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1 USO DA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS TECNOLÓGICAS EM SERVIÇOS DE MEDICINA DIAGNÓSTICA RESUMO Objetivo: Esta pesquisa teve como objetivo geral identificar os elementos componentes das competências tecnológicas em serviços por meio do estudo do uso da tecnologia e seus impactos nas práticas organizacionais. Originalidade/lacuna/relevância/implicações: O pressuposto fundamental a orientar esta pesquisa é que o desenvolvimento da competência tecnológica em serviços ocorre a partir do uso da tecnologia, em coordenação com recursos humanos, e seus impactos nas práticas organizacionais. Utiliza-se aqui a visão da tecnologia como prática (Orlikowski, 2000, 2002), em que a tecnologia é criada e alterada pela ação humana. Principais aspectos metodológicos: A abordagem de pesquisa é qualitativa, baseada em entrevistas com desenvolvedores, usuários e gestores de tecnologia. Foi analisado o segmento de serviços de medicina diagnóstica, percorrendo-se os seguintes objetivos específicos: (1) caracterização das tecnologias utilizadas na prestação de serviço, presentes no segmento de medicina diagnóstica; (2) identificação das especificidades no uso da tecnologia conforme a articulação entre agentes e estrutura; (3) identificação dos elementos de competência tecnológica que emergem do uso da tecnologia no segmento estudado, e (4) comparação das diferenças entre as dimensões das competências tecnológicas identificadas das empresas analisadas. Entrevistas por meio de roteiro semi-estruturado viabilizaram a coleta de dados e a análise de conteúdo foi a técnica utilizada para analisar os dados coletados. Síntese dos principais resultados: A principal contribuição da pesquisa foi a identificação das tecnologias utilizadas a partir de uma perspectiva que reúne tanto a perspectiva do usuário quanto do desenvolvedor, em que são analisados os desdobramentos em termos de práticas organizacionais e desempenho. Principais considerações/conclusões: A análise das entrevistas sugere que a tecnologia está institucionalizada, sendo desenvolvida a partir de pessoal interno, e evolui a partir da própria dinâmica do mercado, apesar de ainda haver alguma resistência à sua adoção. A tecnologia é utilizada com intensidade, resultando em mudanças nas práticas e no desempenho, com benefícios claros em termos de rapidez, eficiência e ganhos de escala. Palavras-chave: Tecnologia, Competência Tecnológica, Serviços, Medicina Diagnóstica, Práticas Organizacionais.

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1

USO DA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

TECNOLÓGICAS EM SERVIÇOS DE MEDICINA DIAGNÓSTICA

RESUMO

Objetivo: Esta pesquisa teve como objetivo geral identificar os elementos componentes das

competências tecnológicas em serviços por meio do estudo do uso da tecnologia e seus

impactos nas práticas organizacionais.

Originalidade/lacuna/relevância/implicações: O pressuposto fundamental a orientar esta

pesquisa é que o desenvolvimento da competência tecnológica em serviços ocorre a partir do

uso da tecnologia, em coordenação com recursos humanos, e seus impactos nas práticas

organizacionais. Utiliza-se aqui a visão da tecnologia como prática (Orlikowski, 2000, 2002),

em que a tecnologia é criada e alterada pela ação humana.

Principais aspectos metodológicos: A abordagem de pesquisa é qualitativa, baseada em

entrevistas com desenvolvedores, usuários e gestores de tecnologia. Foi analisado o segmento

de serviços de medicina diagnóstica, percorrendo-se os seguintes objetivos específicos: (1)

caracterização das tecnologias utilizadas na prestação de serviço, presentes no segmento de

medicina diagnóstica; (2) identificação das especificidades no uso da tecnologia conforme a

articulação entre agentes e estrutura; (3) identificação dos elementos de competência

tecnológica que emergem do uso da tecnologia no segmento estudado, e (4) comparação das

diferenças entre as dimensões das competências tecnológicas identificadas das empresas

analisadas. Entrevistas por meio de roteiro semi-estruturado viabilizaram a coleta de dados e a

análise de conteúdo foi a técnica utilizada para analisar os dados coletados.

Síntese dos principais resultados: A principal contribuição da pesquisa foi a identificação das

tecnologias utilizadas a partir de uma perspectiva que reúne tanto a perspectiva do usuário

quanto do desenvolvedor, em que são analisados os desdobramentos em termos de práticas

organizacionais e desempenho.

Principais considerações/conclusões: A análise das entrevistas sugere que a tecnologia está

institucionalizada, sendo desenvolvida a partir de pessoal interno, e evolui a partir da própria

dinâmica do mercado, apesar de ainda haver alguma resistência à sua adoção. A tecnologia é

utilizada com intensidade, resultando em mudanças nas práticas e no desempenho, com

benefícios claros em termos de rapidez, eficiência e ganhos de escala.

Palavras-chave: Tecnologia, Competência Tecnológica, Serviços, Medicina Diagnóstica,

Práticas Organizacionais.

2

1 INTRODUÇÃO

A medicina diagnóstica é um conglomerado de especialidades direcionadas à realização de

exames complementares no auxílio ao diagnóstico, com impacto nos diferentes estágios da

cadeia de saúde: prevenção, diagnóstico, prognóstico e acompanhamento terapêutico.

Fazem parte deste mercado os laboratórios de patologia clínica/medicina laboratorial,

de anatomia patológica, as clínicas de radiologia e imagem e de outras especialidades,

conjuntamente denominados de centro de diagnósticos e também as indústrias de

diagnósticos, fornecedores de todas as instituições citadas anteriormente (Campana; De Faro

& Gonzalez, 2009).

Nos últimos vinte anos a medicina diagnóstica apresentou significativa evolução, que

em grande parte está relacionada ao desenvolvimento de tecnologias de automação. O uso de

tais tecnologias contribuiu para que as organizações que atuam na medicina diagnóstica se

tornassem mais competitivas em suas áreas de produção, melhorando aspectos tais como

qualidade, confiabilidade, flexibilidade, velocidade e custo.

A melhora no desempenho de tais organizações também pode ser explicada em termos

de competências tecnológicas, pois o aumento do conteúdo tecnológico em serviços requer o

aprimoramento das competências tecnológicas tanto das firmas quanto dos fornecedores e

usuários do serviço (Schumann et al, 2012). No entanto, grande parte dos estudos voltados a

competências tecnológicas está concentrada nos setores de manufatura, havendo limitações

dos indicadores de competência tecnológica quando se trata do setor de serviços.

Nesse sentido esse trabalho busca identificar o desenvolvimento de competências

tecnológicas em serviços de medicina diagnóstica por meio da investigação do uso da

tecnologia, bem como sobre os seus impactos nas práticas organizacionais.

Esta pesquisa teve, portanto, como objetivo geral identificar o desenvolvimento das

competências tecnológicas em serviços de medicina diagnóstica por meio do estudo do uso da

tecnologia e seus impactos nas práticas organizacionais. O pressuposto fundamental que

orienta esse trabalho é que o desenvolvimento da competência tecnológica em serviços ocorre

a partir do uso da tecnologia, em coordenação com recursos humanos, e seus impactos nas

práticas organizacionais. Utiliza-se aqui a visão da tecnologia como prática (Orlikowski,

2000, 2002), em que a tecnologia é criada e alterada pela ação humana.

Para a consecução do objetivo geral foram propostos os seguintes objetivos

específicos:

(1) caracterizar as tecnologias utilizadas na prestação de serviço, presentes no

segmento de medicina diagnóstica.

3

(2) identificar as especificidades no uso da tecnologia conforme a articulação entre

agentes e estrutura.

(3) identificar os elementos de competência tecnológica que emergem do uso da

tecnologia no segmento estudado.

(4) comparar as diferenças entre as dimensões das competências tecnológicas

identificadas das empresas analisadas.

O presente estudo se justifica por revelar aos gestores as competências tecnológicas

usuais em serviços de medicina diagnóstica e por revelar os impactos que o emprego dessas

tecnologias provoca sobre as práticas organizacionais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para embasar o estudo, fez-se revisão da literatura que trata da tecnologia da informação, da

tecnologia da medicina diagnóstica e das controvérsias conceituais e a abordagem de

tecnologia na prática.

2.1 Tecnologia da Informação

Laurindo (2001) salienta que alguns autores, como Alter (1992), fazem distinção entre

Tecnologia da Informação e Sistemas de Informação, restringindo à primeira expressão

apenas os aspectos técnicos, enquanto que à segunda corresponderiam as questões relativas ao

fluxo de trabalho, pessoas e informações envolvidas. Outros autores, no entanto, usam o

termo tecnologia da informação abrangendo ambos os aspectos, como é a visão de Henderson

e Venkatraman (1993).

