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USO DA MEDIDA DO PERÍMETRO BRAQUIAL NA DETECÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DO PRÉ-ESCOLAR * Carlos Augusto Monteiro ** Maria Helena D'Aquino Benício ** Yaro Ribeiro Gandra ** MONTEIRO, C. A. et al. Uso da medida do perímetro braquial na detecção do estado nutricional do pré-escolar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15(supl.) :48-63, 1981. RESUMO: Em população de pré-escolares de baixa renda, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, foram avaliadas as possibilidades e as limitações de uma classificação do estado nutricional baseada exclusivamente na tomada do perímetro braquial. Utilizando a classificação de Gomez como referência para o diagnóstico da desnutrição, foram determinados níveis críticos para a medida do perímetro braquial que identificariam o estado nutricional de pré-escolares com 75-80% de sensibilidade e especificidade. São propostos, como simplificação na utilização do perímetro braquial, o agrupamento dos pré-escolares em apenas três grupos de idades (2, 3 a 5 e 6 anos completos) e o emprego de três fitas ou cordões, onde previa- mente fossem demarcados os níveis críticos correspondentes a cada um dos grupos. Discutem-se as aplicações possíveis da classificação baseada no pe- rímetro braquial de onde se conclui que o seu uso mais promissor estaria na averiguação do perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares. UNITERMOS: Pré-escolares, estado nutricional. Antropometria. * Convênio 10/77 INAN/DN/FSP/USP. **Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo. 715 — 01255 — São Paulo, SP Brasil. INTRODUÇÃO Apesar da existência de múltiplos métodos para avaliação do estado nutricional, o seu estabelecimento ao nível de campo tem se constituído em permanente desafio para os que trabalham na área da Nutrição em Saúde Pública. É consenso nesta área a necessidade do desenvolvimento de métodos adequados que possam estabelecer de forma acurada, simples e não custosa o estado nutricional de populações sob risco 1 . Entre as necessidades mais destacáveis está o desenvolvimento de métodos que avaliem a prevalência da desnutrição pro- téico-calórica (dpc) em populações de pré- -escolares. particular interesse por mé- todos que sejam sensíveis também às for- mas menos severas da desnutrição, que, em geral, são as mais freqüentes. Três métodos diretos têm sido utilizados para estabelecer o diagnóstico da dpc em pré-escolares: exames de sinais clínicos, testes bioquímicos e antropometria. As principais limitações dos dois primeiros dificuldade na padronização e inconstância nas formas menos severas, no caso dos sinais clínicos, e alto custo e difícil opera- cionalidade em condições de campo no caso dos testes bioquímicos fazem da antro- pometria o método de escolha quando se pretende avaliar, de forma acurada e

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USO DA MEDIDA DO PERÍMETRO BRAQUIAL NA DETECÇÃODO ESTADO NUTRICIONAL DO PRÉ-ESCOLAR *

Carlos Augusto Monteiro **Maria Helena D'Aquino Benício **Yaro Ribeiro Gandra **

MONTEIRO, C. A. et al. Uso da medida do perímetro braquial na detecção do estadonutricional do pré-escolar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15(supl.) :48-63, 1981.

RESUMO: Em população de pré-escolares de baixa renda, no interiordo Estado de São Paulo, Brasil, foram avaliadas as possibilidades e aslimitações de uma classificação do estado nutricional baseada exclusivamentena tomada do perímetro braquial. Utilizando a classificação de Gomez comoreferência para o diagnóstico da desnutrição, foram determinados níveiscríticos para a medida do perímetro braquial que identificariam o estadonutricional de pré-escolares com 75-80% de sensibilidade e especificidade.São propostos, como simplificação na utilização do perímetro braquial, oagrupamento dos pré-escolares em apenas três grupos de idades (2, 3 a 5e 6 anos completos) e o emprego de três fitas ou cordões, onde previa-mente fossem demarcados os níveis críticos correspondentes a cada um dosgrupos. Discutem-se as aplicações possíveis da classificação baseada no pe-rímetro braquial de onde se conclui que o seu uso mais promissor estaria naaveriguação do perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares.

UNITERMOS: Pré-escolares, estado nutricional. Antropometria.

