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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP SIMONE BUENO Uso dos materiais curriculares por professores de Matemática DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2017

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC/SP

    SIMONE BUENO

    Uso dos materiais curriculares por professores de

    Matemtica

    DOUTORADO EM EDUCAO MATEMTICA

    Tese apresentada Banca Examinadora do

    Programa de Estudos Ps-Graduados em

    Educao Matemtica da PUC-SP, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de

    Doutora em Educao Matemtica, sob a

    orientao do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

    SO PAULO

    2017

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC/SP

    SIMONE BUENO

    Uso dos materiais curriculares por professores de

    Matemtica

    DOUTORADO EM EDUCAO MATEMTICA

    Tese apresentada Banca Examinadora do

    Programa de Estudos Ps-Graduados em

    Educao Matemtica da PUC-SP, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de

    Doutora em Educao Matemtica, sob a

    orientao do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

    SO PAULO

    2017

  • Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial

    desta tese por processos de fotocopiadora ou eletrnicos.

    Assinatura: ________________________________________ So Paulo, ___ / ___ /

    _____.

  • Banca Examinadora

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

  • meu filho, Rafael, que mesmo diante de tantas adversidades pude contar com seu Apoio nessa trajetria. Entre Graduao, Mestrado e Doutorado Foram mais de dez anos... Apesar dos momentos de ausncia, voc foi forte, amigo, companheiro E ter voc ao lado sempre me apoiando me impulsionou para que eu continuasse e nunca desistisse. Obrigada por entender minha

    Luta e de corao eu quero que voc, filho querido, sinta-se tambm titulado.

  • Agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) pela Bolsa de Estudos concedida, o que permitiu o desenvolvimento desta pesquisa.

  • E de repente o sonho virou realidade. Quero agradecer a todos que de algum modo contriburam para a realizao desse trabalho. Primeiramente agradeo Deus, luz espiritual, por me iluminar e amparar nessa trajetria. minha famlia, em especial, minha mezinha querida, que sempre por perto comemorou cada vitria. Agradeo tambm meu irmo Alexandre, pelos dilogos e por olhar nossa me nesses momentos de ausncia. Ao Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, por me orientar com competncia, compromisso e carinho, contribuindo definitivamente para a concretizao deste sonho. Aos professores examinadores desta pesquisa Prof. Dr. Ana Lucia Manrique, Prof. Dr. Cristina Maranho, Prof. Dr Francisco Jos Brabo Bezerra e Prof. Dr Adriano Vargas Freitas, pela leitura criteriosa e importantes observaes no Exame de Qualificao. Aos colegas do doutorado, em especial, Edvonete Almeida e Hrica Cambraia, pela amizade, convvio e incentivo nesta jornada. Aos colegas do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemtica e Formao de Professores, em especial, Gilberto Janurio e Ktia Lima, pelas reflexes e discusses. Aos professores do doutorado, em especial Fumikazu Saito, Benedito Antonio da Silva, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Clia Maria Carolino Pires, pelos ensinamentos e contribuies para meu crescimento acadmico. Aos professores da escola investigada, por contriburem para que esta tese fosse possvel. Aos amigos que durante os momentos mais conturbados foram colocados em segundo plano, mas compreenderam e tiveram carinho nesse momento,

    Muito obrigada !

  • Procuro semear otimismo

    e plantar sementes de paz e justia.

    Digo o que penso, com esperana.

    Penso no que fao, com f.

    Fao o que devo fazer, com amor.

    Eu me esforo para ser cada dia melhor,

    pois bondade tambm se aprende.

    Mesmo quando tudo parece desabar,

    cabe a mim decidir entre rir ou chorar,

    ir ou ficar,

    desistir ou lutar;

    porque descobri,

    no caminho incerto da vida,

    que o mais importante o decidir!

    Cora Coralina

  • BUENO, Simone. Uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica. 2017.

    164f. Tese (Doutorado em Educao Matemtica). Faculdade de Cincias Exatas e

    Tecnologia. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo.

    RESUMO

    Nesta pesquisa, no nvel de doutorado, temos por objetivo investigar de que modo os

    materiais curriculares so utilizados por professores de Matemtica. O trabalho caracteriza-

    se por pesquisa qualitativa. Os dados foram coletados a partir do trabalho de campo, do

    material de anlise e observao das aulas de quatro professores de Matemtica, em uma

    escola pblica, com foco na postura do professor ao utilizar os materiais curriculares. Para

    compreender a relao das professoras com os materiais curriculares, nos baseamos nos

    estudos que destacam os recursos de cada lado da relao e apontam os diferentes tipos de

    uso: a reproduo, adaptao e criao. Complementando nosso referencial, buscamos

    autores que discorrem sobre currculo. Com relao aos fatores que influenciaram os

    professores no uso dos materiais curriculares, consideramos que a formao, a participao

    em cursos aps a graduao, a confiana no contedo, o conhecimento pedaggico do

    assunto e a colaborao, so fatores que podem ter contribudo com o modo que os

    professores diferiram na utilizao de seus materiais. Nas interaes dos professores com

    os materiais curriculares, pudemos perceber que em alguns momentos os professores

    reproduziam, em outros adaptavam e em uma mesma aula improvisavam. Consideramos

    que os resultados dessa pesquisa possam juntar-se a outras e contribuir para entender que

    uso o docente faz dos materiais curriculares e que impactos estes materiais tm na sua

    prtica ao trabalhar situaes de aprendizagem matemtica.

    Palavras-chave: Materiais curriculares. Currculos de Matemtica. Relao professor-

    materiais curriculares. Educao Matemtica.

  • BUENO, Simone. The use of curriculum materials by Mathematics teacher. 2017. 164f.

    Thesis (Doctoral in Mathematics Education). College of Exact Sciences and Technology.

    Pontifical Catholic University of So Paulo. So Paulo.

    ABSTRACT

    In this research, at the doctoral level, we aim to investigate how the curricular materials are

    used by teachers of Mathematics. The work is characterized by qualitative research. The

    data were collected from the fieldwork, the material of analysis and observation of the

    classes of four teachers of Mathematics, in a public school, focusing on the posture of the

    teacher when using the curricular materials. In order to understand the relationship

    between teachers and curricular materials, we use the Brown (2009) study, which

    highlights the resources on each side of the relationship and points out the different types

    of use: reproduction, adaptation and creation. Complementing our referential, we seek

    authors who talk about curriculum, Pires (2004, 2008, 2011, 2012), Shulman (1986) and

    Sacristn (2000). Regarding the factors that influenced teachers in the use of curricular

    materials, we consider that training, participation in courses after graduation, trust in

    content, pedagogical knowledge of the subject and collaboration are factors that may have

    contributed to the way That teachers differed in the use of their materials. In the

    interactions of the teachers with the curricular materials, we could perceive that in some

    moments the teachers reproduced, in others they adapted and in the same class improvised.

    We consider that the results of this research can join to others and contribute to understand

    what use the teacher makes of the curricular materials and what impacts these materials

    have in their practice when working in mathematical learning situations.

    Keywords: Curricular materials. Mathematics curricula. Relationship teacher-curricular

    materials. Mathematical Education.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    DCE The Design Capacity for Enactment

    DCForM Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemtica e Formao

    de Professores

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    EM Everyday Mathematics

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    HTPC Hora de trabalho pedaggico coletivo

    IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica

    INL Instituto Nacional do Livro

    MEC Ministrio da Educao

    NCTM National Council of Teachers of Mathematics

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica para o Ensino

    Fundamental

    PCNEM Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica para o Ensino Mdio

    PDC Pedagogical design capacity

    PEAMAT Grupo de Pesquisa Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemtica

    PNLD Programa Nacional do Livro Didtico

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    SARESP Sistema de Avaliao do rendimento Escolar do Estado de So Paulo

    SBG Silver Burdett Ginn

    SEE-SP Secretaria de Estado da Educao de So Paulo

    SME-SP Secretaria Municipal de Educao de So Paulo

    UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: A objetivao do currculo no processo do seu desenvolvimento ..................... 44 Figura 2: The Design Capacity for Enactment framework DCE ........................................... 60 Figura 3: Trs fases da Anlise de Contedo................................................................................. 101 Figura 4: Material reproduzido e utilizado pelo professor Jos em uma das aulas assistidas ........................................................................................................................................................ 111 Figura 5: Atividade proposta pelo professor retirada de um site de internet .............. 113 Figura 6: Representao grfica de uma funo polinomial de 1 grau proposta no livro usado pelo professor Jos ........................................................................................................... 114 Figura 7: Exerccio adaptado pelo professor Jos ...................................................................... 116 Figura 8: Exerccios proposto pelo professor Jos ..................................................................... 117 Figura 9: Aluno acessando contedo do simulado ENEM....................................................... 119 Figura 10: Proposio de jogo apresentada no livro ................................................................. 123 Figura 11: Atividade Jogando com os mltiplos .......................................................................... 124 Figura 12: Trilha confeccionada e adaptada pela Professora Snia .................................. 125 Figura 13: Atividade em folha quadriculada proposta pela Professora Snia .............. 127 Figura 14: Exerccios adaptados pela professora Iara ............................................................. 130 Figura 15: Exerccios propostos pela professora Iara .............................................................. 132

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-UEFS ............................................................ 27 Quadro 2:Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UFMS .............................................................................................................. 29 Quadro 3: Pesquisas desenvolvidas no mbito Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP ................................................................................................... 31 Quadro 4: Definies de alguns autores sobre materiais curriculares ............................... 53 Quadro 5: Fatores que influenciaram o uso de materiais curriculares por professores-estudantes ......................................................................................................................................................... 71 Quadro 6: Categorias de Anlise ......................................................................................................... 104 Quadro 7: Sntese da caracterizao dos professores participantes da pesquisa ....... 135

