universidade tecnolÓgica federal do paranÁ...
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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ENSINO –
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E
DA NATUREZA - PPGEN
ROGÉRIO NASCIMENTO BORTOLIN
CONSTRUIR UM LIVRO: A PRODUÇÃO DE UM LIVRO-PORTFÓLIO COMO
INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
TECNOLÓGICO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
LONDRINA
2017
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ROGÉRIO NASCIMENTO BORTOLIN
CONSTRUIR UM LIVRO: A PRODUÇÃO DE UM LIVRO-PORTFÓLIO COMO
INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
TECNOLÓGICO
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ensino, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza (PPGEN), da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Londrina. Área de Concentração: Ciências Humanas Orientador: Prof. Dr. Evandro de Melo Catelão
LONDRINA
2017
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TERMO DE LICENCIAMENTO
Esta Dissertação está licenciada sob uma Licença Creative Commons atribuição uso não-
comercial/compartilhamento sob a mesma licença 4.0 Brasil. Para ver uma cópia desta licença,
visite o endereço http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/ ou envie uma carta para
Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, Califórnia 94105, USA.
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Ministério da Educação Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza – PPGEN.
Mestrado Profissional UTFPR Câmpus Londrina
TERMO DE APROVAÇÃO
CONSTRUIR UM LIVRO: A PRODUÇÃO DE UM LIVRO PORTIFÓLIO
COMO INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO E DESENVOLVIENTO DO
PENSAMENTO TECNOLÓGICO
por
ROGÉRIO NASCIMENTO BORTOLIN
Dissertação de Mestrado apresentada no dia 1º de dezembro de 2017 como requisito parcial
para a obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA
NATUREZA pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da
Natureza – PPGEN, Câmpus Londrina, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O
mestrando foi arguido pelos membros presencias da Banca Examinadora composta pelo Prof.
Dr. Evandro de Melo Catelão e a Profa. Dra. Nívea Rohling abaixo assinados. Após
deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho APROVADO. (Aprovado ou
Reprovado). O Prof. Dr. Evandro de Melo Catelão, presidente da Banca, assinou o termo de
aprovação pelo Prof. Dr. Franklin Oliveira Silva, membro a distância.
________________________________ _______________________________
Prof. Dr. Evandro de Melo Catelão (UTFPR) Profa. Dra. Nivea Rohling (UTFPR) Orientador Membro Titular
________________________________ _______________________________ Prof. Dr. Franklin Oliveira da Silva (UESPI) Prof. Dr. Givan José Ferreira dos Santos Membro Titular Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza – PPGEN. Mestrado Profissional UTFPR Câmpus Londrina
A FOLHA DE APROVAÇÃO ASSINADA ENCONTRA-SE ARQUIVADA NA SECRETARIA DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA
NATUREZA – PPGEN.
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Dedico este trabalho de pesquisa e dissertação de
Mestrado a Deus, por ter me dado força, disposição, vigor
e até mesmo livramento para que eu pudesse concluir tal
empreitada, a meus pais e familiares pelo suporte, meu
orientador por acreditar neste projeto, meus alunos por
embarcarem nesta jornada comigo e a direção do Colégio
Monteiro Lobato por me abrir as portas e acreditar no meu
trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus por ter cuidado de mim em cada momento dessa
longa jornada, por ter me fortalecido, dado vigor e até mesmo livramento para que
eu pudesse concluir este projeto.
Aos meus pais, familiares e amigos por todo o suporte, carinho e paciência que
tiveram comigo durante todo esse percurso.
Agradeço a diretora do Colégio Monteiro Lobato, Lina Maria Graça Borges, por ter
me entregue a palavra de que “não seria pesado”, se eu colocasse Deus na frente
dessa empreitada, e por ter aberto as portas de sua instituição, acreditando sempre
no meu potencial e no meu trabalho.
Ao meu orientador. Evandro de Melo Catelão por ter confiado em mim, acreditado no
meu projeto e me guiado até aqui com sabedoria, paciência e muita disposição,
estando sempre pronto para me estender a mão em todos os momentos de dúvidas
e dificuldades.
Aos meus alunos por embarcarem comigo nesta ideia de construir um livro e terem
participado de cada etapa com entusiasmo, alegria e disposição, fazendo da sala de
aula um grande laboratório de riquíssimas experiências.
Às minhas companheiras de UTFPR, Alessandra, Rejane, Simone e Zenaide por
termos percorrido juntos este trajeto que nem sempre foi fácil. Cresci muito
convivendo com vocês todas e sou muito grato pela amizade que construímos.
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram a chegar até aqui,
fechando assim mais um ciclo em minha vida acadêmica.
Meu sincero muito obrigado!
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O texto é uma forma de conhecimento, fonte de prazer, maneira de observar e
usufruir a infinidade de usos e frutos implicados na língua, na literatura, na vida, na
linguagem em constante movimento.
Beth Brait
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BORTOLIN, Rogério Nascimento. Construir um livro: a produção de um livro-
portfólio como instrumento de humanização e desenvolvimento do pensamento
tecnológico. 2017. 145 fls. Dissertação – Programa de Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza. Universidade Tecnológica
Federal do Paraná, Londrina, 2017.
RESUMO
Como inserir as tecnologias em sala de aula de maneira eficiente em uma prática significativa? Norteado por tal inquietação, o presente estudo foi elaborado e transformado em produto educacional nos limites de proposta didática e desenvolvido em uma turma de 2ª série do Ensino Médio sob a prática de construção de um livro-portfólio (contendo 12 gêneros do discurso) como um instrumento de humanização e desenvolvimento do pensamento tecnológico, uma vez que, a obsolescência das máquinas é um fator que muitas vezes atrapalha ou impede o aprimoramento tecnológico em contexto escolar. Com o objetivo maior de se desenvolver o produto educacional, o estudo também aponta reflexões sobre o desenvolvimento do pensamento tecnológico (criativo) e o avançar rumo à humanização dos alunos por meio de práticas de produção de gêneros discursivos; também analisa a ressignificação e os novos contornos em seus planos pré-formatados (ADAM, 2011; 2017), a hibridez (MARCUSCHI, 2005) e a reacentuação (SILVEIRA, ROHLING e RODRIGUES, 2012) que alguns dos gêneros produzidos apresentaram, devido à interpretação criativa e inovadora de seu comando disparador feita pelos alunos. Sob os postulados de Bakhtin (1997), Bronckart (2006), Adam (2011; 2017), Marcuschi (2005; 2008), Rojo (2012; 2015), Freire (1969), Machado (2008) Kenski (2012) e Silveira, Rohling e Rodrigues (2012), o projeto desenvolvido apresentou resultados satisfatórios e além dos previstos com relação ao escopo ao qual se propunha.
Palavras-chave: Livro-portfólio; Gêneros discursivos; Desenvolvimento do
pensamento tecnológico; Humanização.
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BORTOLIN, Rogério Nascimento. Constructing a book: the production of portfólio-
book as an instrument of humanization and development of technological thinking.
2017. 145 fls. Dissertação – Programa de Mestrado Profissional em Ensino de
Ciências Humanas, Sociais e da Natureza. Universidade Tecnológica Federal do
Paraná, Londrina, 2017.
ABSTRACT
How to effectively introduce in the classroom technologies into a meaningful practice? Based on this concern, this study was elaborated and transformed into an educational product within the limits of a didactic proposal and developed in a 2nd grade high school class under the practice of building a portfolio book (containing 12 genres of discourse) as an instrument of humanization and development of technological thinking, since the obsolescence of machines is a factor that often hinders or impedes the technological improvement in a school context. With the greater objective of developing the educational product, the study also points out reflections on the development of technological (creative) thinking and the advancement towards the humanization of the students through practices of discourse genres production; It also analyzes the re-signification and new contours in its preformatted planes (ADAM, 2011; 2017), the hybridization (MARCUSCHI, 2005) and the revival (SILVEIRA, ROHLING e RODRIGUES, 2012) that some of the produced genres presented, due to the creative and innovative interpretation of their command made by the students. Under the postulates of Bakhtin (1997), Bronckart (2006), Adam (2011, 2017), Marcuschi (2005, 2008), Rojo (2012, 2015), Freire (1969), Machado (2008) Kenski (2012) and Silveira, Rohling e Rodrigues (2012), the project developed presented satisfactory results and beyond those predicted in relation to the scope to which it was proposed.
Keywords: Book-portfolio; Discursive genres; Development of technological thinking;
Humanization.
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LISTA DE DIAGRAMA
Diagrama 1. Adaptado de DECS & UniSa. 2006. In ROJO, 2012, p. 29 .................. 47
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LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1. Catelão & Cavalcante, sd - esquema de análise - Adam (2017, p.38) .. 28
Esquema 2. Adam (2011), p. 43............................................................................... 32
Esquema 3. Adam (2011), p. 229............................................................................. 36
Esquema 4. Adam (2011), p. 234............................................................................. 37
Esquema 5. Adam (2011), p. 234............................................................................. 38
Esquema 6. Adam (2011), p. 250............................................................................. 39
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Modelo de capa confeccionada por uma aluna ......................................... 92 Figura 2. Modelo de ficha catalográfica produzida por um aluno .............................. 93
Figura 3. Modelo de prólogo produzido por uma aluna ............................................ 95
Figura 4. Modelo de autorretrato produzido por um aluno ........................................ 97
Figura 5. Modelo de poema autorretrato produzido por uma aluna .......................... 99
Figura 6. Modelo de canção escolhida por uma aluna. .......................................... 101
Figura 7. Modelo de carta produzida por uma aluna. ............................................. 104
Figura 8. Modelo de relato autobiográfico produzido por um aluno. ....................... 106
Figura 9. Modelo de relato de viagem produzido por um aluno. ............................. 108
Figura 10. Modelo de notícia produzida por um aluno ............................................ 110
Figura 11. Modelo de adágio escolhido por uma aluna .......................................... 113
Figura 12. Modelo de enigma produzido por uma aluna ......................................... 115
Figura 13. Carta para o futuro produzida por uma aluna ....................................... 127
Figura 14. Relato autobiográfico produzido por um aluno ..................................... 129
Figura 15. Carta para o herói produzida por uma aluna ......................................... 132
Figura 16. Enigma produzido por uma aluna ......................................................... 133
Figura 17. Poema autorretrato produzido por um aluno ......................................... 134
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Formas de composição do gênero carta pessoal, baseado em Köche,
2012 ......................................................................................................................... 65
Quadro 2. Cronograma de aplicação do projeto ....................................................... 75
Quadro 3. Acompanhamento das produções ........................................................... 77
Quadro 4. Critérios de correção das produções textuais. ......................................... 79
Quadro 5. Capa do livro: elementos do gênero e especificidades. ........................... 91
Quadro 6. Ficha catalográfica: elementos do gênero e especificidades. .................. 93
Quadro 7. Prólogo: elementos do gênero e especificidades..................................... 94
Quadro 8. Autorretrato: elementos do gênero e especificidades .............................. 96
Quadro 9. Poema: elementos do gênero e especificidades...................................... 98
Quadro 10. Canção: elementos do gênero e especificidades................................. 100
Quadro 11. Carta pessoal: elementos do gênero e especificidades ....................... 102
Quadro 12. Relato autobiográfico: elementos do gênero e especificidades ........... 105
Quadro 13. Relato de viagem: elementos do gênero e especificidades ................. 107
Quadro 14. Notícia: elementos do gênero e especificidades .................................. 109
Quadro 15. Adágio: elementos do gênero e especificidades .................................. 112
Quadro 16. Enigma: elementos do gênero e especificidades ................................. 114
Quadro 17. Oficina de produção de cartas ............................................................. 117
Quadro 18. Oficina: Diferentes formas de narrar .................................................... 118
Quadro 19. Oficina: Nada além de mim: retratando minha identidade. .................. 119
Quadro 20. Oficina de construção e edição .......................................................... 120
Quadro 21. Acompanhamento das produções ....................................................... 120
Quadro 22. Critérios para correção e avaliação das produções textuais ................ 122
Quadro 23. Plano pré-formatado do gênero carta pessoal ..................................... 128
Quadro 24. Plano pré-formatado do gênero relato autobiográfico .......................... 130
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INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 16
1 SOBRE GÊNEROS E TEXTO ............................................................................. 21
1.1 Gêneros discursivos, elementos constitutivos e práticas sociais de
linguagementremeios do ensino e aprendizagem ................................................... 24
1.1.1 Os elementos constitutivos dos gêneros: base para uma proposta de produção
na esfera escolar .................................................................................................... 26
1.1.2 Os elementos constitutivos dos gêneros do discurso na visão de Adam ........ 27
1.1.3 Suporte: a materialização dos gêneros discursivos ........................................ 40
2 TRABALHO COM OS GÊNEROS E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
TECNOLÓGICO ..................................................................................................... 43
2.1 Multiletramentos e o desenvolvimento do pensamento tecnológico na sala de
aula: uma perspectiva para a escola contemporânea ............................................. 45
2.2 O avançar dos alunos rumo à humanização ..................................................... 49
2.3 A interdisciplinaridade a serviço de um conhecimento holístico ........................ 51
3 METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ................................. 54
3.1 Da inspiração do projeto à concretização da temática do livro-portfólio ............ 56
3.2 Escolha e delimitações dos gêneros ................................................................. 57
a) Capa de livro (tema, composição e estilo) .......................................................... 58
b) Ficha catalográfica .............................................................................................. 59
c) Prólogo ............................................................................................................... 60
d) Autorretrato ......................................................................................................... 61
e) Poema ................................................................................................................ 62
f) Canção ................................................................................................................ 63
g) Carta pessoal ...................................................................................................... 64
h) Relato autobiográfico .......................................................................................... 66
i) Relato de viagem ................................................................................................. 68
j) Notícia .................................................................................................................. 69
k) Adágio (ditado, frase, máxima, mote, provérbio, sentença) ................................. 70
l) Enigma ................................................................................................................. 71
3.2.1 (Re)Contexto de produção e recepção: contornos para fins didáticos ............ 73
3.3 Estágio de docência e cronograma de aplicação do projeto .............................. 73
4 PRODUTO EDUCACIONAL: CONSTRUIR UM LIVRO: A PRODUÇÃO DE UM
LIVRO-PORTFÓLIO COMO INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO TECNOLÓGICO ................................. 80
SUMÁRIO
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4.1 Desenvolver a criatividade é preciso ................................................................. 87
4.2 Humanizar também é preciso ............................................................................ 88
4.3 Com que gênero eu vou? ................................................................................. 89
4.3.1 (Re)Contextos e situacionalidade: imagine que... ........................................... 90
a) Capa de livro (tema, composição e estilo) .......................................................... 91
b) Ficha catalográfica .............................................................................................. 93
c) Prólogo ............................................................................................................... 94
d) Autorretrato ......................................................................................................... 96
e) Poema ................................................................................................................ 98
f) Canção .............................................................................................................. 100
g) Carta pessoal .................................................................................................... 102
h) Relato autobiográfico ........................................................................................ 105
i) Relato de viagem ............................................................................................... 107
j) Notícia ................................................................................................................ 109
k) Adágio (ditado, frase, máxima, mote, provérbio, sentença) ............................... 111
l) Enigma ............................................................................................................... 114
4.4 A estruturação do projeto e seu desenvolvimento ........................................... 116
a) Oficina de Produção de Cartas ......................................................................... 116
b) Diferentes Formas de Narrar ............................................................................. 117
c) Nada além de mim: construindo minha identidade ............................................ 118
d) Construção e Edição ......................................................................................... 120
5 APLICAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL: RESULTADOS OBTIDOS E
DESAFIOS ENCONTRADOS ............................................................................... 123
5.1 O desenvolvimento do produto educacional: reflexões sobre o trabalho com
gêneros e o desenvolvimento do pensamento tecnológico em sala de aula ......... 123
5.2 A ressignificação e a reacentuação de alguns gêneros: especificidades temáticas
e pré-formatação ................................................................................................... 125
5.3 A interpretação do comando disparador: produções singulares e o avanço rumo
à humanização ....................................................................................................... 131
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 137
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 140
ANEXOS ............................................................................................................... 143
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INTRODUÇÃO
As noções de língua, linguagem, texto e gêneros discursivos são inquietantes
no universo das ciências de linguagem. Muitos estudiosos da área se debruçaram
no estudo desses conceitos, baseando-se naqueles que os antecederam e
oferecendo novos olhares e/ou perspectivas de análise; outros contrapondo e/ou
rediscutindo ideias concebidas. Todos discutem, todavia, em determinado momento
o mesmo tema: a expressão humana por meio das ações de linguagem.
Para as mais variadas funções corriqueiras do cotidiano, enviar uma
mensagem de texto via meio digital, preencher uma nota fiscal ou preparar uma lista
de compras, até funções que exijam um traquejo acurado e manejo fino da
linguagem, como redigir um documento administrativo ou uma dissertação de
mestrado, são usados tipos pré-formatado ou não (ADAM, 2017) de enunciados. Ao
buscar emocionar ou gerar reflexão, utilizam-se textos como poemas, romances,
peças de teatro, por exemplo; ou seja, os gêneros discursivos permeiam a vida em
sociedade e a interação humana: são as engrenagens do ato comunicativo.
Em sentido próximo, no ambiente escolar e atual contexto, os gêneros são
considerados as bases para o processo de ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa, norteando práticas tendo em vista os aspectos linguísticos e de
interação humana. Esse tipo de abordagem acontece em detrimento a outras que
visam apenas à instrumentalização gramatical do alunado. Porém, ainda muito se
discute nesse meio e sobre essa concepção que já sofre críticas (FIORIN, 2016) no
sentido das tentativas de alguns materiais buscarem por normatização e prescrições
dos gêneros.
Variadas são, contudo, as abordagens desenvolvidas por professores e
encontradas em materiais didáticos que propõem o trabalho com os gêneros
discursivos em sala de aula. Estas vão desde produções a análises de textos sob
determinadas perspectivas e teorias. Inspirado nessas práticas, este estudo foi
pensado, observando que para o desenvolvimento da pesquisa, fundamentos sobre
a produção de gêneros discursivos se fizeram essenciais, mas com intenções e
tratamentos específicos: a ressignificação dos gêneros (MARCUSCHI, 2005;
SILVEIRA, ROHLING e RODRIGUES, 2012), o desenvolvimento do pensamento
tecnológico/criativo (MACHADO, 2008 e KENSKI, 2012) em sala de aula e o avançar
da humanização dos alunos (FREIRE, 1969).
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Esse desenvolver da criatividade (aqui chamado de pensamento tecnológico)
se sustenta na inquietação de: como inserir as tecnologias em sala de aula de
maneira eficiente em uma prática significativa? Sob a luz de tal questionamento,
percebeu-se que não é necessariamente a máquina (artefato tecnológico) que
precisa entrar na sala de aula, e sim o desenvolvimento e a exploração do
pensamento tecnológico por meio do ato criativo, interpretativo, imaginativo que são
as bases de todo desenvolvimento de tecnologias, visto que “foi da engenhosidade
humana, em todos os tempos, que deu origem às mais diferenciadas tecnologias”
(KENSKI, 2012, p. 15)
Tal perspectiva justifica-se, pois é necessário um aprimoramento dos alunos
que já estão inseridos em um contexto no qual lidam com (novas) tecnologias,
pessoas, máquinas, sistemas, normas, causas e consequências e precisarão ser
ainda mais autônomos, criativos, curiosos, solucionadores de problemas e ter uma
visão do todo para o mercado de trabalho. Desse modo, a exploração da
criatividade, da curiosidade, da motivação, da iniciativa, da interpretação, do
pensamento lógico, ágil, abstrato o enriquecimento intelectual e a humanização são
fatores que devem ser trabalhados e desenvolvidos no âmbito escolar.
O avançar da humanização dos alunos, por sua vez, está apoiado nas
concepções de Paulo Freire (1969) que defende uma educação humanista,
libertadora e transformadora que estimula o desenvolvimento da criatividade, tem
uma visão crítica do saber, enxerga o homem como um ser social posicionado em
um contexto político e sócio-histórico, sabe que não existe busca ao saber sem
inquietação e, sobretudo, que o homem é um ser de práxis. Também nos dizeres de
Antonio Candido (1995), que entende a humanização como o exercitar da reflexão,
da aquisição do saber, no afinar das emoções, na capacidade de perceber a
complexidade do mundo, dos seres e dos problemas da vida, no senso de beleza e
no cultivar do humor. Elementos e atitudes estas que precisam se fazer presentes
no contexto escolar quando se trata de uma educação humanizadora.
Com tais inquietações em mente e visando a uma prática significativa que
desenvolvesse o pensamento criativo/tecnológico e avançasse rumo à humanização
dos alunos, surge a ideia de se construir (leia-se construir no sentido mais amplo e
literal da palavra) e reinventar uma (velha, porém, riquíssima) tecnologia que ainda
mexe com o imaginário das pessoas: o livro, mais especificamente um livro-portfólio
com uma turma de 2ª série do Ensino Médio.
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Esse projeto teve origem no ano de 2013, quando os mesmos alunos que
participaram em 2016 da execução da proposta apresentaram o livro Destrua este
diário (2013) (em inglês, Wreck this journal: to create is to destroy), de Keri Smith,
ao professor-pesquisador. Trata-se de um livro em branco com comandos em cada
página que devem ser interpretados ao bel-prazer do “leitor” (que acaba por se
tornar o autor responsável da composição da obra) e ser construído, portanto, de
forma criativa. A intenção maior do livro é a experimentação, seja de ideias,
materiais e interpretações. Adaptar então esse livro a uma prática de produção de
texto criativa e significativa foi o motor para o desenvolvimento da construção do
projeto.
Para compor o livro-portfólio, foram escolhidos 12 gêneros do discurso
(capa, ficha catalográfica, prólogo, autorretrato, poema, canção, carta pessoal, relato
autobiográfico, relato de viagem, notícia, adágio e enigma) que ora trazem consigo
traços de identidade, reflexão e projeção de uma imagem do eu discursivo, ora
situam os interlocutores em determinado contexto de tempo e espaço. Todos, no
entanto, com comandos disparadores de produção que se abriam para múltiplas
possibilidades de interpretações, justamente para o desenvolvimento do
pensamento e do ato criativo de interpretação e produção. Outra particularidade
sobre tais gêneros escolhidos é que eles também sofriam possibilidades de
alterações em seus planos pré-formatados (nos limites do que discute ADAM, 2017)
devido aos comandos disparadores e sua possibilidade de produção.
O objetivo maior desse estudo foi o desenvolvimento do produto
educacional, uma vez que se trata de um programa de mestrado profissional.
Especificamente, buscou-se investigar como alguns gêneros do discurso ganham
novos contornos e ressignificações em seus planos pré-formatados (ADAM, 2017) e
também por meio das interpretações dos comandos e das produções textuais.
Pontualmente, verificar como se dá o processo criativo, o pensamento tecnológico e
a humanização dos alunos/autores por meio da execução do projeto.
Assim, a pesquisa comprova que o pensamento e o ato criativo são as
bases da tecnologia e que o trabalho de exploração da criatividade, da interpretação
e do raciocínio são requisitos fundamentais preparatórios para a formação de
alunos/cidadãos que já se deparam com um mundo tecnológico. Para tanto, um dos
caminhos que poderia ser tomado para tal prática era a produção criativa de gêneros
do discurso em determinadas ações de linguagem.
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Partindo da concepção interacionista de linguagem que entende o homem
como um ser social que interage por meio de gêneros do discurso, a pesquisa se
pauta nessa interação reflexiva entre o homem, o seu meio, a imagem que ele tem
de si (e projeta por meio de seus escritos) e como os gêneros por ele utilizados
podem possuir composições pré-formatados ao serem produzidos.
Nesses limites, foram utilizadas como fontes de apoio, principalmente, os
postulados de Bakhtin (1997), Bronckart (2006), Adam (2011; 2017), Marcuschi
(2005; 2008), Rojo (2012; 2015), Freire (1969) e Machado (2008). Trabalhos que
possibilitam que esta pesquisa tomasse corpo e que direcionaram os níveis teóricos,
críticos e analíticos das produções desenvolvidas.
Apoiado, portanto, em todas as premissas citadas, o projeto foi idealizado,
(re)discutido, transformado em um produto educacional aplicado e seus resultados
se tornaram fonte de dados para uma análise acurada de como uma prática de
produções de textos para compor um livro-portfólio poderia gerar resultados
satisfatórios e alcançar o escopo ao qual se propunha.
A elaboração dessa dissertação foi organizada nas seguintes seções: no
capítulo um foram abordadas questões teóricas sobre gêneros, seus elementos
constitutivos, estes sob os postulados de Adam (2011; 2017) e domínios discursivos.
Em seguida, no capítulo dois, são discutidas perspectivas pontuais sobre
desenvolvimento do pensamento tecnológico, multiletramentos, humanização e
interdisciplinaridade, uma vez que são vieses pertinentes para o desenvolvimento
dessa pesquisa.
No capítulo três foi descrita a metodologia utilizada, a explanação dos
gêneros abordados, bem como o porquê dessas escolhas para a composição do
livro-portfólio e a descrição do estágio de docência (desenvolvimento do produto em
sala de aula).
O capítulo quatro foi destinado ao produto educacional. Trata-se de uma
conversa direta com o professor que se dispuser a desenvolver essa proposta
didática em sala de aula, bem como as orientações didáticas para o trabalho e sua
divisão em oficinas.
No quinto capítulo, os dados dessa pesquisa foram analisados sob os
postulados de Marcuschi (2005), Silveira, Rohling e Rodrigues (2012) e Adam (2011;
2017) e foi verificado como alguns gêneros ganharam novos contornos e
ressignificações devido à interpretação de seus comandos disparadores e
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produções por parte do alunado, apesar de manterem planos pré-formatados e
sequências textuais predominantes. Também foi verificado, de maneira mais
específica como a materialização do pensamento criativo e o avanço rumo à
humanização se fazem presentes por meio dos escritos de alguns alunos. Por fim,
foram realizadas as considerações finais acerca da pesquisa e as referências que
nortearam seu desenvolvimento.
Essa prática de trabalho com gêneros discursivos sob as perspectivas de
ressignificações se deve ao fato também da predisposição do pesquisador pelo
trabalho que também desenvolve com a Literatura e o texto literário em sala de aula
e em sua convicção, que vem de encontro aos dizeres de Beth Brait (2015), que
considera “o texto uma forma de conhecimento, fonte de prazer, maneira de
observar e usufruir a infinidade de usos e frutos implicados na língua, na literatura,
na vida, na linguagem em constante movimento” (p. 12).
21
1 SOBRE GÊNERO E TEXTO
Delimitações sobre as noções de gênero e texto abordadas nessa pesquisa
se fazem pertinentes, uma vez que se trata de uma proposta de desenvolvimento de
um produto educacional pautado na perspectiva/produção de gêneros discursivos,
que aqui serão tratados como tendo planos pré-formatados (ADAM, 2011; 2017) e
sendo constituídos por sequências textuais, elementos que se fazem importantes
para as análises dos dados obtidos. Para tanto, esse capítulo se propõe a tratar de
questões acerca de gêneros discursivos e seus domínios, (BAKHTIN, 1997, e
MARCUSCHI, 2005; 2008) noções de texto e agir de linguagem (BRONCKART,
2006) e também das sequências que compõem os planos de texto (ADAM, 2011;
2017).
A partir da década de 1990, o ensino no Brasil sofreu uma profunda mudança
de foco principalmente mobilizada pela inserção do trabalho com os gêneros
discursivos no espaço escolar. Trabalhar com gêneros significou uma reformulação
progressiva de propostas de ensino e também mobilizou o próprio desenvolvimento
das teorias do texto, centradas principalmente no exame das práticas
sociodiscursivas motivadas pela popularização dos trabalhos de Bakhtin e seus
seguidores. Essa mudança é vista por diferentes autores (KOCH, 2012,
TRAVAGLIA, 2002, GERALDI, 2003, entre outros) como uma alteração de
concepção de ensino e/ou de linguagem que passa a focar nas práticas de interação
humana. Koch (2012) observa essa prática e a defende por se tratar de uma
abordagem que faz uso real da linguagem em ambientes sociocomunicativos e
interacionais nos quais os interlocutores são essenciais para a construção de
sentido e efetivação da comunicação e por mobilizar e reconstruir diferentes
saberes, não apenas de ordem textual, mas também sociocognitiva, histórica e
cultural do(s) contexto(s) no momento de interação.
É uma característica inata aos seres humanos a vontade de se expressar.
