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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 633-653, Set./Dez. 2010 633 Fernanda Flávia Cockell, Daniel Perticarrari INTRODUÇÃO O trabalho na construção de edificações é caracterizado por informalidade, provisoriedade, grande contingente de trabalhadores informais, terceirizados ou subcontratados, alta rotatividade, alto grau de flexibilidade em termos de recursos humanos e constante processo adaptativo a no- vas realidades de trabalho e de vida. É a expressão paradigmática da sociedade da inse- gurança, entre cujas características se encontram: a fragilidade dos arranjos laborais, a instabilida- de ocupacional, o subemprego, o desemprego re- corrente, duradouro e sem perspectiva de inser- ção no mercado formal. (Mangas, 2003, p.8). A literatura em Sociologia do Trabalho mostra que o quadro de impermanência e de CONTRATOS DE BOCA: a institucionalização da precariedade na construção civil 1 Fernanda Flávia Cockell * Daniel Perticarrari ** Este artigo analisa a percepção de operários da construção de edificações sobre o contexto de vulnerabilidade social, marcado pela precarização crescente dos contratos de trabalho. Foram entrevistados vinte trabalhadores da cidade de São Carlos (Brasil), recuperando suas trajetóri- as de trabalho. Por meio da análise qualitativa das entrevistas, foi possível verificar a vulnerabilidade e as formas variadas de contratos de trabalho e de remuneração. Apesar da precariedade das relações de trabalho, metade dos trabalhadores afirma estar realizada profis- sionalmente na ocupação desempenhada, enquanto a outra metade se percebe diminuída pe- rante a sociedade pela falta de estudo, ou se identifica com as outras profissões exercidas anteriormente, vendo a construção como uma etapa passageira ou como a ultima opção que lhes restou. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho flexível, vulnerabilidade, contratos de trabalho, percepção operária, construção de edificações. descartabilidade enfrentado por essa mão de obra, juntamente com o constante desrespeito às leis trabalhistas e previdenciárias, posicionam essa população à margem dos sistemas de proteção social-trabalhista. Nesse caso, o ônus do processo de informalidade e precariedade das condições de trabalho recai mais fortemente sobre os ope- rários menos qualificados da construção civil, uma vez que esses trabalhadores encontram-se margi- nalizados pelo sistema de proteção social e perce- bem baixos salários, além da ausência de renda fixa, o que os impossibilita de arcar com as for- mas mercantis de proteção social (Cockell; Perticarrari, 2008; Oliveira; Iriart, 2008; Souza, 2007; Lautier; Pereira, 1994; Morice, 1993). A instabilidade de renda e de emprego situa os trabalhadores informais em condições de dominação maiores ainda do que apenas aque- las ligadas às condições de trabalho. Para Birh (1998), as questões de habitação, de acesso aos meios de consumo, entre outras, levam os tra- balhadores a se submeterem a formas cada vez maiores de exploração. De fato, conforme demonstrado pela lite- * Doutora em Engenharia de Produção pela UFSCar. Pós- doutora em Sociologia pela UFSCar. Professora do Depar- tamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universida- de Federal de São Paulo. Av: Ana Costa, 95 – 1º andar. Vila Mathias. Cep: 11060- 001. Santos – São Paulo. [email protected] ** Sociólogo. Doutor em Ciências Sociais. Pós-Doutorando em Sociologia . [email protected] 1 Agradecemos à Capes pelo financiamento de parte da pes- quisa.

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Fernanda Flávia Cockell, Daniel Perticarrari

INTRODUÇÃO

O trabalho na construção de edificações écaracterizado por informalidade, provisoriedade,grande contingente de trabalhadores informais,terceirizados ou subcontratados, alta rotatividade,alto grau de flexibilidade em termos de recursoshumanos e constante processo adaptativo a no-vas realidades de trabalho e de vida. É a

expressão paradigmática da sociedade da inse-gurança, entre cujas características se encontram:a fragilidade dos arranjos laborais, a instabilida-de ocupacional, o subemprego, o desemprego re-corrente, duradouro e sem perspectiva de inser-ção no mercado formal. (Mangas, 2003, p.8).

A literatura em Sociologia do Trabalhomostra que o quadro de impermanência e de

CONTRATOS DE BOCA: a institucionalização da precariedadena construção civil1

Fernanda Flávia Cockell*

Daniel Perticarrari**

Este artigo analisa a percepção de operários da construção de edificações sobre o contexto devulnerabilidade social, marcado pela precarização crescente dos contratos de trabalho. Foramentrevistados vinte trabalhadores da cidade de São Carlos (Brasil), recuperando suas trajetóri-as de trabalho. Por meio da análise qualitativa das entrevistas, foi possível verificar avulnerabilidade e as formas variadas de contratos de trabalho e de remuneração. Apesar daprecariedade das relações de trabalho, metade dos trabalhadores afirma estar realizada profis-sionalmente na ocupação desempenhada, enquanto a outra metade se percebe diminuída pe-rante a sociedade pela falta de estudo, ou se identifica com as outras profissões exercidasanteriormente, vendo a construção como uma etapa passageira ou como a ultima opção quelhes restou.PALAVRAS-CHAVE: Trabalho flexível, vulnerabilidade, contratos de trabalho, percepção operária,construção de edificações.

descartabilidade enfrentado por essa mão de obra,juntamente com o constante desrespeito às leistrabalhistas e previdenciárias, posicionam essapopulação à margem dos sistemas de proteçãosocial-trabalhista. Nesse caso, o ônus do processode informalidade e precariedade das condiçõesde trabalho recai mais fortemente sobre os ope-rários menos qualificados da construção civil, umavez que esses trabalhadores encontram-se margi-nalizados pelo sistema de proteção social e perce-bem baixos salários, além da ausência de rendafixa, o que os impossibilita de arcar com as for-mas mercantis de proteção social (Cockell;Perticarrari, 2008; Oliveira; Iriart, 2008; Souza,2007; Lautier; Pereira, 1994; Morice, 1993).

A instabilidade de renda e de empregositua os trabalhadores informais em condiçõesde dominação maiores ainda do que apenas aque-las ligadas às condições de trabalho. Para Birh(1998), as questões de habitação, de acesso aosmeios de consumo, entre outras, levam os tra-balhadores a se submeterem a formas cada vezmaiores de exploração.

De fato, conforme demonstrado pela lite-

* Doutora em Engenharia de Produção pela UFSCar. Pós-doutora em Sociologia pela UFSCar. Professora do Depar-tamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universida-de Federal de São Paulo.Av: Ana Costa, 95 – 1º andar. Vila Mathias. Cep: 11060-001. Santos – São Paulo. [email protected]

** Sociólogo. Doutor em Ciências Sociais. Pós-Doutorandoem Sociologia . [email protected]

1 Agradecemos à Capes pelo financiamento de parte da pes-quisa.

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ratura, o trabalho na construção civil é popular-mente rotulado como pesado, desvalorizado, dis-criminado e sem futuro (Oliveira; Iriart, 2005).Trata-se de um trabalho precário devido ao ris-co iminente de acidentes, nocividade das cargasde trabalho, más condições de trabalho nos can-teiros de obra, instabilidade de emprego e derenda, alta rotatividade e, sobretudo, insuficiên-cia de garantias contratuais e formais (Cockell,2008; Souza, 2007). Sendo assim, muitos dosoperários do setor encontram-se desprotegidose desamparados para lidar com os momentos deinfortúnio (eventos casuais e alheios à vontadehumana), restando-lhes “se virar”, o que, segun-do Lima e Soares (2002, p.79), desonera o capi-tal de suas obrigações, dado que “o ônus de re-produção da força de trabalho” é transferido parao próprio trabalhador.

Isso não significa, contudo, que os traba-lhadores o percebam dessa maneira. Assim, esteartigo tem como proposta analisar a percepçãodos próprios operários sobre a desproteção soci-al a eles imposta por meio da precarização cres-cente dos contratos de trabalho, as formas atu-ais de contrato de trabalho e como avulnerabilidade2 desses contratos afeta suas con-dições de trabalho, de vida, bem como sua re-produção social.

O TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL

O setor da construção civil possui grandeimportância econômica e social para o desenvol-vimento do Brasil, devido a diversos fatores: vo-lume de produção, capital circulante, expressi-va quantidade e variabilidade de fornecedoresde insumos, equipamentos e serviços ao longode toda a sua cadeia produtiva, utilidade dos

produtos, pela redução do déficit habitacional epor sua capacidade de absorver diretamente eindiretamente uma grande parcela de trabalha-dores, sobretudo a de baixa qualificação(Breitbach, 2009; Franco, 2001).

A importância econômica da indústria daconstrução civil é constatada em sua participa-ção na economia nacional. Indicadores dos últi-mos anos divulgados pelo DIEESE e pela Funda-ção Sistema Estadual de Análise de Dados(SEADE) indicam que a construção civil foi osetor que mais contratou nas regiões metropoli-tanas de São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Por-to Alegre, Salvador e no Distrito Federal em 2007,atingindo um crescimento de 8,2%, em compa-ração com 2006 (DIEESE, 2008).

Desde 2004, a construção encontra-se no-vamente em crescimento, e projeções otimistasesperam um aumento crescente do setor, consi-derando: a expansão do PIB nacional, o excelen-te desempenho dos financiamentos imobiliári-os, com o programa do governo Minha Casa,

Minha Vida,3 a redução do IPI (Imposto sobreProdutos Industrializados), a perspectiva de li-beração dos recursos do Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC), embalado pelos even-tos esportivos em 2014 (Copa do Mundo) e 2016(Olimpíadas) em território nacional. Com o PAC,o governo planeja proporcionar estímulos à ex-pansão da infraestrutura e da oferta de habita-ção. Breitbach (2009) mostra que a indústria daconstrução civil vem apresentando, nos últimosanos, desempenho muito positivo, atingido ní-veis de crescimento inéditos desde a desativaçãodo BNH (Banco Nacional de Habitação). Segun-do a autora, em 2008, as estimativas apontamum dinamismo excepcional do setor, quando seucrescimento ultrapassou o da indústria de trans-formação brasileira. De maneira semelhante,Mello e Amorim (2009, p. 390) afirmam que2 Entendemos, nesta pesquisa, por vulnerabilidade social a

combinação de fatores que possam produzir resultados ne-gativos, em consequência da relação entre a disponibilida-de dos recursos materiais ou simbólicos (capital financeiro,capital humano, experiência de trabalho, nível educacio-nal, composição e recursos familiares, experiência de traba-lho, redes sociais informais e capital físico) dos atores, se-jam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura deoportunidades sociais, econômicas, culturais que provêmdo Estado, do mercado e da sociedade (Filgueiras, 2001).