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Professores participantes por anos de experincia e de gnero ....................... 84 Tabela 2: Preocupaes dos professores sobre a implementao de novos materiais85 Tabela 3: Itens que constituem as construes de apoio para professores iniciantes 90 Tabela 4: Construes de apoio .............................................................................................................. 92

  • SUMRIO

    CAPTULO 1 ................................................................................................................................................. 17

    APRESENTAO DA PESQUISA ................................................................................................................... 17

    1.1 PRIMEIROS PASSOS E INSERO NO GRUPO DE PESQUISA ............................................................................. 17 1.2 CARACTERIZAO DO PROJETO GLOBAL DE PESQUISA ...................................................................................... 22 1.3 ESTUDOS SOBRE A TEMTICA .................................................................................................................... 25 1.4 FORMULAO DO OBJETIVO E QUESTES NORTEADORAS ................................................................................. 32 1.5 CARACTERIZAO DA PESQUISA ................................................................................................................. 34 1.6 ESTRUTURAO DOS CAPTULOS DA TESE ..................................................................................................... 36

    CAPTULO 2 ................................................................................................................................................. 38

    ALGUMAS IDEIAS ACERCA DE CURRCULO .................................................................................................. 38

    2.1 O EMERGIR DO TERMO CURRCULO ............................................................................................................. 38 2.2 INTERAES DO CURRCULO ..................................................................................................................... 41 2.3 ORGANIZAO CURRICULAR ..................................................................................................................... 43 2.4 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ........................................................................................................... 46

    CAPTULO 3 ................................................................................................................................................. 47

    ESTUDOS SOBRE O USO DE MATERIAIS CURRICULARES ............................................................................. 47

    3.1 SOBRE A ORIGEM E AS INVESTIGAES DOS MATERIAIS CURRICULARES ................................................................ 47 3.2 CARACTERIZANDO MATERIAL CURRICULAR .................................................................................................... 53 3.3 INTERAO DO PROFESSOR COM O MATERIAL CURRICULAR............................................................................... 58 3.4 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ........................................................................................................... 61

    CAPTULO 4 ................................................................................................................................................. 63

    A RELAO DE PROFESSORES COM MATERIAIS CURRICULARES ................................................................ 63

    4.1 UM ESTUDO SOBRE A UTILIZAO DE MATERIAIS CURRICULARES DE MATEMTICA POR PROFESSORES-ESTUDANTES ....... 64 4.1.1 Contexto da pesquisa de Behm e Lloyd ...................................................................................... 64 4.1.2 O modo como os professores-estudantes utilizaram o material curricular ................................. 66 4.1.3 Professores-estudantes e o uso dos materiais curriculares de Matemtica ................................ 69 4.1.4 Fatores que podem ter influenciado professores-estudantes no uso dos materiais curriculares . 69 4.1.5 Concluses do estudo ................................................................................................................ 76

    4.2 UM ESTUDO SOBRE AS PREOCUPAES DOS PROFESSORES RELATIVAS ADOO DE NOVOS MATERIAIS CURRICULARES DE MATEMTICA ............................................................................................................................................. 77

    4.2.1 Mudanas em Educao Matemtica ........................................................................................ 79 4.2.2 Preocupaes dos professores ................................................................................................... 79 4.2.3 Contexto e objetivos do estudo .................................................................................................. 81 4.2.4 Anlise dos Dados ...................................................................................................................... 85 4.2.5 Descobertas do estudo no tocante s preocupaes de professores iniciantes e professores experientes ......................................................................................................................................... 87 4.2.6 Concluses do estudo ................................................................................................................ 92

    4.3 PONDERAES ACERCA DO CAPTULO .......................................................................................................... 94

    CAPTULO 5 ................................................................................................................................................. 96

    O CENRIO DE PESQUISA, ROTEIRO DE OBSERVAO E CATEGORIAS DE ANLISE.................................... 96

    5.1 O CENRIO DA PESQUISA ......................................................................................................................... 97 5.2 COLETA DOS DADOS PELA PESQUISADORA .................................................................................................... 99 5.3 ROTEIRO DE OBSERVAO E CATEGORIAS DE ANLISE .................................................................................... 102

    CAPTULO 6 ............................................................................................................................................... 107

  • A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: ATORES ENVOLVIDOS E A RELAO DOS PROFESSORES COM OS MATERIAIS CURRICULARES ....................................................................................................................... 107

    6.1 PROFESSORA EDNA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ......................................................................... 107 6.2 PROFESSOR JOS: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ............................................................................ 109 6.3 PROFESSORA SNIA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ........................................................................ 120 6.4 PROFESSORA IARA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR .......................................................................... 128 6.5 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ......................................................................................................... 132

    CAPTULO 7 ............................................................................................................................................... 134

    ALGUMAS REFLEXES SOBRE AS OBSERVAES REALIZADAS NAS AULAS .............................................. 134

    CAPTULO 8 ............................................................................................................................................... 150

    CONSIDERAES E PERSPECTIVAS ............................................................................................................ 150

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................ 159

    APNDICE .................................................................................................................................................. 165

    ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PROFESSOR .................................................................................................... 165 DIRIO DE BORDO ..................................................................................................................................... 167

  • 17

    CAPTULO 1

    Apresentao da Pesquisa

    Escrever to re-fazer o que esteve sendo pensado nos diferentes momentos de nossa prtica, de nossas relaes com, to re-criar, to re-dizer o antes dizendo-se no tempo de nossa ao quando ler seriamente exige de quem o faz, repensar o pensado, re-escrever o escrito e ler tambm o que antes de ter virado o escrito do autor ou da autora foi uma certa leitura sua. (Paulo Freire, 1992, p. 54).

    Nesta seo apresento os principais momentos da minha formao acadmica. Em

    cada uma das subsees, descrevo momentos relevantes que auxiliaram na minha

    constituio como pesquisadora em Educao Matemtica.

    Gostaria de discorrer sobre as experincias, expectativas e reflexes acerca de

    minha trajetria educacional e profissional, no entanto, se optasse em explanar os

    pormenores das situaes vivenciadas, ficaria um trabalho muito extenso. Desse modo,

    optei por resumir as experincias e aprendizagens de minha trajetria at o presente

    momento.

    1.1 Primeiros passos e insero no Grupo de Pesquisa

    Este trabalho surgiu de algumas inquietaes, reflexes e experincias vivenciadas

    ao longo de minha trajetria acadmica e profissional e est intimamente ligado a uma

    crena de cunho pessoal de que a pesquisa, enquanto produo do conhecimento, torna o

    cidado crtico e capaz de transformar o contexto onde est inserido. Severino (2007), ao

    conceituar pesquisa, responde questo o que vem a ser produzir conhecimento?. Esse

    autor afirma que

    o que se quer dizer que conhecimento se d como construo do objeto

    que se conhece, ou seja, mediante nossa capacidade de reconstituio

    simblica dos dados de nossa experincia, apreendemos os nexos pelos

    quais os objetos manifestam sentido para ns, sujeitos cognoscente...

    Trata-se, pois, de redimensionar o prprio processo cognoscitivo, at

    porque, em nossa tradio cultural e filosfica, estamos condicionados a

    entender o conhecimento como mera representao mental, mas esta no

  • 18

    o ponto de partida do conhecimento, e sim o ponto de chegada, o

    trmino de um complexo processo de constituio e reconstituio do

    sentido do objeto que foi dado nossa experincia externa e interna.

    (SEVERINO, 2007, p. 24)

    Nesta perspectiva, em minha trajetria escolar, ao aprender, pude construir o meu

    conhecimento e, como educadora, pude orientar a aprendizagem dos alunos, despertando

    suas potencialidades.

    Minha vida acadmica comeou no ano de 1992, quando passei no vestibular para

    Cincias Biolgicas. Neste momento realizei meu sonho de ingressar no ensino superior e

    pude vislumbrar as descobertas de como a graduao poderia contribuir na ampliao de

    meus horizontes. Comecei a me destacar como aluna durante as aulas de Matemtica, e no

    campo profissional, comecei a lecionar em uma escola da Rede Pblica Estadual

    ministrando aulas de Cincias e Matemtica.

    Ao me graduar em Cincias Biolgicas, por exigncia da Secretaria Estadual da

    Educao do Estado de So Paulo, para que eu pudesse ter aulas atribudas nas escolas da

    Rede Estadual, seria necessrio fazer uma complementao em minha formao e, desse

    modo, tive que retomar meus estudos para obter o diploma em Licenciatura Plena. Por um

    momento, pensei em fazer uma complementao em Qumica, mas a esta altura j estava

    apaixonada pela arte em ensinar Matemtica e cada vez mais participava de cursos e

    oficinas pedaggicas que tratavam de assuntos relativos ao ensino de Matemtica e gostava

    de me especializar nesta disciplina. Em 2000, retorno Universidade e ingresso no curso

    de Licenciatura Plena em Matemtica.

    Em minha experincia docente, pude verificar o que j percebia desde o tempo em

    que eu era estudante, que os alunos apresentavam grande dificuldade no estudo da

    Matemtica. De acordo com Silveira (2002, p. 1),

    o fato de a matemtica reprovar significativamente o aluno na escola ser

    aceito sem contestaes pela comunidade escolar, leva-nos a fazer

    algumas reflexes sobre o fracasso do aluno na disciplina, levando em

    conta a justificativa de que "matemtica difcil". A anlise das

    formulaes discursivas dos alunos quando falam desta dificuldade, bem

    como os fatos histricos que contriburam para que este pr-construdo

    que diz "matemtica difcil" e por consequncia "matemtica para

    poucos" mantivesse seus resqucios ao longo do tempo, manifestado

    assim por toda comunidade escolar e pela mdia, se faz necessrio. A

    ressignificao do pr-construdo uma interpretao da dificuldade da

    matemtica, mas que mesmo mostrando facetas diferentes, corrobora com

    a sua manuteno.

