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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Alexander kriwoj O ÔNUS DA PROVA EM DEMANDAS DECORRENTES DE ERRO MÉDICO DIANTE DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE PERANTE O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS CONSELHOS DE MEDICINA. CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Alexander kriwoj

O ÔNUS DA PROVA EM DEMANDAS DECORRENTES DE ERRO

MÉDICO DIANTE DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

PERANTE O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS CONSELHOS

DE MEDICINA.

CURITIBA

2011

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O ÔNUS DA PROVA EM DEMANDAS DECORRENTES DE ERRO

MÉDICO DIANTE DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

PERANTE O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS CONSELHOS

DE MEDICINA.

CURITIBA

2011

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Alexander Kriwoj

O ÔNUS DA PROVA EM DEMANDAS DECORRENTES DE ERRO

MÉDICO DIANTE DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

PERANTE O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS CONSELHOS

DE MEDICINA.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de

Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como

requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Professor Martim Palma

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Alexander kriwoj

O ÔNUS DA PROVA EM DEMANDAS DECORRENTES DE ERRO

MÉDICO DIANTE DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

PERANTE O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS CONSELHOS

DE MEDICINA.

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de bacharel em Direito do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de ___________________ de 2011.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Martim Palma Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Prof. Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Prof. Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná

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DEDICATÓRIA

Ofereço este trabalho a minha esposa Patrícia, a minha filha Amanda, a minha mãe Maria

Tereza, que sempre me apoiaram de forma sincera e amiga, sempre me incentivaram a

conclusão deste curso, me motivaram nos momentos mais difíceis, e me ampararam nos

momentos de isolamento e dificuldades.

Neles eu encontrei a força e a inspiração para concluir este ideal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e a minha família, pela confiança e motivação. Aos amigos e

colegas, pela força e compreensão em relação a esta jornada.

Agradeço a todos os professores da Faculdade de Ciências Jurídicas da

Universidade Tuiuti do Paraná pelo apoio e dedicação em trazer nobres conhecimentos

durante esta etapa importante de minha vida.

Agradeço, em especial, ao meu orientador Professor Martim Palma pelos seus

incentivos e ensinamentos que muito me ajudaram a concluir este trabalho.

E por fim, agradeço a todos aqueles que estiveram comigo durante esta longa

jornada, me incentivando e motivando a vencer as dificuldades que se apresentaram até o

momento final deste estudo.

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“Em quaisquer circunstâncias, nas quais te vejas de coração sozinho, ou empobrecido de forças, contempla a imensidade dos céus, ergue a fronte, enxuga o pranto e caminha para diante, conservando bom-ânimo e a esperança, porque ainda mesmo quando suponhas haver perdido tudo o que possuías de valioso na Terra, trazes contigo o tesouro máximo da vida, que nenhuma ocorrência do mundo pode te arrancar, porque tens Deus”

(Francisco Cândido Xavier – Emmanuel).

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RESUMO

A proteção da saúde humana se impõe como atividade indispensável –

atividade esta inerente ao Estado, pois este se preocupa com a saúde do cidadão – que, por sua

vez, tem o direito de exigir do ente estatal a adoção de medidas visando a proteção, à

prevenção e tratamento de doenças.

No exercício profissional da medicina, uma falha pode ter

conseqüências irreparáveis, porque a vida que se perde é irrecuperável. E, nestes casos, a

culpa profissional do médico constitui um dos problemas jurídicos mais antigos, objetos de

debates potencialmente infinitos dada a natureza particular da atividade médica.

Mas, a dificuldade em vez de constituir fator de renúncia, deve representar um

estimula à busca da verdade. O médico deverá informar ao paciente o diagnóstico,

prognóstico, riscos e objetivos do tratamento. Deverá prescrever os cudidados que o paciente

deverá tomar.

O inadimplemento desse dever de conduta conduzirá a obrigação de indenizar.

Cumpre, portanto, a necessidade se provar esta obrigação e determinar o ônus da prova, a

qual estará vinculada ao erro médico. Esta por sua vez, tem como causa principal a

insatisfatória relação médico-paciente.

A relação estabelecida entre o profissional médico e o paciente é regido por

uma série de normas e leis expressas nos códigos Civil, Código de Processo Civil, Penal, de

Defesa do Consumidor, bem como no Código de Ética Médica e as resoluções dos Conselhos

de Medicina (Regional e Federal).

O presente trabalho tem como objetivo buscar uma visão dessas normas diante

do ônus de se provar o erro médico perante o processo ético-disciplinar, bem como

estabelecer a importância do princípio da informalidade nesses processos, diante do Conselho

Federal de Medicina.

Palavras-chave: Erro Médico; Responsabilidade Civil; Ônus da prova; Processo-Ético

Profissional.

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SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................8

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

1 CAPÍTULO I : RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – BREVE

HISTÓRICO ...........................................................................................................................13

2 CAPÍTULO II: O ERRO MÉDICO..................................................................................18

2.1 O conceito de erro médico..................................................................................................19

2.2 A inversão do ônus da prova nos casos de erro médico......................................................20

2.3 Hipossuficiência e verossimilhança...................................................................................22

2.4 Aspectos relativos a vulnerabilidade...................................................................................24

2.5 Obrigação de meio e obrigação de resultado......................................................................25

2.6 O código de defesa do consumidor e a responsabilidae civil do .......................................28

3 CAPÍTULO III: A CULPA MÉDICA..............................................................................29

3.1 Culpa médica – considerações............................................................................................30

3.2 A culpa na responsabilidade civil do médico.....................................................................31

3.3 A analise do erro médico....................................................................................................34

3.4 A culpa strictu sensu..........................................................................................................35

4 CAPÍTULO IV: O ÔNUS DA PROVA............................................................................39

4.1 A prova no processo – dever, ônus e obrigação................................................................40

4.2 Ônus da prova no processo civil.......................................................................................43

4.3 A inversão do ônus da prova no código de processo .......................................................46

4.4 O ônus da prova no código de defesa do .........................................................................48

4.4.1 A inversão do ônus da prova no código de defesa do .................................................49

4.4.2 O momento da inversão do ônus da prova ..................................................................51

4.5 A teoria da carga probatória compartilhada e a carga probatória ...................................53

5 CAPÍTULO V: OS CONSELHOS DE MEDICINA.....................................................55

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6 CAPÍTULO VI: O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL E O PRINCÍPIO DA

INFORMALIDADE................................................................................................................58

6.1 O princípio da informalidade ou formalismo ....................................................................59

6.2 o processo ético-profissional nos conselhos de Medicina .................................................61

6.2.1 Da competência...............................................................................................................62

6.2.2 Da Sindicância................................................................................................................63

6.2.3 Do Processo em Espécie.................................................................................................64

6.2.3.1 Da Instrução.................................................................................................................64

6.2.3.2 Do julgamento.............................................................................................................65

6.2.3.3 Dos Impedimentos......................................................................................................67

6.2.3.4 Das Nulidades.............................................................................................................68

6.2.3.5 Dos Recursos..............................................................................................................69

6.2.3.6 Da Execução...............................................................................................................70

6.2.3.7 Da Prescrição..............................................................................................................71

7 CAPÍTULO VII: A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

NO PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DIANTE DO ARTIGO XX DO CÓDIGO

DE ÉTICA MÉDICA............................................................................................................73

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................79

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INTRODUÇÃO Essa monografia se justifica pela importância de se discutir um tema bastante

interessante que é a determinação do ônus da prova nas demandas decorrentes de erro médico

em processos ético-profissionais instaurados nos Conselhos Regionais de Medicina e no

Conselho Federal de Medicina.

O método de abordagem do presente estudo foi o método dedutivo e indutivo,

sendo o procedimento desenvolvido a partir de estudos exploratórios em livros, jornais,

periódicos, publicações científicas. Foi efetuado levantamento bibliográfico a respeito do

assunto. Os documentos utilizados foram o Código Civil, o Código de Defesa do

Consumidor, o Código de Ética Médica, o Código de Processo Ético-Profissional dos

conselhos de medicina.

O procedimento metodológico utilizado foi baseado no livro “Normas Técnicas

– Elaboração e apresentação de trabalho Acadêmico-Científico” da Universidade Tuiuti do

Paraná.

No primeiro capítulo deste trabalho o tema abordado refere-se a

Responsabilidade civil do médico durante os períodos históricos, ou seja, relata-se uma

panorama global da responsabilidade médica ao longo da história.

No Segundo capítulo, o tema abordado diz respeito ao Erro Médico, seu

conceito, os aspectos relativos a vulnerabilidade e hipossuficiência do paciente, a aplicação do

código de defesa do consumidor nas relações médico/pacientes, bem como as obrigações de

meio e obrigações de resultado.

A partir do terceiro capítulo, aborda-se a culpa médica, seus conceitos, seus

requisitos, bem como a análise da culpa em caso de erro médico.

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A partir do capítulo IV, temos os temas centrais deste trabalho, quais sejam: O

Ônus da prova, os conselhos de Medicina, o processo ético-profissional e o princípio da

informalidade. Aborda-se, por fim, a questão da aplicação ou não do Código de Defesa do

Consumidor no processo ético-profissional, confrontando este instituto com o Código de ética

médica.

Dessa forma, espera-se que este trabalho represente uma contribuição aos

operadores do direito, médicos e estudantes que tenham algum interesse acerca da

responsabilidade do médico, porém, exaltando que este estudo não esgota o tema em análise,

haja vista a diversidade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do assunto

em pauta.

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CAPÍTULO I

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

BREVE HISTÓRICO

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1.- A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – BREVE HISTÓRICO. A responsabilidade civil do médico evolui junto com as técnicas e tecnologias

empregadas na Medicina, bem como desenvolve-se de acordo com as legislações vigentes em

cada época da sociedade. Desde o ínício da prática médica, de maneiras diversas, o

profissional responde por seus erros e pelas conseqüências deles decorrentes.

Sabe-se que nos primórdios, inicialmente, a medicina era exercida por

feiticeiros, magos, curandeiros, sacerdotes, boticários e, inclusive, por escravos e barbeiros.

Por este motivo, as sanções penais algumas vezes acabavam se confundindo com sanções

religiosas. A medicina, no mais das vezes, estava invariavelmente relacionada com a religião.

O médico era visto como um mensageiro dos deuses, sendo execrado pela sociedade em

casos de ato falho, e punido rigorosamente.

No que tange a responsabilidade civil do médico, esta surge em um período

seguinte, no qual passou-se a aceitar a vingança pessoal e a obrigação de indenizar a vitima e

seus familiares em pecúnia. Havia um caráter restitutivo e punitivo, confundindo-se a

responsabilidade civil com a responsabilidade penal.

O código de Hamurabi, uma das codificações mais antigas conhecida pela

humanidade ( 2.394 a.C.), em seus artigos 215 a 223 elenca um conjunto de regras sobre o

médico e o exercício de sua profissão. As punições eram detalhadas e aplicadas aos médicos

que por erro cometessem lesões corporais ou provocassem a morte de seus pacientes. Na

mesma linha, surgiu o Código de Manu, dez séculos depois na Índia, determinando regras

básicas de conduta médica que deveriam ser rigorosamente observadas por todos os médicos

da região.

No Egito os médicos da época gozavam de grande prestígio social, pois suas

funções muitas vezes se confundiam com funções sacerdotais. Na Roma Antiga (452 a.C.), as

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funções do médico tinham caráter servil, e seus erros eram punidos de acordo com o disposto

na Lei da XII Tábuas. Foi a Lei Aquília Romana (287 a.C.) que trouxe as primeiras noções

romanas de responsabilidade civil do médico, prevendo penas pecuniárias para os danos

causado por aqueles profissionais. No ano de 27 a.C., a situação dos médicos passou a

mudar, alcançando a profissão grande prestígio, e a relação médico-paciente muda para um

contrato consensual de arrendamento de serviços.

Na Grécia do século VI a.C., eram, em regra, as divindades que cuidavam da

profissão médica. Esculápio, deus greco-romano, era o conselheiro dos médicos e aparecia

aos doentes sempre à noite, momento em que os curava ou lhes revelava o tratamento mais

adequado. Mas não eram somente os deuses que cuidavam da profissão e dos enfermos. Em

460 a.C., nasceu Hipócrates que entregou a arte de curar aos homens.

Já, no ano de 1.170, Maimónides tornou-se médico e chefe espiritual da

comunidade judaica e acabou por elaborar um código que, em seus 613 artigos, relacionava

diversos aspectos da Medicina judaica. Assim, quando um médico fracassava, a penalidade

era a prisão, o açoite ou a morte (era aplicada a pena de talião: “olho por olho, dente por

dente”).

Os médicos, de acordo com a História, eram severamente punidos por seus

erros, causando o descrédito da profissão. Situação esta que começa a mudar somente no

século XII, quando então, estes profissionais começam a ser protegidos. Durante os séculos

XIII a XVII, de acordo com o direito canônico, para a condenação do profissional médico

eram exigidas provas concretas das falhas e exames médico-legais minuciosos dos fatos.

Na Idade Média os médicos passaram a ter participação na elaboração das

legislações relacionadas à responsabilidade civil médica, constando no corpo destas leis

descrições anatômicas de ferimentos e valores das indenizações calculadas de acordo com a

gravidade e localização das lesões.

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Na modernidade, na França de 1829, através da Academia de Medicina de

Paris, ocorre grandes mudanças na jurisprudência e doutrina relativas à responsabilidade civil

médica. Em 1832, o parecer do Procurador Geral Dupin determinou que todos os atos

médicos que causassem danos a seus pacientes em decorrência de imprudência, ignorância

das regras básicas da profissão ou negligência deveriam ser submetidos à apreciação dos

Tribunais.

Mas a principal herança deixada pelo Direito Civil Francês foi a configuração

do exercício da Medicina como uma obrigação contratual sui generis, conforme decisão da

Corte de Cassação Francesa data de 20.05.36.

