v. 43, n. 29, maio/ago. 2012 -...

217
V. 43, n. 29, maio/ago. 2012

Upload: vankhanh

Post on 15-Nov-2018

227 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • V. 43, n. 29, maio/ago. 2012

  • Revista Educao em QuestoCentro de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao Universidade Federal do Rio Grande do Norte ISSN | 0102-7735

    Natal | RN, v. 43, n. 29, maio/ago. 2012

  • Revista Educao em QuestoPublicao Quadrimestral do Centro de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Nortengela Maria Paiva Cruz

    Diretora do Centro de EducaoMrcia Maria Gurgel Ribeiro

    Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em EducaoAlda Maria Duarte Arajo Castro

    Revista Educao em Questo, v. 1, n. 1 (jan./jun. 1987) Natal, RN: EDUFRN Editora da UFRN, 1987.

    Descrio baseada em: v. 43, n. 29 (maio/ago. 2012).Periodicidade quadrimestral

    ISSN 0102-7735

    1. Educao Peridico. I. Departamento de Educao. II. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Ttulo.

    CDD 370RN | BS | CE CDU 37 (05)

    Diviso de Servios TcnicosCatalogao da Publicao na Fonte | UFRN

    Biblioteca Setorial | CCSA

    Poltica Editorial

    A Revista Educao em Questo um peridico quadrimestral do Centro de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRN, com contribuies de autores do Brasil e do exterior. Publica trabalhos de Educao sobre a forma de artigo, relato de pesquisa, resenha de livro e docu-mento histrico.

    Revista Educao em QuestoCentro de Educao

    Programa de Ps-Graduao em EducaoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte

    Campus Universitrio | Lagoa Nova | Natal | RNCEP | 59072970

    Fone | Fax | 084 | 3342-2270Email | [email protected]

    Site | www.revistaeduquestao.educ.ufrn.br

    Comit Cientfico

    Ana Maria Iorio Dias | UFCAntnio Gomes Ferreira | Universidade de Coimbra

    Arden Zylbersztajn | UFSCBetnia Leite Ramalho | UFRN

    Carlos Monarcha | UNESP | AraraquaraDalila Andrade Oliveira | UFMG

    Elizeu Clementino de Souza | UNEBJoo Ferreira de Oliveira | UFG

    Joo Maria Valena de Andrade | UFRNLucdio Bianchetti | UFSC

    Karl Michael Lorenz | Sacred Heart University | Fairfield | U.S.AMaria da Conceio Ferrer Botelho Sgadari Passegi | UFRN

    Mariluce Bittar | UCDBMarly Amarilha | UFRN

    Nadia Hage Fialho | UNEBNelson de Luca Pretto | UFBA

    Nicholas Davies | UFFTelma Ferraz Leal | UFPE

    Valentn Martnez-Otero Prez | Unv. Complutense de Madrid

    Conselho EditorialMarta Maria de Arajo | Editora Responsvel

    Arnon Alberto Mascarenhas de AndradeAntnio Cabral Neto

    Maria Arisnete Cmara de MoraisAlessandra Cardozo de Freitas

    BolsistasGzia Lima Bezerra

    Nilzete Moura Santos

    CapaVicente Vitoriano Marques Carvalho

    Colaborador GrficoAntnio Pereira da Silva Jnior

    Reviso de LinguagemMagda Silva Neri

    Affonso Henriques da Silva Real Nunes

    Reviso de NormalizaoTrcia Maria Souza de Moura Marques

    Editorao EletrnicaWilson Fernandes de Arajo Filho

    IndexadoresBibliografia Brasileira de Educao

    | BBE | CIBEC | MEC | INEP

    EDUBASE | Universidade Estadual de Campinas

    Diadorim Diretrio de Informaes da Poltica Editorial das Revistas Cientficas Brasileiras

    Fundao Carlos Chagas | www.fcc.org.br

    WebQualis | www.qualis.capes.gov.br

    GeoDados | geodados.pg.utfpr.edu.br

    Indce de Revistas de Educacin Superior e Investigacin Educativa | IRESIE | Mxico D.F

    Sistema Regional de Informacin en Lneapara Revistas Cientficas da Amrica Latina,

    el Caribe, Espaa y Portugal | LATINDEX

  • Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 3-4, maio/ago. 2012

    Sumrio

    SumrioSummary

    Editorial 5 Editorial

    Artigos Articles

    Desempenho escolar e prticas culturais familiares: a relao de alunos do ensino

    fundamental II com a disciplina de HistriaKelly Ludkiewicz Alves

    7

    School performance and cultural family practice: the relationship of students with basic education II the discipline of historyKelly Ludkiewicz Alves

    As paixes da alma e a formao humana na perspectiva de Toms de Aquino

    Rafael Henrique SantinTerezinha Oliveira

    34

    The passions of the soul and human education in the perspective of Toms of AquinRafael Henrique SantinTerezinha Oliveira

    Ensinar/aprender ortografia: uma experincia na formao de professores

    Priscilla Carla Silveira MenezesMaria Estela Costa Holanda Campelo

    58

    Teach/learn spelling: an experience in teacher educationPriscilla Carla Silveira MenezesMaria Estela Costa Holanda Campelo

    Casos de ensino como estratgia de formao na temtica ambiental

    Angela Maria de Carvalho MaffiaElias Silva

    Rita de Cssia Alcntara Brana

    83

    Teaching cases as a strategy for environmental issues training Angela Maria de Carvalho MaffiaElias SilvaRita de Cssia Alcntara Brana

    Textos de divulgao cientfica: a escolha e o uso por professores de cincias

    Marcelo Borges Rocha109

    Dissemination of scientific texts: the choice and use by teachers of scienceMarcelo Borges Rocha

    A relao orientador-orientando na Ps-graduao stricto sensu no Brasil: a

    autonomia dos discentes em discussoVnia Maria Alves

    Isabel Cristina Pitz EspindolaLucdio Bianchetti

    135

    The Relationship between Supervisor-Supervisee in Graduate Studies in Brazil: the autonomy of the students in discussionVnia Maria Alves Isabel Cristina Pitz EspindolaLucdio Bianchetti

  • Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 3-4, maio/ago. 2012

    Sumrio

    Antenados, segurem essa onda: Radioescola e educao na

    rede pblica de FortalezaAlexandre Barbalho

    Tarciana Campos

    157

    Tuned, hold this wave: Radio-school and education in public school in FortalezaAlexandre BarbalhoTarciana Campos

    Planejamento e relaes de poder: antagonismos na poltica educacional

    Luciane Terra dos Santos Garcia Maria Aparecida de Queiroz

    182

    Planning and power relations: antagonisms in educational policyLuciane Terra dos Santos Garcia Maria Aparecida de Queiroz

    Documento

    Resoluo n 014/99 CONSEPE, de 2 de fevereiro de 1999

    Normas gerais para publicao na Revista Educao em Questo

    208

    212

    Document

    Resolution n 014/99 CONSEPE, february 2nd, 1999

    General rules for publications in the Revista Educao em Questo normas

  • 5

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 5-6, maio/ago. 2012

    Editorial

    Editorial

    Editorial

    A partir de 2001, pesquisadores e editores de instituies de ensino e pesquisa acompanham a avaliao dos Peridicos de Educao e a correspondente classificao para o sistema Qualis da Coordenao de Aperf eioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). Essas avaliaes dos Peridicos de Educao levaram-nos a promover a 1 Reunio de Editores das Revistas de Educao das Regies Nordeste, Norte e Centro-Oeste (Natal, 4 e 5 de agosto de 2005), o 1 Encontro de Editores de Peridicos de Educao da Regio Norte (Manaus, 19 e 20 de julho de 2007) e o 1 Frum de Editores de Peridicos Norte/Nordeste (Manaus, nos dias 23 e 24 de agosto, durante o XX Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste, 23 a 26 de agosto de 2009). Na reunio de criao do Frum de Editores de Peridicos da rea de Educao (FEPAE) no mbito da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), nos dias 19 e 20 de abril de 2012, na Universidade Federal de Pernambuco (Recife), os editores de peridicos de Educao das regies Norte e Nordeste decidiram por se reunir em Belm, na Universidade do Estado do Par, nos dias 16 e 17 de agosto de 2012, objetivando promover o intercmbio entre editores de peri-dicos de Educao, estimulando a cooperao e solidariedade institucional, com vistas a impulsionar a melhoria da poltica de publicao e de discutir a produo de peridicos de Educao de conformidade com critrios e pro-cedimentos editoriais cientficos. A organizao do IV Encontro de Editores de Peridicos de Educao das Regies Norte e Nordeste esteve a cargo das professoras Dr Ivanilde Apoluceno de Oliveira, Dr Josebel Akel Fares, Dr Tnia Regina Lobato dos Santos e Dr Maria do Perptuo Socorro G. A. Frana (UEPA); Dr Vera Jacob (UFPA) e Dr Marta Maria de Arajo (UFRN) que programaram duas oficinas com dois mdulos. O mdulo um (oficina Fontes de indexao para peridicos cientficos em Educao), ministrado pelo biblio-tecrio Gildenir Carolino Santos da Universidade Estadual de Campinas ( So Paulo) e o mdulo dois (oficina Expedientes da gesto acadmica e editorial de peridicos cientficos), ministrado pela profa. Marta Maria de Arajo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O IV Encontro de Editores de Peridicos de Educao das Regies Norte e Nordeste teve 35 inscritos, sendo vinte e seis (26) editores das seguintes instituies: Universidade do Estado

  • 6

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 5-6, maio/ago. 2012

    Editorial

    da Bahia (Revista FAEEBA Educao e Contemporaneidade); Universidade Federal do Maranho (Revista Educao e Emancipao |); Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Revista Educao em Questo); Universidade Federal do Amazonas (Revista Amaznida); Universidade Federal do Par (Revista Ver a Educao) e Universidade do Estado do Par. Os Editores participantes avaliaram como excelentes e positivos os mdulos ministrados, contribuindo para que cada Editor avaliasse criteriosamente seus peridicos, para assim atenderem aos critrios cientficos exigidos pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). Os Editores partici-pantes indicaram como encaminhamentos: i) que a Diretoria da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped) promova mais um Concurso Nacional de Peridicos Brasileiros da rea de Educao classifi-cados como B5, B4, B3, B2, principalmente, no Qualis Peridicos da Capes; ii) que a Representao dos Editores das regies Norte e Nordeste, no Frum de Editores de Peridicos da rea de Educao, promova o V Encontro de Editores de Revista de Educao dessas regies. Os Editores sugeriram que o Encontro fosse realizado em Manaus ou So Lus, devendo o prof Gildenir Carolino Santos dar continuidade parte prtica do processo de indexao, e a prof Marta Maria de Arajo aprofundar os expedientes da gesto acad-mica e editorial de peridicos cientficos, inclusive acerca do Regimento Interno de Revista Educao em Questo. A prof Marta Arajo colocou em discus-so a Representao dos Editores das Regies Norte e Nordeste no Frum de Editores de Peridicos da rea de Educao (FEPAE), provisoriamente representada por ela e pelo professor Nelson De Lucca Pretto (Universidade Federal da Bahia). Os Editores presentes indicaram os nomes das professoras Ivanilde Apoluceno de Oliveira (UEPA) e de Llia Cristina Silveira de Moraes (UFMA) para serem submetidos nova eleio da coordenao dos fruns regionais na Reunio do FEPAE na Anped em Porto de Galinhas (Pernambuco), no dia 21 de outubro de 2012. As professoras Ivanilde Apoluceno de Oliveira (UEPA) e de Llia Cristina Silveira de Moraes (UFMA) foram ento eleitas para a Representao dos Editores das Regies Norte e Nordeste no Frum de Editores de Peridicos da rea de Educao (FEPAE).