Crianças se expressam por meio do choro; depois por meio de uma fala ainda em
desenvolvimento; nos estudos escolares e interação social, aprende-se (aprimora-
se) continuamente a manusear uma ferramenta de alto grau de complexidade
linguística e essencial para a interação humana: o texto. Esse modo de expressão é
tido como complexo por estar permeado de diversos elementos que interlocutores
devem fazer uso de maneira complexa: na produção de um texto é necessário que
22
se utilize uma linguagem e que sejam ativados conhecimentos de mundo, artifícios
de inferências, reconhecimento/entendimento de contextos, recursos coesivos para
que assim se forme um todo coerente. “Não é por acaso”, portanto, que a raiz da
palavra texto venha do latim textum que significa tecido, ou seja, o ato de se
elaborar um texto é como um ato de entrelaçar fios, tecer partes, para que assim se
consiga um todo. Marcuschi (2008) afirma que “a tendência é ver o texto no plano
das formas linguísticas e de sua organização” (p. 58). Em suma, pode-se entender
texto como trabalho que exige diversos tipos de conhecimentos que precisam
emergir no ato de sua produção e essenciais para que haja a interação.
Sobre os processos interacionais, Bronckart (2006) traz contribuições
significativas, em especial sobre as atividades de linguagem com/entre os sujeitos.
O autor define a interação por meio da linguagem como uma atitude própria do ser
humano. Pela linguagem criamos conexões, dividimos e acumulamos conhecimento
que poderá ser retomado em outro momento no curso da história. O homem é o
único a utilizar a linguagem como uma forma de agir comunicativo verbal mobilizado
por signos que se organizam em formatos que denominamos textos (BRONCKART,
2006). Sobre os textos e nossas ações de linguagem com outros sujeitos
(realização) o autor apresenta algumas considerações:
Essa realização se dá, por sua vez sob a forma de textos construídos, de um lado, mobilizando-se os recursos (lexicais e sintáticos) de uma determinada língua natural, e de outro, levando-se em conta modelos de organização textual disponíveis no âmbito dessa mesma língua. Por isso, os textos podem ser definidos como os correspondentes empíricos/linguísticos das atividades de linguagem de um grupo, e um texto como o correspondente empírico e linguístico de uma determinada ação de linguagem. (p. 139)
Sendo assim, a noção de texto estaria na associação entre o saber lexical
com estruturas textuais dentro de determinados contextos, em outras palavras, uma
atividade de linguagem fina manuseada pelo homem a serviço da interação e da
comunicação com os seus semelhantes. Para Koch (2012), o texto é “o próprio lugar
da interação verbal”, e os interlocutores são “sujeitos ativos, empenhados
dialogicamente na produção de sentidos” (p. 10).
É por meio do agir de linguagem organizado no formato de textos, portanto,
que o homem se expressa e interage na sociedade/cultura a qual está inserido. Os
textos, por sua vez, apresentam-se organizados segundo sua vinculação à vida
23
cultura e social em esferas de circulação. Segundo Marcuschi (2005) “os gêneros
contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia” (p.
19), por exemplo, a escolha de um bilhete (ou uma mensagem texto via digital) para
um filho avisar a mãe que passará o dia na casa dos amigos estudando para a prova
do dia seguinte, em detrimento de outras possibilidades; é o que Koch (2012) chama
de competência metagenérica, que, para ela “diz respeito ao conhecimento de
gêneros textuais, suas características e funções e nos propicia a escolha adequada
do que produzir textualmente nas situações comunicativas de que participamos” (p.
54).
Determinados gêneros são utilizados em situações específicas para fins e
propósitos sócio-comunicativos estabelecidos, porém, não podem ser caracterizados
como estanques e/ou estáveis de ação de linguagem, pois “caracterizam-se como
eventos textuais altamente maleáveis dinâmicos e plásticos” (MARCUSCHI, 2006, p.
19).
No que concerne ao estudo das interações humanas com/por meio da
linguagem, teóricos como Bakhtin (1997) afirmam que os homens se comunicam por
meio de gêneros discursivos, que para ele são “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (p. 279, grifos do autor) constitutivos nas mais variadas e diversas
esferas de comunicação da sociedade. Tais gêneros são, portanto, a materialização
sob o formato de texto (oral ou escrito) da interação humana. Nesses mesmos
limites, Bronckart (2006) afirma que as atividades humanas de linguagem são
guiadas por unidades comunicativas (os textos) que servem aos diferentes tipos de
ação de linguagem por ela desempenhados. Os gêneros, na perspectiva do autor,
se apresentariam como as diferentes espécies de texto que atentem às diferentes
esferas de comunicação humana.
Há de se delimitar, por conseguinte, as diferenças entre gêneros discursivos e
domínios discursivos (esferas). Para Marcuschi (2008) estes são:
“esferas de atividade humana” no sentido bakhtiniano do termo [...] Não abrange um gênero em particular, mas dá origem a vários deles, já que os gêneros são institucionalmente marcados. Constituem práticas discursivas nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhes são próprios ou específicos como rotinas comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relações de poder. (p. 155)
Em outras palavras, os domínios são as esferas sociais onde circulam os
gêneros fazendo que haja a interação humana por meio de textos. O gênero
24
discursivo, por sua vez, como também define Marcuschi (2008), é uma “forma de
realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares” (p.
154).
Situando o espaço textual (gênero materializado) nesses limites, destaca-se
que mesmo alguns gêneros apresentando um tipo de materialização mais estável,
são um tipo de criação humana extremamente maleável e estável. Podem se
misturar, se fundir, deixar de existir ou simplesmente trocar de forma conforme as
necessidades de comunicação e evolução da (ou de uma) linguagem/sociedade. Os
gêneros são subdivididos em primários e secundários – este último podendo ser
uma evolução (ou hibridez) dos primeiros. São determinados gêneros primários, de
acordo com Rojo & Barbosa (2015), pautada nos estudos bakhtinianos:
aqueles que ocorrem em nossas atividades mais simples, privadas e cotidianas, geralmente – mas não necessariamente – na modalidade oral do discurso. São ordens, pedidos, cumprimentos, conversas com amigos ou parentes, bilhetes, certas cartas, interações no Skype, torpedos e posts em certos tipos de blogs. (p. 18)
Delimitados, desse modo, por ações comunicativas menos elaboradas
presentes no cotidiano, os gêneros primários se diferem dos secundários pelo seu
nível de abstração, competência e manuseio da linguagem, pois, os gêneros
secundários, ainda segundo Rojo & Barbosa (2015)
servem a finalidades públicas de vários tipos, em diversas esferas ou campos de atividade humana e de comunicação. Esses são mais complexos, se valem da escrita ou de outra maneira (e, hoje, também de outras linguagens) e têm função mais formal e oficial. São relatórios, atas, formulários, notícias, anúncios, artigos, romances, telenovelas, noticiários televisivos ou radiofônicos, entre outros. (p. 18)
É válido ressaltar que os gêneros secundários podem se valer dos primários
para sua composição, marcando, dessa forma, essa característica híbrida e mutável
dos gêneros e sendo o resultado de um uso mais elaborado da linguagem que
requer de seus interlocutores uma ação mais competente de produção e recepção.
1.1 Gêneros discursivos, elementos constitutivos e práticas sociais de linguagem: entremeios do ensino e aprendizagem Acompanhando a discussão anterior, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997)1 sugerem que o ensino de Língua Portuguesa seja efetivado por meio de
1Faz-se importante mencionar a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que está em discussão,
norteando o conjunto de aprendizagens essenciais. Ela defende que o processo de ensino e
25
textos das mais diversas esferas sociais para o desenvolvimento crítico/analítico e
de uso competente do alunado. O processo de ensino e aprendizagem se dá, dessa
forma, por meio dos gêneros discursivos pelos quais o texto não deve ser tomado
como pretexto para que se aborde apenas determinado conteúdo gramatical,
morfológico ou fonético. O texto deve ser trabalhado em sua totalidade de
análise/produção o que não exclui uma abordagem conjunta de elementos
específicos do gênero em questão, desde aspectos discursivos de sua realização a
elementos de ordem composicional.
Por outro lado, sobre a inserção dos gêneros nas práticas de ensino e
aprendizagem, Fiorin (2016) tece algumas críticas sobre um tipo de tratamento dado
ao gênero, em particular quando o seu produto e seu ensino se tornam normativo.
Essa normatização por ele referida segue os preceitos do que se faz(ia) no ensino
meramente gramatical, por exemplo, e que, no atual contexto, tem sido transferido
para o processo de ensino e aprendizagem regido pelos gêneros. Tomá-los como
produto e focar a prática apenas em algumas particularidades é esvaziar a riqueza
de possibilidades que a produção/leitura/análise textual traz consigo.
Essa observação é reforçada no presente estudo, pois a proposta didática
aqui desenvolvida valoriza diferentes dimensões e possibilidades que o trabalho com
os gêneros viabiliza, desde as situações simuladas2 como atividades de escrita,
também encontradas em concursos de vestibular – o que se faz pertinente para tal
prática, visto que o alunado do Ensino Médio com o qual o projeto foi realizado já se
prepara para tais tipos de provas – até ressignificações e possibilidades de novos
contornos para as produções dos gêneros solicitados, denotando assim uma
abordagem que não entende o gênero como algo estanque e normatizado, mas
híbrido, multifacetado e complexo, condizendo com a interação humana e com as
possibilidades de uso da linguagem.
Vale ressaltar o viés de tratamento das produções do gênero por meio das
sequências textuais e o das noções de pré-formatações previstas nos postulados de
Adam (2011; 2017), que será tratado na seção seguinte.
aprendizagem de Língua Portuguesa tenha o texto (tanto na modalidade oral quanto escrita) como o centro de suas práticas. 2 Há uma ampla discussão no que se refere às “simulações” em sala de aula, no entanto, o
pressuposto norteador dessa prática é o de HALTÉ (2008) que afirma que “situações didáticas não são mais artificiais que quaisquer outras, elas são apenas situações da instituição regularizadas. Essas regras estruturam relações, hierarquizam funções, selecionam universos de discurso, pré-constroem dispositivos; em suma, regulam as comunicações” (p. 17).
26
1.1.1 Os elementos constitutivos dos gêneros: base para uma proposta de
produção na esfera escolar
Os gêneros organizam e instauram as relações de interação e comunicação
dos homens. Em termos composicionais, eles se caracterizam com um conteúdo
temático, um tipo de estilo e uma unidade composicional, fatores considerados
indissociáveis (ROJO & BARBOSA, 2015). Essa tríade é estuda por diferentes focos,
tendo em vista os limites teóricos adotados pelo pesquisador.
O tema, ou conteúdo temático, é definido por Fiorin (2016) como “um domínio
de sentido de que se ocupa o gênero” (p, 69), ou seja, ele não é o assunto
específico de um texto, mas o tema que permeia textos pertencentes a um gênero
específico. Rojo & Barbosa (2015) apresentam ainda que o tema “mais do que
meramente o conteúdo, assunto ou tópico de um texto, é o conteúdo inferido com
base na apreciação de valor, na avaliação que acento valorativo que o locutor lhe
dá” (p. 87, grifos das autoras).
Com relação ao estilo, Fiorin (2016) diz ser a “escolha de certos meios
lexicais, fraseológicos e gramaticais em função da imagem do interlocutor e de como
se presume sua compreensão responsiva ativa do enunciado” (p. 69). Em outras
palavras, são as escolhas e a maneira que o enunciador encontra para produzir o
seu discurso regido pelo gênero discursivo escolhido para tal, com o foco no seu
interlocutor e na imagem que ele faz de si e que pretende passar para quem o lê ou
ouve. É sobre esse prisma que Rojo & Barbosa (2015) afirmam que “nenhuma
escolha é inocente” (p. 92). Seria, por exemplo, como comparar duas publicações de
jornais distintos que veiculam um protesto de professores. Enquanto o jornal 1
publica que “professores invadem a praça”, no qual o verbo deixaria subentendido,
entre outras inferências, atos de violência, vandalismo e oposição ao protesto; o
jornal 2 publica “professores ocupam a praça”, denotando apoio a classe. A mera
escolha/troca de verbos apontaria a posições tomadas pelos veículos frente a tal
manifestação.
De acordo com Costa (2013), uma análise entre gênero e estilo pode ser
elaborada em três níveis. Segunda ela, é possível que se verifique:
a) Dimensão social do estilo (estilo de gênero): a associação estável entre determinadas formas linguísticas e os gêneros é resultado de uma elaboração histórica social.
27
b) O estilo é abordado em uma dimensão individual que corresponde às escolhas linguísticas de enunciador, em um contexto particular tendo em vista a obtenção de um efeito de sentido. c) Elaborada a partir de um agrupamento de textos, efetivamente produzidos em condições sócio-históricas determinadas, tendo em vista identificar o estilo de um autor, de uma época [...] (p. 156)
Dessa maneira, as questões de análises estilísticas podem ser feitas de
maneira que abarque as possibilidades permitidas pelo gênero em questão, a
individualidade do enunciador dentro de um contexto sócio-histórico e uma
comparação entre textos produzidos pelo mesmo autor em determinado período.
Sobre a composição, Fiorin (2016) afirma ser “o modo de organizar o texto e
estruturá-lo” (p. 69), são as características composicionais particulares de cada
gênero; tomando como exemplo as cartas, é possível perceber que elas trazem
elementos estruturais recorrentes, como local e data, vocativo, corpo do texto,
despedida e assinatura. Adam (2011) trata esses elementos como fazendo parte de
um esquema retórico que apresenta certa recorrência. Desse esquema, o autor
chega a conceitos importantes relativos a um plano composicional em sequências e
plano de texto, discutidos no próximo tópico.
1.1.2 Os elementos constitutivos dos gêneros do discurso na visão de Adam
Nessa pesquisa, será adotada, como ponto de partida, a visão apresentada
por Adam (2011; 2017) que traz dois níveis de análise (discursiva e textual) como
possibilidade analítica para os gêneros. Nesse sentido, defende-se um tipo de
aplicação a) discursiva, espaço onde circula os gêneros e b) textual, espaço onde
se encontra os formatos materializados (textos) e em que se situa o tema, o estilo, e
a forma de composição. Na edição de 2017 da obra Les textes types et prototypes, o
autor apresenta um esquema, em que é possível visualizar alguns dos aspectos
relativos aos gêneros na perspectiva de Bakhtin (tema, estilo e forma de
composição), conforme segue com tradução de Catelão & Cavalcante (sd):
28
Esquema 1. Catelão & Cavalcante, sd baseados em Adam (2017, p.38)
É possível perceber, por meio do esquema, o elo entre discurso (e suas
relações de interação sociocomunicativa) e sua materialização sob o formato de
texto e suas implicações de estilo (textura), estrutura composicional, semântica
(tema), polifonia e intencionalidades. Diversas são, portanto as especificidades dos
(e de cada um dos) gêneros, uma vez que a interação humana se dá por meio deles,
de certa forma, eles funcionam como engrenagens no/do ato comunicativo.
Elementos como contexto de produção e recepção, autoria e estilística, relação
entre os interlocutores, suporte, elemento disparador (motivações), temática e
objetivos já foram discutidos por diversos pesquisadores e se fazem relevantes para
a caracterização e melhor compreensão/entendimento/uso dos gêneros discursivos.
Todos esses elementos são importantes ao se analisar produções/recepções de
gêneros, seus usos e determinação de suas escolhas, para tanto, um breve
delineamento no que concerne ao tema, estilo e composição se faz necessário, pois
tais elementos são indissociáveis e essenciais na composição dos gêneros.
O tema do gênero funcionaria como um catalisador que filtra, repele e
seleciona os assuntos abordados em um texto em detrimento a outros. É o elemento
que dá as diretrizes para que o estilo e a composição do gênero se configurem, pois,
nas palavras de Rojo & Barbosa (2015) “um texto é todo construído (composto e
estilizado) para fazer ecoar o tema” (p.87).
29
Rojo & Barbosa (2015) afirmam que é por meio do tema que circulam a(s)
ideologia(s), pois, ele está relacionado aos juízos de valores/significações que são
dados (adquiridos, acumulados e propagados) a determinadas palavras,
proposições e enunciados em diversos contextos sócio-histórico comunicativos.
Outra característica a respeito do tema é, de acordo com Bakhtin (1997), que
ele estará dentro dos limites de um “intuito definido pelo autor” (p. 300), ou seja, o
querer dizer do enunciador determinando todas as suas escolhas, sua amplitude e
suas balizas que são pilares para as análises dos enunciados.
Há de se compreender, portanto, que o tema se determina não apenas pela
composição linguística (sintática, lexical e morfológica) do enunciado, mas também
pelos entornos situacionais (verbais e não verbais) do enunciado. Nas palavras de
Volochinov e Bakhtin (1981) “somente a enunciação tomada em toda a sua
amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema” (p. 133).
Uma máxima bastante conhecida e discutida por diversos pesquisadores é a
de que não existem discursos neutros ou que não é possível um apagamento do
posicionamento de seu enunciador. Todo falante ao produzir seu enunciado o faz
imprimindo (consciente ou inconscientemente) suas opiniões, valores e impressões
sobre o tema em questão.
No que tange aos conceitos de estilo, defende-se que eles se pautem sobre
não o que o enunciador diz, mas a maneira como ele o faz, ou seja, sua escolha
dentro de um leque linguístico de possibilidades utilizado por ele para construir seu
enunciado a maneira que atinja suas intenções.
Fiorin (2008), pautado nas teorias da Semiótica francesa e da Análise do
Discurso da linha francesa, elenca alguns aspectos relevantes para que se assimile
o estilo do enunciador e desenvolva uma análise estilística de um enunciado.
Segundo ele:
é preciso levar em conta, principalmente, os seguintes aspectos: a) o estilo é recorrência; b) é um fato diferencial; c) produz um efeito de sentido de individualidade; d) configura um ethos do enunciador, ou seja, uma imagem dele; e) é heterogêneo. (p. 154)
Observando-se tais particularidades, é possível compreender, por exemplo,
as intencionalidades que perpassam o discurso do enunciador, bem como a
projeção que ele faz de si por meio de seu dito e também questionar/analisar suas
escolhas linguísticas em detrimento a outras possíveis.
30
Muitas são as perspectivas que abordam as questões de sujeito e
subjetividade no discurso. Pautando-se nos dizeres de Marcuschi (2008), o sujeito:
é aquele que ocupa um lugar no discurso e que se determina na relação com o outro. [...] Em suma, pode se dizer que o sujeito não é um assujeitado nem totalmente individual e consciente, mas produto de uma clivagem da relação entre linguagem e história. (p. 70)
Pode-se afirmar, portanto que os enunciados produzidos são reflexos de um
contexto e posicionamento histórico, social e político, impregnado de subjetividade,
opinião e escolhas lexicais que influenciam na interpretação e na leitura que o
interlocutor irá fazer do texto produzido e do seu interlocutor. Também há uma
relação direta entre o que se produz e para quem. Por mais que se tente apagar
marcas de pessoalidade dos enunciados, elas sempre estarão presentes pelas
simples escolhas do vocabulário e estrutura textual. Sempre é possível perceber “o
dito que não foi dito pelo dito”, ou seja, fazer inferências dos pressupostos e
subentendidos e analisar o texto como um todo que emite sempre determinado
posicionamento de seu enunciador criando uma imagem dele e projetado para seu
interlocutor.
Por serem os gêneros discursivos pertencentes a determinados domínios
discursivos (ou preferencialmente circular em domínios pré-determinados) a
estilística do texto está intrinsecamente ligada ao seu domínio, sobretudo, ao seu
interlocutor e às peculiaridades do gênero utilizado.
É fato que a linguagem é utilizada de diferentes modos, em diferentes
contextos para diferentes fins. Sabendo que a comunicação verbal é organizada por
meio de gêneros discursivos, é de se esperar que cada gênero traga consigo uma
carga estilística própria tanto no quesito (in)formalidade, mas também com relação
ao léxico e estrutura. Para tanto, há a diferença entre estilo de gênero e estilo
individual, no qual este seria a subjetividade do enunciador e sua imagem
propagada permitida em alguns gêneros do discurso, e aquele uma maneira pré-
formatada de manusear determinado gênero do discurso, que, em alguns casos, não
se abre para o estilo individual do enunciador, como em documentos oficiais e bulas
de remédio, por exemplo.
Sobre a questão do estilo, Bakhtin (1997) afirma:
O estilo está indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas típicas de enunciados, isto é, aos gêneros do discurso. O enunciado - oral e escrito, primário e secundário, em qualquer esfera da
31
comunicação verbal - é individual, e por isso pode refletir a individualidade de quem fala (ou escreve). Em outras palavras, possui um estilo individual. Mas nem todos os gêneros são igualmente aptos para refletir a individualidade na língua do enunciado, ou seja, nem todos são propícios ao estilo individual.[...] O estilo é indissociavelmente vinculado a unidades temáticas determinadas e, o que é particularmente importante, a unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o interlocutor, com o discurso do outro, etc) O estilo entra como elemento na unidade de gênero de um enunciado. (p. 283-284)
O estilo permeia, portanto, as escolhas feitas pelo emissor na composição de
seu enunciado, mas leva em conta também o ambiente sócio/histórico discursivo e
principalmente seus interlocutores. Desse modo, a linguagem/estilo se adéqua aos
mais variados contextos para as diversas finalidades. Koch (2012) defende tal ponto
de vista quando salienta que:
toda ação linguageira implica diferentes capacidades da parte do sujeito de adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação, de mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e de dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursiva) (p. 62)
É possível inferir, à vista disso, que as ações de linguagem exigem um
manuseio fino da língua e atenção a fatores não só intratextos, como estrutura e
nível de autoria, mas também extratextos, principalmente ao que compete ao
contexto, interlocutor, tema e objetivos de determinada ação comunicativa.
No esquema analítico de Adam (2017), a forma de composição representaria
o espaço onde estão situadas as sequências e os planos de textos, temas que serão
descritos mais à frente, segundo uma apresentação de regime composicional que
pode ser fixada como uma possibilidade de aplicação no espaço escolar. Os
(proto)tipos sequenciais podem ser de cunho narrativo, descritivo, argumentativo,
explicativo e dialogal e estão presentes como macroestruturas na constituição dos
gêneros. Todos os gêneros discursivos possuem sequências que estão presentes
concomitantemente no interior de cada gênero, formando seu plano de texto. Como
já observou Marcuschi (2005) “os gêneros são uma espécie de armadura
comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem ser
bastante heterogêneas, mas relacionadas entre si” (p. 26).
Adam (2011) traça um ponto de vista de análise de discurso e composição
textual pautada em um: jogo complexo das determinações textuais
32
“ascendentes” (da direita para a esquerda), que regem os encadeamentos de
proposições no sistema que constitui a unidade TEXTO – objeto da linguística
textual –, e as regulações “descendentes”(da esquerda para a direita) que as
situações de interação nos lugares sociais, nas línguas e nos gêneros dados
impõem aos enunciados – objeto da análise de discurso. (p. 44, grifos do autor)
Segundo ele, há uma ligação intrínseca entre os enunciados construídos e a
situação sócio-comunicativa, bem como o gênero utilizado. Ele exemplifica tal
relação no seguinte esquema que pressupõe uma análise textual dos discursos:
Esquema 2. Adam (2011), p. 43.
No nível de análise textual, os textos trazem em sua composição sequências
textuais (descritiva, narrativa, argumentativa, expositiva e dialogal) que, no mais alto
nível, tendo em vista possíveis uniões de sequências, receberão a designação plano
de texto.
De acordo com Adam (2011), os planos de texto são de extrema relevância
para a composição macrotextual do sentido. Eles podem ser do tipo convencional ou
fixo, ou seja, “fixados pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de discurso”
(p. 258) ou ocasional “inesperado, deslocado em relação a um gênero ou subgênero
de discurso” (p. 258), ou seja, são planos pré-formatados ou não. O autor ainda
afirma que os planos de textos “permitem construir (na produção) e reconstruir (na
leitura ou na escrita) a organização global de um texto, prescrita por um gênero.” (p.
258). Em outras palavras, por meio dos planos de texto é possível construir/inferir
sentidos aos textos e percebê-los segundo as sequências prototípicas que os
compõem, uma vez que os planos de textos são compostos por elas.
33
Sobre as sequências, Adam (2011) as trata como “unidades textuais
complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-
enunciados: as macroproposições” (p. 205) sendo estruturas relacionais/hierárquicas
e autônomas com relativa organização interna. Para ele, são dessas diferentes
combinações que se formam as sequências, descritivas, narrativas, argumentativas,
explicativas e dialogais. Tais sequências estão presentes na composição de todos
os gêneros discursivos – muitas vezes, mais que uma concomitantemente – todavia,
uma delas parece ser dominante no gênero, ao se observar/analisar o seu plano de
texto.
No que se refere ao ensino, reconhecer o plano de dominância sequencial
representa, sob a perspectiva deste trabalho, uma oportunidade de visualizar
aspectos mais internos aos textos e que direcionam em um plano discursivo outros
aspectos concernentes aos gêneros. Falar em sequências permitiu traçar novas
considerações sobre as questões envolvendo os gêneros, reorganizando as formas
de observar o texto. Essa temática será tratada como forma de contribuição à
pesquisa aqui desenvolvida.
A teoria das sequências aparece em obra publicada em 1992 por Jean-Michel
Adam. Ele tinha por objetivo contestar a existência de uma numerosa organização
dos textos em tipos textuais, simplificando a ordem composicional em cinco
sequências base. A repercussão da teoria das sequências foi tão grande que
suscitou recentemente uma nova edição (4ª/2017) da obra em que o autor visa
desfazer o que chama de ambiguidades presentes em edições anteriores. Adiante,
serão descritas as cinco sequências bases, principalmente, como forma de
entendimento do intricamento existente entre sequências, plano de texto e gêneros.
Para tratar das sequências descritivas, Adam (2011), apoiado na teoria de
Svetlana Vogeler (1992), distingue dois tipos de descrever: o perceptual, no qual o
descritor faz uso dos cinco sentidos sensoriais para criar uma imagem virtual do
descrito para o leitor, e o epistêmico, no qual o descritor se vale de suas memórias
ou lembranças para produzir sua descrição.
Segundo Adam (2011) as sequências descritivas são “de frágil caracterização
sequencial e na atualidade pulverizada em subcategorias” (p. 216) de pessoas,
coisas e lugares, tempo e animais e plantas. Sobre as técnicas para as produzir, o
autor destaca:
34
A montagem em paralelo (descrições consecutivas ou alternadas,
baseadas na semelhança ou na oposição) é uma das técnicas recomendadas, juntamente com a hipotipose (exposição vívida do objeto,
tornado presente e vivo pelo trabalho estilístico do orador ou do escritor) e o quadro (contextualização, agrupamento em torno de um motivo ou
personagem principal). (p. 217 – grifos do autor)
O autor destaca quatro macrooperações que se dividem em nove operações
descritivas. Tem-se, assim:
I – Operações de tematização
Chamada por Adam (2011) de macrooperação principal, ela é a que constitui
uma unidade descritiva a determinado fragmento de texto. Pode ser desmembradas
em três formas:
a) Pré-tematização ou ancoragem: abre um período descritivo.
b) Pós-tematização ou ancoragem inferida: apresenta uma sequência descritiva no
meio ou no fim de um período.
c) Retematização ou reformulação: aparece no entremeio de um período descritivo,
depois que tal objeto é mencionado e antes que seja retomado.
II – Operações por aspectualização
Tal operação realiza-se de duas maneiras:
a) Fragmentação ou partição: apenas partes do objeto a ser descrito é selecionado
na ação descritora.
b) Qualificação ou atribuição de propriedades: realizada pela adjetivação ou pela
predicação, aqui também são selecionadas partes pela operação de fragmentação
as quais são evidenciadas e/ou enaltecidas.
III – Operações de relação
Também subdivida em duas:
a) Relação de contiguidade: são selecionados elementos temporais ou espaciais
para ser o centro do descrito.
b) Relação de analogia: essencialmente comparativo ou metafórico, tal
procedimento permite construir relações entre o descrito com outros elementos.
IV – Operações de expansão ou subtematização
35
Caracteriza-se por pela soma de qualquer outras das operações anteriores
combinadas ou não.
Adam (2011) ainda ratifica a importância dos conectores discursivos para a
construção das sequências descritivas e ressalta a importância de seus planos de
texto para a leitura e interpretação de tais sequências. É possível perceber, contudo,
que apesar das sequências descritivas serem fragmentadas e de difícil
caracterização, elas possuem determinadas singularidades que se fazem presentes
e precisam ser consideradas no ato de produção e, principalmente, nas análises dos
gêneros discursivos nos quais elas se mostram dominantes em seus planos de
texto.