No Brasil a primeira faculdade de medicina foi fundada por D. João VI em

1808 na Bahia. A segunda foi no Rio de Janeiro, e a terceira no Rio Grande do Sul. Durante

cem anos, estas foram as únicas escolas de medicina existentes no Brasil; hoje este número já

chega a 86. O Brasil produz cerca de 8.200 médicos por ano, sendo que apenas 5.000 serão

absorvidos pelo mercado, sendo que o restante acaba ingressando no mercado de trabalho sem

ao menos passar por cursos de especialização.

Foi apenas em 1932 que o Brasil normatizou a conduta médica, passando a

fiscalizá-la. Desde então, os médicos brasileiros são obrigados a observar não apenas normas

éticas e morais bem como normas jurídicas inerentes a sua profissão.

Cumprindo a sua obrigação de regular e fiscalizar a profissão, o legislador

brasileiro editou, em 11.01.32, o Decreto 20.981. Em 13.09.45, o Dec. Lei 7.955 instituiu os

Conselhos de Medicina, que acabaram por ser regulamentados pela Lei 3.268 de 30.09.57. O

regulamento interno do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais foi

aprovado pelo Decreto 44.045 de 19.07.58.

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Atualmente, em final do século XX e início do XXI, o instituto da

responsabilidade civil médica encontra-se em constante transformação devendo corresponder

às necessidades de cada sociedade e às suas inovações tecnológicas.

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CAPÍTULO II

O ERRO MÉDICO

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2.1.- O CONCEITO DE ERRO MÉDICO. Segundo a doutrina de Giostri, o erro médico pode ser conceituado como “uma

falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso ,

efetivando-se através da ação ou da omissão do profissional” (GIOSTRI, 1999).

Ou então, no entender de Salamacha, “é o resultado da conduta profissional

inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir dano à vida ou agravo

à saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência”( 2008, p.107). Um

atuar em desarmonia com os preceitos da medicina, podendo existir dano ou não. Os autores

afirmam que “não há erro médico sem dano ou agravo à saúde de terceiros”.

Moraes, no entanto, assevera que “erro médico é a falha do médico no

exercício da profissão”. Exclui, entretanto, as lesões produzidas deliberadamente pelo

profissional pra o tratamento de um mal maior, excluindo as da própria natureza da profissão.

Como exemplo, o autor cita a amputação de uma perna para tratar uma gangrena que, por si,

poderia levar o doente à morte. (2003, p. 426)

Interessante colocação é feita pelo autor no que respeita ao erro médico: a

verdade tem três aspectos – a do paciente, a do médico se como ela realmente é. Repousa nas

mãos do juiz encontrar o ponto justo da questão. Salienta que é dever do profissional dar ao

paciente o diagnóstico e o prognóstico da evolução da doença, bem como o que se pode

esperar do tratamento e os riscos que advém da conduta adotada.

Pode-se, assim, definir erro médico como sendo a ação ou omissão do médico

que, no exercício profissional, cause dano à saúde do paciente. Somente lhe será imputado o

erro se for comprovado o nexo de causalidade entre a falha do médico e o mau resultado para

o doente.

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2.2 – A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NOS CASOS DE ERRO MÉDICO.

A culpa médica, pelas características que se reveste na sua consecução, na

maioria dos casos concretos, é de difícil comprovação.

Os obstáculos existentes para a comprovação de uma culpa médica repousam,

entre outros, nos seguintes fatores: natureza confidencial das relações médico-paciente;

silêncio daqueles que assistem ao ato médico ou que dele participam; aspecto demasiado

técnico da maioria das culpas médicas danosas. (FRADERA)

Além disso, para se obter sucesso em pleito indenizatório, resta claro e

evidente que é o autor quem tem o ônus de provar a incúria médica, pois o código de defesa

do consumidor dispõe, em seu art. 14, § 4º, que a responsabilidade dos profissionais liberais é

subjetiva, isto é, a culpa precisa estar configurada em quaisquer das modalidades: negligência,

imprudência ou imperícia. (BAÚ, 2002).

Os juízes, leigos que são em matéria médica, não possuem condições para

apreciação correta de uma culpa médica. Recorrem, pois, à perícia médica para fundamentar

sua decisão. A grande problemática a envolver a questão do ônus da prova é que – sendo o

juiz leigo em medicina, e dadas as características essencialmente técnicas da investigação

probatória – a perícia somente se torna dispensável por exceção.

Deve-se, portanto, contar com uma perícia bem feita e com que,

principalmente, o profissional designado para aquele ato, seja no mínimo relativamente

sincero quanto à conduta profissional do colega.

No que tange a relação entre médico e paciente, estritamente confidencial, não

há testemunhas nem documentos para comprovar uma possível advertência do profissional

sobre os riscos de uma intervenção cirúrgica por ele aconselhada. Daí, portanto, assevera-se a

importância do termo de consentimento informado, que deverá ser solicitado pelo médico e

autorizado pelo paciente.

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Weingarten adverte que o médico deve contribuir com a produção das provas,

visando a uma conduta processual de colaboração ativa, pois também é de seu interesse a

reconstrução histórica do fato, de modo que fique demonstrado que ele não deu causa ao

dano. (1997, p. 39)

Portanto, conforme entendimento de Ruy Rosado Aguiar (1995, p. 39), deve-

se ter em conta que há necessidade de ambas as partes concorram para a carga da prova,

encontrando seu fundamento na aplicação de regras processuais, correspondendo não só a

quem afirma um fato, senão também a quem nega a sua existência. Em suma, quem alega um

fato deve prova-lo, de tal modo que cada parte deve postular e provar os pressupostos de fato

da norma jurídica que invocar como fundamento de sua pretensão, defesa ou exceção. Trata-

se de uma carga processual que aparece não somente como um dever jurídico, senão como um

imperativo do próprio interesse. È uma faculdade que se adjudica às partes para avaliar seu

interesse, e implica que, ao não faze-lo, se assumirão as conseqüências.

A atividade médica é de prestação de serviços. Assim, o médico, como

prestador de serviços que é, se sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei

8.078/90), que, em seu art. 6º, VIII, dispõe que são direitos básicos do consumidor:

VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Conforme nos ensina Cavalieri (2003, p. 80), deve-se entender que a relação

entre médico e paciente é relação de consumo, visto que o primeiro é considerado prestador

de serviços. Há efetiva prestação de serviços. Ademais, como assinalado no art. 6º do CDC,

uma vez presente a hipossuficiência, deve-se admitir a inversão do ônus da prova, até mesmo,

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pela possibilidade de a parte arcar com a perícia judicial. E a lei determina que basta apenas

que um dos dispositivos esteja presente para que se aplique o referido dispositivo1.

Para entendermos o porquê da inversão do ônus da prova, como bem pondera

Caldeira, mister a alusão ao texto constitucional (2001, n. 38). O caput do art. 5º da

Constituição Federal de 1988, bem como o inciso I desse artigo, preceituam o principio da

isonomia – ou da igualdade – o qual estabelece que todos são iguais perante a lei. Enfim, na

opinião de Caldeira, o fornecedor, no caso o médico, é quem tem as melhores condições de

realizar a prova de um fato, uma vez que a prova está ligada diretamente à sua atividade.

O mecanismo da inversão do ônus da prova disposto no Código de Defesa do

Consumidor está não somente para propiciar uma melhor defesa de tais direitos em juízo, mas

também, para fazer valer efetivamente o princípio da igualdade.

2.3 – HIPOSSUFICIÊNCIA E VEROSSIMILHANÇA.

Quando se fala em hipossuficiência e em verossimilhança, se está como que a

dizer: o que se objetiva em verdade é facilitar a defesa do consumidor em juízo. Se este

dispõe de meios para provar suas alegações, a inversão é de todo desautorizada2.

No entendimento de Caldeira, na verdade não há uma inversão do ônus

probatório, mas a isenção do consumidor/paciente de provar o nexo causal, uma vez que a

contraprova desse nexo sempre ficará ao encargo do fornecedor/médico, que se aplique o art.

6º, VIII, quer não (2001, p. 178). É necessário, no processo, que o julgado chegue o mais

próximo possível da verdade real, ou simplesmente da ‘verdade’, e aqui a grande importância 1 “Enfim, a relação médico-paciente é típica relação de consumo, estando este último amparado por todas as garantias e exclusiva proteção do Código de Defesa do Consumidor”. (VASCONCELLOS, Fernando A. de. A responsabilidade médica no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, mar. 1988, p. 53) 2 “De outro lado, a inversão do ônus da prova, constitui-se em uma modalidade de facilitação da defesa dos direitos básicos do consumidor, devendo somente ser admitida, como ato do juiz, quando forem satisfeitos um dos seus dois pressupostos de admissibilidade: a) for verossímil a alegação; ou b) for o consumidor hipossuficiente”. (MORAES, Voltaire de Lima. Op. Cit., p. 66)

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que se dá aos poderes instrutórios do juiz , pois pacificar conflitos de interesses é o objetivo

da jurisdição que só se perfaz com uma composição justa dos interesses conflitantes. Para

isso, não é suficiente a busca tão somente da verdade formal.

Sintetizando, duas são, portanto, as possibilidades de se inverter o ônus da

prova no caso de uma ação indenizatória em decorrência do chamado erro médico: a

verossimilhança da alegação ou caso seja verificada a hipossuficiência do

consumidor.(ANDRADE, 2003, p. 89).

A primeira situação – da verossimilhança - ou “alegação verossímil”, como

bem pontua Eduardo Cambi, contempla aquelas alegações que realmente trazem um elevado

grau de proximidade da verdade ao juiz da causa. Assim, na hipótese de os fatos alegados

pelo paciente serem acreditáveis, pode o juiz inverter o ônus da prova, de tal forma que ao

médico incumbirá provar a sua inocência. (2005, n. 127, p. 103).

Na segunda hipótese, a inversão do ônus da prova contempla a verificação da

hipossuficiência segundo as regras ordinárias de experiência3, ou seja, os casos em que o

consumidor for a parte mais fraca econômica ou tecnicamente.

Neste ponto, é interessantíssima a afirmação de Caldeira que defende que, no

critério da hipossuficiência, a tese da hipossuficiência técnica seria a mais relevante, pois

muitas vezes o autor não possui o conhecimento suficiente para comprovar o seu direito, já

que não dispõe de subsídios para realizar as provas necessárias. Salienta que a

hipossuficiência econômica é tão absurda quanto insustentável. Afinal, a proteção ao

consumidor não pode ser vista como uma forma de proteção ao mais “pobre”. (2001, n. 38)

É certo que a legislação pretende proteger todos os consumidores, sejam eles

pobres ou ricos, (conhecedores de seus direitos ou não, pois o direito está para todos),

conferindo-lhes uma tutela jurisdicional efetiva. Deste modo, comprovados os requesitos do 3 “Porém, inevitavelmente, a publicidade do erro médico em larga escala altera a intuição do juiz, que, na forma do art. 335 do CPC (regras de experiência), poderá, diante de situações extraordinárias inverter o ônus da prova (art. 6º, VIII da Lei 8.078/90)”. (ZULIANI, 2003, p. 54)

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art. 6º, VIII, da lei 8.078/90, nada impede a inversão do ônus da prova, mesmo quando se

tratar de responsabilidade subjetiva.

Contudo, o grau de convencimento do juiz deve ser elevado para que se

conceda tal benefício ao consumidor, de forma que uma pessoa de grau médio de

conhecimento, diante da exposição fática do caso concreto, possa chegar à mesma conclusão.

É fato que a hipossuficiência técnica é mais freqüente e diz respeito às

informações que o médico passa ao paciente sobre o tratamento a que deverá ser ou a que foi

submetido o consumidor/paciente. (MORAES, 1999, p. 67). Na maioria dos casos, tais

informações são prestadas de maneira extremamente técnica, presumindo-se que qualquer

pessoa relativamente bem instruída seja incapaz de entender tal comunicação4.

2.4 – ASPECTOS RELATIVOS À VULNERABILIDADE.

O legislador brasileiro, tendo constatado a grande diferença de condições entre

o causador do dano e que o sofre, inclusive com relação ao preparo de cada parte e seu acesso

às informações, começa a instituir meios de defesa às partes vulneráveis e de facilitação de

seus direitos.

Segundo Caldeira, para a lei, basta apenas ser consumidor – não importando se

o mesmo é rico, pobre ou ainda milionário – para que se possa considerá-lo vulnerável, frágil.

(2001, p. 175). A vulnerabilidade não se prova e tão menos se questiona; é inerente a todos

os consumidores. Na vulnerabilidade, trata-se de presunção legal absoluta, não se admitindo

prova em contrário, porque assim manda a lei. Por isto, não se pode ser confundida com

4 “Os médicos, na maioria das vezes, sentem-se em posição de superioridade com relação a leigos em medicina, incluindo advogados, magistrados e promotores. Ele parte do pressuposto, parcialmente válido, que, de medicina entende ele, e que não cabe a outrem avaliar o aspecto técnico de suas ações ou omissões”. (VIEIRA, 2000, p. 150).

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hipossuficiência, que significaria um agravamento da fragilidade do consumidor na realização

da prova e de seus direitos.

Portanto, a inversão do ônus da prova é, pois, um dos exemplos mais

importantes no que tange à facilitação de direitos e proteção às partes vulneráveis. Equiparar

as partes é condição essencial para uma aproximação maior da verdade em conflito que gere

indenização por um dano efetivamente causado. Invertendo-se o ônus probatório,

automaticamente a vítima ficará desonerada da prova da causa do dano, ou da culpa do

lesante, incumbindo-lhe tão somente a prova da existência do dano e do nexo causal entre este

e o agente.

2.5 - OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO.

