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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO,
ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA
MÁRCIA TOSTES COSTA DA SILVA
A CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NO BRINCAR
COM SUCATA: A EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS DE DOIS ANOS A DOIS ANOS
E TRÊS MESES.
São Paulo
2017
MÁRCIA TOSTES COSTA DA SILVA
A CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NO BRINCAR
COM SUCATA: A EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS DE DOIS ANOS A DOIS ANOS
E TRÊS MESES.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.
ORIENTADORA: Profª Drª Maria De Fátima Ramos De Andrade
São Paulo
2017
S586c Silva, Márcia Tostes Costa da.
A construção do processo de imaginação e criação no
brincar com sucata: a experiência com crianças de dois anos
a dois anos e três meses / Márcia Tostes Costa da Silva – São
Paulo, 2017.
128 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2017.
Referência bibliográfica: p. 118-125.
1. Creche. 2. Processo de imaginação e criação. 3. Criança.
4. Brincadeira. 5. Sucata. I. Título.
CDD 372.21
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me inspirado, iluminado e instruído na escrita de
cada linha desta pesquisa, principalmente, por fortalecer e renovar as forças quando
não às possuía mais. A Deus, toda honra e glória para sempre!
Ao meu amado esposo Edson que pacientemente me acompanhou em todo o
percurso da pesquisa, ouviu os meus discursos teóricos e ofereceu-me acolhida
quando me sentia sobrecarregada, tornando mais suave essa caminhada.
Aos meus filhos Edson e Rebeca que souberam compreender as minhas
ausências nos passeios da família e que demonstraram paciência e amor nesse
período.
Ao meu pai, tão querido e amado, por sentir orgulho da filha e acreditar que
em Deus essa vitória seria possível.
À minha orientadora Maria de Fátima pela generosidade em compartilhar
conhecimentos, por me aquietar nos momentos mais críticos e por orientar as
minhas ideias quando não sabia qual direção seguir.
À Universidade Presbiteriana Mackenzie pela formação proporcionada, a
todos do Programa de Pós-Graduação Educação Arte e História da Cultura, a todos
os professores e funcionários.
Às professoras Mirian Celeste, Silvana e Ingrid pelas aulas inspiradoras.
Às professoras Márcia Gobbi e Ingrid Ambrogi que participaram da minha
banca de qualificação com preciosas colaborações que resultaram nesta pesquisa.
À Secretaria Municipal de Educação de Carapicuíba, em especial, à área de
supervisão de educação infantil que me encaminharam e autorizaram a realização
desta pesquisa em uma de suas escolas infantis.
À escola que bondosamente abriu as portas para a realização da pesquisa, à
professora da sala e as crianças que me acolheram gentilmente.
Às minhas amigas Maria Helena, Neusa, Nerli e Janaína que ao lerem os
meus textos colaboraram significativamente com a finalização da pesquisa.
À Isabel Cristina pela compreensão e generosidade nos momentos mais
difíceis e por compartilhar saberes e inspirar-me na busca de novos conhecimentos.
Meu muito obrigada sincero a todos que direta ou indiretamente participaram
dessa construção!
[Na criança] as coisas passam-se como nos sonhos: não conhece nada de duradouro, acha sempre que tudo lhe cai em cima, vem ao seu encontro, esbarra com ela. Os seus anos de nomadismo são horas na floresta do sonho. Daí traz a presa para casa, para limpá-la, consolidá-la, libertá-la de encantamentos. As suas gavetas têm de se transformar em arsenal e jardim zoológico, em museu do crime e cripta. “Arrumar” seria destruir uma toca cheia de castanhas eriçadas que são clavas, papéis de prata que são um tesouro, blocos de madeira que são caixões, cactos que são totens e moedas de cobre que são escudos (Walter Benjamin, 2013).
RESUMO
A presente pesquisa investiga como a criança ao brincar com sucata, no ambiente
da creche, constrói o seu processo de imaginação e criação. A partir de uma
abordagem qualitativa foi desenvolvida uma pesquisa-ação em uma creche
localizada no município de Carapicuíba. Participaram nove crianças da creche, de
ambos os sexos, com idades entre dois anos a dois anos e três meses. Da pesquisa
realizada foi possível constatar que a criança amplia o processo de imaginação e
criação quando, em contato com os materiais, os explora de diversas maneiras,
ressignificando-os. Evidenciou-se nesta pesquisa que a sucata por si só na
experiência com crianças bem pequenas sem a organização em espaços não amplia
o processo de criação e imaginação. Os aportes teóricos utilizados foram: Philippe
Ariès (1981), Loris Malaguzzi (1999), Tizuko Morchida Kishimoto (1998, 2010ab),
Gilles Brougère (2008), Luise Weiss (1989), Lev Vygotsky (2007, 2009), Aldo
Fortunati (2009), Jens Qvortrup (2011), Ana Lúcia Goulart Faria (1999), Daniel B.
Elkonin (2009) e Michel Thiollent (2009).
Palavras-chave: creche, processo de imaginação e criação, criança, brincadeira e
sucata.
ABSTRACT
The present research investigates how a child builds their imagination and creation
process by playing with scrap material in the nursery environment. An action-
research was developed from a qualitative approach in a day care center located in
Carapicuíba, a city in São Paulo, Brazil. The project acted with nine children, boys
and girls, aged between two and two years and three months. It was possible to
verify that the child enhances imagination and creation process when he or she
explores scrap materials in different ways, re-signifying them. However, the process
of expanding creation and imagination will not occur only by the material itself, it
needs organization in spaces. The reference scholars for this project were Philippe
Ariès (1981), Loris Malaguzzi (1999), Tizuko Morchida Kishimoto (1998, 2010ab),
Gilles Brougère (2008), Luise Weiss (1989), Lev Vygotsky (2007, 2009), Aldo
Fortunati (2009), Jens Qvortrup (2011), Ana Lúcia Goulart Faria (1999), Daniel B.
Elkonin (2009) e Michel Thiollent (2009).