    Marta Maria de ArajoEditora Responsvel pela Revista Educao em Questo

  • 7

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Desempenho escolar e prticas culturais familiares: a relao de alunos do ensino

    fundamental II com a disciplina de HistriaSchool performance and cultural family practice: the relationship of Elementary School II students the discipline of history

    Kelly Ludkiewicz AlvesUniversidade Nacional Timor Lorosae | Timor-Leste

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Resumo

    Neste artigo avergua-se a relao entre o desempenho dos alunos na disciplina de Histria e sua origem social familiar. Com base no conceito de capital cultural, analisa--se a desigualdade entre o desempenho escolar, relacionando sucesso escolar distribuio do capital cultural entre as classes. Com dados coletados por meio de questionrios e entrevistas, e com base no desempenho dos alunos na disciplina Histria, o modo de transmisso desse capi-tal cultural familiar foi investigado com o objetivo de observar se, apesar de sua pre-sena objetiva, ele est em condies de ser transmitido pelos pais criana, de modo que ela o reverta em prticas escolares posi-tivas para um bom desempenho em Histria. A anlise aponta para a existncia de uma relao entre as prticas culturais familiares e o desempenho dos alunos na disciplina entre os alunos que tm melhores notas, observou-se a existncia de estratgias fami-liares, maior acesso a bens culturais e uma maior proximidade com o texto escrito.Palavras-chave: Capital cultural. Prticas familiares. Desempenho em Histria.

    AbstractThis article ascertains the relationship between the students' performance in the discipline of history and their social family background. From the concept of cultural capital analyzes the gap among the aca-demic performance by relating "educational attainment" of the cultural capital distribution among the classes. With data collected through questionnaires and interviews, and based on student performance in the disci-pline of history, the way of cultural capital family transmission was investigated in order to see whether despite its objective presence it is able to be transmitted by parent to the child so that he or she would revert to posi-tive school practices for a good performance in history discipline. The analysis points to the existence of a relationship among family cultural practices and students' performance in the discipline among students who have better grades, it was observed the existence of family strategies, greater access to cultural goods and greater proximity to the writing text.Keywords: Cultural capital. Family practices. Performance History.

  • 8

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Introduo

    Em minha experincia docente, observei a dificuldade que muitos estu-dantes tinham para se apropriar do conhecimento histrico escolar, o que, na maioria das vezes, parecia-me estar relacionado a problemas de leitura, de escrita e de interpretao de textos e imagens, bem como a no familiari-dade com alguns materiais didticos utilizados cotidianamente nas atividades desenvolvidas: filmes, jornais, revistas, textos literrios, histrias em quadrinhos, gravuras, mapas, grficos e tabelas, entre tantos outros.

    Em uma pesquisa sobre a relao entre o desempenho dos alunos e o capital cultural familiar (ALVES, 2012), confirmou-se a hiptese de que o acesso dos alunos a bens culturais e a existncia de prticas familiares de escolariza-o so capazes de fazer com que os alunos tenham um melhor desempenho em Histria. Seu objetivo foi o de averiguar a relao entre o capital cultural dos estudantes entendido como produto do acesso e incorporao de bens culturais e determinadas prticas familiares capazes de se reverter em um melhor desempenho na disciplina de Histria.

    Observou-se, entre os alunos com melhor desempenho em Histria, a predominncia do acesso a bens culturais associados cultura valorizada pela escola e legitimada por meio de suas prticas e mecanismos de classificao demonstrando que o rendimento escolar [...] depende do capital cultural previamente investido pela famlia. (BOURDIEU, 2010, p. 74). O consumo desses bens culturais materiais e simblicos, quando incorporado, traz aos sujeitos lucros simblicos, no interior do mercado escolar, que se refletem em seu desempenho na disciplina.

    Os dados, a seguir apresentados e analisados, coletados em parte por meio de questionrios e em parte por meio de entrevistas, contribuem para a construo de uma compreenso mais relacional dos fatores que interagem no ensino de Histria.

    Por um lado, permitem reafirmar o papel da escola como reprodu-tora das desigualdades, ao valorizar determinados bens culturais e prticas mais prximas da cultura de elite. Escola esta que organiza o culto de uma determinada cultura que, embora seja [...] proposta a todos [...], [...] est reservada de fato aos membros das classes s quais ela pertence. (BOURDIEU, 2010, p. 56). Por outro lado, a pesquisa tambm nos permite argumentar que

  • 9

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    a heterogeneidade de prticas e experincias as quais esto submetidos os sujeitos, no interior de seus grupos familiares, tambm so capazes de criar disposies e esquemas de aes passveis de ser revertidas em uma maior proximidade com as regras do mercado escolar.

    No que se refere s configuraes familiares observadas nas entrevis-tas, os quatro perfis analisados se mostraram heterogneos. (LAHIRE, 1997). Desse modo, a anlise das experincias de socializao dos sujeitos permitiu compreender de maneira mais aprofundada a relao entre a origem familiar dos alunos e sua trajetria escolar.

    Aspiraes em relao escolarizao do filho, participao na vida escolar, superviso das tarefas cotidianas dos estudantes, hbitos familiares de leitura, opes de lazer, formas de organizao do ambiente domstico e de transmisso da memria familiar foram temas privilegiados no decorrer das entrevistas. Nos relatos, evidenciam-se estratgias familiares em relao escolarizao dos jovens, que so parcialmente um produto da posio da famlia na estrutura social, que se define pelo volume de seu capital econmico e cultural o nvel de escolarizao e a ocupao dos pais mostraram-se rele-vantes para suas estratgias de ao em relao escolarizao dos filhos.

    Ainda, segundo Lahire (1997), a ordem moral domstica, bem como as formas familiares de organizao do tempo e de transmisso da memria familiar tambm foram tipos de experincias identificadas nas entrevistas como capazes de fomentar uma relao mais prxima com a Histria em que se verificam noes de temporalidade e prticas de organizao das informa-es em escala temporal.

    Por outro lado, h perfis de pais em que se observa a falta de regulari-dade e de um ambiente familiar coerente em relao s disposies escolares. Cobra-se dos filhos dedicao aos estudos por meio de aes pontuais e descontnuas que impossibilitam a formao de esquemas de ao mais estru-turados e duradouros. Esses alunos, que de forma geral no apresentam um bom desempenho escolar, tm menos chances de possuir um capital cultural que se reverta em estratgias e esquemas que foram identificados como capa-zes de ser revertidos em um bom desempenho em Histria.

    Participaram da pesquisa 47 alunos, entre 13 e 14 anos de idade, estudantes da 8 srie do Ensino Fundamental da E.E Prof. Caetano de Campos, localizada na regio central da cidade de So Paulo que junto

  • 10

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    zona oeste do municpio, possui a maior concentrao de bens culturais, alm de bons indicadores de nveis de escolaridade e renda em comparao com outras regies de So Paulo, o que aumenta a probabilidade de encontrar sujeitos que possuam um elevado capital cultural1.

    A maioria dos alunos pesquisados vive na regio central de So Paulo ou bem prximos a ela. A escolha de uma escola nessa regio para a realiza-o da pesquisa nos permitiu observar que a proximidade geogrfica com os aparelhos culturais da cidade se mostrou um fator a ser considerado quanto ao acesso dos alunos a esse tipo de bem cultural. Aponta-se para o fato de que os alunos que vivem em espaos geogrficos mais dotados de aparelhos culturais possuem maior possibilidade de acesso, seja por intermdio da escola ou da famlia, a bens culturais valorizados pela escola, tais como museus, bibliotecas e centros culturais.

    Os sujeitos foram divididos em dois grupos: o grupo 1, formado por 33 alunos que obtiveram uma mdia igual ou superior a 5,0 na soma das notas de Histria dos trs primeiros bimestres de 2011 e o grupo 2, formado por 14 alunos que, na soma das notas do mesmo perodo, obtiveram uma mdia em Histria inferior a 5,0. A diviso dos grupos, tendo como varivel a mdia das notas obtidas em trs bimestres, confirmou a hiptese de pesquisa demonstrando que os alunos que possuem maior acesso a bens culturais so aqueles que tm melhores notas em Histria.

    A escolha das famlias entrevistadas partiu da reflexo sobre alguns dos dados obtidos no questionrio. Os aspectos que foram destacados para tal no so homogneos para todos os indivduos escolhidos. Tomou-se, como ponto de partida, a necessidade de selecionar famlias cujo filho possusse desempenho diverso em Histria, e apresentassem algum tipo de caracterstica que aparecesse como possibilidade de existncia de um capital cultural dife-rente em relao ao que o grupo, de modo geral, apresentou.

    Foram realizadas quatro entrevistas em que foram consideradas caractersticas como ocupao e formao dos pais, preferncias culturais, e prticas cotidianas mencionadas pelos alunos, que pudessem revelar seu capi-tal cultural e social. Foram observados os gostos musicais, os hbitos de leitura e lazer, bem como a frequncia a aparelhos culturais da cidade.

  • 11

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    O capital cultural dos sujeitos e as relaes com o desempenho em Histria

    Embora os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de Histria enfatizem a importncia de aproximar o contedo realidade coti-diana dos alunos para que possam estabelecer relaes mais significativas entre essa rea do currculo e sua vida prtica a Histria ainda vista, por uma parcela significativa dos estudantes, como uma matria que trata exclusi-vamente do passado.

    Apesar das propostas de mtodos de ensino cada vez mais voltados para atividades de pesquisa na construo do conhecimento histrico rom-pendo com a velha frmula do aprender de cor e apesar das iniciativas normativas para romper com a viso tradicional em relao ao estudo da Histria que se refletem na produo de materiais e na formulao de cur-rculos diversificados estas no se revertem, de forma automtica, em um interesse por parte dos alunos, evidenciando uma lacuna entre as prescries e a realidade da escola e dos estudantes. (ABUD, 2001).