No que tange à prestação de serviços prevista no Código de Defesa do

Consumidor, importante destacar a diferença existente entre obrigação de meio e obrigação de

resultado, pois é comum se encontrar tais modalidades obrigacionais para se diferenciar entre

uma prestação de serviço de outra.

Segundo Theodoro Júnior,

Na obrigação de resultado, o contratante se obriga a alcançar um determinado fim, cuja não consecução importa e descumprimento do contrato. Já na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo (1999, a.88, v. 760, p. 41)

Saliente-se que, em regra, as obrigações eram sempre de meio. As obrigações

de resultado sempre foram exceções. Desse modo, a responsabilidade dos profissionais

liberais era subjetiva, e cabia sempre à vítima provar a culpa do ofensor para ser ressarcida.

Isso não mudou.

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No âmbito do CDC, a distinção entre “obrigações de meio” e “obrigações de

resultado”, passou a ser aplicada na interpretação ao § 4º do art. 14, que trata da

responsabilidade civil dos profissionais liberais.

Contudo, a despeito de se entender que entre o médico e o paciente se

estabelece um contrato de prestação de serviços, isto não quer significar que se está a exigir

do profissional um resultado, mas há de se exigir do profissional que envide todos os recursos

no tratamento do paciente, vislumbrando o restabelecimento da sua saúde. Atualmente, a

doutrina majoritária indica a obrigação médica como obrigação de meio. Nesse sentido,

segundo acentua Bruno Miragem,

não haveria comprometimento do médico (devedor da prestação), com a obtenção do interesse específico do paciente (credor da pretação), o que, se exigível, conduziria à improvável situação de que, na ausência da curva da enfermidade ou com a morte do paciente, estaria caracterizado o inadimplemento. (2007, n. 63).

No entanto, mesmo nas situações em que o contrato estabelecido com o

paciente seja de prestação de serviços, não obstante a natureza do contrato que o profissional

estabeleça com paciente, a culpa do médico somente se dará se o serviço tiver sido prestado

fora dos padrões técnicos.

Aplicar-se-á a responsabilidade subjetiva, constante no § 4º do art. 14 do

Código de Defesa do Consumidor, quando o consumidor se vir diante de uma obrigação de

meio, não sendo possível exigir do profissional contratado o resultado dele desejado.

Nesse caso, haverá de provar a culpa do profissional para que seja ressarcido;

contrariamente, quando estiver diante de uma obrigação de resultado, será aplicada a

responsabilidade objetiva, sem a necessidade de a vítima provar a culpa do profissional,

mesma fórmula utilizada com os demais fornecedores regidos pelo Código de Defesa do

Consumidor.

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Algumas decisões judiciais5 inclinam-se no sentido de não mais utilizar essa

distinção entre obrigações de meio e obrigação de resultado, pelos prejuízos que vem

causando ao consumidor, entendendo que cabe ao profissional liberal, quando decretada a

inversão do ônus da prova, provar que não laborou em equívoco nem agiu com imprudência,

imperícia ou negligência no desempenho de sua atividade.

Da mesma forma, existem decisões judiciais atribuindo obrigação de resultado6

especialmente no que tange à cirugia plástica. Prevalece, contudo, o entendimento de que a

obrigação assumida pelo profissional liberal é de meio, conferindo-se à vítima a prova da

culpa do médico.

Por outro lado, a dificuldade na obtenção de prova robusta ou, ainda,

dificuldades outras encontradas pelas vítimas de uma má prática causam, de certo modo,

desestimula à própria vítima e, pior, um descrédito ainda maior na justiça.

Para Nogueira, “nada justificca o privilégio da responsabilidade subjetiva

nesta lei” e que

a inversão do ônus da prova é um princípio geral do Código de Defesa do Consumidor, e como tal, deve ser aplicado a todos os casos de ressarcimento de danos, inclusive onde impera a teoria subjetiva. As regras insertas nessa lei são de ordem pública e interesse social, não devendo ser modificadas de acordo com o interesse de cada um. São, portanto, normas indisponíveis.(2001, p. 217-218)

Nogueira sintetiza com o seguinte raciocínio:

a melhor maneira de se proteger o consumidor contra os abusos decorrentes é deixando de lado a classificação de obrigação de meio e de resultado, generalizando os casos de responsabilidade como sendo objetiva, conforme, inclusive, ocorre nos

5 “RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA REPARADORA DE MAMAS. Tanto faz tratar-se de obrigação de meio ou obrigação de resultado; se a s mamas da paciente continuam precisando de reparos, é porque foram mal reparadas. Daí responder o cirurgião por perdas e danos diante da sua responsabilidade contratual, embora limitada”. (Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro. Ementa. Ap. Cível 2.984/86. Rel. Des. Sampaio Peres. 30 set. 1986). 6 “RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. Danos causados em razão do ato cirúrgico a paciente saudável que apenas desejava melhorar sua aparência física. Obrigação contratual de resultado que impõe ao profissional da medicina presunção de culpa, competindo-lhe ilidi-la com a inversão do ônus da prova. (REsp. 81.101-PR – 3ª Turma – j. em 13.04.,1999 – Rel. Min. Valdemar Zveiter).

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demais serviços prestados, podendo o fornecedor defender-se quando da inversão do ônus da prova.( 2001, p. 218).

Assim, percebe-se, como objetivo, tornar o direito e a justiça acessíveis a todos

os cidadãos, reaproximando o direito da sociedade civil. Cabe, portanto, aos operadores do

direito viabilizar o acesso à justiça a quem dela necessitar.

2.6 - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL

DO MÉDICO

A lei 8.078/90 (CDC), é de perfeita aplicabilidade aos contratos médico-

paciente ou instituição médica-paciente, porque resultante de uma prestação de serviços.

Com o CDC restaram “classificados” os médicos (profissionais liberais) e

instituições médicas como fornecedores (CDC, art. 3º.) e os pacientes como consumidores

finais da prestação de serviços (CDC, art. 2º.).

Além desta importante definição, consagrou o CDC, em seu art. 14, a teoria da

responsabilidade civil objetiva e inovou ao trazer a inversão do ônus da prova nos casos de

configuração desta espécie de responsabilidade (CDC, art. 6º, VIII e 14). Ressalte-se que a

exceção feita quanto aos profissionais liberais explica-se por ser um contrato intuitu personae

cuja responsabilidade civil é subjetiva, ou seja, necessita da comprovação de culpa do

profissional, não se aplicando às pessoas jurídicas.

Conforme já abordados, os critérios da verossimilhança (alegação que não

repugna a verdade) e da hipossuficiência exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor para

determinar a inversão do ônus da prova, não são suficientes, devendo o magistrado utiliza-los

segundo a sua percepção de quem pode mais facilmente fazer a proa e a sua experiência

adquirida em casos semelhantes. Portanto, a inversão é um direito, e não uma faculdade dada

ao consumidor.

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CAPÍTULO III

A CULPA MÉDICA

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3.1 – CULPA MÉDICA – CONSIDERAÇÕES Para a caracterização da responsabilidade civil, exige-se conduta voluntária, o

dano injusto e o nexo causal. São fatores de atribuição da responsabilidade por dano ao

agente: subjetivos – dolo e culpa; objetivos – risco e equidade. Tais fatores de atribuição

devem ser previstos na lei. A responsabilidade do médico é subjetiva, calcada na culpa stricto

sensu (imperícia, negligência e imprudência).

Para a caracterização da culpa não se torna necessária a intenção – basta a

simples voluntariedade de conduta, que deverá ser contrastante com as normas impostas pela

prudência ou perícia comuns. A culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. Em se

tratando da vida humana, não há lugar para culpas “pequenas”. Agora, porém, a excessiva

desproporção entre o grau da culpa e a magnitude do dano autorizará o juiz a reduzir,

equitativamente, a indenização (art. 944, parágrafo único, do CC brasileiro).

Miguel Kfouri Neto indica a previsibilidade como idéia central da culpa, no

sentido clássico: o antecedente lógico e psicológico da evitabilidade de um resultado

contrário ao direito e não desejado (2010, p. 82). Transcreve a decisão na qual se anotou que

“ a diligência exigível há de determinar-se, em princípio, segundo a classe de atividade

considerada e da cautela que se pode e deve esperar de pessoa normal, razoavelmente

sensata, pertencente à esfera técnica do caso”. Esclarece o autor, ainda, que a culpa é o

elemento mais complicado e de mais difícil estudo, em que pese a simplicidade de sua

acepção vulgar.

A culpa, na doutrina clássica, consiste no desvio de um modelo ideal de

conduta representado às vezes pela boa-fé, outras pela diligência do bom pai de família.

Dolo, conforme o entendimento de GONÇALVES, é a violação deliberada,

consciente, intencional, de um dever jurídico (GONÇALVES, 1986).

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Assevera Miguel Kfouri Neto, a responsabilidade dos profissionais de saúde

funda-se na culpa. A disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender invocar,

de ser o dano um acidente no exercício de sua profissão. O direito exige que esses

profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e

precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes, bens inestimáveis, que

se lhes confiam, no pressuposto de que os zelem. E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-

la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso que a lei repressiva lhe pune as infrações (2010,

p. 82).

3.2 – A CULPA NA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO.

Os julgadores, em geral, são rigorosos na aferição da culpa médica: “a

culpabilidade somente pode ser presumida na hipótese de ocorrência de erro grosseiro, de

negligência ou imperícia, devidamente demonstrados. Se os profissionais se utilizaram de sua

vasta experiência e dos meios técnicos indicados, com os habituais cuidados pré e pós-

operatórios, somente uma prova irretorquível poderá levar a indenização pleiteada. (KFOURI,

2010, p. 82).

Ao aferir a culpa médica, devemos ter presente a advertência do Des. Nogueira

Garcez: “ este é um caso delicado, de difícil solução por envolver questões relativas à ciência

e arte médicas, em que o magistrado, como leigo, há de se apoiar nos dados de comum

experiência, sem se esquecer, porém, do conselho dos entendidos”.(RJTJSP – Lex 76/201,

citado por KFOURI, 2010, p. 84)

Aguiar Dias enfatiza: “ na apuração dessa responsabilidade há que se atender a

estas normas: a) a prova pode ser feita por testemunhas, quando não haja questão técnica a

elucidar; caso contrário, será incivil admiti-la, dada a ignorância da testemunha leiga com

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relação aos assuntos médicos. Por outro lado, sendo a perícia o caminho naturalmente

indicado pelo julgador, é necessário que se encare esse meio de prova prudentemente, atenta a

possibilidade de opinar o perito, por espírito de classe, favoravelmente ao colega em falta; b)

é indispensável estabelecer a relação de causa e efeito entre o dano e a falta do médico que

acarreta reponsabilidade ainda quando o nexo de causalidade seja mediato”.(DIAS, 1980,

citado por KFOURI, 2010, p. 288)

Mas não basta somente a culpa. Deve-se evidenciar, também, o vínculo causal,

que liga o dano à conduta do agente. Nem sempre, porém, nos domínios da responsabilidade

médica, o reconhecimento do nexo de causalidade é tarefa fácil. Os médicos dizem que não

há doenças, há doentes, porquanto dois pacientes, acometidos do mesmo mal e tratados de

modo idêntico, podem apresentar reações absolutamente distintas à terapia: num caso, a cura;

no outro, o agravamento da enfermidade e, até, a morte.

Avulta, portanto, nesses casos, a prova pericial. Incumbirá ao juiz avaliar a

perícia, sopesar as explicações e conclusões dos peritos, examinar-lhes a fundamentação, e

como realça Rodriguez, decidir se deve acatar o laudo não somente porque este provém de

técnicos, mas sobretudo pela força persuasiva das razões submetidas ao crivo analítico,

autônomo e soberano do julgador. (RODRIGUES, p.197, citado por KFOURI, 2010, p. 85).

Mas, todas as provas tem caráter relativo, inclusive a pericial. “Conquanto

revestida de caráter técnico ou científico, a prova pericial pode apresentar defeitos ou

inexatidões como qualquer outro meio de prova, razão por que, de acordo com o princípio da

livre convicção, o juiz poderá desprezar suas conclusões, pois ele é o peritus peritorum.

Não é preciso que a culpa médica seja grave: basta que seja certa. A gravidade

da culpa, agora, refletirá na quantificação da indenização. Além da caracterização do agir

culposo do profissional médico, conducente à obrigação indenizatória, a gradação da culpa

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interferirá na apuração do quantum indenizável, como expressamente prevê o art. 944,

parágrafo único, do CC brasileiro.

Cunha Gonçalves, com precisão, lembra que não se exigirão do juiz, na análise

da culpa médica, aprofundadas discussões científicas. Qualquer juiz medianamente culto e

imparcial poderá responsabilizar o médico que, dentre outros exemplos: a) cometeu erro

material, escrevendo centigrama em vez de miligrama, ou cloreto, quando o certo seria

clorato, advindo conseqüências danosas pela errônea prescrição medicamentosa; b) esqueceu

no corpo do doente instrumentos cirúrgicos ou gaze; c) aproximou um termocautério da pele

do doente ainda úmida de álcool; d) realizou intervenção cirúrgica perigosa apenas para

corrigir imperfeição física que nenhuma influência tinha na saúde do operado, não sendo

sequer avisado de tal perigo.

Cunha Gonçalves atribui maior peso, na valoração da prova, aos depoimentos

das testemunhas que às próprias opiniões científicas dos peritos, muitas vezes contaminados

pelo espírito de classe. (GONÇALVES, 2008, p. 966-967 citado por KFOURI, 2010, p. 87).

