necessidade de escoamento do que era produzido culminaram no

desenvolvimento dos sistemas ferroviários e rodoviários, encurtando as

distâncias e possibilitando o aumento da velocidade de distribuição

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Entre o final do século XIX e início do século XX, o meio de

comunicação de massa predominante, na verdade, não dependia da

eletricidade. Os jornais impressos diariamente eram distribuídos em larga

escala, em muitos locais, num intervalo de tempo muito curto para a época.

Segundo McLuhan (1974), um marco fundamental que deve ser

destacado em relação ao impacto cultural dos desenvolvimentos tecnológicos,

é a chegada da eletricidade aos lares, já no final do século XIX. Este fato

trouxe consigo a modernização e a potencialização dos meios de produção em

série, gerando possibilidades de existência dos novos meios de comunicação,

os quais proporcionaram a sustentabilidade necessária para que fosse

fortalecida a identidade das culturas de massa.

As transmissões das primeiras rádios comerciais tiveram início na

década de 1920, e a TV teve sua popularização na segunda metade da década

de 1930. Para McLuhan, a instantaneidade e o caráter massivo proporcionados

por esses meios são decisivos para determinar o impacto que causam na

sociedade. Não só porque permitem a partilha de experiências distantes e

exóticas, mas também porque promovem um novo tipo de aproximação social,

em larga escala. Mais do que isso, McLuhan (1971, p. 219) firma-se no

conceito de que "as comunicações de massa são extensões dos mecanismos

de percepção humana; são imitadores dos modos de compreensão e

discernimentos humanos".

1.1 A PRODUÇÃO DE BENS NO MODELO DA INDÚSTRIA CULTURAL

Segundo Rudiger, a Escola de Frankfurt foi um importante “coletivo de

pensadores e cientistas sociais alemães” (2001, p. 131), que de acordo com o

autor

consistiu, essencialmente, em recriar suas ideias de um modo que fosse capaz de esclarecer as novas realidades surgidas com o desenvolvimento do capitalismo no século XX. (2001, p. 132)

Outros membros desse grupo merecem destaque: Erich Fromm, Herbert

Marcuse, Walter Benjamin e, numa segunda geração, Jürgen Habermas.

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Adorno e Horkheimer se ressaltam no contexto deste estudo por terem

cunhado o termo e o conceito de indústria cultural nos últimos anos da 2ª

Guerra Mundial, enquanto refugiados nos Estados Unidos.

O texto denominado “Indústria cultural” faz parte da obra “Dialética do

esclarecimento”, publicada em 1947, e é, sem dúvida, um dos trabalhos mais

importantes no que se refere à produção cultural no sistema. Naquele texto,

discriminavam a existência de uma lógica de produção industrial da cultura,

promovida pela união dos setores de entretenimento e comunicações.

Dentre muitos conceitos relacionados ao desenvolvimento do

capitalismo e à formação de um sistema de dominação da população pela

camada superior da sociedade – que detinha os meios de produção e

comunicação –, em meados da década de 1940, os pensadores alemães

formularam ideias sobre o desenvolvimento de um mecanismo de controle da

consciência das pessoas, desempenhado conjuntamente pela imprensa, pelo

rádio, pelo cinema e, de forma muito sutil à época, pela televisão (que estava

dando os primeiros passos). A esse mecanismo de controle foi dado o nome de

indústria cultural.

Para a dupla de frankfurtianos, a importância de se entender a indústria

cultural para a compreensão do capitalismo estava no fato de ela apresentar

um fenômeno novo na Europa, mas já existente nos Estados Unidos. A

situação com a qual Adorno se deparou neste país colocou em questão

conceitos como “entretenimento” e “cultura de massa”. Para o pensador

alemão, o termo “cultura de massa” não poderia expressar a produção e o

consumo de produtos culturais pelas massas, pois poderia ser confundido com

uma cultura que surgisse do povo, ou seja, poderia ser entendido, de maneira

equivocada, como arte popular. (LIMA; COLBACHINI, 2009, p. 7)

No modelo da indústria cultural, a produção dos bens seria totalmente

prevista pelas equipes de produção e tudo se referiria à reprodução indistinta

de uns poucos modelos matriciais. Ao consumidor restava aceitar acriticamente

esses produtos culturais “inferiores” e “menores” à “verdadeira” e “libertadora”

arte. Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido

antecipado no esquematismo da produção [...]. Não somente nos tipos das

canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como

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entidades invariáveis, quanto o conteúdo particular do espetáculo, aquilo que

aparentemente muda, é, por seu turno, derivado daqueles.

Os pormenores tornam-se fungíveis. (ADORNO; HORKHEIMER, 2002,

15). Para que esses produtos fossem continuamente consumidos, os meios de

comunicação – especificamente o rádio, o cinema e as revistas – trabalhariam

harmonicamente na construção de um fetichismo da mercadoria que

impulsionaria as massas às compras. Para Adorno e Horkheimer, nessa

indústria “cada setor se harmoniza em si e todos entre si” (2002; 07).

2. HISTÓRIA DO MERCADO FONOGRÁFICO NO BRASIL

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2.1 A CHEGADA DO FONÓGRAFO EM SOLO BRASILEIRO

Figura 1. Thomas Edison e seu fonógrafo.

Um ano após criar o fonógrafo7 em seu laboratório de Menloo Park, em

New Jersey, Thomas Alva Edison de Milan obteve permissão do imperador

Dom Pedro II para comercializar esta sua nova invenção no Brasil. A primeira

apresentação pública foi no dia 21 de julho de 1878, numa reunião que ficou

conhecida como "Conferências Populares da Glória", por ter sido realizada em

escolas públicas localizadas na Freguesia da Glória (Rio de Janeiro),

regularmente freqüentadas pela Família Imperial.

7 A máquina consistia num cone ligado a um diafragma que, com a vibração resultante do som

produzido, fazia uma agulha inscrever um sulco horizontal sobre um cilindro coberto por papel estanho (Tin-foil), tão logo o usuário girasse uma manivela que movia o cilindro. A reprodução do som acontecia quando a manivela era rodada no sentido contrário.

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Figura 2. Retrato de Frederico Figner.

Em 1891 o tcheco Frederico Figner desembarcou em Belém, no Pará, e

realizou uma verdadeira peregrinação pelo território brasileiro realizando

pequenas apresentações do fonógrafo em feiras e festas populares. Depois de

seis anos percorrendo vários estados fixou-se na cidade do Rio de Janeiro. O

preço do fonógrafo se tornava mais barato à medida que era vendido,

chegando a custar de seis a dez mil réis e também incluía “fonogramas

originais” importados.

A primeira canção gravada em solo brasileiro foi a modinha “Isto é Bom”,

de Baiano, em 1902. Por volta de 1908, a Sociedade Phonographica Brasileira

anunciava “gramophones” de diversos preços ao alcance de pobres e ricos, o

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que impulsionou a venda de música gravada. Relatos históricos informam que

Frederico Figner teria vendido 840 mil discos no ano de 1911. Em 1913, Figner

fundaria a fábrica Odeon, a primeira a prensar discos, localizada no Bairro da

Tijuca.

Uma nova etapa do processo de captação de áudio acontece em 1924,

nos Estados Unidos, quando os engenheiros da Victor Talking Machine criaram

em primeiro lugar as vitrolas ortofônicas e mais tarde as chamadas eletrolas,

acionadas eletricamente. Foi então que quase trinta anos depois de sua

chegada, os negócios fonográficos de Frederico Figner se reduziram em pouco

tempo, tornando-se um mero comerciante de discos, máquinas de escritório e

artigos musicais (TINHORÃO, 1978, p.29).

Ainda em agosto de 1928 a Odeon lançou o primeiro disco de Mário

Reis (1907-1981), o cantor símbolo de um novo jeito de interpretar o samba e

outros gêneros musicais brasileiros. Era algo muito novo para um público que

era acostumado em ouvir gravações brasileiras mais gritadas do que

propriamente cantadas. Este novo sistema de som era capaz de registrar

qualquer tipo de voz por meio de microfones, amplificadores e agulhas

eletromagnéticas de leitura, em que os cantores poderiam ser ouvidos com

maior clareza.

2.2 MERCADO DISCOGRÁFICO SE ESTRUTURA

No início da década de 40, outros segmentos da indústria fonográfica,

sobretudo os que representavam pessoas ligadas indiretamente à produção de

discos, mobilizavam-se no sentido de regulamentar suas atuações profissionais

em um contexto onde as empresas multinacionais já dominavam o cenário. Em

1938 surge a Associação Brasileira de Compositores e Editores, e em 1942 é

criada a União Brasileira de Compositores (UBC).

Os primeiros dados oficiais sobre o mercado nacional de discos datam

de 1965. Neste ano as gravadoras formaram a Associação Brasileira dos

Produtores de Discos. Em 1967, foi promulgada a lei de incentivo fiscal, que

permitia às gravadoras aplicarem o ICM devido pelos discos internacionais em

gravações nacionais.

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A década de 70 começa com 60% das famílias brasileiras fazendo parte

do mercado de bens de consumo “modernos”, ou seja, possuindo pelo menos

um eletrodoméstico como rádio, vitrola e TV. Com o consumo de

entretenimento pela televisão surge mais um meio de exposição para o produto

da indústria fonográfica. A partir da telenovela “O Cafona”, de 1971, com trilha-

sonora lançada pela recém-fundada SIGLA-Som Livre, é lançado o primeiro

disco desta espécie.