* Convênio 10/77 — INAN/DN/FSP/USP.**Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo.715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

INTRODUÇÃO

Apesar da existência de múltiplos métodospara avaliação do estado nutricional, o seuestabelecimento ao nível de campo tem seconstituído em permanente desafio para osque trabalham na área da Nutrição emSaúde Pública. É consenso nesta área anecessidade do desenvolvimento de métodosadequados que possam estabelecer de formaacurada, simples e não custosa o estadonutricional de populações sob risco 1.

Entre as necessidades mais destacáveisestá o desenvolvimento de métodos queavaliem a prevalência da desnutrição pro-téico-calórica (dpc) em populações de pré--escolares. Há particular interesse por mé-

todos que sejam sensíveis também às for-mas menos severas da desnutrição, que, emgeral, são as mais freqüentes.

Três métodos diretos têm sido utilizadospara estabelecer o diagnóstico da dpc empré-escolares: exames de sinais clínicos,testes bioquímicos e antropometria. Asprincipais limitações dos dois primeiros —dificuldade na padronização e inconstâncianas formas menos severas, no caso dossinais clínicos, e alto custo e difícil opera-cionalidade em condições de campo no casodos testes bioquímicos — fazem da antro-pometria o método de escolha quando sepretende avaliar, de forma acurada e

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simples, a prevalência de desnutrição pro-téico-calórica em populações de pré-esco-lares. Neste sentido, o uso das medidas docorpo como meio diagnóstico da desnutriçãoencontra suporte teórico no constante com-prometimento do crescimento e ou da com-posição corporal quando não é adequado osuprimento de calorias e proteínas.

Dos indicadores antropométricos exis-tentes, o mais antigo e até hoje mais utili-zado é a adequação percentual do pesoda criança em relação ao peso esperadopara sua idade. A classificação propostaem 1942 por Gomez2 segue sendo amais empregada e prevê três graus para adesnutrição conforme a magnitude do déficitponderal. À adequação ponderal, mais re-centemente, veio se juntar a adequação pon-do-estatural que particulariza os casos atuaisde desnutrição ao não levar em considera-ção agravos passados que possam ter com-prometido a estatura da criança.

Na situação de campo, entretanto, nemsempre se pode dispor de balanças suficien-temente precisas, ou mesmo de pessoal quali-ficado para operá-las, que permitam aobtenção acurada do peso dos pré-escolares.Associadamente podem ainda faltar o co-nhecimento da idade exata da criança e ascondições para a efetuação correta dos cál-culos das adequações das medidas aos va-lores normais.

A utilização da medida do perímetro bra-quial para detecção da dpc em pré-escolaresvem sendo recomendada em situações ondepor várias razões não possam ser utilizadosos indicadores antropométricos clássicos,baseados no conhecimento do peso, alturae idade. Sobre estes indicadores, a medidado perímetro braquial teria as vantagensda simplicidade do instrumento utilizado, dafacilidade, rapidez e baixo custo da obtençãoda medida e da imediata e prática inter-pretação do resultado. O indicador baseadono perímetro braquial utiliza apenas umafita métrica (ou mesmo um simples fio pre-viamente demarcado), requer um treinamentomínimo daquele que vai obter a medida efornece, imediatamente, o resultado, poispode prescindir do conhecimento exato da

idade da criança e do cálculo de adequa-ções. Esta última característica do indica-dor decorre da pequena velocidade do cres-cimento da circunferência do braço na idadepré-escolar que permite que haja padrõesúnicos do perímetro braquial para conjuntosde idades agrupadas.

A escolha da circunferência do braçocomo local para averiguação das condiçõesnutricionais da criança parte da admissãode que, diferentemente do que ocorre emoutras idades quando a hipertrofia peloexercício muscular tem que ser considerada,na criança a medida do perímetro braquialé reflexo principalmente do status atual ourecente da nutrição calórica e protéica espe-lhada nas lábeis reservas de calorias (gor-dura) e de proteínas (músculo) do braço 3.