Neste estudo adota-se o conceito mais amplo de Tecnologia da Informação (TI),

incluindo os sistemas de informação, com seus recursos de hardware (maquinas e mídias),

software (programas e procedimentos), dados (bancos de dados e bases de conhecimento),

telecomunicações (meios de comunicação e suporte de rede), e recursos humanos (usuários

finais e especialistas em SI), utilizados pelas organizações para fornecer dados, informações e

conhecimento (Luftman et al., 1993; Weil, 1992; O’Brien, 2008), conforme representado na

Figura 1. No segmento de medicina diagnóstica a tecnologia da informação se faz presente,

notadamente na automação de seus laboratórios.

4

Figura 1 componentes dos sistemas de informação

Fonte: O’Brien (2008)

2.2 Tecnologia em Medicina Diagnóstica

A medicina diagnóstica é um conglomerado de especialidades direcionadas à realização de

exames complementares no auxílio ao diagnóstico, com impacto nos diferentes estágios da

cadeia de saúde: prevenção, diagnóstico, prognóstico e acompanhamento terapêutico. Fazem

parte deste mercado os laboratórios de patologia clínica/medicina laboratorial, de anatomia

patológica, as clínicas de radiologia e imagem e de outras especialidades, conjuntamente

denominados de centro de diagnósticos e também as indústrias de diagnósticos, fornecedores

de todas as instituições citadas anteriormente (Campana; De Faro & Gonzalez, 2009).

Nos últimos vinte anos a medicina diagnóstica apresentou significativa evolução, que

em grande parte está relacionada ao desenvolvimento de tecnologias de automação. O uso de

tais tecnologias contribuiu para que as organizações que atuam na medicina diagnóstica se

tornassem mais competitivas em suas áreas de produção, melhorando aspectos tais como

qualidade, confiabilidade, flexibilidade, velocidade e custo.

Um dos fatores cruciais para o bom desempenho dos serviços na medicina diagnóstica

é a implementação das tecnologias de automação adequadas aos mesmos. Para que isso ocorra

é fundamental que o projeto de tais tecnologias seja guiado pelas suas funcionalidades, ou

seja, há necessidade de entender a filosofia do projeto dos sistemas de automação, o processo

de implementação do software de controle, as relações entre as funções do hardware e do

software, as interfaces com o usuário, a interface com o sistema de informação do laboratório

(LIS), a interface entre o sistema de automação do laboratório (LAS) e outros componentes

tecnológicos (Markin & Whalen, 2000).

5

No que diz respeito à filosofia de projeto de tecnologias de automação, houve uma

evolução de uma abordagem fundamentada em hardware, com raízes em aspectos mecânicos,

para uma abordagem baseada em software, voltada à sistemas de informação mais complexos,

orientados pela tecnologia.

Quanto às tendências futuras das tecnologias de automação, há um movimento no

sentido de implementação de tecnologias modulares em detrimento às abordagens de

automação completa de laboratórios, bem como uma mudança das tecnologias guiadas por

hardwares para as dirigidas por sistemas de controle de processos; além disso, há também

uma tendência de padronização da tecnologia.

Há outros aspectos que devem ser considerados ao analisar as tendências do uso das

tecnologias de automação na medicina diagnóstica, tais como a necessidade de conhecimento

mais detalhado do custo-eficiência de tais tecnologias, características sociais e demográficas

como o envelhecimento da população, bem como alterações nos padrões de doenças que a

acometem (Markin & Whalen, 2000).

Esses aspectos seguramente devem ser contemplados na elaboração de políticas

públicas de saúde no Brasil, observando tanto a semelhança guardada com o sistema de saúde

norte-americano como as propostas de regulação favoráveis à inovação realizadas no Reino

Unido (Price & Christenson, 2008).

2.3 Controvérsias conceituais e a abordagem de tecnologia na prática

O conceito de tecnologia ainda é algo controverso na literatura. Várias são as

definições e visões acerca do escopo e do papel da tecnologia nas organizações (Orlikowski,

2002, 2000, 1992).

Como se pode observar no Quadro 1, nas várias definições de tecnologia propostas, o

conhecimento é um dos aspectos fundamentais da tecnologia. Outro aspecto importante é a

funcionalidade, ou seja, a tecnologia consiste no uso do conhecimento para fins específicos,

como a movimentação de pessoas e produtos, a transmissão de informações ou a cura de uma

doença. Os meios utilizados para alcançar esses fins envolvem processos, artefatos técnicos e

entradas físicas (Dosi & Grazzi, 2010).

Conforme assinala Orlikoswki (1992), a tecnologia é criada e alterada pela ação

humana, mas também é usada por seres humanos para realizar alguma ação. É a ação contínua

do ser humano agindo habitualmente, que objetiva e institucionaliza tecnologia (Orlikowski,

1992).

6

Quadro 1 Definições de tecnologia

Autores Definições de tecnologia

Dosi e Grazzi

(2010)

Tecnologia é uma construção humana para alcançar fins particulares por meio de

conhecimentos específicos, artefatos e entradas físicas necessárias ao processo para atingir

os resultados.

Dusek (2009) ``é a aplicação de conhecimento científico ou de outro tipo a tarefas

práticas por sistemas ordenados que envolvem pessoas e organizações, habilidades

produtivas, coisas vivas e máquinas. ´´

Dvir et al (1993) Tecnologia são os tipos e os padrões de atividades, equipamentos, materiais, conhecimentos

ou experiências para realizar tarefas.

Peretto e

Smulders,

(2002)

Tecnologia de uma firma é o conhecimento especifico que esta possui sobre produtos e

processos que são acumulados por meio de atividades de pesquisa e desenvolvimento.

Pacey (1983) `` é a aplicação de conhecimento científico ou de outro tipo a tarefas práticas

por sistemas ordenados que envolvem pessoas e organizações, coisas vivas e máquinas .´´

Gendron (1977) `` qualquer conhecimento prático sistematizado, com base na experimentação e/ou teoria

científica, que eleve a capacidade de produzir bens e serviços da sociedade e que seja

corporificada em habilidades produtivas, organização e maquinário. ´´

Galbraith (1967) `` é a aplicação sistemática de conhecimento científico ou de outro tipo a tarefas práticas. ´´

Fonte: Elaboração própria a partir dos autores

Inspirada na teoria da estruturação de Giddens (1984), que reconhece que as ações

humanas estão habilitadas e condicionadas pelas estruturas, ainda que estas estruturas sejam

resultado de ações anteriores, Orlikoswki (1992) propõe que a interação do homem com a

tecnologia constitui a propriedade estrutural da organização.

Propriedades estruturais, na definição de Giddens (1984), consistem nas regras e

recursos que os agentes humanos utilizam na sua interação cotidiana. Estas regras e recursos

mediam a ação humana, enquanto, ao mesmo tempo, eles são reafirmados por meio do uso de

atores humanos.

A interação entre tecnologia e organização é uma função dos diferentes atores e

contextos sócio-históricos, implicados no seu desenvolvimento e uso. Tecnologia, portanto, é

fisicamente construída por atores que trabalham em um determinado contexto social e é

socialmente construída por atores por meio de diferentes significados e características que

atribuem a ela. O modelo desenvolvido por Orlikowski é ilustrado pela Figura 2.

7

Figura 2 Modelo estruturacionista de tecnologia de Orlikowski (1992)

a. Tecnologia como um produto da ação humana

b. Tecnologia como mediadora da ação humana

c. Condições institucionais da interação com a tecnologia

d. Consequências institucionais da interação com a tecnologia

Fonte: Orlikowski, (1992) – pg.410

A dualidade da tecnologia nos permite ver a tecnologia como adotada pela agência

humana e como institucionalizada na estrutura. Diante disso, existe a flexibilidade na forma

como as pessoas projetam, interpretam e usam a tecnologia, considerando os componentes

materiais que compõem o artefato, o contexto institucional em que uma tecnologia é

desenvolvida e utilizada e o poder, o conhecimento e o interesse dos agentes humanos

(desenvolvedores, usuários e gestores) (Orlikowski, 1992).

Revisitando o modelo inicial de tecnologia, Orlikowski (2000), inspirada na teoria

estruturacionista de Giddens (1984), propõe a ênfase no processo de constituição (enactment)

da tecnologia por meio da prática.

Na perspectiva estruturacional da tecnologia, proposta inicialmente por Orlikowski

(1992), a estruturação da tecnologia se inicia a partir da apropriação desta pelos agentes, de

modo que a estrutura está embutida nos próprios artefatos. Por sua vez, na orientação pela

prática, Orlikwoski (2000) aponta que a estruturação da tecnologia inicia-se com a ação

humana e examina como ela constitui estruturas emergentes por meio da interação recorrente

entre pessoas, tecnologias e ação social (Quadro 2).

De acordo com Feldman e Orlikowski (2011), são três os princípios da teoria da

prática (“Practice Theory”):

1. Consequência das ações diárias na produção da vida social

8

2. Rejeição dos dualismos, como: mente X corpo, cognição X ação,

objetivo X subjetivo, estrutura X agência, individual X institucional.