Keywords: day care, process of imagination and creation, child, play and scrap
material.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Espaço externo da escola............................................................. 67
Figura 2 Crianças brincando com os chocalhos.......................................... 70
Figura 3 K explorando os potes................................................................... 75
Figura 4 PD explorando os potes de Danone.............................................. 75
Figura 5 PD explorando as caixas............................................................... 76
Figura 6 M explorando o pote...................................................................... 76
Figura 7 PD explorando os potes................................................................ 79
Figura 8 PD equilibrando os potes............................................................... 79
Figura 9 PD explorando as caixas............................................................... 80
Figura 10 PH e I explorando as caixas.......................................................... 80
Figura 11 PH, K e I entrando no espaço........................................................ 82
Figura 12 M explorando os tecidos................................................................ 84
Figura 13 J, PH, PD e P explorando as sucatas............................................ 85
Figura 14 K, P, PH e B brincando de cozinhar............................................... 86
Figura 15 M, J e K explorando o teclado do computador............................... 89
Figura 16 PD explorando caixas.................................................................... 90
Figura 17 J e B explorando o telefone............................................................ 91
Figura 18 PD explorando o teclado em forma de trem.................................. 91
Figura 19 PD, P, I e P explorando o balde, a água e a terra.......................... 93
Figura 20 PH, P, I explorando potes e B explorando os prendedores de
Roupa............................................................................................. 94
Figura 21 M, MT e J explorando as sucatas.................................................. 95
Figura 22 M, MT, J e PD explorando a água e os potes................................ 96
Figura 23 J e PD explorando o balde e a água (conceito de Rotulação)...... 97
Figura 24 M explorando os potes para brincar de cozinhar.......................... 99
Figura 25 M explorando os potes para cozinhar........................................ 100
Figura 26 MT explorando as sucatas, a água e a terra................................ 101
Figura 27 J explorando sucatas, a água e a terra........................................ 102
Figura 28 P e PH explorando as sucatas, a terra e a água........................... 103
Figura 29 P querendo alimentar o PH; B explora ao lado
os potes......................................................................................... 104
Figura 30 PH e I explorando os tubos de PVC............................................ 106
Figura 31 P e PD explorando as sucatas...................................................... 107
Figura 32 J, M, PH e PD explorando as sucatas........................................... 108
Figura 33 I, M, J e B explorando os canos de PVC e os baldes.................... 109
Figura 34 PD explorando as caixas............................................................... 110
Figura 35 PD explorando as caixas............................................................... 111
SUMÁRIO
Prefácio.............................................................................................................. 12
Introdução........................................................................................................... 16
1 Definindo conceitos: infância, criança e educação infantil...................... 20
1.1. Construindo o conceito de infância como histórico e social –
contribuições de Philippe Ariès................................................................ 20
1.2. A concepção moderna de infância e criança em John Locke e
Rousseau................................................................................................. 23
1.3. Infância como histórica, social e coconstruída pelas crianças -
a concepção contemporânea de infância................................................ 25
1.4. A educação infantil do assistencialismo à etapa da educação
básica: fundamentos legais...................................................................... 29
1.5. O espaço: um elemento importante na educação infantil........................ 35
2 As contribuições de Vygotsky para educação infantil com crianças
até 3 anos................................................................................................ 39
2.1. Vygotsky e a abordagem histórico-cultural.............................................. 39
2.2. Alguns conceitos da abordagem histórico-cultural................................... 40
2.2.1. A imaginação e a criação......................................................................... 44
2.2.2. A construção do processo do brincar imaginário em crianças de
dois a três anos...................................................................................... 49
3 Metodologia: o caminho percorrido na creche........................................ 55
3.1. Assim nasce um objeto de pesquisa....................................................... 55
3.2. O método................................................................................................. 59
3.3. A escolha da sucata como material pedagógico...................................... 61
3.4. A creche: Contexto coletivo e colaborativo.............................................. 63
3.5. O percurso com o berçário II - meus companheiros de
pesquisa (as crianças e a professora)...................................................... 64
3.5.1. Primeiro Encontro - Conhecendo o contexto - Olhos curiosos e
atentos– Quem será esta pessoa estranha?............................................ 68
3.5.2. Segundo Encontro: Que brinquedos legais! Podemos brincar com
eles? ........................................................................................................ 72
3.5.3. Terceiro encontro – Mudando a rota........................................................ 74
3.5.4. Quarto Encontro – Olha quanto lixo!........................................................ 77
3.5.5. Quinto encontro. Que legal! Olha só esse lugar!..................................... 82
3.5.6 Sexto encontro. Uma nova atmosfera no berçário II............................... 88
3.5.7 Sétimo e oitavo encontro – Água amigos! Que festa!............................. 93
3.5.8. Nono encontro – Terra, água e muita brincadeira!.................................. 99
3.5.9. Décimo encontro – Que espetáculo! Olha a minha criação!.................. 105
Considerações Finais....................................................................................... 113
Referências....................................................................................................... 118
Anexos.............................................................................................................. 126
12
PREFÁCIO
TRAJETO DE VIDA COMO REVELADOR DO OBJETO DA PESQUISA
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar! (EDUARDO GALEANO, 2002 apud BARBIERI, 2012, p.115)
Acredito que a melhor maneira de iniciar esta reflexão é com as palavras de
Galeno, que tão bem expressam o modo como compreendo a vida e como o meu
aprendizado é conduzido, pois diante do novo a sensação é de espanto e admiração
e a parceria do outro nessa jornada é uma mistura de alegria e gratidão.
Nasci numa família pobre, evangélica, composta por quatro pessoas. Meu pai
estudou até o quarto ano primário, mas sempre foi muito crítico, expressava-se bem
e conversava sobre todos os assuntos, gostava muito de ler. Minha mãe uma mulher
muita sábia, também cursou até o quarto ano primário, era extremamente habilidosa
com as mãos, uma artista nata para artesanato e possuía uma paixão especial pelas
plantas, mulher de uma imensa generosidade para compartilhar o seu saber com os
outros. Penso que minha habilidade e interesse tanto por criar brinquedos como
produzir artesanato e cuidar de plantas, tenha sido inspiração da vida cotidiana de
minha mãe.
Desde criança alimentava o sonho de um dia tornar-me professora, enquanto
não podia realizá-lo, brincava de ensinar com a minha irmã mais nova e lia a Bíblia
nos finais de tarde para minha avó que era analfabeta.
A brincadeira fez parte da minha infância, entre brincar de escola, de casinha
com bonecas e passear com elas nas ruas, também criava os meus brinquedos de
tesouros que encontrava pelo quintal e na rua. A minha avó alimentava as nossas
brincadeiras na qual participava ativamente entrando na fantasia e fornecendo os
materiais necessários para que a brincadeira acontecesse. Foi um tempo vivido de
muita criação e imaginação e extremamente significativo para minha vida.
Com relação ao meu percurso escolar até o Ensino Médio (antigo segundo
grau), realizei-o em escola pública e sempre me dediquei aos estudos e me
destaquei com boas notas, pois considerava inadmissível tirar nota baixa. Quando
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chegou o tempo de optar entre o científico e o magistério, por influência do meu pai,
optei pelo científico, pois este não valorizava o magistério como profissão. Fato que
me arrependi mais tarde, mas a vida com suas surpresas me colocaria na trilha do
magistério.
Após o segundo grau cursei Faculdade Teológica na de área Educação
Cristã, na sequência atuei em comunidades evangélicas e carentes com treinamento
de liderança direcionada ao ensino.
Decorridos alguns anos e já com filhos pequenos, iniciei o curso de
Pedagogia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, esse foi um tempo profícuo de
debruçar sobre a teoria para alimentar a prática, pois enquanto cursava a
graduação, iniciei a minha prática docente como professora eventual no Estado,
lecionando História para os primeiros, segundos e terceiros anos do ensino médio.
Ao iniciar a primeira aula percebi o desinteresse dos alunos pela matéria, após
realizar um diagnóstico com a turma, compreendi que a razão do desinteresse
estava associada ao fato deles não perceberem a utilidade do curso de História para
suas vidas. Neste momento eu compreendi que os conteúdos aprendidos na
faculdade, poderiam ser o alicerce para a construção de prédios e edifícios na minha
prática. Decidi estabelecer um elo entre a história apresentada no livro didático
(pertencente ao currículo) e o contexto social, ou seja, estudamos a colonização da
África, a sua descolonização, a queda do muro de Berlim e outros temas,
procurando entender a influência direta dessas interferências nos dias atuais. A cada
tema estudado no livro didático, procurávamos confrontar com a realidade, por meio
de revistas e jornais (pois a internet não estava acessível aos alunos). Encerramos o
semestre com alunos motivados, discutindo, analisando, dividindo as suas
aprendizagens com os colegas, fato que anteriormente não ocorria, pois a timidez e
a indiferença com relação aos assuntos estudados eram constantes, mas a partir da
conexão entre a teoria e a prática, eles compreenderam a importância da história
para suas vidas. Esta experiência me marcou como professora e decidi que por
onde passasse procuraria deixar essa marca e esta seria a minha bandeira na
educação.
O tempo de universidade também me trouxe outras experiências como a
participação em um grupo de pesquisa, que desenvolveu um trabalho interdisciplinar
em duas escolas públicas da Vila Prudente, em São Paulo, com alunos de 3º e 4°
anos do ensino fundamental pertencentes a uma comunidade muito carente. Essa
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pesquisa resultou em muitas experiências relacionadas ao contexto da sala de aula
e com reuniões de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) e na
publicação de um livro chamado – “O despertar da sensibilidade na educação”. Além
disso, enquanto cursava a graduação tive a oportunidade de participar da
Universidade Solidária em Matina na Bahia, com um grupo interdisciplinar de alunos
do Mackenzie. Este foi um momento ímpar de colocar em prática o que eu vinha
aprendendo no curso e de dividir com uma população carente conceitos de
educação tais como saúde e higiene.
Outras formações construíram a minha história curricular como a Pós-
Graduação em Gestão Escolar, Especialização em Educação Ambiental, todas
essas vieram agregar valores e saberes para a minha prática.
Hoje atuo como professora de Educação Infantil e há doze anos atuando em
rede pública com experiências distintas: dois anos como professora de pré-escola,
sete anos como professora de creche e quatro anos como formadora de
professores. Neste tempo procurei realizar um trabalho direcionado às crianças,
pesquisando e buscando entender o que elas queriam me mostrar, quais suas
necessidades e como aprendiam. Foi um tempo em que pude colocar em prática a
teoria aprendida na faculdade, constatei que os projetos quando realizados com as
crianças envolvendo atividades práticas (como propunha Vygotsky, Montessori e
outros) como horta, jardim, boa alimentação, valores e outros, agregavam
conhecimento efetivo às crianças que construíam seus aprendizados felizes e com
encantamento. Durante este tempo tão rico de aprendizagens a teoria era minha
parceira quando procurava compreender as situações da sala de aula e encontrar
soluções para a prática.