O grau de culpa refletir-se-á na quantificação da indenização. Porém,

identificada a conduta culposa - posto que não configuradora de erro grosseiro – abrir-se-á

lugar para a reparação. Pontes de Miranda, consigna: “ o dever de indenização pelo médico

só se pré-exclui se o lesado omitiu, dolosa ou negligentemente, o evitamento do dano, que ele

poderia evitar, e a causa não era do conhecimento, ou não tinha de ser do conhecimento do

médico. (PONTES DE MIRANDA, 1976, p. 438, citado por KFOURI, 2010, p. 87).

No Brasil, para que o ressarcimento do dano oriundo da culpa médica se torne

freqüente, é mister que nossos juízes e tribunais amenizem as exigências para a aferição da

culpa e verificação do nexo de causalidade.

O julgador deve ampliar seus limites ao examinar o conjunto probatório. Os

laudos periciais, muitas vezes eivados de um censurável espírito corporativista, hão que ser

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analisados com objetividade, devendo o juiz avaliar os fatos de modo singelo, através da ótica

da causalidade, mas sem se deixar envolver pelo excessivo tecnicismo da prova.

3.3 – A ANÁLISE DO ERRO MÉDICO.

Os operadores jurídicos e, de modo especial, os aplicadores do direito,

enfrentam enormes dificuldades na verificação da ocorrência de erro médico.

Nas demandas indenizatórias, os advogados demonstram as evidências da má

prática médica, ao passo que os patronos dos requeridos, respaldados em compêndios

científicos e laudos periciais, demonstram que o profissional da medicina não se afastou das

técnicas que a medicina preconiza para o procedimento questionado. (KFOURI, 2010, p. 89-

91).

A experiência forense demonstra que os processos visando à apuração da

responsabilidade médica têm tramitação demasiadamente longa. É recomendável aos juízes

que imprimam especial celeridade a esses feitos, colhendo as provas ainda na flagrância dos

acontecimentos, sendo, portanto, menos sujeitos à contaminação e influências.

Tão logo seja contestada a lide, deve o julgado inteirar-se da questão a ser

elucidada elaborando tão logo os quesitos que submeterá ao perito, juntamente com aqueles

oferecidos pelas partes. Nada impede que o juiz, nessa atividade, recorra ao serviço médico

do próprio Tribunal de Justiça, para assessorá-lo.

Os meios de prova são os usuais: depoimento pessoal do médico (pode ocorrer

confissão), inquirição de testemunhas (mesmo as suspeitas ou impedidas), prova documental,

informes ( notícias veiculadas na imprensa,etc.), inspeção judicial, presunções, prova pericial,

a convicção e o convencimento do juiz. (KFOURI, 2010, p. 91).

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O magistrado, na apreciação da prova, deve considerar o dano, estabelecer o

nexo causal e avaliar as circunstâncias do ato médico sem tergiversações. Prova cabal,

irrefutável, é de dificílima obtenção, nessa matéria.

Por isso, sendo os indícios convincentes, é mister julgar procedente a pretensão

indenizatória. Sopesando-se as condições anteriores do paciente, a conduta médica e a

conseqüência danosa, estabelecer-se-á a culpa.

O julgador deve, nesses casos, abandonar o dogmatismo probatório e se deixar

guiar por maior percentual de senso comum. Em síntese, deverá, conforme o caso, sobrepor-

se a laudos periciais, livrando-se do ranço classista e decidir, até, contra eles.

3.4 – A CULPA STRICTO SENSU.

A culpa stricto sensu não se confunde com o dolo. Age culposamente aquele

que não observa um dever de cuidado, causando um resultado danoso não querido ou

esperado. Age dolosamente aquele que busca diretamente e conscientemente a realização de

um fim com intenção de prejudicar direito alheio. (SCHAEFFER, 2010, p. 44)

A culpa pode ser consciente, quando o sujeito prevê o resultado, mas espera

que este não aconteça, ou, inconsciente, quando o sujeito não prevê o resultado embora este

fosse previsível.

Delmanto gradua a culpa da seguinte

Tradicionalmente, a culpa vem graduada em grave, leve ou levíssima, conforme a maior ou menor previsibilidade do resultado e da maior ou menor falta de cuidado objetivo por parte do sujeito. Da culpa levíssima dificilmente pode decorrer a responsabilidade penal, pis inexiste quando o sujeito tomou os cuidados objetivos de que era capaz. Restará, porém, a responsabilidade civil do agente. (DELMANTO, 1998, p. 32, citado por SCHAEFFER, 2010, p. 44)

Em resumo, é grave a culpa quando , embora o autor não quisesse o resultado

danoso, comportou-se como o tivesse querido. Será leve a culpa decorrente da falta de

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diligência média, ou seja, aquela que um homem normal observaria em sua conduta. E,

finalmente, é levíssima a falta resultante de uma conduta que foge dos padrões medianos, ma

que seria evitada se houvesse um cuidado especial.

São três as modalidades de caracterização da culpa médica: negligência,

imprudência, e imperícia (conforme art. 951 do Novo Código Civil), observada pelos juízes

brasileiros. Agindo com Culpa, independente da modalidade e da gravidade, deverá o médico

reparar o dano que provocou. (SCHAEFFER, 2010, p. 44-45).

A negligência médica – conforme Genival Veloso de França- caracteriza-se

pela inação, indolência, inércia, passividade. É um ato omissivo. O abandono do doente, a

omissão de tratamento, a negligência de um médico pela omissão de outro (um médico,

confiando na pontualidade do colega, deixa o plantão, mas o substituto não chega e um

doente, pela falta de profissional, vem a sofrer graves danos), mais: a letra do médico (

receita indecifrável – em geral vê-se que os médicos têm letra ruim - , levando o farmacêutico

a fornecer medicação diversa da prescrita) também conduz a responsabilidade por

negligência: deve-se prescrever à máquina ou de forma legível e sempre com cópia.

(FRANÇA, 1997, citado por KFOURI, 2010, p. 94).

A imprudência é a descautela, descuido, prática de ação irrefletida ou

precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e devia pressupor,

ou ainda, quando o médico age com excesso de confiança desprezando regras básicas de

cautela. São situações em que o médico atua sem a devida precaução, e que acabam por expor

o paciente a riscos desnecessários. Normalmente a imprudência caracteriza-se por um fare

(ato comissivo), enquanto que a negligência se caracteriza por um non fare (ato omissivo).

Assim, é imprudente, por exemplo, quem opera um paciente sem preparo adequado ou quem

diagnostica ou prescreve medicamento por telefone (Código de Ética Médica – arts. 39 e 62);

quem efetua procedimentos sem esclarecimento e consentimento prévio do paciente ou de seu

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responsável, salvo iminente perigo de vida (Código de Ética Médica – art. 46); quem

desrespeita a dignidade humana, assumindo um risco que deveria ser compartilhado como

paciente e com a sociedade, não esclarecendo novas técnicas ou pesquisas que no paciente

serão utilizadas (Código de Ética Médica, art. 123).

A imperícia (do latim imperitia) é a falta prática ou ausência de conhecimento

que se mostram necessários ao exercício de uma profissão ou de uma arte. É a ignorância,

incompetência, desconhecimento, inexperiência, inabilidade, imaestria para a prática de

determinados atos, no exercício da profissão, que exigem um conhecimento

específico.(SCHAEFFER, 2010, p. 47). Assim, quando o médico delega atos a pessoas não

habilitadas para exercer a medicina, ou é conivente com atos médicos ilícitos, resta

configurada a imperícia (Código de Ética Médica, arts. 30 e 38). Também há imperícia do

próprio médico, que, muitas vezes, se confunde com a imprudência e, embora entendam

alguns autores que não pode ser imperito o médico diplomado, entende-se ser plenamente

possível a atribuição de imperícia ao médico que, por exemplo, não era especialista em

determinada área e mesmo assim atendeu pacientes, agindo como se fosse especialista. Não

era mera incapacidade para a realização daquele ato, mas imperícia por não conhecer

especificamente a especialidade em que resolveu atuar.

Os limites entre imprudência, imperícia e negligência são extremamente

tênues,, podendo haver casos em que acabem interligadas ou confundidas, tendo por resultado

o início de uma ação penal e/ou de uma ação cível. Por isso, conclui KFOURI “para a

caracterização da culpa não se torna necessária a intenção, basta a simples voluntariedade

de conduta, que deverá ser contrastante com as normas impostas pela prudência ou perícia

comuns”.( 1996).

Enfim, deve o julgador reconstruir os fatos com os elementos que a ele foram

entregues pelas partes, não bastando a simples observação dos aspectos e conceitos legais que

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envolvem o caso concreto. Sempre, tendo em mente que ao demonstrar a culpa do

profissional médico, deve-se, conjuntamente, evidenciar claramente o nexo de causalidade

entre esta e o dano sofrido pelo paciente porque, inexistindo o nexo causal, não se pode falar

em responsabilização do profissional.

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CAPÍTULO IV

ÔNUS DA PROVA

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4.1 - A PROVA NO PROCESSO - DEVER, ÔNUS E OBRIGAÇÃO. Durante o decorrer da vida, vários fatos surgem a todo momento, fazendo com

que o ser humano desenvolva relacionamentos interpessoais neste período. Em decorrência

de tais fatos, podem surgir conflitos, e alguns deles poderão ser levados ao judiciário.

Segundo Leite, o direito não se realizaria se os fatos pensados na norma não ocorressem na

realidade e se fosse impossível sua demonstração à autoridade judiciária. (LEITE, 1995, p.

234, citado por SALAMACHA, 2008, p. 23).

Sob um enfoque mais direto, pode-se afirmar que de nada valeria a ordem

jurídica se o titular de um direito dela não encontrasse contemplada a possibilidade de garantir

o seu exercício. O exercício de um direito ocorre através de uma ação que se materializa em u

processo, no qual as partes têm a oportunidade de demonstrar seu direito.

O processo, por sua vez, envolve a demonstração de fatos, o que é feito através

de provas. Para Niess,

a prova, portanto, interfere diretamente no reconhecimento do direito. Assim sendo, a produção processual da prova deve ser perseguida sempre, e somente desprezada quando inútil ou desnecessária, porque dela depende a correta aplicação do direito, não se fazendo substituir por regras processuais que devem atuar subsidiariamente, em face da irreparável omissão dos interessados. (NIESS, 1991, p. 22, citado por SALAMACHA, 2008, p. 23-24). Provar, nada mais é do que estabelecer a demonstração inequívoca de um fato, o que se faz através de diversos meios (cada um chamado prova) capazes de comunicar a outrem a certeza sobre a ocorrência deste fato (prova, como resultado da ação de provar. (LEITE, 1995, p. 234, citado por SALAMACHA, 2008, p. 24).

Desse modo, a busca da verdade no processo é obtida mediante a prova que

influenciará na convicção do julgador sobre os fatos alegados. Tais fatos chegarão ao

conhecimento do julgador através dos meios de prova admitidos pelo Direito, conforme

estabelece o art. 332 do Código de Processo Civil.

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Segundo Chiovenda, provar significa formar a convicção do juiz sobre a

existência ou não de fatos relevantes no processo”(CHIOVENDA, 2000, p. 109, citado por

SALAMACHA, 2008, p. 24) . Prova, portanto, salientam Wambier, Almeida & Talamini, “é

o modo pelo qual o magistrado toma conhecimento dos fatos que embasam a pretensão das

partes. (...) Assim, conceitua-se prova como instrumento processual adequado a levar ao

conhecimento do juiz os fatos que envolvem a relação jurídica objeto da atuação

jurisdicional”.( WAMBIER, 1999, p. 479, citado por SALAMACHA, 2008, p. 24).

Do princípio da igualdade processual, consignado na Constituição Federal em

seu artigo 5º, caput, e em seu inciso I, juntamente com o disposto no artigo 125, I, do Código

de Processo Civil , denota-se que às partes devem ser dadas as mesmas oportunidades em

juízo para fazerem valer suas razões. Daí tem-se o valor da figura do magistrado, que, em

outros tempos, “atuava como um espectador da atividade probante das partes, sem interferir

na iniciativa e condução da prova”.(SALAMACHA, 2008, p. 25).

As questões relativas ao ônus da prova e a sua inversão não são pacíficas,

principalmente diante do príncipio dispositivo que encerra o entendimento de que o juiz pode

dar-se por satisfeito, quanto à instrução do feito, com as provas produzidas pelas partes.

Segundo Eduardo Alvim, “a atividade do juiz, quando determina a produção de provas, deve

ser sempre subsidiária” (ALVIM, 1998, p. 515, citado por SALAMACHA, 2008, p. 26).

Assim posto, significa dizer que o magistrado não deve suprir com sua atividade as omissões

das partes, acarretando um tratamento desigual a elas.

Os autores costumam distinguiras expressões ônus e dever ou obrigação. Na

opinião desse autor, o ônus da prova não se confunde com dever ou obrigação processual,

pois ninguém é obrigado a provar o que alega em juízo. As partes têm o ônus de provar em

seu próprio benefício; as provas de suas alegações irão fornecer ao juiz os meios idôneos para

que ele possa, então, formar sua convicção sobre os fatos. (SALAMACHA, 2008, p. 27).

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Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier,

Provar, assim como recorrer ou contestar, consiste num ônus, ou seja, consiste num atividade que deve ser desempenhada pela parte, para o seu próprio bem. Já o ônus difere da obrigação, porque esta é exigível, não o sendo aquele. Esta é passível de ser convertida em pecúnia, não o sendo aquele. Quando o obrigado cumpre um obrigação, o beneficiado é aquele que se encontra no outro pólo da relação jurídica. Exatamente ao contrário, ocorre quando se estiver diante de um ônus. (WAMBIER, 1994, p.142, citada por SALAMACHA, 2008, p. 27).

João Batista Lopes assinala que “ por ônus deve-se entender a subordinação

de um interesse próprio a outro interesse próprio; já obrigação é a subordinação de um

interesse próprio a outro alheio. No ônus há a idéia de carga, e não de obrigação ou

dever”. ( LOPES, 2002, p. 38, citado por SALAMACHA, 2008, p. 28).