Figura 3. Capa da trilha sonora da novela O Cafona, 1971.

Em 1973, um decreto presidencial cria o Conselho Nacional do Direito

Autoral (CNDA) e o Escritório Central de Arrecadação de Direitos (ECAD),

controversa instituição com o intuito de regular a atividade deste setor. Em

1974, as gravadoras RCA e EMI-Odeon constroem estúdios novos no Brasil.

Em 1979 são vendidos 39 milhões de discos, 8 milhões de fitas cassete e mais

de 18 milhões de compactos simples e duplos.

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A implantação do Plano Cruzado, em 1986, promoveu uma retomada do

crescimento das vendas de discos, que perdurou até o início da década de 90.

O ano de 1992 registra a venda de 34 milhões de aparelhos de suporte para

música gravada – CDs, cassetes e LPs –, número que seria duplicado em

1995, quando foram comercializadas 75 milhões de unidades.

2.3 DISCOS COMEÇAM A VENDER MENOS

Em 1996, o Brasil voltaria à posição de sexto lugar no ranking mundial

das vendas de discos. Apesar de manter esta posição, o faturamento da

indústria fonográfica registra queda de vendas pelo segundo ano consecutivo,

como informou a ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco).

Enquanto em 1998 os brasileiros compraram 105,3 milhões de CDs, fitas cassete e ainda discos em vinil, no ano passado esse número caiu para cerca de 80 milhões. [...] No Brasil, segundo a associação, o mercado fonográfico é responsável por 66 mil empregos diretos e indiretos, com boa parcela ameaçada por esses fatores.” (PEREZ, 2000)

Essa repentina perda de consumidores continuou até 2009, quando o

mercado fonográfico mundial se deparou com a invenção do Napster. Criado

por um garoto de 18 anos, este foi o primeiro serviço de compartilhamento de

dados na internet. Funcionava da seguinte forma: “depositava” qualquer

arquivos de música no formato MP3 em um servidor central que estaria

disponível para qualquer computador que estivesse em rede. Com o

surgimento da rede mundial, esse novo tipo de compartilhamento pôde chegar

à escala global.

De 2000 a 2003, as vendas no varejo de produtos fonográficos

contraíram-se de forma acentuada, acumulando uma queda de 17% nos

mercados mundial. De acordo com os dados da International Federation of

Phonographic Industry (IFPI), o movimento de queda se deu quase que

ininterruptamente, exceção feita ao ano de 2004. A retração real de 2000 a

2007 das vendas no varejo global chegou à faixa de 23%.

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Figura 4. Volume total de vendas mundiais de discos (entre bilhões de US$) entre 1999 a 2003. Fonte: IFPI

A retração continuou. No triênio 2005-2008 chegou a 26% no mercado

global e 37% só nos EUA, o maior mercado do mundo. Um relatório da IFPI

ainda registra queda de 7% no mercado global em 2009, que começa a

observar mais de perto o segmento digital, representante de 25,3% dos US$ 17

bilhões de faturamento global das gravadoras.

Figura 5. Percentual de redução de Faturamento registrado no mercado fonográfico entre 2000-2003. Fonte IFPI

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Com o encolhimento do comércio físico e a forte expansão dos negócios

em formato digital, foi ampliada a participação desse novo segmento nas

receitas totais das gravadoras. É sempre importante destacar a alta

participação da música nacional no total do mercado fonográfico brasileiro, de

75% a 80%.

No Brasil o cenário fonográfico não foi diferente do mercado

internacional. De acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Discos

(ABPD), o período 2002-2009 registrou uma contração de 50% no faturamento

das gravadoras, além de uma impressionante retração de 68% no total de CDs

vendidos. O mercado digital foi se tornando uma pequena válvula de escape

para as gravadoras já correspondendo, em 2009, a cerca de 12% de seu

retraído faturamento.

Mesmo em expansão, o segmento digital (25% do mercado total), não

tinha força o suficiente para recolocar a indústria no patamar que obteve em

seu período de apogeu. Isso demonstrou de imediato que o futuro da música

será diferente do futuro dos CDs, independentemente do comportamento que o

mercado do produto venha a ter.

2.4 A MÚSICA NA REDE

Durante a última década a Internet tem se tornado um novo espaço para

atividades musicais e por essa razão é de se esperar que surjam novas

ferramentas e procedimentos para se lidar com os métodos de difundi-las pelas

redes de computadores (KON; LAZZETTA, 1998). A disseminação das redes

digitais representadas pela Internet e seus diversos protocolos não se limita a

ampliar a quantidade de informação a que os indivíduos têm acesso, mas

estabelece também a comunicação entre locais geograficamentes distantes.

A atuação da indústria fonográfica para constituir um mercado legítimo

que acomode as novas práticas de consumo musical numa economia digital

tem sido diversificada em múltiplas iniciativas. O agressivo combate à pirataria

e o desenvolvimento de programas de rastreamento de downloads

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considerados ilegais, assim como bloqueio de cópias não autorizadas têm

crescido por uma iniciativa dos conglomerados da indústria fonográfica, que

temiam perder espaço e controle sobre seus produtos.

Rapidamente adotado por fãs de música, o formato MP3 foi também

abraçado por músicos que desejavam distribuir sua produção de maneira

eficiente e barata via Internet. Estes internautas interessados em música

rapidamente fizeram do ciberespaço um reservatório de música diversificada e

gratuita. Esta nova logística de distribuição de fonogramas trouxe à tona

questões sobre os direitos autorais da utilização e compartilhamento das obras

musicais, destacando sua prática criminosa e os prejuízos para o artista e para

a gravadora.

Mas esta questão não pode ficar restrita a uma visão judicial e

criminosa, apenas. É importante frisar que não há consenso entre

consumidores, produtores e distribuidores em relação à participação do

download gratuito na internet, e estas discordâncias de pontos de vista estão

presentes em cada uma dessas três categorias profissionais.

Sem dúvida, o formato MP3 de compactação de arquivos de áudio digital

foi o grande responsável por transformações no modo de se adquirir música.

Arquivos compactados em formato MP3 ocupam aproximadamente 1/12 do

espaço de disco que os arquivos não compactados, facilitando a transmissão e

armazenamento.

Com a internet e a possibilidade de compartilhar dados gratuitamente, as

redes P2P8 tiraram os discos das lojas convencionais e apresentaram um

mundo onde tudo podia ser adquirido gratuitamente por download. Além disso,

neste novo modelo é possível adquirir apenas uma faixa e não mais o disco

inteiro do artista.

Até a popularização da internet, a cadeia de consumo da música era

estruturada de forma linear e vertical: o artista era contratado por uma

gravadora, o próprio selo investia na área de marketing e divulgação,

8 Redes P2P, ou peer-to-peer, são arquiteturas de sistemas onde o computador de cada usuário

conectado acaba por realizar funções de servidor e de cliente ao mesmo tempo.

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colocando o single9 do artista nas rádios e em programas de Tv, jornais,

revistas e também na distribuição do CD material do artista para as lojas de

discos.

2.5 O DOWNLOAD REMUNERADO

Figura 6. Logotipo da gravadora Trama Virtual.

O caso do “Download Remunerado10”, da gravadora brasileira Trama11 é

um exemplo de modelo alternativo de negócio que não criminaliza o download

gratuito. De forma gratuita, artistas se inscrevem e recebem uma página oficial

no site onde podem colocar fotos, vídeos e informações específicas sobre a

banda, além de toda a discografia. A cada download efetuado pelo internauta,

o artista ganha R$0,5 centavos a ser pago numa conta bancária à escolha do

dono do perfil12.

Segundo informações do site, de Julho de 2010 a junho de 2011, um

total de 6.741.640 downloads foram computados. Isso foi possível com a

junção de uma série de grandes patrocinadores que recebem publicidade em

cada download e em contrapartida pagam o valor deste download ao artista.

Esta tecnologia inaugura uma nova modalidade de prospecção de mercado.

O aumento do número de usuários da Internet e a crescente utilização

de tecnologias digitais na produção, distribuição e consumo de bens culturais

tem motivado significativas transformações em todos os processos do mercado

fonográfico. Nesse contexto, forma-se um cenário alternativo para distribuição

9 Single é uma canção que é viável comercialmente o suficiente para ser lançada individualmente, mas é

comum que também apareça num álbum. A palavra single também é usada como sinônimo de "música de trabalho" 10

Para saber mais veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=Df3cDt9YGb4 11

Acesse o site www.tramavirtual.com.br 12

Saiba mais na página oficial do projeto http://tramavirtual.uol.com.br/download_remunerado/

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e consumo de nichos musicais minoritários, que ganham destaque

internacional impossível antes da internet, revelando mudança no modelo de

práticas do mercado musical.

2.6 A POTENCIALIZAÇÃO DOS NICHOS DE MERCADO

Esta nova alternativa de distribuição de fonogramas tem obtido grande

êxito na diversificação de ofertas musicais disponíveis, potencializando os

mercados de “nichos” que passaram a competir pelo mesmo público do

mercado de “massa” (ANDERSON, 2006). Estes nichos formam uma rede

complexa de tendências e estilos musicais, dispersos em vários gêneros e

regiões do planeta que, com a internet, alcançam distribuição local e mundial.