    O aumento da quantidade de pesquisas que buscam compreender a relao do aluno com a Histria tambm revelador desse fenmeno. So pesquisas que apontam para a interferncia, positiva ou negativa, da pr-tica docente e do ambiente escolar (COSTA, 2005; HOLLERBACH, 2007; MEINERZ, 1999), dos materiais didticos utilizados (OLIVEIRA, 2001) e do grupo familiar na relao que os alunos estabelecem com o estudo da Histria. (SILVA, 2004).

    Se, por um lado, as pesquisas desses autores evidenciam que o espao escolar e a prtica docente so fatores determinantes na relao que se estabelece entre os estudantes e a disciplina exercendo, dessa forma, alguma influncia no que se poderia chamar de distanciamento dos alunos em relao ao saber histrico escolar esta pesquisa, em particular, permite observar que as prticas familiares podem se reverter em um dado capital cul-tural dos estudantes, agindo no momento em que os alunos se encontram nas aulas de Histria. E que tais prticas familiares atuam como uma espcie de catalisador sobre as diversas dimenses que envolvem seu ensino: condies materiais, professores, materiais didticos e seu contedo.

  • 12

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Isso significa dizer que a problemtica de pesquisa deslocou-se para questes relacionadas ao ambiente externo escola, visando ampliar a com-preenso do que ocorre dentro dela. Tal preocupao a de compreender mecanismos externos vida escolar tambm faz parte do interesse crescente de pesquisadores ao longo das ltimas dcadas, que, ao situar a famlia como objeto central da pesquisa em educao, se voltam para a compreenso do universo sociocultural, suas dinmicas internas e suas interaes com o mundo escolar. Tais pesquisas procuram romper com concluses que reduzam a fam-lia apenas a sua condio de classe social, pois buscam identificar prticas familiares que possam contribuir para uma melhor escolarizao dos filhos, independentemente da condio socioeconmica. Para tal, constroem indica-dores de mobilizao ou implicao dos pais ajuda nos deveres de casa, organizao do tempo e espaos domsticos, dispndios financeiros que passam a ser objeto de anlise. (NOGUEIRA; ROMANELLI; ZAGO, 2003).

    O trabalho de Lahire (1997) foi utilizado na anlise para compreen-der as diferenas culturais existentes entre famlias cujo nvel escolar e renda so bastante semelhantes e, especialmente, porque mostra que h diferenas que se manifestam nas prticas familiares, que so capazes de se converter em diferentes nveis de adaptao escolar das crianas. Ao destacar as pr-ticas familiares em torno do texto escrito suporte este fundamental para uma relao mais fecunda com a Histria foi possvel averiguar, por exemplo, a existncia de prticas culturais capazes de interferir na relao do aluno com o saber histrico escolar.

    1. A origem familiar: escolaridade e ocupao dos pais

    Esclarece-se que, ao mesmo tempo que foram consideradas cate-gorias amplas, como por exemplo, a origem social, foram analisadas as configuraes familiares particulares, para se identificar as prticas e as formas de relaes sociais interdependentes que, mobilizadas pela famlia, podem contribuir para produo de disposies na criana que so determinantes em sua relao com o conhecimento histrico escolar.

    Apesar de a escola ser, de forma geral, valorizada entre as famlias, estas possuem trajetrias socioculturais que as distinguem entre si. So diferen-as determinantes na relao que estabelecem com a escolarizao de seus

  • 13

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    filhos e que se refletem nas estratgias diferenciadas de participao na vida escolar das crianas.

    A preocupao do trabalho foi averiguar se essas diferenas internas constituem diferenas de capital cultural, e se as diversas prticas ou expec-tativas podem contribuir ou no para o melhor desempenho dos estudantes em Histria. O conceito de capital cultural (BOURDIEU, 2010), foi utilizado como explicao para a desigualdade de desempenho escolar de crianas provenientes de diferentes classes sociais, relacionando sucesso escolar distribuio do capital cultural entre as classes e fraes de classe.

    Tal abordagem partiu do princpio de que tanto o conhecimento adquirido pelo sujeito de forma inconsciente atravs da famlia, por meio de um trabalho de manuteno e instaurao, quanto o inculcado pela escola, mediante um processo semelhante de reproduo, reverte-se em um capital cultural, gerador de determinados lucros materiais e simblicos.

    Essas disposies e prticas transmitidas de forma inconsciente pelo pai aos seus filhos se refletem em estratgias familiares, que tm como objetivo fazer com que a criana herdeiro venha a superar seu pai na posio que este ocupa na estrutura social. (BOURDIEU, 2008).

    A aceitao da herana por parte do herdeiro uma das condies necessrias para sua plena efetivao, porm, no suficiente para a garantia de tal sucesso, que passa pelo intermdio da instituio escolar. Esta classifica seus alunos e d seu veredicto tendo como instrumento a valorizao e a repro-duo do capital cultural dominante.

    A relao entre os dois veredictos da famlia e da escola varia segundo as classes e fraes de classe e reflete o modo como a famlia age ante o contrato pedaggico. Aqui cabe como questo pensarmos qual a dimenso da importncia dada pela famlia escola para que esse projeto possa se materializar. Uma resposta possvel talvez seja o tamanho das expec-tativas e/ou dependncia dos sujeitos em relao instituio escolar para a consolidao de seu projeto de herana.

    A observao dos dados revela que os pais dos alunos que possuem melhores notas 66 pais do grupo 1 tm de forma geral maior grau de escolarizao. Se isolarmos os 12 pais, em um total de 66 sujeitos total de pais e mes do grupo 1 que possuem nvel superior completo e incompleto, portanto, maior capital escolar, verifica-se que eles esto entre os alunos que

  • 14

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    obtiveram um rendimento igual ou superior mdia (grupo 1). No grupo 2 28 sujeitos h somente duas mes com nvel superior incompleto.

    Tal fato pode apontar para a existncia de maiores investimentos simblicos ou materiais por parte desses pais, no sentido de possibilitar melhor escolarizao de seus filhos. O capital econmico dessas famlias pode possibilitar, por exemplo, que viajem com mais frequncia, que tenham maiores possibilidades de visitar museus e outros tipos de instituies culturais, acesso a livros, jornais e cursos diversos.

    Ademais, foi considerado, na anlise, o fato de que os pais do grupo 1 que possuem uma escolarizao mais elevada devem, em grande parte, ao seu nvel de escolarizao, a posio ocupada na estrutura social, o que se revela em uma postura de valorizao da escola e de seu veredicto enquanto instituio chave para a garantia de futuro profissional e, conse-quentemente, para a superao de seu filho em relao a sua posio na estrutura social.

    Tabela 1Nvel de escolaridade dos pais de alunos que esto no grupo 1 e no grupo 2

    Grupo 1 Grupo 2Nvel de Escolaridade Pai Me Pai Me

    No alfabetizado - - - -EF incompleto (4 srie) 07 03 04 01EF completo (ciclos I e II) 04 09 03 02Ensino Mdio completo 09 12 02 03

    Ensino Tcnico - 01 - -Curso Superior completo 03 05 - -

    Curso Superior incompleto 04 - - 02No informou 06 03 05 06

    Total 33 33 14 14Fonte | questionrios aplicados aos alunos

    A entrevista feita com Felipa, 20 anos, irm mais velha da aluna Vanessa, 14 anos, confirmou a existncia de um forte capital cultural familiar, que se reflete, entre outras prticas, em hbitos de leitura, de valorizao da escolarizao e do conhecimento.

  • 15

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Felipa diz que sua trajetria de sucesso escolar foi decisiva, possi-bilitando-a ser aprovada no vestibular da Unesp. Porm, conta que a maior influncia veio mesmo do ambiente domstico, motivando-a a escolher a car-reira de musicista. No caso de Vanessa, essa influncia tambm se mostra presente ela j se dedica msica h algum tempo e, atualmente, est aprendendo violo.

    Em nossa conversa, foi possvel observar que a valorizao da escola e as formas de investimento familiar na escolarizao presentes nessa famlia, assim como algumas de suas prticas, esto fortemente relacionadas ao inves-timento no conhecimento como algo valorizado. Tais estratgias se mostraram determinantes para um bom rendimento escolar, em uma expectativa que ultra-passa a questo do desempenho e demonstra uma forte afinidade entre as condies objetivas dessa famlia e as pretenses quanto posio de suas filhas no universo escolar.

    O fato de os pais terem uma formao superior, e deixarem as filhas escolherem de forma espontnea a carreira que pretendem seguir, se apresenta como um indicativo de que no haja, propriamente, uma forte expectativa de ascenso profissional por meio da escola, mas, sim, o reconhecimento de sua importncia enquanto estratgia de conservao e/ou superao na estrutura social.

    Para Bourdieu, cada famlia transmite aos seus filhos um capital cultural conjunto de prticas familiares e um sistema de valores implcitos que ser decisivo em relao atitude da criana diante da escola e do tipo de saber que esta valoriza e busca transmitir aos alunos (BOURDIEU, 2010). Desse modo, ainda que o grupo familiar no possua um elevado capital escolar Ensino Superior, por exemplo a famlia, ainda assim, engendrar prticas que revelam alguma atitude em relao escola.

    Se tomarmos para a anlise os pais do grupo 1, que possuem Ensino Mdio completo e Curso Tcnico 22/66 pode-se concluir que esses devem esperar que seus filhos superem sua posio na estrutura social, o que implica a valorizao da escolarizao como meio mais direto para tal, refletindo-se, por exemplo, em uma expectativa de que seus filhos cursem uma instituio de nvel superior.

    Nessas famlias (grupo 1), observou-se a ocorrncia de investimen-tos em relao escolarizao, que podem estar limitados s possibilidades

  • 16

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    materiais desses pais, mas que, ainda assim, podem se mostrar em atitudes de valorizao da escola, como por exemplo, a participao efetiva de um mem-bro da famlia na vida escolar da criana.

    Ana, 14 anos, possui um desempenho mdio em Histria. Sua me, Snia, 53 anos, cursou o Ensino Mdio e exerce o cargo de agente-administra-tivo na escola onde ocorreu a pesquisa.

    Ao longo da conversa com Snia, o que ficou mais evidente foi o fato de que h, projetado em Ana, expectativas em relao a sua escolarizao, retratadas por meio da cobrana sistemtica que Snia faz para que Ana melhore seu rendimento escolar. Ela diz que, no decorrer do ano, ltimo do Ensino Fundamental Ana havia melhorado um pouco suas notas. Isso porque Snia fazia cobranas sistemticas filha para que fosse aprovada no exame de ingresso de uma escola tcnica. Segundo Snia, a filha gosta muito de informtica e se destaca nessa rea, ento ela acredita que esse seja o cami-nho para o incio profissional de Ana.