  • 19

    Essa autora evidencia que a expresso Matemtica para poucos remonta

    Antiguidade e dela advm a expresso de que a Matemtica difcil. Nesse sentido,

    os efeitos do discurso pr-construdo que oferecem a dimenso do

    hiperconceito da matemtica, o que se deve a sua metalinguagem, que

    considerada de difcil acesso. No o discurso em si que oferece este

    hiperconceito matemtica, porque ele relativo memria, j que est

    disperso em todas as falas, em todos os lugares de significao e por sua

    vez esconde-se nas relaes entre os sujeitos, aluno e professor. Estes

    lugares de significao dados matemtica interferem na relao entre o

    sujeito que ensina e o sujeito que aprende. A ruptura destes significados

    impossibilitada, pois os efeitos do discurso pr-construdo esto apagados

    pela pedagogizao da matemtica, a qual fica mediando o acesso aos

    saberes que constituem o discurso matemtico (SILVEIRA, 2011, p. 766-

    767).

    Desse modo, se por um lado, eu percebia um desconforto em muitos alunos com

    reais dificuldades em aprender Matemtica, por outro lado, percebia as angstias de alguns

    professores, incluindo a minha, relativa busca de materiais e alternativas metodolgicas

    para a aprendizagem dos alunos.

    Antes e depois de concluir a Licenciatura em Matemtica eu procurava repassar aos

    alunos algumas atividades de Matemtica cujas orientaes e direcionamentos eu buscava

    nos livros didticos, paradidticos e por meio de algumas atividades que eu adaptava.

    Nos desafios do cotidiano escolar pude observar e compartilhar as angstias de

    alguns educadores, incluindo a minha, relativa busca de alternativas metodolgicas para

    qualificar a aprendizagem dos alunos.

    Muitas vezes, em conversas rpidas na hora do intervalo, ou mesmo em reunies de

    HTPC1, pude observar como os educadores buscavam respostas para trabalhar com os

    alunos. As discusses possibilitaram perceber que o meu fazer em sala de aula estava

    entrelaado com o fazer de outros educadores e medida que discutamos sobre as

    dificuldades encontradas em nosso cotidiano escolar, pude constatar que, mesmo a escola

    adotando um livro didtico comum disciplina de Matemtica, cada professor tinha o seu

    1 A definio de HTPC (Hora de Trabalho Pedaggico Coletivo) dada pela Portaria CENP n 1/96 - L.C. n

    836/97. Segundo esta portaria os objetivos da HTPC so: I. Construir e implementar o projeto pedaggico da

    escola; II. Articular as aes educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando

    melhoria do processo ensino-aprendizagem; III. Identificar as alternativas pedaggicas que concorrem para a

    reduo dos ndices de evaso e repetncia; IV. Possibilitar a reflexo sobre a prtica docente; V. Favorecer o

    intercmbio de experincias; VI. Promover o aperfeioamento individual e coletivo dos educadores.

    Atualmente, a HTPC obrigatria para todos os professores e tem durao de 2 a 3 horas semanais,

    dependendo da carga horria semanal do docente. Contedo disponvel em http://educacaotiete.sp.gov.br/wp-

    content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdf, acessado em 08 nov. 2014.

    http://educacaotiete.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdfhttp://educacaotiete.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdf
  • 20

    modo de trabalhar. Alguns educadores seguiam risca o livro didtico adotado pela escola,

    outros, no entanto, optavam por utilizar alm deste, outros livros didticos, fazendo

    adaptaes que julgavam necessrias e, alguns tambm optavam por trabalhar com livros

    paradidticos, apostilas, transparncias, ou outro tipo de material que julgavam mais

    conveniente.

    Penso que o fato de participar de oficinas pedaggicas oferecidas pela Secretaria de

    Estado da Educao de So Paulo e cursos de especializaes, permitiram que eu tivesse

    um olhar diferenciado nos processos de ensino e de aprendizagem em Matemtica.

    A experincia adquirida em sala de aula e a reflexo sobre a prtica educativa me

    motivaram a ingressar em um curso de graduao em Pedagogia, pois sentia necessidade

    de uma ao pedaggica mais significativa.

    Desse modo, acredito que a graduao me proporcionou bases slidas de

    conhecimentos mas, ainda assim, as considerava no suficientes para a formao da

    profissional que almejava ser. Como educadora, sempre acreditei na necessidade de erguer

    pilares para a construo contnua do aperfeioamento do saber e sempre considerei de

    suma importncia minha participao em cursos de atualizaes, congressos, ps-

    graduaes, entre outros.

    Neste sentido, meu caminhar teria que prosseguir e em meu horizonte vislumbrava

    o Mestrado e o Doutorado como parte do meu projeto de vida.

    Como mestranda, me aproximei do grupo de pesquisa Desenvolvimento Curricular

    em Matemtica e Formao de Professores (DCForM), coordenado pela Prof. Dr. Clia

    Maria Carolino Pires, e do projeto de pesquisa O Currculo de Matemtica na Educao

    de Jovens e Adultos: dos intervenientes prtica em sala de aula, do Programa de

    Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da Pontifcia Universidade Catlica de

    So Paulo (PUC-SP). O contato com o Grupo possibilitou a oportunidade de entender, por

    meio de pesquisa, o processo de organizao e desenvolvimento curricular de Matemtica

    para a Educao de Jovens e Adultos (EJA)2, considerando os diferentes intervenientes

    curriculares destacados por Sacristn (2000), como: documentos oficiais, material didtico,

    2 Em busca de ampliar o debate e responder essas questes, compuseram o projeto outras trs pesquisas: (i)

    Adriano Vargas Freitas: O estado da arte da Educao de Jovens e Adultos (Doutorado); (ii) Ktia Lima:

    Currculo de Matemtica da Educao de Jovens e Adultos: uma anlise baseada em livros didticos

    (Mestrado); e (iii) Gilberto Januario: Currculo de Matemtica da Educao de Jovens e Adultos: anlise de

    prescries na perspectiva cultural da Matemtica (Mestrado).

  • 21

    avaliao, planejamento escolar, e a prtica do professor ao mediar/promover situaes de

    aprendizagem.

    Inserida nesse projeto, investiguei o currculo de Matemtica moldado e praticado

    por uma professora de Matemtica que atuava na Educao de Jovens e Adultos e seus

    conhecimentos profissionais, sob a perspectiva do currculo enculturador, proposto por

    Alan Bishop. A pesquisa pautou-se pela questo diretriz: De que modo o currculo de

    Matemtica praticado pelo professor em uma turma da Educao de Jovens e Adultos?.

    Nesta pesquisa procurei investigar quais elementos enculturadores estavam presentes no

    currculo praticado e quais opes metodolgicas eram contempladas nas interaes em

    sala de aula.

    Os dados foram coletados a partir do trabalho de campo e por meio de observaes

    das aulas de uma professora de Matemtica que lecionava em uma turma da Educao de

    Jovens e Adultos de uma escola pblica do estado de So Paulo, com foco na postura do

    professor ao selecionar e desenvolver os contedos propostos. Este estudo baseou-se em

    trabalhos acerca do Currculo de Matemtica, da perspectiva cultural da Matemtica e do

    currculo enculturador, tendo como referencial terico Alan Bishop (1988, 1999, 2002),

    estudos de Clia Maria Carolino Pires ( 2000, 2004, 2008, 2011), no que diz respeito

    organizao curricular e Ole Skovsmose (2010), no que se refere a critrios de escolha dos

    contextos dentro de um ambiente de aprendizagem matemtica.

    O foco da investigao estava relacionado com a postura da professora ao

    selecionar e desenvolver os contedos propostos. As opes metodolgicas contempladas

    na atividade em alguns momentos faziam referncia Matemtica pura e em outros

    momentos as situaes oportunizavam o paradigma da investigao, pois os alunos

    assumiriam o processo de explorao. Mediante as observaes das aulas da professora e

    com base na categoria de anlise construda a partir dos referenciais tericos utilizados. No

    decorrer da atividade proposta pela professora, foram encontradas situaes que

    favoreciam a enculturao matemtica e ao estimular a articulao entre os diversos temas

    a professora favorecia em suas aulas a articulao em rede.

    Desse modo, na dissertao, procurei investigar de que modo o currculo de

    Matemtica era praticado por uma professora que trabalhava na Educao de Jovens e

    Adultos. Ao acompanhar e observar as aulas da professora participante da pesquisa,

    constatei que ao fazer a transposio do currculo apresentado em currculo praticado pelos

  • 22

    alunos, a professora fez uso de vrios materiais curriculares, e novos questionamentos

    comearam a me perturbar, afinal, por que ela utilizou esses materiais e quais fatores

    poderiam ter influenciado em sua escolha? No entanto, nesse momento o foco de minha

    investigao era o modo como o currculo era praticado, quais elementos enculturadores

    estavam presentes e quais opes metodolgicas eram contempladas nas interaes em sala

    de aula.

    Aps a concluso do meu trabalho de pesquisa, em maro de 2013, o modo como o

    professor utiliza o material curricular e quais fatores podem influenciar suas escolhas

    comearam a instigar meus questionamentos e, em busca de aperfeioar meus

    conhecimentos, ingressei no doutorado no Programa de Estudos Ps-Graduados em

    Educao Matemtica da PUC-SP, prosseguindo no Grupo de Pesquisa Desenvolvimento

    Curricular em Matemtica e Formao de Professores (DCForM), coordenado pela Prof.