Atualmente, em exercício na Secretaria de Educação da Prefeitura de Barueri,
compreendo o quanto esse tempo de sala de aula foi benéfico para a função que
exerço na formação de professores, pois posso compreender as angústias e
ansiedades dos professores para atuar com as crianças. Esse tempo de sala de aula
ancorada à teoria garantiu-me sensibilidade e segurança para valorizar e acreditar
no trabalho do professor e nas intervenções realizadas com meus pares. Todas
essas ações sempre são permeadas de certezas de que teoria e prática se
retroalimentam como propunha a professora Graça Mizukami.
Conclui o curso de Pedagogia em 2004 e em 2015 iniciei o mestrado, um
sonho que adiei por onze anos e quando iniciei lá estava eu como Diego pedindo
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para que professores e colegas me ensinassem a ver o mar de conhecimento que
se abria em minha frente.
O mestrado foi uma conquista árdua, um tempo de construção e
desconstrução de saberes. Esse foi moldado de forma interdisciplinar, possibilitou o
contato com uma turma heterogênea, rica de conhecimentos, colegas de diversas
áreas do campo do conhecimento que me ajudaram a construir a trama do
aprendizado, de uma forma harmônica, rica, prazerosa, regada pela amizade e a
parceria, com a soma de professores capacitados e humanizados que possibilitaram
o êxito na caminhada.
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INTRODUÇÃO
O interesse por esta pesquisa surgiu da experiência do trabalho realizado em
creche na cidade de Barueri, localizada na Zona Oeste da Região metropolitana de
São Paulo, durante os sete anos que atuei como professora de escola maternal
(como são denominadas as escolas de 0 a 3 anos neste município), com salas de
primeira fase (1 a 2 anos) e concomitante a sala de berçário (0 a 1 ano) que
trabalhei dois anos. Durante este período angustiava-me com o fato de as crianças
ficarem um longo período na escola, das sete às dezessete horas, com poucas
oportunidades para construir aprendizagens a partir dos brinquedos ofertados.
Embora a escola possuísse uma grande quantidade de brinquedos industrializados e
muitos espaços divididos por temática como: meio ambiente, brinquedoteca, parque,
jogos, casinha e outros, ainda era visível que faltava algo que aproximasse as
crianças do seu contexto e que pudesse oferecer-lhes mais oportunidades para livre
criação e imaginação.
Outro fato que também me chamava à atenção era o medo e a ansiedade das
professoras que assumiam as fases de um a dois anos, que demonstravam não
saber como realizar um trabalho com estas crianças e nem quais materiais poderiam
utilizar para exploração, uma vez que consideravam as crianças muito pequenas.
Percebi que durante os anos em que atuei com as salas de um e dois anos,
nos momentos em que as crianças entravam em contato com uma tampinha de
garrafa, frasco de plástico, caixa de papelão ou qualquer outra sucata, elas
demonstravam interesse em explorar este objeto. Fui percebendo que o interesse e
o tempo dedicado à exploração destes materiais eram superiores ao do brinquedo
industrializado.
Hoje afastada da sala de aula e trabalhando na Secretaria de Educação deste
mesmo município como integrante da Equipe de Apoio Pedagógico (formação de
professores), converso com os professores e visito as escolas maternais e ainda
percebo o interesse das crianças em explorar as sucatas. Tal fato despertou-me o
interesse em pesquisar o brincar com a sucata nessa faixa etária, visando investigar
e responder ao seguinte questionamento: Como a criança de dois até três anos
constrói o processo de imaginação e criação por meio do brincar com a sucata?
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A hipótese para a realização da pesquisa foi: O processo de imaginação e
criação na criança é construído quando ela ao brincar com sucata sob a mediação
do adulto, em espaços organizados – explora esse objeto por meio dos sentidos,
interage com as crianças e os adultos, imita as ações dos adultos ressignificando-as
e atribui ao objeto a sua função social.
Partindo deste pressuposto serão utilizados os seguintes referenciais teóricos:
Philippe Ariès (1981), Loris Malaguzzi (1999), Tizuko Morchida Kishimoto (1998,
2010ab), Gilles Brougère (2008), Luise Weiss (1989), Lev Vygotsky (2007, 2009),
Aldo Fortunati (2009), Jens Qvortrup (2011), Ana Lúcia Goulart Faria (1999) e Daniel
B. Elkonin (2009) e Michel Thiollent (2009).
Com base nos argumentos supracitados e para uma melhor compreensão do
tema os objetivos da pesquisa são:
Analisar como a criança, ao atuar com a sucata, constrói o processo de
imaginação e criação.
Valorizar a sucata como instrumento de construção de aprendizagens.
A metodologia utilizada nesta pesquisa é a pesquisa-ação definida por Thiollent
como:
[...] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
a concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos
de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2009, p.16).
A pesquisa foi desenvolvida em parceria com o professor da sala, o
pesquisador e as crianças, olhando para as ações da criança visando compreender
o processo de imaginação e criação pelo brincar com a sucata. Este trabalho foi
realizado por meio de encontros com as crianças de dois anos a dois anos e três
meses e a professora da sala na creche.
Inicialmente contactamos com a Diretoria de Ensino da cidade de Carapicuíba
para uma possível indicação de uma escola infantil para a aplicação da pesquisa.
Em seguida após conversar com a diretora e a coordenadora, conhecer a
escola e suas professoras e ter como parceira e coparticipante da pesquisa a
professora do berçário II, a professora e eu, definimos que seriam dez encontros,
sendo dois diagnósticos e oito de aplicação da pesquisa. Logo após o próximo
passo foi a organização do grupo da pesquisa que ficou composto de nove crianças,
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sendo seis meninos e três meninas na faixa etária de dois anos a dois anos e três
meses.
A próxima etapa foi conhecer os espaços da escola para verificação do local
onde ocorreria a pesquisa. Ficou decido que seria um corredor que ladeava uma
sala, pois os espaços que a escola disponibilizou para a realização da pesquisa
foram dois: uma área externa arborizada e com terra, mas que causava insegurança
nos adultos, porque consideravam a altura do muro que dava acesso à rua, muito
baixo e o outro que ficava na frente da brinquedoteca, este era local de passagem
de todos que se dirigiam a brinquedoteca. Com a definição do local da aplicação da
pesquisa, realizamos dois encontros diagnósticos para conhecer o contexto: como
as crianças interagiam com os adultos e com as crianças, como ocorria à rotina da
sala, que brinquedos possuíam e como relacionavam-se com eles. Estes dois
encontros nos ajudaram a definir que somente as sucatas seriam utilizadas como
materiais para o desenvolvimento da pesquisa e que estas estariam dispostas no
chão do espaço, separadas por categorias como: potes, garrafas pet, caixa de
papelão, teclados de computador, canos de PVC entre outros, para que as crianças
as explorassem livremente.
Todas as experiências propostas às crianças com as sucatas nos espaços, as
categorias de sucatas que foram disponibilizadas e inclusive a organização e
reorganização do espaço foram balizadas pelas ações das próprias crianças que
eram observadas e fotografadas enquanto ocorriam as interações com as sucatas,
com o espaço e com os adultos e também das análises destas ações nos diálogos
em reuniões com a professora da sala após cada encontro, quando eram analisadas
as experiências das crianças por meio das fotografias, dos registros do pesquisador
e das memórias de ambos. Desta soma, olhar as ações das crianças e dialogar com
a professora a partir das crianças resultou em mudança na forma de conceber a
criança, não mais frágil, incapaz, incompleta, mas criativa, potente, ator social,
sujeito de direitos; também resultou em mudança de prática: menos tempo de vídeo
ligado na sala, mais interação das crianças com o espaço externo e com outros
materiais, a utilização da sucata na prática docente como recurso pedagógico para
ampliar o imaginar e criar, a utilização de espaços para possibilitar a interação com
os brinquedos, com as crianças e os adultos, mais valorização e incentivo à
produção da criança e equilíbrio entre o cuidar e o educar, com um cuidar que educa
e um educar que cuida.