Este fenômeno gratuito e sem limite de abrangência torna comercialmente

viável universos culturais com públicos numericamente reduzidos (VICENTE,

2006).

Assim, fenômenos musicais notadamente periféricos e de baixo grau de

circulação tem conquistado novos alcances nesta nova estrutura do mercado

musical. Essas “brechas” foram ocupadas por bandas que exercem atividades

independentes das condições impostas pelas grandes gravadoras. O forró

cearense, o tecnobrega do Pará, o arrocha baiano e o reggae no Maranhão

são exemplos de estruturas que ocuparam essas “brechas” e que dialogam

com seu público mesmo que bloqueadas pelas mídias tradicionais como o

rádio e a TV.

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Figura 7. Shows pirotécnicos no tecnobrega paraense. Fonte: Agência Olhares.

Para entender mais claramente a inserção destes novos nichos é

preciso enxergá-lo no contexto de processos produtivos da cadeia produtiva da

economia da música. Para Prestes Filho (2004, pág 29) a

Cadeia produtiva da economia da música é um complexo

híbrido construído pelo conjunto de atividades industriais e serviços especializados que se relacionam em rede, complementando-se num sistema de interdependência para conclusão de objetivos comuns artísticos, econômicos e empresariais. (PRESTES FILHO, 2004, pág 29)

Esta cadeia produtiva é integrada por circuitos culturais, que se formam

na articulação entre cenas artísticas locais e empresas do setor de

comunicação e cultura (selos musicais, redes de rádios e TV, imprensa

especializada) além de produtores, empresários autônomos e outros que tem

atividades profissionais nos negócios da música. Esses nichos específicos

alcançam mais projeção ao serem rotulados de World Music, inserindo-se

numa vertente musical com significativa presença no mercado fonográfico

mundial (HERSCHMANN, 2005).

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38

2.7 MEIOS DE DIVULGAÇÃO DA MÚSICA

O simples fato de um disco estar à venda em uma loja (física ou virtual)

pressupõe algum tipo de promoção. O conceito da capa do disco ou sua

posição de destaque na prateleira é o resultado de um plano estratégico de

marketing encomendado por empresários ou pela própria banda. Na opinião de

Anderson (2006), o fato de aquele – e não outro – disco estar ali, ocupando

aquele espaço, já indica algum esforço mercadológico em favor daquele

produto.

Existem duas peças na estrutura organizacional das gravadoras que são

responsáveis pela promoção dos artistas: o assessor de imagem13 e o

assessor de imprensa (PALUDO, 2010). Ambos direcionam seus esforços para

a promoção do disco e das apresentações. É importante dizer que há uma

mudança na razão social das gravadoras que, por perder lucro com a música

compartilhada na rede, ampliaram suas atividades no agenciamento de shows.

O artista possui uma equipe específica para a promoção dos shows e, nessa

equipe, os dois papéis também são necessários, atuando de maneira muito

similar.

Existem empresários que agenciam grandes turnês e possuem o mesmo

poder de influência das gravadoras junto às mídias tradicionais na divulgação

dos shows na cidade (DIAS, 2008). Há também a relação óbvia de troca, o

artista divulgando seu disco, estimulando a contratação de shows e, divulgando

seu show, estimulando a venda de discos.

O meio mais tradicional de divulgação de música é o rádio. “Houve uma

época em que só havia um meio de lançar um álbum fonográfico de grande

sucesso: o rádio. Nada mais alavancava tantas pessoas com tanta freqüência”

(ANDERSON, 2006, p. 96). Para o fonograma passar a integrar a grade de

programação da rádio, é necessário que chegue às mãos dos programadores.

As gravadoras investem nos profissionais de divulgação que são responsáveis

por criar uma relação pessoal com os programadores das rádios, que

13

Personal stylist, assessor de imagem, cabelereiros, maquiadores, figurinistas e outras atividades profissionais que se incluem nas ações do departamento artístico.

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organizam o acervo das rádios e levam as “novidades” até os radialistas.

Muitas vezes esse processo é acelerado em troca de dinheiro.

A prática de acordos comerciais entre as rádios com as gravadoras é

popularmente conhecida como jabá, ou jabaculê, que ocorre quando o

divulgador – representando a gravadora ou mesmo o artista diretamente –,

paga para um radialista ou para a própria rádio reproduzir o seu single, tantas

vezes ao dia, em determinados horários de maior audiência (MIDANI, 2008).

Essa prática é muito semelhante ao esquema de venda de espaços

publicitários e é corriqueira em rádios com foco comercial e com maior

audiência, salvo raras exceções. Há um debate polêmico sobre a legalidade da

utilização do jabá, visto que as rádios, bem como as TVs, são concessões

públicas e tem um compromisso cívico e cultural com a população.

Porém, não cabe aqui nos aprofundarmos nesse assunto. O divulgador

também promove o acesso do artista a outros veículos de comunicação, como

a TV, tanto nos programas de auditório como na articulação para levar uma

determinada música para a trilha sonora de uma novela. Estas negociações

tendem a ser mais complexas e envolvem uma série de relações custo/

benefício tanto para as emissoras quanto para os artistas.

Ou seja, em determinadas situações é mais vantajoso para a emissora

utilizar a canção daquele artista que é muito popular naquele momento, ou

então, é mais vantajoso para o artista ter sua música executada todos os dias,

em horário nobre, em um veículo de massa que atinge milhões de pessoas em

todo o território nacional. Esta divulgação estimula tanto a venda de discos,

quanto a contratação de shows.

Geralmente esse tipo de ação está mais associada à divulgação de

shows e turnês do que à venda de discos. Leoni – cantor e compositor carioca,

criador de grandes sucessos e parceiro de nomes consagrados na música

nacional como, por exemplo, Cazuza – escreveu em 2009 o e-book “Manual de

Sobrevivência no Mundo Digital”, que traz relatos de experiências e

experimentos próprios na sua atividade profissional de músico em meio às

mudanças tecnológicas de produção e distribuição desse mercado.

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Há algum tempo, a gravadora era o intermediário entre o artista e o seu público. Toda vez que havia alguma novidade a gravadora colocava anúncios, fazia divulgação na imprensa, nas rádios e na TV, tudo para tentar avisar as pessoas interessadas naquele artista que um novo disco estava na praça, ou que uma nova música tinha sido lançada. (LEONI, 2009, p. 38)

Ainda sobre as dicas de como promover pontes com seu público-alvo, o

autor analisa seu próprio site oficial e destaca a parte em que os usuários têm

a opção de cadastro do e-mail para inserção no mailing14. O artista, possuindo

os endereços eletrônicos dos seus fãs, está mais próximo deles para divulgar

seus projetos, sem intermediários.

Essa é uma vantagem que os artistas de hoje têm sobre as gravadoras de ontem: elas nunca souberam exatamente para quem estavam anunciando seus produtos (LEONI, 2009, p. 38). O artista deve estabelecer um canal de relacionamento direto, constante e relevante com as pessoas que se interessam pela sua música. (LEONI, 2009, p. 36)

Em tempos de comunicação digital surgem também novos meios de

interação com a cultura e seus bens de consumo, bem como diversificadas

formas de divulgação desses produtos culturais. Um exemplo é o artista

possuir um endereço próprio (site) na internet. Fora isso, existem redes sociais

específicas para divulgação de música, como o MySpace15 e o Reverbnation16

que possibilitam a criação de perfis informativos de suas atividades musicais e

espaços para divulgação de músicas, fotos, agenda de shows e etc. Além de

canais de vídeos como o Youtube17 e o Vimeo18, que tem inscrição gratuita.

14

Abreviação de Mailing List, em inglês. É um banco de dados onde se armazenam os dados dos consumidores (nome, endereços, características do consumidor, entre outros) com o objetivo de enviar marketing direto como mala direta, telemarketing e correio eletrônico. 15

É um serviço de rede social que utiliza comunicação online por meio de uma rede interativa de fotos, blogs e perfis de usuário. Foi criada em 2003 e inclui um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos. Acesse www.myspace.com 16

Lançado em 2006, Seu objetivo é fornecer um local central de discussão e compartilhamento para músicos e produtores firmarem negócios. Acesse www.reverbnation.com 17

Site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Acesse www.youtube.com 18

Vimeo é um site de compartilhamento de vídeo, no qual os usuários podem fazer upload e partilhar os videos de outros usuários. Acesse www.vimeo.com

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41

3. A AVENTURA DO LAMBADÃO EM MATO GROSSO

Duas são as principais características do lambadão mato-grossense. A

lambada paraense e o rasqueado que, por sua vez, tem influência da polca

paraguaia.

3.1 DA AMÉRICA CENTRAL PARA O BRASIL

Figura 8. Porto de Belém na década de 90.

A lambada chegou ao estado do Pará pelo Porto de Belém, aberto

desde 1897 e que recebe embarcações do mundo inteiro, principalmente

oriundas da América Central, onde contratavam-se tripulantes para trabalhar

nos navios. Um desses lugares pelos quais as embarcações passavam é a

Jamaica, país em que era forte o ragtime19 africano e o ska, que deu origem à

parte rítmica da lambada. Mas a lambada paraense recebeu sérias influências

19

Ragtime ( ou ragged-time) é um gênero musical norte-americano que teve seu pico de popularidade entre os anos 1897 e 1918. Foi o primeiro gênero musical autêntico norte-americano e é o berço de vertentes como o jazz.