3. Constituição mútua dos fenômenos: diferente de feedback (presença de

distintos elementos no sistema que agem um sobre o outro por meio de

fluxos de informação). Os fenômenos existem em relação a outros

fenômenos e estas relações nem sempre são simétricas, envolvem poder

(assimetria de capacidades para ação, diferentes acessos aos recursos,

interesses e normas conflitantes).

Quadro 2 Tecnologia: abordagem estruturacional e orientada pela prática

Perspectiva Estruturacional

(Orlikowski, 1992)

Orientada pela prática

(Orliskowski, 2000)

- Apropriação: Inicia-se com a tecnologia

e depois examina como os atores se

apropriam desta

- Constituição (Enactment): Inicia-se com a ação humana

e examina como ela constitui estruturas emergentes por

meio da interação recorrente entre pessoas, tecnologias e

ação social.

- Estrutura embutida (embodied) nos

Artefatos.

- Estrutura emergente pelo uso: os homens constituem as

estruturas por meio do uso recorrente da tecnologia

(tecnologia na prática). Regras e recursos só existem nas

e a partir das atividades dos agentes humanos.

Fonte: os autores

Conforme destaca Orlikowski (2000), nesta perspectiva da prática os homens

constituem as estruturas por meio do uso recorrente da tecnologia (Figura 3). Regras e

recursos só existem nas e a partir das atividades dos agentes humanos. O uso da tecnologia se

torna estruturado pela agência humana, envolvendo uma composição de: experiência;

conhecimento; significados; hábitos; relações de poder; normas e artefatos Tecnológicos.

A partir desta perspectiva orientada pela prática, Orlikowski (2000) aponta que há uma

maleabilidade do uso da tecnologia, sendo que esta maleabilidade varia conforme a própria

natureza do artefato. Os artefatos conceituais, como técnicas e metodologias expressas pela

linguagem, situam-se no mais alto nível na hierarquia de intervenções possíveis. Num

segundo nível de maleabilidade do uso, encontram-se os artefatos baseados em software.

Esta perspectiva interativa e dinâmica da tecnologia é bastante adequada para as

atividades de serviço, pois serviço é por definição um processo de realização de trabalho que

envolve a ação combinada de trabalho humano e trabalho mecânico, realizado por máquinas e

equipamentos (Silva & Meirelles, 2006). Os artefatos que fundamentam as competências

9

tecnológicas em serviço estão sujeitos a um alto nível de maleabilidade no uso. Em função

disso, a definição adotada de tecnologia neste projeto é: a aplicação de conhecimentos

específicos sistematizados, ao processo de desenvolvimento de bens e serviços, envolvendo

dinâmica e interativamente, pessoas, habilidades, artefatos e organizações, para alcançar

fins determinados.

Figura 3. Uso da tecnologia e constituição de estruturas

Fonte: Orlikowski (2000)

Conforme apresentado a seguir, a relação entre tecnologia e competência é algo

intrínseco, tendo em vista que competência é mobilizar conhecimentos e experiências para

atender as demandas e exigências de determinado contexto.

3 MÉTODOS

Esta pesquisa é um estudo exploratório tendo em vista que consiste numa descrição e

compreensão de um determinado fenômeno (Blaikie, 2003), que, neste caso, são as

competências tecnológicas em serviços de medicina diagnóstica. A interação entre tecnologia

e organização é função dos diferentes atores e do contexto sócio-histórico, o que implica em

variações tanto do ponto de vista do desenvolvimento e uso da tecnologia quanto da formação

das competências tecnológicas. Esta característica requer uma flexibilidade interpretativa

(Orlikowski, 1992). Nesse sentido, o desenvolvimento dos objetivos propostos está baseado

em duas etapas de pesquisa. Inicialmente foi realizada uma pesquisa qualitativa interpretativa

TECNOLOGIAS EM PRÁTICA (regras e recursos instanciados no uso da tecnologia, só

existem a partir das atividades dos agentes humanos)

ES

TR

UT

UR

A

AG

ÊN

CIA

USO CORRENTE DA TECNOLOGIA

Facilities

(hardware software)

Normas

(protocolos,

etiquetas)

Esquemas Interpretativos

(conhecimento, experiências,

hipóteses)

10

básica, tendo em vista as propostas metodológicas tanto no campo da tecnologia (Orlikowski,

1992; 2000) quanto da literatura de competência (Sandberg, 2000). Nesta etapa buscou-se

atender os objetivos específicos de identificar as tecnologias utilizadas em medicina

diagnóstica bem como de identificar as especificidades no uso da tecnologia.

Vale ressaltar que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, por meio da Plataforma Brasil.

4 RESULTADOS

Inicia-se a apresentação dos resultados do estudo descrevendo-se os sujeitos e as unidades

analisadas. A seguir são mostrados as conceituações de tecnologia diagnóstica adotadas pelos

diversos agentes e as concepções de tecnologias versus usuários e tecnologias versus

resultados.

4.1 Agentes desenvolvedores e usuários

Os agentes entrevistados estão todos relacionados ao Desenvolvedor do Sistema de

Gestão, fornecedor de serviços de software para os laboratórios 1, 2 e 3 (Figura 4). No total,

foram realizadas cinco entrevistas. Além do desenvolvedor, que também é dono do

Laboratório 1, foram realizadas duas entrevistas no Laboratório 2 (uma com o diretor-

proprietário e outra com a funcionária da linha de produção) e uma entrevista no Laboratório

3.

Figura 4 Agentes desenvolvedores e usuários

DESENVOLVEDOR 1

Usuário Gestor Laboratório 1

Usuário Técnico Laborátorio 2

Usuário Gestor Laboratório 2

Usuário Gestor Laboratório 3

11

No Quadro 3 são apresentados os dados gerais das empresas e o perfil dos

entrevistados para cada uma das empresas analisadas.

Quadro 3 Empresas e entrevistados

Desenvolvedor Usuário Gestor

Lab 1

Usuário

Gestor Lab 2

Usuário Técnico

Lab 2

Usuário

Gestor Lab 3

Fundação da

Empresa

1988 2009 2009 2009 1961

Setor Software Laboratório de

Medicina

Diagnóstica

Laboratório de

Medicina

Diagnóstica

Medicina

Diagnóstica

Patologia,

imagem,

diagnóstica

Funcio-

nários

2 (sócio e

implantador)

2 sócios/15

funcionários

2 sócios, 150

funcionários

2 sócios, 150

funcionários

450

Volume de

Clientes

18 clientes 3 unidades 5 hospitais,

convênios, 300

mil exames mês

Sede mais

laboratórios em 5

hospitais

400 mil

testes/dia (em

torno de 170 mil

exames/dia).

Perfil dos

Clientes

Laboratórios de

pequeno (10

pacientes/dia),

médio e grande

porte (2 mil

pacientes/dia, 600

mil exames/mês)

Varejo

(atendimento de

porta)

o paciente, o

médico e o

convênio (que

paga pelo

serviço

prestado).

Patologia,

imagem,

diagnóstica

Três

segmentos:

classe alta

(atendimento

diferenciado),

classe média

(atendimento

padrão) e

popular

(clientes sem

plano de saúde)

Produto ou

Serviço

Gestão e

Automação

Laboratorial

(agendamento,

recepção, coleta,

processamento,

cobrança, fluxo de

caixa e

suprimentos)

Patologia,

imagem e

diagnóstica

Patologia,

imagem,

diagnóstica.

Procedimentos

pré-analíticos

Registros,

encaminhamentos

de amostras,

procedimentos

pré-analíticos e

pós-analíticos,

controle de

qualidade e de

prazos.

Exames

diagnósticos

Cargo Sócio-Diretor,

desenvolvedor e

gestor

Sócio-Diretor Sócio-Diretor Auxiliar de

cadastro

Coordenador

de NTO

(automação, novos

projetos,

alterações de

fluxos de

trabalho)

Formação Informática/Direit

o

Informática/Direit

o

Medicina Gestão ambiental Biomédico

Tempo de

Empresa

Desde a fundação Desde a fundação Desde a

fundação

(dono de um

laboratório

anterior,

vendido em 2005)

3 anos 17 anos

12

No Laboratório 2, o diretor é médico patologista clínico e desde sua formação atua

nessa área. Tem experiência no campo da patologia e na área da administração. A funcionária

atua no laboratório há três anos e é encarregada de alimentar o cadastro de solicitações de

exames, primeiro passo para a realização dos exames clínico-laboratoriais, processos que

conhece sobejamente. É formada em gestão ambiental e, segundo ela e segundo se depreende

de sua fala, é aficionada pelo campo dos exames laboratoriais. A pessoa entrevistada no

Laboratório 3 tem formação em Biomedicina, trabalha na empresa há quase duas décadas e

atua em novos projetos e assuntos relacionados à tecnologia.