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Desta forma Assim a presente pesquisa está estruturada da seguinte forma:
No capítulo 1: “Definindo conceitos - infância, criança e educação infantil”,
inicialmente apresentamos a infância como construção histórica e social, para tanto,
tomamos emprestado as contribuições de Philippe Ariès, Jon Locke e Rousseau e
na sequência agregamos a este conceito a visão contemporânea de infância como
coconstruída pelas próprias crianças nos seus contextos culturais e sociais
(QVORTRUP, 2011), o conceito de criança adotado neste trabalho é o de ator social
e sujeitos de direitos. Também definimos que tipo de educação infantil seria
necessária para contemplar essa criança, para isso construímos o seu percurso do
assistencialismo à etapa da educação básica, com seus fundamentos legais e
apresentamos o espaço como um elemento importante das escolas infantis.
No capítulo 2: “As contribuições de Vygotsky para educação infantil com
crianças até 3 anos”, apresentamos a biografia de Vygotsky, a sua abordagem
histórico-cultural e suas contribuições à educação. Também apontamos alguns
conceitos da abordagem histórico-cultural tais como: aprendizagem e
desenvolvimento, conceito de internalização, Zona de Desenvolvimento Proximal,
linguagem e brinquedo. Definimos imaginação e a criação segundo Vygotsky e
apresentamos a construção do processo do brincar imaginário em crianças de dois a
três anos partindo da ótica deste autor e das contribuições dos autores - Kishimoto,
Brougère, Elkonim, Bondioli e Mello e Singulanni.
No capítulo 3: “Metodologia: o caminho percorrido na creche” apresentamos o
método deste trabalho como pesquisa-ação ou pesquisa em ação, dentro da
abordagem qualitativa, a técnica utilizada para elucidar o objeto de pesquisa foi a
observação participante. Apresentamos a creche onde foi realizado o estudo e os
participantes da pesquisa: a professora e as crianças; o material a ser utilizado na
pesquisa - as sucatas e na sequência descrevemos como ocorreram os dez
encontros no espaço da escola.
A partir deste estudo concluímos que a criança bem pequena constrói o
processo de imaginação e criação quando entra em contato com um objeto
explorando-o de diversas maneiras por meio dos sentidos, utiliza-o conforme a sua
função social imitando a ação dos adultos com esses objetos de forma ressignificada
e criativa.
20
CAPÍTULO 1
DEFININDO CONCEITOS: INFÂNCIA, CRIANÇA E EDUCAÇÃO INFANTIL
A proposta deste capítulo é abordar a infância como construção histórica e
social (SARMENTO, 2005) e agregar a esse conceito a visão de infância
coconstruída pelas próprias crianças nos seus contextos culturais e sociais
(QVORTRUP, 2011). O percurso histórico desenvolvido tomará como ponto de
partida os estudos de Philippe Ariès e seguirá emprestando as ideias de John Locke,
Rousseau, Sarmento, Corsaro e Qvortrup. Também apresentamos as conquistas da
educação infantil que deixa a sua condição assistencial inicial para entrar para o
âmbito da educação, por meio de legislações que asseguraram-lhe essa condição e
garantiram a criança o conceito de sujeito de direitos, conceito esse que se
harmoniza com a concepção de infância proposta e de criança como ator social.
Discute-se a necessidade da construção de espaços na educação infantil,
sustentado no argumento de que a criança é construção social e o espaço como
meio social lhe oferece contribuições para sua constituição como ser humano. Nesta
discussão espaço e ambiente são propostos como elementos indivisíveis pela
criança.
1.1 Construindo o conceito de infância como histórico e social – contribuições de
Philippe Ariès
Com efeito, crianças existiram sempre, desde o primeiro ser humano, e a infância como construção social – a propósito da qual se construiu um
conjunto de representações sociais e de crenças e para a qual se estruturaram dispositivos de socialização e controle que a instituíram como categoria social própria – existe desde os séculos XVII e XVIII (SARMENTO; PINTO, 2013, n.p. Grifo do próprio autor).
Antes da construção da infância, que é uma ideia da modernidade, as
crianças eram compreendidas como seres biológicos, não ocupavam um estatuto
social dentro de sua sociedade.
A ideia da infância estabelecida como uma construção social surge nos
trabalhos de Philippe Ariès, pesquisador francês que publicou nos anos 70 sua obra
a “História Social da Criança e da Família” no antigo Regime na França, que
constitui-se num material de grande importância para a história da infância
(CORSARO, 2011). Philippe Ariès encontrou nos materiais de sua pesquisa -
21
exames de pinturas, antigos diários de família, testamentos, retratos nas lápides e
nas igrejas, elementos que sustentavam a sua tese da ausência do sentimento de
infância na Idade Média. Observou que até o século XIII existia uma indiferença
pelas características próprias da infância, expressa nos trabalhos de arte da época,
que representavam as crianças com corpos de estrutura adulta como se fossem
anãs.
Tal fato justificava-se porque a sociedade considerava a criança como um ser
com uma alma mortal, frágil que poderia desaparecer a qualquer momento e de um
adulto em miniatura, pois:
A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil [...] a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades evoluídas de hoje (ARIÈS, 1981, p. 10).
Na sua pesquisa encontra-se o gênese dos sentimentos da infância
(SARMENTO, 2005), quando apontou que a ideia de infância estava ligada a dois
sentimentos contraditórios: o primeiro identificado como a “paparicação” (ARIES,
1981, p. 158)1 surgido no meio familiar, um sentimento no qual a criança era tomada
como uma espécie de distração ao adulto, por ser inocente, engraçadinha e gentil,
período considerado de extrema dependência e fragilidade da criança por parte dos
adultos; o segundo sentimento identificado como uma espécie de “moralização”2
promovida pelos juristas, eclesiásticos e reformadores, consistia numa tomada de
consciência da inocência da criança e de sua fragilidade, portanto, cabia aos adultos
protegê-la dos perigos, da promiscuidade, preservando-a e disciplinando-a. Esse
sentimento de infância para Ariès (1981) estava relacionado à tomada de
consciência por parte dos adultos da particularidade infantil, ou seja, aquilo que
diferenciava a criança do adulto.
A imagem do adulto em miniatura, ser diminuto, foi sendo modificada à
medida que se construía a concepção de infância. A construção da infância ocorreu
em virtude do desejo do adulto e das mudanças ocorridas na ruptura da Idade Média
para a Idade Moderna, gerando uma revolução em vários campos da sociedade
(CAMBI, 1999): nas relações com o trabalho, nas atividades realizadas, nas
1ARIÈS, P. História social da infância e da família. Tradução: Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro:
LTC- Livros Técnicos e Científicos Editora S.A.,1981. 2 Ibid., p.162-164
22
mudanças econômicas, no tipo de inserção da criança nessa sociedade e nos
avanços sociais ocorridos durante este período. Assim:
A ideia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Esse conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela modificação nas formas de organização da sociedade (KRAMER, 1982, p.18 apud KRAMER, 1996, p. 19).
De acordo com Ariès (1981) a mudança de atitude com relação à infância
somente foi possível porque houve uma cumplicidade sentimental das famílias que
passaram a se organizar em torno da criança, que sai da sua condição de
anonimato e, nas palavras de Frabboni (1988, p. 66)3 “transforma-se na personagem
`essencial´ do processo de transformação da família”. Com o sentimento de infância
a função da família destinada a transmitir o patrimônio e o nome, vai se alterando;
assumindo uma consciência pedagógica, uma função moral e espiritual, assim, “Os
pais já não se satisfazem em por filhos no mundo, em deixar a vida organizada
somente de alguns (os primogênitos), desinteressando pelos outros. A nova moral
impõe dar aos filhos uma preparação para a vida”.4
Surge no centro da família um espaço social à criança, desenvolve-se um
modelo de formação, privatizado e familiar e, nas palavras de Cambi (1999, p. 204),
“cria-se um saber - psicológico, médico, pedagógico - da infância, que nasce
sobretudo dos cuidados familiares”. Com isso a família retira a criança da sociedade
e torna-se um lugar educativo.