3 O Governo Federal está investindo R$ 34 bilhões para quemilhões de brasileiros tenham acesso à casa própria. OMinha Casa, Minha Vida, lançado em Março de 2009,viabiliza a construção de 1 milhão de moradias para famí-lias com renda de até 10 salários mínimos, em parceriacom estados, municípios e iniciativa privada, o que vaiimpulsionar a economia, gerar empregos e trazer reflexospositivos para toda a sociedade (Brasil, 2010).

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o setor da Construção Civil passa por uma gran-de transformação, saindo de um longo marasmo,com poucos investimentos, para um período comgrandes obras em andamento e fortes investimen-tos imobiliários.

Dados do primeiro trimestre de 2010 for-necidos pelo Sindicato da Indústria da Constru-ção Civil do Estado de São Paulo (SINDUSCON-SP, 2010) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV)apontam que o número de empregados na cons-trução civil no País atingiu novo recorde históri-co, com crescimento de 2,55%, ante dezembro2009, somando 2,604 milhões de trabalhadoresempregados com carteira no setor, o que equiva-le à contratação de mais 147.517 trabalhadorescom carteira assinada.

A grande absorção de mão de obra pelosetor desempenha, segundo Franco (1995) eHonório (2002), relevante contribuição para odesenvolvimento social do país. Para eles, a in-dústria da construção civil possibilita ao traba-lhador com pouca ou nenhuma qualificação ob-ter uma ocupação o que, de acordo com Lima(1995, p.12), funciona “como válvula para regu-lar os problemas de emprego e subemprego nasáreas urbanas.”

Entretanto, cabe aqui ressaltar que, emmomentos de expansão, a terceirização e a não-formalização dos vínculos não deixam de ser vis-tas pelos empresários como valiosas e reconhe-cidas estratégias na esfera da competitividade. Aestratégia de terceirização na construção civil sem-pre buscou, por um lado, minimizar e controlaros custos diretos e indiretos mediante acontratação de empresas especializadas em servi-ços complementares, para os quais, segundo Franco(1995), a empresa contratante não tem conheci-mento especializado. Por outro lado, tal práticapassa a ser utilizada pelas construtoras direcionadaexclusivamente para a subcontratação de mão deobra, com caráter substitutivo. Trata-se de umaestratégia competitiva de desverticalização oudesintegração vertical, em que firmas individu-ais, conhecidas como “gatos”, fornecem trabalha-dores especializados para as obras (Serra, 2001).

Dessa maneira, a maior oferta de empre-

gos formais, nos últimos anos, é também acom-panhada pela manutenção da oferta de empre-gos informais e presença marcante dos “gatos”.Conforme observam Barros e Mendes (2003), aestratégia de gestão da mão de obra por emprei-tada permite às empresas do setor reduzirem oscustos com produção e os encargos sociais e fis-cais, deixando a cargo de terceiros a responsabi-lidade pelos operários, o que resulta na transfe-rência dos riscos.

Para o presidente do Sindicato da Cons-trução Civil de São Paulo, as medidas adotadaspelo atual governo contribuem para a aceleração

de um quadro trágico, com o trabalhador execu-tando suas funções na informalidade, sem direi-tos trabalhistas como 13º salário, férias, recolhi-mento de seus dividendos junto à Previdência e,principalmente, o incremento das tarefas(Ramalho, 2008, p.1).

Dados do Sindicato da Indústria da Cons-trução Civil do Estado de São Paulo apontamque a informalidade ultrapassou o percentual de70% em 2006 (SINDUSCON-SP, 2008). Proje-tando esse percentual para os valores formais daconstrução contabilizados pelas Rais 2006 (Rela-tório Anual de Informações Sociais), pode-se in-ferir que, para o total de 359.852 trabalhadoresformais no estado de São Paulo, existem cercade 830.000 informais. O mesmo cálculo podeser feito para São Carlos, campo desta pesquisa.Nesse caso, 1.735 trabalhadores eram formaisem 2006, podendo existir aproximadamente 4000trabalhadores informais na construção civil emSão Carlos.

Embora sejam projeções, pode-se afirmarque os contratos informais são significativos, con-figurando-se em uma importante característicada precarização do trabalho nesse setor. A gran-de maioria dos trabalhadores da construção ci-vil recebe pelas horas trabalhadas ou trabalhapor tarefa, os chamados “tarefeiros” – autôno-mos registrados como pessoas físicas que con-tratam trabalhadores para obras, sem vínculo.A terceirização em empresas também contribuipara a informalidade, uma vez que muitos dos

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contratos não são formalizados. Além disso,empresas formais da área utilizam a tática deassinar a carteira de apenas metade ou de umapequena parte dos trabalhadores (SINDUSCON-SP, 2008).

O que pode ser observado é que, nos últi-mos anos, vêm ocorrendo iniciativas locais decombate à informalidade no setor4 e maior in-centivo do Governo Federal à formalização, me-diante políticas públicas voltadas para reduzir ainformalidade. Em todo o pais, o Governo Fede-ral pretende regularizar a situação de um mi-lhão de trabalhadores informais, em todos ossetores, até dezembro de 2010, segundo proje-ções do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro ePequenas Empresas de São Paulo, 2010). O De-partamento Intersindical de Estatística e Estu-dos Socioeconômicos (DIEESE, 2009) explica que,apesar do incremento do número de ocupadosno setor desde 2004, as ocupações geradas naconstrução são heterogêneas, com uma expres-siva parcela de assalariados contratados de for-ma irregular, sem carteira assinada, e por traba-lhadores que, embora contem como autônomosnas estatísticas, usufruem de pouca ou nenhu-ma liberdade.

Apesar dos projetos de redução da infor-malidade e da crescente formalização na cons-trução civil, é importante ponderar que a litera-tura recente e os índices apresentados evidenci-am a precariedade das condições de trabalho nosetor, marcada pelos altos percentuais de aci-dentes e doenças do trabalho e intensificada pe-las práticas de subcontratação, pela instabilida-de de serviços e de renda, pela inexpressiva con-tribuição à Previdência Social e pelainformalidade dos contratos de trabalho. Aprecarização existente é comprovada, portanto,tanto pela histórica falta de proteção ou regula-

mentação efetiva do Estado, quanto pelas condi-ções reais de trabalho (falta de equipamentos deproteção individual e coletiva, contratos verbais,longas jornadas, péssimas condições de higienedos alojamentos, banheiros e refeitórios, exposi-ção a riscos ocupacionais, entre uma infinidadede fatores já reconhecidos e recorrentes). Sendoassim, podemos afirmar que os operários do se-tor vivenciam cotidianamente a nocividade depráticas já antigas e, por vezes, institucionalizadasou aceitas como “próprias” do trabalho da cons-trução de edificações.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A natureza desta pesquisa é qualitativa,devido à natureza do problema a ser estudado,da complexidade do objeto de estudo e do seurecorte. A verificação de cunho qualitativo pos-sibilita ao pesquisador compreender as repre-sentações de um determinado grupo, analisar asrelações estabelecidas entre diferentes atores so-ciais e apreender seus valores, ideias, concep-ções e “senso comum” sobre temas específicos(Minayo, 2004).

As entrevistas ocorreram entre os mesesde novembro de 2006 e março de 2007, na cida-de de São Carlos (SP, Brasil). Delimitou-se aamostra pesquisada por tempo de serviço no se-tor de no mínimo cinco anos e por idade míni-ma de 25 anos, excluindo, dessa forma, osbiscateiros (desempregados recentes, sem espe-cialização). Limitou-se o número de trabalhado-res entrevistados a vinte, quando foi percebidoque as informações obtidas ao longo das entre-vistas começaram a se repetir em conteúdo, nadamais acrescentando às informações obtidas, al-cançando a “saturação qualitativa” (Gondim;Lima, 2002). Todos os nomes utilizados são fic-tícios, preservando-se, assim, a identidade dosentrevistados.

4 Com o objetivo de reduzir a informalidade, o Departamen-to Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos(DIEESE) desenvolveu o projeto ‘’Redução da Informalidadepor meio do Diálogo Social’’ com o suporte financeiro doBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Foramselecionados quatro Arranjos Produtivos Locais para im-plantar o projeto – confecção em Caruaru (PE), comércioem Porto Alegre (RS), construção civil em Curitiba eagronegócio em Morrinhos (GO).

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PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Participaram da pesquisa vinte trabalha-dores da construção de edificações da cidade deSão Carlos (SP, Brasil), homens, entre 26 e 74anos, com idade média de 44,5 anos. Desses,doze são casados, três vivem em uniãoconsensual, quatro são solteiros e um é viúvo.

A classificação profissional foi feita pelospróprios entrevistados, não tendo como critérioa faixa salarial nem o registro em carteira: 01pintor, 01 ajudante de pintor, 02 montadores deestrutura metálica, 03 serventes, 02 ajudantesde pedreiro, 07 pedreiros e 04 pedreiros respon-sáveis pelo acabamento da obra.

A maior parte dos entrevistados tem baixonível de escolaridade formal. Doze não completa-ram o ensino fundamental e apenas três finaliza-ram o ensino médio, sendo que um deles tem ensi-no superior completo. Não entrevistamos nenhumtrabalhador analfabeto, porém chama a atenção ofato de apenas três trabalhadores terem finalizadoo primeiro ano do ensino fundamental.

Três trabalhadores não têm filhos e os de-mais têm, em média, dois filhos. O número dedependentes por entrevistado é alto, entre três aseis dependentes. Quanto às condições de mo-radia, onze trabalhadores moram em casa pró-pria, com exceção de um entrevistado que aindaestá financiando a casa onde reside. Dois traba-lhadores moram com os pais, um com avôs eseis pagam aluguel, o que representa, no casodos serventes, até a metade da renda mensal. Asrendas obtidas pelos membros da família são, àsvezes, reunidas em um orçamento comum edespendidas de acordo com as necessidades dafamília. Em relação à renda das esposas, obser-vamos que, entre os quinze trabalhadores casa-dos ou com união conjugal estável, somente seteesposas trabalham. Em todos os casos, o salárioda esposa é inferior ao do marido (1 a 2 saláriosmínimos5), sendo que apenas uma das esposasnão possuía registro em carteira de trabalho. A

grande maioria dos entrevistados se considerachefe da família, por serem homens, provedo-res, mais velhos e responsáveis pela família.

Antes de trabalhar na construção deedificações, todos os operários desempenharamoutras funções. Dezoito trabalhadores iniciaramsuas atividades no campo, nem sempre remune-radas, principalmente quando o empregador erao pai ou outros membros da família. Todos osentrevistados começaram a trabalhar ainda jo-vens, em média com 11 anos de idade. Consta-tou-se que sete entrevistados já trabalhavam commenos de dez anos de idade, fato consideradopor alguns trabalhadores como limitador da con-tinuidade do ensino fundamental.