    Dr. Clia Maria Carolino Pires. No grupo participei das primeiras discusses que levaram

    proposio de um projeto denominado "Relaes entre professores e materiais que

    apresentam o currculo de Matemtica: um campo emergencial", o qual passarei a

    descrever.

    1.2 Caracterizao do projeto global de pesquisa

    Ao justificar a proposio do projeto "Relaes entre professores e materiais que

    apresentam o currculo de Matemtica: um campo emergencial", Pires (2012) considera

    que

    estudar as relaes entre professores e materiais que apresentam o

    currculo de Matemtica tem se mostrado um campo de investigao a ser

    explorado. Pesquisas sobre currculos prescritos de Matemtica mostram

    que, embora eles possam expressar propostas interessantes e inovadoras,

    elas parecem ter dificuldades de se incorporarem prtica dos

    professores em sala de aula. Os currculos moldados pelos professores e

    efetivamente praticados em sala de aula so uma realidade pouco

    conhecida. Embora existam pesquisas sobre o assunto, elas ainda so

    isoladas e no configuram um campo emergencial (PIRES, 2012, p. 2).

    No texto base de apresentao desse projeto, elaborado por Pires (2012),

    estabelecido um paralelo entre a situao brasileira e alguns dados apresentados nos

    estudos de Gwendolyn M. Lloyd, Janine T. Remillard, And Beth A. Herbel-Eisenmann

    (2009). Nesse texto a autora assinala que

  • 23

    nos Estados Unidos, h um nmero crescente de pesquisas na rea de

    Educao Matemtica que procuram entender o que acontece com

    professores e alunos quando do uso de materiais que apresentam os

    currculos prescritos. Tomam como pressuposto a concepo de que os

    professores so os principais atores no processo de transformao dos

    ideais curriculares, capturados nas formas de tarefas Matemticas, planos

    de aula e recomendaes pedaggicas, nos eventos reais em sala de aula.

    Desse modo, consideram essencial compreender o que os professores

    fazem com os materiais curriculares de Matemtica, porque e como

    fazem suas escolhas e como os materiais influenciam a atividade de sala

    de aula (PIRES, 2012, p. 4).

    Embora o campo de pesquisa sobre o uso de recursos curriculares por professores

    esteja crescendo, ainda insuficientemente desenvolvido. Nesse sentido, Pires (2012)

    sinaliza que

    nos Estados Unidos, estudos de professores usando livros didticos de

    Matemtica, ou sobre a influncia dos livros didticos no currculo

    comeam a surgir por volta dos anos 70. Ao longo dos anos, o interesse

    por essas pesquisas tem oscilado, ora aumentando, ora diminuindo.

    Tambm ao longo do tempo, pesquisadores tm trazido contribuies

    sobre a relao currculo e professor. No entanto, antes da dcada de 90,

    este campo nunca reuniu impulsos ou coeso em torno de um conjunto

    particular de questes. Na primeira dcada do atual milnio, contudo, o

    campo cresceu consideravelmente, sinalizando um aumento no interesse

    pelas questes sobre como os professores usam os materiais curriculares

    e se estes de fato podem influenciar as prticas em sala de aula e o ensino

    de forma mais ampla (PIRES, 2012, p. 4).

    Pires (2012) destaca que no Brasil os estados da federao e municpios

    desenvolveram suas propostas curriculares para a Educao Bsica, conforme consta no

    Relatrio de Anlise de Propostas Curriculares de Ensino Fundamental e Ensino Mdio,

    publicado em 2010 pelo Ministrio da Educao (MEC)3 (BRASIL, 2010) e, assinala a

    existncia de semelhana entre as propostas na medida em que levam em conta orientaes

    nacionais.

    3 Documento da Secretaria de Educao Bsica, Diretoria de Concepes e Orientaes Curriculares para

    Educao Bsica. Foram analisadas propostas das secretarias municipais das capitais, compondo uma

    amostra de 13 propostas de Ensino Fundamental. A anlise incidiu sobre um total de 60 propostas, sendo 34

    de Ensino Fundamental (incluindo as 13 citadas e 21 de secretarias estaduais) e 26 propostas de Ensino

    Mdio. No apresentaram propostas de Ensino Fundamental os estados: Roraima, Maranho, Paraba, Rio

    Grande do Norte, Sergipe e Piau. De Ensino Mdio, apenas o estado de Rondnia no apresentou proposta.

    Para o Ensino Fundamental as propostas elaboradas pelas secretarias municipais das capitais e includas no

    estudo foram: Fortaleza, Campo Grande, Boa Vista, Macap, Macei, Joo Pessoa, Recife, Goinia, Cuiab,

    Vitria, So Paulo, Curitiba e Florianpolis.

  • 24

    A autora assinala que no Brasil os materiais curriculares mais difundidos e

    utilizados so os livros didticos e que certamente h pesquisas sobre eles na rea de

    Educao Matemtica, mas sem ter o foco em como os professores os utilizam e se estes

    de fato influenciam as prticas nas aulas de Matemtica. A autora destaca que seria

    importante investigar o estado de conhecimentos produzidos em nosso pas sobre o tema e

    afirma que

    sem dvida, os materiais curriculares mais difundidos e utilizados so os

    livros didticos. Certamente h pesquisas sobre eles na rea de Educao

    Matemtica, mas provavelmente sem o foco em como os professores os

    utilizam e se, e como, estes de fato influenciam as prticas nas aulas de

    Matemtica. Por outro lado, Secretarias de Educao, h algum tempo

    vm oferecendo materiais curriculares a seus professores. No caso do

    Estado de So Paulo, podemos citar alguns exemplos importantes:

    Geometria Experimental Secretaria Estadual da Educao de So Paulo

    destinado a alunos de 3, 4 e 5 sries do Ensino de Primeiro Grau

    1980. Atividades Matemticas Secretaria Estadual da Educao de So

    Paulo destinado a alunos de 1 a 4 sries do Ensino de Primeiro Grau

    1990. Experincias Matemticas Secretaria Estadual da Educao de

    So Paulo destinado a alunos de 5 a 8 sries do Ensino de Primeiro

    Grau 1994. Cadernos de Apoio e Aprendizagem Secretaria Municipal

    da Educao de So Paulo destinado a alunos de 1 ao 9 ano do Ensino

    Fundamental 2010. Livretos de Alunos e Dirios do Professor

    Secretaria Estadual da Educao de So Paulo destinado a alunos de 1

    ao 5 ano do Ensino Fundamental 2012. (PIRES, 2012, p. 2)

    Nesse contexto, Pires (2012) considera a importncia de estudos sobre esses

    materiais, especialmente com o foco na relao que o professor estabelece com eles, e

    desse modo justifica a criao do projeto de pesquisa, que tem como objetivos gerais:

    i. configurar as necessidades de investigar as relaes dos professores com materiais

    de Matemtica, como campo emergencial de pesquisa no Brasil;

    ii. realizar estudos sobre materiais que apresentam o currculo de Matemtica, como

    foco na relao que o professor estabelece com eles;

    iii. identificar caractersticas dos materiais que favorecem e que dificultam uma melhor

    interao com os professores.

    Na elaborao dos anteprojetos individuais dos componentes desse projeto foi

    organizada uma listagem de temticas a serem investigadas por doutorandos e mestrandos,

    que foram melhor definidas medida em que o grupo se apropriava do tema.

  • 25

    Inserida nesse projeto global de pesquisa, minha investigao tem como objetivo

    realizar estudos sobre a relao de professores com os materiais curriculares e tem como

    foco de investigao o uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica.

    Com a sada da professora Clia Pires da PUC-SP, em fevereiro de 2015 passei a

    fazer parte do Grupo de Pesquisa Processos de Ensino e Aprendizagem em Matemtica

    (PEAMAT) que tem como coordenador o Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud. Desse modo,

    minhas investigaes passaram a ser desenvolvidas sob a orientao desse professor,

    dentro do Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP.

    Considero ser relevante destacar ter optado at esse momento por uma apresentao

    com nfase na primeira pessoa do singular devido necessidade de comunicar uma

    experincia muito particular, a qual deu origem ao trabalho. A partir desse momento

    adotarei, na maior parte da tese, a primeira pessoa do plural, por melhor expressar a

    cooperao mtua entre orientanda e orientador, produzindo um efeito de vnculo entre

    nossas ideias, que acaba por convergir para uma escrita coletiva.

    1.3 Estudos sobre a temtica

    No perodo de desenvolvimento desta pesquisa, realizamos um levantamento de

    trabalhos cientficos desenvolvidos no Brasil com o propsito de localizar a literatura

    existente sobre o tema, e em nossas buscas identificamos trs programas de ps-graduao

    que investigam os materiais curriculares de Matemtica e a relao que os professores

    estabelecem com eles:

    Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da

    Universidade Federal da Bahia em parceria com a Universidade Estadual de

    Feira de Santana (UFBA-UEFS);

    Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da Universidade Federal

    de Mato Grosso do Sul (UFMS);

    Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

    Por meio do Programa da UFBA-UEFS, no perodo compreendido entre 2009 e

    2011, os professores-pesquisadores Andria Maria Pereira de Oliveira e Jonei Cerqueira

    Barbosa, desenvolveram o projeto O papel dos materiais curriculares educativos nas

    prticas pedaggicas dos professores: o caso da modelagem matemtica. Nesse projeto o

  • 26

    foco de investigao era compreender como professores, que no tm contato prvio com

    modelagem matemtica, abordam materiais curriculares educativos em suas aulas.

    Entre 2011 e 2015 esses pesquisadores propuseram o projeto intitulado A

    aprendizagem dos professores de Matemtica com materiais curriculares educativos.