A escola exerceu um papel fundamental neste período, difundindo a
necessidade de separar a criança da vida adulta, criando uma espécie de
“quarentena” (ARIÈS, 1981, p. 277) antes de retornar à vida adulta. A escola ao lado
da família tornou-se uma “escola que instrui e que forma, que ensina os
comportamentos, que se articula em torno da didática, da racionalização da
aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina" (CAMBI, 1999, p.
205). A escola passou a substituir o sistema de aprendiz profissional nas oficinas, ao
qual a criança era submetida e inseriu uma função mais específica dirigida a
3FRABBONNI, Franco. A escola Infantil entre a Cultura da Infância e a Ciência e Didática. In:
ZABALZA, Miguel A. Qualidade em Educação Infantil. Tradução: Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre, RS: Artmed Editora S.A., 1998, p. 63-69. 4 Ibid., p. 66.
23
“inculturação” e à “socialização” das crianças nas palavras de Frabboni (1998, p.
66), com classes separadas dos adultos e também por idade.
Embora existam críticas à tese de Ariès, o seu estudo tornou-se um marco
importante, conforme dito anteriormente, para a história da infância, porque ao
preferir a singularidade em detrimento da dimensão de totalidade da história, atribuiu
à infância a concepção de construção histórica e social (KRAMER, 1996), conforme
continuará sendo apresentada neste texto por meio de filósofos e pensadores da
educação, que elegeram de acordo ou desacordo com o momento histórico um tipo
de infância.
1.2 A concepção moderna de infância e criança em John Locke e Jean–Jacques
Rousseau
É com a modernidade que surgirá o primeiro sentimento de infância e se
construirá o conceito de infância, centrada na criança, apontando para um indivíduo
transformado pelo conhecimento, valorizando o que a criança virá a ser (tornar-se
um cidadão livre). Neste conceito encontramos o pensamento de John Locke (1632-
1704), vivendo em um período em que a Europa passava por acontecimentos
revolucionários no campo da cultura com o Renascimento, na economia com o
Mercantilismo, no mundo religioso com a Reforma Protestante e na política com o
desenvolvimento do Estado Moderno (SALGADO, 2008).
É com John Locke que se encontra o conceito tábula rasa, a criança “é um
papel branco, livre de letras, sem ideia alguma” (LOCKE, 1974, p. 47 apud
OLIVEIRA-FORMOSINHO et al., 2007, p. 311). A criança nesta perspectiva era
considerada um vaso vazio, que nada sabia e que se encontrava pronta para ser
preenchido por um preceptor privado, atribuindo à educação um papel importante, o
de imprimir nas mentes vazias das crianças o conhecimento, por meio de um
preceptor e a sociedade correspondendo à tarefa de construir quase tudo de novo a
cada nova geração, uma vez que partindo do conceito de tábula rasa, as crianças
nasciam como que uniformemente em branco e eram moldáveis pelo meio externo
(OLIVEIRA-FORMOSINHO et al., 2007).
O conceito de infância defendido por Locke era de ausência, a criança era
considerada como reprodutora de conhecimento produzido por outro, passível e
sem experiências anteriores.
24
Outro nome importante para a construção da concepção da infância moderna
foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo francês que operou uma revolução
na pedagogia ao colocar a criança no centro de sua teorização. Rousseau opôs-se
a várias ideias vigentes em sua época, desde o uso de fraldas, ao de “raciocinar”
com a criança, pensamento de John Locke, o primado da instrução e da formação
moral (CAMBI, 1999, p. 343). Conforme instrui Rousseau:
[...] sede razoável e não raciocineis com o vosso aluno, sobretudo para fazê-lo aprovar o que não quer, pois levar assim sempre a razão para as coisas desagradáveis só faz torná-la aborrecida e desacreditada bem cedo num espírito que ainda não está em condições de ouvi-la (2004, p. 97).
Rousseau elaborou uma nova concepção de infância a qual era
compreendida como próxima do homem por natureza (Cambi, 1999), com
autonomia e em consonância com as etapas da primeira infância até a
adolescência, especificando as suas diversidades nas capacidades cognitivas e
comportamentos morais em cada etapa. Pois, assim dizia Rousseau (2004, p. 4):
Não se conhece a infância; no caminho das falsas ideias que se têm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de ser homem [...]
Rousseau propôs em sua obra o “Emílio” uma educação do homem pautada
no próprio homem e não para formar o futuro cidadão (como no pensamento de seu
antecessor Locke), dedicou uma atenção às necessidades profundas e essenciais
da criança, como o favorecimento das suas brincadeiras, das experiências infantis e
dos movimentos, considerando-os como necessidades primordiais para o
fortalecimento e a constituição da criança; o respeito pelos seus ritmos de
crescimento e ainda à valorização das características específicas da idade infantil,
pois para ele “A infância tem maneira de ver, de pensar e de sentir que lhe são
próprias; nada é menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas
nossas [...]” (ROUSSEAU, 2004, p. 91)5.
Percebe-se que para Rousseau a criança precisava ser respeitada desde o
seu nascimento, era inocente, naturalmente boa, a sociedade a corrompia. Assim,
para este filósofo a criança não é um adulto em miniatura, deve ser compreendida
5ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 1 - 210.
25
em sua simplicidade, com exercícios corporais “Exercitai seu corpo, seus órgãos,
seus sentidos e suas forças [...]”6
Rousseau expressava um profundo respeito ao tempo da infância, propondo
que deixassem que ela fosse amadurecida “Respeitai a infância e não vos apressei
em julgá-la”7.
É importante ressaltar que a opção da escolha somente desses dois
pensadores e não de outros tantos que poderiam compor a concepção moderna de
infância, ocorreu devido às percepções distintas que cada um possuía da infância e
da criança, enquanto um compreendia a infância como preparação para vida adulta
e período de incompletude, o outro chamava a atenção para as características
próprias da infância, para que partindo desta percepção fosse pensada a sua
educação. Percebe-se que ainda nos dias atuais muitas das ideias de Locke
povoam a escola infantil, ainda perduram práticas pedagógicas na escola infantil
que consideram as crianças frágeis, privando-as da realização de experiências com
água, com terra e areia porque podem adoecer, ou de ter acesso ao parque, a área
arborizada, ou a materiais diversificados que não pertençam a rotina da escola,
porque podem se machucar. E o que não dizer de práticas docentes que
apresentam desenhos prontos para a criança colorir e direcionam a pintura e as
cores que devem conter no desenho, a isso equivale considerar a criança como um
ser vazio, passivo e incapaz que não possui ideias próprias para criar. Assim, para
mudar estas práticas faz-se necessário que se conceba a infância com as suas
características próprias e se construa um trabalho educativo a partir da criança,
esse ainda constitui-se num desafio para a contemporaneidade.
1.3 Infância como histórica, social e coconstruída pelas crianças - a concepção
contemporânea de infância
Com o passar dos anos o modo de conceber a infância foi modificando-se,
devido ao processo de mudanças históricas - desenvolvimento cultural, econômico,
político e social que afetaram e moldaram as culturas e as sociedades (CORSARO,
2011), resultando em diferentes representações sobre as crianças, modos de
estruturar o seu dia a dia e a criação de organizações sociais e leis para elas. Mas
6 Ibid., p. 91.
7 Ibid., p.119.
26
para Zabalza (1998, p.19) o que foi ofertado à infância, foi resultado “da maior ou
menor sensibilidade dos adultos”, ou seja, a evolução da infância ocorreu em virtude
do desejo do adulto, isso porque como aponta Kuhlmann (2011) é porque as
crianças não contam suas próprias histórias, mas são os adultos que as contam,
com base em suas interpretações sobre as crianças.
Embora atualmente, conforme Zabalza (1998, p.19) ainda se trabalhe com
um conceito de infância “difuso e paternalista de direito”, mesmo assim, houve
avanços nesse sentido com a aprovação pelas Nações Unidas da Convenção dos
Direitos da Criança em 1989, que reuniu 54 artigos de forma clara, garantindo um
conjunto de direitos fundamentais à criança tais como - proteção, acesso a
tratamento de sua saúde e educação, respeito, lazer, liberdade de expressão e
pensamento e muitos outros; tais direitos expressaram o compromisso e a
responsabilidade da sociedade atual com a infância.