Vou falar a verdade para você: tinha 7 anos deidade quando comecei a trabalhar. Trabalhava nalavoura de café. Aí não deu para estudar. Fiz só oprimeiro ano. Na escola da fazenda. Nem docu-mento eu tenho. Não sou analfabeto, sei ler e façoconta de cabeça. Tinha que ajudar o pai, senãofaltava comida em casa. Graças a Deus, pude darestudo para minha filha. Ela não teve que pararde estudar (Antônio, 60 anos, pedreiro).

Do campo até a construção, foram váriosos caminhos trilhados pelos dezoito entrevista-dos de origem rural. Entre eles, Antônio, Diego,Mário, Isaac, Matheus, Danilo e Francisco tive-ram o segundo emprego na construção deedificações. Entretanto, somente Antônio e Diegocontinuaram trabalhando no setor desde a épocaem que deixaram o campo em sua cidade natal.

Do total pesquisado, doze entrevistadostrabalharam em empresas metalúrgicas na cida-de de São Carlos antes de começarem na cons-trução civil, e um entrevistado continuava tra-balhando ao mesmo tempo em uma metalúrgicae na construção civil. É imperioso mencionar quea cidade de São Carlos é conhecida por ser umpolo científico e tecnológico, em virtude das pes-quisas de ponta na Universidade de São Paulo(USP) e na Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e devido à aglomeração de empresasde alta tecnologia.

A oferta de emprego no setor secundáriomotivou trabalhadores nascidos na região de São5 O salário mínimo da época era de R$ 350,00.

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Carlos e migrantes de outras regiões a procuraremempregos nas indústrias da cidade. Até a décadade 90, não havia grandes exigências de qualificaçãoprofissional ou escolaridade. Como explica Expe-dito, 74 anos, as indústrias contratavam trabalha-dores recém-chegados da zona rural, sem experi-ência e com pouca escolaridade. Segundo ele, quan-do entrou na CBT (Companhia Brasileira de Trato-res) em 1963, “eles só me perguntaram se eu sabialer, nem precisava saber escrever”.

Os depoimentos mostram que as trajetó-rias ocupacionais dos entrevistados foram trans-formadas pela alta rotatividade da mão de obrano setor metalúrgico ou, principalmente, emdecorrência do movimento de reestruturaçãoprodutiva. Esse novo paradigma de produçãodemandou um novo perfil de trabalhador commaiores níveis de escolaridade, multifuncional,flexível, polivalente, criativo, com iniciativa ecom capacidade de trabalhar em grupo (Gitahy,1994), além de disposto a colaborar com os no-vos ideais das empresas. Apesar de restrito a umtipo determinado de perfil profissional, maisvelho e com baixa escolaridade (com exceção deMoisés), as entrevistas apontam que o empregoinformal na construção civil de São Carlos foium dos destinos para os trabalhadores fabrisdemitidos com a reestruturação industrial.

INSTABILIDADE DE EMPREGO E DE RENDA:a precariedade dos contratos de trabalho

A partir da descrição das trajetóriasocupacionais, pode-se afirmar que vários entre-vistados, até então trabalhadores estáveis e comalgumas garantias, passaram, nas últimas déca-das, a fazer parte da massa flutuante de traba-lhadores instáveis, tanto pelo processo dereestruturação produtiva em outros ramos, peloprocesso de subcontratação na indústria deedificações e pela ampliação do setor de servi-ços, quanto pelo crescimento das taxas de de-semprego nos setores primário e secundário.

Atualmente, esses operários trabalham

sob vários tipos de vínculos – empregados pró-prios, de terceiros, autônomos – sendo remune-rados por hora, por semana, por empreitada oupor tarefa. Segundo Souza e Melhado (1991), osoperários podem ser contratados para trabalharde várias maneiras: a) pela disposição da Conso-lidação das Leis de Trabalho (CLT) por tempoindeterminado – nesse caso, pode haver um pe-ríodo de experiência inicial de, no máximo, 90dias, não acarretando ônus para o contratante adispensa ao término desse período; b) pela dis-posição da CLT por tempo determinado – podeser acertado por no máximo dois anos, comoprorrogação de mais um ano; c) como autôno-mo; d) por meio de subempreiteiras de serviços;e) por meio de subempreiteiras de mão de obra.

Os vínculos de trabalho dos entrevistadossão bastante heterogêneos. Três trabalhadores fo-ram contratados por construtoras da cidade pormeio da CLT por tempo indeterminado: Andersone Douglas, montadores de escoramentos metáli-cos, e Diego, especializado em acabamento final.Já Antônio foi contratado por uma igreja católi-ca, pela disposição da CLT, por tempo determi-nado, ou seja, durante o período da obra, comduração máxima de um ano e meio. Todos osdemais entrevistados declararam não ter assina-do ou estabelecido nenhum tipo de contrato es-crito com os empregadores, como empreiteiros,engenheiros e construtoras, ou com os contra-tantes do serviço. Mesmo no caso específico dostrabalhadores genuinamente autônomos, quan-do questionados sobre o serviço atual, todos afir-maram que não emitem nota fiscal como autô-nomo pelo serviço realizado ou recibo com ovalor do serviço. Para Moisés:

Nestes anos todos que trabalho por conta nuncaassinei ou dei recibo para nenhuma empresa.Quando é serviço pequeno é boca a boca. É geral-mente serviço que você faz em uma semana, dois,três dias, né? Então, nem compensa ter contrato.Lógico, faz um recibinho, isso e aquilo, mas écoisinha. Mas, quando é serviço que você vai fi-car lá três, quatro meses em uma obra, aí a gentetem que fazer, né? [– Por que, neste caso, você fazrecibo?] É mais para o cliente também, exatamen-te, né? Para mim até hoje não deu problema ne-nhum. Quando é assim, no final do serviço, quan-

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do vou receber, faço um recibo com o valor que elestem que me pagar. Mas, acho que tem muito tempoque ninguém me pede (Moisés, acabamento final).

Prevalece, então, para dezesseis dos entre-vistados, o contrato verbal, comumente por elesdenominado “contrato de boca”. A associação en-tre o contrato verbal e a masculinidade dos entre-vistados encontra-se fortemente presente nos dis-cursos; segundo eles: “Não temos contrato escrito,nosso contrato é de homem” ou “Não tenho con-trato escrito. Tudo foi feito na palavra de dois ho-mens. Quem for sacana, não é macho suficientepara arcar com sua palavra, não merece respeito”ou, até mesmo “homem que é homem, sua palavrabasta”. Ao imputar a fragilidade dos contratos dotrabalho a questões relativas à honra, os trabalha-dores incorporam a ideologia defensiva, ou seja,negam a instabilidade vivenciada pelos contratosverbais, condicionando a relação estabelecida ape-nas na palavra dos envolvidos. O grupo transfor-ma a aparente volubilidade do contrato verbal, emuma situação mais sólida, menos sujeita a mudan-ças, ou seja, para eles, o contrato verbal só não serácumprido caso não estejam lidando com pessoascom honra, do ponto de vista dos entrevistados,“homens de verdade”. Para Dejours (1987), a ideo-

logia defensiva permite mascarar, conter e ocultaruma ansiedade particularmente grave, sendo fun-cional para o grupo, quando elaborada coletiva-mente contra perigos e riscos reais.

A forma de pagamento dos entrevistadosvaria em função do tipo de inserção no mercadode trabalho. No entanto, diante da multiplicidadede conceitos em torno do termo informalidade edas divergências encontradas entre a percepçãodos entrevistados e a literatura, será considera-da informal toda relação de trabalho construídaà margem da legislação vigente. Sendo assim,dos vinte entrevistados, quatro são formais, umavez que possuem contratos de trabalho regular-mente regidos pela CLT, ou seja, têm garantidosos direitos trabalhistas e previdenciários. Poroutro lado, a maior parte dos entrevistados ocu-pa empregos informais, sem carteira de trabalhoassinada e sem contribuição previdenciária.

Em relação aos trabalhadores autônomos,encontramos divergências entre a contribuiçãopara o INSS com a verdadeira relaçãoestabelecida entre o trabalhador e o contratante.Os entrevistados Marcos, José, Dunga, Isaac eJoão Batista contribuem atualmente para o INSSna categoria autônomo. Nesse caso, com exce-ção do entrevistado José, o tipo de relação detrabalho estabelecida não configura, portanto,segundo o ponto de vista desses trabalhadores,uma relação autônoma de trabalho, embora se-jam regularizados junto ao INSS. Apenas o pin-tor José se considera autônomo, pois: “trabalhopor conta, não sou explorado por ninguém. Soumeu chefe e ao mesmo tempo trabalho”.

Cabe aqui ressaltar que, provavelmente,esses trabalhadores não contribuirão continua-mente para o sistema previdenciário, uma vezque, analisando as suas trajetórias ocupacionais,constatamos que a maior parte do tempo de con-tribuição ocorreu no período no qual eramregistrados. Como autônomos, começam pagan-do nos primeiros meses, mas, com o tempo,muitos deixaram de pagar e acabaram abando-nando definitivamente a Previdência Social.Dunga e Isaac começaram a contribuir com aprevidência depois do acidente ocorrido com oentrevistado Paulo. Segundo Dunga:

Comecei a pagar com autônomo em 2004. por-que ia apertar se um dia ficasse doente. Vi o ra-paz que trabalhava com nós lá [refere-se ao en-trevistado Paulo]. Ele adoeceu, ficou parado e nãoganhou nada. Se ele tivesse registrado, pagadocomo autônomo, não tinha passado dificuldade.Nós tivemos que fazer vaquinha. Meu tio [o em-preiteiro] ficou pagando o salário dele, mesmosem ele trabalhar. Ele ficou doente com pneumo-nia e tinha família para sustentar. Na época queeu vi o quadro ficar preto, pensei: é melhor pagarcarteira, porque amanhã pode ser comigo. Ele foium aviso, vê quem quer. Foi ideia minha, mas amulher também falou comigo. Sei que ela temcarteira, o que dá uma tranquilidade para as cri-anças, mas se eu fico doente, fica só o salário delapara 5 bocas (Dunga, pedreiro).

Por outro lado, Marcos e José passaram acontribuir como autônomos diante daconstatação da perda da capacidade produtivacom o envelhecimento. Para Marcos:

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Sempre achei que era frescura pagar, que era ras-gar dinheiro. Só que, quando a idade foi chegan-do, fui me dando conta da necessidade. Tem seteanos que comecei a pagar. Vi que eu tava ficandovelho (Marcos, pedreiro).