    Nesse estudo, o foco da investigao passou a ser as mudanas nas prticas pedaggicas

    dos professores que ensinam Matemtica em decorrncia da utilizao de materiais

    curriculares educativos que apresentem atividades com conexes entre matemtica, outras

    disciplinas, o dia a dia e o conhecimento profissional sobre o uso dessas atividades.

    Em busca de ampliar as pesquisas, em 2013, propuseram o projeto Materiais

    curriculares educativos sobre matemtica em ambientes virtuais e as anlises dos

    professores. Esse projeto tem como foco de investigao entender quais anlises os

    professores de Matemtica fazem de materiais curriculares disponibilizados em ambientes

    virtuais e apresenta como fundamentao a teoria dos cdigos de Basil Bernstein.

    Em decorrncia da proposio desses trs projetos do Programa de Ps-Graduao

    em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-UEFS, foram concludos quatro

    estudos de mestrado e dois estudos de doutorado, os quais apresentamos no Quadro 1, da

    pgina seguinte.

    Com o intuito de direcionar nossos estudos e conhecermos as investigaes que

    versam sobre materiais curriculares, realizamos uma sntese das pesquisas desenvolvidas

    no Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-

    UEFS.

    No estudo A Recontextualizao Pedaggica de Materiais Curriculares Educativos

    sobre Modelagem Matemtica nas Prticas Pedaggicas, Silva (2013) utilizou conceitos

    da teoria dos cdigos de Basil Bernstein. Os resultados apontaram cinco princpios:

    discusso sobre o tema; contedo da grade curricular; estrutura do material curricular;

    relao entre sujeitos na prtica pedaggica e investigao de situao-problema, e cinco

    estratgias adotadas pelos professores no tocante a enquadrar o programa no ambiente de

    modelagem, cumprir o programa da grade curricular; estudantes prosseguirem resoluo

    da tarefa e realizarem o que foi solicitado na tarefa.

    Ao pesquisar A transformao de textos de materiais curriculares educativos por

    professores de matemtica nas prticas pedaggicas: uma abordagem sociolgica com a

    lente terica de Basil Bernstein, Aguiar (2014) investigou como professores

    recontextualizam os textos dos materiais curriculares educativos nas prticas pedaggicas e

  • 27

    quais princpios regulam essa operacionalizao da recontextualizao. Os resultados

    apontaram que os professores operam a recontextualizao dos textos contidos nos

    materiais curriculares educativos para atender a princpios presentes na prtica pedaggica

    e estes contribuem para as diferentes recontextualizaes dos textos dos materiais

    curriculares educativos.

    Quadro 1: Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e

    Histria das Cincias da UFBA-UEFS

    Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase

    Lilian Arago da

    Silva

    Uma anlise do texto pedaggico do planejamento

    do ambiente de modelagem matemtica com a lente

    terica de Basil Berstein (Mestrado)

    Concludo em

    2013

    Maiana Santana da

    Silva

    A recontextualizao de materiais curriculares

    educativos sobre modelagem matemtica por

    professores nas prticas pedaggicas (Mestrado)

    Concludo em

    2013

    Airam da Silva Prado

    As imagens da prtica pedaggica nos textos dos

    materiais curriculares educativos sobre modelagem

    matemtica (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Wagner Ribeiro

    Aguiar

    A transformao de textos de materiais curriculares

    educativos por professores de matemtica nas

    prticas pedaggicas: uma abordagem sociolgica

    com a lente terica de Basil Bernstein (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Jamille Vilas Bas de

    Souza

    Professores de matemtica e materiais curriculares

    educativos: participao e oportunidades de

    aprendizagens (Doutorado)

    Concludo em

    2015

    Thaine Souza Santana

    A recontextualizao pedaggica de materiais

    curriculares educativos por futuros professores de

    matemtica non estgio de regncia (Doutorado)

    Concludo em

    2015

    Wedeson Oliveira

    Costa

    A participao de professores de Matemtica e

    anlise de materiais curriculares elaborados em um

    trabalho colaborativo (Mestrado)

    Concludo em

    2015

    Jakeline Amparo

    Villota Enrquez

    Estratgias utilizadas por professores que ensinam

    Matemtica na implementao de tarefas (Mestrado)

    Concludo em

    2016

    Airam da Silva Prado

    As imagens da prtica pedaggica em materiais

    curriculares educativos sobre matemtica e suas

    transformaes em contextos escolares (Doutorado)

    Iniciado em

    2014

    Paulo Diniz Materiais curriculares educativos e a aprendizagem

    de professores em Moambique (Doutorado)

    Iniciado em

    2013

    Fonte: Dados disponibilizados pelos coordenadores dos projetos de pesquisa.

  • 28

    A pesquisa As imagens da prtica pedaggica nos textos dos materiais curriculares

    educativos sobre modelagem matemtica, Prado (2014) utilizou o quadro terico de Basil

    Bernstein na construo do conceito de imagem da prtica pedaggica considerando a

    dimenso interacional (relaes entre sujeitos) e a dimenso estrutural (relaes entre

    discursos e espaos). Os estudos desse autor evidenciaram que a imagem da dimenso

    interacional est centrada tanto no professor como compartilhado com os estudantes. Na

    dimenso estrutural, a imagem da prtica pedaggica apresentada nos materiais pode ser

    descrita como flexibilizadora, disciplinadora e de acumulao.

    Santana (2015), na sua tese intitulada A recontextualizao pedaggica de

    materiais curriculares educativos operada por futuros professores de matemtica no estgio

    de regncia, investiga como futuros professores de Matemtica operam a

    recontextualizao de textos dos Materiais Curriculares Educativos nas prticas

    pedaggicas no estgio de regncia. Por meio desse estudo o autor sugere que as diferenas

    nas modalidades de prtica pedaggica comunicadas por meio da teoria, podem inferir que

    h diferentes princpios de comunicao que regulam a recontextualizao pedaggica dos

    materiais operada por futuros professores.

    Na tese Professores de matemtica e materiais curriculares educativos:

    participao e oportunidades de aprendizagens, Souza (2015) apresenta trs investigaes

    distintas: a aprendizagem docente, a participao do professor de Matemtica ao utilizar

    materiais curriculares educativos, bem como as oportunidades de aprendizagens do

    docente neste uso. A anlise do estudo permitiu caracterizar trs oportunidades de

    aprendizagens: oportunidades de aprendizagens relacionadas abordagem comunicativa na

    sala de aula, oportunidades de aprendizagens relacionadas aos cenrios para investigao e

    oportunidades de aprendizagens relacionadas ao desenvolvimento profissional.

    Na dissertao A participao de professores de matemtica e anlise de materiais

    curriculares elaborados em um trabalho colaborativo, Costa (2015) analisou a

    participao de professores de matemtica na elaborao de tarefas matemticas que

    constituem um material curricular educativo em um trabalho colaborativo e as tarefas

    matemticas produzidas por esses professores, utilizando os constructos tericos

    apresentados por Jean Lave e Etienne Wenger. Os resultados apontaram que a participao

    dos professores pode ocorrer de trs modos distintos: contemplando objetivos comuns do

    grupo, compartilhando sobre modos de elaborar questes matemticas investigativas ou

  • 29

    exploratrias e produzindo tarefas na perspectiva das prticas que participam outros

    professores de matemtica.

    No perodo de 2012 a 2014, o professor-pesquisador Marcio Antonio da Silva, do

    Programa da UFMS, desenvolveu o projeto Investigaes sobre o desenvolvimento

    profissional de professores que ensinam Matemtica por intermdio de suas relaes com

    os livros didticos.

    No projeto, o foco foi investigar como as relaes/interaes estabelecidas entre os

    docentes e os livros didticos influenciam o desenvolvimento profissional dos professores

    que ensinam Matemtica, utilizando os estudos de Brown (2002, 2009) e Remillard,

    Herbel-Eisenmann, Lloyd, (2009).

    O Programa da Educao Matemtica da Universidade Federal de Mato Grosso do

    Sul (UFMS) rene trs estudos de mestrado concludos, conforme pode ser observado no

    Quadro 2.

    Quadro 2:Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UFMS

    Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase

    Cristiano da Silva dos

    Anjos

    Crenas de um professor de Matemtica que

    emergem em suas interaes com um livro didtico

    do ensino mdio (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Jackeline Riquielme

    de Oliveira

    Relaes estabelecidas entre professores de

    Matemtica do Ensino Mdio e Livros Didticos, em

    diferentes fases da carreira (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Shirlei Paschoalin

    Furoni

    Conhecimentos mobilizados por professores de

    Matemtica do Ensino Mdio em suas relaes com

    Livros Didticos (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Fonte: Dados disponibilizados pelo coordenador do projeto de pesquisa.

    Em relao a esse projeto, na dissertao Crenas de um professor de matemtica

    que emergem em suas interaes com um livro didtico do ensino mdio o conceito de

    crenas foi fundamentado com base nos estudos de Alba Thompson e para a interpretao

    da relao entre os recursos pessoais do professor e os recursos curriculares do livro

    didtico foram utilizados os estudos de Brown. Nas anlises do estudo o autor assinala que

    a falta de reflexo crtica do docente sobre o seu sistema de crenas resultou em

    incoerncias entre o seu pensamento e suas prticas, a necessidade de repensar as crenas

    tradicionalistas no contexto da formao de professores de Matemtica e a urgncia de

  • 30

    reflexo a respeito de quais estruturas de recursos curriculares so projetadas nos livros

    didticos e de que maneira poderiam ampliar as capacidades docentes.