Para Sarmento (2005, p. 365) “A infância é historicamente construída, a partir
de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social”. Qvortrup
(2011, p. 203) corrobora com a ideia de infância como estatuto social, ao atribuí-la
como uma categoria que pertence à estrutura social, como de adulto e velhice, e
ainda como propõe o autor, a infância é “uma forma particular e distinta em qualquer
estrutura social da sociedade”. Como categoria social é permanente, persistindo
independentemente de quantas crianças entrarem e saírem dela, pois continuará
existindo como classe social. É composta por atores sociais de pleno direito
(SARMENTO, 2013), sujeitos concretos, que mesmo possuindo características
específicas relativas à idade, precisam ser compreendidos como seres que estão
para além de cuidados sociais específicos somente.
Nesta perspectiva, abre-se o diálogo para a percepção que as crianças não
só indivíduos com especificidades biopsicológicas, mas também são seres sociais
(SARMENTO, 2005), compreendidas como atores sociais “[...] actor social
reconhece-se aos seres humanos desde Weber na sua capacidade de interagir em
sociedade e de atribuir sentido às suas ações” (SARMENTO, 2013, p.n.).
Este termo é utilizado na sociologia da infância, na qual têm como alguns de
seus representantes Qvortrup, Sarmento e Corsaro, para referir-se as crianças
como seres competentes, criativos, com capacidade de formular interpretações
sobre o mundo que as cercam. As crianças também são compreendidas como
coconstrutoras da infância e da sociedade, tal fato ocorre porque quando a criança
27
interage com a natureza, com os adultos, com outras crianças e com a sociedade
contribuem para formação tanto da infância como da sociedade (QVORTRUP,
2011). Tal afirmação baseia-se no fato das crianças não viverem em mundos
especiais, mas por serem pertencentes a um contexto social, serem participantes
ativas na sociedade e segundo Qvortrup (2011) são coconstrutoras da infância
porque ocupam espaço na divisão de trabalho da sociedade, especialmente no
trabalho escolar, as crianças influenciam o mercado como consumidoras e são
diretamente atingidas quando ocorrem mudanças políticas, econômicas e sociais,
tais como desemprego dos pais ou outras. Isso porque “[...] as crianças começam a
vida como seres sociais inseridos numa rede social já definida e, através do
desenvolvimento da comunicação e linguagem em interação com outros constroem
os seus mundos sociais” (CORSARO, 2002, p. 14).
Para este autor as crianças possuem formas diversificadas e criativas de
construir e interpretar o mundo e de simbolizar a realidade, ocorrendo dentro do que
ele denomina de cultura de pares infantis “[...] um conjunto estável de atividades ou
rotinas, artefatos, valores e preocupações que as crianças produzem e
compartilhem em interação com as demais” (CORSARO, 2003; CORSARO e
EDER, 1990 apud CORSARO, 2011, p. 128). Assim, é pela cultura de pares infantis
que as crianças tentam dar sentido à realidade que as cercam e às suas
preocupações, ao formular hipóteses, apropriar-se e transformar de forma criativa
de temas da vida adulta para construírem suas próprias culturas infantis, e também
criarem resistência ao mundo adulto (CORSARO, 2002).
Para exemplificar a tentativa das crianças resistirem ao mundo adulto, o autor
conta que numa dada escola as crianças foram proibidas de levar brinquedos. Por
meio da cultura de pares infantis, que é coletiva, as crianças combinaram de levar
brinquedos pequenos que coubessem em seus bolsos ou que ficassem escondidos
dentro de algum objeto para que não fossem vistos pelo professor, assim, quando
podiam pegavam os seus tesouros e brincavam com eles, ao mesmo tempo em que
burlavam a lei dos adultos (CORSARO, 2011). Interessante, como observa o próprio
autor, é que muitas vezes os professores sabiam e aceitavam essa modificação das
regras pelas crianças. Neste sentido, o autor assevera que a cultura de pares
infantis não é uma simples imitação, mas é uma forma criativa das crianças
ressignificarem o mundo.
28
Retomando ao conceito de infância, outro elemento importante a acrescentar
é que não existe uma única infância, universal ou natural, mas sim diferentes
infâncias.
A infância não é uma experiência universal de qualquer duração fixa, mas é diferentemente construída, exprimindo as diferenças individuais relativas à inserção de gênero, classe, etnia e história. Distintas culturas, bem como as histórias individuais, constroem diferentes mundos da Infância (BOB FRANKLIN, 1995 apud SARMENTO; PINTO, 2013).
Essa compreensão de muitas infâncias possibilita entendê-la como
construída pelas crianças em contextos específicos.
Até aqui apresentamos a infância como histórica e socialmente construída,
buscou-se agregar a este conceito o de infância coconstruída pelas crianças, uma
vez que essas também são coconstrutoras, em parceria com os adultos, por
pertencerem à sociedade, pois desde o nascimento vão significando e
ressignificando a sociedade e o momento histórico ao qual pertencem. Também
discutimos o conceito de criança como atores sociais, porque “[...] crianças são
competentes e tem capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos
outros e de si próprios, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o
fazerem de modo distinto e de o usarem para lidar com tudo o que as rodeia”
(SARMENTO, 2005, p. 373). Com essa compreensão, afasta-se da ideia de criança
vir a ser, que passa a ser vista como alguém hoje, uma pessoa ativa e sujeito de
direitos e de suas ações (GOBBI; PINAZZA, 2015). E ainda como diria o poeta
“crianças são as letras antigas com que se escreve a única palavra
insuportavelmente viva” (HERBERT HÉLDER, Poesia toda apud SARMENTO, 2005,
p. 375).
Por meio desta compreensão de criança, faz-se necessário uma educação
infantil que contemple as reais necessidades e potencialidades das crianças, com
espaços que possibilitem o criar, o encantar, o imaginar, o construir e desconstruir,
embalado por fantasias, música, arte, contação de histórias e demais linguagens e
também o diálogo entre adultos e crianças. Com escolas em que a criança se faça
ouvida, com interações diversas, com ações pautadas na indivisibilidade do educar e
cuidar e com profissionais habilitados que lhe garantam o direito de aprender com
propostas educativas planejadas.
29
1.4 A educação infantil do assistencialismo à etapa da educação básica:
fundamentos legais
Olhando para o percurso da educação infantil no Brasil, percebe-se um longo
avanço no atendimento de crianças de zero a seis anos, principalmente no que
tange na mudança de postura do assistencialismo às crianças pobres para o âmbito
de direito ao acesso a uma instituição educativa para todas as crianças
indistintamente.
Durante um longo período da história no Brasil a educação infantil
permaneceu com a ênfase assistencialista, especialmente a creche, com
atendimento as crianças de zero a três anos. Possuía uma característica assistencial
voltada aos cuidados físicos, à saúde e à alimentação para crianças cujas mães
trabalhavam fora de casa. Mas foi com a Constituição Federal de 1988 que ocorreu
um salto significativo na sua história, pois a Carta Magna definiu uma nova doutrina
com relação à criança, que passou a ser considerada como sujeito de direitos
(CRAIDY, 2001) que necessita ter seus direitos garantidos por pais, sociedade e
poder público, conforme art. 227 “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação [...]” (BRASIL, 1988, art. 227). Com a
Constituição Federal de 1988 o atendimento em creche e pré-escola se concretizou
como um direito social das crianças e um dever do Estado para com a educação que
será efetivada conforme inciso IV da Constituição Federal “atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”8 (BRASIL, Art. 208, inciso IV).
Tal conquista modificou o cunho histórico assistencialista da Educação Infantil e a
trouxe para a esfera de instituição de educação, essa mudança foi fruto de um
processo de intensa luta desde os anos 70 por movimentos comunitários,
movimentos de mulheres e de redemocratização do país, que lutaram pela
implantação de creche e pré-escolas que respeitassem os direitos das crianças e
das famílias.
Outra importante definição trazida pela Constituição Federal foi o direito de
trabalhadores (homens e mulheres) terem assistência gratuita aos filhos desde o
8Com a redação dada pela emenda constitucional nº 53 de 2006 o artigo 208 inciso IV da Constituição
Federal passa a ser alterado quanto a faixa etária de término de atendimento na Educação Infantil “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”.
30
nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas (BRASIL, 1988, art.
7º XXV).
A partir da Constituição Federal foram promulgadas outras importantes
legislações para a educação infantil como a Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esta lei regulamenta o artigo 227 da
Constituição Federal de 1988 e insere as crianças no mundo dos direitos humanos.