Com relação às sequências narrativas, Adam (2011) afirma que elas podem
ser consideradas como “exposição de ‘fatos’ reais ou imaginários” (p. 225) e que se
dividem em “realidades distintas” sendo elas eventos e ações. Para essa última, o
autor entende como caracterizada pelo aparecimento de um agente que “provoca ou
tenta evitar uma mudança” (p. 225); e para o evento aquele que se realiza “sob o
efeito de causas, sem a intervenção de um agente” (p.225).
Adam (2011) defende a ideia de graus de narrativização, diferenciando-os em
altos e baixos. Esses são compostos por sequências meramente enumerativas de
ações ou eventos e aqueles quando apresentam determinada estruturação
hierárquica composta por cinco “macroproposições de narrativas de base (Pn)” que
ele as define como: “antes do processo (m1), o início do processo (m2), o curso do
processo (m3), o fim do processo (m4) e depois do processo (m5) (p. 225). Desta
forma, as sequências narrativas dos planos de texto dos gêneros cuja tal “tipologia”
seja a dominante podem variar de acordo com sua composição tornando tais
sequências com grau maior ou menor de narrativização.
O autor também destaca a presença de elementos em narrativas orais,
teatrais ou de encaixes de sequências narrativas, são eles as Entradas-prefácios ou
Resumos (Pn0) presentes nas aberturas de tais sequências e Avaliação final (PnΩ)
– ou Moralidade, como ele próprio destaca, nos casos das fábulas – usados para
seu encerramento. Segundo o autor, “tais proposições garantem a entrada e saída
do mundo da narração” (p. 229).
Diversos são os teóricos que teceram esquemas para elucidar os
momentos/elementos das narrativas, no entanto, ao tratar das sequências que
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compõem um plano de texto predominantemente narrativo, Adam (2011) desenvolve
o seguinte esquema:
Com tal esquema é possível perceber o movimento que acontece no interior
de um plano de texto narrativo, e, principalmente, os protótipos de sequências que o
compõem. É válido ressaltar que tal estrutura refere-se a textos com alto grau de
narrativização e contam com elementos que em tal esquema não foram previstos
como narrador (a voz que está contanto), personagens (os envolvidos) e cenário
(composto de elementos temporais e espaciais). É possível, todavia, compreender a
ausência de tais componentes, uma vez que Adam (2011) trata das sequências que
compõem um todo narrativo e não de traços da narração que conferem mais ou
menos narratividade (relacionada na maioria das vezes a tramas ficcionais) ao um
texto.
Adam (2011) chama de “embrião da sequência argumentativa” (p. 236) o
seguinte modelo: um enunciador contesta em seu dito uma tese anterior – presente
no seu enunciado – e as conclusões a serem tiradas levam a conclusão que foi dada
de início (p. 236). Dessa forma, uma sequência argumentativa é, pois formada por
premissas (dados e/ou fatos) aparentemente não contestáveis pelo interlocutor, uma
vez que o enunciador a suporta com argumentos/provas tidos como irrefutáveis. O
Trama narrativa
Entrada – prefácio Encerramento ou ou Resumo Pn0 Avaliação final (Moralidade) PnΩ
Sequência
Sequência inicial Sequência final (Orientação) Pn1 Pn5
Nó Desenlace (Desencadeador) (Resolução) Pn2 Pn4
Re-ação ou Avaliação Pn3
Esquema 3. Adam (2011), p. 229.
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autor chama tais movimentos de “demonstrar-justificar uma tese e refutar uma tese
ou certos argumentos de uma tese adversa” (p. 233).
Apoiado no conceito de Moeschler (1985), Adam (2011) entende o discurso
argumentativo situado na relação de um contradiscurso eletivo ou virtual, para tanto
ela não pode ser dissociada da polêmica, que não deve ser entendida apenas como
desacordo, mas como se ter contra-argumentos. (p. 47). O autor desenvolve então
um esquema que revela os movimentos das encadeações das sequências
argumentativas em um plano de texto dissertativo.
Esquema 4. Adam (2011), p. 234.
Neste esquema, o autor afirma existir dois níveis de enunciação: o
justificativo, que segundo ele “o interlocutor é pouco levado em conta e a estratégia
argumentativa é dominada pelos conhecimentos conhecidos” (p. 234), e o dialógico
ou contra-argumentativo, no qual “a argumentação é negociada com o contra-
argumentador (auditório) real ou potencial e a estratégia argumentativa visa a uma
transformação dos conhecimentos” (p. 234).
Em suma, é possível dizer que as sequências argumentativas são
encadeamentos de premissas irrefutáveis, sendo o corpo do texto formado pela
introdução de uma tese/ideia/argumento seguida pela defesa do exposto
anteriormente para ser finalizada em uma conclusão lógica e irrefutável. Para tanto,
o enunciador se vale de proposições e conectores argumentativos de causa-
consequência, contrastes, justificativas, explicativos e conclusivos para tornar seu
escrito um todo coeso, coerente e, aparentemente, incontestável que valoriza ou não
os contra-argumentos de seu interlocutor potencial ou virtual.
Sobre as sequências expositivas, Adam (2011, p. 238 – 242) afirma que elas
aparecem em “segmentos curtos”. O autor explora algumas construções específicas
de tais sequências, destacando o uso de conectores como SE, que introduzem
proposições de problemas, É QUE OU É PORQUE, que iniciam explicações e EIS
Tese Dados Conclusão (C) Anterior + Fatos Portanto, provavelmente (nova) tese Sustentação A menos que (Princípios Base) Restrição
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POR QUE e É POR ISSO QUE apresentando proposições conclusivas. Ele distingue
sdois movimentos textuais explicativos de base:
a) Movimento à direita: que se abre por um conector explicativo para depois
desencadear um fechamento;
b) Movimento à esquerda: considera, de maneira retrospectiva, uma parcela anterior
do texto como explicativa.
Em outras palavras, as sequências explicativas podem ser introduzidas ou
não por conectores e vir antes ou depois do elemento/problema a ser
elucidado/abordado terminando em um “consenso sobre fatos observados e sobre a
causalidade que os relaciona” (ADAM, 2011, p. 243).
Ainda segundo o autor, tais sequências aparecem entre os objetivos de
partilhar crenças ou conhecimentos e (como último objetivo) os de convencer a fazer
agir. Apoiado na teoria de Grize (1990), ele ressalta construções explicativas
iniciadas pelo operador POR QUE(?) que conduz a uma estruturação do problema,
cuja explicação é/pode ser introduzida pelo operador PORQUE. Adam (2011, p. 245)
menciona uma esquematização semelhante nos estudos de Gülch (1990). Chamada
de sequências conversacionais explicativas. Elas são adquiridas pelas crianças a
partir dos dez e/ou onze anos e se desenvolvem em três fases:
a) Fase 1: constituição do objeto a ser explicado.
b) Fase 2: núcleo explicativo.
c) Fase 3: ratificação/sanção da explicação e fechamento da sequência.
Para elucidar a estruturação das sequências explicativas, Adam (2011)
elabora o seguinte esquema:
Esquema 5. Adam (2011), p. 234.
É possível perceber pelo esquema, portanto, que as sequências explicativas
são introduzidas de uma situação inicial geradora de um problema, seguindo então
uma explicação (resposta) para ser finalizada em uma ratificação ou avaliação
consensual relacionado às causas da situação problema inicial.
P. explicativa 0 Esquematização inicial Sequência Por que p? P. explicativa 1 Problema (questão) explicativa Porque q P. explicativa 2 Explicação (resposta) P. explicativa 3 Ratificação-avaliação
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Com relação às sequencias dialogais, Adam (2011, p. 248) explicita que
existem diferenças nas condições de enunciação orais e escritas, não podendo
estas ser confundidas com autêntica oralidade. O autor cita Goffman (1987) que
afirma ocorrer uma “transmutação da conversação”, que, para ele, aparenta um jogo
de pingue-pongue no qual os interlocutores são posicionados acertadamente nos
turnos de fala, o que pode ser reconhecido, segundo Adam (2011), em gêneros
discursivos cuja sequência predominante é a dialogal, como a entrevista, na qual
são transcritas as perguntas do entrevistador e as respostas do entrevistado.
Situado nos dizeres de Goffman (1987), o autor esclarece que a enunciações
não ocorrem em parágrafos, mas por turnos de fala que são naturalmente
emparelhados, sob do que Goffman (1987) chama de “intercâmbios bipartidos”.
Esses, por sua vez, estão conectados uns aos outros em sequências instituídas por
determinado tema formando assim o todo da conversação. Uma concepção,
portanto, interacionista, na qual é necessária a participação ativa dos interlocutores
envolvidos (em um jogo de declarações, réplicas, tréplicas, questionamentos,
respostas, explicações e avaliações) implicando, assim, na tomada dos turnos de
fala (intercâmbio verbal), sendo este o habitat coletivo natural das palavras
pronunciadas.
Adam (2011) ressalta ainda que “um texto dialogal é enquadrado por
sequências fáticas de abertura e fechamento” (p. 250). Para elucidar o
funcionamento das sequências dialogais, o autor desenvolve o seguinte esquema:
Esquema 6. Adam (2011), p. 250.
A sequência dialogal, portanto segue a estrutura fática de abertura e
fechamento do canal de comunicação, sendo permeada por perguntas, respostas e
avaliações, ou seja, por turnos de fala (intercâmbios bipartidos) formando o todo
conversacional.
Sequências fáticas
Intercâmbio Sequência transacional Intercâmbio de abertura de fechamento Pergunta Resposta Avaliação
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Sabendo, pois que todos os gêneros discursivos são compostos por
sequências (descritivas, narrativas, argumentativas, explicativas e dialogais, sendo
uma delas dominante no corpo do texto), um levantamento das especificidades de
cada uma delas se fez necessário para que se compreenda melhor a composição
dos gêneros presentes nesta pesquisa.
Pelo discutido anteriormente, compreender que a composição dos gêneros do
discurso se dá por meio de sequências que formam o todo de seu plano de texto é
de extrema relevância para o aluno ao produzir, ler e, principalmente, interpretar um
gênero e suas particularidades. O que aqui será proposto é uma análise da
dominância sequencial presente nas composições textuais dos alunos, que fizeram
parte do projeto apresentado nessa pesquisa, como formadoras dos planos de texto
e a relação com o evento deflagrador do texto e sua temática, estilo e composição.
O foco das análises perpassa também sobre a maneira como os alunos interpretam
as propostas indicadas, seu estilo de escrita, a imagem que eles propagam de si por
meio de seus escritos, e principalmente, como a solução dessas situações
interpretativas e de composição textual são fomentos para o desenvolvimento do
pensamento criativo (aqui entendido como tecnológico, a ser explicitado à frente).
Para tanto, a base das análises será pautada nos próprios textos produzidos pelo
alunado em seus aspectos textuais e discursivos, que se resguarda de análises
psicológicas mais aprofundadas, por não ser esse o norte dessa pesquisa.
1.1.3. Suporte: a materialização dos gêneros discursivos
Um fator também relevante ao se tratar dos gêneros do discurso é a questão
de seu suporte, pois é por meio dele que os gêneros são materializados e
veiculados. Marcuschi (2008) faz uma colocação importante sobre suporte. Para ele:
entendemos aqui como suporte de um gênero um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto. Pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto.[...] A ideia central é que o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele. Mas ainda estão por ser discutidos a natureza e o alcance dessa interferência ou desse papel. Uma observação preliminar pode ser feita a respeito da importância do suporte. Ele é imprescindível para que o gênero circule na sociedade e deve ter alguma influência na natureza do gênero suportado. Mas isso não significa que o suporte determine o gênero e sim que o gênero exige um suporte especial [...] o suporte determina a distinção que o gênero recebe. (p. 174)
41
Em outras palavras, suporte é onde ocorre a materlialização do gênero
discursivo, corrobora para a construção de sentido e a intencionalidade. A sua
simples troca/escolha pode alterar os efeitos de sentido de um texto, bem como sua
funcionalidade. É válido ressaltar que os gêneros possuem preferências para serem
suportados, portanto há uma relação estrita e significativa entre eles.
Marcuschi (2008) tece uma diferença entre suportes convencionais e
incidentais, para ele, estes ”podem trazer textos, mas não são destinados a esse fim
de modo sistemático nem na atividade comunicativa regular” (p. 176) – é o caso do
corpo humano servir como suporte para “cartazes de protestos”, como o próprio
autor salienta, por exemplo – e aqueles são “típicos ou característicos, produzidos
para essa finalidade” (p. 176), como no caso de um livro de romance.
Ao tratar o livro como um suporte – e não como gênero – Marcuschi (2008)
salienta:
Trata-se de um suporte maleável, mas com formatos definidos pela própria condição em que se apresenta (capa, páginas, encadernação, etc.). O livro comporta os mais diferentes gêneros que se queira. Contudo, podemos ter um livro que ao mesmo tempo realiza apenas um gênero, como no caso do romance ou da tese de doutorado. (p. 178)
Tal definição se faz importante no sentido que o suporte livro será abordado
daqui para frente. Permitindo ele a veiculação de vários gêneros e tendo elementos
característicos como capa, páginas e encadernação, o projeto aqui relatado e
analisado será tratado como livro-portfólio, pois traz consigo traços prototípicos do
livro, embora seja uma produção individual, particular e intimista tendo cada aluno
produzido artesanalmente seu próprio exemplar, que, no entanto, pode ou não se
tornar público dependendo da vontade do aluno/autor.
Cada um dos livros-portfólios3 produzidos pelos alunos comporta os gêneros
abordados/produzidos durante a realização do projeto. No entanto, apesar de
comandos disparadores comuns, os alunos interpretaram as situações enunciativas
de modo particular – fruto de um ato criativo – resultando em produções que, apesar
de se tratarem de gêneros comuns muitas vezes com um plano pré-formatado, tais
3 Há também a possibilidade de se entender o livro-portfólio aqui discutido não apenas como suporte,
mas com um hipergênero, que, de acordo com Bonini (2003) são “suportes dos gêneros que são, ao mesmo tempo, gêneros que se compõem a partir de outros gêneros, como é o caso dos jornais, das revistas, de vários tipos de home-pages” (p. 210). Pretende-se abordar tal perspectiva em trabalhos posteriores, analisando tal concepção e suas influências para as produções.
42
escritos ganharam novos contornos e ressignificações nas produções,
consequentemente, livros-portfólios com características individuais e singulares de
cada aluno.
Encerradas as delimitações sobre gêneros, texto, sequências e planos de
texto, passa-se agora às implicações sobre a convergência entre uma abordagem
que une gêneros discursivos e o desenvolvimento do pensamento tecnológico – um
dos pressupostos de base dessa pesquisa. Noções sobre tecnologia(s),
multiletramentos, humanização e interdisciplinaridade também se fazem pertinentes,
uma vez que são fatores que envolvem a prática desenvolvida.
43
2 TRABALHO COM OS GÊNEROS E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
TECNOLÓGICO
Entendido aqui como base da materialização de toda e qualquer tecnologia, o
desenvolvimento do pensamento tecnológico pode ocorrer por meio de práticas de
produções textuais, uma vez que estas exigem raciocínio lógico, abstrato,
interpretativo e, especialmente nesta abordagem, imaginativo. Para que tais
conceitos sejam esclarecidos, este capítulo inicia com noções entre tecnologia e
poder; avança para perspectivas dos multiletramentos – essenciais para a escola
contemporânea; trata da relação entre o processo de ensino e aprendizagem e a
humanização dos alunos e finaliza com aspectos de interdisciplinaridade, previstos
no desenvolvimento dessa pesquisa.
Desde os primórdios das civilizações, o homem se viu cercado de tecnologias
por todos os lados, e novas tecnologias surgem na contemporaneidade a todo o
momento resultante do constante desenvolvimento digital, da (micro)eletrônica e das
telecomunicações (KENSKI, 2012) . Aprimorar o manejo com o meio tecnológico e
seu uso crítico e eficaz, faz-se essencial no preparo dos alunos de hoje que terão de
lidar de maneira eficiente com tais mecanismos no futuro em sua vida acadêmica e
profissional. A inquietação maior de professores e educadores, no entanto, é a de
como inserir a tecnologia em suas práticas escolares para contribuir para a formação
de alunos/cidadãos letrados nos moldes tecnológicos que o mundo contemporâneo
exige, uma vez que a tecnologia pode ser concebida não apenas como técnica ou
artefatos, mas como fator significativo nas relações de poder.
Kenski (2012) aborda a questão entre tecnologia e poder quando afirma que
“os vínculos entre conhecimento, poder e tecnologia estão presentes em todas as
épocas e em todos os tipos de relações sociais” (p. 15). A autora cita como exemplo,
a supremacia da raça humana na Idade da Pedra quando, por meio de astúcia e
engenhosidade, conseguiu dominar elementos da natureza; chegando até a época
da Guerra Fria, quando duas grandes potências mundiais impulsionaram a ciência e
a tecnologia de forma até então jamais vista na história da humanidade. Também
traça um paralelo entre muitas tecnologias que estão presentes no cotidiano, mas
que foram antes pensadas como artefatos de guerra, conquista do espaço, e
equipamentos militares.
44
O questionamento sobre a inserção da tecnologia em sala de aula é também
resolvido quando se tem em mente que não é a tecnologia (máquina) que precisa,
necessariamente, entrar no processo de ensino e aprendizagem e na rotina escolar;
e sim o pensamento tecnológico e criativo que precisa ser explorado para que assim
se instruam alunos para lidar com o mundo tecnológico, pois, ainda de acordo com
Kenski (2012):
O uso do raciocínio tem garantido ao homem um processo crescente de inovações. Os conhecimentos daí derivados quando colocados em prática dão origem a diferentes equipamentos, instrumentos, recursos, produtos, processos, ferramentas, enfim, a tecnologia. Desde o início dos tempos, o domínio de determinados tipos de tecnologias, assim como o domínio de determinadas informações, distinguem os seres humanos. (p. 15)
Dessa forma, torna-se necessário, no contexto contemporâneo de ensino,
desenvolver nos alunos o pensamento tecnológico que seria, de acordo com
Machado (2008) um pensamento abstrato, lógico e ágil – e que se pode incluir
criativo e interpretativo.
Sob tal ponto de vista, haja vista que o processo criativo é altamente
tecnológico (uma vez que é da criatividade dos homens que surgiram – e ainda
surgem – as mais variadas, úteis e mirabolantes tecnologias) e que a criatividade é
uma fonte abundante e inesgotável de recursos – pois, quanto mais se explora, mais
se tem – uma das maneiras de se desenvolver tal pensamento é sob a forma de
produção de gêneros do discurso, que envolve desde a interpretação de seu tema
disparador, a solução de problemas de composição do texto, e questões de estilo, o
que se dá por meio do uso da criatividade e conhecimento de mundo e linguístico.
Produzir textos no ambiente escolar é uma maneira de se desenvolver o
pensamento tecnológico/criativo. Nessas situações, o alunado precisa não só
interpretar as propostas de produção, mas construí-las nos limites do gênero
discursivo requisitado (adequado) para aquela situação sócio-comunicativa o que
envolve o reconhecimento (e uso) dos elementos composicionais para a formação
de seu plano de texto que está intrinsecamente ligado ao gênero em questão. A
criatividade é um fator onipresente em tal circunstância, pois compreende desde o
momento de interpretação à tecitura do texto e solução de problemas, como a
escolha do léxico, os caminhos que se dá para o escrito, o estilo de se escrever e a
imagem que se constrói de si por meio do discurso.
45
2.1 Multiletramentos e o desenvolvimento do pensamento tecnológico na sala
de aula: uma perspectiva para a escola contemporânea
De acordo com o GNL (Grupo de Nova Londres, ROJO, 2012) é encargo da
escola os novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea, bem como
envolver as novas TICs (tecnologias de informação e comunicação) e diversidade
cultural presentes na sala de aula. O alunado de hoje não é o mesmo da década
passada, uma vez que aquele dos anos de 1990 estava em um momento de
transição e presenciou gradativamente a entrada das novas tecnologias, como
computadores, celulares e até mesmo o controle remoto em suas vidas, tendo que
se adequar a essa nova realidade, enquanto este já nasce cercado desses artefatos
cada vez mais modernos, requerendo dele uma utilização consciente e eficiente que
ao mesmo tempo divide sua atenção e o inunda de informações e caminhos,
portanto, exigem/necessitam de (multi)letramentos para suas mais diversas formas
de usos.
Há uma diferença, de acordo com Rojo (2012), entre letramentos múltiplos e
multiletramentos. Para ela, estes são a “multiplicidade cultural das populações e a
multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa
e se comunica” (p. 13) e aqueles são a “multiplicidade e variedade das práticas
letradas” (p. 13). Ambos aqui entendidos de igual importância uma vez que agem
concomitantemente na construção dos letramentos dos alunos, no entanto, um está
ligado a uma amplitude cultural e de composição de textos e o outro na vasta gama
de meios para que se atinja com sucesso tal empreendimento do ato de letrar.
Ao tomar o caminho dos multiletramentos – apontados por Rojo (2012), do
qual a partir daqui será o alicerce dos postulados seguintes sobre tal tema – a autora
afirma que para que ele ocorra são, inicialmente, requeridas novas concepções de
ética e estética das quais ela trata destas como emergidas com critérios próprios na
qual cada indivíduo terá uma coleção de valores e conceitos próprios e singulares de
acordo com sua vivência, experiência e contato com o mundo; e aquelas, seja na
recepção, na produção ou design, baseiem-se nos letramentos críticos. Desta forma,
novos conceitos éticos e estéticos se fazem presentes na perspectiva dos
multiletramentos nos quais o respeito ao novo e diferente se faz necessário, bem
como o diálogo crítico/edificador na produção e recepção de textos. Em outras
46
palavras, abrir-se para novas perspectivas sem (pré)conceitos arraigados ou que
não sejam passíveis de discussão é a atual ordem.
Sob tais preceitos, Rojo (2012) explicita como funcionam os multiletramentos,
que, segundo a autora, abarcam tanto uma diversidade cultural de produção e
circulação dos textos quanto de linguagens que os constituem. Sobre as
diversidades de linguagens, ela afirma que:
a) eles são interativos, mais que isso, colaborativos; b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos – verbais ou não); c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas). (p. 23)
É, portanto, estabelecida uma nova dinâmica com relação ao elemento texto.
Eles (os textos) jamais foram tão interativos e construídos a muitas mãos, tampouco
híbridos e abstratos, capazes de se readequarem, tomar novas formas ou se
liquefazer ao bel-prazer do sujeito enunciador/interlocutor e de seus contextos de
produção e recepção. Muitos não cabem mais em caixas pré-estabelecidas com
características, normas e formatos que os identificam e caracterizam, pelo contrário,
eles se misturam, somam, subtraem-se, transformam-se, caem em desuso e,
sobretudo, são multimodais (utilizam diversas e variadas linguagens). Acerca da
multimodalidade, Dionísio (2007) expõe:
Em todas as situações comunicativas, usamos os nossos sistemas de conhecimentos para orquestrar, da forma mais harmônica possível, todos os recursos verbais (escritos ou orais) e os recursos visuais (estáticos ou dinâmicos) existentes nas interações comunicativas em que estamos inseridos. Assim, referimo-nos à multimodalidade discursiva como um traço constitutivo a todos os gêneros textuais escritos e orais. Consequentemente, recursos visuais e verbais precisam ser vistos como um todo, no processamento dos gêneros textuais. (p. 178)
É possível afirmar, por conseguinte, que todos os textos (sejam eles orais ou
escritos) são multimodais, uma vez que são compostos por diversas linguagens
igualmente importantes para a sua interpretação, inferências e na construção de
seus efeitos de sentido. Desde escolha do suporte (papel, rede social ou qualquer
outro meio real ou virtual) até a diagramação, gráficos, fotografias, cores contribuem
para a leitura e compreensão do texto atribuindo a ele características que lhe são
peculiares e precisam ser levadas em conta para seu entendimento e leitura
eficiente.
47
O GNL propõe então uma “pedagogia” dos multiletramentos. Para tanto, o
diagrama abaixo foi elaborado para ilustrar como seria seu funcionalismo:
Mapa dos multiletramentos
USUÁRIO FUNCIONAL
Competência técnica
Conhecimento prático
CRIADOR DE SENTIDOS
Entende como diferentes tipos de texto e de tecnologias operam
ANALISTA CRÍTICO
Entende que tudo o que é dito e estudado é fruto de seleção prévia
TRANSFORMADOR
Usa o que foi aprendido de novos modos
Diagrama 1. Adaptado de DECS & UniSa. 2006. In ROJO, 2012, p. 29
Entende-se, pelo diagrama, que é indispensável levar aos alunos um
conhecimento prático e funcional dos elementos/textos para que assim eles possam
reconfigurá-los em diferentes modos e usos sendo criadores de sentidos
competentes – fazendo uso do entendimento das multimodalidades que se
apresentem – bem como analistas críticos que conseguem ir além do posto, mas
que compreendem seus pressupostos, subentendidos e intencionalidades. Logo, é
fazer que os alunos manuseiem de maneira eficiente e crítica as multimodalidades
das linguagens que lhes são apresentadas em determinado texto – seja no contexto
de produção ou recepção.
É indissociável a visão dos multiletramentos sem a menção do
desenvolvimento do pensamento tecnológico na sala de aula – que já se faz
presente mesmo de maneira onipresente em tal contexto – que, de acordo com
Machado (2008), é um pensamento abstrato, lógico e ágil – e que se pode incluir
também criativo e interpretativo.
Os alunos de hoje precisam ser aprimorados para um futuro no qual eles
lidarão com pessoas, máquinas, sistemas, normas, causas e consequências e
precisarão ser autônomos, criativos, curiosos, solucionadores de problemas e ter
uma visão do todo – nova tendência do mercado de trabalho contrária do modelo
Taylorista e Fordista, no qual o funcionário era responsável por parte do processo e
48
o trabalho era setorizado. Deste modo, a exploração da criatividade, da curiosidade,
da motivação, da iniciativa, da interpretação, do pensamento lógico, ágil, abstrato o
enriquecimento intelectual e a humanização são fatores que devem ser trabalhados
e desenvolvidos no âmbito escolar. Todos os elementos acima citados fazem parte
do cabedal formador do pensamento tecnológico, tão necessário para os alunos que
enfrentarão um mercado de trabalho que, de acordo com Machado (2008) exige:
“[...] saber identificar tendências, limites, problemas, soluções e condições existentes, associar, discernir, analisar e julgar dados e informações, usando um raciocínio ágil, abstrato e lógico, saber lidar com situações diferenciadas, aproveitando conhecimentos extraídos e transferidos de outras experiências, demonstrando predisposição para o trabalho grupal, dispondo de recursos de comunicação oral, escrita, visual de forma a se mostrar com condições de mobilidade, flexibilidade e adaptação às mudanças [...] e saiba continuar aprendendo com autonomia. (p. 183 e 184).
Pessoas multifacetadas e com ampla visão do todo capazes de se adequar e
adaptar aos mais diversos ambientes. Esses são os requisitos, não só para um
mercado de trabalho no mundo (líquido) moderno, mas para a (sobre)vivência em tal
meio, e habilidades que são encargos da escola desenvolver em seus alunos. Os
multiletramentos, domínio das multimodalidades, do senso crítico, desenvolvimento
da criatividade, do pensamento ágil, lógico e abstrato (aqui chamado de
tecnológico), a capacidade de interpretação e suposição são alicerces para a
construção de cidadãos ativos e, sobretudo, engajados na sociedade moderna.
Essa pesquisa se alicerça nos multiletramentos na medida em que permite,
por meio da produção de gêneros discursivos, o desenvolvimento do pensamento
criativo/tecnológico – abordado anteriormente no que tange as interpretações das
propostas de produção, a solução de situações de escrita, a maneira como o texto é
formatado/configurado e a imagem por ele transmitida – o uso das multimodalidades
de construção do texto que o projeto possibilita – , configurando-se em uma prática
pedagógica significativa, reflexiva, crítica que valoriza a vivência, a experiência e a
expressão criativa dos alunos.