Segundo Eros Roberto Grau, “ o dever há de ser compulsoriamente cumprido,

sob pena de sanção jurídica – o seu não atendimento configura comportamento ilícito; a

obrigação supõe uma situação de dever, em que se coloca o devedor”. Conclui o autor que –

tal como o dever - na obrigação, o cumprimento da prestação pelo devedor importa em

atendimento de interesse alheio, isto é, do credor. Uma vez não cumprida a prestação pelo

devedor, este será juridicamente sancionado. Por outra ponta, ônus, para o mesmo autor, “ é

um vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse”.( EROS GRAU,

1982, p. 54-55, citado por SALAMACHA, 2008, p; 28)

Depreende-se que o descumprimento do ônus não acarreta sanção jurídica para

o sujeito, ao passo que não cumprir um dever ou uma obrigação acarreta sanção jurídica para

o sujeito. Segundo leciona José Frederico Marques “ o ônus não se confunde com a

obrigação. Nesta, o mandamento legal é imposto em função de um interesse alheio, pelo que

o obrigado não pode escolher entre cumprir ou não a obrigação. O interesse do obrigado

subordina-se ao interesse de outrem, imposto mediante sanção”. Portanto, uma vez

descumprido um ônus, o sujeito deverá arcar com as conseqüências que lhe advierem.

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4.2 – ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO CIVIL.

No processo civil, as partes invocam fatos dos quais surgem e nascem

pretensões acerca das quais o julgador irá respalda sua decisão. Fundamental, portanto, o

estudo do ônus da prova no Processo Civil, conforme afirma Voltaire de Lima Moraes. Ainda

segundo esse autor, “ quando o legislador estabelece o ônus da prova ficará, numa

determinada situação, a cargo do autor, não significa que o réu não possa apresentar prova

a respeito. Significa, isto sim, que em não sendo apresentada tal prova, o autor assume as

conseqüências decorrentes da não-comprovação daquilo que pretendia provar”( MORAES,

1999, p. 64, citado por SALAMACHA, 2008, p. 35).

A prova interessa a todos os envolvidos no processo, vale dizer, às partes, aos

advogados e ao juiz, pois dependem da prova de um determinado fato para alcançar os seus

objetivos no processo. Nesse sentido, assim se posiciona Pelegrinni, afirmando que às partes,

o seu direito; aos advogados, a vitória; ao juiz, a certeza de suas pretensões. Para o autor,

muito embora as partes estejam incumbidas deste ônus, isto não quer significar a imposição

de uma obrigação de provar. Para o juiz, independe de quem produziu a prova de

determinado fato, pois, para a formação da convicção do julgador, basta que o fato se

encontre demonstrado. ( PELEGRINI, 1979, a.6, v.6, citado por SALAMACHA, 2008, p. 36).

Não havendo produção probatória, fica o juiz atado para proferir sua decisão e

ele não pode deixar de decidir. Daí a importância das regras do ônus da prova.

Importante destacar que as considerações acerca do ônus da prova significam,

em verdade, que a parte assume o risco de não trazer a prova para o processo. A regra do

ônus da prova indica quem deve evitar que falte prova, vale dizer, quem arcará com a falta da

prova de determinado fato no processo.

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A distribuição do ônus da prova estará sempre ligada ao caso concreto. Silva

afirma que “a distribuição do ônus da prova é casuística, estando sempre e estreita

correlação com o que se alega”. (SILVA, 2003, p. 56, citado por SALAMACHA, 2008, p.

37).

Segundo Alfredo Buzaid, “à primeira vista parece mais equitativo que o autor

prove o que pretende, porém indubitavelmente se exigem certas provas do réu, porque se eu

reclamo um crédito e ele responde que já pagou a importância, está obrigado a provar este

fato”. No “direito romano, o fato afirmado pelo autor, por este devia ser provado; se o réu

oferecesse uma exceção de pagamento, ao réu cabia fazer a prova de sua afirmação, porque

tais fatos jurídicos tendiam a modificar ou extinguir a obrigação”. (BUZAID, 1972, p. 52,

citado por SALAMACHA, 2008, p. 38).

Para Hélio Márcio Campo, o que os processualistas modernos procuram é,

através da doutrina clássica e dos critérios oriundos do direito romano, encontrar uma regra

geral para a distribuição do ônus da prova. Em suas palavras, “o critério da distribuição do

ônus da prova resulta no interesse que tem a parte em produzí-la”. (CAMPO, 1994, p. 48,

citado por SALAMACHA, 2008, p. 39).

Através de uma passagem célere pelas idéias fundadas nas teorias

processualísticas modernas, analisadas por Alfredo Buzaid, observa-se, pela Teoria de

Chiovenda,

O autor deve provar os fatos constitutivos, isto é, fatos que normalmente produzem determinados efeitos jurídicos; o réu deve provar os fatos impeditivos, isto é, a falta daqueles fatos que normalmente concorrem com os fatos constitutivos, falta que impede a estes produzir o efeito que lhes é natural. Outras formulações ou coincidem com esta ou são inexatas. ( SALAMACHA, 2008, p. 40).

Da Teoria de Carnelutti, extrai-se que o fenômeno do ônus da prova se refere

aos riscos da prova ausente ou deficiente. Carnelutti critica Chiovenda fundamentando que o

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interesse pela prova é bilateral e não unilateral como defende este, na medida em que, ao

afirmar um fato, ambas as partes tem interesse em fazer a prova, um a respeito da

inexistência e o outro da existência do fato. Para Carnelutti, quem propõe uma demanda tem

o ônus de provar os fatos constitutivos, enquanto que quem propõe uma exceção, tem o ônus

de provar os fatos extintivos e as condições impeditivas ou modificativas.

Pela Teoria da Betti, depreende-se que o interesse da prova é bilateral. Mas

Betti apresenta crítica à Carnelutti ao afirmar que o interesse é em menor medida do que a

posição defendida por este.

Com efeito, o réu tem interesse em afirmar a inexistência dos fatos afirmados pelo autor, mas enquanto este não provar a sua existência, aquele não tem o ônus de provar a sua afirmação (inexistência do fato). Assim, em substituição ao interesse à afirmação, Betti sustenta que o critério válido para a distribuição do ônus da prova repousaria no ônus da afirmação (SALAMACHA, 2008, p. 41).

Efetuada a análise das várias teorias que visam estabelecer os critérios de

distribuição do ônus da prova, é oportuno verificarmos o que prevê a legislação brasileira a

respeito do tema.

O art. 333 do Código de Processo Civil dispõe que “o ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de

fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

Segundo Alfredo Buzaid,

o direito processual brasileiro adota como regra geral a de que os fatos constitutivos devem ser provados pelo autor; não se atribuindo à revelia o efeito de dispensa-lo do ônus nos casos expressamente previstos no Código, em relação aos quais a falta de contestação acarreta o acolhimento do pedido, desde que concorram os requisitos de admissibilidade da ação. (SALAMACHA, 2008, p. 42).

Assim, com o artigo 333 do CPC o ordenamento jurídico brasileiro adotou

expressamente as teorias formuladas com base na natureza dos fatos e na posição das partes

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em juízo, ou seja, seu fundamento está principalmente nas Teorias de Chiovenda, Carnelutti e

Betti.

4.3 – A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

O art. 333 do Código de Processo Civil estabelece que o ônus da prova

incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de

fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. ( SALAMACHA, 2008, p. 63).

Os fatos constitutivos são os fatos que dão vida ao direito, que fazem nascer

uma relação jurídica. São os fatos que geram o direito postulado pelo autor, e que ao serem

demonstrados, levam à procedência do pedido. Fato constitutivo é aquele acontecimento que

fundamenta o direito do autor, como, por exemplo, a existência de um contrato de prestação

de serviços médicos. (WAMBIER e TALAMINI, 1999, v. 1)

São ditos fatos modificativos quando demonstram alteração daquilo que foi

expresso no pedido, aquele fato que transforma uma relação jurídica, isto é, fatos que têm

força de modificar a eficácia jurídica já produzida por essa relação, como, por exemplo, a

transmutação de um contrato de prestação de serviços médicos ginecológicos para serviços

médicos obstétricos.

São fatos impeditivos aqueles cuja ausência é fundamental para a eficácia

jurídica dos fatos constitutivos e cujo concurso impede a produção de seus efeitos ou, ainda,

que obstam um ou algum dos efeitos que naturalmente decorreriam da relação jurídica, como,

por exemplo, a ilegitimidade da parte em buscar a tutela jurisdicional em face de um erro

médico. (WAMBIER e TALAMINI, 1999, p. 487).

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Em face da abordagem do ônus da prova no Código de Processo Civil, mister

definir-se prova. Ao buscar uma definição para a questão, Lima pontua “que a palavra prova

vem do latim probatio (do verbo probare, probo, as, are) tendo por significado: prova

(provar), verificação (verificar), exame (examinar), argumento, razão, aprovação,

confirmação, demonstrar, julgar, aceitar, estimar”. Conclui a autora que provar,

judicialmente, é convencer o juiz acerca da veracidade ou não do que é alegado pelas partes

no processo, visando à solução da lide. (LIMA, 2003, p. 204-205, citado por SALAMACHA,

2008, p. 65).

Provar é, portanto, comprovar um fato ou um direito alegado. É o modo, ou

seja, a forma de, através de fatos, demonstrar ao juiz a sua ocorrência, para que ele possa ter a

certeza de que os fatos realmente aconteceram. Para que o juiz possa formar sua convicção, o

autor deve comprovar suas alegações. Deve comprovar a existência de seu direito nos moldes

do Código de Processo Civil, em seu artigo 333, inciso I. Se o autor não procede desta

maneira, pode ter sua pretensão rejeitada. Ao réu, o disposto no inciso II do artigo 333.

Afirma Dall´Agnol Júnior que o artigo 333 do CPC não pode ser interpretado

isoladamente, mas com as demais regras e princípios que informam o processo civil

contemporâneo. O processo, segundo o autor, se desenvolve por impulso do juiz (CPC, art.

263), a quem se conferem poderes de iniciativa probatória (CPC, art. 130). Desse modo, é

dever do juiz comportar-se com dinamismo, de odo a envidar todos os esforços para que o

lítigio se resolva, inclusive utilizando-se da regra contida no artigo 130 do CPC, visando a

obviar a prova insuficiente (AGNOL JÚNIOR, 2001, p. 20, citado por SALAMACHA, 2008,

p. 65).

Dessa forma, percebe-se a importância dos poderes instrutórios do juiz, é

através da prova, e com base nela, que o juiz formará o seu convencimento, para

posteriormente proferir uma sentença.

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Através da atual sistemática processual civil, a única possibilidade de inversão

do ônus da prova no Código de Processo Civil, segundo afirma Sandra Santos, está contida no

parágrafo único do art. 333. A autora esclarece que se trata de matéria relativa à distribuição

do encargo de provar, pactuada pelas partes, alterando a ordem prevista em lei (SANTOS,

2002, citado por SALAMACHA, 2008, p. 67).

4.4 - O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Atualmente, as relações entre as pessoas se intensificaram, e destas relações

muitas vezes surgem inevitáveis conflitos, tanto na esfera civil quanto na esfera penal e,

especialmente, na esfera consumerista. (SALAMACHA, 2008, p. 69).

Assim, o juiz tem em suas mãos uma nobre tarefa, qual seja, a de dar clareza

no sentido de aplicação da lei. Tanto é assim que, diante das normas, pode o magistrado

eleger a que considere a mais adequada para o caso concreto. Quer-se um processo civil de

resultados, de modo a facilitar a sua interpretação à luz dos princípios constitucionais.

A entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor causou um impacto

na ordem jurídica nacional. Em verdade, surgiu para concretizar a busca da própria sociedade

civil por uma Lei incorporada à realidade e necessidade dos cidadãos.

Anota Catalam que o Código de Defesa do Consumidor veio para realmente

assegurar aquele que se encontra no lado mais fraco da relação (CATALAM, 2007, p. 26,

citado por SALAMACHA, 2008, p. 71). A Constituição Federal de 1988 ampliou as

garantias do cidadão, principalmente nas relações de consumo, uma vez que, nas

Constituições anteriores, não se encontra qualquer menção à elaboração de lei de proteção ao

consumidor, que só veio a ocorrer na Constituição de 1988, que foi a semente para o Código

de Defesa do Consumidor, concebido para tratar das relações jurídico/negociais entre

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consumidores e fornecedores, assegurando o necessário equilíbrio e vedando abusos entre

estes.

4.4.1 – A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor.

Inverter, etimologicamente falando, vem do latim invertere e significa “mudar

a ordem de” , ou seja, dispor de maneira contrária ao normal. Desta forma, afirma Lucon que,

quando se fala em inversão do ônus da prova, em verdade, em determinadas situações, o

legislador dispensa a parte de fazer prova de algum fato por ela alegado (LUCON, 1999, p.

114, citado por SALAMACHA, 2008, p. 75)

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, caput, inc. VIII –

“são direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive

com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,

for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiência”. Afirma, portanto, o autor, que o ônus da prova no Código de Defesa do

Consumidor representa um grande avanço. No entanto, deve-se levar em conta os critérios

“da verossimilhança das alegações aduzidas pelo consumidor em juízo”;.

Fundamental, portanto, a prudência, a cautela, o zelo no agir processual, pois o

juiz julgará conforme o alegado e provado pelas partes. Como adverte Betti, “a atividade das

partes no curso do processo é livre, mas a liberdade é acompanhada de auto-

responsabilidade, diante do risco representado por conseqüências desvantajosas que podem

advir de sua conduta incauta”.