    Ao pesquisar as Relaes estabelecidas entre professores de matemtica do ensino

    mdio e livros didticos, em diferentes fases da carreira, a pesquisadora investigou como

    os professores se relacionam com o livro em sua prtica buscando compreender como a

    experincia influencia os professores na utilizao do livro, utilizando os estudos de Brown

    (2009), que aborda sobre as relaes que os professores estabelecem com os materiais

    curriculares; Huberman (1995); Marcelo Garca (1999); Gonalves (2009) e Tardif (2000),

    que tratam das fases da carreira de um professor. A pesquisadora evidencia que as

    apropriaes que os docentes fazem dos livros didticos so influenciadas por

    caractersticas profissionais variadas, como conhecimentos, experincias e objetivos de

    ensino e pela identidade que os professores assumiram no perodo de observao, assim,

    cada professor se desenvolve profissionalmente a seu modo e, portanto, a carreira no

    igual para os professores.

    No estudo Conhecimentos mobilizados por professores de matemtica do ensino

    mdio em suas relaes com livros didticos a pesquisadora adotou os estudos de Brown

    para discutir a relao entre os professores de Matemtica e os livros didticos, e estudos

    de Shulman que trata das vertentes da base de conhecimento para o ensino. Na anlise do

    estudo o autor pode evidenciar que os professores interagiram de vrias maneiras com os

    livros didticos durante suas prticas pedaggicas, utilizando os recursos dos livros e os

    seus prprios recursos.

    O Programa de Educao Matemtica da Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo (PUC-SP), por meio da professora-pesquisadora Clia Maria Carolino Pires, passou

    a desenvolver em 2012 o projeto Relaes entre professores e materiais que apresentam o

    currculo de Matemtica: um campo emergencial, envolvendo seis pesquisadores,

    conforme dados relacionados no Quadro 3.

    Dentre as pesquisas desse projeto, destacam-se dois estudos de mestrado que

    contriburam para a elaborao e desenvolvimento das pesquisas de doutora, os quais

    passaremos a apresentar uma sntese.

    No estudo Relaes entre professores e materiais curriculares no ensino de

    nmeros naturais e sistema de numerao decimal, Lima (2014) analisou como os

    professores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Rede Estadual Paulista

  • 31

    interpretam e colocam em prtica os diferentes tipos de orientaes didticas apresentados

    nos materiais curriculares de apoio ao professor e de que modo esses professores utilizam

    os materiais para ampliar os conhecimentos numricos de seus alunos. Nesse estudo, a

    referida autora identificou a ocorrncia de diferentes tipos de uso do material pelas

    professoras, elencados por Brown (2009), e em relao aprendizagem dos nmeros

    naturais e do sistema de numerao decimal, a pesquisadora assinala que os objetivos

    foram alcanados de acordo com os conhecimentos de cada uma para articular e explorar

    os recursos do material, e assinala que alm de reconhecer a existncia da relao, o

    material deve ser objeto e recurso de formao dos profissionais, aprofundando tanto os

    contedos matemticos como os conhecimentos didticos a eles referentes.

    Quadro 3: Pesquisas desenvolvidas no mbito Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP4

    Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase

    Silvana Ferreira Lima

    Relaes entre professores e materiais curriculares

    no ensino de nmeros naturais e sistema de

    numerao decimal (Mestrado)

    Concludo em

    2014

    Dbora Reis Pacheco

    O uso de materiais curriculares de Matemtica por

    professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental

    para o tema Espao e Forma (Mestrado)

    Concludo em

    2015

    Wagner Barbosa de

    Lima Palanch

    Currculos de Matemtica: uma contribuio para o

    mapeamento de produes e identificao de novas

    demandas de pesquisa (Doutorado)

    Concludo em

    2016

    Gilberto Januario

    Marco conceitual para estudar a relao entre

    materiais curriculares e professores de Matemtica

    (Doutorado)

    Concludo em

    2017

    Katia Lima

    Relao professor-materiais curriculares em

    Educao Matemtica: uma anlise a partir de

    elementos dos recursos do currculo e dos recursos

    dos professores (Doutorado)

    Concludo em

    2017

    Simone Bueno Uso de materiais curriculares por professores de

    Matemtica (Doutorado)

    Concludo em

    2017

    Fonte: Dados disponibilizados pela coordenadora do projeto de pesquisa

    O estudo de Pacheco (2015), intitulado O uso de materiais curriculares de

    Matemtica por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental para o tema Espao e

    4 A partir de janeiro de 2015, as pesquisas de Gilberto Januario e Katia Lima passaram a ser orientadas pela

    Prof. Dr. Ana Lcia Manrique; e as pesquisas de Wagner Barbosa de Lima Palanch e Simone Bueno

    passaram a ser orientadas pelo Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

  • 32

    Forma, teve por objetivo investigar como duas professoras dos anos iniciais se relacionam

    com materiais curriculares especficos do bloco Espao e Forma. Para compreender a

    relao das professoras com os materiais curriculares, a investigao baseou-se nos estudos

    de Brown (2009), que destaca os recursos curriculares e seus diferentes tipos de uso; os

    estudos de Van Hiele (Crowley, 1994); Parzysz (1988;2006) alm de Piaget e Inhelder

    (1993), no tocante ao tema espao e forma. A pesquisadora evidencia que os professores

    utilizam os materiais curriculares de diferentes modos e estes modos de uso podem refletir

    as concepes e conhecimentos dos professores em relao ao material e a temtica

    explorada. A autora destaca que a qualidade da prtica docente depende das contribuies

    do material e dos recursos do professor e assinala a necessidade do atualizar-se

    constantemente em relao aos contedos e as prticas didticas, apropriando-se dos

    materiais utilizados em sala como ferramentas que auxiliam sua prtica.

    Ao todo, esses trs programas de ps-graduao desenvolveram cinco projetos de

    pesquisa sobre materiais curriculares de Matemtica e envolveram 19 investigaes, entre

    dissertaes e teses.

    Consideramos que esse nmero representa um movimento ainda tmido, no interior

    dos programas de ps-graduao e de pesquisadores engajados nas investigaes.

    Consideramos, assim, a necessidade de mais pesquisas sobre essa temtica.

    Desse modo, nossa investigao tem o propsito de juntar-se a outras pesquisas que

    estudam o currculo de Matemtica e acrescentar outro vis focando o uso de materiais

    curriculares por professores de Matemtica. Entendemos que proceder a anlise do

    currculo ganha significado nas salas de aula das escolas, requer que se faam estudos

    sobre as relaes que os professores estabelecem com os materiais curriculares. Somente

    por meio de pesquisas poderemos entender que uso esse profissional faz dos materiais

    curriculares e que impactos estes materiais tm na prtica do professor, ao trabalhar

    situaes de aprendizagem matemtica.

    1.4 Formulao do objetivo e questes norteadoras

    Aps a apresentao da literatura relevante sobre materiais curriculares e

    considerando que o tema amplo e complexo, para delimitar nosso estudo, nos

    concentraremos no uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica.

    Mesmo sendo fundamental ao docente, o entendimento conceitual de currculo,

    muitas vezes, este vem associado a programas e a disciplinas. Esse fato provoca a reflexo

  • 33

    sobre a prtica pedaggica do profissional frente seleo e utilizao do material

    curricular ao trabalhar os contedos abordados no currculo. Na percepo de Sacristn

    (1999), a prtica pedaggica entendida como uma ao do professor no espao de sala de

    aula, fato esse que pode interferir significativamente na construo do conhecimento do

    aluno.

    Desse modo, ao considerarmos a prtica pedaggica como uma ao do professor

    na dinmica do processo curricular, os professores conferem vida e significado ao

    currculo, pois a partir do professor, o currculo moldado e posto em prtica podendo ou

    no se efetivar enquanto currculo e comprovar sua eficincia.

    Mas, o currculo no pode ser encarado como uma simples lista de contedos a ser

    cumprida, na verdade ele representa a sntese de conhecimentos e valores que caracterizam

    um processo social expresso pelo trabalho pedaggico concebido nas escolas.

    O currculo escrito contm os conhecimentos e as competncias que sero

    desenvolvidas pelos alunos. No entender de Goodson (2008, p. 21), [...] o currculo

    escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa do terreno

    sujeito a modificaes; constitui tambm um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura

    institucionalizada da escolarizao.

    Nesse contexto, o modo como o professor utiliza e explora o material curricular,

    pode ter um papel decisivo na aprendizagem dos alunos.

    Estudos sobre a relao que os professores estabelecem com os materiais

    curriculares tm sido destacados por Brown (2009). Esse autor considera que os

    professores interagem com os materiais curriculares de diferentes modos e quanto

    melhores e mais detalhados os materiais curriculares disponveis para o professor, maiores

    sero as possibilidades para preparar a aula.

    Nesse cenrio de investigao, o modo como os professores utilizam esses

    materiais e selecionam as atividades para promover a aprendizagem tem instigado nosso

    questionamento.

    Desse modo, a presente pesquisa tem como objetivo realizar estudos sobre a relao

    de professores com os materiais curriculares.

    Ao delimitar o problema de pesquisa nos propomos a investigar as seguintes

    questes:

  • 34

    Quais materiais os professores utilizam para traduzir as orientaes curriculares?

    Quais fatores influenciam a utilizao dos materiais curriculares de Matemtica por

    professores?

    Quais as interaes dos professores com os materiais curriculares ao adaptar, criar

    ou improvisar o material de acordo com os objetivos que se pretende alcanar?

    Qual percepo do professor no uso do livro didtico?

    A partir dos dados coletados e da anlise realizada, esperamos que os resultados

    obtidos possam ser traduzidos em propostas que orientem e fomentem a reflexo do

    professor frente ao currculo de Matemtica e, possam contribuir para um processo

    reflexivo na formao inicial, continuada ou em curso de professores que ensinam/mediam

    processos de aprendizagem matemtica.