Pela escrita dos gêneros pré-estabelecidos, mas com a possibilidade de
múltiplas interpretações de seu escopo disparador (bem como de múltiplas
possibilidades de tecitura), é possível observar (como apontava o diagrama dos
multiletramentos desenvolvido pelo GNL) que o projeto exigia uma competência
técnica e funcional (conhecimento teórico e prático) dos gêneros solicitados (tema,
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composição e estilo), porém, a maneira como eles foram produzidos demandava
uma atitude transformadora, criativa e reflexiva. Para tanto, era também necessária
a consciência dos alunos como enunciadores, no sentido de solucionar os
problemas de escrita, que como já mencionado, abrangem desde a escolha do
léxico, passa pela construção das sequências que formam o plano de texto e
culminam na projeção de um eu discursivo por meio do escrito e o discernimento de
que seu texto é fruto de uma seleção prévia que projeta determinada imagem.
A hibridez dos gêneros também é algo pertinente ao projeto, uma vez que os
comandos para a produção do texto exigiam uma interpretação criativa e, por
conseguinte, uma desconstrução das características prototípicas dos gêneros.
Textos que possuem caráter dialógico foram reconfigurados e ganharam traços
intimistas, reflexivos e monólogos, por exemplo, que caberiam em outros gêneros do
discurso, mas que, propositalmente, foram solicitados sob outros formatos,
justamente para ativar a criatividade e desenvolver o pensamento tecnológico dos
alunos.
A multimodalidade é um fator presente e de extrema importância para a
interpretação dos textos produzidos. Ela perpassa desde o suporte em que o gênero
foi produzido, às referências extra textuais presentes nas produções, como
ilustrações, design, cores e elementos de referenciação que contribuem na
inferência de sentido do texto.
Dessa forma, a ressignificação de paradigmas, a possibilidade de novos
formatos, a valorização da experiência, da individualidade e de conceitos estéticos e
principalmente, o uso e desenvolvimento da criatividade e do pensamento
tecnológico se fizeram presentes na execução do projeto e estão estreitamente
alinhados as concepções dos multiletramentos.
2.2 O avançar dos alunos rumo à humanização
Ao contrário do que possa parecer, o desenvolvimento do pensamento
tecnológico/criativo no ambiente escolar está longe de meramente preparar os
alunos para sua adaptação no mundo e para fora dos muros da escola, e sim
desenvolver sua consciência de agente transformador humanizado.
Candido (1995, p. 180) entende como humanização:
50
[...] exercício da reflexão, aquisição do saber, a boa disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do
mundo e dos seres, o cultivo do humor.
Exercitar a reflexão e a aquisição do saber, colocar-se no lugar do outro,
poder expressar (e entender) suas emoções, compreender a complexidade do
mundo, dos seres, da vida e acurar o senso de beleza é o que se objetiva ao se
trabalhar sob o viés da humanização, aliados aos escrito de Paulo Freire que visa à
autonomia do aluno e uma educação mais humanizadora. Não é apenas
desenvolver nos alunos o pensamento criativo/tecnológico que tal projeto tinha o
intuito, mas avançar na direção de uma prática que também humaniza.
Sobre este ponto de vista, Freire (1969) quando trata do papel da educação
na humanização já afirmava ser o homem como um ser no mundo e com o mundo,
portanto, não só ele deve se adaptar ao seu meio, mas transformá-lo de maneira
crítica e reflexiva. Sobre uma educação humanista, ele afirma:
A concepção humanista e libertadora da educação, ao contrário, jamais dicotomiza o homem do mundo. Em lugar de negar, afirma e se baseia na realidade permanentemente mutável. Não só respeitam a vocação ontológica do homem de ser mais, como se encaminha para esse objetivo. Estimula a criatividade humana, Tem do saber uma visão crítica; sabe que todo o saber se encontra submetido a condicionamentos histórico-sociológicos. Sabe que não há saber sem a busca inquieta, sem a aventura do risco de criar. Reconhece que o homem se faz homem na medida em que, no processo de sua hominização até sua humanização, é capaz de admirar o mundo, É capaz de, despreendendo-se dele conservar-se nele e com ele; e, objetivando-o, transformá- 50u. Sabe que é precisamente porque pode admirar o mundo que o homem é um ser da práxis ou um ser que é práxis. Reconhece o homem como um ser histórico, Desmistifica a realidade, razão porque não teme a sua desocultação. Em lugar do homem- coisa adaptável, luta pelo homem-pessoa, transformador do mundo. Ama a vida, em seu devenir. É biófila e não necrófila. (p.05)
Na contramão, portanto, de uma “educação bancária” (FREIRE, 1969), que
tem o alunado com uma caixa vazia no qual os conhecimentos são depositados e
recebidos passivamente pelos alunos, uma educação que humaniza é inquietante,
questionadora, reflexiva, crítica, criativa e transformadora e toma os alunos como
seres vivos, reais que participam, modificam, interferem e, sobretudo, contribuem no
processo de ensino e aprendizagem, e no final, todos os envolvidos ganham e saem
transformados desse movimento.
Nessa concepção, os alunos são provocados a serem responsáveis pela
construção de seu saber, são colocados em situações que exigem soluções,
51
reflexões e criticidade; interagem não só com seus colegas, mas também com
aquele que está mediando o caminho do conhecimento e do aprender, são levados
a serem criativos, ativos e participativos e, portanto, se tornam agentes responsáveis
do sucesso do processo e transformadores do seu meio.
É neste prisma que aqui se defende uma prática que avança rumo a
humanização. Um projeto no qual os alunos não são encarados como caixas vazias
que precisam ser preenchidas de conhecimento, mas como agentes criativos que
são estimulados a resolver problemas de construção de escrita, a interpretar
comandos de forma criativa, a interagir com seus semelhantes, a exercitarem a
reflexão de se colocarem no mundo como seres sociais, históricos e políticos em um
determinado contexto de tempo e espaço, e assim, saírem transformados e mais
humanizados de tal prática.
2.3 A interdisciplinaridade a serviço de um conhecimento holístico
Promover práticas interdisciplinares no contexto escolar é sempre um grande
desafio para professores e alunos. Por parte dos docentes, é necessário um
planejamento conjunto e minuciosamente articulado entre todos os envolvidos,
levando em conta a relevância dos conteúdos abordados, o contexto que a turma
alvo está inserida e o modus operandi dessa atividade. Por sua vez, é indispensável
que os discentes tenham maior clareza que o trabalho está sendo feito de maneira
colaborativa e que culminará em uma prática mais significava, que visa à abordagem
de diferentes tópicos entrelaçando distintas disciplinas.
As abordagens interdisciplinares são validadas e enriquecedoras devido a
gama de possibilidades de aplicações que elas possibilitam e dos diálogos possíveis
promovidos por tais performances. Pensar em um contexto multi/interdisciplinar é
abrir-se para novas maneiras de manejar conteúdos de maneira inovadora,
interativa, e principalmente, relevante para os alunos.
Não se trata, no entanto, de aulas temáticas que cada professor irá
desmembrar especificidades de seu currículo programado e trabalhar de maneira
isolada sob a luz de um tema que perpassa cadeiras diversas. Trata-se, porém, de
uma relação estreita e um diálogo mais refinado entre disciplinas que abordam
elementos específicos de sua área, culminando em um trabalho conjunto com
52
denominador comum cujos resultados podem ser obtidos e analisados sob a ótica
das multimodalidades semióticas formadoras do discurso.
A sala de aula é essencialmente multimodal, nela o professor utiliza um
conjunto de modos para construir os significados: a fala, os gestos, a proxêmica, o
olhar etc. Entende-se por 52ultímodos a integração do discurso em diferentes modos
para representar os raciocínios e as explicações científicas. O termo múltiplas
representações é entendido como a prática de representar um mesmo conceito ou
processo científico de diferentes formas (PRAIN; WALDRIP, 2006).
Segundo Laburú e Silva (2011), ao provocar variados modos e formas
representacionais, é possível potencializar as possibilidades de apreensão mais
penetrante e extensa dos significados pretendidos, na proporção em que se
aperfeiçoa a ocorrência de ressonâncias de certas capacidades de maior
desenvoltura do aprendiz com representações que melhor lhe correspondam. Como
uso de procedimentos multimodais, torna-se possível controlar, discriminar, entender
e superar as recalcitrâncias ligadas à construção das unidades significantes próprias
a cada registro científico, auxiliando o aprendiz a construir um discurso coerente,
coordenado e integrado.
O ensino multimodal ou multirepresentacional pode se dar no meio
interdisciplinar, propondo assim situações que possam integrar os conceitos nas
mais diferentes esferas do saber. Todas essas contribuições podem ser
desenvolvidas e potencializadas em um trabalho interdisciplinar com a área do
conhecimento de Língua Portuguesa, por exemplo, tornando, dessa forma, o
processo ensino e aprendizagem muito mais relevante e global ao aluno.
Uma vez que o assunto que perpassa a interdisciplinaridade é o ambiente
escolar e suas multifacetas e multitarefas, é necessário reconhecer primeiro que a
escola é um ambiente plural e diverso. A efervescência de diversidades (sócio)
culturais, de discursos, pensamentos, opiniões e conteúdos faz da escola um
ambiente rico, multi e propício para a convergência de diálogos. Seja dito de
passagem, diálogo é a palavra de ordem ao tratar de interdisciplinaridade.
Mesclar, convergir, misturar, dialogar, os termos são muitos no tocante
interdisciplinar. De acordo com Thiesen (2008, p. 547) “as definições e conceitos
para tal termo ainda estão em construção”. No entanto, para ele, a literatura que
trata desse assunto é unânime ao se referir à finalidade da interdisciplinaridade
53
como “necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção
e socialização do conhecimento” (p. 545). Segundo o autor:
A ação interdisciplinar é contrária a qualquer homogeneização e/ou enquadramento conceitual. Faz-se necessário o desmantelamento das fronteiras artificiais do conhecimento. [...] possibilita o aprofundamento da compreensão entre teoria e prática, contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável e coloca escola e educadores diante de novos desafios tanto no plano ontológico quanto no plano epistemológico [...] Integrar o que foi dicotomizado, religar o que foi desconectado, problematizar o que foi dogmatizado, questionar o que foi imposto como verdade absoluta. (Thiesen, p. 550)
Em vista disso, não pode haver amarras em um projeto interdisciplinar. Os
professores envolvidos devem estar abertos às novas experiências, caminhos e
principalmente ao diálogo. Somente assim será possível que a efetivação do
trabalho aconteça de maneira eficaz e que a aprendizagem se torne uma
experiência significativa para alunos e professores envolvidos em processo de
ensino e aprendizagem no qual todos saem com uma bagagem de conhecimento
exponencialmente superior ao fim do processo.
Essa pesquisa também se pauta na interdisciplinaridade, pois além de ter
uma parte sido desenvolvida junto da disciplina de Química (na produção de papel
reciclado para a escritura do prólogo do livro-portfólio), também se propõe um
trabalho conjunto com o professor de Arte, no que se refere à produção do
autorretrato visual, às ilustrações e customizações do livro, bem como a confecção
da capa.
Para a próxima seção, é apresentada a metodologia que orientou o a
pesquisa, a origem do projeto, delimitações sobre os gêneros trabalhados, as
descrições do estágio de docência e desenvolvimento do projeto.
54
3 METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Neste capitulo é descrita a metodologia utilizada na pesquisa, bem como o
contexto no qual ela ocorreu e como são realizadas as análises dos dados obtidos.
São retomados os objetivos, justificativa e fatores disparadores para o
desenvolvimento desta prática. A elucidação de cada um dos gêneros discursivos (e
justificativa da escolha de cada um deles) e a relação entre contexto de produção e
recepção serão abordadas nesta seção. Por fim, relata-se o estágio de docência
bem como o cronograma de realização do projeto.
Este estudo apoia-se na noção de elaboração didática (HALTÉ, 2008), pois,
é entendida como “uma didática globalmente praxiológica, caracterizando-se, em
relação aos saberes, por uma metodologia implicacionista” (p. 22). Tal concepção,
ainda de acordo com o autor, pressupõe situar um projeto didático no qual seu
espaço privilegiado é o sistema didático. Em suma, o desenvolvimento de uma
prática dentro de sala de aula no qual há uma junção entre conhecimento científico,
prática social de referência e conhecimento especializado e geral.
Halté (2008) faz uso do termo happening (um acontecimento) para elucidar a
sala de aula, pois o contexto escolar realmente é dinâmico, vivo e interacional. No
entanto, ainda de acordo com o autor, não é porque um saber está disponível que
ele precisa ser ensinado, mas “porque tal projeto didático busca tal objetivo que tal
conceito teórico é eleito e transposto mais do que outro, em convergência com as
escolhas dos suportes, com os conhecimentos prévios, com as especialidades afins
etc.” (p. 23). É neste ponto que tal projeto de alicerça: na produção de um livro-
portfólio como instrumento de humanização e desenvolvimento do pensamento
tecnológico.
A pesquisa ocorreu no ano de 2016 em um colégio particular no município
de Arapongas, Paraná, em uma turma de 2ª série do Ensino Médio com nove
alunos, durante 23 aulas (primeiro semestre de 2016) da disciplina de Produção de
Texto, que é separada da disciplina de Língua Portuguesa, por isso, a flexibilidade e
possibilidade de aplicação do projeto. A escolha dessa turma se deu justamente por
ter alunos que em 2013 estavam confeccionando o livro Destrua este diário (2013)
além da turma ter concordado e mostrado interesse e entusiasmo em participar do
projeto desde 2013, quando ele ainda estava sendo esboçado. O número reduzido
de alunos (nove alunos) permitiu um acompanhamento individualizado com cada um
55
deles, bem como auxílio e suporte (tanto de sugestões e dicas, quanto no manuseio
de técnicas de scrapbook) nas produções dos elementos mais artesanais como a
confecção da capa e customização das páginas. Para a confecção dos livros-
portfólio, foram disponibilizados para os alunos folhas de vergê A4 creme, nas quais
eles escreveram as versões finais dos gêneros solicitados, bem como placas de
papel holler para a produção das capas e argolas para o fechamento dos livros.
Demais elementos de customização, tanto das capas quanto das folhas que
compunham o projeto, ficaram a critério de cada aluno, dando, o professor-
pesquisador, sugestões e dicas de quais materiais poderiam ser utilizados.
Destaca-se para o trabalho que o objetivo maior é desenvolver o produto
educacional, uma vez que se trata de um programa de mestrado profissional,
situando seus principais aspectos configuracionais e de base teórica, além de
descrever suas etapas de produção.
Por outro lado, seguindo por uma perspectiva mais linguística se fizeram
necessárias análises de algumas produções sob, principalmente, os postulados de
Marcuschi (2005); Silveira, Rohling e Rodrigues (2012) no que tange questões
envolvendo os gêneros e suas ressignificações por meio da interpretação do
comando disparador e produção textual. De forma complementar, aborda-se nessas
análises elementos relativos aos planos textuais estudados (sequencialidade e plano
de texto/pré-formatado) com base em Adam (2011; 2017). Por fim, nessa seção, são
discutidas questões de criatividade (materialização do pensamento tecnológico) e
avanço rumo à humanização por meio de indícios presentes nos textos produzidos.
A proposta do projeto era cada aluno confeccionar seu próprio livro-portfólio
com 12 gêneros discursivos pré-escolhidos e com comandos disparadores pré-
estabelecidos que deveriam ser interpretados de maneira criativa4, culminando em
produções textuais, reflexivas, intimistas, únicas e singulares, fruto do ato de
interpretação e escrita. As características, particularidades e especificidades dos
gêneros discursivos escolhidos foram trabalhadas previamente com os alunos5 para
que as produções respeitassem as peculiaridades dos gêneros trabalhados, 4 Há diversos estudos na literatura especializada que abordam o fator criatividade. Trata-se de um
tema difícil de mensurar por implicar inúmeras questões, variantes e perspectivas. O termo aqui será tratado pelo viés de Mouchird e Lubart (2002) que entendem por criatividade o conjunto de capacidades que permitem uma pessoa comportar-se de modos novos e adaptativos em determinados contextos. 5 A maioria dos gêneros discursivos presentes neste projeto já havia sido trabalhada nas séries
anteriores com essa turma específica. Tal fato é legitimado, pois o professor-pesquisador leciona as disciplinas de Língua Portuguesa e Produção de Texto para a turma alvo desde 2010.
56
justamente para uma possível ressignificação de seu estilo pré-formatado (ADAM,
2017) e abrindo-se para novas possibilidades de escrita dos gêneros no que
concerne aos elementos de tema, estilo e composição.
Tendo em mente o questionamento de como inserir as tecnologias em sala
de aula de maneira eficiente em uma prática significativa, buscou-se por meio de
uma prática de produções de textos investigar, principalmente, como alguns gêneros
do discurso ganham novos contornos e ressignificações pelas interpretações dos
comandos e sua escritura. Pontualmente, trazer a importância dos elementos de
construção do texto para a elaboração/produção do livro-portfólio e verificar como se
dá o processo criativo, o pensamento tecnológico e a humanização dos
alunos/autores por meio da execução do projeto.
A exploração da criatividade, da interpretação, da iniciativa, do pensamento
criativo, enriquecimento intelectual e humanização são fatores que necessitam ser
desenvolvidos no ambiente escolar sob a justificativa de que o alunado precisa ser
aprimorado para lidar com pessoas, máquinas, normas, sistemas, causas e
consequências e precisarão ser ainda mais autônomos, criativos, curiosos,
solucionadores de problemas e com uma visão do todo em seu futuro profissional. A
produção de um livro-portfólio não poderia, portanto, encontrar ambiente mais fértil
que as aulas de Produção de Texto no meio escolar em uma turma de 2ª série de
Ensino Médio que já se prepara para os desafios da vida adulta e de mercado de
trabalho.
3.1 Da inspiração do projeto à concretização da temática do livro-portfólio
A inspiração para a produção do livro-portfólio confeccionado pelos alunos da
2ª série do Ensino Médio (2016) para essa pesquisa é oriunda do livro Destrua este
diário (em inglês Wreck this journal: to create is to destroy) (2013) de Keri Smith. O
livro é em branco, porém com comandos/instruções em suas páginas que seu
portador deve obedecê-las e interpretá-las da maneira que preferir. A intenção é
justamente experimentar materiais, novas experiências e usar a criatividade para
compô-lo. Cada livro depende da imaginação e criatividade de seu dono, que acaba
por se tornar o autor da obra.
Percebendo a euforia dos alunos em adquirir e compor tal livro nessa época,
a ideia de uma adaptação para o contexto escolar para as aulas de Produção de
57
Texto e como um possível projeto de pesquisa para um programa de mestrado
começou a ganhar forma. Verificou-se que a adaptação do livro Destrua este diário
(2013) para as aulas de Produção de texto (e uma parte desenvolvida de maneira
interdisciplinar com a Química) seria uma forma de aprimorar o pensamento
tecnológico/criativo no contexto escolar, bem como a ressignificação na produção de
alguns gêneros do discurso, por meio das interpretações de seus comandos
disparadores, trabalhar elementos textuais de composição e também avançar rumo
à humanização dos alunos.
Para a elaboração dessa pesquisa, foram selecionados 12 gêneros
discursivos que os alunos deveriam produzir de acordo com temas disparadores pré-
determinados para a composição do livro-portfólio. Tais gêneros não foram
escolhidos de maneira aleatória. Todos trazem consigo (seja em sua composição,
ou traços de seus planos de texto, ou ainda na possibilidade de ressignificação dada
para a sua escrita) elementos que remetem à subjetividade (quando escrevem
poemas que os retratam), à reflexão (ao escreverem cartas para os que consideram
vilões e heróis), à criatividade (ao produzirem enigmas cujas soluções dizem muito
da imagem que eles fazem de si), à solução de problemas (quais informações
devem aparecer em um prólogo), às inferências e interpretação de seu comando (o
que dizer/como me dirigir ao meu eu do futuro por meio de uma carta), o que
possibilita além de um exercício significativo de escrita, o desenvolvimento do
pensamento tecnológico/criativo.
3.2 Escolha e delimitações dos gêneros
Os gêneros do discurso escolhidos para compor o livro-portfólio, como já
mencionado, não foram escolhidos de maneira aleatória. Buscam a reflexão,
subjetividade, a interpretação do comando disparador e um estilo de escrita,
permitindo a visualização de uma imagem de si como enunciador e também de
situar os interlocutores em um contexto sócio-histórico. Não bastava, contudo, a
mera produção eficiente de cada gênero no sentido de especificidades do estilo do
gênero; o grande diferencial das produções era interpretação dos comandos
disparadores que, somada a escrita do gênero proposto, fazia que as produções
ganhassem contornos intimistas, reflexivos e singulares.
58
Sobre os gêneros selecionados para a produção do livro, são eles: capa de
livro, ficha catalográfica, prólogo, autorretrato, poema, canção, carta pessoal, relato
autobiográfico, relato de viagem, notícia, adágio e enigma.6Todos os gêneros
escolhidos para compor o livro-portfólio possuem uma pré-determinada
especificidade, justamente para dar os contornos reflexivos, intimistas, situacionais e
de identidade para cada uma das produções. No que se refere a uma caracterização
dos gêneros selecionados, segundo os pressupostos (tema, estilo e forma de
composição), além de outros parâmetros relativos a princípios composicionais
(conforme apresenta ADAM, 2017), segue uma breve descrição de cada um deles,
para melhor entendimento de seus planos pré-formatados (quando cabe ao gênero)
e a justificativa de suas escolhas.
a) Capa de livro
De acordo com Carvalho (2008), a capa do livro é composta por três
elementos – capa ou painel frontal, lombada e contracapa – ligadas entre si, no
entanto, se designa por capa somente o painel frontal, que por sua vez será o objeto
de estudo desta seção. O surgimento de tal gênero está diretamente relacionado ao
livro, pois é uma parte constituinte desse objeto.
Ainda de acordo com a autora, não há um consenso ou hierarquização sobre
os elementos pertencentes a esse gênero, ela afirma que o mais recorrente é estar
presente o nome do autor, título do livro e nome da editora, todavia, devido a fatores
sociais, históricos e estéticos, é comum que sejam encontradas capas de livros
apenas com imagens que podem – ou não – conversar diretamente com o conteúdo
do livro, sendo uma estratégia para instigar a curiosidade do leitor.
O que é possível afirmar é que a capa inaugura o ato de leitura do livro. Ela
traz consigo conotações como portas de entrada da obra fazendo uma ligação direta
com o conteúdo o qual o leitor irá se deparar – podendo ser um marco de sedução,
incitação da curiosidade ou ainda de questionamento. Carvalho (2008) ao retratar tal
gênero, afirma:
Em suma, podemos considerar a capa não como devaneio estético ou produto de constrangimentos técnicos ou comerciais, mas como um sintoma de hábitos de literatura, que reflecte a interpretação do
6 Esta é a sequência de ordenamento na organização final do livro-portfólio, as produções dos
gêneros obedeceram a uma ordem diferente, logo à frente explicitada.
59
livro pelo capista e constrói relações com o texto. A leitura como parte integrante do processo de criação permite assegurar que a capa não se esgota num exercício gráfico e decorativo, mas numa mais-valia que se acrescenta à narrativa literária. A força visual da capa permite que, em alguns casos, se torne um símbolo visual do livro que representa. (p. 73)
A capa do livro é, portanto, muito mais do que apenas um elemento de
proteção ou de decoração. Ela é um exercício estético que remete diretamente a
obra a qual se liga, releituras de seu produtor e carregada de subjetividade. Um
gênero, que apesar de estar atrelado a um suporte maior (o livro) é carregado de
significações e merecedor de análise de seus efeitos de sentido, aspirações, e carga
semântica.
É possível perceber que o nível de autoria de tal gênero é elevado, portanto
essencial para a prática aqui abordada, visto que os alunos iriam construir suas
próprias capas de acordo com suas inspirações, aspirações e o que julgavam
pertinente para tal gênero; e o evento deflagrador, por sua vez, vai além do simples
ato de proteger os escritos do livro, mas para já na abertura do livro (capa)
demonstrar traços subjetivos e de autoria de cada aluno, tornando cada produção
ainda mais individual, singular, intimista e significativa.
Como se trata da composição de um livro-portfólio artesanal construído
inteiramente pelos alunos, a capa era um item essencial a ser produzido para o
projeto, pois ela é um elemento caracterizador de tal suporte e também traz consigo
uma carga semântica de possibilidade de interpretações denotando as inspirações e
aspirações dos alunos para a construção de tal gênero, dando dicas, logo nas portas
de entrada de cada livro, de uma imagem de cada um de seus autores que poderiam
(ou não) ser corroboradas conforme a leitura e interpretação dos demais gêneros
que compunham cada exemplar.
b) Ficha catalográfica
Presente nas publicações de livros e periódicos, a ficha catalográfica serve
com o registro de identidade de um escrito. Caracteriza-se por ter elementos fixos
como nome e sobrenome do autor, (ano de nascimento) nome da obra, editora
responsável pela veiculação, cidade e ano de publicação, número de páginas e
coleção. Tal gênero permite que uma busca por obra por meio de seu ISSN
60
(International Standard Serial Number) seja realizada e que ela possa ser
encontrada.
A ficha catalográfica é um gênero de estruturas fixas que permite a fácil
identificação de um escrito. É, justamente, por essa rigidez estrutural que facilita a
busca por obras, bem como sua referenciação.
Ao produzir esse gênero, mesmo que de forma simplificada, os alunos
criaram uma identidade para o seu material, dando nome ao livro-portfólio (escolhido
por eles mesmos), destacando seu lugar como autor e o ano de produção. A ficha
catalográfica, portanto, seria a identificação de cada um dos exemplares produzidos.
Seguindo uma estrutura fixa de composição e de estilo de gênero, a temática da
ficha catalográfica ficaria em torno de atribuir uma identidade ao livro, particular
também ao contexto de experiência do aluno.
c) Prólogo
De acordo com Valencia (2005), o gênero literário prólogo tem origem no
teatro grego sob a forma de diálogo ou monólogo e tem a função de esclarecer ao
público a temática da peça a ser apresentada. Ainda de acordo com o autor, esse
gênero cria uma atmosfera entre leitor e autor no qual este expõe o conteúdo
temático da obra a ser lida e é um veículo expressivo e com características próprias
que atendem às necessidades de introdução estabelecendo um contato com o futuro
leitor, no qual muitas vezes o autor do prólogo e do livro é a mesma pessoa.
Em outras palavras, o prólogo é um diálogo entre autor e leitor no qual este se
dirige diretamente àquele para explicitar o conteúdo que está por vir na leitura de
determinada obra.
Para esta pesquisa, optou-se pelo gênero prólogo, em detrimento a outros
gêneros com funções similares como o prefácio, por exemplo, justamente por esta
carga subjetiva, literária e dialogal que este gênero traz consigo.
Outra peculiaridade para as produções deste gênero foi uma parceira
interdisciplinar estabelecida com a professora de Química da turma, que juntamente
com o professor-pesquisador desenvolveram uma oficina de produção de papel
reciclável (duas aulas) na qual os alunos produziram os papéis que serviram de
base para a escrita dos prólogos. Os alunos assim confeccionaram os papéis
61
adicionando elementos como café, gliter, retalhos de tecidos, pétalas de flores e
folhas secas para dar contornos individuais às suas produções.
Essa parceria com a disciplina de Química (como parte de um projeto paralelo
do professor-pesquisador) justamente para a produção do gênero prólogo se justifica
para dar contornos ainda mais intimistas e singulares às produções deste gênero,
pois é o texto que abre o livro-portfólio, que como foi todo artesanalmente
confeccionado por cada aluno, produzir também uma folha de papel do livro é uma
forma de ratificar tais contornos individuais, além de proporcionar uma possível
leitura multimodal entre o conteúdo do gênero e seu suporte.
d) Autorretrato
O gênero autorretrato se faz presente há bastante tempo por meio da pintura
– como é o caso de grandes artistas que pintaram seu próprio retrato, como Van
Gogh e Pablo Picasso, por exemplo – e que hoje, permeia as redes sociais no cyber
espaço. Costa (2009) define esta nova estilística do gênero como “um misto de real
e ficcional, de referencial e verossímil, ou seja, uma espécie de autobiografia
“instável” em que há uma identidade entre autor, narrador e personagem, construída
numa linguagem plena de subterfúgios e modalizações” (p. 39) e, nos dias de hoje,
cada vez mais multimodal, pois há de se considerar o suporte para o qual ele foi
produzido, bem como suas intenções e referenciais.
Tal gênero tem a função de criar uma imagem de si, que pode corresponder
ou não com a realidade de acordo com as intencionalidades do autor. Ele pode ser
produzido seja para expor o “eu” em uma rede social, de namoro ou networking,
fazer novos amigos ou ainda pode ser construída em outros formatos como a pintura
e a fotografia. Um retrato de si é projetado para que o interlocutor crie uma imagem
virtual (idealizada pelo autor) do emissor. É válido ressaltar que, por estar
subordinada as intencionalidades do enunciador, essa imagem produzida pode não
ser verossímil e elaborada com a finalidade única de levar o interlocutor a acreditar
que o retratado corresponde a representação produzida.