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do carimbó e da guitarrada20, diferenciando-se da lambada tocada na América

Central, que é mais parecida com o merengue, o zouk21 e a salsa.

Figura 9. Capa do disco Pinduca no Embalo do Carimbó e Sirimbó, 1976.

O primeiro músico brasileiro a tocar este ritmo suingado foi Pinduca, também

chamado de O Rei do Carimbó. Em seu site oficial ele explica como criou o

ritmo a partir do samba, do carimbo e do mambo

Depois de já ser considerado um criador de novos ritmos, Pinduca criou a Lambada. "Certa vez em minha casa , por ocasião de um ensaio do meu conjunto musical, criei algo, que não era nem samba, nem carimbó, nem mambo, mas era um ritmo gostoso. Dias depois fui tocar num baile na sede do Coqueiro, a festa estava desanimada, foi aí que eu me lembrei de mandar tocar aquele ritmo que surgiu no ensaio, e pra minha surpresa, o salão ficou cheio de dançantes. Nesta hora me veio no pensamento, o que é que desperta a pessoa: uma lambada de cinturão ou uma lapada de cachaça para despertar o homem para o trabalho? Foi assim que eu escolhi o nome para o gênero musical: lambada"

22.

Em 1976, com o disco Pinduca no embalo do carimbó e sirimbó v.5, foi

lançada a primeira lambada no país, intitulada apenas como “Lambada”, quinta

20

Gênero musical paraense instrumental surgido da fusão do choro com carimbó, cúmbia e jovem guarda. 21

O zouk é um ritmo francês e também é uma influência direta da lambada paraense. Muito popular na Guiana Francesa, próximo aos estados do Amapá, Pará e Maranhão. Nasceu no final da década de 70 após a adição de ritmos como compas, biguine, Gwo ka, bele e cadence. Além da lambada, outras vertentes criadas com elementos do Zouk são: Kizomba, Passada, Zouk Love, Cabo Love e Cabo Zouk. 22

Para conferir a entrevista completa acesse http://www.pinducacarimbo.com.br/criacoes.html

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canção do álbum. Rapidamente outros artistas locais começaram a gravar este

novo ritmo. O mais importante deles foi o Mestre Vieira, guitarrista que nasceu

na cidade de Barcarena, no Estado do Pará. No mesmo ano que Pinduca

lançou este disco, o Mestre Vieira gravou o disco Lambada das Quebradas,

lançado apenas dois anos após as gravações. O disco é quase todo em ritmo

de lambada.

Figura 10. Capa do disco Lambada das Quebradas, do Mestre Vieira. 1976.

Já com a adição do forró nordestino, a lambada ganhou rapidamente as

periferias e os garimpos paraenses, tornando-se rapidamente popular nas

classes sociais mais “baixas”. Adquirindo novos aspectos, a lambada já

possuía influências do brega “dor de cotovelo” da década de 40 e do

movimento Jovem Guarda, que trazia covers23 das músicas internacionais com

grande força no Norte e Nordeste do país. Em meados da década de 80, a

música Chorando se Foi, versão em português da música boliviana “Llorando

se fue”, do grupo Los Kjarkas, atingiu sucesso internacional, inserindo uma

nova estética ao conceito de música brasileira, sobretudo baiana, ou como

posteriormente foi chamado, “Axé Music24”.

23

É quando um grupo musical inclui em seu show música de outros artistas 24

A palavra "axé" é uma saudação religiosa usada no candomblé e na umbanda, que significa energia positiva. A expressão Axé Music foi anexada à palavra da língua inglesa pelo jornalista Hagamenon Brito para formar um termo que designaria pejorativamente aquela música dançante brasileira com aspirações internacionais.

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Nos anos oitenta artistas como Beto Barbosa, Beto Douglas, Carlos

Santos, Alípio Martins, Adelino Nascimento, Luiz Caldas e outros pequenos

grupos tiveram considerável sucesso comercial, consolidando assim o ritmo

lambada. O disco Adocica (1988) vendeu mais de três milhões de cópias

levando o nome do cantor paraense Beto Barbosa ao reconhecimento nacional.

Em 1990, a rede Globo estreou a novela Rainha da Sucata25 destacando a

personagem interpretada por Regina Duarte como proprietária de uma boate

que só tocava lambada. A abertura da novela26, criada por Hans Donner, exibia

um personagem metálico que dançava a lambada “Me Chama Que Eu Vou", de

Sidney Magal.

3.2 CHICO GIL, O REI DO LAMBADÃO

Na década de 80, muitos dos garimpeiros desiludidos no Pará foram

para estados vizinhos fixar moradia. Um dos estados de maior recepção destes

garimpeiros foi Mato Grosso, sobretudo nas cidades de Poconé, Rosário Oeste

e Várzea Grande. Um desses garimpeiros que trocou o Pará para Mato Grosso

foi Chico Gil, que fez fama por suas letras divertidas e persona alegre e,

mesmo morto em 2000 até hoje é considerado o Rei do Lambadão27. Seu

primeiro sucesso foi “Ei, amigo”, considerado a primeira música que atingiu

grande alcance na capital, comumente regravada pelos grupos locais28.

E B7

Eeeeeei amigo toque uma lambada

E

Que eu estou querendo esquentar

B7

Eeeeeei amigo toque uma lambada

25

Além das trilhas sonoras nacionais e internacionais, o sucesso das músicas da novela foi tão grande que foi encomendada uma trilha sonora complementar com grandes lambadas nacionais de artistas como Fafá de Belém, Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Elba Ramalho e Margareth Menezes. 26

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=K1HldsF2IjI&feature=related 27

Embora não seja oficial, a atribuição a Chico Gil de Rei do Lambadão vem de origem popular, dos freqüentadores e seguidores do gênero. 28

Em 2011 a banda Os Inocentes lançou o disco Recordando o Melhor do Lambadão, com uma versão ao vivo de Ei Amigo. Este é o 12º disco da banda.

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E

Que eu estou querendo esquentar

A E

Vou entrar agora na folia

B7 E

E só vou pra casa quando o dia clarear

Nascido Francisco da Guia Souza na cidade de Poconé no dia 10 de

setembro de 1956, Chico Gil não é o inventor do lambadão. É dele, sim, a

responsabilidade de ter popularizado o gênero em Mato Grosso. Foi

carpinteiro, pedreiro e um conhecido mestre de obras, função que

desempenhou até a metade da década de 198529. Por volta de 1986 já estava

envolvido com o garimpo em Poconé, sendo garimpeiro de filão30

Figura 8. Foto do rosto de Chico Gil, retirada do seu disco Um Amor de Lambadão.

É curiosa a forma com que a música entrou na vida de Chico Gil.

Segundo relata31 o filho mais velho do cantor, Clederley Roberto de Souza, que

conta o início da carreira do pai

29

Segundo matéria do Jornal A Gazeta do dia 29 de julho de 2011, intitulada Viva o Seu Bairro homenageia Chico Gil do jornalista Luiz Fernando Vieira. Disponível em http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/62/materia/286151 30

filão são os buracos escavados no chão em que os garimpeiros arrancam terra para garimpar. 31

Os depoimentos de Clederley Roberto de Souza foram coletados pelo site Poconé Online. A matéria, intitulada A família de Francisco, Chico Gil, está disponível em http://www.poconeonline.com/materias.php?subcategoriaId=3&id=8392&.

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Papai se apresentou na Banda Estrela Dalva e cantou a música Galopeira durante a festa de Santo na residência de Dona Conlíria, foi vaiado e convidado a sair da Banda. Ele saiu e montou a Banda “Novo Espaço” e passou a agradar o público, pois escolhia musicas que combinava com seu tom de voz

Chico Gil não poderia saber cantar tecnicamente por nunca ter estudado

música ou vocal, porém, para suprir essa deficiência, fazia brincadeiras, rimas

e rapidamente animava o local da festa. Por duas vezes, participou de Festivais

de músicas realizados em Poconé, em uma das vezes foi classificado em 3º

lugar e em outra em 2º lugar, cantando musicas de sua autoria. E Clederley

completa

Quando papai cantava os garimpeiros e filãozeiros se sentiam realizados, pois ali estava alguém que representava a classe desses trabalhadores

O radialista e empresário do ramo musical, Tião de Oliveira, certa vez

trabalhou na Rádio Eldorado em Poconé e, ao conhecer Chico Gil, o

encaminhou para grandes shows em Cuiabá e região32, colocando o futuro Rei

do Lambadão ao lado de grandes nomes da musica mato-grossense como

Roberto Lucialdo, Hamilton Lobo, Henrique e Claudinho e outros.

Chico Gil gravou oficialmente 3 CDs, e faleceu após gravar, no Estúdio

Terra em Cuiabá, o quarto CD, que nunca chegou a ser lançado oficialmente33.