    Em busca de respostas para nossas questes de pesquisa e como ferramenta para

    discorrer sobre o currculo de Matemtica, utilizamos como aporte terico para nossas

    reflexes alguns construtos tericos oriundos da publicao Mathematics Teachers at Work

    - Connecting Curriculum Materials and Classroom Instruction, coordenada por Janine T.

    Remillard, professora associada de Educao da Faculdade de Educao da Universidade

    da Pensilvnia, Beth A. Herbel-Eisenmann, professora assistente de Formao de

    Professores da Michigan State University e Gwendolyn Monica Lloyd, professora do

    Departamento de Matemtica da Virginia Tech.

    Esta anlise representa a primeira coletnea de pesquisas sobre o uso que

    professores fazem de materiais curriculares de Matemtica e o impacto no ensino, e,

    embora o campo de pesquisa sobre o uso de materiais curriculares pelos professores esteja

    crescendo, ainda carece de uma base terica e conceitual5.

    1.5 Caracterizao da pesquisa

    Nosso trabalho tem por objetivo realizar estudos sobre a relao de professores com

    os materiais curriculares. Desse modo, foi necessrio buscar um contato direto com os

    professores na tentativa de desvendar suas percepes, dificuldades, quais adaptaes so

    5 Desta obra, selecionamos trs artigos que apresentam contribuies para o tema que elegemos investigar e que iremos utilizar como referencial na elaborao de nossa tabela de categorizao: The TeacherTool

    Relationship, Theorizing the Design and Use of Curriculum Materials (Matthew W. Brown), Factors

    Influencing Student Teachers Use of Mathematics Curriculum Materials (Stephanie L. Behm e Gwendolyn

    Monica Lloyd; e o artigo de Constantinos Christou, Maria Eliophotou - Menon and George Philippou

    intitulado Beginning Teachers Concerns Regarding the Adoption of New Mathematics Curriculum

    Materials

  • 35

    feitas por eles no material que lhe apresentado e de que modo o currculo de fato

    praticado em sala de aula ao utilizar os materiais curriculares.

    Este estudo ser guiado pelos princpios que norteiam o trabalho acadmico na

    abordagem qualitativa. Bogdan e Biklen (1994) descrevem esse tipo de pesquisa enquanto

    uma [...] metodologia de investigao que enfatiza a descrio, a induo, a teoria

    fundamentada e o estudo das percepes pessoais (p. 11). No entender de Creswell (2010)

    a pesquisa qualitativa envolve as questes e os procedimentos que emergem, os dados

    tipicamente coletados no ambiente do participante, a anlise, dos dados indutivamente

    construda a partir das particularidades para os temas gerais e as interpretaes feitas pelo

    pesquisador acerca do significado dos dados (p. 26).

    Quaisquer que sejam as distines que se possam fazer em relao caracterizao

    das vrias formas dos trabalhos cientficos, Severino (2007) assinala que todos eles tm em

    comum a necessria procedncia de um trabalho de pesquisa e de reflexo que seja

    pessoal, autnomo, criativo e rigoroso (p. 214). No tocante a esses princpios nosso

    estudo ser guiado pelo carter:

    pessoal: a escolha do tema de pesquisa assim como sua realizao um ato poltico,

    que se constitui como uma problemtica vivenciada. O carter pessoal do trabalho

    est impregnado de elementos de uma dimenso social, o que confere seu sentido

    poltico;

    autnomo: entende-se a autonomia como a capacidade de um inter-relacionamento

    com outros pesquisadores, com os resultados de outras pesquisas. Esse inter-

    relacionamento dialtico, pois ele nega, ao mesmo tempo que afirma a relevncia

    de outras contribuies;

    criativo: este um elemento essencial na construo do conhecimento cientfico,

    nesse momento no basta apenas aprender ou apropriar-se da cincia acumulada,

    mas ser colaborador no desenvolvimento da cincia, e fazer avanar esse

    conhecimento buscando seu desvelamento e sua explicao a partir de uma

    perspectiva criativa e inovadora;

    rigor: este princpio diz respeito ao compromisso assumido, no havendo lugar para

    senso comum, mediocridade, espontanesmo ou diletantismo. Ao pesquisador cabe

    empenho e compromisso, sem os quais no h cincia nem resultado vlido. Um

    trabalho relevante exige muita leitura, perseverana, sendo imprescindvel

    fundamentao terica.

  • 36

    Desse modo, a coleta dos dados foi feita por meio de trabalho de campo, tendo

    como sujeitos de pesquisa quatro professores, que ministram aulas de Matemtica no

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio do Ensino Regular, em uma escola da Rede

    Estadual de Ensino de So Paulo, localizada na regio do ABC.

    Entendemos que a pesquisa qualitativa proporciona maior autonomia e

    flexibilidade para avaliar a situao estudada, por meio dela podemos observar as

    interaes em sala de aula e obter dados descritivos sobre os atores envolvidos, no caso

    as interaes dos professores participantes do estudo com os materiais curriculares.

    1.6 Estruturao dos captulos da tese

    O primeiro capitulo refere-se introduo do nosso trabalho, em que apresentamos

    os primeiros passos e a insero no grupo de pesquisa, justificando a escolha pelo tema e a

    formulao dos objetivos.

    No segundo captulo discorremos sobre algumas ideias acerca de currculo e de que

    modo o currculo se faz presente. Utilizamos como referencial Schulman (1986), Grundy

    (1987), M. Apple (1991), Stenhouse (1991), Bishop (1999), Pacheco (2001), Pires (2008),

    e em especial o trabalho do pesquisador espanhol Jos Gimeno Sacristn (2000).

    No terceiro captulo, com a finalidade de situar as novas discusses, apresentamos

    as contribuies tericas de Brown (2009) referente s interaes dos professores com os

    materiais curriculares e os diferentes tipos de uso.

    Na busca por fundamentos tericos para sustentar nosso estudo, a partir da leitura

    do livro Mathematics Teachers at Work: Connecting Curriculum Materials and Classroom

    Instruction, no quarto captulo, selecionamos dois artigos que constam no livro e que

    apresentam contribuies para o tema que elegemos para investigar. O artigo de Stephanie

    L. Behm e Gwendolyn Monica Lloyd, intitulado Factors Influencing Student Teachers

    Use of Mathematics Curriculum Materials; e o artigo de Constantinos Christou, Maria

    Eliophotou-Menon e George Philippou intitulado Beginning Teachers Concerns

    Regarding the Adoption of New Mathematics Curriculum Materials, traduzidos e

    discutidos por nosso grupo de pesquisa.

    No primeiro artigo, os autores descrevem o modo como trs professores-estudante

    utilizam o material curricular de Matemtica, e no segundo artigo, os autores procuram

  • 37

    evidenciar as preocupaes dos professores, relativas adoo de novos materiais

    curriculares de Matemtica.

    No quinto captulo, apresentamos o cenrio e o contexto da pesquisa, delineando o

    modo como os dados foram coletados e apresentamos o roteiro de observao e as

    categorias de anlise pautadas em nosso referencial terico.

    No sexto captulo descrevemos o perfil dos atores envolvidos e a relao dos

    professores com os materiais curriculares. Para compreender o uso que os professores

    fazem do material curricular, respondendo nossas questes de pesquisa, detalhamos os

    recursos e os materiais utilizados pelos professores participantes da pesquisa.

    No stimo e ltimo captulo tecemos algumas reflexes sobre as observaes

    realizadas nas aulas e as consideraes finais sintetizam nossas concluses e indicam os

    prximos passos a percorrer.

  • 38

    CAPTULO 2

    Algumas ideias acerca de Currculo

    O currculo se tece em cada escola com a carga de seus participantes, que trazem para cada ao pedaggica de sua cultura e de sua memria de outras escolas e de outros cotidianos nos quais vive. nessa grande rede cotidiana, formada de mltiplas redes de subjetividade, que cada um de ns traamos nossas histrias de aluno/aluna e de professor/professora. O grande tapete que o currculo de cada escola, tambm sabemos todos, nos enreda com os outros formando tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com as relaes culturais que mantemos e do tipo de memria que ns temos de escola (LOPES, 2006).

    Neste captulo discorremos sobre o conceito currculo. Para a escrita referenciamo-

    nos, em especial, no trabalho do pesquisador espanhol Gimeno Sacristn (2000), que

    compreende o currculo em diferentes nveis ou fases: currculo prescrito, currculo

    apresentado aos professores, currculo moldado pelos professores, currculo em ao e

    currculo avaliado.

    importante o entendimento desses nveis, pois em nosso estudo analisamos a

    relao do professor com os materiais curriculares. Na relao estabelecida pelo professor

    com esses materiais, o docente tem uma importante margem de autonomia na modelao

    do currculo que lhe apresentado e que ser posto em prtica.

    2.1 O emergir do termo currculo

    Estudos no campo do currculo revelam que diferentes pesquisadores tm se

    debruado sobre esse tema, evidenciando algumas definies do termo ao longo do tempo,

    o que possibilita ampliar e diversificar cada vez mais estudos nesse campo.