O Laboratório 2 atua no mercado desde 2009. Porém, seus dois proprietários atuam

nesse mercado há mais de 20 anos. Eram proprietários de outro laboratório que foi vendido a

uma rede maior em 2005. Mantém em sua sede própria os laboratórios clínicos, propriamente,

e toda a área administrativa e em cinco hospitais da capital de São Paulo mantém postos de

coleta de material para análise clínica. Tem tido uma evolução importante, alcançando em

aproximadamente dois anos 50% do faturamento que obtinha com o laboratório anterior,

processando atualmente cerca de trezentos mil exames por mês.

O Laboratório 3 foi fundado na década de 60 em São Paulo e foi o primeiro laboratório do

país a criar um Núcleo Técnico Operacional (NTO), desenvolvido especialmente para

processamento centralizado e informatizado de exames laboratoriais. Esse Laboratório

cresceu por meio de aquisições e é considerado a terceira maior empresa do mundo em

medicina e diagnóstico, realizando cerca de 170 mil exames diariamente.

4.2 Tecnologia Diagnóstica

O conceito de tecnologia, nas visões do Desenvolvedor e Gestor Usuário 2, está

associada à rapidez no diagnóstico. A tecnologia traz agilidade e padronização, ao mesmo

tempo proporciona uma customização do "custo do cliente". Tecnologia, fala do

desenvolvedor, promove a automação, eliminando o contato humano e proporcionando

ganhos de escala:

A tecnologia hoje, além de trazer agilidade e customização, traz agilidade para o

diagnóstico. Hoje, tecnologia você tem um equipamento que processa 200 exames por hora

e a tecnologia faz com que eu não tenha mais nenhum contato humano. Porque eu bato

direto na máquina, a máquina solta o resultado, que vem direto para o sistema, se ele estiver

dentro de um padrão, ele já automaticamente é assinado, já está liberado com caráter médico. Então, eu agilizo todo o processo e customizo o custo desse cliente.

(Desenvolvedor)

13

Na visão do Gestor Usuário 2 a tecnologia está atrelada à própria natureza da medicina

diagnóstica, em que se avalia o momento do paciente. Interessante observar na fala do

entrevistado a associação da tecnologia com a prática, tal como apontado por Gherardi (2010),

pois, segundo o autor, a prática da medicina baseada em evidências depende do suporte de

computadores e equipamentos que deem maior velocidade e acurácia ao diagnóstico:

A tecnologia é assim, como é que eu vou te dizer? A medicina diagnóstica é hoje talvez

uma das especialidades médicas mais definidas e mais transformadas em manuais e em rotinas muito rígidas. Por causa do seguinte: a medicina diagnóstica se baseia num

momento do paciente. E o paciente tem diversos momentos dependendo da sua fisiologia e

é muito importante você hoje, como por exemplo, a prática médica talvez mais brilhante

que eu vi nos últimos anos, aquela chamada medicina baseada em evidências. O que é isso?

Aonde você faz rastreamento de 20 anos de tudo que você fez e vê estatisticamente o que

realmente você pode usar de informação como válida ou como não válida. Então, medicina

é feita de verdades transitórias, isso é o que nós médicos cada vez mais aceitamos. Porque

vêm computadores mais rápidos, equipamentos mais apurados, mais sofisticados. Aquelas

coisas que você não via antes, você passa a enxergar de outra maneira. Teorias têm que ser

reformuladas. Então é muito importante você fazer um balanço do passado para ver o que

nesse tempo todo deu certo e o que não deu (Gestor Usuário 2).

A técnica usuária (Lab 2), auxiliar de cadastro, define tecnologia como "todo o

processo". Nesse sentido, associa a tecnologia ao desempenho e ao uso da ferramenta, de

modo que se consiga "fazer tudo que funcione".

Numa perspectiva relacionada à dimensão essencialmente material da tecnologia, o

Gestor Usuário Lab 3 destaca que tecnologia em medicina diagnóstica envolve toda a

tecnologia de diagnóstico, seja metodologia, sistemas de informática e equipamentos:

Tudo que a gente consegue de equipamentos, tudo que a gente consegue de metodologia,

tudo que a gente consegue de novos sistemas, quer seja de informática, quer seja de

equipamentos, a gente acaba considerando como tecnologia de diagnóstico (Gestor Usuário

3)

Em relação à tecnologia utilizada, para o Desenvolvedor a tecnologia envolve

essencialmente os sistemas operacionais de suporte ao software. A plataforma utilizada ainda

é Windows:

Ainda era plataforma Unix e tudo terminal character, terminal burro, que eles chamam. Eu

queria fazer algo que funcionasse tanto no terminal como funcionasse no Windows,

funcionasse no Linux, funcionasse no Macintosh, e eu percebi que naquela época eu não

tinha. Hoje eu já tenho a ferramenta para fazer isso. Isso aí em 1995 eu não tinha essa

ferramenta. Gastei uma fortuna com Oracle, com Progress, com ferramentas que falavam

que faziam isso, mas na hora de acontecer, nenhuma aconteceu. Nenhuma fez isso. Então,

mesmo o Windows com todos os defeitos que ele tem, o mundo é Windows. Agora que o

iPhone está pegando um pouco mais de mercado, tal, mas você chega numa empresa é

Windows (Desenvolvedor).

Na perspectiva dos usuários, por sua vez, a tecnologia utilizada envolve sistemas de

informática, equipamentos e infraestrutura de comunicação. O Gestor-Usuário 1 aponta o uso

de computadores, máquinas de interface e equipamentos de diagnóstico (bioquímica,

hematologia, ultrassom) e leitores de códigos de barra. Do ponto de vista de equipamentos,

14

o entrevistado destaca o Modular, um equipamento que consolida uma série de processos

(bioquímica, sorologia e hormônios).

O código de barras é, em sua opinião, a tecnologia fundamental, a partir dele se

desencadeia todo o processo de diagnóstico:

Então, o equipamento hoje é muito importante, porque isso era feito manualmente. Há 20

anos, uma glicose era processo artesanal. Então, o equipamento hoje é muito importante,

porque isso era feito manualmente. Há 20 anos, uma glicose era processo artesanal..., mas,

por exemplo: hoje eu tenho equipamentos que ele processa Bioquímica, Sorologia,

hormônios numa tacada só, num processo só... é o Modular. Então, você põe na ponta um

soro, ele processa tudo isso daí, porque a hora que ele lê o código de barras, ele vai

perguntar para o computador o que tem que ser feito. Aí, o sistema já sabe o que tem que

ser feito e avisa: “- Faz um TGO, um TGP, uma glicose, um PSA.” Ele sai fazendo e me

devolve o resultado... (Gestor Usuário Lab1)

Para o Gestor Usuário Lab 2 a tecnologia utilizada inclui o LIS (“Laboratório de

Information System”), a rede de transmissão de dados (Internet 3G) e a tecnologia

empregada nas análises, que envolve os equipamentos e as metodologias utilizados no

diagnóstico. Na sua visão, o uso da tecnologia envolve uma visão integrada dos vários

dispositivos, inclusive a infraestrutura de transmissão de dados, a qual, segundo ele, tem sido

um empecilho para uma gestão dos pedidos e entrega dos resultados dos exames.

Nós estamos em cinco hospitais, temos minilaboratório em cinco hospitais, tudo

trabalhando direto com informática, os dados são transferidos dos hospitais para cá, os

exames alguns são feitos lá, outros são feitos aqui, os dados voltam e é o tempo todo

isso[...] Eu uso transmissão de dados e isso é uma coisa muito complicada aqui no Brasil,

muito complicada a velocidade da internet 3G não é 3G, você sabe aquela história toda lá.

Então isso nos atrapalha muito em momentos de pico. Mas em função de todos os exames de laboratório, os principais valores de referência são definidos para um jejum prévio, o

pico desses exames se realiza no período da manhã. Então eu preciso dimensionar sempre a

capacidade das minhas redes, dos meus sistemas sempre para o máximo e não para a média

(Gestor Usuário Lab1).

Por sua vez, a usuária técnica (Lab2) foca na tecnologia utilizada no processo de

cadastramento, e, nesse sentido, destaca o código de barra como o denominador comum:

Nós damos entrada em todos os materiais que atendemos na rua, em unidades. Chega aqui

tudo como cadastrado, porque o cliente lá na ponta cadastrou, deu entrada. E aqui nós damos baixa no que entrou da rua. [...] É tudo em código de barra. Você passou o tubinho,

já leu os exames que são feitos, o setor, já é tudo separado. O sistema fornece tudo isso.