Em relação aos contribuintes individuaisda Previdência Social, com ressalva do pintorJosé, todos trabalham para empreiteiros,subcontratados, sendo remunerados pelo dia detrabalho. Para eles, contribuir para o INSS nãosignifica trabalhar como autônomo. Autônomoé “trabalhar por conta, ser responsável pelo tra-balho, não ser explorado por gato”, “poder ven-der seu serviço pelo seu preço, sem ninguémtirar vantagem na suas costas” ou “ter que con-seguir clientes, ter que tomar conta de tudo epoder executar sua parte do seu jeito”.

Diante dessa constatação, torna-se incom-patível considerar unicamente a contribuição aoINSS (relação entre trabalhador e Estado) paracategorizar os entrevistados autônomos, uma vezque a percepção dos trabalhadores é divergentecom relação a esse critério. Além disso, vale res-saltar, conforme foi mencionado anteriormente,que nenhum dos entrevistados autônomos assi-nou qualquer forma de contrato pela prestaçãode serviço, nem emitiu nota fiscal ou recibo (re-lação entre trabalhador e contratante do servi-ço). Entretanto, não foi encontrada, na literatu-ra, classificação alguma que, ao mesmo tempo,considerasse parâmetros tão distintos. Sendo as-sim, neste texto, para evitar as armadilhas emtorno do conceito de autônomo, eles serãocategorizados da seguinte maneira: autônomo

regularizado – o trabalhador contribui para oINSS e, além disso, se considera trabalhador porconta própria, como no caso do entrevistado José;autônomo assalariado disfarçado – o trabalha-dor paga o INSS, mas ocupa atividades precári-as e assalariadas dentro do “mercado formal” e,por isso, não se considera autônomo (entrevista-dos Marcos, Dunga, Isaac e João Batista); e, porúltimo, autônomo não-regularizado – o traba-lhador não regulariza a situação de autônomo,porém trabalha por conta própria ou presta ser-viço, com o objetivo de se autoempregar, como

Moisés e os irmãos Danilo e Francisco, podendoengajar familiares ou ajudantes assalariados.

Entre os autônomos não-regularizados,Moisés não paga o INSS porque “... não está so-brando dinheiro. Eu tenho uns quinze a vinteanos de contribuição. Eu trabalhei desde crian-ça, desde moleque. Vou me aposentar por ida-de”. Por ora, Danilo não pode contribuir porqueestá recebendo seguro-desemprego, e Franciscoporque é registrado na fábrica de compressores.Do ponto de vista deles, ser autônomo significatrabalhar sem intermediários entre eles e o pro-prietário do imóvel, ou trabalhar por empreitarecebendo pelo serviço prestado, com autono-mia e sem terceiros tirando proveito financeirodessa relação. Ou seja, ser autônomo é ser “donodo próprio nariz”.

No total, onze trabalhadores encontram-sedesprotegidos do sistema de seguridade social. Asprincipais justificativas para tal situação foram:falta de recursos, baixa credibilidade do sistema,insuficiência de conhecimento, expectativa emaposentar por idade e desesperança quanto ao fu-turo, como se evidencia na fala a seguir:

Eu acho que não tem futuro nenhum este negó-cio de ficar pagando como autônomo. Aposentareu não vou mesmo. Independente de eu ter ounão carteira assinada, eu não vou aposentar. Eunão vou pagar. Por que eu acho que é tudoladroagem este negócio de ficar pagando comoautônomo. Se você for registrado numa firmatudo bem, mas pagar como autônomo, de jeitonenhum! [– Por que você não pagaria como autô-nomo?]. Sei lá, é um sentimento. Acho que nãovou viver até lá. (Lucas, acabamento final).

A partir das entrevistas realizadas com osoperários de São Carlos, foi possível ainda com-preender como a percepção da informalidadeencontra-se diretamente relacionada com a apro-priação da força de trabalho por terceiros,marcada pela precariedade dos contratos, situa-ção em que a relação estabelecida configura-secomo subordinada ao sistema de acumulaçãocapitalista. A esse respeito, Cacciamali (2000)explica que, com a reformatação das relações detrabalho, surgem formas de trabalho assalariadonão-registrado junto aos órgãos da seguridade

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social, juntamente com contratações legais ouconsensuais, dissimuladas sob a forma de traba-lho autônomo, como cooperativas de trabalho,empreiteiras de mão de obra, agências de traba-lho temporário, locadoras de mão de obra e pres-tação de serviços temporários.

O caso de João Batista mostra como osmecanismos de subcontratação e de prestação deserviços substituem progressivamente o trabalhoassalariado. João Batista, especializado em acaba-mento final, trabalha há oito anos para uma dasmaiores construtoras no setor de edificações. Nosdois primeiros anos, trabalhou registrado pelaconstrutora. Contudo, desde então, passou a serpago por dia de trabalho, por uma empreiteira demão de obra. Para burlar a fiscalização, aempreiteira repassa mensalmente o valor da con-tribuição do INSS, para que João Batista possacontribuir como autônomo. Segundo ele:

Eu sou recomendado a dizer que sou autônomo,se a fiscalização aparecer. Mas não emito nenhumrecibo como prestador de serviço. A diferença éque, antes, eu era registrado. Só que há seis anoscontinuo fazendo a mesma coisa, porém agorarecebo do gato pelo dia de trabalho e não tenhomais férias nem décimo terceiro. Por fora, ele medá o valor para eu pagar o INSS e aliviar para olado dele e da construtora. (João Batista, acaba-mento final).

Essa mesma situação foi vivenciada peloentrevistado Thiago:

Hoje eu não estou contribuindo. Antes, quemestava contribuindo para mim é o dono das obras,o Luís Fernando. Eu trabalhava para ele nas obrasdele aí ele contribuía para mim, como seu eu fos-se autônomo, sabe? Ele vivia dizendo que era paraeu pagar, porque, se a fiscalização chegasse e eunão dissesse que trabalhava por conta, ficariaruim para o lado dele. Mas eu falava que não so-brava dinheiro. Então, ele começou a pagar. Maso pintor que eu trabalhava para ele, que tambémtrabalhava para o Luís Fernando, saiu das obras.Aí tive que sair também. Aí ele parou de pagar.Eles me deram o carnê, mas hoje eu estou semcondições de pagar. Para o pintor foi bom porqueele [refere-se ao entrevistado José] recebe maistrabalhando por conta. Mas, para mim foi ruim,porque ele me paga a mesma coisa, mas fiqueisem o carnê (Thiago, ajudante de pintor).

Dessa maneira, os contratantes (constru-toras, empreiteiras ou proprietário do imóvel)

eliminam os custos trabalhistas não-salariais,deixando de recolher as contribuições sociaisprevidenciárias exigidas para a regularização daobra. O sentimento de vulnerabilidade ocasiona-do pelo trabalho não-regularizado é exposto re-petidas vezes no decorrer das entrevistas e ex-pressa a desproteção por eles vivenciada no em-prego das seguintes expressões: “não temos direi-to nenhum”, “meu único direito é de trabalhar”,“ser informal é não saber como vai ser o dia deamanhã”, “não dá para pensar em aposentar, sehoje não tenho proteção nenhuma”, “só consigopensar um dia de cada vez”, “trabalhar assim sónão é pior do que ficar sem emprego” ou “o infor-mal não tem direito de sonhar”. Pode-se dizer,efetivamente, que eles não conseguem planejar ofuturo, porque o presente é instável.

Para os entrevistados, trabalhar nainformalidade significa, principalmente, não tera carteira de trabalho assinada. Popularmente,representa a falta de compromisso moral doempregador em seguir a legislação, restringindoo acesso aos direitos constitucionalmente asse-gurados, posicionando-os na categoria de “pré-cidadãos” ou “cidadãos de segunda categoria”(Santos, 1987). Na mesma direção, trabalhado-res acidentados da construção civil da cidade deSalvador (BA) afirmam que o trabalho informaldenota: “perda de tempo”, “trabalho em vão”,“trabalho sem valor”, “trabalho inútil” e “traba-lho à toa” (Oliveira; Iriart, 2005). Representa ain-da a ausência de direitos trabalhistas eprevidenciários, principalmente no que se refe-re à aposentadoria remunerada e ao auxílios-aci-dente, além da incerteza de ganhos financeiros eda disparidade de tratamento em relação aos tra-balhadores formais.

RENDA EXTRA: o papel do “bico” para osoperários da construção de edificações

Em relação aos ganhos financeiros, nãoforam constatadas grandes disparidades na ren-da dos trabalhadores formais, informais ou au-

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tônomos, assalariados disfarçados, com exce-ção dos trabalhadores autônomos regularizados

e não-regularizados. Entretanto, quando se com-para o salário indireto (férias, hora-extra remu-nerada, 13° salário, vales, seguro-desemprego,salário-família, etc.) verifica-se que o salário realdos informais é menor.

Ao analisar a forma de pagamento, deacordo com a ocupação dos entrevistados, con-siderando ainda a relação contratual, percebe-seque todos os trabalhadores registrados pela CLTsão remunerados mensalmente. Entre eles, An-tônio recebe mil reais por mês; no entanto, dovalor embolsado, retira cinquenta reais por se-mana para pagar seu ajudante Pedro. Osmontadores Anderson e Douglas recebem qui-nhentos e trinta reais líquidos por mês, e o en-trevistado Diego setecentos e vinte reais.

O pagamento por empreitada ou por ser-viço é predominante entre os entrevistados au-tônomos. Nessas condições, os autônomos não-

regularizados, contratados temporariamentepara a prestação de serviços, obtêm maiores ren-dimentos. A renda média dos autônomos não-

regularizados e do autônomo regularizado (ope-rário José) varia entre mil a dois mil reais, po-dendo chegar até dois mil e quinhentos. A jor-nada diária de trabalho é maior, quando compa-rada com a dos demais entrevistados, pois, fre-quentemente, trabalham nos fins de semana parafinalizar o quanto antes o serviço, ou ainda tra-balham à noite e aos domingos, em obras reali-zadas em estabelecimentos comerciais.

Quanto à forma de pagamento dos demaistrabalhadores não-regularizados, não há muitadiferença entre os informais e os autônomos as-

salariados disfarçados, pois, na prática, traba-lham todas as semanas, em princípio de segun-da a sexta-feira, remunerados por dia, semana,quinzena ou mês, sem nenhum tipo de contratode trabalho. Tal situação não configura trabalhotemporário ou “bico”; pelo contrário, muitos re-cebem há vários anos o pagamento pelo dia oupela quinzena de trabalho.