Entre as dificuldades relacionadas à uti-lização do perímetro braquial, destacam-sea elevada precisão que se requer na tomadada medida e a dificuldade em se estabelecerníveis críticos seguros que identifiquem ascrianças desnutridas3 . A elevada precisãodecorre da pequena variabilidade que o perí-metro braquial apresenta na população e osníveis críticos seguros estariam na depen-dência de que fosse extensivamente averi-guada, em várias populações, a distribuiçãodo perímetro braquial conforme o estadonutricional.

O presente trabalho se propõe a esta-belecer, na população pré-escolar de nossomeio, a sensibilidade e a especificidade queum indicador baseado exclusivamente namedida do perímetro braquial teria na de-tecção da desnutrição diagnosticada pelasclassificações tradicionais que se baseiamno conhecimento do peso, altura e idade.

Dado o caráter essencialmente prático quese espera de uma classificação baseada namedida do perímetro do braço, decidiu-seque a classificação a ser estudada deveriaindicar o estado nutricional de um pré-es-colar, com determinado número de anoscompletos e independentemente do sexo,como de desnutrição ou de eutrofia. Esteestado dependeria de que seu perímetrobraquial fosse, respectivamente, inferior ounão a um certo perímetro crítico previa-

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mente demarcado em instrumento designadopara a medição da circunferência do braço.

MATERIAL E MÉTODOS

A população de pré-escolares utilizadapara o estudo de sensibilidade e especifi-cidade do indicador perímetro braquial cor-responde a 1.362 crianças de 2 a 6 anosresidentes na área de influência dos Centrosde Educação e Alimentação do Pré-escolar— CEAPEs1, no Estado de São Paulo.Estas áreas estão situadas no interior doEstado, a oeste da capital, nos municípiosde Campinas, Capivari, Indaiatuba, Sumaré,Leme e São Carlos. Dada a localização maiscomum dos CEAPEs, na periferia dascidades, a população de estudo correspondeaos estratos mais pobres daqueles muni-cípios, sendo constatada na mesma a pre-sença de cerca de 90% de famílias comrenda per capita abaixo de um salário--mínimo.

As medidas de peso e altura e do perí-metro braquial dos pré-escolares foramobtidas entre outubro de 1977 e outubrode 1979 por equipes de antropometristastreinados, dentro de uma avaliação globaldos CEAPEs. Foram seguidas as recomen-dações da Organização Mundial da Saúdequanto às técnicas para a obtenção dasmedidas, utilizando-se, para a tomada dopeso, Balança Filizola, Série 3.134 com di-visões de 100 g e para a tomada da alturae do perímetro braquial fitas métricas de"fibre glass" com divisões de 1 mm. Todosos pré-escolares foram pesados e medidospelo menos duas vezes e independentementepor dois diferentes antropometristas. Ha-vendo concordância dentro de um intervalode 100 g para peso e 0,5 cm para alturae perímetro braquial, a medida atribuídaa cada pré-escolar foi a média aritméticadas duas medidas. Não existindo a referidaconcordância, as medidas eram repetidaspelos mesmos dois antropometristas até quese obtivesse a concordância.

A classificação do estado nutricional ado-tada como paradigma para o estudo daclassificação baseada no perímetro braquial

foi a classificação de Gomez2 que definecomo desnutrido todo aquele pré-escolar cujaadequação do peso para a idade e sexoseja igual ou inferior a 90%. Por esta clas-sificação, a proporção de desnutridos napopulação era de 50,0%.

Em princípio, foi admitido que a classifi-cação baseada no perímetro braquial deveriaigualmente evitar casos "falsos negativos"e casos "falsos positivos"; em outras pa-lavras, deveria igualmente interessar à clas-sificação a sensibilidade e a especificidadecom que ela detecta a desnutrição diagnos-ticada pelo critério de Gomez 2.

Exploratoriamente, foi estudada a sensi-bilidade da classificação a quadros maisintensos de desnutrição identificados sejapor adequação ponderal igual ou inferiora 75% (segundo e terceiro graus da clas-sificação de Gomez 2), seja por adequaçãopondo-estatural igual ou inferior a 90%(desnutrição aguda). Estas formas da des-nutrição atingiam, respectivamente, 6,6% e22,7% dos pré-escolares.

Para a obtenção das adequações do pesopara a idade e do peso para a estaturaforam utilizados os chamados padrões antro-pométricos de Santo André, Classe IV5 .