    Sacristn (2000) sinaliza que as definies sobre currculo so numerosas e

    refletem diversas acepes. No entender desse autor,

  • 39

    o currculo uma prxis antes que um objeto esttico emanado de um modelo

    coerente de pensar a educao ou as aprendizagens necessrias das crianas e dos

    jovens, que tampouco se esgota na parte explcita do projeto de socializao

    cultural nas escolas. uma prtica, expresso, da funo socializadora e cultural

    que determinada instituio tem, que reagrupa em torno dele uma srie de

    subsistemas ou prticas diversas, entre as quais se encontra a prtica pedaggica

    desenvolvida em instituies escolares que comumente chamamos de ensino.

    uma prtica que se expressa em comportamentos prticos diversos. O currculo,

    como projeto baseado num plano construdo e ordenado, relaciona a conexo

    entre determinados princpios e uma realizao dos mesmos, algo que se h de

    comprovar e que nessa expresso prtica concretiza seu valor. uma prtica na

    qual se estabelece um dilogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos

    tcnicos, alunos que reagem frente a ele e professores. (SACRISTN, 2000, p.

    15-16)

    Portanto, podemos aferir que o currculo uma prtica e envolve relaes sociais e

    culturais abrangentes que so determinantes para o processo de aprendizagem, podendo

    interferir no desempenho do educando em sala de aula. Sabaini (2007, p. 3) considera que

    o currculo processo constitudo por um encontro cultural, saberes, conhecimentos

    escolares na prtica de sala de aula e locais de interao professor e aluno.

    Lopes e Macedo (2013) consideram que por estar suscetvel a diferentes enfoques

    paradigmticos e usados em momentos distintos do desenvolvimento curricular, o

    significado de currculo foi se redimensionando e adquirindo diversos significados ao

    longo da histria. Estes autores afirmam que

    embora simples, a pergunta o que currculo no tem encontrado resposta fcil.

    Desde o incio do sculo passado ou mesmo desde um sculo antes, os estudos

    curriculares tm definido currculo de formas muito diversas e vrias dessas

    definies permeiam o que tem sido denominado currculo no cotidiano das

    escolas. Indo dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino ao que

    acontece em sala de aula, currculo tem significado, entre outros, a grade

    curricular com disciplinas/atividades e cargas horrias, o conjunto de

    ementas e os programas das disciplinas/ atividades, os planos de ensino dos

    professores, as experincias propostas e vividas pelos alunos. H, certamente,

    um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currculo: a ideia de

    organizao, previa ou no, de experincias/situaes de aprendizagem realizada

    por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educativo

    (LOPES E MACEDO, 2013 p. 14, grifos nossos).

    justamente na construo, implantao, elaborao dos modelos das propostas

    curriculares e expresso de determinadas prticas pedaggicas que se define que tipo de

    sociedade se quer construir, o que a escola faz, para quem faz ou deixa de fazer. Desse

    modo, prtica pedaggica e currculo, ao constiturem-se como prxis, perfazem o estatuto

    do processo.

    No tocante prtica pedaggica, Fernandes (2006) a considera como uma

  • 40

    prtica intencional de ensino e aprendizagem no reduzida questo

    didtica ou s metodologias de estudar e de aprender, mas articulada

    educao como prtica social e ao conhecimento como produo histrica

    e social, datada e situada, numa relao dialtica entre prtica-teoria,

    contedo-forma e perspectivas interdisciplinares (FERNANDES, 2006, p.

    447).

    Desse modo, o conhecimento um processo que se constitui num espao-tempo

    onde transitam diferentes histrias, culturas e conflitos. Para Shulman (1986), a base de

    conhecimento no ensino envolve conhecimentos, compreenses e habilidades que o

    docente dispe no ensino de uma determinada matria e envolve: i) o conhecimento

    especfico do contedo; ii) o conhecimento pedaggico do contedo; iii) o conhecimento

    curricular do contedo. Em relao ao conhecimento especfico do contedo, esse autor

    considera como

    [...] aquele conhecimento que vai alm do conhecimento da matria em si e

    chega na dimenso do conhecimento da matria para o ensino. Eu [Shulman]

    ainda falo de contedo aqui, mas de uma forma particular de conhecimento de

    contedo que engloba os aspectos do contedo mais prximos de seu processo

    de ensino. [...] dentro da categoria de conhecimento pedaggico do contedo eu

    incluo, para os tpicos mais regularmente ensinados numa determinada rea do

    conhecimento, as formas mais teis de representao dessas ideias, as analogias

    mais poderosas, ilustraes, exemplos e demonstraes numa palavra, os

    modos de representar e formular o tpico que o faz compreensvel aos demais.

    Uma vez que no h simples formas poderosas de representao, o professor

    precisa ter em mos um verdadeiro arsenal de formas alternativas de

    representao, algumas das quais derivam da pesquisa enquanto outras tm

    sua origem no saber da prtica (SHULMAN, 1986, p. 9, grifos nossos).

    No entanto, o autor considera ser importante articular esse conhecimento ao

    conhecimento pedaggico do objeto de estudo. Em relao a este conhecimento, ele

    pondera que

    dentro da categoria do conhecimento pedaggico do objeto estudado, eu incluo,

    na maioria dos tpicos ensinados, regularmente na rea de um professor, as

    formas mais teis de representaes dessas ideias, as analogias, ilustraes,

    exemplos, explicaes e demonstraes mais poderosas resumindo, as

    maneiras de representar e formular a matria para torn-la compreensvel para

    outros [...] tambm inclui uma compreenso do que torna a aprendizagem de um

    tpico especfico fcil ou difcil: as concepes e preconcepes que os alunos

    de idades e formao diferentes trazem para o ensino (SHULMAN, 1986, p. 9).

    Nesta perspectiva, o conhecimento pedaggico do contedo vai alm do

    conhecimento do contedo propriamente dito, e se destaca pelo conhecimento de

    estratgias por parte do docente e que possibilitam a aprendizagem dos alunos.

  • 41

    Shulman (1986) tambm considera de suma importncia ao docente o

    conhecimento do currculo, alm de conhecer a variedade de materiais disponveis que

    possam ser selecionados no ensino de sua disciplina, incluindo nesta categoria os

    conhecimentos relacionados aos programas oficiais (no caso do Brasil, os Parmetros

    Curriculares Nacionais).

    Entendemos que o conhecimento do currculo se constitui como um processo

    dinmico e complexo que resulta das mltiplas relaes que se estabelecem entre

    diferentes atores, em contextos diversos, e est carregado de valores e pressupostos que

    precisamos decifrar. Nessa perspectiva, advm a importncia do conceito de currculo

    como projeto,

    cujo processo de construo e desenvolvimento interativo, que implica

    unidade, continuidade e interdependncia entre o que se decide ao nvel do plano

    normativo, ou oficial, e ao nvel do plano real, ou do processo de ensino-

    aprendizagem. Mais ainda, o currculo uma prtica pedaggica que resulta

    da interao e confluncia de vrias estruturas (polticas, administrativas,

    econmicas, culturais, sociais, escolares, ...) na base de quais existem

    interesses concretos e responsabilidades compartilhadas. (PACHECO, 2001,

    p. 20, grifos nossos)

    Nesse contexto, consideramos que as teorizaes sobre o currculo devem conhecer

    os caminhos pelos quais percorreram seus estudos, sua construo cultural, analisando suas

    teorias e prticas, e considerar que o sistema educacional serve a certos interesses que se

    refletem no currculo, envolvendo relaes sociais, culturais e polticas abrangentes e

    determinantes e que podem interferir no desempenho dos alunos.

    2.2 Interaes do Currculo

    O currculo no pode ser associado a apenas um documento didtico, pensar no

    currculo pensar em como interage um grupo de pessoas imersas na educao, em que

    o currculo nunca apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de

    algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nao. Ele

    sempre parte de uma tradio seletiva, resultado da seleo de

    algum, da viso de algum grupo acerca do que seja conhecimento

    legitimo. produto das tenses, conflitos e concesses culturais,

    polticas e econmicas que organizam e desorganizam um povo (APPLE,

    1991, p. 50, grifos nossos).

    A essa concepo converge a de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p. 15), ao afirmar

    que

  • 42

    o currculo sempre resultado de uma seleo: de um universo mais amplo

    de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir,

    precisamente o currculo. As teorias do currculo, tendo decidido quais

    conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que esses

    conhecimentos e no aqueles devem ser selecionados (SILVA, 2005, p. 15,

    grifos nossos).

    Bishop (1999) considera que o comportamento de um grupo de pessoas determina

    sua cultura, e ao interagir com diferentes grupos, troca e compartilha experincias e

    conhecimentos. No entender desse autor o contato entre diferentes culturas contribui para

    promover o crescimento cultural; portanto, o currculo, numa perspectiva cultural, enfatiza

    a necessidade de se explicitarem os valores da Matemtica nos currculos, buscando

    relacionar as pessoas e sua cultura Matemtica.

    Pacheco (2011, p. 77) considera que

    em todo o projecto de formao, o currculo adquire centralidade, pois

    no s conhecimento, como tambm um processo que adquire forma e

    sentido, de acordo com a organizao em que se realiza e em funo do

    espao e tempo em que se materializa.

    Entendemos que o currculo ao se modelar dentro de um sistema escolar expressa

    interesses e foras que gravitam sobre o sistema educativo em um determinado momento.

    Desse modo, o desenvolvimento curricular torna-se uma tarefa complexa, pois resulta da

    interao entre vrias instncias, como cultural, poltica, social, escolar, administrativa e

    econmica.

    Sacristn (2000) considera que a escola, de um modo geral, sob qualquer modelo de

    educao, adota uma posio e orientao seletiva frente cultura que se concretiza no

    currculo que transmite. Nesse contexto, o sistema educativo serve a certos interesses que

    se refletem no currculo.

    Nesse contexto consideramos que o currculo se configura como elemento bsico

    de articulao das prticas educativas e por meio dele refletem o esquema socializador,

    formativo e cultural que a instituio escolar possui. Assim,

    as profundas relaes entre currculo e produo de identidades sociais e

    individuais, tantas vezes destacadas nas teori