Os pedreiros Dunga e Isaac, autônomos

assalariados disfarçados, recebem a cada 15 diasquarenta reais pelos dias trabalhados, enquantoMarcos, também autônomo assalariado disfar-

çado, contratado pelo mesmo empreiteiro –Antenor – ganha cinco reais a mais, devido aosdoze anos de trabalho. A jornada de trabalho des-ses entrevistados vai de segunda a sexta-feira, dassete às dezessete e trinta, com intervalo de umahora para o almoço. Trabalham ainda para o mes-mo empreiteiro os entrevistados Paulo e Mário,ambos serventes. Em comum, todos os contrata-dos do Antenor recebem, no final do ano, um“salário” extra, prática incomum no setor.

O pedreiro Matheus e o Lucas trabalhampor empreitada, subcontratados por empreitei-ros, obtendo uma renda mensal entre mil a doismil reais. No trabalho por empreitada, os entre-vistados calculam o preço pelo metro quadradoou pelo serviço prestado, recebendo acima dovalor do dia de trabalho. Entretanto, estendem ajornada de trabalho de domingo a domingo paraconseguir finalizar o serviço contratado no me-nor tempo possível. Do mesmo modo que os au-tônomos, Matheus e Lucas enfrentam constan-temente instabilidade de renda, mas, por outrolado, vivenciam menor inconstância de serviços,pois, de acordo com Matheus: “os empreiteirostêm melhores contatos e, por isso, sempre têmserviço. Assim, não preciso correr atrás de vári-as pessoas, nem manter contatos bons. Acabaum serviço, é só ligar para os empreiteiros e fa-lar que estou disponível”.

O entrevistado João Batista, autônomoassalariado disfarçado, recebe do “gato” qua-renta reais por dia de trabalho, totalizando oito-centos por mês, enquanto Diego, contratado pelamesma construtora, porém pela CLT, recebe se-tecentos e vinte reais por mês. João Batista ex-plica que o “gato” sempre justifica a diferençade oitenta reais como um “bônus” para o paga-mento do INSS.

Para Lima (1995), essa multiplicidade deformas de contrato de trabalho resulta emdistorções e gera atritos entre os diversos traba-lhadores atuantes nos canteiros de obra, dificul-

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tando o trabalho em equipe e o engajamento dostrabalhadores nas políticas da empresa. No casodas grandes construtoras, há uma tendência deo tipo de remuneração e de vínculo determinara tarefa que será executada por cada trabalhadordentro do canteiro de obras. A esse respeito,Serra (2001) relata também que algumas cons-trutoras mantêm um pequeno número de traba-lhadores registrados para eventuais necessida-des, como o entrevistado Diego, que trabalha namesma construtora de João Batista, porém comcarteira de trabalho assinada.

A categoria servente é remunerada pelodia de trabalho ou pela quinzena. O valor dadiária varia de vinte e cinco a trinta reais. Paulo,servente há onze anos, explica que o preço domercado, na cidade de São Carlos, é de vintereais para os iniciantes e vinte cinco para os ser-ventes mais experientes. Porém ele recebe trintareais, porque “com os anos de dedicação, me tor-nei amigo do gato, ele é um irmão para mim”.

Entre os ajudantes de pedreiro entrevista-dos, o valor da jornada de trabalho é inferior aoda categoria dos serventes. O ajudante Pedro re-cebe do pedreiro Antônio vinte reais por dia detrabalho, de segunda a sexta-feira, enquanto ooutro ajudante, Abraão, recebe em médiacinquenta reais semanais do entrevistado Moisés,podendo chegar a setenta e cinco se trabalharnos fins de semana. Thiago, ajudante de pintor,embolsa vinte e cinco reais por dia de trabalho.A despeito da maior carga de trabalho e da mai-or qualificação dos ajudantes em relação aos ser-ventes, o salário dos ajudantes entrevistados éinferior ao dos serventes. Nossa hipótese é deque os ajudantes são contratados por profissio-nais autônomos, enquanto os serventes entre-vistados trabalham para empreiteiros e para umaconstrutora, os quais, por sua vez, auferem mai-ores lucros, tornando plausível, dessa forma,maior remuneração.

Em relação aos contratantes, todos os en-trevistados afirmaram que ser contratado dire-tamente pelo proprietário da obra possibilitamaiores rendimentos, principalmente nos em-

preendimentos localizados nos condomíniosresidenciais. Porém são unânimes em afirmar queesse tipo de serviço encontra-se concentrado namão dos grandes empreiteiros e engenheiros.

Parece existir um consenso quanto ao va-lor da remuneração quando os contratantes sãoos empreiteiros, um tipo de “código de ética” ou“tabela”. Os trabalhadores entrevistados afirma-ram que o valor pago pelo dia de trabalho variade acordo com a experiência no setor, com otipo de atividade e com a cidade. De acordo comeles, em São Carlos, o dia de trabalho do serven-te varia entre 20 e 30 reais, do ajudante de pe-dreiro entre 25 e 35 reais, do pedreiro entre 30 e45 reais e de pedreiros especializados no acaba-mento da obra de 40 a 60 reais. Trabalhadoresaprendizes e ocasionais recebem cerca de dezreais a menos. Valores inferiores a esses somentesão aceitos quando os contratantes são trabalha-dores autônomos (como no caso dos entrevista-dos Abraão e Pedro); caso contrário, remunera-ções inferiores são vistas como “exploração”,“sacanagem” ou “escravidão”. Lautier (1993, p.28)afirma que os empregadores das micro e peque-nas empresas não-declaradas não podem “im-por salários muito baixos, dada a difusão da in-formação, à existência de um código de boa con-duta e à necessidade de manter relações não-conflituais com seus parentes e amigos”. Pedroexplica a diferença entre o valor pago por umempreiteiro e por um profissional autônomo:

Eu fui procurar o Antônio. Não gosto de voltarno mesmo lugar. Gosto sempre de ir para frente.Sempre sou chamado para ir trabalhar com ou-tros empreiteiros, mas não é por causa de 10 cru-zeiros a mais que eu vou deixá-lo. Outro dia foium rapaz lá em casa e perguntou se eu queriatrabalhar para ele. Ele disse que me garantia ser-viço para uns dois anos. Perguntou quanto eutava ganhando, eu disse 20 cruzeiros e ele medisse que pagava 25. Não vou. Fica chato. Sei queo valor do Antônio é menor, porque ele trabalhapor conta própria. Se ele fosse um empreiteiroseria sacanagem comigo. Ninguém aceita ganharmenos dos empreiteiros. Agora, os autônomos,como o Antônio, estão na labuta como a gente(Pedro, ajudante de pedreiro).

A maior parte dos entrevistados perce-beu diminuição da renda mensal nos últimos

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anos. Para muitos, a maior concorrência no se-tor e o aumento da informalidade vêm progres-sivamente afetando os ganhos obtidos, mesmoapós a aceleração do setor pelo PAC. Para o pe-dreiro Antônio, na década de oitenta e no iníciodos anos 90, era mais fácil, pois “não precisáva-mos trabalhar aos fins de semana para comple-tar a renda. Hoje tem gente que por metade dopreço faz o serviço. Você pode até ser melhor,mas não dá para cobrar caro. Ai a gente abaixa opreço e acaba tendo que trabalhar mais para ti-rar o mesmo no final do mês”.

Para compensar a redução da renda men-sal, os operários da construção civil utilizam cadavez mais o tempo destinado ao lazer para execu-tar serviços extras, os conhecidos “bicos”,objetivando melhorar os baixos salários da cate-goria. Os ganhos mensais dos entrevistados sãomajorados principalmente com a realização dos“bicos” de fim de semana ou após a jornada detrabalho. Metade dos entrevistados faz “bicos” paraaumentar a renda; desses, apenas Isaac é vigianoturno nos fins de semana, e Paulo limpa terre-nos baldios e ajuda a carregar caçamba. Não rea-lizam serviços relacionados com o trabalho naconstrução. Todos os demais trabalham por con-ta própria aos sábados e, esporadicamente, aosdomingos. Antônio ainda realiza pequenos servi-ços após o horário do expediente, e Moisés mi-nistra cursos de pintura em lojas especializadas,nos finais de semana. Em média, os trabalhado-res aumentam entre duzentos a quatrocentos re-ais a renda mensal com a realização dos “bicos”.

Além dos “bicos”, quatro trabalhadorespossuem ganhos extras com o recebimento de alu-guel e criação de cavalos. A renda obtida com oaluguel de casas e com o arrendamento de terre-nos aumenta em quase 30% os ganhos mensaisdos entrevistados Pedro, Diego e João Batista.Douglas explica que todo o dinheiro poupadocomo montador é aplicado na compra de cavalospara, em seguida, vendê-los por um preço maior:

Eu crio cavalo. Faço de vez em quando unsrolinhos de cavalo. Eu pego o dinheiro que juntocomo montador e compro cavalo. Eu tenho cinco

cavalos. Eu gosto. Eu deixo os meus cavalos láperto de casa e os outros na chácara da minhairmã. Trato bem! Compro ração, deixo em ordem.(Douglas, montador).

Trata-se também de uma estratégia paragarantir renda extra e segurança financeira casofique desempregado ou diante de um problemade saúde. Observamos ainda outras estratégiasutilizadas pelos trabalhadores para aumentarema renda, como no caso dos aposentados Abraão,Pedro e Expedito e dos irmãos Danilo e Francis-co, ambos metalúrgicos, que dividem a jornadade trabalho entre a construção e a metalurgia.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: o trabalho naconstrução civil

Metade dos entrevistados declarou gostarde trabalhar na construção civil. Para esse gru-po, há uma série de elementos positivos, entreeles a alegria do ambiente de trabalho, a relaçãocom os colegas, a liberdade, a autonomia, a faltade chefe, a possibilidade de trabalhar por contaprópria, menor pressão de tempo, maior capaci-dade de consumo, possibilidade de acumularrenda para retornar para o campo e menor rigi-dez da organização do trabalho. Antônio, Danilo,Francisco, Diego, Lucas, Marcos e Matheus afir-maram ainda que se sentem realizados em tra-balhar na construção civil pelo orgulho do fazere o prazer de construir:

Gosto muito. É o tipo de serviço que você come-ça a trabalhar, acaba o dia e você nem vê. É a pro-fissão que eu aprendi, é a única coisa que eu façobem, por isso eu gosto. Sou bom. As pessoas mevalorizam. Falam bem do meu trabalho, da mi-nha discrição, sou quieto, aí não incomodo nin-guém. Conheço muita gente também. (Diego, aca-bamento final).