(Técnica Usuária Lab2)

O Gestor Usuário Laboratório 3 destaca dois tipos de tecnologia utilizada pela

empresa: informática e equipamentos. Os equipamentos estão associados a uma

metodologia, sendo que 70% dos exames (setores de bioquímica, hormônio e imunologia) são

realizados numa metodologia denominada ELISA. A tecnologia da informática (LIS) recebe

os resultados e tem um papel fundamental para a utilização dos equipamentos: É ela que

permite a exploração "ao máximo" das demais tecnologias.

o sistema de informática é para a gente um divisor de água. Ele que determina basicamente

até onde você pode ir. Você fala assim: “-Eu quero chegar até aqui.” Se o seu sistema de

15

informática não te permitir, esquece. Você vai continuar aqui. Então, a gente tem que ter

realmente um LIS, que a gente chama de LIS, sistema de informação. Que esse sistema de

informática permita que você explore o máximo das tecnologias que a gente tem (Gestor

Usuário Lab 3)

Quanto às tecnologias de fronteira, existem várias, mas, conforme assinala o

Entrevistado Desenvolvedor, o uso destas tecnologias varia conforme o porte do

laboratório, tendo em vista que o escopo de serviços de diagnóstico varia conforme o

tamanho. Segundo ele, existem hoje cerca de 1600 exames diferentes, mas um laboratório

"normal", processa em torno de 100 exames. O restante é processado por "grandes centros de

apoio", ou seja, grandes laboratórios que processam todos os pedidos. Esses laboratórios estão

na vanguarda de equipamentos. Por isso mesmo, a relação com os fabricantes de

equipamentos é bem diferente quando se compara o Gestor Usuário Lab 2, um laboratório de

médio porte, com o Gestor Usuário Lab 3, um laboratório de grande porte.

De um lado, o Gestor Usuário (Lab 2) é obrigado a utilizar uma das tecnologias

disponíveis por três grandes empresas:

É nessa análise que eu faço: a máquina que está aqui é igual a que está em todo o lugar,

porque, voltando à tecnologia, a tecnologia analítica, nessa fase analítica é dominada por

três grandes empresas no mundo (Urit, Roche e Siemens. Então ficam poucas diferenças, mas eu sou obrigado a utilizar uma delas, uma ou duas delas. Eu não tenho como fugir, eu

não posso inventar isso... (Gestor Usuário Lab 2)

Por outro lado, o Gestor Usuário Lab 3 é agente ativo na escolha da tecnologia,

inclusive na definição de novas necessidades, que definirão novas tecnologias. Esta posição

provavelmente reflete o porte e a liderança de mercado, em que o laboratório é visto pelos

fabricantes não só como usuário especialista, mas também como multiplicador do uso:

Recentemente, a gente foi convidado por uma empresa, uma multinacional, para ir para um

fórum mundial onde estavam todos os grandes engenheiros dessa empresa sentados,

querendo ouvir o que você gostaria de... “-Pode sonhar.” Aí, você fala assim: “-Eu posso

sonhar?”, “-Pode.” E os caras anotando tudo. Lógico, vai juntar tudo aquilo ali, vai formar

um único sistema. A gente foi para uma reunião e o cara daqui a dez anos vai te trazer uma

solução. Dez anos. Lógico, você tem que demandar um negócio absurdo e o cara vai pegar

aquele absurdo que você fez e vai fazer daquilo uma coisa possível ou sem possível (Gestor

Usuário Lab 3).

Quanto ao desenvolvimento da tecnologia, seja de informática ou de equipamentos,

este se dá de maneira geral por meio de terceiros, apenas o Laboratório 3 desenvolveu

internamente um LIS próprio. Segundo o Desenvolvedor, esta é uma tendência do mercado,

"até os equipamentos de diagnóstico, o cara compra o kit e a máquina vem em comodato".

Novamente nota-se que o porte do Laboratório 3 e a sua dinâmica de crescimento têm

impulsionado o desenvolvimento tecnológico. Segundo o entrevistado, apesar de existir no

mercado, a necessidade de crescimento rápido fez com que a empresa fosse atrás de uma

tecnologia própria "porque nada que tinha no mercado atendia" (Gestor Usuário Lab3).

16

Como resultado, a empresa tem se posicionado na fronteira tecnológica em todos os

aspectos, tanto de metodologia quanto de equipamentos e armazenamento de dados, um

diferencial tecnológico que, segundo o entrevistado, resulta num diferencial comercial:

Então, tudo que você pode imaginar de tecnologia em Medicina Diagnóstica hoje, a gente

tem. Tudo que a gente pode pensar em metodologia, tecnologia, a gente vai olhar umas

coisas. Tem um que chegou recentemente, nós somos o único no Brasil a ter ainda, esse é

fantástico. Você vai adorar. Quando a gente fala bactéria, você tem que semear essa

bactéria, botar numa plaquinha, colocar lá e a deixar crescer para saber qual bactéria é. Esse

aparelho que chegou, você pega essa bactéria, em vez de esperar doze horas para você

botar, identificar qual é a bactéria, você pega ela, põe no aparelho, ele dispara um tiro de laser, desfragmenta essa bactéria em prótons e elétrons. Ele conta os prótons e elétrons e já

tem no banco de dados dele sabendo que esse determinado número de prótons e elétrons,

essa conjunção é a bactéria tal. Diferencial tecnológico que só nós temos ainda. Lógico, os

outros laboratórios estão desesperados atrás. E te dá um diferencial comercial. Você ganha

tempo, espaço, já está colocado no hospital (Gestor Usuário Lab 3)

A necessidade de crescimento reforça a necessidade de desenvolvimento de soluções

inovadoras, como é o caso do uso de nobreak superpotente criado recentemente, equivalente

ao que é utilizado no metrô de São Paulo:

E a gente tem um nobreak que é o mesmo nobreak que é usado hoje no metrô de São Paulo,

que segura o metrô de São Paulo. Tem dois andares o nobreak, foi criado recentemente.

Então, dentro da necessidade do crescimento e a responsabilidade que a gente tinha, a gente

tinha que desenvolver esse tipo de solução que ninguém tinha. Para fazer um nobreak desse, não existia uma empresa só que conseguia fazer. Nós tivemos que trazer duas, três

empresas extras para fazer isso. Uma de Engenharia para montar, uma para trazer a bateria,

uma para trazer o negócio aqui. Então, dentro da necessidade do crescimento e a

responsabilidade que a gente tinha, a gente tinha que desenvolver esse tipo de solução que

ninguém tinha. Para fazer um nobreak desse, não existia uma empresa só que conseguia

fazer. Nós tivemos que trazer duas, três empresas extras para fazer isso. Uma de Engenharia

para montar, uma para trazer a bateria, uma para trazer o negócio aqui. (Gestor Usuário Lab

3)

Quanto à estrutura do sistema de informação, o gestor do Laboratório 2 lista: i)

pessoas no suporte de TI (quatro); ii) servidores para banco de dados, sistema de

interfaceamento que as máquinas jogam direto os seus exames no LIS (cerca de seis); iii)

firewalls (cerca de seis); iv) data center (duplicado, interno e externo à empresa); v) internet

(linha dedicada e prestadoras alternativas para contingências). Segundo o entrevistado, "o

sonho de consumo, é ter o máximo possível automatizado".

O Laboratório 3, por sua vez, apresenta uma estrutura em que se nota uma

preocupação tanto com a regularidade do fornecimento de energia, em termos de geradores

(que permitem trabalhar sem energia por seis meses), quanto com o armazenamento de dados.

Nesse sentido, o entrevistado destaca que é a primeira empresa no Brasil a utilizar uma

tecnologia denominada POD "um container altamente seguro com redundância de energia de

fora, de dentro, de gerador, que agrega todos os servidores". O Quadro 4 sintetiza conceitos,

tecnologia utilizada, tecnologias fundamentais e de fronteira, estrutura do sistema de

informação, adoção e forma de desenvolvimento das tecnologias.

1

Quadro 4. Tecnologia: Definição, tecnologia utilizada, tecnologias fundamentais e de fronteira, estrutura do sistema de informação, adoção

(motivos do uso) e forma de desenvolvimento (interno ou terceirizado)

AGENTES Conceito de

tecnologia

Tecnologia\ plataforma

utilizada

Desenvolvi

mento

(interno ou

terceiros)

Tecnologias

fundamentais

Tecnologias de

fronteira

Estrutura do sistema de

informação

Adoção (motivos)

Desenvol-

vedor

Agilidade e

customi-

zação

Plataforma Windows Tendência

de mercado

é a

terceirização

inclusive de

máquinas

(regime de

comodato).

Plataforma

Windows

Multiplataforma

(Windows, Linux,

Macintosh)

Concentrado num único

funcionário (dono), com

suporte esporádico de um

terceiro na programação

Melhora faturamento

e eficiência na gestão.

Não informatizadas

sofrem pressão de

funcionários (gestores

do faturamento),

depois adotam a

tecnologia(em média 3 meses)

Gestor-

Usuário Lab

1

Agilidade

para o

diagnóstico

- PCs, máquinas de

interface, leitores de

códigos de barra

- Equipamentos de

diagnóstica (bioquímica,

hematologia, ultrassom,

sorologia, etc).