Para a execução dessa parte do projeto, o gênero autorretrato foi
reconfigurado: ele foi produzido de forma não verbal e artística. Os alunos foram
solicitados a montar o seu autorretrato sob o viés da Pop Art, pois era um diálogo
com um dos assuntos estudados por eles na disciplina de Língua Portuguesa
62
durante o 2º Bimestre de 2016 e a aplicação de uma Web Quest sobre o assunto
que os instrumentalizava para saber mais sobre o assunto. O tema Pop Art
influenciou nas produções dos autorretratos artísticos, pois os alunos puderam expor
suas referências, inspirações e, sobretudo, expor uma imagem que eles tinham de si
que era transmitida por meio das referências por eles escolhidas ao montar seu
autorretrato. Há a possibilidade, nessa parte do projeto de uma parceria
interdisciplinar com a disciplina de Arte que pode indicar caminhos diferentes e
dialogar com outras formas de expressão artística para o desenvolvimento dessa
prática.
e) Poema
O gênero poema, muitas vezes, é confundido com poesia. No entanto há uma
distinção entre as duas terminologias. Brasil (1979) faz essa diferenciação, para ele:
Poema é o “objeto” poético, o texto onde a poesia se realiza, é uma forma, como o soneto que tem dois quartetos e dois tercetos, ou quatorze versos juntos, como é conhecido o soneto inglês. [...] Poesia é uma manifestação cultural, criativa, expressiva do homem. Não se trata de um “estado emotivo”, do deslumbre de um pôr do sol ou de uma dor de cotovelo, é muito mais do que isso, é uma forma de conhecimento intuitivo, nunca podendo ser confundido o termo poesia com o outro correlato: o poema. (p. 168, 169)
Poema, portanto, é forma e poesia o sentimento expresso. Há de se validar a
máxima, por conseguinte, que há poesia sem poema, mas não há poema se poesia,
uma vez que a poesia pode ser encontrada nas mais variadas artes incluindo a
escritura de poemas.
Com relação a sua estrutura, este gênero é construído por variadas formas de
composição, desde sonetos, a quadras e versos livres, rimados ou não. Geralmente
é organizado em versos e estrofes e com determinada cadência de ritmo. Por
pertencer à esfera literária, a valorização da estética e a linguagem plurissignificativa
– possibilitando variadas interpretações e relações de sentido – são traços
característicos dos poemas.
O papel de um poema é a expressão de um sentimento experenciado pelo eu
lírico; por isso a poesia está presente em todos os poemas. Causando os mais
variados efeitos em seus leitores e interlocutores, os poemas são carregados de
63
sentidos variados e compostos por uma linguagem que permite as mais diversas
interpretações e inferências. Também, na contemporaneidade, não possui estruturas
rígidas ou específicas, como se pode observar em épocas passadas cujos
determinados formatos eram tidos como de prestígio – como é o caso do soneto.
Rimados ou não, metrificados ou não, esse gênero se caracteriza pelo uso de uma
linguagem figurada, alegórica e metafórica com o emprego das mais variadas figuras
de linguagem, som e pensamento. Seu objetivo final, no entanto, é sensibilizar seu
leitor, o levando a reflexão e avançando em sua humanização.
O gênero poema entrou na composição do livro-portfólio como produção de
poema autorretrato. Nele, os alunos deveriam se retratar de forma livre e poética.
Sem as amarras de um gênero discursivo com formas fixas, o gênero em questão foi
escolhido justamente para permitir aos alunos a liberdade de se expressarem e se
autorretratarem da maneira como lhes conviessem seja em versos livres, ou
metrificados e rimados e dos mais variados formatos, para que assim, também uma
análise multimodal e entre tema, estilo e composição pudesse ser feita e uma
imagem do aluno como eu lírico fosse projetada.
f) Canção
Para que seja estabelecida a definição do gênero canção é necessária a
explanação da diferença entre música e canção. No dicionário Houaiss (2001), o
termo música aparece como “combinação harmoniosa e expressiva de sons; a arte
de se exprimir por meio de sons, seguindo regras variáveis conforme a época, a
civilização etc (a.m. é uma manifestação mais autêntica de uma cultura)” (p. 1986 –
grifos do autor). Por outro lado, a canção, de acordo com Soares (2011, vol. 1) “é
uma composição poética em versos, de tamanho muito variado, acompanhada por
música. É um gênero discursivo que apresenta dois tipos de linguagem: a verbal e a
musical” (p. 56).
Há, portanto, uma relação harmoniosa entre canção e música que torna o
gênero canção essencialmente multimodal. Não é objetivo, contudo, deste estudo
entrar no mérito musical. O enfoque aqui está estritamente aos elementos verbais e
suas possíveis inferências.
Ainda de acordo com Soares (2011, vol. 1), três características possíveis de
verificação nesse gênero: o predomínio de palavras usadas no cotidiano, a liberdade
64
quanto às regras gramaticais e de sintaxe e a veiculação de gírias e de variedades
linguísticas. O gênero canção, portanto, traz consigo a liberdade de criação
(subjetividade) de seu autor e reflete diretamente a época (contexto de produção)
em que foi escrita.
O gênero canção (musicado) está presente em nosso cotidiano nas mais
diversas esferas da sociedade. Tendo a liberdade de expressão como fator
fundamental para sua composição, diversas variedades linguísticas são encontradas
e o desvio da norma padrão está salvaguardado pela licença poética. Os mais
variados assuntos podem ser abordados em sua escritura e a pessoalidade e
subjetividade são elementos que imperam nas entrelinhas do texto.
A escolha desse gênero para a composição do projeto se dá como forma de
projeção de uma imagem do aluno naquele determinado período sócio-histórico de
sua vida. Esse foi um dos gêneros que os alunos não criaram por si próprios, mas
copiaram uma letra de canção favorita para compor o livro-portfólio. Seria como um
marco histórico e social para o livro, situando-o no tempo, espaço e também no que
a letra da canção representava para o aluno naquele determinado período de sua
vivência. É um momento de extrema reflexão para eles, pois a escolha de uma letra
de música que o representasse naquele momento de sua vida exigia discernimento,
ordenação de critérios e ponderação para a escolha acertada para aquele período
específico. O comando para que os alunos trouxessem a canção era:
Trecho da letra de uma música que retrate meu momento.
Sob tal comando, eles teriam então que selecionar uma letra de uma canção
que estivesse relacionada ao momento em que eles estavam vivendo, revelando
assim, uma imagem de cada aluno.
g) Carta pessoal
Entre os muitos gêneros discursivos trabalhados no ambiente escolar, foi
escolhido o gênero carta pessoal pelos seus traços de linguagem informal e
espontânea e por se tratar de um texto que tem como característica o diálogo entre
remetente e destinatário – interlocutores. Como se pretendia “reconfigurar” tal
especificidade solicitando aos alunos que escrevessem textos nos quais eles
65
enfrentassem seus medos, dialogassem com seus heróis e questionassem a si
mesmos sobre o futuro, encontrou-se no gênero carta pessoal o suporte para tal
composição.
Köche (2012) – p. 27 e 28 – citando Kaufman e Rodriguez (1995) faz algumas
disposições sobre o gênero discursivo carta pessoal que pode ser observado no
quadro abaixo:
Formas de composição do gênero carta pessoal
Gênero em que o remetente conta ao destinatário eventos particulares de sua vida.
Contém acontecimentos, emoções e sentimentos experimentados por um emissor que percebe seu receptor com “cúmplice”.
Há uma intimidade entre os interlocutores, portanto a linguagem é familiar, espontânea e com marcas da oralidade.
Possui frases inacabadas, com reticências, que habilitam múltiplas interpretações e uso de pontos de exclamação para dar ênfase a determinadas expressões, refletindo alegrias, preocupações e dúvidas.
Uso excessivo de adjetivos, diminutivos, aumentativos e interjeições.
Trata-se de um diálogo a distância entre o remetente e um destinatário que faz parte de suas relações.
Pertence à ordem do relatar e pode mesclar diferentes tipologias, como a narração, a descrição, a dissertação e injunção.
O tempo verbal mais empregado é o presente do indicativo.
Sua estrutura padrão é composta de: local e data, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura.
Depois da assinatura, o autor pode acrescentar um P.S (post-scripitum – pós-escrito) para apresentar informações adicionais que esqueceu de mencionar no corpo do texto.
Se a carta for enviada pelo correio, faz-se uso de um envelope no qual deve conter informações do remetente e destinatário.
Quadro 1. Formas de composição do gênero carta pessoal, baseado em Köche, 2012.
O gênero discursivo carta pessoal é, portanto, um “diálogo” entre
interlocutores que possuem um determinado grau de intimidade, permitindo assim
uma linguagem mais pessoal e espontânea. Permeado, também, de narrações,
descrições, argumentações e injunções; expressando sentimentos, emoções,
questionamentos e experiências vividas pelo autor (ou pelos interlocutores) e com
uma estrutura textual bastante delimitada.
Tal gênero foi escolhido justamente por sua característica dialógica na qual foi
reconfigurada para um “monólogo” reflexivo e humanizador; além de seu tema poder
tratar de questões como autoidentificação e reflexão por parte dos alunos, memórias
e até mesmo elementos de literariedade em sua escrita.
66
Nota-se que o nível de autoria de tal gênero é elevado, portanto essencial
para a prática aqui abordada, visto que os alunos precisavam se expressar por meio
das cartas pessoais; e o evento deflagrador, por sua vez, foi reconfigurado para um
monólogo reflexivo e não mais para um diálogo a distância entre interlocutores.
Como já explicitado, o gênero carta pessoal foi o único que foram solicitadas
três produções distintas. Todo o projeto aqui descrito teve início com uma oficina e
produção de cartas, com duração de quatro aulas, na qual os comandos
disparadores para a escrita foram os seguintes:
Aula 01:
Se você tivesse a oportunidade, o que você diria para o seu maior medo ou o vilão
de sua vida? Escreva, então, uma carta pessoal para aquele que tanto te atormenta.
Aula 02:
Uma carta para o meu herói.
O que você diria para o seu herói? Escreva uma carta pessoal para aquele que você
considera o herói de sua vida.
Aula 03:
Uma carta para meu futuro.
O que você diria ou perguntaria para o seu “eu” do futuro? Escreva, então, uma
carta para você mesmo só que no futuro.
A quarta e última aula da oficina foi dedicada à reescrita das cartas que
apresentaram desvios de forma e de conteúdo. Vale ressaltar que todos os
comandos eram intencionalmente construídos de maneira a proporcionar as mais
variadas interpretações e assim desenvolver o pensamento criativo e reflexivo aqui
tomado como tecnológico e também avançar rumo à humanização deles, uma vez
que eles teriam que enfrentar seus medos, se dirigir a quem considerassem o herói
de suas vidas e por último se questionar/refletir/dialogar com o seu eu do futuro.
h) Relato autobiográfico
67
Entre os gêneros discursivos que trazem consigo a sequência narrativa como
imperativa em sua composição situa-se o relato autobiográfico. Segundo Lopes
(2015, vol. 1), neste gênero:
o enunciador relata casos que aconteceram com ele mesmo. Não se trata de julgar se o texto é verdadeiro ou falso, real ou fictício, pois a escrita autobiográfica é sempre ambígua, por ser uma leitura subjetiva de um acontecimento. [...] assemelha-se a outros gêneros, como o diário, o blog, as memórias e o depoimento – todos são narrativas autobiográficas, portanto subjetivas e de um alto teor emocional. (p. 13).
Tal gênero permite a narração de uma história vivida ou fictícia, porém com
um teor elevado de subjetivismo e narratividade. Algumas características levantas
por Lopes (2015, vol. 1) sobre o relato autobiográfico é o emprego da 1ª pessoa do
discurso, elementos próprios da sequência narrativa, verbos predominantemente no
pretérito, mas também é possível encontrar verbos no presente – justamente para
aproximar o fato narrado com o leitor – e o destaque na subjetividade, pois é por
meio da memória que os fatos são recuperados e contados.
Traços da sequência descritiva, no entanto (principalmente o perceptual, que
faz uso dos cinco sentidos do corpo humano marcando tais descrições com uma
carga emocional e subjetiva, uma vez que é a partir das memórias que os fatos são
extraídos e recontados) podem ser identificados nas descrições de cenários e
personagens envolvidos. Conectores temporais, causais e explicativos também são
identificáveis na composição do gênero que permite sequências dialogais ao
rememorar conversações entre personagens.
Também desenvolvida sob o formato de oficinas de produção textual (quatro
aulas) que visavam à manipulação de sequências narrativas e as diferentes formas
de narrar – que iriam desde produções de gêneros mais subjetivos e intimistas até
aqueles cuja objetividade e clareza se fazem pertinentes em seu corpus – a oficina
era composta pela produção de relatos autobiográficos, de viagem e, por último,
notícia. O primeiro gênero, portanto, que deu início a tal trabalho foi o relato
autobiográfico, tido como subjetivo, intimista e revelador de experiências da vida de
quem o escreve, para tanto, gênero cuja presença se faz importante para a
composição desse projeto. O comando disparador para tal produção era:
Imagine que você possua um diário. Que notas ou recordações merecem ser lá
eternizadas? Escreva, pois, uma nota, lembrança, recordação, memória, sentimento
68
ou opinião que você gostaria de sempre se recordar de um dia/acontecimento
memorável.
Novamente o comando disparador deixava margens para inúmeras
interpretações (propositadamente) justamente para ativar o pensamento criativo e
reflexivo. Também exigia do aluno ponderar entre uma memória digna de ser
eternizada ao ser transcrita para o papel para a composição de seu livro-portfólio,
que como já se nota, se materializa como objeto de reflexão, seleção e
desenvolvimento da criatividade do alunado.
i) Relato de viagem
De acordo com Soares (2013, vol. 3) o gênero relato de viagem objetiva
“documentar experiências pessoais de viagem, pode ser considerado um gênero
entre a literatura e o jornalismo” (p. 19). Segundo a autora, do jornalismo ele utiliza a
narração da informação real e de fatos verídicos e da literatura a liberdade de narrar,
expressar sentimentos e a subjetividade de como o fato é (re)contado.
É possível, entretanto, que a escrita desse texto possa ser elaborada como
exercício de produção textual, no qual o relato seja de uma viagem imaginária ou
fictícia, reconfigurando, dessa forma, o gênero para uma esfera hipotética, criativa e
fantástica. Aspecto este que rompe com os objetivos primeiros do relato de viagem,
denotando a hibridez desse gênero e sua possível riqueza de produção.
Outras especificidades como a coincidência entre autor e narrador,
apresentação de fatos em ordem cronológica, descrição de lugares e de
personagens, indicações precisas de tempo e lugar, predominância de verbos
conjugados no pretérito (perfeito ou imperfeito) e do uso da primeira pessoa do
discurso (singular ou plural) são traços comuns de tal gênero elencados por Soares
(2013, vol. 3).
É fato que o objetivo primeiro deste gênero é o de relatar uma experiência
vivida e marcante no qual autor e narrador se fundem, no entanto, é válido ressaltar
que em contextos cujo gênero é tomado como exercício de escrita (como é o caso
de concursos), há a possibilidade de criação de uma viagem imaginária (hipotética),
uma vez que, de acordo com Soares (2013, vol. 3) ele é um misto de realidade e
69
subjetividade, podendo assim, seu caráter fantástico se sobressair mantendo
apenas a verossimilhança com o corpo do texto e seu contexto de produção.
Sendo esta a segunda produção da oficina que tratava das diferentes formas
de narrar, a produção do relato de viagem era uma forma de eternizar uma viagem
marcante realizada pelos alunos que estão construindo o livro-portfólio. Tido como
um momento de revisitar a memória e eternizar uma lembrança, agora sob a forma
de escrita. Foi escolhido justamente como o segundo gênero de tal progressão
justamente por transitar entre o livre (subjetivo e íntimo) e o real que esbarra no
jornalístico, por tratar de uma experiência vivida. O comando disparador para tal
produção, novamente era amplo e permitia o rememorar de diversas experiências.
Era ele:
Viagem marcante da minha vida.
Com o intuito de ativar as lembranças e transformá-las em um ato criativo e
reflexivo de escrita, novamente o alunado era levado a fazer uma seleção de suas
memórias de viagem e escolher aquela que lhe foi a mais marcante.
j) Notícia
Outro gênero discursivo também com traços de sequência narrativa é a
notícia, no entanto com particularidades distintas e composição estrutural bem
delimitada. Para Lopes (2015, vol. 5):
Notícia é o relato de um fato real, de interesse das pessoas. É veiculada em jornais, revistas, rádio, televisão e na internet. É escrita na 3ª pessoa do singular, de modo impessoal, e busca a precisão da linguagem e a objetividade, em um registro formal, sem rebuscamentos. Tem um caráter mais imediato, tratando de fatos recentes que podem se tornar ultrapassados em pouco tempo. (p. 16)
Com uma estrutura canônica de responder às questões O que? Quem?
Quando? Onde? Como e Por quê?, é organizada sempre do mais importante para o
menos importante e também atendo-se aos fatos sem julgamentos de opinião de
quem escreve. O gênero notícia é sempre produzido sobre fatos reais e relevantes
para o público (geral ou específico de tal assunto) com linguagem clara e objetiva.
70
Com características próprias e bem delimitadas, este gênero não comporta,
em sua composição subjetividades explicitas tampouco emissões de opiniões,
todavia é pressuposto que a escolha lexical e fraseológica para a composição desse
gênero denota, implicitamente, a opinião de quem o escreve, marcando assim o
posicionamento do enunciador sobre o fato noticiado. Tal objetividade e clareza são
almejadas pelo uso da 3ª pessoa do discurso que tenciona diminuir a carga
emocional do texto, no entanto ela não é suficiente para silenciar/apagar os pontos
de vista de quem produz o texto sobre o assunto a ser noticiado.
Como último gênero a ser produzido na oficina das diferentes formas de
narrar (novamente, a quarta aula da oficina era destinada a correção dos desvios de
norma, forma e conteúdo) este era o que mais se distanciava da subjetividade e
reflexão e se aproximava da objetividade, clareza e apagamento de eu enunciador.
Foi esclarecido aos alunos, que tal objetividade e neutralidade do discurso é
praticamente impossível de ser alcançada, uma vez que as simples escolhas de
léxico e construção de frases já denotam determinados posicionamentos do
enunciador. A escolha do gênero para a composição do livro-portfólio era, assim
como no gênero canção, situar as produções em um determinado espaço e tempo
de um contexto sócio-histórico. Sua intenção era, que no futuro, os alunos ao
revisitar seus livros-portfólios de deparassem com algum acontecimento que estava
chamando a atenção dos noticiários e da sociedade da época.
Para a sua produção, os alunos deveriam se apoiar em um
fato/acontecimento recente e transformá-lo no gênero notícia, para tanto, o comando
disparador para tal produção era:
Escreva uma notícia sobre um fato relevante para o nosso cotidiano que retrate o
nosso atual momento histórico e social.
Outra vez sob a forma de um tema amplo e de variadas inferências, os alunos
deveriam retratar um acontecimento significativo para o cotidiano deles e que fosse
importante para retratar o contexto sócio-histórico no qual eles estavam inseridos.
k) Adágio (ditado, frase, máxima, mote, provérbio, sentença)
71
De acordo com Costa (2009) o gênero adágio, também sob a forma de frase,
ditado, máxima, mote, provérbio ou sentença, se caracteriza por ser uma “sentença
(v.) moral de origem popular, curta, rimada ou não” (p.29). Tal gênero pode ter
origens em livros, filmes, seriados, canções, quadrinhos, internet, filósofos etc. São
frases de efeito moral que podem elucidar determinados contextos, trazer
ensinamentos, comparações, servir de lemas de vida, máximas a serem seguidas,
conselhos e crenças em verdades tidas como absolutas (para os interlocutores).
Aplicadas nos mais diversos contextos, é nas conversações orais (e atualmente nas
redes sociais digitais) elas são mais reaproveitadas, reutilizadas e muitas vezes
recontextualizadas.
O adágio, geralmente, não é, portanto, de criação própria, mas o empréstimo
de uma fala (ou escritura) de terceiros que é reaproveitada e (re)utilizada em
contextos específicos.
O emprego dos adágios está presente no cotidiano nas mais diversas
situações sociocomunicativas. Apesar de serem curtos em extensão, possuem uma
carga semântica bastante complexa e o seu emprego está diretamente ligado ao
contexto. Funcionam, muitas vezes, como regras de comportamento/avisos a serem
considerados e podem ser encontrados sob a forma de dizeres metafóricos,
verdades que regem uma maneira de pensar/agir, e conselhos práticos ou
ensinamentos morais.
O gênero foi selecionado para estar presente no livro por sua carga semântica
e reveladora por quem a utiliza dentro de determinado contexto. Também foi um
texto que os alunos não tiveram que produzir, mas selecionar para fazer parte da
composição do livro-portfólio. Os adágios escolhidos projetavam a imagem dos
alunos enunciadores (ou aquela que eles queriam que fosse projetada) nesse
período da vida deles e serviram de uma rica fonte de análise dessa imagem
propagada.
l) Enigma
O dicionário Houaiss (2001) traz como uma das definições de enigma “texto
ou parte dele, frase ou discurso, cujo sentido seja incompreensível, ambíguo ou de
difícil explicação” (p. 1152). Assemelhando-se a advinha, que Costa (2009) a elucida
como:
72
questão enigmática que geralmente exige uma solução engenhosa [...] a enunciação da ideia, fato ou objeto ou ser envolta em uma alegoria, procurando-se dificultar-lhe a descoberta. A interpretação da linguagem metafórica ou comparativa pode levar a decifração. (p. 30)
O enigma, portanto, é um gênero que exige um alto nível de interpretação,
mas principalmente de ativação dos conhecimentos relacionados ao que está sendo
dito. Bastante comum nas brincadeiras infantis de advinha, tal gênero se caracteriza
pelo seu caráter coloquial, imaginativo e inventivo sendo um exercício de ativação
de conhecimento de mundo e interpretação.
Este gênero exige um diálogo (real, virtual, imediato ou não) entre
interlocutores, sendo estes levados a resolver o proposto por meio das dicas ou
pistas fornecidas pelo próprio texto, mas, principalmente, pela ativação de seu
conhecimento de mundo. A imaginação, criatividade, engenhosidade e a
interpretação (muitas vezes) de uma linguagem metafórica e ambígua são
características exigidas dos interlocutores envolvidas e pertinente na produção
desse texto.
A última produção para o livro-portfólio solicitava aos alunos que criassem um
enigma para falar deles próprios. A intenção era esconder a solução do enigma em
uma das páginas do livro (ou que a palavra solução do enigma estivesse presente
em uma das produções anteriores), por esse motivo foi a última a ser realizada e
colocada na composição do exemplar, para que o leitor pudesse voltar as páginas
da obra para encontrar a palavra que solucionava o enigma que era uma palavra
que traduzisse o aluno/autor. Tal exercício objetivava criar uma imagem dos
enunciadores, tanto uma imagem que eles tinham de si, mas também uma imagem
que eles queriam propagar para quem se propusesse a ler seu exemplar.
Todos os gêneros escolhidos, portanto, traziam consigo ora uma carga
reveladora das imagens dos alunos/autores tinham ou transmitiam de si e
transparecendo questões de identidade, ora serviam para situar a produção em um
determinado contexto sócio-histórico, e, sobretudo, levar os alunos a reflexão e ao
desenvolvimento do pensamento tecnológico por meio do ato interpretativo dos
comandos e criativo nas produções solicitadas que exigiam tomadas de decisões,
seleções, discernimento, raciocínio abstrato, disposição para o uso de recursos
multimodais e criatividade.
73
3.2.1 (Re)Contexto de produção e recepção: contornos para fins didáticos
É possível partir do princípio que texto e contexto estão incondicionalmente
interligados que um não existiria sem o outro e vice-versa. É por meio do contexto
de produção que os gêneros discursivos ganham corpo e aval para serem gerados,
e também por meio do contexto de recepção que eles têm possibilidade de adquirir
sentido(s) e se fazer coerentes. Marcuschi (2008) afirma que “sem situacionalidade
e inserção cultural, não há como interpretar o texto” (p. 87). O autor ainda ressalta
sobre as relações contextuais:
se estabelecem entre o texto e sua situacionalidade ou inserção cultural, social, histórica e cognitiva (o que envolve os conhecimentos individuais e coletivos). Não se pode produzir nem entender um texto considerando apenas a linguagem. O nicho significativo do texto (e da própria língua) é a cultura, a história e a sociedade. (p. 86-87)
Sob o pressuposto de que todo sentido é um sentido situado (Marcuschi,
2008), toda produção é situada seja por sua temática, e principalmente pelos seus
entornos socais, culturais, políticos e históricos. Por conseguinte, um texto só pode
ser considerado como tal devido ao seu contexto de produção e recepção que
incluem fatores discursivos, inteligíveis e articuláveis em sua tecitura. Dessa forma, é
o contexto que permite que certos textos – e também determinadas temáticas –
sejam produzidos (e temas abordados), interpretados e impedem (não se fazem
pertinentes) que outros sejam elaborados e principalmente, que tomem corpo e
sentido.
Essa questão de contextualização é um fator de extrema importância e
legitimidade para o desenvolvimento desse projeto, visto que os comandos
disparadores para as produções posicionavam os alunos em determinadas
situações com temáticas definidas e propunha produções específicas, todavia com
abertura para interpretações criativas que possibilitavam reconfigurações nos
formatos pré-delimitados dos gêneros, sejam eles nas questões textuais
materializadas (tema, estilo e composição) ou discursivas (ações visadas e situação
interacional), como já previstas no esquema de Adam (2017).
3.3 Estágio de docência e cronograma do projeto
74
O desenvolvimento do projeto de produção do livro-portfólio ocorreu durante o
primeiro semestre do ano letivo de 2016, durante 23 aulas da disciplina de Produção
de Texto em uma 2ª série do Ensino Médio com nove alunos de um colégio
particular da cidade de Arapongas, Paraná. A aplicação das atividades obedeceu ao
seguinte cronograma:
CRONOGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
Aula Atividade
1 Início da Oficina de Produção de Cartas Pessoais.
Produção 1: Uma carta para o meu maior medo/vilão.
Comando disparador: Se você tivesse a oportunidade, o que
você diria para o seu maior medo ou o vilão de sua vida?
Escreva, então, uma carta pessoal para aquele que tanto te
atormenta.
2 Oficina de Produção de Cartas Pessoais.
Produção 2: Uma carta para o meu herói.
Comando disparador: O que você diria para o seu herói?
Escreva uma carta pessoal para aquele que você considera o
herói de sua vida.
3 Oficina de Produção de Cartas Pessoais.
Produção 3: Uma carta para meu futuro.
Comando disparador: O que você diria ou perguntaria para o
seu “eu” do futuro? Escreva, então, uma carta para você mesmo
só que no futuro.
4 Finalização da Oficina de Produção de Cartas Pessoais.
Reescrita das cartas que apresentaram desvios de forma e,
também, de conteúdo.
5 Aplicação da Web Quest sobre Pop Art (instrumentalização) e
produção do autorretrato em Pop Art.
6 Produção do gênero poema.
Temática: Autorretrato
7 Trazer o trecho da letra de uma música (canção) que retrate
meu momento.
75
8 Início da Oficina: Diferentes formas de narrar.
Produção do gênero relato autobiográfico.
Comando disparador: Imagine que você possua um diário.
Que notas ou recordações merecem ser lá eternizadas?
Escreva, pois, uma nota, lembrança, recordação, memória,
sentimento ou opinião que você gostaria de sempre se recordar
de um dia/acontecimento memorável.
9 Oficina: Diferentes formas de narrar.
Produção do gênero relato de viagem.
Comando disparador: Viagem marcante da minha vida.
10 Oficina: Diferentes formas de narrar.
Produção do gênero notícia.
Comando disparador: Escreva uma notícia sobre um fato
relevante para o nosso cotidiano que retrate o nosso atual
momento histórico e social.
11 Finalização da Oficina: Diferentes formas de narrar.
Reescrita dos textos que apresentaram desvios de norma, forma
e conteúdo.
12 Trazer a sua frase favorita (adágio) ou aquela que te
represente/ou diga algo sobre você neste momento de sua vida.