Esses sete trabalhadores não veem suasfunções como inferiores, nem carregam em suasfalas o peso do estigma historicamente atribuídoà profissão como trabalho de “peão”. Por outrolado, divergem nas opiniões quando são questio-nados se gostariam que os filhos trabalhassem

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na construção. Apenas Matheus, Marcos e Diegoexplicam que seus filhos poderiam seguir essaprofissão, caso fosse a vontade deles.

Se meus filhos quiserem ser pedreiro eu vou apoi-ar, por que não? Se quiser fazer um curso de me-dicina, engenharia, o problema é dele. Eu acho quecada um faz sua escolha. O trabalho de pedreiro éum trabalho como outro qualquer. Vou achar bomensinar o ofício, mostrar tudo que sei. Mas, porenquanto, só tive menina, acho que elas não vãoquerer. Mas, se nascer um moleque, vou levar parao trabalho comigo. (Diego, acabamento final).

Por outro lado, Danilo e Francisco não gos-tariam que seus filhos trabalhassem na constru-ção, uma vez que afirmam sofrer com que osoutros pensam a respeito da atividade de pe-dreiro. Acrescentam que, mesmo explicando queeles sentem prazer de trabalhar na construção eque ganham melhor do que como metalúrgicos,são frequentemente questionados sobre o por-quê de exercerem um serviço pesado e sujo:

Se eu estou com o uniforme da fábrica ninguémme olha estranho. Mas, se eu entro no banco, emuma loja, sujo de cimento e de tinta, já me olhamatravessado. Acho que, para agradar, sempre meperguntam por que um rapaz novo, com estudo,com boa aparência, não larga este trabalho sujo,pesado. Já até falaram que, se eu parasse, minhamão ia ficar menos calejada, com melhor aparên-cia. (Francisco, pedreiro).

Moisés, formado em Direito, explica quese sente mais feliz e realizado profissionalmentecomo pedreiro do que na época em que erametalúrgico ou quando tinha o açougue, maspercebe, nas pessoas, o sentimento de “pena porser formado e trabalhar como pintor. Eu não te-nho vergonha, gosto, mas as pessoas acham queé trabalho de gente sem estudo. Minha mãe evi-ta falar para os outros o que eu faço”.

A atribuição social negativa da profissãoaparece na fala de Lucas. Apesar de se identifi-car como pedreiro, de gostar de seu serviço e denão planejar trabalhar em outro tipo de função,Lucas afirma que, “de jeito nenhum, aceitariaque meu filho fosse pedreiro. É um serviço pe-sado e instável. Quero que ele faça qualquer ou-tra coisa, menos isto”.

A outra metade dos entrevistados ou sepercebe como pessoas diminuídas perante a so-ciedade pela falta de estudo, o que não lhe per-mite pleitear melhores serviços, ou se identificacom as outras profissões já exercidas. Eles veema construção civil como uma etapa passageira,mesmo que já desempenhada por vários anos,ou como a ultima opção que lhes resta. Nessegrupo, todos afirmaram que não aspiram ao mes-mo futuro para seus filhos, sendo que os maisjovens demonstram não estar contentes com aatividade desenvolvida, chegando a afirmar que,desejam, futuramente, trocar de serviço.

Trabalho aqui não por gostar, mas foi o que apa-receu. Por falta de serviço. Ainda vou trabalharem uma metalúrgica. Mas, para trabalhar na Volks[fábrica de motores] tem que ter curso. Tem queter pelo menos curso técnico de mecatrônica, ele-trônica. Eu vou começar a estudar, não sei quan-do, mas quero fazer um curso técnico. Eu faziamecatrônica, mas tranquei minha matrícula eparei por falta de grana. Era cursoprofissionalizante. Não adianta ter só segundoano. Olhe quanto ex-metalúrgico está trabalhan-do aqui para o patrão. Não estudaram e agora têmque pegar no pesado. Não quero isso para meufilho. Não merece. Vai fazer faculdade, não ficarsujo de cimento.6 (Anderson, montador).

No caso dos ex-metalúrgicos, com exce-ção de Moisés e Marcos e dos irmãos Danilo eFrancisco, todos os demais (oito entrevistados)continuam se identificando como metalúrgicose se culpabilizam por ter de trabalhar na cons-trução, devido à baixa capacidade de adaptaçãofrente às novas exigências7 do mundo do traba-lho e das organizações. Para eles, a “pouca inici-ativa” de estudar ou mesmo a “preguiça” de bus-car melhores qualificações foram as responsá-veis por excluí-los das indústrias metalúrgicas.

6 Lautier e Pereira (1994) descrevem que alguns operáriosbuscam apagar toda marca de cimento ou de pintura aosair do canteiro e vestem o melhor que podem. Assim,conseguem negar, fora do espaço de trabalho, sua identi-dade de trabalhador. Para eles, esse forma de negação poderepresentar um sinal de mobilidade para outro tipo deemprego.

7 A esse respeito, Castel (2003) afirma que, junto com odesemprego e a precariedade das condições de trabalho eda individualização das tarefas e trajetórias profissionais,há também uma responsabilização dos sujeitos. Cada umpassa a encarregar-se de si mesmo, buscando ser bem su-cedido, sob a ameaça permanente do desemprego.

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Eu mereço, vou falar a verdade para a senhora.Eu estou aqui, trabalhando no sol e no pesado,porque não estudei. Não faltou oportunidade, tivepouca iniciativa. Eu sou mecânico dos bons. Nãotinha um que fosse bom como eu. Se tivesse ca-beça, um pouco menos de preguiça, tinha cresci-do lá dentro. Quem sabe nem tinha lesionado acoluna, né? Eu me culpo por isso, se tivesse maisdo que a primeira série, eu poderia trabalhar emoutro posto e não tinha me acidentado. Aí, quan-do a CBT fechou, eu ia conseguir emprego nasfábricas da cidade, porque ia ter curso e colunaboa. (João Batista, acabamento final).

Thébaund-Mony e Druck (2007, p.26) expli-cam que a mesma lógica que incentiva a constanteinovação tecnológica atinge impiedosamente a for-ça de trabalho, transformando-os em “obsoletos edescartáveis, homens que devem ser ‘superados’ esubstituídos por outros ‘novos’ e ‘modernos’, isto é‘flexíveis’”. Vivemos, para elas, “o tempo de novos(des) empregados, de homens empregáveis no cur-to prazo, através das (novas) e precárias formas decontrato, e, dentre elas, a terceirização/subcontra-tação ocupa lugar de destaque”.

Esses “(des) empregados” não percebemcomo os processos de reestruturação produtivae de terceirização levaram à destruição das ocu-pações por eles exercidas, após a alta inserçãode tecnologia e maior exigência de qualificação.Ao contrário, eles se sentem responsáveis pornão se dotarem de “meios e atributos (novos)exigidos pela reestruturação em curso para terempregabilidade”, ou seja, por não conseguiremser “flexíveis”, capazes de “se adaptar facilmen-te a novas situações, que têm iniciativa, que sãoágeis” (Thébaund-Mony; Druck, 2007, p.26).Quando muito, conseguem, em parte, culpar o“dono” da empresa pelo mau gerenciamento e,consequentemente, pela falência e venda dasempresas nas quais trabalhavam e, por vezes,percebem a entrada dos mais jovens como umdos motivos que os impedem de retornar aomercado de trabalho formal.

Quando a CBT fechou, fui procurar emprego nasmetalúrgicas, porque sou metalúrgico. Mas já eravelho e sem estudo. Tinha muito moleque novo,sem saber nada de chão de fábrica, que conse-guia emprego. Eles deviam chamar a gente e man-dar fazer, testar. Aí eu queria ver moleque tirar tra-balho meu. Hoje, já consegui aposentar, mas não

como metalúrgico, só salário mínimo. Aí tenho quetrabalhar aqui porque sou sem estudo e tambémpor causa dos donos da CBT, que deixaram aquilofechar [...] Como pôde? (Expedito, servente)

Em comum, dezessete entrevistados afir-maram que o maior problema de trabalhar naconstrução civil é a vulnerabilidade ocupacionale não somente o trabalho pesado, precário, ou amenor remuneração. O que preocupa o grupoanalisado não é a precariedade das condições detrabalho na construção, mas sim a precarizaçãodo emprego em todos os setores produtivos. Di-ante disso, eles se sujeitam, constantemente, asituações nocivas e perigosas e reprimem qual-quer tipo de descontentamento para não perdera vaga na empresa, ou a confiança do empreitei-ro, ou um serviço. Trata-se, segundo Perrin(2004), apud Druck (2007), de mecanismos decontrole social. São como “modos de subordina-ção” no novo contexto econômico do capitalis-mo flexível e mundializado, no qual os trabalha-dores, por medo de perder o emprego e pelainsegurança, se sujeitam ao “tempo produtivo”.Antônio explica:

Quando comecei na construção, não engolia sapo.Sou calmo, mas se me desrespeitasse [...] Tenhomeu valor. Eu pedia a conta e ia para outra cons-trutora, tinha muita oportunidade. Mas agora édiferente. Você tem conta para pagar, então temque respirar fundo, escutar coisas que te desa-gradam e continuar trabalhando. Até quando es-tou trabalhando por conta escuto desaforo. Vê agente assim [mostra a roupa suja de pó de gesso]e acha que pode tratar igual cachorro. Não recla-mo de mais nada. (Antônio, pedreiro)

Vivenciam também a ameaça constante de“não mais conseguir preencher os pré-requisitos”,de serem excluídos de vez do mercado de trabalho:

Para ser sincero para a senhora, eu acho que da-qui a pouco eu não vou servir mais nem para serservente. Acho que, enquanto eu estiver com esteempreiteiro, tenho emprego. O dia que ele parare eu tiver que procurar emprego de novo, nãoacho. Não vou mais conseguir preencher os pré-requisitos deles. [– Como assim, me expliquemelhor?] Velho para trabalhar em serviço pesa-do, mal sei ler e fazer conta para ser ajudante dealguma coisa. Falo com a mulher que, se perdereste emprego, vou ter que catar latinha na rua.Falo sério. (Paulo, servente).