Terceiros Código de

barras.

Várias, destaque

para o Modular

(multidiagnóstica -

bioquímica,

sorologia,

homônios).

Custo e Escala

(apenas laboratórios

grandes processam

todos os exames

existentes)

Gestor-

Usuário Lab

2

Dá suporte a

diagnóstico

acurado,

rápido e

flexível.

- LIS (Laboratório de

Information System)

- Rede de transmissão de

dados (internet 3G)

- Tecnologia analítica

Terceiros Código de

barras.

Usuário dependente

de tecnologias

disponíveis por

grandes empresas

Pessoas, servidores para

banco de dados, sistema de

interfaceamento, firewalls e

data center

- Automatização,

rapidez

- Economia de mão de

obra

- Facilita o trabalho

Técnico

Usuário Lab 2

Ferramenta

de suporte ao processo

Processo de

cadastramento/código de barras

Terceiros Código de

barras

- - - Experiência anterior

- Indicações

Gestor-

Usuário Lab

3

Tecnologias

de

diagnóstico

(metodologi

a, sistemas e

equipament

os)

Informática (LIS),

equipamentos e

metodologia (ELISA- 70%

exames)

LIS próprio;

Equipament

os (terceiros)

Informática/LI

S

(recebimento

dos resultados

e utilização

dos

equipamentos)

Equipamentos e

metodologias de

fronteira, definidor

de novas

tecnologias (a partir

de demandas

internas)

Pessoas e infra-estrutura:

comunicação e

armazenamento de dados

(tecnologia POD), energia

(geradores p/suportar 6

meses de funcionamento)

- crescimento exigiu

adoção de tecnologias

para crescer com

segurança

- Tecnologia

determina o limite da

empresa; empresa

ambiciona ser a maior

do mundo em

diagnósticos.

1

4.3 Tecnologias e Usuários

Parece haver um bom nível de envolvimento entre desenvolvedor de sistemas e

usuários. Como o desenvolvimento do software se deu por solicitação de um laboratório, com

as especificações feitas por um diretor desse laboratório, o sistema surgiu no formato tailor

made, especificamente para a operação de laboratórios. Alie-se o fato de que o desenvolver se

tornou proprietário de um laboratório, passando a conhecer muito bem as necessidades de um

usuário. Daí “o software começou a crescer exponencialmente, porque eu mesmo estava

usando” (Desenvolvedor).

A interação entre desenvolvedor e usuários se dá “no mais alto nível, [...]

amigavelmente trabalhando” em aperfeiçoamentos no sistema (Gestor Lab 2). Há constantes

trocas de ideias entre usuários e desenvolvedores, em busca insistente por soluções simples

para os operadores do sistema. O usuário do Laboratório 2 corrobora essa intenção ao afirmar

que “é um sistema muito fácil de usar”. Percebe-se haver entrosamento entre as partes, pois,

como comenta o Gestor Lab 2,

o contato entre desenvolvedor de software e o usuário é fundamental. E tem que haver bom

senso de ambos os lados para que a coisa ande conforme a coisa é possível

economicamente e tecnicamente.

No tocante a outras tecnologias, os fabricantes das tecnologias utilizadas pelo

Laboratório 3 consultam o laboratório e desenvolvem produtos / serviços de acordo com as

necessidades. Apenas tecnologias voltadas à infraestrutura são desenvolvidas pelo

Laboratório 3, quando não há disponibilidade no mercado.

Os processos de implantação das tecnologias têm sido tranquilos, não provocando

impactos negativos durante a implantação. Quanto aos sistemas, as plataformas amigáveis

facilitam em muito as tarefas, visto que os computadores e suas ferramentas estão bastante

popularizados e “a pessoa tem que vir de fora já com isso [conhecimento básico de

informática]. Se não tem, ela realmente vai ter muita dificuldade” (Gestor Lab 3). Além disso,

segundo o Gesto Lab 2, o software é de fácil assimilação.

A usuária do Lab. 2 comenta nunca ter ouvido daqueles que estavam na casa quando

da implantação dos sistemas que tivesse ocorrido algum problema ou dificuldade. Pela falta

de comentários pouco elogiosos presume-se que a implantação nesse laboratório tenha sido

exitosa.

A implantação de outras tecnologias também se dá de maneira a não causar impactos

negativos nas operações. O processo de implantação se dá com a presença do fornecedor, uma

vez que “ele vem com uma equipe grande e treina todos os operadores [...] on the job”

(GESTOR LAB, 3).

2

Novos funcionários são treinados por “agentes multiplicadores” (Desenvolvedor,

Gestor Lab. 2), havendo “especialistas” para os diversos subsistemas que exercem esse papel

de multiplicador (Gestor Lab 2), o que em muito contribui para o aprendizado e

desenvolvimento dos operadores. “Até pessoas que são contratadas, que vêm para cá

recentemente, a gente mostra pouquíssimas coisas, a pessoa já pega muito rápido” (Usuária

Lab. 2).

Neste aspecto, as competências requeridas dos colaboradores ficam mais por conta das

habilidades e das atitudes, visto que o nível de conhecimento exigido para operar os sistemas

é baixo. Já para os patologistas e apoiadores técnicos de patologia exige-se uma formação

coerente, com bom nível de conhecimentos e habilidades para operar os equipamentos e

conduzir os diagnósticos. Formação superior, conhecimento das técnicas e habilidades em

análises e gestão de equipes são requeridas dos analistas e coordenadores (Gestor Lab 2).

É interessante a maneira como o desenvolvedor do sistema explora os

“multiplicadores”. Muitas das implantações e grande parte das soluções de problemas são

tratadas pelo multiplicador, alocado no laboratório. Selecionam-se pessoas de qualquer

formação superior, independente da área de formação. “O cara é bom com tecnologia. Bom

com tecnologia, eu digo o seguinte: ele mexe bem no celular dele, ele tem um notebook

normalmente, ele conhece bem de Windows, de planilha. Pronto”. O Quadro 5 sintetiza os :

processos de desenvolvimento, implantação e atualização tecnológica, treinamento e

competência dos usuários.

4.4 Tecnologias e Resultados

As tecnologias e resultados estão sintetizados no Quadro 6. Em relação às práticas

organizacionais, a tecnologia diagnóstica, notadamente a informatização e o uso do código de

barras, proporcionou a redução de uma série de procedimentos desde o cadastramento dos

dados do paciente, passando pela leitura das máquinas e entrega dos relatórios. Como

resultado, conforme descreve o Gestor Laboratório 2, há uma rapidez em todo o processo:

o sistema já prevê uma série de predefinições e rapidamente eu faço o cadastramento e

atendo rápido. Após o atendimento, eu gero uma etiquetinha que contem todos os dados do

paciente, inclusive na leitura das minhas máquinas que vão fazer as análises. Então eu aqui

não tenho um trabalho de cadastramento, mais uma leitura de código de barras que

reconhece a entrada do tubo aqui, eu rastreio o movimento dele aqui e conforme os exames vão ficando prontos, eles geram relatórios gerenciais, eles geram relatórios de alerta para

exames que não ficaram prontos. Ou seja, aquilo que eu fazia manualmente, hoje está tudo

automatizado (Gestor Usuário Lab2).

1

Quadro 5 Tecnologia e Usuários: processos de desenvolvimento, implantação e atualização tecnológica, treinamento e competência dos

usuários

AGENTES Processo de

Desenvolvimento e

interação com usuários

Processo de Implantação Atualização Tecnológica Treinamento de Usuários Competência dos Usuários

Desenvol-

vedor Software originário de

especificações definidas

pelo diretor de um grande

laboratório

- Início: interação constante

com usuário - Hoje: interação apenas na

etapa do banco de dados.

- Atualização diária,

mediante de suporte mensal

(enquanto dura o contrato), - Sistema mantém comandos

inativos (preocupação com

os usuários antigos)

Agente multiplicador - Nível superior (qualquer

área de formação)

Gestor-

Usuário Lab 1 O usuário interage com os

demais equipamentos

apenas na coleta.

Gestor-

Usuário Lab 2 - Constantes trocas de

idéias/sugestões aos desenvolvedores

- Busca por soluções

simples para os operadores

dos sistemas

- Tranquilo, amigável - software de fácil

assimilação

- Melhorias contínuas nos

sistemas, - não impactam o dia-a-dia

das operações

- os próprios usuários

treinam os novos funcionário

- há “especialistas” para os

diversos sub-sistemas:

atendimento, cadastro,

técnicos, finanças,...