13 Produção do prólogo do livro portfólio.
14 Produção do gênero enigma: esconda aquela palavra que te
traduz.
15 Customização das páginas do livro-portfólio.
16 Customização das páginas do livro-portfólio.
17 Customização das páginas do livro-portfólio.
18 Customização das páginas do livro-portfólio.
19 Confecção das capas dos livros-portfólio.
20 Confecção das capas dos livros-portfólio.
21 Confecção das capas dos livros-portfólio.
22 Confecção das capas dos livros-portfólio.
23 Produção de ficha catalográfica dos livros-portfólio.
Quadro 2. Cronograma de aplicação do projeto
76
Em todas as aulas destinadas às produções textuais, as regularidades dos
gêneros eram relembradas – uma vez que os alunos que participaram do projeto já
tiveram contato com tais gêneros anteriormente, tendo em vista que o professor-
pesquisador trabalha com a disciplina de Produção textual com a turma desde 2010
e já havia abordado tais gêneros em situações anteriores.
A ordem das produções textuais não obedeceu à organização da ordenação
final do livro, pois muitas delas foram realizadas em formato de oficinas com
objetivos comuns de se abordar gêneros com estruturas similares (justamente para
mostrar as diferenças composicionais, como no caso da Oficina diferentes formas de
narrar) ou até mesmo abordar diferentes temáticas para o mesmo gênero discursivo
(como no caso da Oficina de produção de cartas). Optou-se por inserir os gêneros
que projetassem uma imagem do enunciador (por exemplo, a produção do poema
autorretrato) entre as oficinas e depois delas (a produção do enigma que os
representasse), também para intercalar os gêneros que eram produzidos pelos
alunos com aqueles que eles deveriam selecionar para compor seu livro-portfólio (a
canção e o adágio que os retratassem, por exemplo. Tais gêneros não foram
produzidos, mas escolhidos pelos alunos). O prólogo do livro-portfólio ficou depois
de muitas das produções concluídas, justamente para que os alunos tivessem já
uma projeção de como ficaria o resultado final de suas produções para que assim
pudessem escrever seu texto com mais clareza e discernimento, bem como essa
escolha para o gênero enigma, uma vez que a palavra por ele escolhida já poderia
estar presente em alguma de suas produções.
As capas e as customizações dos livros-portfólio ficaram para a finalização do
projeto, por já se ter uma noção de que tomariam tempo, e por ser uma atividade
que requeria um olhar reflexivo para cada uma das produções para que assim elas
pudessem ser customizadas (ou ilustradas, como aconteceu em alguns casos),
permitindo um olhar multimodal para os textos produzidos.
Esta última etapa do projeto foi a que tomou mais tempo e exigiu do
professor-pesquisador ordenação e suporte aos alunos, pois foi neste período que
técnicas de customização e scrapbooking7 foram utilizadas com o auxílio do
7 Palavra ainda sem tradução específica na Língua Portuguesa, significa a arte de criar álbuns de fotografia
e de memória com o uso de fotos, papéis decorativos, etiquetas, laços, enfeites diversos, entre outros itens. Esta arte é antiga e começou com a ideia de juntar restos de papeis coloridos, de embalagens, de cartões, de cartinhas que, de algum modo, expressavam um momento marcante. Tudo isso era guardado em álbuns de família ou em diários. Fonte: http://www.criartiva.com/scrapbooking-a-historia-do-comeco. Acesso: 4 nov. 2017
77
professor-pesquisador. Para uma próxima aplicação, sugere-se que essa parte do
projeto seja realizada em parceria com a disciplina de Artes de uma maneira
interdisciplinar, assim como foi empreendida a produção de papel reciclado com a
disciplina de Química para a produção do gênero prólogo.
Nem todas as produções foram concluídas em sala de aula. A finalização de
muitas delas foram deixadas como tarefa de casa dos alunos e, como acontece no
contexto escolar, muitos alunos acabavam por não entregar no prazo e assim
acumular produções. Uma maneira encontrada para controlar a entrega e finalização
das produções dos alunos foi uma tabela de controle de entrega, na qual continha o
nome do aluno e suas produções. Todas as vezes que o aluno finalizava uma delas,
o seu campo era preenchido com uma caneta marca-texto. A tabela de
acompanhamento das produções pode ser visualizada logo abaixo:
TABELA DE ACOMPANHAMENTO DAS PRODUÇÕES
Quadro 3. Acompanhamento das produções.
Por meio de tal tabela, era possível acompanhar a evolução dos alunos com
relação às produções concluídas, bem como ter um panorama geral do andamento
do projeto.
É válido ressaltar que as produções não tinham por finalidade valorizar o texto
como pretexto para se trabalhar conteúdos gramaticais, ortográficos e de
acentuação. Pelo contrário, elas visavam a um manejo eficiente do gênero solicitado
(suas sequências predominantes e suas especificidades) e, sobretudo, a
interpretação criativa do comando disparador, bem como sua produção criativa. A
valoração dos textos, no entanto, passavam pelo crivo das adequações do gênero,
condições de produção, textualização e língua.
PROJETO: CONSTRUIR UM LIVRO – PRODUÇÃO DO LIVRO-PORTFÓLIO
MAPA DE EVOLUÇÃO
78
A avaliação de uma produção textual é algo bastante subjetivo, uma vez que
é possível requerer do alunado que eles escrevam nos limites pressupostos de
determinado gênero e na linguagem permitida por ele – seja ela formal ou informal.
Exigir, no entanto, o que se chama de “brilho” nas produções (ou determinado grau
de literariedade ou fruição) é algo que passa pela apreciação do leitor/corretor e
difícil de ser transformada em nota matemática. Por tanto, questões de adequações
de gênero e condições de produção acabaram por ter um peso maior na composição
da nota final (previstos na ficha como conteúdo) do que elementos de textualização
e língua (determinado como forma), mesmo porque tais elementos não eram o foco
das produções.
Os critérios de correção para as produções são baseados nos mesmos
utilizados pelo concurso de vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
uma vez que o projeto, apesar de ter objetivos específicos e com produções cujas
temáticas valorizam a subjetividade, a reflexão e singularidade, aborda alguns dos
gêneros requeridos em tal concurso e também no Processo de Avaliação Seriada
dessa mesma instituição (PAS-UEM)8, o qual os alunos são incentivados e
preparados para participar. Tais concursos já solicitam em sua prova de redação a
escrita de gêneros discursivos como carta pessoal, relato de viagem e notícia, por
exemplo. As correções foram pautadas, portanto, nos seguintes critérios:
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS
CONTEÚDO
Avaliar a capacidade do aluno em produzir determinado gênero discursivo a partir da temática
proposta, bem como atender às condições de produção estabelecidas no enunciado do comando de
cada gênero.
TEMÁTICA
Avalia-se o desenvolvimento da temática
ATENDIMENTO DO COMANDO
Avalia-se o atendimento às condições de
8 O Processo de Avaliação Seriada (PAS-UEM) é uma modalidade do processo seletivo para ingresso
no Ensino Superior destinado aos alunos matriculados regularmente no Ensino Médio e que abrange todas as séries desse nível de ensino. Ao final de cada série, o aluno realiza uma prova. O desempenho em pontos obtidos em cada prova será acumulado e determinará o desempenho final do candidato nesse processo, compondo o escore final utilizado para a classificação ao curso pretendido. Assim, ao invés de o aluno fazer um só exame ao final do terceiro ano, como ocorre no concurso vestibular convencional, ele participa de avaliações seriadas, as quais contemplam conteúdos específicos da série em que o aluno está matriculado no Ensino Médio. Fonte: https://www.npd.uem.br/cvu/relatorios/manual_candidato_13.pdf. Acesso: 04 nov. 2017.
79
ppertinente a cada gênero discursivo solicitado,
observando os níveis de exauribilidade do tema.
produção expressas no comando de cada
gênero discursivo.
FORMA
Objetiva-se avaliar a organização composicional típica do gênero discursivo solicitado, a coesão e a
coerência em função da materialização das ideias e o desempenho linguístico em consonância com
a variedade linguística, mas sempre observando a modalidade culta da língua escrita. Em alguns
gêneros, no entanto, há concessões devido às licenças poéticas, como no caso dos poemas.
ORGANIZAÇÃO TEXTUAL
Avalia-se a estrutura organizacional típica do
gênero textual solicitado, considerando os
mecanismos de coesão e de coerência
necessários para a sua materialização ou
textualização.
DESEMPENHO LINGUÍSTICO
Avalia-se o desempenho linguístico a partir da
modalidade culta da língua escrita, observando
os níveis de construção de parágrafos, frases,
períodos, orações, palavras e seus elementos
constituintes, como ortografia, pontuação,
regência, concordância etc.
As produções que apresentaram desvios tanto de elementos de conteúdo ou
mesmo de forma foram solicitadas a reescrita para os alunos. Tais desvios foram
sinalizados e anotações sobre adequações feitas nas primeiras produções. Somente
depois dessa primeira correção que os alunos reescreverem seus textos nas folhas
de papel vergê, caracterizando assim a produção final de cada gênero abordado.
A próxima seção é destinada ao produto educacional desenvolvido, para que
assim outros professores possam fazer uso de tal prática em seu contexto de sala
de aula. Trata-se de uma proposta didática em tom de conversa com o professor, o
orientando e dando sugestões sobre como tal abordagem pode ser realizada.
Quadro 4. Critérios de correção das produções textuais.
80
4 PRODUTO EDUCACIONAL: CONSTRUIR UM LIVRO: A PRODUÇÃO DE UM LIVRO-PORTFÓLIO COMO INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO TECNOLÓGICO Este capítulo é destinado à apresentação do produto educacional
desenvolvido para esta dissertação. Nessa apresentação, leva-se em conta que o
programa de mestrado requer a elaboração e desenvolvimento de um material
voltado ao uso didático-pedagógico e para a prática escolar (Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Médio ou Superior). Nesses limites, a exemplo de trabalhos e
apresentações anteriores desse tipo de material, todo o design do capítulo
obedecerá uma formatação do texto bem particular e própria de um produto anexo
ao texto, mas, como parte mais importante de estudo, aparece em destaque no
espaço pós-metodologia.
Por meio de comandos disparadores, buscou-se uma interpretação criativa
dos 12 gêneros solicitados – criatividade entendida aqui como “as capacidades que
permitem uma pessoa comportar-se de modos novos e adaptativos em
determinados contextos” (MOUCHIROUD e LUBART, 2002) – à (auto)reflexão e à
produção de textos particulares, intimistas e singulares, defende-se que tal prática
auxilia no desenvolvimento do pensamento tecnológico, pelo fato de demandar do
alunado a materialização de um pensamento criativo ao interpretar e produzir os
comandos estabelecidos, que por tratar de temáticas que levam a reflexão e
estimulam a criatividade, avançam rumo à humanização (FREIRE, 1969).
Delimitações sobre o desenvolvimento da criatividade, do avançar da
humanização, questões sobre gêneros discursivos e contextos de produção foram
abordados para esclarecer ao professor sobre as conceituações teóricas que a
prática se pauta. Quadros sobre as características dos gêneros selecionados foram
elaborados e, por último, foram traçadas algumas orientações metodológicas para
auxiliar o professor sobre o desenvolvimento do projeto.
O tom de conversa com o professor, escolhido para a escrita deste produto,
pretende aproximar pesquisador e produto educacional de seu público-alvo: o
professor de Língua Portuguesa/Produção de texto atuante no Ensino Fundamental
2 e Médio. Também para sustentar que a projeto foi desenvolvido abrindo o canal de
diálogo entre pesquisador e professores que se dispuserem a desenvolver a prática
em suas salas de aula.
81
Construir um livro: uma proposta didática
Ao professor,
Se existe algo que ainda mexe com o imaginário das
pessoas, mesmo depois de tantos séculos, e que nós, professores
de Língua Portuguesa somos fascinados (ou, pelo menos é essa
visão que constrói-se sobre nós, pois somos vistos pelos nossos
alunos como aqueles que ainda encorajam a leitura), isso se chama
LIVRO.
Os livros são capazes (re)criar atmosferas perdidas no
tempo ou totalmente inventadas pela genialidade de certos
“criadores” e, o mais importante, transportar leitores para tais
lugares, desde “O país das Maravilhas” de Alice e a Escola de
Magia e Bruxaria de Hogwarts, de Harry Potter, até a Paris do século
XIX e uma de suas luxuosas Óperas (na qual habitava um tenebroso
Fantasma) e a Londres caótica e deteriorada da época da
revolução industrial, retratada por Charles Dickens em Oliver Twist, e
até mesmo nos convidar a dar a volta ao mundo em fascinantes 80
dias. Um por todos e todos por um! E essa Capitu, traiu ou não traiu
Bentinho?
82
Mas falar de livros em pleno século XXI na era dos multi,
pluri e hipertextos? “É preciso preparar nossos alunos para este
mundo repleto de tecnologias. Instrumentalizá-los. Levá-los a fazer
uso consciente”. Os discursos são muitos sobre isso. Que tal então
falar de tecnologias por meio da confecção de livros? “Um e-book,
claro?!” Você deve estar se perguntando. Pois não é isso. Um livro
de papel, confeccionado e escrito por eles. “Imagina! Eles nunca
iriam querer fazer um negócio desses.” Acredite, eles irão! E você irá
se surpreender com os resultados. “Então, fale-me mais sobre
isso...”
Primeiro que este projeto visa ao desenvolvimento do
pensamento criativo (que vou chamar de tecnológico, pois entendo
que a base de toda tecnologia já desenvolvida, seja ela útil ou não, é
fruto do pensamento e do ato criativo). Logo eu vou te dar mais
informações sobre isso, porque a gente, professor, não vai
comprando a primeira ideia que vê na frente e colocando para dentro
da nossa sala de aula, não é mesmo?
Segundo que aqui também se objetiva o avanço rumo à
humanização do aluno, bem aquela defendida por Paulo Freire
quando fala de uma educação humanista, libertadora e
transformadora. Vamos chegar lá.
Bem, para desenvolver o projeto, selecionei 12 gêneros do
discurso para estarem presentes na composição do livro, melhor
83
dizendo, um livro-portfólio.12 gêneros que vão permitir que seus
alunos usem da criatividade ao produzi-los, e o mais importante,
abusem da criatividade na hora de interpretar o comando disparador
para cada um deles. E nessa interpretação que está o X da questão.
É na interpretação do comando disparador que os alunos poderão
usar e abusar da criatividade. O projeto foi desenvolvido em uma
turma de 2ª série do Ensino Médio, mas nada que você, professor,
não possa readequar a sua realidade escolar e com suas turmas.
Basta fazer uma readequação de gêneros que você julgue
pertinentes para a composição do material e que estejam adequados
com a maturidade de escrita dos alunos e sua desenvoltura para
produção. Não é uma receita pronta, mas sim uma experiência que
você pode readequar, e eu ficaria contente de saber dos seus
resultados.
Essa história de fazer um livro-portfólio com os alunos (que
eu já fiz com meus alunos, e se você quiser bater um papo sobre,
vou deixar meu contato aqui no final) não nasceu do além não. Você
já deve ter visto na livraria – porque professor adora uma livraria –
um livro chamado Destrua este diário, de Keri Smith. Pois bem, foi
vendo esse livro na mão dos meus alunos (e depois comprando meu
exemplar, porque eu também queria destruir o meu) foi que surgiu a
ideia de adaptar o livro para uma prática pedagógica (significativa)
para as minhas aulas de Produção de Texto, e, posso falar, deu
84
muito certo!
Bom, se você chegou até aqui é porque está quase
convencido a comprar essa ideia de fazer um livro-portfólio com seus
alunos também. Vamos conversar mais sobre isso? Para continuar
nossa conversa, vamos falar primeiro sobre essa história de
desenvolver esse tal de pensamento tecnológico na sala de aula. E
assim eu coloco reticências nessa nossa conversa inicial...
Um abraço cordial,
Professor Rogério Nascimento Bortolin
85
Construir um livro
Índice: Prólogo
Poema autorretrato
Trecho de uma música que retrata meu momento
Uma carta para o meu medo/vilão da minha vida
Uma carta para o meu herói
Uma carta para o meu “eu” do futuro
Querido diário...
Minha frase favorita
Notícia que chamou minha atenção
Um relato de viagem...
Enigma: este sou eu!
86
Materiais Utilizados Papel Caneta / Lápis Argolas de metal Tinta Tecido Cola Botões Tesoura Estilete Reflexão Iniciativa Emoções Medos Coragem Ideias Criatividade Raciocínio Abstração Interpretação
Imaginação
87
4.1 Desenvolver a criatividade é preciso
Em tempos que somos cercados de tecnologias por todos os lados, novas
ferramentas e aplicativos invadem (e facilitam) a nossa vida, novos dispositivos são
lançados quase que na velocidade da luz, e aparelhos se tornam obsoletos também
nessa mesma proporção. Acompanhar esse ritmo frenético é como estar em uma
eterna corrida e sempre ficar para trás. Mas é preciso estar preparado para lidar com
esse mundo e, principalmente, preparar nossos alunos para que façam uso
consciente e se posicionem criticamente nesse meio.
A obsolescência das máquinas é um fator que muitas vezes impede ou
atrapalha esse desenvolver tecnológico em contexto escolar. Como lidar com isso e
ainda instrumentalizar o alunado? Bem, quando se tem em mente que não é,
necessariamente, a tecnologia (máquina) que precisa entrar na sala de aula, e sim o
desenvolvimento do pensamento criativo (tecnológico), essa questão começa a ser
iluminada por uma luz que vem lá do fim do túnel.
É do pensamento criativo que toda e qualquer tecnologia surge. Se não
fosse a resolução criativa de algum problema ou para a gênese de uma invenção
facilitadora, muito provavelmente ainda estaríamos desenhando em pedras. Toda
tecnologia provém, portanto da criatividade humana. Logo, desenvolver esse
pensamento na sala de aula é uma maneira de preparar o alunado a lidar com o
mundo tecnológico.
Mas o que vem a ser esse tal de pensamento criativo e tecnológico e como
desenvolvê-lo em sala de aula? Esse desenvolvimento pode ser feito por meio de
práticas que valorizem o uso da criatividade, da interpretação, da abstração, da
solução de problemas, da cooperação, das relações de causa e consequência, da
lógica, da agilidade, da curiosidade, da iniciativa, da associação com outras áreas,
da comunicação (oral, visual e escrita), da criticidade, por meio de atividades que
permitam uma visão do todo e não apenas uma fragmentação e da autonomia. Tudo
isso são as bases do pensamento criativo e tecnológico e fatores que precisam estar
inseridos nas nossas práticas escolares se almejamos a preparação dos nossos
alunos para esse mundo moderno. E este projeto de construir um livro-portfólio
abrange todos esses elementos.
88
Para construir os livros, os alunos precisam não só produzir textos de forma
criativa, mas interpretar os comandos de forma criativa, solucionar problemas de
composição, entender que estão participando de um processo que é multifacetado e
que envolve inúmeras etapas e diversos tipos de conhecimentos (de diferentes
áreas), terão de ser críticos e reflexivos para as seleções do que entra ou não no
livro (e refletir sobre o porquê dessas escolhas e as consequências delas) e também
ser autônomos, mas ao mesmo tempo cooperar uns com os outros com ideias,
sugestões e críticas. Uma reinvenção de uma velha tecnologia, mas que vislumbra o
desenvolvimento do potencial criativo de cada aluno e prepará-lo para experiências
(tecnológicas) do mercado de trabalho e do mundo moderno.
4.2 Humanizar também é preciso
Avançar rumo à humanização dos alunos é outro fator objetivado com a
aplicação dessa prática. Buscar uma educação mais humanizada, libertadora e
transformadora já é objetivo comum de nós professores, pois ela é pautada em uma
visão crítica e reflexiva, com práticas que estimulam a criatividade, que colocam os
alunos como agentes responsáveis e atuantes na construção de seu processo de
ensino e aprendizagem. Uma educação que não enxerga os alunos como caixas
que precisam ser preenchidas de conhecimento, mas que acredita na interação e na
troca de saberes em que todos saem transformados.
Nas palavras de Antônio Candido (1995), a humanização é o exercício da
reflexão, aquisição do saber, a capacidade de perceber (e compreender) a
complexidade do mundo, dos seres e da vida, a boa disposição com os outros, o
alinhar das emoções e o cultivo do senso de beleza e do humor, e essa prática
almeja levar os alunos a reflexão (primeiro dele com ele mesmo e depois dele com o
mundo e suas experiências), fazer uso do pensamento crítico na seleção de textos
para compor seu livro-portfólio, enfrentar seus medos, frustrações e confrontar seu
futuro e, principalmente, se perceber com um ser no mundo.
Paulo Freire (1969), em seus escritos já defendia uma educação humanista e
libertadora que, por meio de práticas que estimulem a criatividade, o
questionamento, a reflexão e a criticidade, leve o aluno a não só se perceber no
89
mundo como ser sócio-histórico, mas querer transformá-lo de maneira crítica e
reflexiva.
É, portanto, sob este prisma que aqui se defende uma prática que avança
rumo à humanização. Um projeto no qual os alunos não são encarados como caixas
vazias que precisam ser preenchidas de conhecimento, mas como agentes criativos
que são estimulados a resolver problemas de construção de escrita, a interpretar
comandos de forma criativa, a interagir com seus semelhantes, a exercitarem a
reflexão de se colocarem no mundo como seres sociais, históricos e políticos em um
determinado contexto de tempo e espaço, e assim, saírem transformados e mais
humanizados de tal prática.
4.3Com que gênero eu vou?
Este projeto se pauta na perspectiva bakhtiniana que entende os gêneros do
discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados que organizam e
permeiam nossa comunicação circulando em determinados domínios discursivos
(esferas sociais) e também na visão sociointeracionista de Bronckart (2006) que
entende que a interação humana se dá por meio das ações de linguagem (agir
comunicativo) materializadas no formato de textos.
Dessa forma, tal prática se baseia na produção de gêneros do discurso em
ambiente escolar, porém com um diferencial: tais gêneros podem sofrer alterações
(intencionais) em seus planos pré-formatados de acordo com o comando disparador
e, sobretudo da interpretação (proativa) feita pelo aluno e seu ato criativo de escrita.
Estes planos pré-formatados dos gêneros estão presentes nos estudos de
Adam (2011; 2017) que entende que a materialização dos textos se dá pela
junção/ordenação por sequências (narrativas, descritivas, argumentativas,
expositivas e dialogais) que juntas, pela teia textual, em um nível de organização
seguinte remetem ao que o autor denomina plano de texto fixo ou ocasional, ou
planos pré-formatados para um gênero ou não pré-formatados. Esta também foi uma
abordagem almejada no desenvolvimento desse projeto: levar os alunos a
perceberem a presença e, sobretudo, manipularem tais sequências de acordo com o
90
gênero requerido para a sua composição competente, crítica e criativa e suas
macroações de narrar, descrever, argumentar, dialogar e expor.
Para a construção do livro-portfólio, foram escolhidos 12 gêneros que trazem
consigo características que levam a reflexão, a subjetividade e a possibilidade de
uma escrita criativa – principalmente por conta da interpretação de seu comando
disparador. Outra característica é que eles permitem que os alunos se posicionem
em um contexto político, social e histórico e projetem uma imagem reflexiva que eles
fazem de si e que passa para seus leitores. Outro fator de extrema importância para
esta prática e que precisa estar claro (tanto para você, professor, quanto para os
seus alunos) é a questão dos contextos de produção e recepção.
4.3.1 (Re)Contextos e situacionalidade: imagine que...
É possível partir do princípio que texto e contexto estão incondicionalmente
interligados que um não existiria sem o outro e vice-versa. É por meio do contexto
de produção que os gêneros discursivos ganham corpo e aval para serem gerados,
e também por meio do contexto de recepção que eles são passives de adquirir
sentido(s) e se fazer coerentes.
Sob o pressuposto de que todo sentido é um sentido situado (Marcuschi,
2008), toda produção é situada seja por sua temática, e principalmente pelos seus
entornos socais, culturais, políticos e históricos. Por conseguinte, um texto só pode
ser considerado como tal devido ao seu contexto de produção e recepção que
incluem fatores discursivos, inteligíveis e articuláveis em sua tecitura. Essa
questão de contextualização é um fator de extrema importância e legitimidade para a
aplicação desse projeto, visto que os comandos disparadores para as produções
posicionam os alunos em determinadas situações com temáticas definidas e
propõem produções específicas, todavia com abertura para interpretações criativas
que possibilitavam reconfigurações nos formatos pré-delimitados dos gêneros,
sejam eles nas questões textuais materializadas (tema, estilo e composição) ou
discursivas.
Alguns dos gêneros escolhidos permitem aos alunos uma divagação reflexiva
dele com ele mesmo, alguns servem para situar a produção do livro-portfólio em um
91
determinado contexto social, histórico e político, outros são formas de eternizar
momentos relevantes da vivência e experiência deles e por fim, tem aqueles que
servem para criar uma imagem do aluno (a que ele tem de si e que pretende passar
para seu leitor). Os gêneros selecionados para compor o livro-portfólio, portanto são:
capa de livro, ficha catalográfica, prólogo, autorretrato, poema, canção, carta
pessoal, relato autobiográfico, relato de viagem, notícia, adágio e enigma.
Para facilitar o desenvolvimento, longe de querer normatizar os gêneros ou
(pré) defini-los, quadros foram elaborados (inspirados nos trabalhos de Santos,
2016) fazendo um levantamento das características pré-formatadas de cada um dos
gêneros aqui abordado com relação à composição, o tema e o estilo de cada um
deles.
a) Capa de livro
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Como atividade estética, a capa de livro pode estar ligada diretamente ao seu conteúdo, instigando a curiosidade do leitor, fazendo referências a determinadas partes da obra, ou como elemento independente do texto ao qual se atrela, ser uma atividade visual artística.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Convencionalmente é composta pelo nome do autor, nome do livro e da editora, mas permite variações por não possuir estrutura fixa.
ESTILO Subjetivo e pessoal. CONTEXTO DE PRODUÇÃO A motivação inicial é proteger o livro.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO A capa de livro possui um leitor universal, uma vez que são as “portas” do livro, no qual, qualquer leitor pode ter acesso.
SUPORTE O próprio livro.
Quadro 5. Capa do livro: elementos do gênero e especificidades
92
Como se trata da composição de um livro-portfólio artesanal construído
inteiramente pelos alunos, a capa é um item essencial a ser produzido para o
projeto, pois ela é um elemento caracterizador de tal suporte e traz consigo uma
carga semântica de possibilidade de interpretações denotando as inspirações e
aspirações dos alunos, dando dicas, logo nas portas de entrada de cada livro.
Figura 1. Modelo de capa confeccionada por uma aluna
Como minha turma era pequena e eu conhecia as técnicas de scrapbook, eu
acabei fazendo as capas com eles utilizando papel holler (aquele utilizado para
confecção de cadernos de capa dura) e papéis de scrapbook, e outros materiais
ficaram a critério dos alunos, mas eu sugiro que esta parte seja feita em parceria
com o professor de Arte em uma atividade interdisciplinar. Ele poderá indicar
materiais, utilizar técnicas e auxiliar os alunos nessa parte da produção.
Como já mencionei, este projeto pode ser realizado de maneira
interdisciplinar com as disciplinas de Arte e Química, resultando em um trabalho
bastante amplo e abordando diversas áreas do conhecimento.
93
b) Ficha catalográfica
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Referenciar o nome do autor, o da obra, a editora, cidade e ano de publicação.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Sobrenome do autor em caixa alta seguido pelo nome do autor ou apenas a letra inicial, nome da obra, cidade de publicação, editora responsável e ano de publicação. Outros elementos como volume, número da edição, nome do tradutor, ilustrador e colaboradores também podem aparecer.
ESTILO Obedece às regras específicas de composição, como normatização da ABNT e tabela internacional.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Catalogar um escrito (obra).
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitores que tiverem contato com tal escrito, ou que pretendem fazer uma busca pelo ISSN.
SUPORTE Geralmente, nas páginas iniciais ou finais de livros e periódicos.
Quadro 6. Ficha catalográfica: elementos do gênero e especificidades
Figura 2. Modelo de ficha catalográfica produzida por um aluno.
Ao produzir tal gênero, os alunos criam uma identidade para o seu material,
dando nome ao livro-portfólio (escolhido por eles mesmos), destacando seu lugar
como autor e o ano de produção.
94
A ficha catalográfica, portanto, seria a identificação de cada um dos
exemplares produzidos.
c) Prólogo
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Esclarecer e introduzir o público à obra a ser lida, dando pistas sobre seu conteúdo temático.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Composto por sequências narrativas, descritivas, expositivas, dialogais e até mesmo argumentativas em um texto introdutório a uma obra.