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A angústia de um futuro incerto, diantedo crescimento do desemprego, entremeia as fa-las dos trabalhadores. Conforme foi observado,à medida que a precariedade das relações de tra-balho se torna um processo social presente emtoda a sociedade, trabalhadores que, no passa-do, vivenciaram certo grau de direitos ou maio-res oportunidades de trabalho assalariado per-cebem maior vulnerabilidade e fragilidade naconstrução civil, como os ex-metalúrgicos:

Acho que ninguém se sente estável! Hoje em dia,principalmente. Antes, tínhamos a sensação quese perdesse um emprego achava outro rapidamen-te. Também tinha os direitos, então sabia que po-dia pegar FGTS. Não me sinto estável. A instabi-lidade não vem só do lugar que você está, e sim dacondição social que está no Brasil, econômica. Derepente, você está seguro em determinada firma eesta firma vai embora, vai embora, e aí? Acho queé isso aí é difícil. Por isso que eu te falo: a gentetem que sempre aprender, procurar sempre fazero que gosta, estudar. É importante estar sempre sereciclando. Olha meu caso: a Climax foi vendida,e, mesmo com curso superior, eu fui mandadoembora. Custo, né? Na construção, eu não tenhoestabilidade nenhuma. A minha estabilidade é amulher. Ela é funcionária pública, isso sim, é ga-rantido. Então, diminui o desespero, tenho tem-po para arrumar outro serviço cada vez que acaboum. (Moisés, acabamento final).

O mesmo ocorre com os entrevistados maisjovens, quando são filhos de trabalhadores públi-cos, como Douglas e os irmãos Danilo e Francisco.Apesar de ser um dos poucos assalariados entre-vistados, Douglas não considera o trabalho regis-trado sinônimo de estabilidade, pelo contrário:

Trabalho com carteira, mas isso não me faz sen-tir estável, é só “menos pior” do que estar jogadoa sorte. Acho que minha mãe se sente estável, elasim, eu não! [– Por que sua mãe se sente está-vel?] Ela é concursada, é enfermeira pública. Osalário pode até atrasar, como acontecia quandoéramos adolescentes [irmãos]. Lembro que atra-sava, mas não falha, entende? Isso é estável. Ago-ra, ter carteira não me dá estabilidade, só é “me-nos pior”. Não sei se a firma vai quebrar, se ama-nhã ele vai continuar indo com a minha cara, ouse vai preferir outro cara. Meus negócios [cria-ção de cavalos] dão segurança. Mas não ligariade viver sem carteira se fosse para ter minha pró-pria fazenda, meu próprio pasto, ai seria estável.(Douglas, montador)

Os irmãos Danilo e Francisco, filhos deum ferroviário aposentado e de uma dona de

casa, mantiveram, por anos, a dupla jornada detrabalho em busca da estabilidade desfrutada,no passado, por sua família. Para eles, o trabalhoregistrado na metalúrgica poderia trazer a esta-bilidade que não tinham na construção. Entre-tanto, com o tempo, começaram a perceber quevivenciam maior instabilidade na metalúrgica doque trabalhando na construção.

Sempre tivemos de tudo. O pai era ferroviário e amãe só cuidava da gente. Tudo do bom e do me-lhor. Depois que pai foi embora morar no MatoGrosso, a gente tinha que dar o mesmo para mãe.Ela cobrava sempre, tínhamos que ter um empre-go certinho [registrado]. Mas não dá estabilidade![– O que não te dá estabilidade, a construção ou ametalúrgica?] Não, os dois! Pode até ser que traba-lhar com carteira seja mais seguro, mas não acho!Por isso, trabalhamos tanto! Não confio nametalúrgica, olha o que fizeram com meu irmão.Demissão em massa, entende? Tenho a sensaçãoque sou o próximo. Na construção, também nãosei se vamos ter serviço, só que, pelo menos, sem-pre tivemos. Mas, para mãe, o certo é trabalhar emfábrica. A gente conversa muito sobre o pai. Vocêolha para ele, e vê um senhor tranquilo, vive pes-cando. Acho que ele não tinha que se preocuparcom o amanhã, se iam passar o facão? [risos] Meuirmão já foi [demitido]. Quem vai ser o próximo asair da fábrica? (Francisco, pedreiro)

Muitos entrevistados não vislumbrammais a possibilidade de retornar ao mercado for-mal e, por outro lado, também não conseguemver um futuro estável na construção, devido àsgrandes exigências de força física, bem como asoscilações constantes que esse setor historica-mente sempre enfrentou. Segundo José:

Hoje a construção está boa, amanhã não sei. Te-nho tempo de profissão e já peguei de tudo. Épo-ca que ninguém nem pintava a casa. Era difícilqualquer serviço. Hoje deu um ‘bum’. O Lulamelhorou o nosso lado. Olha isso [aponta para ocondomínio residencial]. Há quanto tempo à se-nhora não vê isso? Está uma maravilha, mas eamanhã? Por isso, não posso dar o conforto queminha mulher merece. Ela tem que trabalhar.(José, pintor)

É marcante, no caso dos aposentados, a se-gurança que o benefício da aposentadoria acarre-tou na vida dos entrevistados e de suas famílias,mesmo quando precisam continuar trabalhandopara aumentar a renda familiar. Percebem a apo-sentadoria como uma conquista pessoal e justa

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para uma vida dedicada desde a infância ao tra-balho. Uma possibilidade de conseguir ter acessoa empréstimos, ao crediário e ao consumo.

Demorou, mas consegui! Minha aposentadoriavem todo mês. Aí dá para pensar em comprarum computador para os netos, um agrado para amulher. A renda é curta, mas, com a aposentado-ria, eles confiam mais na gente. Tá bem melhoragora. (Expedito, servente)

Na opinião de oito trabalhadores, a maiorremuneração permitiria a adesão às formas deproteção e maior poder de consumo, trazendo,portanto, maior sensação de segurança.8

Se eu ganhasse bem, não ligaria ficar sem cartei-ra, ou trabalhar por conta. Com um bom dinhei-ro, dava para pagar plano [saúde] e fazer um se-guro para mim. [– Qual tipo de seguro?] É, devida, aposentadoria, qualquer um que garantissea mulher e os meninos. Mas é loucura ganharmal e sem carteira. Não dá para dormir sossega-do. (João Batista, acabamento final)

É possível afirmar que as estratégias fami-liares adotadas por alguns entrevistados aumen-tam a percepção de segurança, como no caso dostrabalhadores cujas esposas optaram por procu-rar um emprego registrado, ou conseguiram umemprego público estável e garantido. Porém umagrande maioria não percebe as tradicionais fun-ções assistenciais exercidas pela família como fa-tores que tragam segurança, pois, como afirmaSerapioni (2005), tais funções são pouco visíveispara os trabalhadores, na medida em que não re-sultam das relações trabalhistas, sendo caracteri-zadas por sua dimensão moral e afetiva.

Parte dos trabalhadores entrevistados

percebe a “precarização social” que, segundoDruck (2007, p.10), compreende uma “duplainstitucionalização da instabilidade”, formada pelajunção da “precarização econômica” (precarizaçãoda estrutura produtiva e da precarização salarial)com a “precarização da proteção social9” (trans-formação da legislação do trabalho e do sistemalegislativo “fora do trabalho”). Como consequência,eles enfrentam cotidianamente a vulnerabilidadesocial e sofrem a “condição de insegurança e ins-tabilidade misturadas com impotência, revolta eresignação.” (p.20).

Pode-se inferir, a partir da análise das tra-jetórias ocupacionais e da percepção dos traba-lhadores, que, para a maioria do ex-metalúrgicos,trabalhar na construção significa perda de direi-tos e de garantias, bem como maior instabilida-de de renda e menor capacidade de consumo.Trata-se de uma das últimas opções remanes-centes diante da exclusão do mercado formal, e,por isso, muitos dos ex-metalúrgicos entrevista-dos não possuem o sentimento de pertencimentoao setor da construção civil.

Com exceção dos irmãos Danilo e Franciscoe do entrevistado Moisés, deixar de ser metalúrgicodenotou a perda da identidade profissional e a rup-tura de projetos profissionais e (ou) pessoais, comoo sonho “de se aposentar como um metalúrgico”,ou de apenas continuar exercendo o ofício demetalúrgico, como narrado por Abraão. Segundoele: “sou metalúrgico, só queria continuar sendotorneiro. Só queria isso. Não é certo ser demitidodesta maneira! Tenho minha competência. Queriafazer o que sei, o que sou bom”. A transformaçãodas trajetórias ocupacionais dos ex-metalúrgicosentrevistados representou ainda a perda das refe-rências e do contato social com a categoriaocupacional da qual faziam parte. A esse respeitoExpedito explica:

Enquanto trabalhei na CBT, tinha contato comos colegas de trabalho, era gostoso encontrar narua. Hoje, tem o centro recreativo aquilo é umamaravilha. Meus meninos iam adorar. Já fomos

8 Farias (2001, p.411) afirma que as noções de segurança e deproteção são diferentes. A proteção é um “elemento externoao sujeito e possui, via de regra, uma materialidade pró-pria; não é uma experiência subjetiva, mas sim um estadode coisas (leis, instituições, procedimentos, ações etc.)”.Dessa forma, a noção de proteção relaciona-se à construçãode mecanismos concretos que visam a atenuar ou eliminaras consequências do desenvolvimento capitalista, social epoliticamente reconhecidas como negativas. Por outro lado,o autor explica que a sensação de segurança é “produto damediação subjetiva operada pelo sujeito posto em contatocom os eventos e processos que caracterizam o contextoespecífico em que ele está inserido, dentro do qual a exis-tência de algum mecanismo de proteção constitui apenasum entre vários elementos. A segurança é uma experiênciasubjetiva que reflete a interação entre o conjunto de caracte-rísticas particulares de cada sujeito (socioculturais, econô-micas, psicológicas etc.) e um dado contexto”.

9Para Castel (2003), a proteção social é a condição para for-mar uma sociedade de semelhantes, o que podemos cha-mar de democracia.

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na colônia de férias, no litoral. Agora, que estouvelho, não tenho mais contato com o pessoal enão dou conta de jogar bola com a molecada aquidá obra. Eles são novos, o papo é outro. São di-vertidos, mas é diferente, entende? Fiquei semlugar para passear! (Expedito, servente)

Por outro lado, para a maior parte dos tra-balhadores de origem rural, que não vivenciaramem suas trajetórias o trabalho assalariado fabril, otrabalho na construção trouxe melhores condi-ções financeiras e maior capacidade de consu-mo, a despeito da nocividade das condições detrabalho, e, por vezes, a menor precariedade,quando comparado com o período de trabalhono campo. Para eles, o trabalho urbano na cons-trução vem permitindo, paulatinamente, oacúmulo de bens, bem como maior renda doque aquela que teriam se continuassem no cam-po. Existe a possibilidade de, quiçá, concretiza-rem futuramente o desejo de retornar para omeio rural, não mais na condição de emprega-do, mas como proprietário de um pedaço de ter-ra, ou para cuidar da própria criação de animais.