Um acidente de carro encerrou sua carreira no dia 30 de Julho de 2000 em

uma viagem da cidade de Jangada para Cuiabá. O carro de Chico Gil bateu em

uma Scânia e a retirada dos corpos só foi possível com a ajuda do Corpo de

Bombeiros. No carro ainda estavam uma bailarina e dois músicos de

lambadão. Nenhum deles sobreviveu ao choque. A coluna de Wilson Pires, do

Jornal Diário de Cuiabá do dia 01 de agosto, dois dias após o acidente,

destacou o sentimento da classe artística34 com o ocorrido

32

Este acontecimento foi contado pelo Tião de Oliveira em entrevista feita em uma visita à Rádio Industrial, em Várzea Grande, dia 18 de outubro 33

Dia 25 de Janeiro de 2001 o produtor musical Edmilson Maciel lançou quatro discos de lambadão de uma só vez como relatado em uma matéria para o Jornal Diário de Cuiabá. Dentre os quatro discos lançados extra-oficialmente está o álbum póstumo de Chico Gil. Disponível em http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=38054 34

Disponível em http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=15049

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47

A classe artística e a música regional de Mato Grosso estão de luto, com a morte do cantor poconeano Chico Gil. Centenas de fãs e amigos foram na manhã de ontem até a vizinha cidade de Poconé dar o último adeus a um dos pioneiros do lambadão mato-grossense. Chico Gil fazia parte da nova geração que fez ressurgir o rasqueado cuiabano e o lambadão, que sem dúvida é uma manifestação cultural local

Desde então o músico recebe uma série de homenagens por parte de

artistas e projetos na periferia da cidade. Em maio desde ano o projeto Viva o

Seu Bairro presenteou os participantes do quadro Caça Talentos com o Troféu

Chico Gil, uma homenagem póstuma ao lambadeiro. O projeto é uma ação

social do Grupo Gazeta de Comunicação que passa por cerca de 40 bairros de

Cuiabá e Várzea Grande, levando apresentações culturais e serviços de saúde

gratuitos.

3.3 LAMBADÃO GANHA DESTAQUE E MAIS SEGUIDORES

Segundo o músico e video-maker, Eduardo Ferreira, que está

preparando um estudo sobre o modelo de negócios do lambadão

encomendado pelo site Overmundo35, a palavra Lambadão foi dita pela

primeira vez em 1997, pela boca do cantor e compositor Zé Moraes, da banda

Estrela Dalva, quando foi perguntado que tipo de música era aquela.

35

Acesse o site www.overmundo.com.br

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48

Figura 9. Banda Estrela Dalva, da cidade de Poconé. 1996.

A Banda Estrela Dalva também é destaque no início do lambadão.

Formada em 1986, é a responsável por hits como “Vou Dançar Com Essa

Menina”, “Lambadão de Poconé” e “Você é Minha”, vendeu 20 mil CDs em um

mercado em que a média de vendagens era de 3 mil cópias. Em 1997, época

do lançamento do primeiro disco, eles protagonizaram uma apresentação

polêmica no Programa do Ratinho, no SBT, que gerou comentários negativos

sobre a dança sensualizada do lambadão.

F

Vou dançar, vou dançar, vou dançar

C7

Com essa menina

Vou fazer, vou fazer, vou fazer

F

Ela remexer

A# Am

Ela é tão bonitinha, ela é só minha

A# C7

Toda hora ela me chama, me chama de amor

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E hoje tô que tô, e ela tá que tá,

F

No pique da lambada com ela eu vou dançar

No início da década de 90, a banda Os Maninhos teve grande sucesso,

sendo a primeira grande banda de lambadão reconhecida no estado, chegando

a levar multidões para os shows em Cuiabá e Várzea Grande e com uma

rápida passagem pelo nordeste do país. Tião de Oliveira foi o empresário na

época e conta como foi o início até a banda começar a se destacar.

As rádios comerciais eram poucas e não tocavam lambadão, o preconceito era maior ainda no início dos anos 90. A rádio Industrial era muito forte e as festas lotavam apenas com o apoio dela. Inclusive, a primeira rádio a tocar um lambadão foi a rádio industrial com a música Rebuça e Tchuça, que inclusive é de minha autoria com o cantor de rasqueado Hamilton Lobo. Quando começou a fazer sucesso com o público ligando a rádio Gazeta também deu espaço e o lambadão teve o seu

auge naquele período36.

36

Entrevista feita por mim numa visita à Rádio Industrial, em Várzea Grande, dia 18 de outubro de 2011

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Figura 10. Os dez integrantes da banda Os Maninhos e suas três dançarinas.

Outra banda de sucesso foi a Styllus Pop Som, primeira banda a gravar o

sucesso “Toque Toque DJ”, que ganhou as rádios do país e levou o lambadão

mato-grossense (também chamado de lambadão cuiabano) a ser reconhecido

em todo o Brasil. Vale ressaltar mais dois grupos neste contexto, a banda Real

Som, há 27 anos se apresentando nos bailões por todo o estado e fora dele, e

a banda Scort Som, que tem mais de trinta anos de estrada.

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Figura 14. Banda Real Som completa.

3.4 BANDAS DE RASQUEADO ENTRAM NO MERCADO DO LAMBADÃO

Os músicos de rasqueado viviam um dilema em meados da década de

90. Isso porque o gênero não era mais ouvido em Cuiabá, que cada vez mais

perdia espaço para o sertanejo goiano. O pesquisador e músico Guapo, no seu

livro de pesquisas musicais no Centro Oeste, Remedeia co que Tem, fala sobre

esse momento.

O lambadão, por ser uma música fácil, foi logo apropriado pelas bandas de rasqueado locais, as quais desenvolveram um estilo misturado com o siriri, ganhando assim o nome de lambadão cuiabano. No estado, a banda poconeana Estrela Dalva foi a primeira a fazer grande sucesso, seguida do grupo Os Maninhos, da capital, e da banda Styllus Pop Som, da cidade de Nobres. Estas foram as responsáveis por esta nova corrente musical. (GUAPO, 2010, p. 120)

Daí a co-relação do rasqueado e o lambadão, sendo que a cidade de

Várzea Grande tem um papel importante nesse processo histórico da formação

do lambadão cuiabano. Isso porque durante a Guerra do Paraguai (1864-

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1970), alguns prisioneiros paraguaios37 ficaram confinados na margem direita

do Rio Cuiabá, onde hoje está situada a cidade. Estes prisioneiros trouxeram a

polca paraguaia e se encantaram pelo siriri, que, misturado com a viola-de-

cocho, fez nascer o rasqueado. Após o término da guerra, os prisioneiros

decidiram fixar residência por lá, tornando o rasqueado uma mistura típica do

local.

3.5 LAMBADÃO, ELETRO-RITMO E LAMBADINHA

As bandas de lambadão possuem em sua formação contrabaixo, duas

guitarras, bateria, percussão, três instrumentos de sopro como trompete e

saxofone, teclado e dançarinas. Uma versão mais reduzida são as bandas de

eletro-ritmo, com o teclado simulando bateria, contrabaixo, o piano e algumas

vezes os instrumentos de sopro, e uma guitarra acompanhando, facilitando a

inserção e deixando a logística mais barata. Uma banda de eletro-ritmo que

merece destaque é o Erre Som, formada pelos irmãos Ronildo e Ronaldinho, e

o primo Ronny. Em 2005, participaram de um quadro do Fantástico com

apresentação da atriz Regina Casé, que veio para Cuiabá exclusivamente para

entrevistar o trio.

37

Segundo o artigo” O rasqueado cuiabano”, do pesquisador Musical Milton Pereira Pinho (Guapo), para o site Rasqueado Cuiabano. Disponível em http://www.rasqueadocuiabano.com.br/historiarasq.php

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53

Figura 11. Banda Erre Som durante gravação do DVD.

Outra versão do lambadão é a lambadinha, criada pela banda Escort

Som. Com um jeito de dançar diferente, é o lambadão em sua versão

romântica. Possui uma condução diferente na bateria, mais suave, com uma

guitarra mais lenta e econômica. Ainda está restrita à Várzea Grande, onde

estão as melhores casas de shows, e ainda não atingiu o coração do interior do

estado. A música “Pra balançar”, do volume 4 da banda Styllus Pop Som,

exemplifica a lambadinha. A célula rítmica da bateria é executada pelo teclado,

em eletro-ritmo, logo no início e a música.

A E F#m

Vou forrozar, namorar

D E

Chamegar meu bem

A E F#m

Vou balançar, me soltar

D E

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Quando Stillus tocar (2x)

D C#m

E a moçada se balança

D C#m

E a gente não se cansa

D C#m D E

Eu te amo você me encanta

A E

Rebola bola você diz que ta que ta

A E

Você diz que ta na bola, rebola se não, não dá

A E

Rebola bola em cima do meu prazer

A E

Quanto mais você rebola mais eu quero ter você (2x)

3.6 FÃS SE ENCONTRAM EM CASAS DE SHOW LOTADAS

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Figura 12. Central Show Bar, em Várzea Grande. “Vai descendo até o chão, vai descendo até o chão, fazendo inhéco, inhéco no salão38”.

Atualmente, o lambadão tem força nas periferias de Cuiabá, mas não

consegue penetração em casas de shows em bairros do centro da cidade, não

é visto pelas mídias tradicionais e tão pouco recebe incentivo do poder público,

salvo alguns projetos que são contemplados nos editais das Secretarias de

Cultura do Estado e Município.