ESTILO O estilo pode variar de acordo com a obra, desde o mais coloquial e informal, até respeitando a norma-padrão e com léxico específico da área.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Introduzir o leitor a uma obra.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitores universais que tiverem contato com a obra.
SUPORTE Livros e peças teatrais.
Quadro 7. Prólogo: elementos do gênero e especificidades
Outra peculiaridade para as produções deste gênero foi uma parceira
interdisciplinar estabelecida com a professora de Química da turma. Juntos
desenvolvemos uma oficina de produção de papel reciclável (duas aulas) na qual os
alunos produziram os papéis que serviram de base para a escrita dos prólogos. Os
alunos, assim confeccionaram os papéis adicionando elementos como café, gliter,
retalhos de tecidos, pétalas de flores e folhas secas para dar contornos individuais
às suas produções.
Essa parceria com a disciplina de Química justamente para a produção do
gênero prólogo se justifica para dar contornos ainda mais intimistas e singulares às
produções deste gênero, pois é o texto que abre o livro-portfólio, que é todo
confeccionado por cada aluno, produzir também uma folha de papel do livro é uma
forma de ratificar tais contornos individuais, além de proporcionar uma possível
leitura multimodal entre o conteúdo do gênero e seu suporte.
95
Esta parceria interdisciplinar para o projeto leva os alunos a conciliar outras
áreas do conhecimento na execução do projeto, dando um olhar ainda mais singular
para cada livro-portfólio.
Figura 3. Modelo de prólogo produzido por uma aluna.
96
d) Autorretrato
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Geralmente, características do enunciador são enaltecidas – ou (re)criadas sob a forma da multimodalidade) para que se atinja determinados fins, seja criar uma imagem de si mesmo, ou convencer alguém de que a imagem criada é verossímil e condizente com o que o autor realmente é (ou pensa ser).
ESTRUTURA COMPOSICIONAL No formato de texto escrito, pode ser organizado em períodos e parágrafos, ou em formato de tópicos compondo um texto com sequências descritivas. Pode ser elaborado também, no entanto, sob a forma de pintura ou fotografia estando relacionado ao tipo de estética que o autor pretende utilizar e transmitir.
ESTILO Estará subordinado diretamente ao suporte de veiculação. Para uma rede social de namoro, será uma linguagem coloquial e afetuosa, por exemplo, no entanto, outros contextos e suportes podem exigir uma linguagem mais acurada ou elementos multimodais referenciais diferenciados e específicos.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Alguém intencionando se retratar e evidenciar determinadas características de seu ser (ou de um ser inventado para determinado fim).
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, sob a forma de texto escrito veiculado em redes sociais, ou mesmo em formato de pintura ou fotografia.
SUPORTE Cyber espaço, redes sociais, telas, papel, livros e revistas.
Quadro 8. Autorretrato: elementos do gênero e especificidades
97
Figura 4. Modelo de autorretrato produzido por um aluno.
Para a execução dessa parte do projeto, o gênero autorretrato foi
reconfigurado e foi produzido de forma não verbal e artística. Os alunos foram
solicitados a montar o seu autorretrato sob o estilo de Pop Art., Este tema
influenciou nas produções dos autorretratos artísticos, pois os alunos puderam expor
suas referências, inspirações e, sobretudo, expor uma imagem que eles tinham de
si. Aqui, sugiro que esta etapa seja desenvolvida junto do professor de Arte, pois
98
podem, novamente, ser exploradas técnicas e diferentes escolas artísticas como o
Cubismo, Impressionismo, e até a própria Pop Art.
e) Poema
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Os sentimentos humanos e manifestações culturais, criativa e expressivas são os temas presentes nos poemas.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Geralmente, é organizado em versos e estrofes, rimados ou não, metrificados ou de versos livres e muitas vezes tendo uma cadência sonora demarcando determinado ritmo podendo apresentar sequências, narrativas, descritivas, dialogais, expositivas e argumentativas, prevalecendo a macroação de narrar.
ESTILO Pode variar desde a mais coloquial, até o respeito da norma padrão culta, no entanto há a valorização da estilística e de uma linguagem metafórica, alegórica, carregada de figuras de linguagem e plurissignificativa.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO A expressão de um sentimento (amor, protesto, crítica social etc) ou uma manifestação expressiva.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, uma vez que os poemas podem ser encontrados desde janelas de ônibus a livros e na internet.
SUPORTE Livros, internet, e lugares menos convencionais como ônibus, por exemplo.
Quadro 9. Poema: elementos do gênero e especificidades
99
Figura 5. Modelo de poema autorretrato produzido por uma aluna.
Quando executei o projeto, o gênero poema entrou na composição do livro-
portfólio como produção de poema autorretrato. Nele, os alunos deveriam se retratar
de forma livre e poética. Sem as amarras de um gênero discursivo com formas fixas,
o gênero em questão foi escolhido justamente para permitir aos alunos a liberdade
100
de se expressarem e se autorretratarem da maneira como lhes conviessem seja em
versos livres, ou metrificados e rimados e dos mais variados formatos e uma imagem
do aluno como eu lírico fosse projetada.
Claro que você pode optar por formas mais clássicas como sonetos,
quadras, ou até mesmo haicais. Longe de engessar o projeto, sinta-se livre para
adaptar a sua realidade e propostas que julgar pertinentes ao seu contexto.
f) Canção
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Os temas abordados nas canções podem ser diversos e variados que abrangem desde críticas a sentimentos.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Convencionalmente é composta em versos e estrofes, podendo ser composta por sequências narrativas, descritivas, argumentativas, dialogais e expositivas.
ESTILO Subjetivo e pessoal. Sendo a liberdade de composição um fator imperativo no gênero, as diversas variedades linguísticas podem estar presentes e o desvio da norma padrão também é um fator recorrente.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Contar histórias, abordar sentimentos, tecer criticas sociais.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, tendo em vista que as canções podem ser musicadas e ser tocadas no rádio, TV e plataformas digitais.
SUPORTE Meio impresso ou virtual (a letra da canção), musicada é veiculada pelo rádio, TV e plataformas digitais.
Quadro 10. Canção: elementos do gênero e especificidades
101
Figura 6. Modelo de canção escolhida por uma aluna.
A escolha desse gênero para a composição do projeto se dá como forma de
projeção de uma imagem do aluno naquele determinado período sócio-histórico de
sua vida. Esse foi um dos gêneros que selecionaram para a composição do livro-
portfólio: a letra de canção favorita. Seria como um marco histórico e social para o
livro, situando-o no tempo, espaço e também no que a letra da canção representava
para o aluno naquele determinado período de sua vivência.
102
É um momento de extrema reflexão para eles, pois a escolha de uma letra
de música que o representasse naquele momento de sua vida exigia discernimento,
ordenação de critérios e ponderação para a escolha acertada para aquele período
específico.
g) Carta pessoal
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Assuntos particulares e pessoais da vida dos interlocutores; questionamentos; expressão de emoções e pontos de vista.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Organizada em parágrafos. Estrutura: local e data; vocativo; corpo do texto; despedida e assinatura (podendo acrescentar o P.S – post-scriptum – para apresentar informações adicionais que se esqueceu de mencionar no corpo do texto), podendo apresentar sequências descritivas, narrativas, dialogais, expositivas e argumentativas.
ESTILO Escrita familiar, informal, espontânea e com marcas da oralidade, normalmente com o emprego da 1ª pessoa gramatical.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Intenção de contar de maneira espontânea, eventos particulares da vida do emissor, expressar emoções, sentimentos e perguntar sobre acontecimentos da vida do destinatário.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Inicialmente, leitores do convívio social e familiar do enunciador. No entanto, para este projeto há uma ressignificação desse leitor, pois os alunos escreverão para seus medos, heróis e futuro.
SUPORTE Papel e envelope.
Quadro 11. Carta pessoal: elementos do gênero e especificidades
103
Tal gênero foi escolhido justamente por sua característica dialógica na qual
foi reconfigurada para um “monólogo” reflexivo e humanizador; além de tratar de
questões como identidade: autoidentificação e reflexão por parte dos alunos,
memórias e até mesmo elementos de literariedade em sua escrita.
O gênero carta pessoal foi o único que solicitei três produções distintas. Eu
pedi para os alunos escreverem cartas para o seu medo, seu herói e para seu eu do
futuro. Os comandos que usei para estas produções foram esses:
Medo:
Se você tivesse a oportunidade, o que você diria para o seu maior medo ou o vilão
de sua vida? Escreva, então, uma carta pessoal para aquele que tanto te atormenta.
Herói:
Uma carta para o meu herói.
O que você diria para o seu herói? Escreva uma carta pessoal para aquele que você
considera o herói de sua vida.
Futuro:
Uma carta para meu futuro.
O que você diria ou perguntaria para o seu “eu” do futuro? Escreva, então, uma
carta para você mesmo só que no futuro.
Vale ressaltar que todos os comandos são intencionalmente construídos de
maneira a proporcionar as mais variadas interpretações e assim desenvolver o
pensamento criativo e reflexivo aqui tomado como tecnológico e também avançar
rumo à humanização, uma vez que eles têm que enfrentar seus medos, se dirigir a
quem consideram o herói de suas vidas e, por último, questionar/refletir/dialogar com
o seu eu do futuro.
104
Figura 7. Modelo de carta produzida por uma aluna.
105
h) Relato autobiográfico
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Experiências tidas como vividas pelo enunciador, fatos marcantes e relevantes que ele resgata de sua memória.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Organizado em parágrafos, possui título e segue a estrutura da sequência narrativa com enredo, nó/crise, conflito, clímax, desfecho, narrador, personagens e cenário (tempo e espaço bem marcados), podendo também ter em sua composição sequências, descritivas, dialogais, expositivas e argumentativas.
ESTILO Subjetiva, uso de adjetivos e impressões pessoais do narrador sobre o evento relatado.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Relatar uma experiência.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, pois sua produção pode ser requerida tanto como exercício escolar, concursos e/ou aparecer em outros suportes como jornais, revistas e blogs.
SUPORTE Papel (livros, revistas, jornais impressos) ou meio digital (e-books, revistas eletrônicas, jornais digitais, blogs e portais).
Quadro 12. Relato autobiográfico: elementos do gênero e especificidades
Esta parte do projeto pode ser desenvolvida sob o formato de oficina que visa
à manipulação da macroação narrativa e as diferentes formas de narrar – que vão
desde produções de gêneros mais subjetivos e intimistas até aqueles cuja
objetividade e clareza se fazem pertinentes em seu corpus – a oficina pode ser
composta pela produção de relatos autobiográficos, de viagem e, por último, notícia.
O primeiro gênero, portanto para dar início a tal trabalho é o relato autobiográfico,
tido como subjetivo, intimista e revelador de experiências da vida de quem o
106
escreve, para tanto, gênero cuja presença se faz importante para a composição
desse projeto. O comando disparador para tal produção pode ser:
Imagine que você possua um diário. Que notas ou recordações merecem ser lá
eternizadas? Escreva, pois, uma nota, lembrança, recordação, memória, sentimento
ou opinião que você gostaria de sempre se recordar de um dia/acontecimento
memorável.
Figura 8. Modelo de relato autobiográfico produzido por um aluno.
107
Novamente o comando disparador se abre para inúmeras interpretações
(propositadamente) justamente para ativar o pensamento criativo e reflexivo.
Também exige do aluno ponderar entre uma memória digna de ser eternizada ao ser
transcrita para o papel para a composição de seu livro-portfólio, que como já se
nota, se materializa como objeto de reflexão, seleção e desenvolvimento da
criatividade do aluno.
i) Relato de viagem
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Uma viagem marcante na vida do enunciador, ou tida como marcante, no caso de uma ficção.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Organizado em parágrafos, possui título e segue a estrutura da sequência narrativa com enredo, nó/crise, conflito, clímax, desfecho, narrador, personagens e cenário (tempo e espaço bem marcados) e descritiva, detalhando especificidades dos lugares e dos envolvidos, podendo também ter em sua composição sequências, expositivas, dialogais e argumentativas.
ESTILO Subjetiva com uso da primeira pessoa do discurso (singular ou plural), de descrições, de adjetivos, verbos no pretérito (perfeito ou imperfeito) e permeado de impressões pessoais do enunciador sobre a viagem realizada.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Relatar uma viagem (realizada ou imaginária).
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, pois sua produção pode ser requerida tanto como exercício escolar, concursos e/ou aparecer em outros suportes como livros, jornais, revistas e blogs.
SUPORTE Papel (livros, revistas, jornais impressos) ou meio digital (e-books, revistas eletrônicas, jornais digitais, blogs).
Quadro 13. Relato de viagem: elementos do gênero e especificidades
108
Esta pode ser a segunda produção da oficina que trate das diferentes formas
de narrar, a produção do relato de viagem é também uma forma de eternizar uma
viagem marcante realizada pelos alunos que estão construindo o livro-portfólio. Tido
como um momento de revisitar a memória e eternizar uma lembrança, agora sob a
forma de escrita. Foi escolhido justamente como o segundo gênero de tal
progressão justamente por transitar entre o livre (subjetivo e íntimo) e o real que
esbarra no jornalístico, por tratar de uma experiência vivida.
Figura 9. Modelo de relato de viagem produzido por um aluno.
O comando disparador que você pode utilizar para tal produção, novamente
é amplo e permite o rememorar de diversas experiências:
109
Viagem marcante da minha vida.
Com o intuito de ativar as lembranças e transformá-las em um ato criativo e
reflexivo de escrita, os alunos são levados a fazer uma seleção de suas memórias
de viagem e escolher aquela que lhe foi a mais marcante.
j) Notícia
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Fatos reais de relevância social para o público em geral ou um público seleto e específico.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Organizada em parágrafos, possui título (destacado do texto seja com uma fonte, cor ou tamanho diferente, ou mesmo o negrito), lide (também separado do todo do texto e destacado geralmente pelo uso do itálico) e corpo do texto. Possui em sua composição sequências narrativas, expositivas, descritivas e argumentativas.
ESTILO Linguagem clara, objetiva, sem rebuscamentos e escrita obedecendo à ordem dos elementos dos mais importantes para os menos importantes.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Noticiar um acontecimento.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Quando produzida suportes como jornais, revistas, rádio, televisão e internet, dispõe de um leitor universal, no entanto sua produção pode ser requerida tanto como exercício escolar, concursos para a verificação da escrita do gênero.
SUPORTE Papel (jornais e revistas impressos), meio digital (revistas eletrônicas e jornais digitais), radio e televisão.
Quadro 14. Notícia: elementos do gênero e especificidades
110
Figura 10. Modelo de notícia produzida por um aluno.
111
Como último gênero a ser produzido nesta oficina das diferentes formas de
narrar, este era o que mais se distanciava da subjetividade e reflexão e se
aproximava da objetividade, clareza e apagamento de eu enunciador. É necessário
esclarecer aos alunos, que tal objetividade e neutralidade do discurso é
praticamente impossível de ser alcançada, uma vez que as simples escolhas de
léxico e construção de frases já denotam determinados posicionamentos do
enunciador. A escolha do gênero para a composição do livro-portfólio é, assim como
no gênero canção, situar as produções em um determinado espaço e tempo de um
contexto sócio-histórico.
Para a sua produção, os alunos podem se apoiar em um fato/acontecimento
recente e transformá-lo no gênero notícia, para tanto, o comando disparador pode
ser:
Escreva uma notícia sobre um fato relevante para o nosso cotidiano que retrate o
nosso atual momento histórico e social.
Outra vez sob a forma de um tema amplo e de variadas inferências, os alunos
devem retratar um acontecimento significativo para o cotidiano deles e que se faz
importante para retratar o contexto sócio-histórico no qual eles estão inseridos.
k) Adágio (ditado, frase, máxima, mote, provérbio, sentença)
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Como depende intrinsecamente do contexto, seu tema pode ser os mais variados (desde máximas existenciais a comparações que levam ao riso).
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Geralmente são sentenças curtas, rimada ou não permeadas por sequências argumentativas, narrativas e expositivas.
ESTILO Como são das mais diversas origens, podem ser encontradas tanto em variedades coloquiais ou sob a mais alta expressão da norma padrão.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Pode ser utilizado para elucidar situações, moralizar, resumir, ratificar,
112
levar a reflexão, ao riso etc.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Leitor universal, pois está presente no cotidiano sob a forma de ditados populares, frases de efeito e morais etc.
SUPORTE Conversações orais, redes sociais digitais, também encontradas em diários, agendas ou até mesmo no corpo humano sob a forma de tatuagens, para-choque de caminhão, roupas, paredes, muros etc.
Quadro 15. Adágio: elementos do gênero e especificidades
O gênero foi selecionado para estar presente no livro por sua carga
semântica e reveladora por quem a utiliza dentro de determinado contexto. Também
é um texto que os alunos não precisam produzir (claro que você pode pedir para que
eles produzam), mas selecionar para fazer parte da composição do livro-portfólio. Os
adágios escolhidos projetam a imagem dos alunos enunciadores (ou aquela que
eles queriam que fosse projetada) nesse período da vida deles.
113
Figura 11. Modelo de adágio escolhido por uma aluna
114
l) Enigma
ELEMENTOS DO GÊNERO ESPECIFICIDADES
TEMA Variado, dependendo dos contextos de produção e, principalmente, de veiculação e recepção.
ESTRUTURA COMPOSICIONAL Pode aparecer sob a forma de períodos e parágrafos, ou também em forma de versos rimados. composto por sequências narrativas, expositivas ou descritivas.
ESTILO Geralmente de linguagem coloquial.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO Elaborar uma advinha para o interlocutor.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO Interlocutores em situações dialogais, ou leitores universais quanto tal texto é veiculado por outros suportes.
SUPORTE Conversações, almanaques, livros, jornais, revistas, internet.
Quadro 16. Enigma: elementos do gênero e especificidades
A última produção para o livro-portfólio solicita aos alunos que criem um
enigma para falar deles próprios. A intenção é esconder a solução do enigma em
uma das páginas do livro (ou que a palavra solução do enigma esteja presente em
uma das produções anteriores), por esse motivo é a última a ser realizada e
colocada na composição do exemplar, para que o leitor possa voltar às páginas da
obra para encontrar a palavra que solucione o enigma que deve ser uma palavra
que “traduza” o aluno/autor.
Tal exercício objetiva também criar uma imagem dos enunciadores, tanto
uma imagem que eles têm de si, mas uma imagem que eles queiram propagar para
quem se vá ter contato como seu exemplar.
115
Figura 12. Modelo de enigma produzido por uma aluna.
116
4.4 A estruturação do projeto e seu desenvolvimento
Todos os gêneros escolhidos trazem consigo ora uma carga reveladora das
imagens dos alunos/autores, ora servem para situar a produção em um determinado
contexto sócio-histórico.
Um dos objetivos, contudo, de tal prática é o de levar os alunos à reflexão e
ao desenvolvimento do pensamento tecnológico por meio do ato interpretativo dos
comandos e criativo nas produções solicitadas que exigem tomadas de decisões,
seleções, discernimento, raciocínio abstrato, disposição para o uso de recursos
multimodais.
Para estruturar melhor a aplicação do projeto, tomei a iniciativa de
desenvolver um cronograma de aplicação para facilitar o seu trabalho. Sugiro que
você, professor, organize as produções em oficinas, para que os alunos possam
perceber a evolução do processo e ter uma visão do todo. É bom esclarecer para
eles que eles estarão participando de um projeto multidisciplinar.
Lembrando que este cronograma é apenas uma sugestão para nortear o seu
trabalho, quero que você se sinta livre para fazer as adequações que julgar
necessárias e condizentes ao seu contexto.
Uma recomendação é iniciar o trabalho com a Oficina de Produção de
Cartas, já dei até um nome bonito que você pode utilizar. Ela vai permitir que você
trabalhe com um gênero só durante algum tempo e os alunos também podem ir
percebendo a evolução das produções e das temáticas. Você pode seguir esses
passos:
a)Oficina de Produção de Cartas
Aula Atividade
1 Início da Oficina de Produção de Cartas.
Orientações: É importante levar em conta o conhecimento
prévio dos alunos sobre o gênero abordado, questioná-los sobre
o que sabem sobre ele, levar alguns exemplos de cartas e
também explorar as suas características com relação ao tema,
composição e estilo desse gênero.
117
Produção 1: Uma carta para o meu maior medo/vilão.
Comando disparador: Se você tivesse a oportunidade, o que
você diria para o seu maior medo ou o vilão de sua vida?
Escreva, então, uma carta pessoal para aquele que tanto te
atormenta.
2 Produção 2: Uma carta para o meu herói.
Comando disparador: O que você diria para o seu herói?
Escreva uma carta pessoal para aquele que você considera o
herói de sua vida.
3 Produção 3: Uma carta para meu futuro.
Comando disparador: O que você diria ou perguntaria para o
seu “eu” do futuro? Escreva, então, uma carta para você mesmo
só que no futuro.
4 Finalização da Oficina de Produção de Cartas Pessoais.
Reescrita das cartas.
Quadro 17. Oficina de produção de cartas
Finalizada esta oficina, você pode começar uma nova, desta vez a de
Diferentes Formas de Narrar, que vai instrumentalizar os alunos a manipular as
sequências narrativas (predominantemente) em diferentes gêneros discursivos: o
relato autobiográfico, o relato de viagem e a notícia. Assim, os alunos poderão sair
de um gênero narrativo mais subjetivo e migrar para aquele que preza pela clareza e
objetividade.
b) Diferentes Formas de Narrar
Aula Atividade
1 Início da Oficina: Diferentes Formas de Narrar.
Orientações: É importante iniciar a oficina trazendo
características das sequências narrativas e da macroação de
narrar presentes nos diferentes gêneros a ser trabalhados. Uma
análise textual de exemplos de relato autobiográfico, relato de
viagem e notícia auxilia os alunos a perceberem a presença
dessas sequências e também a identificar as características
118
desses gêneros e suas particularidades. Trazer exemplos para
leitura e análise de cada um dos gêneros propostos para depois
iniciar as produções é uma alternativa que irá facilitar o trabalho
das produções. Isso pode ser feito antes da produção de cada
gênero ou em uma aula específica para leitura e análise textual.
Produção do gênero relato autobiográfico.
Comando disparador: Imagine que você possua um diário.
Que notas ou recordações merecem ser lá eternizadas?
Escreva, pois, uma nota, lembrança, recordação, memória,
sentimento ou opinião que você gostaria de sempre se recordar
de um dia/acontecimento memorável.
2 Produção do gênero relato de viagem.
Comando disparador: Viagem marcante da minha vida.
3 Produção do gênero notícia.
Comando disparador: Escreva uma notícia sobre um fato
relevante para o nosso cotidiano que retrate o nosso atual
momento histórico e social.
4 Finalização da Oficina.
Reescrita dos textos.
Quadro 18. Oficina: Diferentes formas de narrar.
Agora é hora dos alunos começar a expor a imagem que eles fazem de si
(não que isso já não tenha acontecido nas produções anteriores, mas esta parte é
específica para isso) e, você, professor, explorar os gêneros que permitem essa
projeção e levar os alunos a um processo de seleção e reflexão. Eu chamo essa
oficina de Nada além de mim: retratando minha identidade, aqui você pode trabalhar
junto do professor de Arte para ele produzir com os alunos o autorretrato sob a
temática que ele, ou vocês em conjunto decidam, seja ela Pop Art, Cubismo,
Expressionismo ou Abstrata. Os gêneros abordados sãos os seguintes:
c) Nada além de mim: retratando minha identidade
Aula Atividade
1 Produção do autorretrato em parceria com a disciplina de Arte.
119
2 Orientações: É importante trabalhar as características do
gênero poema e suas particularidades. Há diversos autores que
se propõem a fazer seu autorretrato em forma de poema, pode-
se fazer a leitura e análise do poema “O autorretrato”, de Mário
Quintana, por exemplo, antes de solicitar a produção desse
gênero. Depois das produções dos poemas, pode-se fazer um
Sarau na sala com os alunos recitando os poemas produzidos.
Produção do gênero poema.
Temática: Autorretrato
3 Trazer o trecho da letra de uma música (canção) que retrate
meu momento.
Orientações: Pode-se fazer um momento no qual os alunos
tragam as músicas em áudio ou vídeo e expliquem o porquê de
sua escolha para determinada canção.
4 Orientações: Explicitar aos alunos o que é um adágio e suas
características.
Trazer a sua frase favorita (adágio) ou aquela que te
represente/ou diga algo sobre você neste momento de sua vida.
5 Orientações: Iniciar esta etapa com a leitura e análise de
alguns enigmas (perceber as sequências presentes) e expor as
características do gênero.
Produção do gênero enigma: esconda aquela palavra que te
traduz.
Quadro 19. Oficina: Nada além de mim: retratando minha identidade.
Entrando na etapa final da aplicação do projeto, começa a oficina de
Construção e Edição, na qual os alunos produzem a capa, a ficha catalográfica e o
prólogo. Novamente, em uma atividade interdisciplinar, o professor de Arte pode
ficar com a confecção das capas, utilizando técnicas e materiais que vocês
decidirem, e poderá ser aplicado um projeto de Química para construir uma página
de papel reciclado para que os alunos escrevam (ou colem) os prólogos dos livros.
Essa parte de produção do papel leva de três a quatro aulas, mas isso fica a critério
do planejamento do professor de Química.
120
d) Construção e Edição
Aula Atividade
1 Confecção das capas dos livros-portfólio (parceria com a
disciplina de Arte).
2 Orientações: Levar diferentes livros para que os alunos possam
encontrar as fichas catalográficas e levá-los a perceber as
características desse gênero.
Produção da ficha catalográfica dos livros-portfólio.
3 Confecção do papel reciclável para a produção dos prólogos
(parceria com a disciplina de Química).
Orientações: O link com o vídeo ensinando como fazer o papel
reciclável é este aqui embaixo, ou você pode acessar o canal
“Manual do Mundo” no Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=fjt5gWCx120&t=2s
4 Orientações: Fazer um momento de leitura e análise com
diferentes prólogos de livros para que os alunos percebam o
teor desse gênero bem como suas características.
Produção do prólogo do livro portfólio.
Quadro 20. Oficina de construção e edição.
Uma dica é que você crie uma planilha de acompanhamento da aplicação
com o nome dos alunos e as produções, assim você pode ir marcando aquelas que
já foram finalizadas. Eu fiz uma dessa forma:
Quadro 21. Acompanhamento das produções
PROJETO: CONSTRUIR UM LIVRO – PRODUÇÃO DO LIVRO-PORTFÓLIO
MAPA DE EVOLUÇÃO
121
Avaliar as produções não é uma tarefa fácil. Não se pode cobrar brilho nos
textos dos alunos, pois a atividade de escrita envolve diversos conhecimentos e
também afinidades que são transpostos para o papel na hora de escrever.
Parâmetros, no entanto, são necessários para que se tenha um norte de correção e
avaliação. O quadro abaixo mostra alguns elementos que precisam ser
considerados na correção do aluno, até para que ele possa aprimorar sua escrita.
Vale ressaltar que os textos produzidos não devem ser tomados como
pretextos para se abordar determinados conceitos gramaticais, aquela famosa
gramática pela gramática. As adequações dos gêneros, sua produção sócio-
comunicativa eficiente, e suas especificidades, tanto no que concerne as suas pré-
estruturas quanto a situacionalidade e adequação as propostas, devem prevalecer
em detrimento às questões formais de língua. Não que esses requisitos não sejam
importantes e devam ser ignorados, mas os alunos não devem ficar presos em
regras quando se trata de produções criativas. As regras servirão para ajudar na
escrita e não como forma de engessar as produções.
Alguns elementos que podem ser observados ao se corrigir/avaliar os textos
são os seguintes:
CRITÉRIOS PARA CORREÇÃO E AVALIAÇÃO DAS PRODUÇÕES
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO / TEMA
Unidade temática
Adequação ao gênero
Limites traçados
Ausência de contradições
Sequência lógica
TEXTUALIZAÇÃO
Coesão
Coerência
Situacionalidade
Sequências
Disposição gráfica
Legibilidade
Vocabulário
Paragrafação
LÍNGUA
Concordância
Pontuação
Gramática
Ortografia
122
Acentuação
Pontuação
Tais elementos podem ser tidos como nortes/parâmetros para a
conceituação dos alunos, no entanto, são apenas algumas sugestões para que a
correção seja realizada.