RESULTADOS

A detecção da desnutrição através damedida do perímetro braquial logicamentedepende do nível crítico que se convencioneadotar para a medida, ou seja, do nívelabaixo do qual esteja caracterizada a des-nutrição.

As Tabelas de 1 a 5 trazem, para cadaintervalo anual de idade, a sensibilidade(proporção de acertos na classificação dosdesnutridos) e a especificidade (proporçãode acertos na classificação dos eutróficos)da classificação baseada no perímetro bra-quial conforme a variação do nível críticodo mesmo. Nota-se que a escolha de níveiscríticos altos beneficia a sensibilidade daclassificação em detrimento da especifi-cidade, o inverso ocorrendo com a escolhade níveis críticos baixos.

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O exame dos gráficos apresentados nasFiguras de 1 a 5, construídos à base dastabelas anteriores, acrescenta a informaçãode que para cada intervalo anual de idadehá um determinado nível do perímetrobraquial que proporciona valores idênticosde sensibilidade e especificidade. Utilizandoestes níveis como níveis críticos, a classifi-cação do perímetro braquial na idade de2 a 6 anos apresenta em média 76,5%de sensibilidade e especificidade, variandonas idades de 75,0 a 80,0% (Tabela 6).

A proximidade dos valores do perímetrobraquial correspondentes a idênticas sensi-bilidades e especificidades nas idades de 3,4 e 5 anos, sugere que a classificação ba-seada no perímetro braquial poderia consi-

derar estas três faixas etárias como umasó, de modo que fossem ampliadas as van-tagens operacionais da classificação. ATabela 7 traz para a faixa etária de 3 a5 anos, o comportamento da sensibilidadee da especificidade da classificação do perí-metro braquial conforme a variação do nívelcrítico escolhido. O gráfico da Figura 7informa que a adoção do nível do perímetrobraquial, que iguala a sensibilidade e aespecificidade naquela faixa etária, redundaem 75,0% de sensibilidade e especificidade.Alternativamente, portanto, à Tabela 6 en-contra-se a Tabela 8, onde a classificaçãodo perímetro braquial que considera apenastrês faixas etárias — 2, 3 a 5 e 6 anos —apresentaria em média 76,0% de sensibi-lidade e especificidade.

As mesmas tabelas e gráficos relativos àdesnutrição caracterizada pelo critério geral

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de Gomez foram construídos para a des-nutrição exclusiva de segundo e terceirograus (adequação ponderal igual ou inferiora 75%) e para a desnutrição aguda (ade-quação pondo-estatural igual ou inferior a90%). Um resumo da sensibilidade que aclassificação da medida do perímetro bra-quial teria na detecção destes casos seencontra na Tabela 9. Ali, observa-se quecom os níveis críticos definidos anterior-mente e presentes na Tabela 6, a classifi-cação do perímetro braquial detecta emmédia 96,2% dos desnutridos de segundoe terceiro graus e 90,7% dos desnutridosagudos. Se utilizada a divisão simplificadados pré-escolares em apenas três faixasetárias, conforme o verificado na Tabela 8,a detecção daqueles casos seria, em média,respectivamente, de 97,0% e 89,9% (Tabela10).

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DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A consideração da medida do perímetrobraquial como instrumento diagnóstico doestado nutricional de pré-escolares se fazem função da possibilidade de se encontrarum indicador simplificado que possa serutilizado em condições onde não seja pos-sível a aplicação dos indicadores tradicionaisbaseados no peso, altura e idade.

Na população por nós estudada, a obser-vação da medida do perímetro braquial, aolado da classificação do estado nutricionalbaseada na adequação do peso à idade, re-velou existirem determinados níveis críticosdo perímetro que permitiriam o desenvolvi-mento de uma classificação simplificada doestado nutricional com sensibilidade e espe-cificidade idênticas e situadas entre 75 e80%, ou seja, para cada faixa anual deidade haveria um determinado nível do perí-metro braquial que separaria, em 75-80%das vezes corretamente, os pré-escolaresdesnutridos dos demais. Verificou-se, ainda,que estes mesmos níveis críticos detectariamnaquelas faixas de idade em torno de 95%das formas moderadas e graves da des-nutrição (segundo e terceiro graus) e emtorno de 90% das formas agudas (déficitna adequação pondo-estatural de pelomenos 10%).