38

Trecho da música “Dança da Vassoura”, que está no primeiro disco da banda Real Som, lançado em 1996.

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56

Figura 17. Fachada da Cabana da Dudu. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011.

A grande penetração se concentra em quatro casas de shows, sendo

elas Cabana da Dudu, Clube do Marreco, Globo Show e Central Show Bar (ex-

D’Paula Club). Outras casas também merecem destaque como Clube do Zé

Pimenta e Salão da Dona Ana. Outra grande parcela dos eventos vem das

festas de santo em toda a baixada cuiabana e em comunidades indígenas39.

Em uma entrevista para a Revista RAIZ40 o antropólogo Hermano Viana,

criador do portal Overmundo e autor do livro O Mistério do Samba (Jorge

Zahar, 1995), afirmou que gêneros periféricos como o lambadão são o futuro

do mercado fonográfico.

Uma das novidades mais importantes da cultura brasileira na última década foi o aparecimento da voz direta do povo, direto da periferia para todos os lugares, fazendo com que artistas promovam uma nova noção de mercado não pautada nas gravadoras. Dentre esses novos

39

Segundo Wilson Cigano, em entrevista realizada por mim em sua casa, no bairro do Planalto, dia 17 de outubro, é comum algumas comunidades indígenas contratarem os shows de sua banda, Os Ciganos, para festejos. 40

Entrevista Disponível em http://revistaraiz.uol.com.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=220&Itemid=180

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gêneros está o funk carioca, o forró eletrônico cearense, o tecnobrega paraense, o arrocha baiano e o lambadão cuiabano (O Mistério do Samba, 1995)

Figura 18. Fachada do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Protásio de Morais, novembro de 2011.

3.7 EVENTOS DE LAMBADÃO OCUPAM OUTROS ESPAÇOS

O tema do carnaval 2007 promovido pela prefeitura de Várzea Grande

foi Cultura e Lambadão. A ideia do tema era valorizar a música da terra e trazer

as famílias para brincar nas ruas. Durante as eleições para a Prefeitura de

Cuiabá, em 2008, o candidato do PSOL, Procurador Mauro41, adotou um

lambadão como jingle de campanha, que agora seria inserido em todas as

rádios e TVs por meio do horário eleitoral obrigatório. Para se ter uma idéia do

sucesso desta iniciativa, no segundo turno, o candidato do PSDB, Wilson

Santos, que tinha contratado o sanfoneiro Dominguinhos para gravar seu jingle

41

Procurador Mauro é integrante da banda Os Ciganos. O VT da propaganda política com fundo musical de lambadão está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=eKyUQWeU8Bo

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oficial, fez uma nova versão de sua música de campanha agora no ritmo do

lambadão.

Figura 13. Coletânea Perfil Vol.01 da banda Os Ciganos, a sensação de Mato Grosso. Fonte: Wilson Cigano.

Em novembro de 2009, a Prefeitura Municipal de Cuiabá promoveu o 1º

Festival de Lambadão de Cuiabá, que recebeu 45 inscrições de bandas locais

e ocorreu em diferentes pontos da cidade, como Pedra 90, CPA e o bairro do

Porto. Na ocasião, o então prefeito da cidade, Wilson Santos, destacou o

lambadão como um dos ritmos emergentes. “Lambadão é uma das formas

harmoniosas com que o povo expressa sua alegria e cultura, a exemplo do

antigo rasqueado cuiabano”, disse o prefeito para o site 24 Horas News42.

42

Entrevista disponível em http://www.24horasnews.com.br/index.php?mat=311321

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59

4. A COMUNICAÇÃO DAS BANDAS DE LAMBADÃO

São usadas infinitas formas para se divulgar um evento de lambadão. Destas

atividades destacam-se:

4.1 CARRO DE SOM

Figura 20. Carro de Som em atividade numa rua em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011.

Presente em todo o território nacional, a mídia intitulada carro de som

consiste em um carro43 equipado com alto falantes super potentes. A função do

veiculo é rodar as ruas da região onde será a festa, tocando a vinheta do

evento e músicas das bandas que participarão do show. Segundo conta

Valdelício Garcia, da Banda Real Som, esta é uma das primeiras mídias

procuradas em Várzea Grande.

43

Também em sua variação: Moto Som e Bike (bicicleta) Som. Embora ainda exista, é cada vez menor a demanda pelo serviço. O carro de som roda mais e é mais potente em alcance.

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Contratamos esse apoio cultural das ruas, o carro de som, que é rodado por hora. Geralmente utiliza-se 20 horas e o pagamento é feito após o evento, ou como foi combinado. Como já utilizamos esse serviço a um certo tempo, já conhecemos todos os que trabalham com isso pela região várzea-grandense

44

Wilson Cigano, da banda Os Ciganos, conta a experiência na região do bairro

do Planalto, em Cuiabá.

A divulgação por carro de som é uma divulgação direta. Funciona quando você vai fazer uma festa para o pessoal do bairro, ou numa determinada região. O carro passa na porta da casa das pessoas e todo mundo fica sabendo... E os preços variam. Hoje 1 hora de divulgação custa R$30 e dependendo do tamanho da festa, pode chegar até 90 horas de divulgação. Não é uma mídia barata

45.

Muitos dos empresários das bandas - ou produtores de eventos - acabam

entrando no negócio da divulgação de carro de som. Além de um dinheiro

extra, é uma forma de baratear o custo da divulgação do seu evento. Há quatro

anos o vocalista da banda Bad Boys, Nilton da Costa, equipou seu carro

doméstico com auto falantes e oferece o serviço de carro de som para os

eventos que acontecem em Várzea Grande

Eu montei o carro de som porque se a gente for pagar um carro de som pra cada evento ou promoção que a gente faz fica muito caro. Por exemplo, eu cobro R$25 por hora. Quem utiliza o serviço é quem escolhe o horário e os locais para divulgação, que ocorre geralmente à tarde. O carro de som é muito viável e rápido, dá pra fazer propagandas com microfones e organizar uns pit stops

46 (mais informações na seção 4.3 deste capítulo)

44

Depoimento coletado por mim numa visita à Rádio Estação VG, em Várzea Grande, dia 19 de outubro de 2011 45

Segundo relato do guitarrista Wilson Cigano, em entrevista realizada por mim no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011. 46

Entrevista feita por mim em Várzea Grande, dia 25 de novembro de 2011.

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Figura 141. Mercio Luiz ao lado de seu instrumento de trabalho. Crédito: Dewis Caldas em novembro de 2011.

Mercio Luiz Applo nunca esteve envolvido na produção de uma festa,

mas começou a divulgar festas em carro de som no final da década de 80 e

atualmente possui quatro carros que rodam de domingo a domingo.

Quem contrata o serviço é que determina o local onde o carro vai passar. Quando me ligam eu pergunto: - já tem a vinheta? Se não tiver eu tenho parceiros que executam o trabalho, que é terceirizado por mim. O cliente só explica o texto e as músicas que quer divulgar

47

4.2 PANFLETOS, CARTAZES E FAIXAS

47

Trecho da entrevista realizada por mim nas ruas de Várzea Grande, dia 25 de novembro de 2011.

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62

Figura 22. Cartaz que divulga o lançamento do CD da banda Os Ciganos. Fonte: Wilson Cigano

A impressão em papel é uma das formas mais antigas para se divulgar um

evento. No lambadão, os cartazes geralmente são coloridos, chamativos e com

a foto (ou logomarca) de todas as bandas que participarão do evento, além de

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informações específicas sobre as bebidas que serão servidas e o nome do

dono da festa. Wilson Cigano comenta

Ainda se utiliza muito o cartaz... A gente contrata alguém para fazer a arte, que custa em média R$50, ai depois vai numa gráfica rápida. Se fizer uns 20 cartazes vai sair a R$4 a unidade. Isso se for cartaz para evento, se for cartaz da banda aí é melhor ir numa gráfica maior e fazer mil cartazes e usar o ano inteiro, custa em média R$500 tudo. Ai a gente prega cerca de um mês antes do evento nos pontos de ônibus, nas escolas e bares

48.

Figura 15. Faixa instalada em muro. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011

A utilização dos panfletos vai de acordo com o tamanho do evento, se a

festa for de grande porte, é oportuno utilizá-lo, se não, o cartaz já atinge o

objetivo. As faixas são mais comuns e geralmente são instaladas na rua do

local da festa e nas grandes avenidas dos bairros. É comum ter um tema como

nome da festa para divulgação, como por exemplo “Festa da Mulherada,

“Duelo de Lambadão” e “Feijoada dos Amigos”. Em outras vezes a divulgação

48

Outro trecho da entrevista com o guitarrista Wilson Cigano, em entrevista realizada por mim no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011.

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identifica o nome do santo homenageado ou o lançamento do CD ou DVD. É

pertinente frisar que a colocação de faixas em vias públicas é uma atividade

que infringe a lei de poluição visual e por muitas vezes são retiradas quando

flagradas por policiais ou funcionários da Prefeitura.

4.2.1 ANALISANDO QUATRO EXEMPLOS

Figura 16. Faixa da festa Feijoada dos Amigos. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011

A faixa que divulga o evento Feijoada dos Amigos (Figura 23) foi colocada

numa avenida de grande movimento próximo ao centro de Várzea Grande. É

um evento que acontece periodicamente49, produzido pela banda Amigos

Banda Show, que convida outras bandas para tocar enquanto ocorre a

feijoada, servida ao público presente. O ingresso dá direito a entrada e comida

à vontade. É comum a Chácara do Gonçalo Corrêa (do Santana) receber

festas desta natureza.