    Quando relembrou sua infncia, Snia disse que sua me que no frequentou a escola no via tanta importncia em sua escolarizao e par-ticipava bem pouco de suas atividades escolares. Snia gostava bastante de estudar e guarda boas lembranas de seu perodo escolar. Relatou que valo-rizava bastante a escola e relembrou que era uma aluna muito aplicada, com uma srie de expectativas em relao a sua escolarizao e a sua vida profis-sional que, por fim, no puderam se concretizar.

    Em seu depoimento, fica bastante clara a relao estabelecida entre a escola e sua carreira profissional. De fato, analisando a sua origem fami-liar, marcada pelo baixo capital escolar, a escolarizao a proporcionou, em grande medida, que chegasse a ter uma carreira no funcionalismo pblico fazendo com que Snia deva escola sua posio na estrutura social. Ao se tomar a anlise proposta por Bourdieu, compreende-se a valorizao dada escola por essa me, ao atribuir ao saber escolar a possibilidade de um bom futuro profissional para seus filhos. (BOURDIEU, 2008).

    As pesquisas que discutem as expectativas das famlias de camadas populares em relao escolarizao de seus filhos chamam a ateno para o fato de que essa expectativa em relao escola apontada pelos pais independentemente das diferenas internas que se possa observar entre as famlias. (PEREIRA, 2005).

  • 17

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    possvel que os pais do grupo 2, que possuem nveis mais baixos de escolarizao, adotem uma postura de valorizao da escola enquanto insti-tuio capaz de promover, de forma mais eficaz, a insero de seus filhos no mercado de trabalho. Entretanto, seu capital escolar e econmico os distancia a si e aos seus filhos do conhecimento e das prticas inculcados e valoriza-dos pela instituio escolar organizao do tempo e disciplina para estudo, hbitos de leitura e acesso a bens culturais. Para alguns autores, essa distncia pode se reverter no que algumas pesquisas analisam como fracasso escolar. (BRANDO, 2010; ZAGO, 2010).

    A ocupao exercida pelos pais tambm foi tomada como objeto de anlise, uma vez que parte do conjunto que define a posio que o sujeito ocupa na sociedade. Essa posio revela-se perante a estrutura social por meio do habitus, ou seja, por um conjunto de prticas e representaes classi-ficatrias dos sujeitos que permite aproxim-los no interior do espao social em grupos mais homogneos tanto quanto possvel. (BOURDIEU, 2008a).

    A relao que o sujeito estabelece com a escola e o conhecimento transmitido por ela esto relacionados posio que ele ocupa na estrutura social e reflete sua vontade de conservao e ascenso no seu interior. Quanto mais prximas ou dependentes da formao e do veredicto escolar estiverem suas estratgias, maior ser a valorizao dada escola.

    A observao dos dados relativos ocupao dos pais e mes de alunos dos grupos 1 e 2 demonstra que aqueles que exercem ocupaes que exigem maior grau de escolarizao advogado, publicitrio, funcionrio pblico, profissional da sade, professor esto entre aqueles cujos filhos pos-suem melhor desempenho em Histria.

    Os sujeitos so dotados de um senso prtico que orienta sua ao em relao aos investimentos escolares mais apropriados a sua origem social e capital cultural. Uma espcie de sistema adquirido de preferncias estruturas cognitivas duradouras produto de suas condies objetivas e de esquemas de ao que orientam sua percepo em relao situao e a resposta adequada. Isso que Bourdieu (1996) chama de princpio de vocao, atua no sentido de orientar o que tambm se costuma chamar de gosto.

    Relacionando essas estratgias de ao ao gosto pela disciplina Histria, pode-se apontar para o fato de que as famlias que possuem, por exemplo, maior familiaridade com a lngua escrita, maior frequncia e acesso

  • 18

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    a leituras diversificadas ou exeram prticas cotidianas que so demanda-das por sua ocupao fazendo com que dediquem certa quantidade de tempo ao estudo ou a tarefas de organizao de dados ou gesto de pessoas, no caso de advogados, professores, funcionrios pblicos e administrativos incentivem inconscientemente que seus filhos adotem em sua trajetria escolar investimentos que os aproximem da disciplina Histria.

    Tomando-se o habitus como foco da anlise, pode-se observar que as preferncias dos jovens em relao a uma rea do conhecimento ou dis-ciplina especfica podem, em grande parte, ser um produto de esquemas de percepo e ao adquiridos por meio da famlia. Esta, ao mesmo tempo que os familiariza, os orienta a privilegiar, por exemplo, a leitura de um livro ou a opo pela carreira de historiadora como possibilidade de futuro profissional em detrimento de outros gostos ou campos de atuao, como o caso de Vanessa. Seu pai msico e sua me funcionria administrativa. Ela manifes-tou no questionrio seu gosto pela Histria e seu desejo em fazer um Curso Superior na rea: Eu quero ser pesquisadora ou professora de universidade em Histria. (VANESSA, 2011).

    Tambm possvel estabelecer uma relao entre o nvel de escolari-dade dos pais, sua ocupao e as condies objetivas da sociedade moderna em relao suposta democratizao do acesso ao ensino mdio e supe-rior no pas. Percebe-se que uma parcela significativa da populao brasileira deve, cada vez mais, formao superior a ocupao que exerce na socie-dade o que pode apontar para a valorizao do conhecimento escolar pelos pais que possuem Ensino Superior, mas tambm por aqueles que possuem Ensino Mdio 21 sujeitos entre pais e mes do grupo 1 e cinco do grupo 2 que possuem Ensino Mdio, almejam que seus filhos tenham a possibilidade de frequentar uma instituio de Ensino Superior.

    2. Prticas dos sujeitos: acesso a bens culturais

    As pesquisas que discutem a relao entre escola e museu apontam para o fato de que, embora caiba escola a responsabilidade pela formao cientfica e humana de seus alunos, os museus, assim como outros aparelhos culturais no contexto do que se costuma chamar de educao no formal so considerados espaos importantes de aprendizagem e contribuem para a

  • 19

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    aquisio e ampliao da cultura entre as crianas e jovens. (CRUZ, 2008; CRUZ; ALVES, 2011). Os museus, em seus mais variados tipos institucionais, centros de memria, museus de arte, temticos, entre outros se apresentam como espaos fortuitos para a aquisio de conhecimentos que podem ser revertidos em capital cultural e relacionados ao saber histrico escolar.

    Quanto mais sistemtica a frequncia das crianas e jovens aos museus, maiores sero suas possibilidades de conhecer objetos tridimensio-nais, relacion-los com os textos que compem o espao expositivo e com o edifcio que, na maioria dos casos, guarda relaes com o acervo ali exposto. Apresenta-se assim o que poderia se classificar como uma relao de causa e efeito na qual o capital cultural, para ser incorporado, necessita que o indi-vduo possua os cdigos necessrios para sua aquisio. Quanto mais ele for exposto ao capital cultural, tanto maior sero suas possibilidades de aumento de seu volume. (BOURDIEU, 2010).

    O acesso a museus foi mencionado pela quase totalidade dos sujei-tos 45/47. Entre as opes de acesso presentes no questionrio em que os alunos poderiam escolher mais de uma opo a escola foi mencionada pela grande maioria dos alunos como intermediria para o acesso a essas instituies. Porm, vinte sujeitos do grupo 1 (20/33) citaram tambm visitas feitas com a famlia, com parentes e com amigos. Do grupo 2, embora sujeitos mencionem outras formas de acesso a museus alm da escola, oito desse grupo (8/14), frequentaram museus somente por intermdio da escola e um disse nunca ter visitado um museu.

    Outro dado interessante que somente dois alunos do grupo 2 (2/14), assinalaram quatro nomes de instituies dentre as opes listadas no questio-nrio. Em contrapartida, sete sujeitos do grupo 1 (7/33) marcaram quatro, ou mais, dentre os museus listados, o que demonstra que o acesso a esse bem cul-tural de forma mais sistemtica mais frequente dentre os alunos desse grupo.

    Isto reafirma, de um lado, o papel da famlia no trabalho de apropria-o de bens culturais como os museus e o fato de que este se d, em geral, entre aquelas que possuem maior formao escolar. De outro lado, evidencia o valor simblico que tais instituies possuem frente cultura valorizada e reproduzida pela escola, fazendo com que os alunos que a tenham adquirido por meio de uma formao prvia tenham maiores xitos escolares. (BOURDIEU, 2009).

  • 20

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    No caso do perfil familiar de Vanessa, a presena de capital cultural familiar mais volumoso pode retirar da escola a responsabilidade de ser esta a nica transmissora de saberes entre os membros dessa famlia. Dentre os onze museus destacados no instrumento, a aluna j visitou cinco Museu Paulista, Museu de Arte de So Paulo (MASP), Museu da Lngua Portuguesa, Pinacoteca do Estado, Museu de Arte Sacra que, segundo a irm, contribuem com a formao escolar de Vanessa: [...] porque conhecimento sobre a Histria da Arte, voc acaba tendo um conhecimento geral mais amplo e d para fazer associaes com o que voc aprende na escola. (FELIPA, 2011).

    Brbara, 14 anos, tem um bom desempenho em Histria e, em seu questionrio, citou os guias histricos2 como um de seus trs gneros literrios favoritos. Dos museus elencados no questionrio, a aluna marcou dois Museu da Lngua Portuguesa e Pinacoteca do Estado ambos situados no Bairro da Luz, bem prximos a sua residncia.

    Quando perguntei entrevistada sobre a origem da curiosa prefern-cia de Brbara por guias histricos, ela relatou:

    [...] no Museu da Lngua Portuguesa mesmo, sempre tm aquelas histrias. [] a professora deu pra eles irem na biblioteca... A eles pegam aquele monte de guias [...]. Na Pinacoteca l sempre tem tambm vrios guias que eles levam pra casa e comeam ler. O meu irmo, ele assina umas revistas que vm esses guias tambm. Ela fala que muito divertido... que eles conhecem lugares que eles nunca foram. (MARILDA, 2011).

    O acesso frequente ao texto escrito tambm contribui de forma sig-nificativa para um melhor desempenho em Histria. Para Rocha (2010), que discute a relao entre a competncia escrita compreende-se, nesse caso, a leitura e a escrita e o ensino de Histria, a instrumentalizao do aluno em relao ao texto escrito apontada pelos professores como um fator que inter-fere em seu aprendizado na disciplina. As atividades de leitura e interpretao de textos so caractersticas da rotina do trabalho em sala de aula nas diversas reas do conhecimento o que inclui a Histria.