A operacionalização da avaliação doestado nutricional por meio da medida doperímetro braquial pode ser bastante sim-plificada. Bastaria separar os pré-escolares,independentemente do sexo, em três grupos deidade: os de dois, os de três a cinco e osde seis anos completos. E, a seguir, utili-zando três fitas métricas inextensíveis, pre-viamente demarcadas, verificar quais pré--escolares se encontrariam abaixo do nívelcrítico correspondente à idade. Em vez defitas métricas inextensíveis, poder-se-iamutilizar fitas métricas comuns, ou mesmosimples cordões como os propostos porShakir e Morley 6 onde diferentes cores naextensão do cordão identificariam o estadonutricional, desde que os instrumentos utili-zados fossem periodicamente averiguadoscontra um padrão.

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Neste ponto, a questão principal quesurge se refere à reprodutibilidade dos re-sultados e, neste sentido, é evidente a ne-cessidade de repetição, em outras populações,de experimentos semelhantes com o perí-metro braquial, já nas condições de opera-cionalidade sugeridas pelo nosso trabalho.

Um problema que desde já pode afetara reprodutibilidade do desempenho do perí-metro braquial se refere ao grau de pre-cisão na tomada da medida. Recorde-se queem nosso estudo, em função da pequenavariabilidade na população e para garantiro máximo de precisão, cada pré-escolar teveseu perímetro medido pelo menos duasvezes e por dois diferentes antropometristaspreviamente treinados. A este respeito, algoque poderia ampliar a precisão da medida,sem dif icultar em demasia as condições deoperacionalidade sugeridas, seria a repetiçãoda verificação do perímetro sempre que seestivesse próximo dos valores críticos e atéque fossem obtidos pelo menos dois resul-tados idênticos e sucessivos. É provável queeste cuidado, ao lado da facilidade repre-sentada pela dispensa de leituras numéricas,

permita condições de operacionalidade eprecisão próximas àquelas por nós obtidas.

Outro aspecto que igualmente pode afetara reprodutibilidade do desempenho do perí-metro braquial se refere ao perfil nutricionalda população a ser avaliada. É possível queem populações que se afastem muito dascondições nutricionais da população queestudamos, não se mantenha a correspon-dência entre a adequação ponderal e o perí-metro braquial. Nesta situação, poderiamser outros os níveis críticos que melhoridentificariam a fronteira entre a desnutriçãoe a eutrofia.

Na eventualidade de que nossos resultadosse mostrem reprodutíveis, duas aplicaçõespodem ser visualizadas para o perímetrobraquial: a averiguação do estado nutri-cional de pré-escolares e a averiguação doperfi l nutricional de conjuntos de pré-esco-lares.

Na averiguação individual do estadonutricional, a medida do perímetro braquialseria de limitada validade, pois que apresen-taria sensibilidade e especificidade apenasrazoáveis (75-80%) e o seu uso apenasdeveria ser recomendado quando realmentefosse impossível o emprego dos indicadorestradicionais baseados no peso, altura eidade. A seu favor, a classificação do perí-metro braquial, por nós sugerida, teria avantagem de deixar de fora uma fraçãomuito pequena das formas mais intensas dedesnutrição, na medida em que sua sensi-bilidade para detectar estas formas sobea 90-95%. Ainda na averiguação individualdo estado nutricional há que se considerara eventualidade de existir o interesse apenasna sensibilidade ou apenas na especificidadeda classificação. Nestas situações, que ocor-rem quando se pretende uma primeiratriagem do estado nutricional ou quandose deseja a identificação de um grupo depré-escolares certamente desnutridos, é fácilde ver que níveis, respectivamente, maisaltos ou mais baixos do perímetro permi-t i r i am excelentes resultados.

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Na averiguação do estado nutricional depopulações,o indicador baseado no perímetrobraquial parece bem mais promissor. Comos níveis críticos, por nós sugeridos, a sen-sibilidade e a especificidade da classificaçãotenderiam a se igualar e, com isto, os erroscometidos pela mesma ao avaliar incorreta-mente desnutridos e eutróficos tenderiam ase anular , redundando em prevalência

global da desnutrição semelhante a que se-ria obtida pela classificação de referência.