- conhecimentos básicos de

informática - facilidade para decorar

códigos 9dos exames) - rapidez na digitação

Técnico

Usuário Lab 2 O sistema é fácil de ser

operado - acredita que tenha sido

muito tranquilo (não era

funcionária quando da

implantação)

- - novos usuários aprendem

com facilidade -

Gestor-

Usuário Lab 3 Os fabricantes das

tecnologias consultam o

laboratório e desenvolvem

produtos / serviços de

acordo com as necessidades. Apenas tecnologias voltadas

à infraestrutura são

desenvolvidas pelo

Laboratório, quando não há

disponibilidade no mercado

Os fabricantes colocam os

equipamentos e treinam os

usuários “on the job”

A empresa possui um

Comitê de Inovação

formado por médicos,

farmacêuticos que buscam

novas tecnologias. Além disso, por se tratar de um

laboratório de grande porte,

os fabricantes de

equipamentos normalmente

o usam parar testar e

homologar novas

tecnologias.

Os fabricantes colocam os

equipamentos e treinam os

usuários “on the job”

- conhecimentos básicos de

informática inprescindível - Apoiadores ( técnicos de

patologia): formação em

patologia; Analistas e Coordenadores:

nível superior

1

A informatização propiciou mudanças na forma de faturar aos convênios e na forma

de gestão, melhorando significativamente a condução do negócio. “[Agora] consigo enxergar

medidas de custo benefício ou melhoria no atendimento do processo” (Gestor Lab 2).

Conforme este gestor, o sistema permitiu remodelar a “logística” de atendimento. Notável foi

a otimização das análises, porque com o sistema agora é possível os resultados de exames

anteriores e avaliar a evolução do estado dos clientes.

O gestor do Laboratório 3 corrobora o aperfeiçoamento das rotinas ao enfatizar que o

sistema

na verdade, foi um divisor de água aqui, a gente começar a trabalhar por processo. Então, a

gente tinha aquela visão antiga, aquela formação antiga de forma de trabalho. E quando

você começa a receber todo um aporte tecnológico de ponta, todo um fluxo de rotina

absurdo de grande, você realmente tem que começar a trabalhar por processo. Então, a

gente segmentou o setor técnico.

Esse gestor comenta ainda sobre o “salto muito grande de qualidade” ao aprimorar os

processos, resultando em ganhos de produtividade. De modo geral, o sistema permitiu que se

buscasse “sempre aquele conceito de rapidez e eficiência (Gestor Lab 2).

As facilidades do sistema permitem operar com funcionários de menor nível de

escolaridade (Gestor Lab 2). Porém, a usuária do Lab 2 percebe que algumas competências

individuais foram desenvolvidas a partir do uso dos sistemas. Como diz o Gestor do Lab 3, o

que se exige dos usuários é um conhecimento básico de informática. Porém é preciso mais. É

preciso ter simpatia e não aversão pela tecnologia e ainda ter “habilidade de se reinventar”.

Algumas características mostram cabalmente a competência exigida:

Adaptabilidade, flexibilidade, mente aberta. [...] O cara que tem cabeça fechada [...] Esse

cara vai morrer. [...] se você não tiver cabeça aberta, pronta para receber a tecnologia, você

pode receber a melhor tecnologia do mundo desenvolvida pelo engenheiro mais inteligente

do mundo, se você não estiver preparado para aquilo ou com a cabeça aberta [não dará

certo] (GESTOR LAB 3).

A área de diagnósticos exigirá sempre novos investimentos (Gestor Lab 2). De um

lado há pressões naturais por melhorias nas análises (acurácia, rapidez, avanços nos

diagnósticos) e, por outro, a tecnologia se desenvolve e oferece oportunidades. O Gestor do

Lab 2 acredita que se avizinham desenvolvimentos em “acesso aos resultados por

smartphone, [...] teleconferências, cirurgias robotizadas, laudo feito à distância”.

Nesse aspecto também há concordância do Gestor do Lab 3 ao mencionar que os

investimentos “serão sempre necessários” para fazer frente aos processos de melhorias

contínuas e substituição de equipamentos por novas tecnologias, pois “toda tecnologia que

você traz, quando ela se mostra muito eficiente, você acaba partindo para ela.”

Quanto à vantagem competitiva, os gestores concordam ao afirmarem que ela é obtida

principalmente por meio da qualidade e rapidez na realização dos exames. Não há como se

1

Quadro 6 Tecnologia e Resultados

Agentes Práticas Organizacionais Competências Individuais Investimentos Adicionais Vantagem Competitiva Desempenho Econômico e

Operacional Desenvolvedor - Agilidade (200 exames por

hora) - Redução do Contato

Humano Gestor-Usuário

Lab 1

Gestor-Usuário Lab 2

- medicina baseada em evidências

- diagnósticos baseados em

séries históricas - mudança na forma de

gestão - mudança na forma de

faturar os convênio - mudança na “logística” de

atendimento

- as facilidades do sistema permitem operar com

funcionários de menor nível

de escolaridade - não exige especialistas

- serão sempre necessários - acesso aos resultados por

smartphone - teleconferência, cirurgia

robotizada, o laudo feito à

distância.

- preços (concorrentes) são equivalentes

- planos diferenciam - fideliza por meio de:

facilidade de acesso do

cliente, atendimento rápido,

educado e eficiente,

atendimento “social”,

observação dos horários,

entregas pontuais

Rapidez de atendimento dos pacientes e processamento

das informações

Técnico

Usuário Lab 2 Operação se tornou mais

prática e eficaz Foram desenvolvidas a

partir dos sistemas - - Facilidade de uso

- agilidade e rapidez no

atendimento

-

Gestor-Usuário

Lab 3 - passou-se a trabalhar

organizado por processos

(tipos de análises) - segmentou-se o setor

técnico - salto de qualidade ao

aprimorar os processos - ganho de produtividade

Apoiadores: técnicos de

patologia; Analistas e Coordenadores:

nível superior

Conhecimentos de

informática (usuários)

- Adaptabilidade,

flexibilidade, mente aberta. - habilidade de se

"reinventar”, -simpatia/aceitação (não

aversão) pela tecnologia

Processo de melhoria

contínua, substituição de

equipamentos por novas

tecnologias

- Qualidade e rapidez na

realização e disponibilidade

dos resultados - utilização preferencial de

novas tecnologias

- Ganhos em espaço físico,

produtividade; segurança,

qualidade. - qualidade do

gerenciamento

1

diferenciar por preços, então o que pode fazer alguma diferença e dar vantagem é a facilidade

de acesso oferecida ao cliente, o atendimento rápido, educado e eficiente, atendimento

“social”, observação dos horários e entregas pontuais (Gestor Lab 2).

O Gestor do Lab 3 confirma que a entrega mais rápida possível dos resultados é uma

fonte de vantagem competitiva e acrescenta que seu laboratório tem uma vantagem adicional

sobre os demais por ter acesso prioritário a algumas novas tecnologias apresentadas por certos

fornecedores. Menciona, ainda, que a tecnologia trouxe “para a gente uma vantagem muito

grande aí em crescimento exponencial de exames. Produtividade absurda”.

Com relação ao desempenho operacional, vários são os resultados citados, desde a

“agilidade” na execução dos exames, a redução do contato humano para a realização dos

exames, a rapidez de atendimento dos pacientes e processamento das informações (Gestor

Lab 2), ganhos em espaço físico, produtividade; segurança, qualidade (Gestor Lab 3).

O Gestor do Lab 3 é enfático ao afirmar que com a tecnologia houve ganhos de

“espaço físico, produtividade, segurança, qualidade, o número de pessoas. [...]Isso é

produtividade, isso é [redução de] custo”. Cita ainda que houve sensível melhoria na

qualidade do gerenciamento, principalmente porque agora se tem “o sistema te ajudando a

gerenciar o laboratório em inúmeros relatórios”.

5 PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO

A partir da pesquisa qualitativa propõe-se um modelo conceitual de mensuração da

competência tecnológica que servirá de base para medir a competência tecnológica das

organizações de serviço.

Como se pode observar na Figura 5, o modelo conceitual de mensuração do perfil

tecnológico das empresas envolve três variáveis latentes: capacitação tecnológica (CAPTEC),

utilização da tecnologia (UTILTEC) e mudanças proporcionadas pelo uso da tecnologia

(MUDANÇA).

O modelo estrutural de mensuração, resultante do modelo conceitual, especifica o

relacionamento entre as variáveis latentes e o relacionamento entre as variáveis latentes e suas

variáveis manifestas (HENSELER et al., 2009). Em primeiro lugar, o construto capacitação

tecnológica (CAPTEC) é proposto como sendo uma variável latente de 2ª ordem composta

pelas dimensões: conhecimento necessário (CN), habilidades necessárias (HN) e atitudes

necessárias (AN) para utilizar a tecnologia; atualização da tecnologia (ATUALTEC); e fontes

de capacitação dos usuários (CAPUSU). Em segundo lugar, o construto utilização tecnológica

2

(UTILTEC) é proposto como uma variável latente de 2ª ordem, composto pelas dimensões:

forma de desenvolvimento (DESENV), nível de utilização (UTILIZ) e atividades em que as

tecnologias são aplicadas (ATIV). Em terceiro, o construto de mudança (MUDANÇA) é

proposto como uma variável de 2a. ordem composto pelas dimensões: mudanças em práticas

organizacionais (ORG), mudanças em processos (PROCESS) e mudanças nos usuários

(PESSOAS). Além destas três variáveis latentes, a utilização da tecnologia se traduz em uma

base de vantagem competitiva da empresa (BVC).