    Partindo-se da ideia de que a aquisio de capital cultural pelo sujeito demanda uma prtica constante de incorporao e uma relativa disposio de tempo, se conclui que, quanto maior for o acesso e a frequncia aos mais variados tipos de leitura, maior ser a familiaridade dos alunos com o texto

  • 21

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    escrito. Maiores sero tambm as possibilidades desse capital cultural ser empregado por ele de forma inconsciente no momento em que esteja reali-zando a leitura e interpretao das diversas modalidades de textos que podem ser disponibilizadas pelo professor.

    A casa foi citada como o local onde a maioria dos alunos 29/47 possui maior acesso a leituras diversas. Deste total de 29/47 sujeitos que tm maior acesso leitura em casa, 20 encontram-se no grupo 1 (20/33), restando uma quantidade tambm significativa de sujeitos do grupo 2 que tam-bm possuem acesso a leituras diversas em casa (09/14).

    Esse dado pode ser, de certa forma, relativizado, j que, na ocasio da pesquisa, a escola no dispunha de uma biblioteca para acesso dos alu-nos. Porm, o expressivo nmero faz com que no se deixe de considerar o papel que a famlia possui em ambos os grupos no sentido de disponibilizar as crianas e jovens o acesso aos diversos tipos de leituras.

    Destacam-se, do questionrio, alguns gneros literrios mais citados pelos sujeitos romance, poesia, conto, fico, aventura, histrias em quadrinhos, jornais e revistas bem como aqueles que demandam certa familiaridade com a Histria para que possam ser apreciados guias hist-ricos e guias de viagem. A Tabela 3 traz, dentre as opes destacadas, os gostos mencionados por ambos os grupos.

    Tabela 3Preferncias literrias dos sujeitos dos grupos 1 e 2

    Rom

    ance

    Poes

    ia

    Cont

    o

    Fic

    o

    Polic

    ial

    Ave

    ntur

    a

    Jorn

    al

    Revi

    sta

    Gui

    a H

    ist

    rico

    HQ

    Gui

    a de

    V

    iage

    m

    Grupo 1 15 12 04 11 14 05 02 19 01

    Grupo 2 07 03 01 05 05 03 - 03 -

    Total 22 15 05 16 19 08 02 22 01

    Fonte | questionrios aplicados aos alunos (puderam marcar trs opes); um sujeito no respondeu

  • 22

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    De forma geral, se observa que os sujeitos pesquisados, de ambos os grupos, costumam ler com certa frequncia apenas cinco de um universo de 47 disseram no gostar de ler. Destaca-se, dos dados apresentados, a prefe-rncia por alguns gneros literrios romance, aventura e Histrias em Quadrinhos (HQ). Se relacionados com uma das preocupaes desse traba-lho a saber, a busca de bens culturais que possam contribuir para um melhor desempenho dos alunos na disciplina de Histria e, nesse sentido, contribuir para fornecer elementos para a prtica docente tais gneros se apresentam como instrumentos a serem utilizados pelos professores como opes didticas.

    Os professores de Histria tm como possibilidade explorar, junto aos estudantes, quais os gneros com que possuem familiaridade, como as HQ ou os livros de aventura da srie Harry Potter citada por todos os pais entrevista-dos como uma das leituras favoritas das crianas.

    Esses suportes podem ser trabalhados com o objetivo de auxiliar os alunos a superar suas dificuldades em relao competncia escrita, con-tribuindo para o aprendizado em Histria. Eles tambm tm o potencial de promover entre os alunos o interesse em conhecer outros gneros literrios menos citados e, consequentemente, aumentar o volume de seu capital cultural.

    Quanto aos ttulos de livros, citados pelos sujeitos, 31 deles, entre os alunos do grupo 1 (31/33), citaram ao menos um nome de livro, sendo que, desse universo, cinco mencionaram dois ou mais ttulos. No grupo 2, apenas um sujeito citou dois ttulos de livros lidos e 10 (10/14) mencionaram um ttulo. Esse dado contribui para confirmar o fato de que entre o universo de sujeitos que fizeram parte da pesquisa h bom acesso leitura uma vez que a grande maioria citou ao menos um ttulo. Em contrapartida, tambm, revela que a frequncia leitora maior entre os sujeitos do grupo 1 onde esto aque-les que puderam citar mais ttulos de obras.

    Vanessa costuma ter acesso aos livros em casa e citou como gneros preferidos romance, poesia e policiais e aventura. Os textos citados por Vanessa revelam aspectos constitutivos de seu capital cultural e de sua relao e gosto pela Histria. So todos textos de poca datam dos sculos XVI e XIX que tratam de um universo cronolgico bastante amplo e se caracteri-zam como grandes narrativas sobre personagens, fatos e contextos histricos diversos.

  • 23

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    A familiaridade com tais obras literrias possibilita a Vanessa ter instru-mentos conceituais e conhecimento sobre caractersticas sociais, econmicas e polticas retratadas nas obras de fico, alm de contribuir para que tenha uma relao mais consistente com noes de temporalidade histrica. Por fim, a familiaridade com o objeto livro e com o texto escrito tambm fornece a Vanessa maiores investimentos no desenvolvimento de sua capacidade leitora, permitindo-a ler e interpretar de forma mais aprofundada os textos trabalhados nas aulas de Histria.

    O convvio prximo com a irm mais velha tambm a possibilita a formao de um capital social que decisivo em sua relao com o conheci-mento e com a escola, permitindo que seja apresentada a obras literrias que foram citadas por Vanessa no questionrio:

    No ltimo aniversrio dela, teve um amigo meu, ele perguntou: o que eu dou para sua irm? E a gente ficou pensando que livros seriam legais de ela ler agora com 14 anos. Ele decidiu dar trs comdias de Shakespeare pra ela. [...] Ela quando descobriu a Jane Austen e a Emily Bront, ela ficou fascinada e passou a querer ler sempre mais. (FELIPA, 2011).

    Pablo, 14 anos, primo de Brbara com quem estuda na mesma turma, possui, igualmente sua prima, um bom desempenho em Histria. Apesar de sua me no possuir um elevado capital escolar parou os estudos quando concluiu o Ensino Fundamental a famlia possui muitos livros em casa, de diversos temas e reas aos quais Bruna e Pablo tm acesso. Ele gosta de ler e costuma pedir e ganhar livros de presente, demonstrando ter uma relao de proximidade com a cultura escrita.

    Quanto Brbara, a entrevistada diz que ela l menos, mas que tem comeado a ler com mais frequncia, por influncia do primo. No questio-nrio, Brbara citou alguns ttulos de obras que demonstram a existncia de uma influncia efetiva de Pablo em seus hbitos de leitura, no momento em que ambos compartilham do que chamamos de experincias de socializao. (LAHIRE, 2002).

    Pablo aprecia os livros de aventura e costuma l-los com frequncia. Nessas obras que trazem grandes narrativas sobre personagens e pocas, Pablo tem a possibilidade de adquirir conhecimento e instrumentos conceituais,

  • 24

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    que, medida que so incorporados como capital cultural, esto suscetveis de ser relacionados ao conhecimento histrico a que tem acesso na escola:

    L em casa tem vrios tipos de livros, o Pablo pega pra ler. Ele gosta muito de ir na biblioteca. Ele gosta de coisas que ele entra na histria. Acho que por isso que ele gosta muito do Harry Potter, porque tm vassouras... poes mgicas, acho que ele se envolve com isso. (MARILDA, 2011).

    Amanda, 14 anos, no possui notas que revelem um bom desempe-nho em Histria. Sua me atriz e, na ocasio, estava cursando psicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o que, a princpio, poderia contribuir para que Amanda tivesse estratgias e disposies lucrativas no universo esco-lar. Mas, apesar da postura de valorizao da escolarizao e da dedicao que tem em relao vida escolar da filha, Amanda no se caracteriza como uma aluna que tenha sucesso na escola suas notas permaneceram abaixo da mdia ao longo de todo o ano letivo.

    Analisando mais atentamente esse perfil, essas disposies e experin-cias parecem como sugere Lahire (1997) no estar em condies de ser transmitidas Amanda. Ao contrrio, elas parecem no se refletir diretamente em disposies escolares, por exemplo, quanto prtica de dedicar um tempo aos estudos ou leitura, como a me costuma fazer nas vsperas das provas da faculdade.

    Amanda eu tenho prova amanh, ento esquece que no tem novela hoje. Desligo tudo e fico estudando. E ela fica de saco cheio! Me, voc j acabou? Quero ver televiso! Esse tipo de coisa, que eu pensei que pra ela fosse servir de exemplo, n? (RENATA, 2011).

    preciso atentar para o fato de que no basta haver determinado tipo de prticas ou, neste caso, de disposies para o estudo. preciso que haja tambm um mecanismo efetivo de transmisso para que estas sejam revertidas em prticas escolares positivas. (LAHIRE, 1997). Talvez o ambiente formal e silencioso que assume a casa nos momentos em que a me se dedica aos estu-dos que significa inclusive o rompimento com o cotidiano, ao que parece marcado pelos programas de TV faz com que Amanda identifique o tempo

  • 25

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    de estudo e leitura como uma tarefa chata fazendo com que ela renegue e se distancie dessa disposio.

    Acrescenta-se o fato de Amanda no ter hbitos de leitura frequentes, apesar da existncia de alguns volumes na casa e do fato de a me colocar sua disposio alguns materiais de leitura que poderiam aproxim-la da cultura escrita, como uma coleo da Revista de Histria da Biblioteca Nacional:

    So vrias. Ela j pegou umas, que tinha a ver com o trabalho que ela estava fazendo, que era da Repblica do Caf... ela pegou algumas coisas daqui que ela conseguiu aproveitar. Ela tambm costuma presente-la com as leituras da moda que Amanda pede de presente: Ela me encheu o saco por causa do Crepsculo. Ai eu comprei o Crepsculo, ela jogou pra l. A, agora ela t com aquele Marley e Eu, que faz ! (RENATA, 2011).

    O perfil de Amanda revela que, apesar de seu acesso ao capital cultural objetivado, ele no se encontra em condio de ser revertido em capital cultural incorporado e, logo, em um saber que possa lhe render lucros escolares, como por exemplo, tirar boas notas em Histria. Ao que parece cotidianamente Amanda no realiza prticas capazes de ajud-la a ter mais xito na escola. Para que essas experincias sejam revertidas em capital cultu-ral, seria necessrio um processo de aquisio e incorporao que demanda tempo. Hbitos frequentes de leitura e disciplina de estudos poderiam possi-bilitar a Amanda uma trajetria escolar de maior xito. No entanto, o pouco contato com a cultura escrita, as ocasies espordicas de estudo e leitura, e a existncia de uma frgil ordem moral domstica aparecem como caractersti-cas de seu perfil. (LAHIRE, 1997).