49

Embora ocorra com freqüência o evento não segue uma ordem semana, quinzenal ou mensal, ficando a cargo da banda a escolha da realização do evento de acordo com a agenda de shows.

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Figura 17. Cartaz pregado na porta do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011

As festas de santo são o motivo mais recorrente para as festas de lambadão.

Os produtores deste evento (Figura 24) decidiram homenagear duas santas:

Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Bom Parto. A animação da

festa ficou por conta da banda Scort Som, que começou a tocar às 9h da

manhã de domingo, com almoço servido ao meio dia. A segunda parte da

apresentação ocorre durante toda a tarde até o início da noite. Com um fundo

verde e letras em preto e vermelho, o cartaz traz a imagem não da banda, mas

sim das duas santas homenageadas.

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Figura 18. Cartaz da gravação do 1º CD da Central Show Bar, em Várzea Grande.

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67

As leis de organização da Gestalt50 têm guiado uma série de estudos

sobre como as pessoas percebem componentes visuais em materiais

promocionais. Se enquadrarmos os cartazes dos eventos de lambadão nestas

premissas, é possível identificar uma série de erros comuns por sua poluição

visual. Contudo, estas características funcionam quando direcionados ao seu

público alvo, tornando-se parte do universo dos lambadeiros em nosso estado.

Os dois cartazes foram produzidos pela casa de show Central Show Bar

no Centro de Várzea Grande, na ocasião da gravação do 1º Cd e da gravação

e do lançamento desde CD oficial da casa de show51. Além de fotos das

bandas, horário, o tipo e o preço da bebida que será comercializada, e os

pontos de vendas de ingressos, também há espaço para mais duas

informações importantes: o sorteio de uma caixa de cerveja para as 500

primeiras entradas (Figura 26) e a informações de que as 100 mulheres até as

23h não pagam a entrada (Figura 25)

50

Gestalt é uma palavra alemã que significa "configuração" ou "padrão". De acordo com essa teoria, há seis fatores principais que determinam a percepção visual. São elas: proximidade, semelhança, continuidade, pregnância, unificação, fechamento e segregação. Para saber mais sob re o conceito de cada uma delas acesse http://goo.gl/amsAO 51

São comuns coletâneas que leva o nome da casa de show, sendo incluída as principais músicas das bandas que tocam na casa

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68

Figura 19. Cartaz do lançamento do 1º CD da Central Show Bar, em Várzea Grande.

4.3 PIT STOP

O pit stop é uma ação de marketing que acontece no dia do evento.

Consiste em levar a banda para locais de boa circulação como feiras nos

bairros ou eventos esportivos, distribuir brindes e improvisar um show. O

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objetivo é chamar a atenção, causar o falatório e lembrar que a banda se

apresenta naquele dia. Empresário de lambadão desde o final da década de

80, Tião de Oliveira, já agenciou bandas como Os Maninhos, Mega Boys, Erre

Som, Mingau Mix, Banda Walts e Os Garotos, e explica a experiência desta

atividade no interior do estado no início da década de noventa.

Quando íamos tocar em alguma cidade (com a banda Os Maninhos) chegávamos cedo e toda a banda saía em cima de um caminhão falando, fazendo movimento, soltando fogos, tudo com o intuito de divulgar a festa que aconteceria a noite. Em alguns casos o pit stop era feito com antecedência, por exemplo, quando tinha festa em Santo Antonio, próximo de Cuiabá, ia alguém lá três semanas antes do evento, fazer um barulho, distribuír fitas K7... Naquela época era um sistema heróico. Mas essa era a técnica que a gente conseguia fazer para interagir com o público

52.

Figura 20. Capa do Volume 13 da banda Real Som.

52

Outro trecho da entrevista feita por mim numa visita à Rádio Industrial, em Várzea Grande, dia 18 de outubro de 2011.

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Esta técnica hoje é muito utilizada em trios elétricos e mais comumente

em rádios. A banda chega de surpresa em um programa, anima o local e lança

músicas, faz brincadeiras com os ouvintes que ligam para a rádios,

distribuímos ingressos. O locutor e radialista Gonça Voz Amiga (o primeiro da

esquerda pra direita, na fileira de cima na figura 27) é um famoso pit stop que

acompanha a banda Real Som há mais de vinte anos, além de ser a voz da

abertura dos shows da banda

4.4 RÁDIOS COMUNITÁRIAS

Figura 29. Locutor Gonça “Voz Amiga” durante apresentação do seu programa, na Estação VG, em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011.

As rádios comunitárias são pequenas estações de rádio inteiramente

dedicadas à sua comunidade, de alcance limitado a, no máximo, 1 km a partir

de sua antena transmissora53. É a comunicação mais direta dos lambadeiros

com seu público alvo por ser muito consumida nas periferias de Cuiabá e

53

Segundo definição do Ministério das Comunicações. Acesse http://www.mc.gov.br/radio-comunitaria

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Várzea Grande. Por ter um alcance menor, a taxa de inserção54 é mais baixa,

possibilitando a compra do espaço pelas bandas por mais tempo e em mais

vezes. Além disso, foi pelas rádios comunitárias que o lambadão obteve boa

aceitação. Wilson Cigano explica a utilização das rádios comunitárias em

Cuiabá.

Funciona mais ou menos assim: se a festa é aqui no Planalto então a gente contrata uma rádio daqui do bairro mesmo, que pega os bairros vizinhos, pra auxiliar o carro de som. Se a festa é num espaço grande, para lotar a casa ai temos duas opções: fechar com uma rádio grande, que pega toda a baixada cuiabana ou contratar separadamente com outras rádios comunitárias em pontos estratégicos, mas de olho nos custos disso... A média é de R$70 para inserções durante uma semana

55.

Dentre muitas rádios comunitárias, a Estação VG, FM 105, 9, no bairro

Areia Vermelha em Várzea Grande, é uma das que mais privilegiam o

lambadão em sua programação diária. De segunda a sexta-feira das 16h ás

19h, o programa de lambadão apresentado por Gonça Voz Amiga chega a

receber até 70 ligações telefônicas por programa. O guitarrista da banda Real

Som, Valdelício Garcia, trabalha na rádio e comenta a inserção do lambadão

na programação.

Aqui não toca só lambadão, mas tem programas só de lambadão com horários bons e com boa audiência. Todos nós somos voluntários, não tem salário, trabalhamos pela comunidade e o espaço é bem legal para as bandas de lambadão. Qualquer um pode chegar aqui e mostrar o trabalho, falar um pouco. As rádios comerciais também inserem o lambadão nos finais de semana, mas sem nenhum programa só de lambadão, como já houve em outros momentos

56.

54

Embora a cobrança de taxas para veiculação de propagandas não esteja de acordo com os padrões estipulados pelo Ministério das Comunicações, esta prática é comum nos bairros de todas as capitais brasileiras. 55

Trecho da entrevista realizada por mim com o guitarrista Wilson Cigano, no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011. 56

Depoimento coletado por mim numa visita à Rádio Estação VG, em Várzea Grande, dia 19 de outubro de 2011

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Figura 30. Valdelício Garcia antes de entrar no ar. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011.

Sobre a inserção das bandas nas rádios comerciais, Wilson Cigano

explica que só há espaço se for com dinheiro, sem isso várias desculpas são

dadas pelos programadores das rádios.

Já procuramos essas rádios, mas as desculpas são as mesmas. Dizem que a qualidade do CD não e boa. Só que se formos lá e pagarmos para tocar a nossa música eles tocam sem problema. Ou seja, a música regional só toca na grande mídia depois de conversar com o departamento financeiro. Por

isso, não temos tanto espaço pela estrutura financeira57.

Wilson conta ainda uma experiência interessante numa rádio comunitária

na região do Planalto, em Cuiabá. Ele e mais representantes de cinco bandas

compraram um espaço em uma rádio comunitária e criaram o programa Point

do Lambadão, que ia ao ar diariamente das 13h até as 18h.

O programa foi um sucesso, mais de 140 ligações por programa. O proprietário da rádio ficou espantado porque não

57

Trecho da entrevista realizada por mim com o guitarrista Wilson Cigano, no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011.

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sabia que o lambadão era tão forte. Rapidamente a rádio ficou conhecida e aumentou sua estrutura. Isso foi em 2009 e o programa durou cerca de um ano. Hoje ele não existe mais

58.

4.5 INTERNET

O uso de tecnologia para a difusão e distribuição a partir de downloads

gratuitos é muito comum como estratégia de boa parte das bandas. Além de

promover o artista, tornando as músicas mais conhecidas, é um espaço para

divulgar produções independentes como videoclipes59 e gravações extra-

oficiais das apresentações. Quanto mais pessoas estiverem ao alcance dos

produtos, mais estarão suscetíveis a irem a uma apresentação do artista em

questão, sendo esse o retorno de investimento obtido com os mecanismos da

internet. De acordo com o vocalista e guitarrista da banda Real Som, Valdelício

Garcia, não há uma preocupação em ganhar dinheiro com o disco físico.