Um uso ainda teoricamente possível paraum indicador do estado nutricional baseadono perímetro braquial seria na avaliaçãode programas para pré-escolares quando háo interesse na detecção de eventuais modi-ficações do estado nutricional de indivíduosou de populações.

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Na avaliação de eventuais modificaçõesem indivíduos, ao lado das limitações refe-rentes à margem não desprezível de erroda classificação, redobrada agora em funçãoda obtenção de duas tomadas, há a questãode se saber se em um processo de recupe-ração nutricional mantém-se a correspon-dência encontrada na população entre aadequação do peso à idade e a medida doperímetro braquial .

Na avaliação de modificações na preva-lência global da desnutrição em um deter-minado conjunto de pré-escolares, o sucessodo indicador baseado no perímetro braquialdependeria apenas de que se mantivesseno intervalo de observação a correspon-dência entre a adequação do peso e o perí-metro. Dados prel iminares da avaliação daeficácia dos CEAPEs em reduzir a preva-lência de desnutrição, ainda não completa-mente analisados, sugerem que a medidado perímetro braquial não acompanha, nacorrespondência que seria esperada, amelhora observada na adequação do pesoà idade.

A título de conclusões do nosso experi-mento com o perímetro braquial na detecçãodo estado nutricional de pré-escolares, des-tacar-se-iam:

— o caráter absolutamente prático da me-dida do perímetro braquial que ut i l izar iainstrumentos acessíveis em qualquer con-dição, que prescindiria de habil idadescomplexas na sua tomada e que dis-pensaria o conhecimento preciso da idadedo pré-escolar;

— a possibilidade de que o perímetrobraquial possa identif icar com reduzidamargem de erro o perf i l nutricional deconjuntos de pré-escolares;

— a possibilidade de que, em condições detotal imprat icabi l idade dos indicadoresbaseados no peso, altura e idade, amedida do perímetro braquial possa in-fo rmar corretamente em 75-80% doscasos o estado nutr ic ional de pré-esco-lares considerados individualmente. Res-salte-se, como pontos positivos, que asensibilidade da classificação é maior doque a média para as formas mais intensasda desnutrição e que, em havendo inte-

resse exclusivo pela sensibilidade ou

pela especificidade, níveis críticos mais

altos ou mais baixos do que os suge-ridos poderiam melhorar sensivelmente

o poder discriminatório da classificação;

— a improbabil idade de que a eficiência da

classificação do perímetro braquial seja

mantida quando do seu emprego para

avaliar eventuais modificações do estado

nutricional ocorridas em um determi-

nado intervalo de tempo.

É importante enfatizar, contudo, que as

possibilidades e limitações do indicador,

baseado no perímetro braquial, apenas esta-

rão satisfatoriamente avaliadas quando, em

diferentes condições operacionais e em dife-

rentes populações de pré-escolares, forem

repetidos e analisados experimentos seme-

lhantes ao que realizamos.

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MONTEIRO, C. A. et al. [The use of arm-circumference measurement in the deter-mination of the nutritional status of preschool children]. Rev. Saúde. públ., S.Paulo, 15(suppl.):48-63, 1981.

ABSTRACT: Use and limitation of a classification of the nutritionalstatus of preschool children based exclusively on arm circumference werestudied. Gomez' classification was used as the basis for the determinationof nutritional status. Trigger levels of arm circumference were determinedfor three age groups (2, 3 to 5 and 6 years of age) regardless of sex.Specificity and sensibility of the classification ranged from 75% to 80%.The method could be simplified by using tapes or cords previously markedwith the trigger level appropriated for each age group. Potential applicationsof the arm circumference were discussed and it was concluded that possiblythe best use of the arm circumference would be in the screening of thenutritional status of whole population of children.

UNITERMS: Child, preschool. Nutritional status. Anthropometry.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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6. SHAKIR, A. & MORLEY, D. Measuringmalnutrition. Lancet, 1:758-9, 1974.

Recebido para publicação em 10/07/1981Aprovado para publicação em 17/11/1981