As crianças são reconhecidas como cidadãs e como pessoas com
especificidades próprias em seu desenvolvimento, são diferentes dos adultos e
possuem garantias de direitos e de cidadania (KRAMER, 2009)9.
Em 1995, o MEC publica Critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças, reeditado em 2009, neste documento
é garantida a qualidade na educação infantil, especialmente nas creches, o modo de
organização e funcionamento, a atenção às práticas desenvolvidas com as crianças,
a organização espacial, financiamento e outros. Também assegurou os direitos das
crianças desde pequenas “crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade,
imaginação e capacidade de expressão [...] têm direito ao movimento em espaços
amplos...” (CAMPOS, 2009, p. 13).
Em 1996 ocorreu outra importante conquista para a educação infantil com a
Lei 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 20 de Dezembro de
1996 (LDBEN), que coloca a educação infantil como a primeira etapa da educação
básica, afirmado em seu Art. 29 “A educação infantil, primeira etapa da educação
básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade”10 (BRASIL, 1996). Além da inclusão de creches e
pré-escola dentro da educação básica, a Lei 9.394/96, garantiu à educação infantil
outras importantes definições como a incumbência dos municípios oferecerem esse
atendimento; definiu seus objetivos; sua forma de organização e de avaliação; a
formação dos profissionais que nela atuarão e, ainda, conforme aponta CRAIDY &
KRAERCHER (2001), a autonomia das unidades escolares na organização flexível
9Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica – Diretrizes Curriculares
Nacionais específicas para Educação Infantil. Trabalho encomendado pelo MEC/SEB – Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares da Educação Básica, maio de 2009. Disponível em:< www.diversidadeducainfantil.org.br/PDF/Subsidios%20Diretrizes%20Educação%20Infantil%20(MEC)pdf>. Acesso em: 26 out. 2016. 10
Com a redação dada pela Lei nº 12.796 de 2013 o artigo 29 da Lei 9394/96 passa a ser alterado com relação à idade da criança que de seis anos passa para 5 (cinco) anos.
31
de seu currículo e a pluralidade de métodos pedagógicos; plano pedagógico com a
participação dos educadores e participação da comunidade em conselhos da
instituição educacional.
Em 2001 com o Plano Nacional de Educação, Lei 10.172 de 9 de janeiro de
2001 (PNE), conforme aponta GOBBI e PINAZZA (2015) o governo brasileiro
assumiu nesta legislação posição defendida em instância internacional quanto a
valorização da educação infantil “na formação integral da pessoa, no
desenvolvimento de sua capacidade de aprendizagem e na elevação do nível de
inteligência (p. 135-143)”. O PNE considerou como um dos temas importantes deste
documento a garantia de uma boa educação às crianças no período da educação
infantil, porque este é um tempo de potencialidades para aprendizagens. Também
priorizou a necessidade de atendimento em tempo integral às crianças pequenas de
famílias de baixa renda, cujos pais trabalham fora de casa. No entanto, o documento
advertiu que não se tratava de uma educação pobre para crianças pobres, mas sim
de “uma educação de qualidade prioritariamente para as crianças mais sujeitas à
exclusão ou vítimas dela” (BRASIL, 2001, p. 12)11. O PNE reafirmou a necessidade
de infraestrutura adequada com espaço físico, materiais, equipamentos e
profissionais capacitados para o atendimento às crianças nos estabelecimentos da
educação infantil, pois “como seres tão abertos ao mundo e tão ávidos de explorar e
conhecer, como são as crianças”12.
Em 2007 foi criado o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) com vigência até
2020. Este documento foi importante porque além de criar fundos para a educação
infantil, apontou para a necessidade de estabelecimentos de educação infantil para
crianças de zero a seis anos no mesmo espaço, com ambientes adequados e
reafirmou que a educação infantil é uma etapa única e indivisível (KRAMER, 2009,
p. 8).
Para corroborar a essa etapa de conquistas por meio das legislações que a
educação infantil vem alcançando ao longo da história brasileira, em 2009 a
Resolução CNE/CEB nº 5 de 17 de dezembro de 2009 fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Este documento de caráter mandatório
11
BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. Plano Nacional de Educação. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 28 out. 2016. 12
Ibid., p. 9.
32
articula-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, elemento
importante porque educação infantil compõe a educação básica sendo sua primeira
etapa. O documento por meio de “princípios, fundamentos e procedimentos busca
orientar as políticas públicas e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de
propostas pedagógicas e curriculares de educação infantil” (BRASIL, 2010, p.11).
A criança compreendida nas Diretrizes Curriculares Nacionais de educação infantil é:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2010, p. 12).
Conceito este que se harmoniza com a concepção de infância e de criança
apresentada anteriormente, pois “a criança é sujeito sócio-histórico, cultural e cidadã
de direitos” (KRAMER, 2009, p.18), isto devido às interações que realiza com o meio
social, com a natureza e a cultura, em sua forma singular de compreender o mundo
dar sentido a ele, criar cultura, produzir história, brincar, recriar, experimentar e
ordenar as coisas. A criança é produtora de cultura porque é um sujeito situado
social e historicamente, é um ser ativo e com direitos (KISHIMOTO, 2015), portanto
ela é um ator social. E também porque nas palavras de Malaguzzi (1999) as
crianças como sujeito de direito, portadoras de desejo que lhe são próprios, almejam
crescer, conhecer e entender o mundo a sua volta. Quando as DCNEI nas palavras
de Gobbi e Pinazza citando Dahlberg, Moss e Pence (2003 apud GOBBI; PINAZZA,
2015, p. 108) aborda “[...] o conceito de criança como um sujeito situado social e
historicamente que vivência e produz bens e cultura ao compartilhar contextos
distintos da vida com seus pares e com os adultos” está colocando a educação
infantil num patamar de educação com “boa qualidade”.
O documento ao conceber a criança como sujeito histórico e de direito
compreende que as práticas pedagógicas que deverão balizar a educação deste ser
competente e potente necessitam ter como eixos norteadores as “interações e
brincadeira” (BRASIL, 2010, p. 25), uma vez que é pelo brincar que a criança se
comunica com o mundo, aprende e se desenvolve, constrói cultura e se apropria
dela e é pela interação com o seu meio, com pessoas, objetos que constitui a sua
humanidade, esses eixos são essenciais para desenvolver práticas de uma
33
educação de qualidade para a primeira infância13. A brincadeira e as interações
devem possibilitar as experiências que:
Incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança (BRASIL, 2010, p. 25-26).
Outro ponto importante das DCNEI apresentado pela Resolução CNE/CEB nº
5 em seu artigo 4º “as propostas pedagógicas da educação infantil deverão
considerar a criança como centro do planejamento curricular” (BRASIL, 2009, p.1), a
isto equivale desenvolver uma prática docente que se focalize sobre as crianças,
centrando-se nelas. Tal prática requer que o professor coloque de lado por algum
tempo as suas explicações, os seus saberes e deixe espaço para observar
sensivelmente e escutar atentamente o que as crianças estão fazendo, pois ao
realizar tal procedimento como aponta Malaguzzi (1999) a sua prática será
modificada. Mas para que essa prática torne-se real é necessário que se deixe de
falar sobre as crianças, mas que se fale com as crianças (MOSS, 2011), para isso é
preciso decidir aprender com as crianças, procurando compreender como constroem
suas aprendizagens, como brincam, como acontecem suas interações com os
objetos e com as pessoas, o que necessitam, como vêem o mundo, pois segundo
Malaguzzi (1999, p. 61) “[...] que as coisas relativas às crianças e para as crianças
somente são aprendidas através das próprias crianças”.
As DCNEI postulam outro princípio importante que é a indissociabilidade do
educar e do cuidar ao apontar “A educação em sua integralidade, entendendo o
cuidado como algo indissociável ao processo educativo” (BRASIL, 2010, p. 19).
Compreende-se que na escola infantil toda ação que envolve cuidado está
permeada de ações educativas, pois ao alimentar um bebê ou dar-lhe um banho
com atenção, carinho e respeito, supre-se algumas de suas necessidades básicas
ao mesmo tempo em que lhe ensina como realizar essas ações de cuidado
importantes e pertinentes ao ser humano. Do mesmo modo ao servir um alimento à
criança pequena, com gestos e palavras permeadas de gentileza e interesse na
13
No Brasil a primeira infância constitui o período até seis anos de idade conforme Lei nº 13.257 de 8
de março de 2016 em seu artigo 2o “Para os efeitos desta Lei, considera-se primeira infância o
período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança”. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13257.htm>. Acesso em 10 set. 2016.