Hoje a banda Real Som está no 14º CD, mas nós não ganhamos dinheiro com as músicas. A gente faz 200 cópias e distribui na bilheteria no dia do lançamento do disco, aí o pessoal vai gravando, copiando e de repente está no camelô. E é isso que a gente quer. Na verdade é o que a gente precisa. Hoje o CD é muito mais um cartão de visita do que um produto a ser vendido. Ganhamos dinheiro é com shows, quanto mais pessoas escutarem os CDs, mais gente vai aparecer aos shows, então, pode piratear a vontade

60.

58

Trecho da entrevista realizada por mim com o guitarrista Wilson Cigano, no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011. 59

Veja o clipe da música Volta pra Casa, da banda Novo Styllus Top Show http://www.youtube.com/watch?v=NBLZpFPD7LU 60

Depoimento coletado por mim numa visita à Rádio Estação VG, em Várzea Grande, dia 19 de outubro de 2011

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Figura 1. Capa do terceiro volume da banda Bad Boys, Melô do Créu61.

O aumento gradativo da participação do público no processo de

disponibilização de conteúdo digital no ciberespaço tem provocado uma série

de discussões em torno do deslocamento do acesso e da produção de

conteúdo de obras de arte. Por meio de plataformas colaborativas como Flickr,

Facebook, Youtube, OhMyNews, Digg, Orkut, Vimeo e My Space, a banda tem

um canal livre de acesso com seu público e consegue atender aos “pedidos”

dos fãs. .

Esses mecanismos, impulsionados pelo barateamento dos aparelhos

móveis como celulares, câmeras digitais, aparelhos gravadores, pen drives e

tocadores MP3, favoreceram o surgimento do ambiente denominado WEB

61 Baixe este disco no link http://palcomp3.com/BADBOYSVG

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2.062. Em conversa com Wilson Cigano sobre as ações da sua banda na

internet, o guitarrista enfatiza

Em quase todas as apresentações gravamos vídeos e fotos já pensando na internet. Em nosso canal no Youtube já temos cerca de 700 mil acessos e muitos vídeos relacionados à banda... O nosso próximo passo é fazer um programa de TV especialmente para a internet... Já fizemos o cenário, as instalações elétricas e se tudo der certo lançamos ainda esse ano

63.

Em alguns casos, a inserção dos fonogramas da banda não parte da

própria banda, e sim de fãs que utilizam as músicas em vídeos caseiros e

mensagens em vídeo na internet. Nilton dos Santos, da banda Bad Boys,

explica como se deu a disponibilidade gratuita das canções de sua banda na

internet.

O site Palco Mp364

é bom e divulga nosso trabalho. Não fui eu quem montou, alguém fez e me mandou a senha para a manutenção, pra colocar mais músicas. Mas até hoje não sou um cara bom para mexer na internet. O que geralmente acontece é o seguinte, o próprio pessoal que gosta da banda pega o nosso DVD e coloca as imagens no Youtube, faz umas montagens. A internet é fundamental e a nossa banda tem o Orkut, o Msn, e por ela podemos chegar muito longe. Se colocarmos uma música lá e fizer sucesso, poderemos ser ouvidos em todo o mundo, então é muito bom

65.

62

O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da World Wide Web, tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais. A idéia é que o ambiente on-line se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo. 63

Trecho da entrevista realizada por mim com o guitarrista Wilson Cigano, no bairro do Planalto, dia 17 de outubro de 2011 64

Site onde as bandas disponibilizam canções, fotos, agenda de shows e vídeos, com inscrição gratuita http://www.palcomp3.com 65

Trecho da entrevista realizada por mim em Várzea Grande, dia 25 de novembro de 2011.

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CONCLUSÃO

Pela expressiva quantidade de eventos de lambadão nas cidades de

Cuiabá e Várzea Grande e pelo número de profissionais que atuam no

segmento, atesta-se que o gênero tem significativa força no mercado musical

de Mato Grosso. Porém, ainda é um nicho pouco estruturado, com falta de

qualificação profissional e de estímulo tanto por parte do poder público como

de empresas privadas, que não incluem a obras dos artistas em suas

produções publicitárias.

Também descobrimos que há mais que um bloqueio separando o

lambadão das classes elitistas de Cuiabá e Várzea Grande. Há sim um

distanciamento causado por duas esferas: a má qualidade musical dos

fonogramas e o perfil dos freqüentadores das festas, que em sua maioria vivem

na periferia. Daí a resposta da utilização de alternativas de comunicação, que

atendem às expectativas do seu púbico-alvo.

Durante a pesquisa em sites e jornais antigos, percebemos que o

lambadão foi pauta de matérias frias, sem aprofundamento acerca do mercado

ou de seus agentes. Essa deficiência foi apontada por dois motivos: primeiro

porque os leitores dos jornais impressos não estão na periferia, e segundo, por

não existir a figura de um assessor de imprensa, que poderia direcionar ou

propor pautas jornalísticas sobre o universo lambadeiro ou sobre o mercado

que elas envolvem.

É importante deixar claro que quando falamos de inserções de pautas

nos veículos tradicionais, nos baseamos no modelo de sugestão de pauta por

releases, objetivando a mídia espontânea e não espaços conquistados por

meio do departamento comercial. Mesmo assim, percebemos que mesmo

partindo do departamento comercial, há uma resistência quanto a inserções

dos artistas deste gênero.

Ao sairmos a campo, percebemos que a atividade que mais rende lucros

financeiros são os carros de som. Os panfletos, faixas e cartazes são

produzimos por empresas que produzem materiais gráficos para todos os fins,

não só para o setor do lambadão e inclusive fora do segmento música.

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Outro ponto importante descoberto nesta pesquisa é que nem toda as

rádios comunitárias tocam o lambadão por opção, e sim, pautados pela venda

de espaços publicitários. Apenas a Estação VG, de Várzea Grande, tem um

programa só com lambadões em um horário de destaque, neste caso, no

período vespertino. Não que as rádios comunitárias estejam deixando de lado o

lambadão, mas como estas rádios são requisitadas principalmente pelos

empresários de bandas e donos das festas, a demanda foi crescendo e o

serviço encarecendo.

A Tijucal Fm, de Cuiabá, é uma rádio comunitária que toca o dia inteiro

só lambadões locais. Eles seriam o nosso ponto de partida para este trabalho,

porém, após buscas na internet e duas idas ao bairro do Tijucal, não

encontramos a sede desta rádio e nenhuma informações que nos levasse até

eles. Desta impossibilidade, perdemos um depoimento valioso muito

necessário para esta abordagem.

Foi de suma importância conhecermos previamente os serviços mais

comuns disponíveis na internet antes de falar sobre suas ferramentas

diretamente com as bandas. Os três sites mais utilizados pelas bandas

incluindo todos os segmentos, Trama Virtual, My Space e Reverbnation, são

pouco conhecidos pelos artistas de lambadão, sendo o YouTube o site mais

utilizado por ser o mais acessado pelos fãs, mais do que qualquer um dos três

citados acima.

Nem todas as bandas estão na internet, mas algumas já estão bem

avançadas neste processo. Segundo Nilton, vocalista da banda Bad Boys,

foram os fãs que colocaram suas músicas na internet. A banda não participou

desse processo a primeiro momento. Já Wilson cigano, da banda Os Ciganos,

está preparando na sala de sua casa um estúdio de TV com iluminação e

aparelhagem técnica para fazer vídeos especialmente para a internet. Só em

seu canal no Youtube já se contabiliza mais de 860 mil acessos66.

É natural esta não habilidade dos artistas com os mecanismos da

oferecidos na internet pela falta de qualificação dos empresários e dos artistas.

Como ter um computador com internet em casa ainda é relativamente caro não

66

Dados atualizados no dia 30 de novembro de 2011. Acesse o canal em http://www.youtube.com/user/LAMBADAO

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há uma presença expressiva deste público-alvo na rede mundial. Visto essa

deficiência, é mais proveitosa a utilização de uma faixa ou carro de som para

divulgação dos eventos. Nem mesmo os integrantes das bandas têm grande

atividade on-line67, sendo a lan house o seu local de acesso.

Outro ponto que constatamos é a desunião dos profissionais da área,

principalmente dos donos das casas de shows. Estes competem entre si pelas

melhores bandas e em razão disso uma série de desentendimentos

acontecem. Há casos de uma banda só poder tocar em determinados locais,

sendo proibida de se apresentar em outro espaço concorrente, sob penalidade

de não ser mais chamada para se apresentar nas demais casas de shows,

dificultando a circulação desses artistas.

Com vistas gerais sobre a pesquisa, verificou-se o bom aproveitamento

por parte dos meios alternativos de comunicação como carro de som, faixas,

cartazes e rádios comunitárias e as múltiplas possibilidades destas

plataformas. Já no caso da internet e dos pit stops, há um mau aproveitamento.

Na internet, há a falta de inserção ativa do público alvo e no caso dos pit stops,

as bandas estão utilizando outros tipos de divulgação por assalto, como trios

elétricos em pontos estratégicos da cidade e sorteio de produtos em programas

de rádio.

67

Leia-se por atividade on-line o usuário que acessa diariamente a internet, gerando conteúdo por e-mail, em sites ou nas mídias sociais.

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APÊNDICE

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