    A anlise dos dados aponta para a predominncia de prticas prxi-mas da escolarizao frequncia a museus, hbitos de leitura entre aqueles que possuem melhor desempenho na disciplina de Histria. Esses pais incen-tivam, de forma inconsciente, que seus filhos adotem prticas escolares que resultem em uma trajetria escolar de investimentos que possam ser revertidos em um bom desempenho na disciplina Histria melhor competncia escrita, maior facilidade em organizar as informaes em uma escala temporal e clas-sificatria, familiaridade com obras de arte, objetos e textos.

    Os dados relativos ao universo de sujeitos pesquisados nos fornecem, no entanto, subsdios que apontam para a existncia de uma heterogeneidade

  • 26

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    entre o grupo que apontada tambm por outros autores. (ZAGO, 2010). Essa heterogeneidade resulta em experincias e prticas de certa forma diver-sificadas, mas que tm o potencial de gerar prticas escolares positivas. De forma geral, os estudantes assinalam um gosto diverso por gneros literrios e uma frequncia relativa de acesso leitura j que a maioria dos sujeitos citou, ao menos, um ttulo de livro lido. Acrescenta-se o fato de que quase todos dis-seram j haver frequentado um museu.

    As famlias podem realizar diversas formas de estmulo leitura e escrita que resultam em formas tambm variadas denominadas, por Lahire (2002, de graus mais ou menos elevados de energia e coerncia no trabalho educativo. Os estmulos familiares podem ser variados, como por exemplo, propiciar o acesso das crianas aos livros de seu interesse, a HQs que, por seu custo menor, pode ser lida com mais frequncia , ou at mesmo, a criao de um ambiente de estmulo leitura e escrita em casa. Foram identifi-cados tambm, nos perfis analisados, pais que conversam com os filhos sobre as tarefas escolares e leituras realizadas, que os presenteiam com materiais de escrita e leitura diversos, que organizam agendas. Essas prticas so capazes de fazer com que seus filhos possam desenvolver a competncia leitora de forma mais satisfatria.

    Segundo Silva (2004), para que o aluno desenvolva a competncia leitora, necessrio que haja um rduo trabalho de construo dos esque-mas necessrios para a apreenso do texto. Tal desenvolvimento no se d de forma natural, tampouco homognea entre os sujeitos, mas, ao contrrio, demanda acesso a textos de tipos variados, mas que, de algum modo, tenham o potencial de resultar em operaes relacionadas habilidade leitora. Essas competncias fundamentais para a compreenso de gneros textuais dos mais variados suportes so tambm decisivas para que se estabelea uma relao mais profcua entre os estudantes e o ensino da Histria, que demanda uma estreita relao com o trabalho por meio de recursos textuais diversificados.

    Desse modo, a utilizao desses suportes em sala de aula roman-ces, livros de aventura, HQs, contos, poesia capaz de auxiliar o professor no sentido de atingir os objetivos propostos para sua disciplina. Contribuem para que seus alunos tenham a possibilidade de melhor desenvolver a leitura e a escrita, ferramentas essenciais para o pleno desenvolvimento do indivduo e das habilidades necessrias para a aquisio do conhecimento em um pro-cesso contnuo que ultrapasse os limites da vida escolar.

  • 27

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    3. Prticas mais distantes da escolarizao

    Voltando-se para a ideia da pluralidade de experincias observada ao analisar os sujeitos no que se refere s suas prticas, e consequentemente, sua constituio enquanto grupo, sero discutidos os dados relativos a certas prticas mais distantes da escolarizao, mas que podem propiciar aos indiv-duos o acesso a bens culturais. Ademais, tambm atuam na formao de uma rede de relaes capital social que pode fomentar aos sujeitos o acesso e o gosto por prticas e bens culturais capazes de exercer influncias no desem-penho escolar.

    Os dados relativos ao acesso dos alunos a cursos diversos demonstram que os hbitos culturais que podem ser revertidos em capital social cursos de artes, idiomas e msica so predominantes entre sujeitos com maior desem-penho em Histria. Do total de 23/47 estudantes que frequentam algum curso ligado arte artes plsticas, teatro, dana e msica 15/47 esto no grupo 1 e 8/47 no grupo 2. Vinte alunos disseram frequentar cursos de idiomas, destes 15/47 so do grupo 1 e 5/47 do grupo 2. Quanto aos instrumentos musicais, dezesseis alunos disseram tocar algum instrumento, mesmo no tendo frequentado cursos, destes 12/47 esto no grupo 1; e 4/47, no grupo 2.

    Nesses espaos, os estudantes tm a possibilidade de estabelecer laos de convivncia e amizade que podem ser revertidos em lucros escolares, bem como a oportunidade de interagir com pessoas que conheam obras de arte, literrias ou musicais. Ao serem apresentados a um movimento artstico ou cultural, no caso da msica, por exemplo, o estudante tem a possibilidade de relacion-lo a um determinado contexto histrico e, assim, dispor de mais elementos para se apropriar desse conhecimento escolar. Esse capital cultural pode ser aplicado na escola no momento do estudo das diversas reas do conhecimento, mas tambm da Histria, pois fornecem cdigos necessrios para a apropriao do conhecimento. (BOURDIEU, 2010).

    O fato de tocar um instrumento musical demanda certa disciplina e prtica constantes, alm da necessidade do conhecimento de partituras ou cifras, e do estudo cotidiano para que possa aperfeioar-se no instrumento. Tais prticas relacionadas msica estudo, organizao do tempo e disciplina no esto distantes das prticas escolares; ao contrrio, tm o potencial de contribuir de forma significativa para uma trajetria escolar bem-sucedida. Se relacionadas ao desempenho em Histria, elas tambm podem se mostrar

  • 28

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    eficazes no que tange organizao em uma escala temporal e a maior instru-mentalizao na competncia leitora.

    Dos gneros musicais mencionados como preferidos, os alunos do grupo 1 foram os que citaram aqueles mais distantes dos gneros diretamente voltados para o mercado comercial, aos quais os jovens costumam ter maior acesso devido grande veiculao nos meios de comunicao de massa. Desse grupo, dois sujeitos citaram msica clssica (2/47) como seu gnero preferido. Ademais, quatro (4/47) puderam citar nomes de cantores de MPB e samba, alm de oito (8/47) que citaram nomes de bandas de Rock.

    A frequncia com que assistem a filmes tambm se mostra mais pre-dominante no grupo 1 dos 19/47 que disseram assistir a filmes com muita frequncia 14 esto nesse grupo. Os gneros preferidos aparecem de forma bastante diversificada, com a predominncia dos tipos mais comuns com-dia, aventura, terror, policiais revelando que o acesso dos estudantes a filmes, de forma geral, ainda est restrito s produes mais comerciais.

    Como opes que denotam um maior capital cultural foram destaca-dos os documentrios, as biografias, os filmes histricos e os nacionais. Dos sujeitos que mencionaram esses gneros como um dos trs preferidos, todos esto no grupo 1: 03/47 que marcaram documentrios, 02/47 que marcaram filmes nacionais, 02/47 que marcaram biografias e 06/47 que marcaram filmes histricos.

    O acesso internet foi citado de forma geral como a opo de lazer mais praticada pelos estudantes em seu tempo livre, o que corrobora dados que revelam um aumento considervel do acesso internet por parte da populao brasileira nos ltimos anos (IBGE, 2010). Por fim, importante problematizar, no entanto, se o acesso cada vez mais frequente rede pode propiciar aos seus usurios um significativo aumento no acesso informao, cujo reflexo seria um efetivo processo de democratizao do conhecimento fomentado por esse veculo.

    De qualquer forma, sabe-se que, diante da infinidade de recursos dis-ponibilizados pela internet, h aqueles que, por sua natureza e funo, so capazes de propiciar a troca de ideias e informaes, bem como o estabele-cimento de redes ou grupos de discusso, como o caso de algumas redes sociais Twitter, Facebook etc., ou de sites em que se pode ter acesso a vdeos de contedos diversos You Tube e similares. H tambm ambientes

  • 29

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    privilegiados de acesso a notcias e informaes diversificadas como os sites de jornais e revistas, os de pesquisa Google e similares e os institucionais (museus, teatros, cinemas).

    Do grupo 1, 21/47 sujeitos de um total de 33/47 - marcaram o acesso a internet como uma atividade de lazer praticada em seu tempo livre. Desses, 12/21 citaram sites de pesquisa contra dois do grupo 2 (2/14) como um dos trs ambientes mais visitados na web. Os trs que disseram navegar em sites de jornais e revistas esto no grupo 1 (3/33), assim como o nico que costuma acessar sites institucionais. Utilizar e-mail tambm um hbito de oito alunos do grupo 1 (8/33) dentre os 09/47 que marcaram essa opo. As redes sociais 22/33 (G1) e 9/14 (G2) e os sites como o You Tube 20/33(G1) e 6/14 (G2) so frequentes entre ambos os grupos.

    Quando perguntados se utilizam a internet como fonte para seus traba-lhos de Histria, a maioria de sujeitos do grupo 1 29/33 costuma utilizar a rede como fonte de pesquisa para seus trabalhos. No grupo 2, a metade da amostra 7/14 cita a rede como fonte para seus trabalhos. Isso de alguma forma aponta para o fato de que alguns alunos utilizam a rede como forma de acesso a informaes e a conhecimentos diversos que podem contribuir para um melhor desempenho na disciplina.

    Os locais frequentados pelos sujeitos como opo de lazer em famlia revela uma predominncia de prticas frequncia a cinema e teatro, via-gens, programas gastronmicos e passeios em geral que demandam maior volume de capital econmico entre os sujeitos do grupo 1, que so aqueles cujos pais possuem maior grau de escolarizao e ocupaes mais bem remu-neradas. Se comparados com o grupo 2, os do primeiro grupo indicam assistir menos a TV como opo de lazer em famlia.

    O espao que os indivduos ocupam na estrutura social determi-nado, em sua base, pelo volume de capital econmico que detm , por sua vez, decisivo para que os alunos do grupo 1 possuam maiores possibilidades de acesso a prticas culturalmente valorizadas cuja apropriao resulta na incorporao de um volume tambm maior de capital cultural. Revela-se, mais uma vez, a existncia de uma distncia entre as expectativas e prticas valori-zadas pela escola e a possibilidade material de acesso daqueles que detm menor volume de capital econmico, ou que possuem um gosto ou estilo de vida que os afasta cada vez mais desses bens e prticas culturais.