Para José Rogério Cruz e Tucci, a inversão do ônus da prova prevista no

Código de Defesa do Consumidor tem o intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reservando

ao juiz o poder de dispensar o autor de provar o fato constitutivo de seu direito quando, à sua

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ótica, entender que tal fato possa ser reputado verossímil ou o autor seja hipossuficiente

(TUCCI, 1991, p. 35, citado por SALAMACHA, 2008, p. 77).

Cabe, portanto, estabelecer com clareza os conceitos de verossimilhança,

hipossuficiência e vulnerabilidade.

A verossimilhança se caracteriza pela forte probabilidade de que a alegação

seja verdadeira, em conformidade com as regras de experiência comum, de modo a justificar a

formação de presunção judicial do fato alegado. Uma vez faltando prova que demonstre a

inexistência do fato presumido, prevalece a presunção. Neste caso, não há a inversão do ônus

da prova.

A idéia de hipossuficiência está ligada ao acesso à informação, pois muitas

vezes, apenas o fornecedor de produtos ou serviços é quem tem conhecimento e dispõe da

prova. Sendo, portanto, detentor do conhecimento, tem o ônus de produzi-la, suportando as

conseqüências de sua omissão.

A vulnerabilidade, segundo entendimento de Benjamim,

É um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos, justificando a existência do código. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes dá condições de avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo. (BENJAMIN, 2001, p. 325, citado por SALAMACHA, 2008, p. 79).

Segundo Benjamim, “ o consumidor é reconhecidamente, um ser vulnerável no

mercado de consumo. Porém, entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja

vulnerabilidade é superior à média. Para ele, “a vulnerabilidade é um traço universal de

todos os consumidores, já a hipossuficiência é marca pessoal limitada a alguns ou até

mesmo a uma coletividade, mas nunca a todos os consumidores”(BENJAMIM, 2001, p. 325,

citado por SALAMACHA, 2008, p. 79).

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É verdade, ainda, que o inc. VIII do art. 6º do CDC determina que fica a

critério do juiz a inversão do ônus da prova, isto é, o juiz poderá inverter o ônus probandi ou

não, conforme seu entendimento, sua convicção a respeito da verossimilhança das alegações

do consumidor ou de sua hipossuficiência.

Para Carlos Roberto Barbosa Moreira, a inversão do ônus da prova não é

automática, uma vez que depende de um ato do juiz, o qual a determinará acaso se lhe

apresentem as condições que a lei menciona (vale dizer, CDC, art. 6º, VIII) –

(SALAMACHA, 2008, p. 80).

E essa idéia de prevenção é perfeitamente aplicável nas relações a envolver o

médico e o paciente, valendo tanto para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas.

Contudo, vale lembrar que, caso não haja decisão judicial ordenando a inversão

do ônus da prova, vigorarão as regras gerais do código de processo civil. Não se deve olvidar

que a inversão do ônus da prova poderá ser determinada tanto por requerimento da parte como

ex officio, pois é norma de ordem pública.

Desta forma, cabe aos operadores do Direito tirar o melhor proveito deste

grande diferencial que hoje envolve o campo probatório, e cabe ao Direito, no entanto, manter

a ordem no mercado de consumo, assegurando a estabilidade político-socioeconômica, como

bem coloca Nogueira (SALAMACHA, 2008, p. 82).

4.4.2 – O Momento da Inversão do Ônus da Prova.

Muito embora se entenda que deve o juiz optar pela inversão do ônus da prova

somente na sentença, existem posicionamentos doutrinários entendendo que também poderá o

juiz inverter o ônus da prova em outros momentos processuais, como quando do despacho

saneador ou quando da instrução do processo.

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Nas relações de consumo, o consumidor é considerado a parte mais fraca e,

deste modo, a Lei 8.078/90 tem por escopo a sua proteção. Uma vez que o juiz considere

verossímil a afirmação feita pelo consumidor ou conclua ser este hipossuficiente, deverá

inverter o ônus da prova.

Bedaque salienta que, há quem sustente ser o momento adequado o do

despacho saneador e, por outra ponta, há quem sustente ser o da sentença. No entanto, para o

autor, as regras de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, uma vez que são

dirigidas ao juiz. Logo, devem ser levadas em conta pelo juiz apenas no momento de decidir

(BEDAQUE, p..47, citado por SALAMACHA, p.84).

Em posição contrária, Antonio Gidi sustenta que “a oportunidade propícia

para a inversão do ônus da prova é em momento anterior à fase instrutória. Do momento em

que despacha a inicial até a decisão do saneamento do processo, o magistrado já deve dispor

de dados para se decidir sobre a inversão”. Deste modo, a atividade instrutória já inicia com

as cargas probatórias transparentemente distribuídas entre as partes. (SALAMACHA, 2008, p.

84-85).

Dos ensinamentos de Carlos Roberto Barbosa Moreira destaca-se que o

momento da inversão do ônus da prova é o que antecede a fase instrutória. Integra este autor

a parte da doutrina que entende ser o momento correto para a inversão do ônus da prova

aquele que antecede a instrução, ou seja, o da decisão declaratória de saneamento. (

SALAMACHA, 2008, p. 85).

Ocorre, entretanto, em muitos casos, que as partes não conseguem produzir

provas suficientes para levar ao juiz a certeza necessária para o julgamento. Então, o ônus da

prova servirá como regra de julgamento para o juiz que se depara com um quadro de incerteza

no momento de julgar. É sabido que o consumidor, em muitos casos, não tem acesso às

informações sobre as quais incidiria todo o seu empenho para a prova dos fatos alegados. Isso

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significa dizer que, uma vez que o juiz não atinja suficiente convicção sobre a realidade dos

fatos, deve proceder à inversão do ônus da prova.

Porém, uma vez esgotada toda a atividade probatória e ainda não tendo o

magistrado formado uma convicção para decidir a causa, deve, no momento da sentença,

proceder à inversão do ônus da prova.

4.5 – A TEORIA DA CARGA PROBATÓRIA COMPARTILHADA E CARGA

PROBATÓRIA DINÂMICA.

O art. 333 do Código de Processo Civil dispõe que “ O ônus da prova incumbe:

I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato

impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (SALAMACHA, 2008, p. 42).

Assim, conforme a posição das partes em juízo e a natureza dos fatos a serem

provados, o ônus de provar poderá ser do autor ou do réu, conforme determina o artigo 333,

do CPC.

Mas, existem casos em que o ato de provar se apresenta extremamente difícil,

seja para o autor ou para o réu. Nestes casos, entende Miguel Kfouri Neto (2002), que o

sistema deverá ser modificado, podendo o Juiz avaliar quem se encontra em melhores

condições de provar. O médico, por exemplo, não poderá se omitir de cumprir seu dever de

informação, deverá trazer aos autos toda a documentação relativa à prestação de seus serviços

tais como história clínica, observações, tudo o que dispuser. Trata-se, portanto, da Carga

Probatória Compartilhada, ou seja, a atribuição da prova caberá a quem estiver em melhores

condições de provar.

No caso da Carga Probatória Dinâmica, esta consiste no deslocamento da

posição da parte, em relação ao ônus da Prova. As regras que determinam tais posições, no

processo, quanto à prova, em geral são imutáveis, ao longo da demanda. No entanto, por

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decisão do juiz, tais posições podem variar – e o sistema deixa de ser pétreo, para se tornar

dinâmico ( KFOURI, 2002, p. 137).

Por essa concepção dinâmica observa-se uma mobilidade da carga probatória

para se adaptar a casos particulares. Assim, assume relevo a idéia de solidariedade e

colaboração das partes na etapa probatória do processo, sem sujeição à regras rígidas, que

fazem recair todo o peso num ou noutro demandante (KFOURI, 2002, p. 138). Assim, quem

alega negligência, como fundamento da pretensão indenizatória, deve prová-la. Admite,

todavia, que nos julgamentos de má prática tem-se temperado esse critério rigoroso, mediante

diversos argumentos, como a admissão de presunções, tendo em conta as dificuldades

probatórias que recaem, com freqüência, sobre os pacientes.

A teoria das cargas probatórias dinâmicas constitui uma exceção à norma legal

de distribuição do ônus da prova, utilizável apenas quando regras legais que disciplinam o

encargo probatório se mostrarem manifestamente inadequadas ao estabelecimento da verdade

(KFOURI, 2002, p. 138).

A carga probatória deve ser imposta, em cada caso concreto, àquela das partes

que possa aportá-las com menos inconvenientes, ou seja, menos demora, humilhações e

despesas. O paciente, geralmente, se vê em situação difícil para provar a culpa do médico. No

sistema tradicional das obrigações de meios, o demandado não necessita provar caso fortuito

– basta demonstrar que não houve culpa de sua parte. Havendo dificuldades para o paciente,

pode o juiz determinar que o paciente prove alguns fatos e que o médico, a seu turno, prove

aqueles que lhe sejam mais fáceis de comprovar ( KFOURI, 2002, p. 140).

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CAPÍTULO V

OS CONSELHOS DE MEDICINA

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Os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) foram criados pela Lei 3.268 de

30.09.57. São, os Conselhos, autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público,

com autonomia administrativa e financeira destinadas à fiscalização do exercício da profissão

médica e apreciação dos assuntos atinentes à ética profissional em todo o território brasileiro.

São órgãos disciplinadores e julgadores do exercício ético profissional (SCHAEFFER, 2010,

p. 51).

Além de órgãos fiscalizadores do exercício da profissão médica, constituem-se

também de Tribunais Éticos, instância especial exclusiva, onde são encaminhados os pleitos

ajuizados contra a má relação do médico com o paciente, com os seus familiares e com a

sociedade, numa possível reparação do direito violado, através da instauração de um processo

disciplinar.

Devem zelar pelo prestígio da profissão dos médicos. Têm poder de polícia, o

qual objetiva regulamentar e controlar as ações médicas. São, portanto, Tribunais de Ética

subordinados aos Conselho Federal de Medicina (CFM) cuja jurisdição é nacional

(SCHAEFFER, 2010, p. 51).

Um dos maiores problemas da atualidade brasileira é o atendimento deficitário

do sistema essencial de saúde. Alimentação, saneamento, educação, condições de habitação

influenciam nas condições que determinam o estado de saúde de uma população. Os

conselhos devem, portanto, ser também instrumentos de defesa desses interesses sociais e não

atuar somente na defesa dos interesses corporativos, zelando pela qualidade dos serviços de

saúde em geral e pelo desempenho técnico da profissão. Têm por missão fundamental a

manutenção dos compromissos da Medicina.

Assim, cabe aos Conselhos promover os meios necessários para que se possa

oferecer à população o acesso universal aos serviços de saúde, independente do poder público.

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Aos Conselhos cabe a fiscalização da qualidade dos serviços prestados, podendo cobrar das

autoridades competentes a melhoria destes serviços.

Atualmente, também se atribui aos conselhos uma função científico-cultural,

da qual resultam diversos convênios com as instituições de ensino e de aprimoramento

cultural em nível de graduação e pós-graduação, como o de promover a qualidade da

formação cientifica e elevação do nível técnico cultural dos profissionais médicos.

Cumprindo pelo dever primordial de zelar pela profissão, recebem os CRMs

reclamações de usuários de serviços médicos, hospitalares e ambulatoriais, e sobre elas devem

tomar diversas providências.

Para apurar tais denúncias são instaurados procedimentos administrativos

chamados processos ético-profissionais (resolução CFM 1.464/96). Aos procedimentos

instaurados nos Conselhos são garantidos os direitos constitucionais de ampla defesa,

contraditório e do livre acesso aos autos, entre outras garantias, obedecendo sempre a

princípios como os da legalidade, oficialidade e supremacia do interesse público.

Os conselhos são formados por quarenta médicos eleitos conselheiros a cada

cinco anos, transformados em “Magistrados” com competência para julgar os processos

ético-profissionais, podendo, ao final, aplicarem as sanções previstas no Código de Processo

Ético Disciplinar (art. 60) áqueles que, no exercício da profissão, desobedecem às suas

resoluções ou atuam em desconformidade com os princípios éticos previstos em lei.

(SCHAEFFER, 2010, p. 52).

Conclui-se que a atuação dos Conselhos Regionais de Medicina não é apenas

aquela de fiscalização da ética profissional, como prevê a lei, mas a de orientação científico-

cultural, de cooperação técnica com outros órgãos e de ser o guardião de toso os

compromissos do exercício médico.

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CAPÍTULO VI

O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL E

O PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

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6.1 – O PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE OU FORMALISMO MODERADO. A administração pública, nos processos administrativos, deve-se valer de

formas simples, suficientemente postas para propiciar adequado grau de certeza, segurança e

respeito aos direitos dos administrados (art. 2º, parágrafo único, IX, da Lei 8.112/90)

(DEZAN, 2010, p. 166).

Desse modo, deve primar pela forma que concilie a certeza do decidir, com a

indisponibilidade do interesse público e com o oferecimento de direitos garantistas ao

servidor acusado ou interessado. Pode-se entender como sendo um formalismo razoável à

tutela das garantias do servidor, sem, contudo dispor do interesse público à apuração certa,

célere e justa7.

Assim, exprime um viés do princípio constitucional de eficiência, pois deve

usar a forma como mero instrumento para a consecução de seus fins.

Um aspecto que bem caracteriza o processo administrativo disciplinar é sua

simplicidade. Ele é dispensado de ritos mais rigorosos e de formas mais solenes, pois as

pessoas que vão lidar com tais contenciosos são funcionários públicos ou, como no caso em

questão, médicos, sem vivência nem intimidade com os ritos mais rigorosos da prática

processual.

Isto atende ao Princípio do Informalismo, pois tal espécie de processo não está

sujeito às normas rígidas do processo judicial, para que assim ele se torne mais simples, mais

rápido e mais viável. A tendência atual é só declarar nulidade de ato processual quando ele

houver influído na apuração da verdade substancial ou, diretamente, na decisão da sentença.