Apenas para os entrevistados Douglas,Isaac e Mário, o trabalho na construção civil évisto como mais precário do que as atividadesque realizavam no campo, no que se refere àscondições de trabalho, ao ritmo de trabalho e àrenda mensal. Para Douglas, o trabalho com acriação de animais era mais “agradável” e“tranquilo” do que na construção, enquanto, paraIsaac, era mais “prazeroso” e “menos cansativo”trabalhar como tratorista, além da melhor re-muneração. Na mesma direção, Mário explicaque “trabalhar na construção não é a mesma coi-sa de trabalhar com a terra. Aqui [na obra] émuito puxado, é trabalho forte o tempo todo.Bem diferente de que ser caseiro. Eu fazia meuritmo, não ficava trabalhando sob o sol forte eainda morava naquela tranquilidade.”.

Dessa forma, pode-se afirmar que as sen-sações de insegurança e a percepção de precarie-dade dependem de múltiplos fatores. Não se podeconcluir, por conseguinte, quais dos fatores apre-sentados exercem maior influência, uma vez quecada trabalhador vivencia de uma maneira sin-

gular sua trajetória ocupacional e de vida.Castel (2003) afirma que as sociedades

modernas são construídas sobre o alicerce dainsegurança, sentimento de estar à mercê de qual-quer eventualidade. Para o autor, o que garantea proteção10 não é mais o grupo ao qual se per-tence, mas a propriedade que se tem. É ela quegarante a segurança diante dos imprevistos daexistência.

Contudo, como foi observado, poucos en-trevistados obtiveram, ao longo de suas trajetó-rias ocupacionais, oportunidades de acumularbens materiais para garantir sua proteção. Dessaforma, à medida que ocorre o aprofundamentoda precariedade das condições trabalhistas eprevidenciárias, bem como o recuo do papel re-gulador do mercado de trabalho exercido peloEstado, um número maior de trabalhadores de-para-se com a instabilidade de renda e de em-prego. Para eles, as redes sociais informais tor-nam-se cada vez mais centrais, sendo, por ve-zes, a única ajuda concreta recebida em situa-ções de crise e diante dos acasos sociais e natu-rais da existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Marcada historicamente por fases de ex-pansão e retração, a construção de edificaçõesvive hoje um período de crescimento do empre-go formal. Assim como nas décadas anteriores,no entanto, a informalidade e flexibilidade doscontratos de trabalho permanecem expressivasnesse setor, a despeito dos incentivos por maiorformalização do setor.

Acredita-se que, diante da grande capaci-dade de absorção de mão de obra, os órgãos go-vernamentais fazem “vista grossa” para a preca-riedade existente, por vezes “naturalizando-a”como algo inerente à profissão ou “próprio” deum canteiro de obras. Por ser absolutamente fun-10 Castel (2003) diferencia a proteção em: proteção civil -

bens e pessoas em um estado de direito; proteção social -riscos de doenças, acidentes, desemprego, incapacidadede trabalho devido à idade.

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cional à economia capitalista, a precariedade étradicionalmente aceita pela sociedade e legiti-mada pelo próprio Estado.

O processo de precarização no setor não éum fenômeno novo, nem desconhecido pela li-teratura em sociologia do trabalho. Entretanto,à medida que a flexibilização e a precarização dotrabalho ganham novas configurações, expan-dem-se para outros ramos produtivos e atingemas atividades centrais, a construção civil passa aabsorver um novo perfil de trabalhador. Ele énovo não por ser flexível ou moderno, mas porenglobar trabalhadores qualificados profissional-mente que se tornam obsoletos e, por isso, sãodescartados de vários segmentos do mercado detrabalho e absorvidos pela construção civil.

A crescente demanda por maior qualifica-ção profissional e educação formal em todas asesferas da produção – do setor primário ao terciário– vem diminuindo as possibilidades de empregoformal para esse perfil de trabalhadores, aindaque, por ora, com baixa escolaridade (se compa-rados como os trabalhadores dos outros setores),porém qualificados profissionalmente e cada vezmais condenados à informalidade. Assim, dentrodas novas configurações do trabalho, a constru-ção de edificações deixa de ser, no caso de SãoCarlos, apenas uma opção para migrantes recém-chegados de origem rural e para aposentados, ouum “bico” para os recém desempregados, umavez que passa a ser uma opção de emprego e derenda para profissionais especializados margina-lizados do mercado formal de trabalho, como osex-metalúrgicos entrevistados.

O movimento de reestruturação ocorridonas firmas de São Carlos deixou um legado enor-me de desorganização nas trajetóriasocupacionais dos entrevistados. As principaisimplicações foram a perda da identidade profis-sional e, consequentemente, das identidades co-letivas. Grande parte dos ex-metalúrgicos entre-vistados não se identifica como operário da cons-trução não possui sentimentos de pertencer aosetor nem mesmo entusiasmo coletivo.

Esse processo de reestruturação atingiu

também o setor da construção, no qual, apesar detradicionalmente precário, os discursos dos tra-balhadores com mais tempo no setor mostram aintensificação da prática da subcontratação,estabelecida por meio de uma extensa rede deserviços contratados, repassados das empresasprincipais para empreiteiras e delas para organi-zações cada vez mais irregulares. Comoconsequência, mesmo entre aqueles cuja trajetó-ria ocupacional ocorreu majoritariamente naconstrução, é possível identificar que areestruturação trouxe maior insegurança nas re-lações trabalhistas, juntamente com o enfraque-cimento da identidade coletiva. Os operários dosetor passaram, progressivamente, a se sujeitara modos de vida cada vez mais instáveis, nãoconseguindo mais se fixar numa posição ou ca-tegoria ocupacional como sujeitos permanentes.

Constatou-se que a institucionalização dainstabilidade e da insegurança aumentou avulnerabilidade dos entrevistados e os subme-teu a uma série de constrangimentos como efeti-va perda da qualificação preexistente, condiçõesnocivas de trabalho, riscos constantes de acidentee contratos de trabalho precários ou “de boca”.O contrato verbal prevalece para dezesseis dosentrevistados, sendo que, para minimizar a fra-gilidade desse tipo de relação, os trabalhadorescomumente o associam questões relativas à hon-ra ou à masculinidade dos contratantes.

A despeito da precariedade das relaçõesde trabalho, metade dos entrevistados afirmouestar realizada profissionalmente com o traba-lho desempenhado, enquanto a outra metade sepercebe diminuída perante a sociedade pela fal-ta de estudo, ou se identifica com as outras pro-fissões exercidas anteriormente, como no casodos ex-metalúrgicos entrevistados, vendo a cons-trução como uma etapa passageira ou como aultima opção que lhes restou.

Os resultados mostraram que, à medidaque a flexibilização e a precarização do trabalhoganham novas configurações e se expandem paraoutros ramos produtivos, a construção deedificações, além de ser uma oportunidade de

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trabalho para jovens migrantes de origem rural,ou um “bico” para recém-desempregados, tor-na-se uma opção (ou falta de) de trabalho paraoperários fabris com baixa escolaridade, margi-nalizados do mercado formal de trabalho na ci-dade de São Carlos.

(Recebido para publicação em março de 2009)(Aceito em dezembro de 2009)

REFERÊNCIAS

BARROS, P.C.R; MENDES, A.M.B. Sofrimento psíquico notrabalho e estratégias defensivas dos operários terceirizadosda construção civil. Psico-USF, Campinas,SP, v.8, n.1, p.63-70, jan./jun., 2003.

BIHR, A. Da grande noite à alternativa. O movimento ope-rário europeu em crise. Trad. Wanda Caldeira Brant. 2.ed.São Paulo: Editempo, 1998.

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BREITBACH, A. C. Indústria da construção – a retomada.Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre,v.37, n.2, 2009.

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Fernanda Flávia Cockell, Daniel Perticarrari

Fernanda Flávia Cockell - Doutora e Mestre em Engenharia de Produção pela UFSCar. Pós-doutora emSociologia pela UFSCar. Professora do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universidade Federalde São Paulo - Campus Baixada Santista. Coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde e VulnerabilidadeSocial, desenvolvendo pesquisas na área de Saúde do Trabalhador, Vulnerabilidade Social, Redes Sociais,Trajetórias Ocupacionais, Saúde da Família e Promoção/Prevenção da Saúde. Suas mais recentes publicações,são: Da busca de seus direitos a efetivação: o caso dos agentes comunitários de saúde de Ribeirão Preto. In:Norma Valêncio; Antonio Carlos Witkoski; Elder de Paula. (Org.). Identidades e territorialidades. São Carlos:RiMa Editora e Edufscar, 2010, v. 1., p. 223-47; Retratos da informalidade: a fragilidade dos sistemas deproteção social em momentos de infortúnio. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 3, 2011.Daniel Perticarrari - Sociólogo. Mestre em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Doutor em CiênciasSociais pela UFSCar. Pós-Doutorando em Sociologia na Universidade Federal de São Carlos. Trabalha comtemas relacionados à reestruturação produtiva, precarização do trabalho, gênero, cooperativas e educaçãosuperior. [email protected]

VERBAL CONTRACTS: the institutionalizationof insecurity in construction

Fernanda Flávia CockellDaniel Perticarrari

This paper examines the perception ofconstruction workers in a context of socialvulnerability, marked by the increasingprecariousness of employment contracts. Twentyworkers from São Carlos (Brazil) wereinterviewed, recovering their trajectories ofwork. Through qualitative analysis of theinterviews, it was possible to verify thevulnerability and varied forms of employmentcontracts and remuneration. Despite theprecariousness of labor relations, half of theworkers claim to be professionally fulfilled intheir occupation, while the other half perceivethemselves to be diminished in society by thelack of schooling, or identify themselves withformer occupations, seeing construction as apassing step or as the last option left to them.

KEYWORDS: flexible labor, vulnerability,employment contracts, workers’ perception,building construction.

CONTRAT ORAL: l’institutionnalisation de laprécarité dans la construction civile

Fernanda Flávia CockellDaniel Perticarrari

Cet article analyse la perception destravailleurs du bâtiment quant au contexte de lavulnérabilité sociale, marqué par la précaritécroissante des contrats de travail. Nous avonsinterviewé vingt travailleurs de la ville de SãoCarlos (Brésil), et avons repris leurs trajectoiresde travail. Grâce à une analyse qualitative de cesinterviews, il a été possible de vérifier lavulnérabilité et les divers types de contrats detravail et de rémunération. Malgré la précaritéexistante dans les relations de travail, la moitiédes travailleurs affirme être satisfaiteprofessionnellement dans la fonction occupée,tandis que l’autre moitié se voit amoindrie dansla société par le manque d’études ou s’identifieavec d’autres professions exercées avant,considérant la construction comme une étapepassagère ou comme la seule option qui leur restait.

MOTS-CLÉS: flexibilité du travail, vulnérabilité,contrats de travail, perception ouvrière,construction d’immeubles.