  • 30

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Consideraes finais

    Os alunos vivem e compartilham experincias nos mais diversos espaos sociais onde esto presentes famlia, amigos, escola, comunidade capazes de interferir e interagir em sua relao com o conhecimento escolar. Tais experincias so incorporadas pelos agentes estruturando sua subjetivi-dade, orientando sua ao, suas prticas, refletindo-se em um capital cultural valorizado pela escola e, por isso, capaz de trazer a esses sujeitos lucros no campo escolar. (BOURDIEU, 2010).

    A pesquisa demonstrou maior volume de capital cultural e presena de prticas culturais valorizadas pela escola entre os indivduos do grupo 1, que podem assim ser revertidas em prticas escolares positivas. O acesso a aparelhos culturais, hbitos de leitura, acesso a cursos extraescolares cuja frequncia pode se reverter em capital social maior familiaridade com instru-mentos musicais, bem como a preferncia por gneros musicais e literrios culturalmente valorizados, aparecem com mais frequncia entre esses alu-nos. A pesquisa possibilita evidenciar que o acesso dos alunos cultura no ambiente familiar faz parte do processo de aquisio do conhecimento o que demanda a existncia de polticas educacionais distributivas de bens culturais a fim de garantir que a formao cultural e o acesso de todos ao conhecimento ocorra de forma mais igualitria.

    Aos professores de Histria, a pesquisa contribui para a compreenso de uma das dimenses que envolvem o ensino dessa disciplina, revelando que a origem cultural e social dos alunos interfere na aquisio de prticas necessrias para um melhor desempenho em Histria. Desse modo, espera--se possibilitar aos professores maiores subsdios para a compreenso de sua prtica e para a elaborao de estratgias de ao capazes de garantir que seus alunos tenham acesso ao conhecimento histrico escolar, aproximando-os dessa disciplina que estabelece relaes to prximas com o presente e com o trabalho humano de transformao do mundo.

    Notas

    1 Foi determinado como critrio para a escolha da escola a observao de indicadores como o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) de regies distintas da cidade de So Paulo e de dados mais especficos como escolaridade mdia dos pais, renda mensal e distribuio dos aparelhos culturais da cidade. (SPOSATI, 2000; BOTELHO, 2004).

  • 31

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    2 Publicaes que tratam de temas variados sobre histria do Brasil e do mundo utilizando uma lin-guagem mais informal e interativa, mas sem abrir mo de informaes relevantes sobre contextos histricos. Disponvel em: universoliterario.blogspot.com. Acesso em: 8 fev. 2012.

    Referncias

    ABUD, Ktia Maria. Conhecimento histrico e ensino de histria: a produo de conheci-mento histrico escolar. In: Encontro Regional de Histria, 14., 2001, Bauru. Anais... Bauru: EDUSC, 2001.

    ALVES, Kelly Ludkiewicz. O desempenho escolar de estudantes concluintes do ensino Fundamental II na disciplina de histria e as prticas culturais familiares. 2012. 130 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2012.

    BOTELHO. Isaura. Os equipamentos culturais na cidade de So Paulo: um desafio para a gesto pblica. Espaos e Debates Revista de Estudos Regionais e Urbanos, So Paulo, n. 43/44, p. 1-19, jan./dez. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 19 mar. 2011.

    BOURDIEU, Pierre. Razes prticas: sobre a teoria da ao. Traduo Mariza Corra. Campinas: Papirus,1996.

    ______. A misria do mundo. Traduo Mateus S. Soares de Azevedo. 7. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2008.

    ______. A distino: critica social do julgamento. Traduo Daniela Kern e Guilherme Joo de Freitas Teixeira. So Paulo: Edusp, 2008a.

    ______. Reproduo cultural e reproduo social. In: MICELLI, Srgio (Org.). A economia das trocas simblicas. Traduo Srgio Micelli, Silvia de Almeida Prado, Snia Micelli e Wilson Campos Vieira. 6. ed. So Paulo: Perspectiva, 2009.

    ______. Escritos de educao. In: NOGUEIRA, Maria Alice, CATANI, Afrnio (Org.). 11. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2010.

    BRANDO, Zaia. Sucesso e fracasso escolar no contexto das relaes famlia e escola. In: Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino, 15., 2010. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.

    COSTA, Edvaldo Carlos Ferreira da. Dilogos na escola: o professor de histria em fase de transio. 2005. 147 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao

  • 32

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    em Semitica, Tecnologias de Informao e Educao, Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, 2005.

    CRUZ, Livia Lara da. Magistrio e cultura: a formao cultural dos professores e sua per-cepo das potencialidades educativas dos museus de arte. 2008. 122 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2008.

    CRUZ, Livia Lara da; ALVES, Kelly Ludikiewicz. Docncia formao e gosto pelas artes: uma tentativa de compreenso. JUSTAMAND, Michel; MENDES, Lilian Marta Grisolio (Org.). In: Histria e representao: cultura, poltica e gnero. Rio de Janeiro: Editora Achiam, 2011.

    FELIPA. Entrevista. So Paulo, 24 maio. 2011.

    HOLLERBACH, Joana DArc Germano. O jovem e o ensino de histria: a compreenso do conceito de Histria por alunos do ensino mdio. 2007. 167 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

    LAHIRE, Bernard. O sucesso escolar nos meios populares: as razes do improvvel. Traduo Ramon Amrico Vasques e Sonia Goldfeder. So Paulo: Editora tica, 1997.

    ______. O Homem plural: os determinantes da ao. Traduo Jaime Clasen. Petrpolis: Editora Vozes, 2002.

    MARILDA. Entrevista. So Paulo, 15 jun. 2011.

    MEINERZ, Carla Beatriz. Representaes de histria na escola: construo do conheci-mento histrico e construo de si mesmo. 1999. 79f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.

    NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Org.). Famlia e escola: trajetrias de escolarizao em camadas mdias e populares. 2. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2003.

    OLIVEIRA, Marilon Cunha. A histria do Brasil no ensino fundamental e mdio e a forma-o do cidado: uma anlise qualitativa da prtica pedaggica e do discurso do professor. 2001. 107 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2001.

    PEREIRA, Adriana da Silva Alves, Sucesso escolar de alunos dos meios populares: mobili-zao pessoal e estratgias familiares. 2005. 219 f. Dissertao (Mestrado em Educao)

  • 33

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 7-33, maio/ago. 2012

    Artigo

    Programa de Ps-Graduao em Educao, Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.

    Renata. Entrevista. So Paulo, 29 jun. 2011.

    ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. A escrita como condio para o ensino e a aprendiza-gem de histria. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 30, n. 60, dez. p. 121-142, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 20 out. 2011.

    SILVA, Roseli Correia da. O papel da famlia na construo social do tempo e do sentido do passado pelas crianas. 2004. 186 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

    SILVA, Vitria Rodrigues e. Estratgias de leitura e competncia leitora: contribuies para a prtica de ensino em Histria. Histria, So Paulo, v. 23, n. 1-2, p. 69-83, 2004 (2004a). Disponvel em: . Acesso em: 20 out. 2011.

    SPOSATI, Aldaza (Coord.). Mapa da excluso/incluso social da cidade de So Paulo/2000: dinmica social dos anos 90. So Paulo: Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas Sociais PLIS/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE/Pontifcia Universidade Catlica, 2000.

    VANESSA. Questionrio. So Paulo, 06 maio. 2011.

    ZAGO, Nadir. O fracasso no contexto da relao famlia-escola. In: Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino, 15., 2010. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.

    Profa. Ms. Kelly Ludkiewicz AlvesDocente visitante Universidade Nacional Timor Lorosae | Timor-Leste

    Doutoranda da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo | So PauloPrograma de Estudos Ps-Graduados | Educao: Histria, Poltica,

    Sociedade | PUC So PauloGrupo de Pesquisa | Histria das Disciplinas Escolares e dos Livros Didticos

    E-mail | [email protected] 13 set. 2012

    Aceito 28 nov. 2012

  • 34

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    As paixes da alma e a formao humana na perspectiva de Toms de Aquino

    The passions of the soul and human education in the perspective of Toms of AquinKelly Ludkiewicz Alves

    Rafael Henrique Santin Centro Universitrio de Maring

    Terezinha Oliveira Universidade Estadual de Maring

    Resumo

    Este artigo trata da importncia da sensibili-dade para a formao humana em Toms de Aquino, telogo e filsofo italiano do sculo XIII. Nosso objeto composto pelas paixes da alma, consideradas pelo telogo-filsofo na primeira seo da segunda parte da Suma Teolgica. Para o desenvolvimento de nossas reflexes, nos pautamos nos pres-supostos terico-metodolgicos da Histria Social, principalmente por meio das formu-laes de Marc Bloch (2001). De acordo com esse autor, o passado pode nos ensinar, por meio dos estudos histricos, sobre a natu-reza do homem e da sociedade, servindo aos homens do presente como fundamentos do agir. Nesse sentido, acreditamos que o estudo das obras de Toms de Aquino, na perspectiva da Histria da Educao, pode contribuir para pensarmos sobre as relaes educativas, tema bastante caro para ns atualmente.Palavras-chave: Histria da Educao Medieval. Suma Teolgica. Paixes da alma.

    AbstractThis article addresses the importance of sen-sitivity to human development in Toms of Aquin, a Italian philosopher and theologian of the thirteenth century. Our object is compo-sed by the passions of the soul, considered by the theologian-philosopher in the first section of the second part of the Summa Theologica. For the development of our thoughts, we have based in the Social History, espe-cially through the formulation of Marc Bloch (2001). According to this author, the past can teach us, by means of historical studies on the nature of man and society, the men served as the foundation of this act. We believe that the study of the works of Toms of Aquin in the light of History of Education, can help to think about the educational relationships, a theme very dear to us today.Keywords: History of Medieval Education. Summa Theologica. Passions of the soul.

  • 35

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    Consideraes iniciais

    Este artigo trata da relao entre paixo da alma e educao na Suma Teolgica de Toms de Aquino. Para o desenvolvimento das ideias aqui presen-tes, partimos do segundo captulo de nossa dissertao de mestrado, intitulada O amor como princpio educativo em Toms de Aquino, defendida no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring.

    O objetivo desse artigo compreender a concepo tomasiana de paixo da alma e sua importncia para a formao humana. Vale ressaltar que paixo da alma, no mbito desse estudo, no deve ser entendido como entendemos a palavra paixo atualmente. Paixo da alma, para mestre Toms, corresponde ao princpio das aes de todo ser vivente. So os senti-mentos, instintivos nos animais irracionais e intelectivos no homem, que movem os seres ao.