Ou melhor, que o vício teha carreado dano para o processo. Hoje, isto está bem estabelecido

7 A Terceira Secção do Superior Tribunal de Justiça tem-se posicionado acerca do formalismo moderado do processo administrativo disciplinar, declinando que as formalidades legais não devem ser dispensadas sob o pretesto de realização desse princípio. Nesse sentido assentou: MS. Servidor. Cassação. Aposentadoria. (MS. 13.939/DF – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – u. em 14.10.2009).

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na Lei Federal n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ao determinar em seu artigo 169, § 1º,

que no contencioso administrativo “o julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do

processo”.

Segundo Waldir de Pinho Veloso, “o processo administrativo em todas as suas

espécies é informal no sentido de que não exige rito especial para o seu desenvolvimento”

(2010, p.109) . As normas de observância obrigatória são as que proporcionam garantir a

segurança dos procedimentos, a comprovação, a qualquer tempo, do cumprimento dos

princípios da Administração Pública e a formação de feitos que ficam à disposição do

administrado, dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de

Contas ou do controle interno.

O que se deve buscar é o benefício do administrado. E, sem dúvidas, eventual

exigência de cumprimento de formalidades como condição de validade dos feitos processuais

administrativos seria forma de não acesso ou de negativa de direitos a quem a Administração

deve estar inteiramente voltada: o Administrado (VELOSO, 2010, p.110)

Uma das conseqüências da existência, no âmbito dos processos

administrativos, do princípio da informalidade, é o que o processo civil denomina “princípio

da fungibilidade das ações”. Um pedido de reconsideração pode ser assim considerado

mesmo se de outra forma ou com outra denominação se apresentar. E, se houver um

manifestação de insatisfação com o conteúdo de uma decisão administrativa, a própria

Administração poderá considerar a manifestação como sendo um recurso a um conselho de

contribuintes, como um Pedido de Reconsideração, uma Reclamação ou outro recurso cabível

(VELOSO, 2010, p. 110).

A simplicidade no trato de feito administrativo não autoriza, por giro outro, que

haja oposição ao cumprimento de formalidades que a lei trouxer como condição de validade.

Os procedimentos, os passos, podem ser simples e simplificados a cada dia. Não ao ponto de

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descumprimento de normas cogentes apenas sobe a alegação de que há o princípio do

informalismo processual. Por isto, este princípio (somente) não é aplicado em procedimentos

concorrenciais – nestes inclusos a licitação, o concurso público para o preenchimento de

cargos públicos e o concurso vestibular de seleção para escolas públicas. Estes exigem

procedimentos mais solenes, documentados, provados e próprios para receberem reavaliações

futuras ( VELOSO, 2010, p. 110).

No caso do processo ético-disciplinar, segundo Genival Veloso de França, tem-

se uma idéia geral de que o médico, qualquer que seja a sua forma de atividade, é um servidor

público lato sensu. Por tais razões, é natural que o Código de Processo Ético-Profissional dos

Conselhos de Medicina do Brasil tenha também a aplicação supletiva das normas de Processo

Administrativo e do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, agora sob a égide do

Regime Único dos Funcionários Públicos, mesmo que não se tenha contemplado tal emprego

entre os enunciados de seus dispositivos (FRANÇA, 2010, p. 7-8).

Portanto, tendo em vista a aplicação supletiva das normas de direito processual

adminsitrativo no processo ético-profissional dos Conselhos de Medicina, perfeitamente

aplicável também é o principio da informalidade em comento, uma vez que o processo ético

prima pela celeridade, menor rigorisidade e simplificação das formas procedimentais e

processuais.

6.2 - O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL NOS CONSELHOS DE MEDICINA.

Os Conselhos de Medicina continuam sendo dotados de personalidade jurídica

de direito público pela Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957, como órgãos fiscalizadores

de profissões regulamentadas, com função administrativa de serviço público e com toda a

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capacidade de órgãos julgadores e disciplinadores de cada categoria, mantendo ainda sua

competência em questão de mérito ético. (FRANÇA, 2010, p. 2).

A legislação brasileira pertinente, ao constituir os Conselhos Profissionais

como órgãos julgadores e disciplinadores de cada categoria, no que diz respeito à conduta

ético-profissional, instituiu uma instância autônoma e independente, onde não cabe, por parte

de qualquer outro poder, a interferência nas questões de mérito (FRANÇA, 2010).

Neste sentido, com a publicação da Resolução CFM n. 1897/2009, passa a

vigorar o novo Código de Processo Ético-Profissional dos Conselhos de Medicina do Brasil,

instrumento pelo qual serão julgados os pleitos ajuizados contra a má relação do médico com

o paciente, com os seus familiares e com a sociedade, numa possível reparação do direito

violado, através da instauração de um processo disciplinar (FRANÇA, 2010).

6.2.1 – Da Competência.

O código de processo ético-profissional adota, em termos de competência, o

princípio da territorialidade, entendendo-se que o processo ético-profissional dos Conselhos

de Medicina, em todo o país, está sujeito às normas instituídas neste diploma processual.

Assim sendo, de acordo com o art. 21 da lei 3.268/57, a competência para

julgar as infrações éticas é do Conselho Regional de Medicina – CRM, onde o médico estiver

inscrito, ao tempo do fato punível.

Caso a infração ocorra fora do local da inscrição, a apuração e a instrução serão

feitas pelo conselho do local da ocorrência dos fatos, e o julgamento, pelo Conselho do local

onde o médico infrator estiver inscrito (FRANÇA, Genival, 2010, p.8-12).

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6.2.2 – Da Sindicância

A sindicância, segundo Genival Veloso de França (2010), é uma forma de

procedimento sumário e informal, cuja finalidade é a apuração de indícios de possíveis

irregularidades e deve obrigatoriamente preceder a instauração de processo ou arquivamento

de uma queixa que a motivou. Serve apenas para levantamento de indícios e subsídios para a

denúncia.

Mesmo que haja infração de forma pública ou assumida pelo autor, ainda assim

é obrigatória a sindicância para a apuração dos fatos. Trata-se, aqui, da imperatividade do

princípio da verdade material sobre o principio a verdade sabida.

A sindicância sempre será instaurada por portaria do presidente do Conselho

Regional de Medicina, e terá prazo de 30 dias, prorrogáveis a critério do presidente do órgão.

Nomeia-se, então, o Conselheiro Sindicante que terá, também, 30 dias para apresentação do

relatório circunstanciado, atendendo sempre os requisitos básicos da sindicância, quais sejam,

brevidade, clareza e exatidão.

Apresentado o relatório pelo conselheiro sindicante, haverá sessão plenária do

Conselho para julgamento da Sindicância. Nulidades somente poderão ser argüidas em caso

de prejuízo ao denunciado. Deste julgamento, poderá ocorrer as seguintes hipóteses: 1- o

arquivamento da sindicância; 2 – homologação de procedimento de conciliação; e 3 –

instauração do processo ético-profissional.

O procedimento de conciliação é uma inovação no CPEP (código de processo

ético-profissional) através da resolução 1.897/2009. Poderá haver a conciliação até o

encerramento da sindicância, devendo, para tanto, haver concordância das partes, e deverá ser

aprovada pela Câmara ou o Pleno do Conselho Regional de Medicina. Não haverá recursos

contra a decisão de conciliação.

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Entretanto, foram instituídos alguns limites ao instituto da conciliação: não

será permitido acerto pecuniário e não haverá conciliação em casos de lesão corporal ou

morte.

6.2.3 – Do Processo em Espécie

6.2.3.1. – Instrução

A Instrução é a fase processual onde devem ser apresentadas provas dos fatos

alegados, primando-se pela ampla defesa e o contraditório, cujo objetivo é a formação de um

conjunto probatório para uma decisão justa (FRANÇA, 2010, p. 29).

Essa fase inicia-se com portaria do Presidente do Conselho Regional que,

acolhendo as alegações constantes no relatório da sindicância, terá 5 dias para nomear o

Conselheiro Instrutor, e este, disporá de 120 dias para instruir o processo. Vale dizer, trata-se,

segundo Wambier (2006/2007), de prazo impróprio, uma vez que o não cumprimento do

mesmo não acarreta conseqüências processuais, podendo o mesmo ser prorrogado a critério

do presidente do conselho desde que fundamentada as razões para tanto.

Oferecida a denúncia, iniciar-se-á, verdadeiramente, a instrução, sendo que o

denunciado terá o prazo de 30 dias para apresentação de defesa prévia. Caso não se manifeste

neste prazo, o conselheiro instrutor deverá indicar-lhe defensor dativo.

Nesta fase, o conselheiro instrutor tomará depoimentos, promoverá acareações,

fará diligências com inspeções in loco se necessárias, ouvirá testemunhas, valer-se-á de

técnicos e assessores especializados para as perícias procedentes, examinará documentação e

fará tudo o que for importante para a formação da convicção dos julgadores (FRANÇA, 2010,

p. 29-34).

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Após a instrução, as partes terão 15 dias para apresentação das alegações finais,

primeiramente o denunciante e, em seguida, o denunciado. A intimação para apresentação

das razões finais será feita na própria audiência e, então, correrá o prazo. A não abertura de

prazo para as alegações finais constitui motivo de nulidade. Porém, a falta das alegações

finais não constitui motivo de desistência do processo e, muito menos, uma nulidade.

Apresentadas as alegações finais, o conselheiro instrutor proferirá relatório

circunstanciado ao Presidente ou ao Corregedor do CRM. Até a data da sessão de

julgamento, o conselheiro corregedor, verificando a existência de vícios ou irregularidades,

deverá baixar em diligência, isto é, poderá intervir nos autos e determinar a realização dos

atos a serem executados.

6.2.3.2 – Do Julgamento.

No entendimento de Genival Veloso de França,

O julgamento, nos conselhos de medicina, é uma decisão majoritária proferida pelos seus membros, nas Câmara ou no Pleno, sobre o que motivou a instrução, objeto do processo. Essa conclusão é baseada em relatórios dos fatos apurados e nas provas coligidas durante a instrução (2010, p. 64).

Esta decisão, segundo o autor, deve ser centrada nos fundamentos da denúncia,

da defesa e das provas constantes nos autos, não se admitindo que o julgador vá encontrar

suas razões fora do processo. Isto representa cerceamento de defesa e, com certeza, a

nulidade do julgamento.

O princípio da verdade material, também chamado de princípio da liberdade da

prova, outorga à autoridade julgadora valer-se das provas que a instituição processante tenha

conhecimento, desde que ela esteja no processo e não tenha sido obtida por meios inidôneos.

Neste último caso, estando a prova contaminada por vícios ou irregularidades, todos os atos

seguintes deverão ser considerados como inexistentes. Trata-se, aqui, da teoria da árvore dos

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frutos envenenados, ou seja, “The Fruits Of Poisonous Tree”, advinda do direito norte-

americano.

Instruído o processo, contando com os relatórios do Relator e do Revisor, o

Presidente marcará a data da sessão de julgamento, sendo as partes cientificadas com

antecedência mínima de 10 dias.

Na 1ª instância, o presidente do conselho ou conselheiro corregedor, após o

recebimento do processo devidamente instruído, terá 10 dias para nomear o conselheiro

relator e conselheiro revisor. Estes terão o prazo de 60 e 30 dias, respectivamente, para

apresentação dos seus relatórios. Trata-se aqui, novamente, de prazos impróprios, pois

poderão ser prorrogados com o consentimento do presidente do conselho, fundamentadas as

razões para tal prorrogação.

Iniciada a sessão de julgamento, terão a palavra o relator e, após, o revisor, os

quais deverão realizar a leitura das partes expositivas e conclusivas dos seus pareceres, seja o

julgamento em câmara ou no pleno. Após, as partes ou seus representantes poderão sustentar

oralmente suas teses por 10 minutos cada, sendo que falará primeiro o denunciante e, em

seguida, o denunciado. Os conselheiros poderão, então, solicitar esclarecimentos ao relator e

ao revisor, e às partes, através da presidência. Não havendo dúvidas, será concedido o prazo

de 5 minutos para o denunciante e denunciado para as últimas manifestações orais.

Terminadas as manifestações orais, os conselheiros, em caso de dúvidas,

poderão pedir vistas do processo pelo prazo de 30 dias ou requerer a conversão dos autos em

diligência determinando as providências a serem tomadas pelo conselheiro instrutor no prazo

de 60 dias, prorrogáveis, devendo, então, voltar o processo ao presidente para pautar novo

julgamento.

Encerrada esta etapa, estando o processo apto a julgamento, o presidente

tomará a decisão do plenário em voto nominal e aberto. No Pleno do Tribunal Regional de

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Ética Médica o quorum mínimo é de 11 e o máximo de 21 conselheiros (FRANÇA, 2010, p.

67). No que tange às Câmaras, estas terão sua constituição regulamentada em Resolução do

Conselho Regional.

Após a votação, a presidência anunciará o resultado do julgamento, designando

o Relator ou Conselheiro do voto vencedor para redigir o acórdão.

Em caso de apenação ao médico infrator, estas somente poderão ser aplicadas

de acordo com a lei (atualmente, as penas estão previstas na Lei 3.268/57) e que podem ser: a)

advertência confidencial em aviso reservado; b) censura confidencial em aviso reservado; c)

censura pública em publicação oficial; d) suspensão do exercício profissional até 30 dias; e)

cassação do exercício profissional (FRANÇA, 2010, p. 83-84).

No que diz respeito ao julgamento em 2ª instância, ou seja, no Conselho

Federal de Medicina, os procedimentos tem como base os da 1ª instância, porém, não existe o

procedimento de instrução e não há a figura do Conselheiro Revisor, cabendo ao Conselheiro

Relator as ações pertinentes.