Figura 5 Modelo estrutural e de mensuração do perfil tecnológico das empresas

Apesar de apresentar uma fundamentação teórica e estar apoiado nos resultados da

pesquisa qualitativa, o modelo ora apresentado não foi testado numa análise fatorial

confirmatória.

6 CONCLUSÕES

O objetivo geral deste estudo foi identificar as competências tecnológicas em serviços, de

acordo com as especificidades inerentes a estas atividades, tendo como pressuposto que

desenvolvimento da competência tecnológica em serviços ocorre a partir do uso da

tecnologia, em coordenação com recursos humanos, e seus impactos nas práticas

organizacionais.

NA

ATUALTEC

NH

NC

CAPUSU DESENV UTILIZ

ATIV

ORG

PROCESS

BVC PESSOAS

CAPTE

C

UTILTEC

MUDANÇ

A

3

Na literatura o conceito de competência tecnológica ainda é pautado por indicadores

de indústria. A adaptação deste construto para serviço exigiu uma investigação sobre o

conceito de tecnologia e as tecnologias adotadas nas várias atividades de serviço, tanto as de

alto conteúdo tecnológico quanto os tradicionais.

Dois aspectos mostram-se importantes na conceituação de tecnologia em serviços. O

primeiro refere-se ao escopo, ou seja, o que é compreendido como tecnologia e esta

compreensão usualmente foca máquinas, equipamentos, instrumentos (hardware) de uso

humano para a produção industrial ou informacional (Orlikowski, 1992). O segundo aspecto

concentra-se no papel da tecnologia, ou seja, na sua relação com a organização. Para Dusek

(2009) a tecnologia é caracterizada de três maneiras: como instrumental, como regras e como

sistema. A caracterização mais evidente é a instrumental, com a tecnologia vista como

máquinas e equipamentos. Alinhando-se com a conceituação de Orlikowski (1992). A

caracterização é limitada quando não se utilizam equipamentos como no caso das instruções

verbais ou interpessoais, se consideradas como tecnologia. Como regras a tecnologia enfatiza

os padrões de relações meios-fins desenvolvidas sistematicamente (Dusek, 2009). A

caracterização da tecnologia como sistema é abrangente por envolver instrumentos,

habilidades e organização humana para o funcionamento, a manutenção e o reparo dos

instrumentos (Dusek, 2009).

Estas diferentes caracterizações estão presentes nas falas dos participantes da pesquisa

quando conceituam a tecnologia como um mecanismo: ``mecanismo facilitador´´;

``mecanismo de agilidade´´ ou ainda como ``meio de comunicação´´. Outro aspecto ligado a

organização humana se refere à possibilidade de o cliente realizar transações, como consultas

a resultados de exames, constituindo-se um diferencial para o cliente ou, seja, uma ferramenta

que proporciona "qualidade".

A partir da definição de tecnologia, buscou-se identificar nas entrevistas as tecnologias

utilizadas nas atividades de serviço, tendo como meta caracterizar as várias tecnologias

presentes, considerando as dimensões de conhecimento, pessoas, habilidades e artefatos. No

segmento de medicina diagnóstica, a tecnologia envolve desde computadores, máquinas de

interface, equipamentos de diagnóstico (bioquímica, hematologia, ultrassom) e leitores de

códigos de barra até a tecnologia empregada nas análises, que inclui os equipamentos e as

metodologias utilizados no diagnóstico. Notadamente a informatização e o uso do código de

barras, proporcionou a redução de uma série de procedimentos desde o cadastramento dos

dados do paciente, passando pela leitura das máquinas e entrega dos relatórios.

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Em todas as organizações estudadas, a tecnologia é adquirida de terceiros, não

havendo um departamento próprio de desenvolvimento da tecnologia. Em alguns casos o

desenvolvimento se dá em parceria com fornecedores, notadamente quando se trata de

tecnologias de fronteira.

No tocante às necessidades de conhecimento para uso da tecnologia, todas as opções

listadas na pesquisa foram apontadas como importantes, notadamente o conhecimento básico

de informática. As habilidades necessárias listadas também foram todas consideradas

importantes, principalmente relacionamento com clientes, equipe e parceiros, e também

habilidade na execução ordenada de tarefas. Todas as atitudes listadas para o uso da

tecnologia também foram apontadas como importantes, sendo que a aceitação do novo e a

colaboração com os colegas de trabalho ganharam destaque.

Em todas as empresas a percepção a respeito da influência das competências

tecnológicas sobre o seu desempenho é bastante parecida, girando em torno sempre de

aspectos como rapidez, eficiência, qualidade no atendimento, gestão e planejamento, ganhos

de escala e expansão de mercado.

Diante dos vários benefícios apresentados, a principal dificuldade para a expansão no

uso da tecnologia é, na visão dos vários entrevistados, a disseminação de uma cultura.

Conforme destacam alguns entrevistados, a questão não é o treinamento em si que possibilite

o sucesso de uma nova tecnologia, mas trabalhar com a resistência e a capacidade cultural dos

funcionários relacionados à nova tecnologia.

Limitações do estudo e sugestões de pesquisa futuras

Este é um estudo inicial sobre o uso de tecnologias nas atividades de serviço de diagnóstico

médico. Em função das restrições do tamanho da amostra, há restrições de generalização.

Espera-se que com ampliação do escopo, por meio de uma pesquisa quantitativa, se possa

avançar na identificação dos fatores componentes da competência tecnológica em serviços.

Estes fatores poderão dar subsídios tanto para as empresas quanto para os órgãos

públicos de fomento. Conforme destacam Den Hertorg e Rubalcaba (2010), o estímulo ao

desenvolvimento das competências necessárias para a inovação em serviço ainda não está

presente nas políticas públicas de inovação em serviço.

Por fim, vale observar que o setor de serviços é de fundamental importância para o

bom funcionamento da atividade econômica, principalmente num contexto de baixa

produtividade. Compreender as competências tecnológicas em serviços é fundamental para o

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desempenho interno e externo destas atividades, ou seja, tanto no que se refere ao aumento do

valor agregado quanto no aumento das exportações de serviços.

ABSTRACT

Keywords: Technology, Technological Competence, Services, Diagnostic Medicine,

Organizational practices.

RESUMEN

Objetivo: Este estudio tuvo como objetivo identificar los elementos de los conocimientos

tecnológicos en los servicios a través del estudio de la utilización de la tecnología y su

impacto en las prácticas de la organización.

La originalidad / GAP / relevancia / implicaciones: La suposición fundamental que guía

esta investigación es que el desarrollo de la competencia tecnológica de los servicios

ocasionadas por la utilización de la tecnología en coordinación con los recursos humanos, y su

impacto en las prácticas organizativas. Se utiliza aquí para ver la tecnología como la práctica

(Orlikowski, 2000, 2002), en la que se ha creado y modificado por la acción humana

tecnología.

Aspectos metodológicos principales: El enfoque de investigación es de carácter cualitativo,

basado en entrevistas con los desarrolladores, los usuarios y los administradores de

tecnología. Se analizó el segmento de servicios de diagnóstico médico. Los siguientes

objetivos específicos están cubriendo: (1) la caracterización de las tecnologías que se utilizan

en la prestación de servicio, presente en el segmento de diagnóstico médico; (2) la

identificación del uso específico de la tecnología como la relación entre los agentes y de

estructura; (3) la identificación de los elementos de competencia tecnológica que surgen de la

utilización de la tecnología en el segmento estudiado, y (4) que comparan las diferencias entre

las dimensiones de las competencias tecnológicas identificadas las empresas analizadas.

Entrevistas a través de guión semiestructurado hicieron posible la recogida de datos y análisis

de contenido fue la técnica utilizada para analizar los datos recogidos.

Resumen de las principales conclusiones: La principal contribución de la investigación fue

identificar las tecnologías utilizadas desde una perspectiva que reúne tanto la perspectiva del

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usuario como el desarrollador, en el que se analizan las consecuencias en términos de

prácticas de organización y funcionamiento.

Las consideraciones clave / conclusiones: El análisis de las entrevistas sugiere que la

tecnología es institucionalizada, que se desarrolló a partir de personal interno, y evoluciona a

partir de la propia dinámica del mercado, aunque todavía hay una cierta resistencia a su

adopción. La tecnología se utiliza con intensidad, lo que resulta en cambios en la práctica y el

rendimiento, con claros beneficios en términos de velocidad, eficiencia y economías de

escala.

Palabras clave: Tecnología, competencia tecnológica, servicios, medicina de diagnóstico,

prácticas organizacionales.

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