    Nossa pesquisa se insere no campo da Histria da Educao e par-timos dos pressupostos da Histria Social para o desenvolvimento de nossas reflexes. Ns nos fundamentamos principalmente em Bloch (2001), que afirma a necessidade da pesquisa histrica compreender o passado sem julg--lo e numa perspectiva de totalidade. Alm disso, esse autor afirma que o historiador procura entender o passado preocupando-se com os problemas do presente. Entendemos essa ideia no sentido de buscarmos no passado alguns elementos capazes de nos esclarecer sobre a natureza do homem e das rela-es sociais. Acreditamos que as obras de Toms de Aquino, consideradas no contexto de sua elaborao, o Ocidente do sculo XIII, podem nos fornecer ensinamentos sobre o homem e as relaes que estabelecem com a natureza e com a sociedade.

    Toms de Aquino foi um renomado telogo e filsofo italiano, nascido entre 1224 e 1225 e morto em 1275. (CHENU, 1967). Viveu em algumas das cidades mais importantes da poca, mas foi em Paris que se destacou como intelectual e professor universitrio. Ingressou na Ordem Dominicana entre 1244 e 1245, contrariando o desejo de sua famlia. (CHENU, 1967). Ele viveu, portanto, algumas das principais transformaes que estavam em curso no sculo XIII, como o renascimento e o desenvolvimento citadino, o nascimento das universidades e das Ordens mendicantes. (OLIVEIRA, 2005). Essas so as condies que nos permitem estudar as suas obras.

  • 36

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    A Suma Teolgica, nossa fonte principal, uma obra escrita para os alunos de Toms de Aquino da faculdade de Teologia. um livro destinado, portanto, ao ensino. Alm disso, a forma como foi escrita reflete o mtodo que o autor contribuiu para aprimorar, que o mtodo da disputa.

    Verger (1990) explicita que o ensino no sculo XIII tinha dois pilares fundamentais: a lectio e a disputa. A lectio, ou aula, consistia na leitura atenta dos textos de autores considerados autoridades da disciplina em questo. O mestre ou o bacharel realizava a leitura, parando em alguns momentos para esclarecer algum ponto fulcral para a interpretao das autoridades. Existiam as aulas ordinrias, ministradas pelos mestres; e as extraordinrias, pelos bacharis. A disputa era o exerccio mais original da Universidade e o mais caracterstico do mtodo escolstico, pois era no debate que se observava como mestres e estudantes esforavam-se para resolver questes pertinentes quela sociedade, buscando abarcar a totalidades desses problemas.

    Nunes (1979) destaca algumas das principais caractersticas da disputa:

    A disputa quaestio disputata nasceu da lectio atravs da ques-to e se tornou exerccio autnomo prprio do mestre universitrio que a organizavam para os seus estudantes. Ocorria no perodo vespertino e era sustentada pelos bacharis ou pelo prprio mestre com a participao dos alunos que propunham objees. A dis-puta de quolibet era uma questo extraordinria ou disputa solene realizada duas vezes por ano, perto do Natal e da Pscoa. Nessa ocasio, os mestres de teologia ou de artes sustentavam uma dis-puta em que os temas eram imprevistos por serem escolhidos na hora pelos assistentes e as perguntas podiam referir-se a qualquer assunto. Da o nome dessa disputa: de quolibet. As Quaestiones quodlibetales constituem o modelo primoroso do gnero. Como diz Chenu, a disputa era o torneio dos clrigos. No dia marcado, sob a direo do mestre, o bacharel sustentava a disputa contra douto-res, bacharis e estudantes numa verdadeira desordem de temas, ataques e respostas. Noutro dia, o mestre ordenava o assunto e procedia determinatio, isto , resolvia de modo autorizado e categrico a questo. Desse modo, a universidade medieval era um ambiente animado pelas investigaes, pelos debates e pela atividade dos alunos e professores. Nela no existia esse processo didtico exclusivo, montono e rotineiro de meras aulas expositivas e de modo algum os alunos se mostravam ouvintes passivos a repe-tirem cegamente as palavras do professor. O mtodo extravagante

  • 37

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    do magister dixit foi inveno antiga dos pitagricos que nunca se acomodou aos processos ativos e vivazes do mtodo escols-tico, mas que se perpetuou nas prticas da escola renascentista decadente, do sculo XVII quase at os nossos dias, quando a renovao didtica da pedagogia moderna retomou o esprito e as tcnicas da universidade medieval. (NUNES, 1979, p. 250).

    A prtica do debate foi o exerccio mais importante na Universidade e do mtodo escolstico de ensino nela desenvolvido, de modo que esta era uma instituio viva, animada pelo apreo que alunos e professores tinham pelo conhecimento.

    Havia duas formas de debates: as questes disputadas e as de quo-libet. As primeiras eram realizadas periodicamente, no turno vespertino, e tinham como temas as leituras feitas nas aulas matinais. As segundas aconte-ciam uma ou duas vezes ao ano, normalmente em datas significativas, como a Pscoa, e no tinham tema predeterminado. Estas ltimas, segundo Verger (1990), desenvolviam-se em torno de problemas da sociedade do sculo XIII, o que ilustra o comprometimento da Universidade medieval com as questes prprias de seu tempo.

    Podemos visualizar, ainda, a estrutura desses debates que enrique-ciam a Universidade no sculo XIII. Segundo Nunes (1979), primeiro o mestre ou o bacharel apresentava a questo; em seguida, levantava uma possvel soluo para o problema que a questo propunha; depois, os participantes (alunos, mestres, bacharis) sustentavam objees, questionando a tese inicial. Aps os primeiros questionamentos, vinham as contraobjees feitas pelos que sustentavam a tese inicial e que se opunham, de certo modo, s objees. Por ltimo, o mestre sintetizava a discusso e apresentava uma soluo para o problema. Quando a soluo era contrria s objees, apresentavam-se res-postas particulares a cada objeo feita. Essa dinmica nos faz supor que os intelectuais medievais concebiam apenas uma soluo para as questes frente a outras igualmente vlidas, e que assumiam um compromisso com a verdade e, acima de tudo, com uma forma de questionar respeitosa s afirmaes que consideravam equivocadas.

    Acreditamos que essas consideraes iniciais contribuem para a compreenso das reflexes que seguem sobre as paixes da alma em Toms de Aquino. Com efeito, ns procuramos considerar os escritos do telogo--filsofo a partir dos elementos histricos que marcaram sua obra, de modo a

  • 38

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    evidenciar as possveis contribuies de suas experincias para a compreen-so do homem e da sociedade.

    As paixes da alma como fundamentos da ao humana e a importncia da educao em Toms de Aquino

    Na introduo s Questes sobre as paixes, Albert Pl esclarece que Toms de Aquino analisou as paixes a partir das fontes que lhe eram acessveis em seu tempo. Afirma que os fundamentos ele buscou principalmente na Bblia, nos Padres da Igreja e em Aristteles. Os textos aristotlicos que, segundo Pl, o telogo-filsofo utilizou para as suas reflexes, so Da Alma, Da Gerao, Da Corrupo, a Retrica e a Fsica. (PL, 2003).

    As Questes sobre as paixes esto inseridas na parte da Suma Teolgica que trata dos atos humanos. Com efeito, o telogo filsofo afirma que o fim ltimo da ao do homem a bem-aventurana. Para alcan-la, no basta desejar chegar at ela, ns precisamos agir. Existem, de acordo com o autor, duas espcies de atos, uma genuinamente humana e outra que comum a homens e animais. As paixes fazem parte dessa segunda classe de aes. Porm, enfatizamos nesse artigo as paixes na natureza do homem, escolha que tem algumas implicaes, principalmente porque no homem as paixes da alma situam-se no mbito das aes voluntrias, isto , circunscritas pela noo de vontade, do agir consciente1.

    Para a reflexo que nos propormos a desenvolver nesse artigo, anali-saremos as Questes que tratam das caractersticas essenciais das paixes da alma, que so as de nmero 22, 23, 24 e 25.

    A Questo 22, intitulada O sujeito das paixes da alma, trata do sig-nifica de paixo da alma. Nessa primeira Questo, Toms de Aquino explica o que ele entende por paixo da alma em trs Artigos: 1) Existe alguma paixo na alma?; 2) Encontra-se mais na parte apetitiva do que na parte apreensiva?; e 3) Mais no apetite sensitivo do que no intelectivo, chamado vontade?

    A Questo 23, intitulada Diferena das paixes entre si, enfoca as diferenas fundamentais entre as paixes, principalmente entre as paixes que pertencem ao concupiscvel que tendem para o bem ou se afastam do mal sem dificuldade e as que pertencem ao irascvel que, ao contrrio do que acontece com as paixes do concupiscvel, manifestam-se quando existe

  • 39

    Revista Educao em Questo, Natal, v. 43, n. 29, p. 34-57, maio/ago. 2012

    Artigo

    alguma dificuldade. Essa Questo composta por quatro Artigos: 1) As pai-xes do concupiscvel e do irascvel so diferentes?; 2) A contrariedade que existe entre as paixes do irascvel uma contrariedade segundo o bem e o mal?; 3) Existe uma paixo que no tem seu contrrio?; e 4) Pode haver na mesma potncia paixes de espcie diferente que no sejam contrrias entre si?

    A Questo 24, intitulada O bem e o mal nas paixes da alma, no trata mais das caractersticas prprias das paixes. Nessa Questo, Toms de Aquino procura situar as paixes na relao entre razo e vontade e, por conse-guinte, destacar sua importncia na ao humana. O autor a divide em quatro Artigos: 1) Pode haver bem e mal nas paixes da alma?; 2) Todas as paixes da alma so moralmente ms?; 3) Toda paixo aumenta ou diminui a bondade ou a malcia do ato?; e 4) Alguma paixo boa ou m por sua espcie?

    Na perspectiva das anlises feitas nas Questes anteriores, na Questo 25, intitulada A ordem das paixes entre si, o telogo-filsofo procura esclarecer de que modo as paixes relacionam-se e se manifestam no ser, constituindo-se como motores das aes particulares dos indivduos. Essa Questo dividida em quatro Artigos: 1) Sobre a ordem entre as paixes do irascvel e do concu-piscvel; 2) Sobre a ordem das paixes do concupiscvel entre si; 3) Sobre a ordem das paixes do irascvel entre si; e 4) Sobre as quatro paixes principais.

    Ns no pretendemos estudar aqui todos os Artigos das quatro Questes em tela, pois esse no o enfoque deste trabalho. Nossa inteno entender a concepo de paixo que Toms de Aquino apresenta para refletirmos sobre a importncia da sensibilidade para o processo educativo na perspectiva do telogo-filsofo.

    Deste modo, no primeiro Artigo da Questo 22, Toms de Aquino pergunta se existe alguma paixo na alma. O autor ento parte da concep-o de paixo, afirmando que para esse conceito existem trs sentidos. No primeiro sentido, paixo significa padecer enquanto se recebe algo sem que