Nesta última instância, os processos são encaminhados ao Conselho Federal de

Medicina – CFM, de acordo com as penas aplicadas no Conselho Regional, e serão

distribuídos para uma das Câmaras ou para o Pleno do Tribunal Superior de Ética. No mais,

os procedimentos são idênticos aos da 1ª instância, aplicando-se, no que for possível, o

regimento interno do Conselho Federal de Medicina (FRANÇA, 2010, p. 75).

6.2.3.3 – Dos Impedimentos.

Conforme Genival Veloso de França (2010, p. 85), o capítulo relativo às

nulidades foi introduzido no novo Código de Processo Ético-Profissional visando afastar as

possíveis causas de impedimentos dos Conselheiros. A relação processual exige completa

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isenção da parte julgadora, sob pena de presumir nulidade processual insanável de pleno

direito.

Nos casos de nulidades, poderão os processos ser desaforados, ou seja,

transferida a competência de processar e julgar a outro Conselho de Medicina, em caráter

extraordinário, reservando-se a aplicação da pena ao Conselho competente da jurisdição do

réu.

De acordo com o CPEP, art. 41, estão impedidos de atuar os conselheiros que:

1- tenha interesse direto na matéria; 2- tenha participado como perito, testemunha ou

representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins

até o terceiro grau; 3 – esteja litigado judicial ou administrativamente com o interessado ou

respectivo cônjuge o companheiro(a); 4 – tenha relação de parentesco (cônjuge ou

companheiro, ascendentes, descendentes e colaterais até 4º grau com o advogado da parte).

A lista dos impedimentos, em que pese ser bastante restrita, visa a uma relação

processual embasada na equidade e na busca da consolidação da justiça. As figuras

enumeradas no artigo 41 são taxativas e constituem numerus clausus, não podendo, portanto,

serem acrescidas de outras relações de parentesco ou amizade.

6.2.3.4 – Das Nulidades.

Ainda de acordo com Genival Veloso de Franca (2010, p. 92-101), não existe

uma conceituação doutrinária uniforme para a questão das nulidades, uma vez que uns tem

como um vício ou defeito jurídico capaz de invalidar, no todo ou em parte, o ato processual, e

outros, vêem-no como uma sanção, porquanto, uma vez declarado nulo o ato, esse será

considerado como se nunca houvesse existido ou realizado.

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Para o autor, entende-se por nulidade, “a desobediência de exigências legais,

um defeito ou uma imperfeição jurídica que venha a invalidar um ato processual ou todo o

processo”.

No entendimento do art. 43, do CPEP, nenhum ato será declarado nulo, se da

nulidade não resultar prejuízo para as partes. Trata-se, segundo os franceses, do princípio pás

de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem dano, sem prejuízo.

A nulidade, de acordo com o art. 44, do CPEP, ocorrerá nos seguintes casos: I-

por suspeição argüida contra membros do Conselho, acolhida pelo Plenário; e II – por falta de

cumprimento das formalidades legais prescritas no CPEP.

Conceitua, ainda, o artigo 47 do CPEP, que as nulidades considerar-se-ão

sanadas: I- se não forem argüidas no tempo oportuno; II – se, praticado por outra forma, o ato

atingir suas finalidades; e III – se a parte, ainda que tacitamente, aceitar seus efeitos.

6.2.3.5 – Dos Recursos.

Segundo doutrina de Genival Veloso de França (2010, p. 104-118), “os

recursos são elementos estabilizadores da ordem pública e da relação jurídica, posto que,

através deles, advém a possibilidade de serem corrigidos erros e injustiças que venham a ser

cometidos numa equivocada decisão. No seu mais amplo significado, recurso consiste na

desconformidade de alguém manifestada à autoridade superior contra uma decisão que lhe foi

adversa e supostamente injusta”.

Tal qual a ação, o recurso deve obediência a determinados pressupostos

processuais. Nesse sentido, são comuns a todo e qualquer recurso: I) previsão legal; II)

forma prescrita em lei; III) tempestividade. Além desses pressupostos genéricos para a

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interposição do recurso, são condições recursais: I) a legitimidade; II) o interesse; e III) a

possibilidade jurídica.

O Conselho Federal de Medicina – CFM é a instância superior dos processos

disciplinares instaurados e julgados pelos Conselhos Regionais. É o órgão Ad quem, e a ele

caberá recurso no prazo de 30 (trinta) dias, das decisões dos Plenos dos Regionais referentes a

processos Ético-Profissionais e das decisões que determinaram arquivamento da sindicância.

No que diz respeito aos Conselhos Regionais de Medicina, nas decisões

proferidas em processo ético-profissional pelas Câmaras, temos duas situações: 1) se a

decisão for unânime, o recurso será endereçado ao Conselho Federal de Medicina, em

Brasília; e 2) se a decisão da Câmara for por maioria, o recurso será endereçado ao Pleno do

CRM, conforme previsto no artigo 50 do CPEP.

Os recursos terão efeitos suspensivos, ou seja, os efeitos da decisão ficarão

sobrestados até a confirmação ou não da decisão pelo instância superior. O recurso também

apresenta o efeito devolutivo, ou seja, remete ao órgão de última instância todo o acervo

documental constitutivo do processo.

6.2.3.6 – Da Execução.

Aos procedimentos processuais que favorecem o cumprimento da sentença dá-

se o nome de execução. Esse cumprimento é obrigatório, seja a sentença absolutória, seja ela

condenatória. A execução é um ato privativo do Presidente do Conselho Regional de

Medicina, mesmo que ela tenha sido proferida pelo corpo de Conselheiros. É princípio

imperioso que a sentença só pode ser executada depois de passada em julgado (FRANÇA,

2010, p. 119).

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As penas confidenciais serão apenas executadas com a anotação no prontuário

do médico condenado, no CRM, através de cópia do acórdão. As penas não confidenciais

serão executadas mediante publicação na imprensa, a juízo do conselho, bem como a anotação

no prontuário médico. Quando se tratar de suspensão ou cassação do exercício profissional,

será feita notificação aos estabelecimentos de saúde públicos ou privados onde o médico

trabalha. No caso de cassação do exercício profissional e da suspensão por 30 dias, além dos

editais e das comunicações endereçadas às autoridades interessadas será apreendida a carteira

profissional do médico infrator ( art. 58, do CPEP).

6.2.3.7. – Da Prescrição.

Havendo a sentença condenatória passado em julgado, isto é, esgotando-se

todos os recursos cabíveis a espécie, o poder-dever dos Conselhos de punir adota o perfil de

jus executionis. Têm eles o dever, e, por isso, possuem poderes de executar a pena declarada

na ocasião do julgamento. Perdendo esse dever-poder de punir dos Conselhos pelo não

exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo, impõe-se o

conhecido instituto da Prescrição ( FRANÇA, 2010, p. 130).

Quando se trata de processo ético-disciplinar, deve-se fazer diferença entre

prescrição, preclusão e decadência. Segundo Genival Veloso de França,

“a primeira, é a extinção do poder-dever de punir que tem a administração pública. A segunda, refere-se à perda da faculdade que a parte tem de exercer e não a exerce, como por exemplo, a apresentação do rol de testemunhas durante a instrução. E a terceira, decorre da perda de um direito pelo decurso de prazo em quaisquer processos e não apenas onde ela se deu (2010, p. 130).

No processo ético-disciplinar, a punibilidade por falta ética prescreve em 5

anos, contados a partir da data do conhecimento do fato pelo Conselho Regional de Medicina

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(art. 60, CPEP). No que tange a execução da pena aplicada, esta apresenta, também, prazo

prescricional de 5 anos, tendo como termo inicial a data de publicação do acórdão (art. 63,

CPEP). O presente dispositivo é claro ao se manifestar prescrito o direito do Conselho

Regional de Medicina aplicar pena ao acusado decorrido o prazo de 5 anos, contados a partir

da data do termo inicial da publicação do acórdão e independente da pena que lhe foi

aplicada.

No entender do art. 61, do CPEP, são causas de interrupção do prazo

prescricional: I) o conhecimento expresso ou a citação do denunciado, inclusive por meio de

edital; II) a apresentação de defesa prévia; III) a decisão condenatória recorrível; IV)

Qualquer ato inequívoco, que importe apuração dos fatos.

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CAPÍTULO VII

A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

NO PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL DIANTE DO

ARTIGO XX DO CÓDIGO

DE ÉTICA MÉDICA.

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Um dos princípios que se observa no Código de Ética Médica, aprovado

através da Resolução CFM n. 1931/2009, é a expressa negação da natureza consumerista da

relação médico-paciente. Assim se expressa o item XX, capítulo I, do referido diploma:

XX – a natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.

Este entendimento é contrário a grande parte da doutrina e ao Poder judiciário,

haja vista que o CDC, em seu artigo 3º considera o médico um prestador de serviço e,

consequentemente, o paciente como consumidor:

Art. 3º - fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, que desenvolvem atividades de (...) prestação de serviços”.

Assim, na seqüência do artigo, temos o conceito de serviço:

§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração (...).

Portanto, segundo a ótica do CDC, a relação médico-paciente, por haver

prestação de serviços de forma remunerada, constitui relação consumerista. Este

entendimento encontra reforço no § 4º, do artigo 14, que prescreve: “ a responsabilidade dos

profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Em que pese tais discussões doutrinárias, a dúvida que se apresenta em caso de

processo ético-profissional é se saber qual dos diplomas deverá prevalecer diante do caso

concreto, o CDC, ou o Código de Ética Médica.

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Diante de tal situação, pode-se afirmar a existência de uma antinomia jurídica,

ou seja, a existência de duas normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto, sem se saber ao

certo qual delas deverá ser aplicada.

No entender de Maria Helena Diniz ( 2001, p. 469): “ Antinomia é o conflito

de duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua

aplicação prática a um caso particular”.

Na existência de conflitos entre normas jurídicas, ou seja, antinomias, alguns

critérios deverão ser observados. A ilustre autora, apresenta o seguinte critério (2001, p. 472):

O critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra; a ordem hierárquica entre as fontes servirá para solucionar conflitos de normas em diferentes níveis...

Quanto ao critério para a solução das antinomias, o mesmo entendimento é

observado por Norberto Bobbio (2006, p. 93):

O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori.

Ensina o ilustre autor, “...., as normas de um ordenamento são colocadas em

ordem hierárquica. Uma das conseqüências da hierarquia normativa é justamente esta: as

normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as

superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu

poder normativo.

Assim sendo, na hipótese em discussão, verifica-se que o Código de Ética-

Médica é aprovado através de uma Resolução do Conselho Federal de medicina, enquanto o

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Código de Defesa do Consumidor é aprovado através de Lei Ordinária votada pelo Congresso

Nacional.

Diante deste quadro e, ainda, em que pese a responsabilidade do médico ser

verificada mediante culpa, entende-se cabível a aplicação do CDC no processo ético-

profissional, haja vista tratar-se de lei ordinária, e esta sobrepor-se, em termos hierárquicos, à

uma resolução administrativa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Medicina e Direito, conforme se viu no presente trabalho e outros tantos

publicados, são disciplinas evoluem juntamente, e se interligam quando dizem respeito a

ordem social.

A responsabilização civil do médico é uma realidade, embora doutrina e

jurisprudência não sejam pacíficos nos seus conceitos jurídicos a respeito do assunto, muito

há que se desenvolver tanto para uniformizar os entendimentos sobre a questão, quanto para

se aperfeiçoar, pois o sistema jurídico atual apresenta apenas esparsos artigos para tratar de

uma matéria extremamente complexa.

Sendo assim, se por um lado o erro médico pode causar enormes transtornos

para médicos e pacientes, por outro , busca-se dar valor à dignidade humana através da busca

da reparação do determinado erro.

Qualquer ser humano está a mercê de cometer erros. Profissionais de

quaisquer áreas podem errar, e os médicos não são diferentes. Se esses erros puderem ser

comprovados, os médicos, necessariamente, deverão indenizar seus pacientes. Para tanto,

imprescindível uma prova robusta que demonstre a culpa do profissional e a relação causal

que liga a conduta do medico ao dano ocorrido.

Necessário se faz o conhecimento das condições em que o profissional de

medicina exerce suas atividades, pois é notório que o Sistema Público de Saúde é precário, os

hospitais beiram ao caos, a falta de higiene e de medicamentos são fatores que refletem no

trabalho daquele que presta um serviço às pessoas que necessitam de atendimento médico.

Assim, na análise da responsabilidade civil médica não se pode deixar de se

buscar o que seria razoável exigir do médico na situação em que este pode desenvolver suas

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atividades. Necessário perceber que nenhum médico incorre erro por querer, por estar

disposto a causar danos e sofrimentos aos seus pacientes.

No entanto, o poder judiciário, através de um processo civil, penal ou ético-

profissional, apresenta instrumentos capazes de coibir e punir a conduta de profissionais

irresponsáveis e que não apresentam o devido conhecimento, seja estabelecendo indenizações

pecuniárias na esfera civil, seja responsabilizando o médico na esfera penal, ou estabelecendo

punições éticas através dos conselhos de medicina.

Neste ponto, é fundamental a questão da prova do erro médico, pois é através

deste instituto que poderá se demonstrar se houve erro, se houve culpa do profissional, e se

este deverá ou não indenizar a vítima. O ônus de provar, segundo as teorias demonstradas ao

longo deste trabalho, deverá recair em quaisquer das partes, podendo o juiz, em caso de

dúvidas, determinar aquela que melhor pode contribuir para a evidência dos fatos ocorridos.

Por fim, cabe ressaltar que o presente trabalho apresentou como objetivo a

discussão acerca do ônus da prova no processo ético-profissional, comparativamente com o

processo civil, e que não se preocupou em formular novas teorias ou teses a respeito do tema

central abordado. Muito se tem a discutir e aperfeiçoar, pois como já afirmado, o tema é

complexo e o entendimento judicial não é unânime.

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