Os alunos ”fecharam” os livros com argolas de metal, até para que se os
eles no futuro queiram adicionar páginas extras, possam ter essa possibilidade, mas
existem técnicas de costura que você poderá utilizar.
Meus alunos produziram todas as versões finais dos gêneros abordados em
folhas de papel vergê creme, por ser um papel com uma aparência mais rústica e
mais grossa, dando um visual mais artesanal ao livro-portfólio. Como eles tiveram
que passar todos os textos para esse papel, a minha aplicação se estendeu mais do
que eu sugeri aqui para você, até porque eles customizaram as páginas, fizeram
ilustrações – tive até um aluno que datilografou suas produções. Essa parte de
customização das páginas pode ser feita em parceria com a disciplina de Arte, mas
a intenção maior aqui é que os alunos produzam os gêneros, solucionem problemas
de escrita, sejam criativos ao interpretar e escrever os textos, e, principalmente,
avancem rumo à humanização.
Bom, esta é uma prática, entre inúmeras outras que você já deve ter visto,
que aborda produções dos gêneros discursivos. Mas aposto que com essa ideia de
desenvolver o pensamento criativo e tecnológico nos alunos e avançar rumo à
humanização deve ser novidade para você. Eu espero que você tenha gostado da
proposta e se arrisque a aplicá-la em suas turmas. Vai dar trabalho? Um monte!
Você vai encontrar obstáculos? Provavelmente, porque eu também encontrei. Mas
uma coisa eu posso garantir, vai valer a pena cada segundo investido na aplicação,
porque os resultados são simplesmente surpreendentes. Logo abaixo estão alguns
exemplos dos trabalhos dos meus alunos para você se inspirar. Desejo a você que
vai aplicar este projeto uma boa sorte e pode contar comigo para qualquer dúvida,
estarei a disposição e gostaria muito de ver os seus resultados.
Um abraço e até breve!
Prof. Rogério Nascimento Bortolin
Quadro 22. Critérios para correção e avaliação das produções textuais.
123
5 APLICAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL: RESULTADOS OBTIDOS E DESAFIOS ENCONTRADOS
Neste capítulo, destinado às análises dos dados obtidos com a pesquisa,
aborda-se, principalmente, a prática do produto educacional e algumas reflexões
sobre os desafios encontrados com desenvolvimento do projeto. Especificamente,
observa-se como alguns dos gêneros presentes nessa prática ganharam novos
contornos e ressignificações, embora mantendo parte de seu plano de texto original.
Pontualmente, reflete-se sobre o estilo de escrita (criativa), fruto do ato de
interpretação do comando disparador para tais produções. Por fim, são destacados
pontos mais relevantes no tocante a algumas produções que se mostraram
reflexivas no sentido de humanizar o aluno.
5.1 O desenvolvimento do produto educacional: reflexões sobre o trabalho com
gêneros e o desenvolvimento do pensamento tecnológico em sala de aula
Esta proposta didática foi elaborada como um instrumento de humanização e
desenvolvimento do pensamento tecnológico em contexto escolar. As premissas que
orientaram o projeto foram a busca de uma educação mais humanizada, sob os
preceitos de Candido (1995) e Freire (1969), e a perspectiva do desenvolvimento do
pensamento tecnológico (MACHADO, 2008 e KENSKI, 2012), uma vez que a
obsolescência das máquinas é um fator que muitas vezes atrapalha ou impede o
desenvolver tecnológico em sala de aula.
Por meio de práticas de produção de texto para a composição de um livro-
portfólio, 12 gêneros do discurso foram trabalhados – principalmente suas
especificidades de tema, composição e estilo, e também sob as concepções de pré-
formatação, sequências e planos de texto (ADAM, 2011; 2017).
Para que tais produções se concretizassem, os alunos deveriam interpretar o
comando disparador para cada gênero e assim produzi-lo. É nesse ponto que o
desenvolvimento do pensamento tecnológico (criativo) se faz presente, uma vez
que, de acordo com Machado (2008), são as características desse pensamento a
abstração, a lógica e a agilidade, podendo incluir a criatividade e a interpretação.
Kenski (2012), também entende que o raciocínio e engenhosidade humana têm
garantido ao homem um processo crescente de inovações; portanto, é do
124
pensamento criativo humano que a tecnologia é materializada (tanto no sentido de
artefato, quanto técnica, estreitando o vínculo entre tecnologia e poder).
A interpretação dos comandos de maneira inovadora e a produção dos
gêneros solicitados (também, muitas vezes de maneira singular) foram, portanto, os
combustíveis para o desenvolvimento do produto educacional que culminou em
resultados satisfatórios alcançando o escopo ao qual se propunha, uma vez que foi
da engenhosidade dos alunos que os textos foram produzidos (materializados) e
ganharam novos contornos com relação à sua temática, textura e semântica (ADAM,
2017). Além disso, em muitos deles, pode-se observar o fenômeno de hibridização
(MARCUSCHI, 2005) ou reacentuação (SILVEIRA, ROHLING e RODRIGUES, 2012)
no momento de produção pelos alunos.
De uma forma geral, a criatividade (aqui entendida como pensamento
tecnológico), sob a concepção de Mouchrioud, C. e Lubart, T. (2002), é entedida
como um conjunto das capacidades que permitem uma pessoa comportar-se ou
trazer padrões novos e/ou adaptativos em determinados contextos de ação. Nas
práticas docentes, esse tipo de atitude se fez presente em todas as etapas de
construção do livro-portfólio: interpretação dos comandos; produções
textuais/retextualizações; seleções dos textos para a composição do exemplar do
livro, entre outros. Os alunos foram expostos a situações (de interpretação e
produção) nas quais eles precisaram tomar atitudes criativas para concluírem a
tarefa solicitada e foram bem-sucedidos com relação à inovação
interpretação/reinterpretação dos contextos de produção dos gêneros solicitados.
Além disso, a humanização, pautada em Candido (1995) e Freire (1969), se
fez presente no exercício da reflexão sobre o universo das situações
sociodiscursivas para cada uma das atividades de linguagem propostas e/ou
reconstruídas nos comandos disparadores.
O produto educacional desenvolvido, portanto, obteve resultados satisfatórios
e se mostra como uma possibilidade de prática de sala de aula com gêneros do
discurso (contexto formador de sujeitos mais ativo ou propostas de exames
vestibulares), o desenvolvimento do pensamento tecnológico e avançar rumo
humanização. Os resultados alcançados foram além dos projetados e os alunos se
mostraram abertos, críticos e reflexivos ao produzir os textos e interpretar de
maneira criativa os comandos disparadores, surpreendendo com produções
honestas, intimistas e que diziam muito do seu eu enunciador. Também foram
125
criativos ao solucionar desafios de escrita e de produção ao pensar no projeto como
um todo e não em produções isoladas. Tais atitudes denotaram que as expectativas
acerca do desenvolvimento do produto foram, não somente alcançadas, mas
também superadas e, muitas vezes, não previstas (como o caso de um aluno, por
exemplo, que datilografou todas as produções de seu livro-portfólio).
Outra característica é a proposta artesanal do projeto e sua confecção.
As customizações das páginas e confecções das capas foram realizadas todas
nas aulas de Produção do Texto, uma vez que o professor-pesquisador conhecia
técnicas de scrapbook – técnica essa que não precisa ser considerada em
aplicações posteriores, ela só se fez presente por sugestão do pesquisador – e
pode auxiliar os alunos. Dessa forma, além das produções escritas serem
realizadas nas aulas, as etapas artísticas de customização também foram. Para
futuras aplicações, sugere-se um trabalho multidisciplinar entre as cadeiras de
Língua Portuguesa (produção dos textos), Arte (customização das páginas,
produções das capas e autorretrato) e Química (confecção de papel reclicado
que pode ser utilizado no livro-portfólio), por conseguinte o trabalho pode ganhar
contornos interdisciplinares e envolver variados conhecimentos de áreas
diversas.
5.2 A ressignificação e a reacentuação de gêneros: especificidades temáticas e
pré-formatação
O conceito de ressignificação de alguns gêneros foi embasado em Marcuschi
(2005) no que diz respeito à mescla de texto em que um gênero assume a
função/forma de outro em dada situação comunicativa. De forma complementar,
Silveira, Rohling e Rodrigues (2012) tratam da questão como um caso de
reacentuação de gênero, quando, “por exemplo, alguns artigos assinados assumem
cara de carta ou de poema [...] poemas assumem a feição de receita culinária.” (p.
56). Esse processo, apesar de parecer pouco comum, resvala na relativa
estabilidade dos gêneros e o profundo entrosamento que entre eles podem
acontecer. Em determinadas situações sociodiscursivas, naturais ou produzidas em
sala de aula (como em nosso caso), a reacentuação (ou hibridismo para alguns –
ROJO & BARBOSA, 2015) mostra-se também um tipo de unidade criativa que se
caracteriza, em muitos casos, pela mudança de esfera do gênero ou uma espécie de
126
“travestimento”, uma fábula (esfera literária) travestida em crônica (esfera
jornalística), por exemplo.
Para Silveira, Rohling e Rodrigues (2012), quando o leitor se depara com tais
situações, “ele age orientado pela situação social de interação, uma vez que o
enunciado (e, logo, o gênero) possui duas dimensões: uma dimensão verbal (ou
constituída de outro material semiótico) e uma dimensão social.” (p. 56, 57). Nesses
casos, é a dimensão social que orienta o leitor. Tal característica de ressignificação
se mostrou presente nas produções das cartas (para o medo, herói e futuro), como é
possível observar nesta produção de uma aluna:
127
Figura 13. Carta para o futuro produzida por uma aluna.
No texto anterior, visualiza-se um plano de texto canônico para a carta
pessoal (vocativo/abertura/narração/fechamento). Segundo Adam (2017), alguns
gêneros possuem o que se denomina plano pré-formatado para um gênero, ou seja,
recorrência de um formato que se aplica a vários outros exemplares. O quadro
abaixo resume os dados prototípicos de uma produção do gênero epistolar com
referências ao texto de um dos alunos em análise:
128
ELEMENTOS DE TEXTURA E ESTRUTURA PRÉ-FORMATADA DO GÊNERO
CARTA PESSOAL
Local e data: Arapongas, 19 de fevereiro de 2016
Vocativo: Querida Eu,
Corpo do texto: Acredito que quando você estiver lendo
essa carta [...] e se preparar para o pior.
Despedida: Com muitíssimo Amor
Assinatura: Suelen Calizotti9
Exemplo de sequência predominante
narrativa (macroação do narrar):
Com seus 36, deve ter vivido muitas
coisas, realizado muitos de seus sonhos,
deve ter descoberto em quem por fim
realmente confiar.
Quadro 23. Plano pré-formatado do gênero carta pessoal.
Apesar deste texto apresentar elementos de textura e estrutura de seu plano
pré-formatado como uma carta pessoal, ao se analisar o conteúdo, percebe-se que
há uma ressignificação temática, pois não há um direcionamento a um leitor
diferente do enunciador. O que se observa é que tal escrito ganha contornos de um
monólogo reflexivo destinado à própria aluna quando ela estiver mais velha: O
motivo de estar escrevendo essa carta é para você se recordar sempre das coisas
boas que você (eu na verdade) estou vivendo. Essa marca denota uma
reacentuação discursiva para o gênero em que a carta (estrutura marcadamente
dialogal com foco em uma coenunciação) mistura-se com um discurso intimista,
monológico. Em outras palavras, mantem-se a forma, mas altera-se o tema/função
do gênero. O texto não terá mais um interlocutor (leitor preferencial) diferente do
enunciador, tampouco será enviado via sistema postal. Ele foi escrito já com o
pressuposto de fazer parte da composição do livro-portfólio dessa aluna. O escrito,
apesar de seguir os planos de pré-formatação de uma carta, ganha contornos
intimistas, reflexivos e de um monólogo como os textos produzidos em diários, por
exemplo, no qual leitor e enunciador não se diferem e é o espaço que esse encontra
9 A aluna concedeu a carta de autorização para que seu texto fosse analisado.
129
para refletir sobre suas vivências, experiências e aspirações. Há, portanto, nesse
exemplo o que Marcuschi (2005) chama de hibridez do gênero.
Outro caso em que a ressignificação do gênero pode ser observado nesta
produção de relato autobiográfico:
Figura 14. Relato autobiográfico produzido por um aluno.
Apesar de apresentar elementos previstos em seu plano pré-formatado, o
relato autobiográfico produzido pelo aluno ganha contornos ressignificativos, e
reflexivos. Ao dispor o escrito do aluno em um quadro pode-se delimitar os seguintes
limites no que se refere à textura, estrutura e semântica do gênero, verifica-se:
ELEMENTOS DE TEXTURA, ESTRUTURA E SEMÂNTICA PRÉ-FORMATADA DO
GÊNERO RELATO AUTOBIOGRÁFICO
Textura: Proposições-
enunciados e períodos.
Minha infância como um
todo, do tempo em que eu
podia brincar a tarde toda.
130
Estrutura: Sequências e planos de
texto.
Macroação de narrar.
Não precisava me preocupar
com tantas coisas como
tenho hoje.
Semântica: Representação
discursiva.
As melhores coisas que hoje
não voltam mais ficam
apenas nas lembranças [...]
Quadro 24. Plano pré-formatado do gênero relato autobiográfico.
O texto, embora narre eventos passados da vida de seu enunciador, como em
as tardes na casa da avó, as brincadeiras, não apresenta detalhes marcantes
desses acontecimentos, o que se justifica já pelo título escolhido “Lembranças”. Tais
memórias não são narradas de maneira pontual e detalhada, mas como um
exercício em que o aluno revisita seu passado e traz à tona algumas de suas
memórias de infância. Essas memórias são transpostas em um formato mais
poético, apenas como lembranças, sem o detalhamento e/ou objetividade de um
relato autobiográfico. Portanto, o gênero em questão também ganha outros
contornos e é reacentuado estilisticamente para um olhar mais literário.
Outro fator que contribui para essa noção de reflexão nostálgica é o fato do
aluno ilustrar seu texto com uma imagem de um desenho animado que fez parte de
sua infância, além dele ter datilografado para sua versão final (preferência do próprio
alunos), novamente uma menção poética/estilística. Ao se fazer uma análise
multimodal (DIONÍSIO, 2007, p.178) pontua que os “recursos visuais e verbais
precisam ser vistos como um todo, no processamento dos gêneros textuais”. É
possível perceber que tais elementos corroboram para essa noção nostálgica, uma
vez que tais recursos visuais e verbais se somam para a construção desse efeito de
sentido do texto produzido.
5.3 A interpretação do comando disparador: produções singulares e o avanço
rumo à humanização
Um fator que se mostrou importante desde o início do projeto foi a forma
como os alunos interpretariam o comando disparador para as produções textuais.
Neste ponto, defende-se o aspecto da criatividade, sob os postulados de
Mouchrioud e Lubart (2002) que a entendem como o conjunto das capacidades que
131
permitem uma pessoa comportar-se de modos novos e adaptativos em
determinados contextos. Sob essa perspectiva, quando os alunos se depararam, por
exemplo, com o comando:
Uma carta para o meu herói.
O que você diria para o seu herói? Escreva uma carta pessoal para aquele que você considera o herói da sua vida
Em tal situação, poderia se esperar que as produções fossem direcionadas
aos heróis dos filmes, dos desenhos animados, a alguns profissionais como
policiais, bombeiros, médicos ou professores, ou até mesmo aos próprios pais. O
teor da produção estaria intrinsecamente veiculado à concepção de herói que cada
aluno entenderia/interpretaria.
O dicionário Houaiss (2001) traz como uma das definições para a palavra
herói: “indivíduo notabilizado por seus feitos guerreiros, sua coragem, tenacidade,
abnegação, magnanimidade, etc [...] que arrisca a vida pelo dever ou em benefício
de outrem.” (p. 1520). Ou seja, indivíduos com traços mais concretos. Algumas
dessas expectativas puderam ser verificadas, pois houve cartas nas quais os alunos
direcionaram seus escritos para seus pais, no entanto, algumas cartas foram
direcionadas a Deus, tomando-o como herói, o que denota uma interpretação
inovadora do comando disparador, rompendo com as expectativas dos textos serem
direcionados a seres mais concretos que trouxeram algo a vida deles, ou
possibilitaram alguma mudança pontual em seu comportamento. Um exemplo de
carta direcionada a Deus pode ser verificada no texto produzido por uma aluna:
132
Figura 15. Carta para o herói produzida por uma aluna10
Direcionar a carta para o herói a Deus, no caso desse texto, denota uma
interpretação criativa por parte da aluna, uma vez que ela comportou-se de maneira
nova e inesperada frente ao comando disparador, tendo em vista as definições de
herói que podem ser encontradas nos dicionários. Para ela, Deus é o seu herói,
pois, de acordo com seu texto sem você sou fraca, mas com você sou maior. Ela
entende o conceito de herói não como alguém que arrisca a vida em benefício dos
outros, como aponta algumas definições dicionarizadas para o termo, mas como
algo superior que para ela, sustenta, dá forças e ela pode contar em todos os
momentos. Nesse caso, portanto, o ato de interpretação inovador (criativo) orientou
a escrita, bem como o teor semântico do texto.
A produção do gênero enigma exigiu dos alunos um senso criativo, não só
para produzir um texto cuja resposta era uma palavra que o traduzia, mas também a
maneira encontrada por eles para esconder a resposta em seu livro-portfólio. O
comando para a escrita do texto é: “Produção do gênero enigma: esconda aquela
palavra que te traduz.”
Alguns alunos optaram por “esconder” a palavra em outros gêneros já
produzidos, ou seja, para encontrar a resposta, o leitor deveria voltar ao início do
exemplar e ler cuidadosamente cada produção em busca da palavra-solução para o
10 A aluna concedeu a carta de autorização para que seu texto fosse analisado.
133
enigma elaborado. No entanto, uma aluna decidiu de forma inusitada, valendo-se
das técnicas de produção dos livros pop up (dobraduras que podem saltar das
páginas e estimulam o leitor a interagir diretamente com o exemplar), produzir o seu
enigma. Escondeu primeiro a resposta na própria página onde se encontrava o
texto, porém em setas que o leitor precisa manusear para encontrar a solução – são
cinco setas, quatro delas há apenas pontos de interrogação instigando o leitor a
continuar procurando. Uma interpretação criativa que ela fez do comando disparador
que solicitava a ela esconder a solução do texto, mas não indicava pistas de como
fazê-lo. Dessa forma, ela decidiu elaborar um dispositivo na própria página do
escrito, provovando o leitor a procurar pela resposta. O que se pode ser visualizado
a seguir:
Figura 16. Enigma produzido por uma aluna.
134
Outro fator relacionado ao desenvolvimento do projeto é o avançar rumo à
humanização dos alunos norteado pelos postulados de Candido (1995) que a
entende, entre outros princípios, como o exercício da reflexão e aquisição do saber;
e Freire (1969) que entre outros aspectos de uma educação humanista, enfatiza o
estímulo da criatividade.
Todas as produções para a composição do livro-portfólio demandava dos
alunos a reflexão e o ato criativo (tanto para interpretar os comandos, quanto para
produzi-los de maneira singular e na seleção dos textos que fizeram parte dos
exemplares). Tendo em mente os postulados de Candido (1995) e Freire (1969) que
afirmam que o trabalho com a criatividade e reflexão possibilita o avanço rumo à
humanização (e uma educação humanista), o desenvolvimento do projeto como um
todo se pautou nessas premissas e foi ao encontro a tais propósitos. Uma das
produções que indicam esse trabalho pode ser verificado no poema autorretrato
produzido por um aluno:
Figura 17. Poema autorretrato produzido por um aluno.
135
É válido ressaltar que o poema é, entre os gêneros trabalhados, o que
permitia a maior liberdade de composição, por ele, na contemporaneidade, não ser
mais pautado em estruturas fixas (soneto, novena, etc.). A solicitação para a
produção de um poema autorretrato possibilitou aos alunos a liberdade de se
expressarem desde que respeitassem a temática. Tal liberdade pode ser verificada
no estilo de linguagem utilizada pelo aluno no texto de exemplo, ao dar um título
para o poema em forma de pergunta e também fazer um empréstimo de um
elemento que pode ser encontrado com mais frequência nas cartas, que é o P.S
(post-scriptum). Esses elementos corroboram para o efeito de sentido do poema,
quando o aluno inicia o texto com uma pergunta e a responde no post-scriptum. A
criatividade, portanto, em fazer uso de outros elementos não característicos do
gênero e construção em forma de negação do poema (percebida somente após o
término da leitura) é um fator presente nessa produção.
A reflexão que o aluno faz ao se retratar em forma de poema é outro aspecto
encontrado nessa produção. O escrito traz afirmações que são negadas ao final do
texto levando a entender que o aluno fez um jogo de palavras durante o texto, no
qual ele nega ser medroso, covarde, introvertido e não amar a família, por exemplo.
Tais elementos são fruto do ato reflexivo do aluno em selecionar características
particulares dele para se retratar sob a forma de texto. Para essa produção, ele
precisou ponderar sobre aspectos característicos dele – selecionado entre tantos
outros – e ordená-los para compor o escrito.
O ato reflexivo se mostra presente nessa produção (e nas outras
anteriormente expostas) e denota que, por meio da produção do livro-portfólio,
houve um avanço rumo à humanização desse aluno (e dos demais), uma vez que a
reflexão, de acordo com os postulados de Candido (1995), é um dos fatores que
pode levar à humanização e precisa estar presente em práticas de ensino e
aprendizagem que visem a uma educação humanista, como salienta Freire (1969).
Com a análise de tais textos, foi possível perceber que o produto educacional
desenvolvido obteve resultados satisfatórios e além dos esperados, vindo de
encontro aos pressupostos teóricos que nortearam o projeto, tanto com relação ao
desenvolvimento do pensamento tecnológico, a humanização, a ressignificação dos
gêneros, como também se mostrou uma prática dentro dos parâmetros dos
multiletramentos (ROJO, 2012) que estabelece que os textos, no atual contexto,
jamais foram tão interativos, tampouco híbridos e abstratos, capazes de se
136
readequarem, tomar novas formas ou se liquefazer ao bel-prazer do sujeito
enunciador/interlocutor e de seus contextos de produção e recepção, por
conseguinte é indispensável levar os alunos a um conhecimento prático e funcional
dos elementos/textos para que assim eles possam reconfigurá-los em diferentes
modos e usos de maneira eficiente.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhar com produção de texto escrito em sala de aula é um grande
desafio tanto para professores, quanto para o alunado. O ato de tecer um texto exige
variados conhecimentos e manuseio de técnicas e competências acuradas da
linguagem escrita. Não basta apenas ter o que dizer, mas saber como fazê-lo, por
meio de um gênero do discurso mais adequado ao referido ato de comunicação,
tendo em mente que o escrito precisa ser compreendido de maneira eficiente, e que
– querendo ou não – as marcas do enunciador ficarão inferidas, seja pelos
pressupostos ou subentendidos.
Uma prática que tenha em mente o desenvolver do pensamento tecnológico
e o avançar rumo à humanização dos alunos por meio da produção de texto e a
interpretação criativa de seu comando disparador é um feito que exige planejamento
acurado e objetivos claros. No entanto, os resultados por ela obtidos se mostraram
enriquecedores (tanto para professor, quanto para o aluno). Os objetivos foram não
só alcançados como surpreendentes, uma vez que, por meio dos textos aqui
analisados, foi possível verificar o ato reflexivo por parte dos alunos ao produzirem
textos críticos, reflexivos, intimistas e singulares resultado de uma interpretação
criativa e inovadora dos comandos disparadores – como a carta para o herói
destinada a Deus, e o poema autorretrato, por exemplo – mostrando que houve um
avanço com relação à humanização. Foi possível verificar o desenvolvimento do
pensamento tecnológico (criativo) não apenas por meio dos atos de interpretação,
mas também pelas soluções criativas dadas pelos alunos em determinadas
situações de produção – como no caso do enigma que a aluna criou um dispositivo
pop up no qual continha a solução, por exemplo. Uma prática, portanto, que se
mostrou eficaz, rica e agentiva.
Sob o questionamento de como inserir as tecnologias em sala de aula de
maneira eficiente em uma prática significativa, objetivou-se, principalmente,
desenvolver um produto educacional que abarcasse o desenvolvimento do
pensamento tecnológico – uma vez que a obsolescência das máquinas é um fator
que atrapalha ou impede o aprimoramento no trato com as tecnologias em sala de
aula – e avançar rumo à humanização dos alunos. A pesquisa também se
empenhou em analisar os dados obtidos sob os planos configuracionais mais fixos
138
(ADAM, 2017), ressignificação, hibridez e reacentuação (MARCUSCHI, 2005;
SILVEIRA, ROHLING e RODRIGUES, 2012) dos gêneros produzidos. Esse olhar
representou uma possibilidade rica de trabalho em sala de aula no sentido de
incentivar a criatividade e o pensamento humanista pela análise e produção de
situações sociodiscursivas no ambiente escolar. A forma pontual, direcionada e
reflexiva de interpretação do comando disparador influenciou na produção do texto,
atribuindo-lhe contornos singulares como pode ser visto nas atividades com o
autorretrato e da carta para o herói.
Debruçar-se sobre tal projeto é de longe uma tarefa fácil, mas cada etapa
concluída, cada superação dos alunos e, principalmente, cada barreira transposta
fez que seu desenvolvimento se tornasse uma experiência única e ímpar.
Das dificuldades enfrentadas, certamente o de envolver todas as facetas do
projeto e desenvolvê-las nas aulas de Produção de texto, principalmente as de teor
artístico como a customização das páginas e as produções das capas foram as que
mais demandaram tempo, habilidade, destreza, percepção e (re)planejamento do
professor-pesquisador, mas enriqueceram ainda mais a atividade com a
possibilidade de integrar duas ou mais disciplinas (Química, Física, Artes). Atrasos
nas entregas das versões iniciais e finais e o protelar de algumas produções por
parte dos alunos também se mostraram fatores dificultadores. No entanto, estes
foram resolvidos por meio do diálogo e pela elaboração de um mapa de evolução
das produções que incentivava os alunos a concluir o projeto.
Alterações complementares poderiam ser realizadas em futuras aplicações,
de acordo com o contexto no qual o professor que se dispor a desenvolver o projeto
estiver inserido. A abertura para um desenvolvimento de forma multidisciplinar
poderia ser uma delas. Dessa forma, o professor de Português ficaria encargo
apenas das produções textuais, (correções e produções iniciais e finais dos textos).
O professor de Artes poderia, por exemplo, trabalhar com a customização das
páginas, produção de autorretrato sob a perspectiva de um estilo artístico e a
confecção das capas. O professor de Química, também de forma conjunta, poderia
confeccionar com os alunos o papel reciclado para as produções textuais –
englobando conteúdos também pertinentes a sua disciplina como reações químicas
e a experimentação. Outros gêneros poderiam ser introduzidos, como resumo (um
resumo da minha vida), a resenha de um filme ou livro, em outros níveis, por
exemplo.
139
A essência do projeto, no entanto, em promover produções que almejassem
o avançar rumo à humanização e o desenvolvimento do pensamento tecnológico em
sala de aula, certamente não se perderia, pois os resultados aqui obtidos tanto nas
reflexões feitas pelos alunos, por meio de seus escritos, quanto na projeção do
projeto como um todo e na solução de problemas – seja de escrita ou de
interpretação – foram extremamente válidos e produtivos.
A produção de um livro-portfólio é uma experiência transformadora para
todos os envolvidos e que, sem dúvida, ficará na memória de cada um dos alunos
como uma prática crítica e reflexiva, mas, sobretudo, criativa e sem amarras. Tal
perspectiva pode ser verificada, por exemplo, neste trecho de um prólogo produzido
por uma aluna: Nunca pensei como seria minha vida daqui alguns anos e jamais
imaginei que escreveria sobre meu maior medo, para meu futuro, fazer um poema,
minha música preferida e coisas que eu gosto em um só lugar.
Levar os alunos a uma prática significativa de produção textual, na qual eles
precisem refletir sobre suas experiências (relato de viagem e autobiográfico),
inspirações (adágio), aspirações (carta para o futuro), enfrentarem seus medos
(carta para o medo), sem dúvida é uma atividade enriquecedora e transformadora.
Em um contexto geral, os alunos se sentiram motivados e se emprenharam em
escrever textos reflexivos e intimistas imprimindo sua identidade em cada produção
para que seu livro-portfólio não fosse só mais uma proposta de produção de texto,
mas que fosse uma maneira deles se retratarem e se expressarem por meio de
textos verbais e não verbais.
140
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