34
experiência da criança, possibilitando-lhe alimentar-se sozinha, com supervisão do
adulto, explorar as texturas do alimento, o gosto, o cheiro, estes atos dos adultos
estão pautados no cuidado que educa. Na escola infantil, o cuidar e o educar são
elementos fundamentais para a constituição da criança enquanto ser humano e uma
prática esperada pelas famílias quando colocam suas crianças na educação infantil,
pois conforme Kuhlmann Jr. (1999, p. 60) “Qualquer mãe que procure uma creche
ou pré-escola para educar seu filho, também irá buscar se assegurar de que ele
estará guardado e protegido”.
Pensar a criança nessa perspectiva requer uma educação infantil que
construa uma escola da infância “[...] local onde a criança tem fala, ou seja,
pronuncia-se desde o nascimento, construindo significados e cultura” (Oliveira, 2010,
p. 39). Para isso a escola infantil precisa ser o lugar de cultura da própria criança,
que respeite a sua singularidade, constituída de tempos organizados de modo a
respeitar a criança, que possua espaços sociais para a infância, locais em que as
crianças participem da sua elaboração e tornem-se pertencentes a eles, para que se
sintam desafiadas e encorajadas a descobrir, a construir, a buscar o novo.
A escola da infância para crianças competentes, sujeitos de direito e atores
sociais emprestando as palavras de Malaguzzi (1999, p. 72) precisa ser uma escola
“como um organismo vivo integral, local entre vidas e relacionamentos
compartilhados por adultos e crianças, escola em contínuo ajuste”. A escola para
este autor é um organismo dinâmico, que mesmo possuindo dificuldades sabe como
lidar e aprender com o novo com o inesperado e com as incertezas. Conceber a
escola desta forma requer a quebra de paradigmas como jamais ter certezas
absolutas e acima de tudo estar pronto para mudar de ponto de vista.
Moss (2011) assevera que para dar conta das instituições da primeira infância
que concebe a criança como competente, ativa no seu processo de construção de
aprendizagens, como coconstrutora, se faz necessário uma mudança de paradigma
dos profissionais que atuam nessas instituições, assim, o professor precisa ser
pesquisador, coautor do conhecimento, tanto do seu conhecimento quanto das
crianças, ser sustentador das relações e da cultura da criança, questionador das
suas próprias imagens de infância, apoiando a aprendizagem de cada criança e
aprendendo com ela, que faça análise crítica constante da sua prática confrontando-
a com a teoria e que seja criador de ambientes e situações desafiadoras, porque
35
[...] as instituições da primeira infância [...] devem ser locais para provocação e confrontação, discordâncias e indocilidade, complexidade e diversidade, incerteza e ambivalência, mantendo o pensamento crítico e aberto, o deslumbramento e assombro, a curiosidade e a diversão, aprendendo com os adultos e também com crianças sobre perguntas para as quais as respostas não são conhecidas (Moss, 2011, p. 246).
1.5 O espaço: um elemento importante na educação infantil
[...] É no espaço físico que a criança estabelece a relação com o mundo e com as pessoas; e ao fazê-lo esse espaço material se qualifica [...]. O espaço material é, pois, um pano de fundo, a moldura, sobre o qual as sensações se revelam e produzem marcas profundas que permanecem, mesmo quando as pessoas deixam de ser crianças. É através dessa qualificação que o espaço físico adquire uma nova condição: a de ambiente. Parece-nos importante insistir em que espaço, entendido apenas enquanto elemento neutro organizado ou construído por peça ou componentes materiais, é um ente que, apesar de sua concretude, paradoxalmente, só existe na abstração, quando ele passa a ser um objeto-mercadoria ou um objeto-estudo. Em qualquer outra situação, o espaço organizado ou construído é mediado, qualificado, completado ou alterado pela relação que nele estabelece o indivíduo consigo próprio ou com outros indivíduos
14 (LIMA, 1989, p. 13-14).
Para a autora não é possível separar o espaço físico do ambiente, pois eles
são indissociáveis, somente os adultos conseguem realizar esta cisão quando
necessitam usá-los de acordo com seus interesses próprios, pois como afirma
Ambrogi (2011, p. 67) “Para as crianças, estar no espaço é gerar um ambiente, é um
estar no mundo”, percebe-se que as crianças possuem uma relação de vida com o
espaço, atribuindo-lhe vários significados: “o espaço-alegria, o espaço-medo, o
espaço-proteção, o espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim espaço de
liberdade e opressão” (LIMA, p. 30, 1989 apud FARIA, 1999, p. 70).
Segundo Faria (1999, p. 74) pensar na organização do espaço físico na
escola infantil, pressupõe tomar como referência todas as dimensões do ser humano
contempladas nas crianças: “o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo
etc.”, isto significa que não é possível pensar na construção de espaço sem
considerar as diversas linguagens da criança.
A necessidade da elaboração de espaços na educação infantil para a criança
justifica-se no fato de que a “criança é uma construção social”, existindo “aqui e
14
LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p. 13-14. In: Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura) – FAUUSP. BUITONI, Cássia Schroeder – “Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação”. São Paulo, 2009, p. 65.
36
agora” e que produz enredos próprios de ser criança, no entanto, muitas vezes a
criança é “inserida em cenários” que não foram pensados para ela (HORN, 2004, p.
26). Isto porque construir espaços pressupõe conhecer os sujeitos que ali habitarão,
seus gostos, costumes, desejos, ansiedade, medos e também que tipo de
concepção de formação de homem este local possibilitará.
Conforme Horn (2004, p. 37) o espaço jamais é neutro, ele está impregnado
de símbolos e signos que o povoam, pois “o espaço é rico em significados, podendo
ser “lido” em suas representações, mostrando a cultura em que está inserido através
de ritos sociais, de colocação e de uso de objetos, de relações interpessoais, etc.”
Isto porque os espaços revelam os projetos educativos do professor, a sua
concepção de infância, de criança, de educação e ao mesmo tempo como aponta
Ambrogi (2011, p. 67)15 “são indicadores da coerência entre proposta educativa e a
sua efetivação”. Neste sentido, pensar em espaço contemplando as ações
educativas pressupõe que este “represente a sociedade, seu destino e sua
representação social”16. Porque a criança como ser social, já desde o seu
nascimento possui capacidade adaptativa em estabelecer relações e também a
“necessidade de integrar-se em um contexto social de dimensões adequadas e
condições qualitativas capazes de favorecer e de sustentar a mudança social”
(FORTUNATI, 2009, p. 60). Essa integração da criança em um contexto social
favorável possibilita trocas essenciais com adultos e com outras crianças, bem como
a interação de diversas maneiras com o mundo dos objetos, proporcionando a sua
tranquilidade, a sua apreensão e transformação do mundo que a cerca, a construção
de aprendizagens e a sua subjetivação.
Em consonância com esse pensamento Vygotsky (2007) atribui grande
importância ao meio social na construção e desenvolvimento da criança, ao apontar
que o desenvolvimento das funções tipicamente humanas é mediada pelos signos e
pelo outro. Com base nesta perspectiva, o autor propõe que a criança “não é mero
receptáculo”, mas um “sujeito ativo que interage com o seu meio social, construindo
e reconstruindo o mundo” (HORN, 2004, p. 18). Assim, o meio social atua como
elemento constitutivo no processo de desenvolvimento da criança, seja pela sua
interação com os objetos construídos pela sua cultura, seja por ações
15
AMBROGI, Ingrid Hötte. Reflexões sobre os usos do espaço como garantia para a criação de meninos e meninas pequenas. Proposições, Campinas, v. 22, n. 2 (65), p. 63-73, maio/ago. 2011. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/pp/v22n2/v22n2a06.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2016. 16 Ibid., p. 67.
37
compartilhadas com seus pares, seja pela imitação. Desta forma irá incorporando os
saberes construídos pela sua cultura, valores tão necessários para a sua
constituição enquanto ser humano.
Neste sentido, compreende-se como aponta Horn (2004) que o espaço não é
algo dado, natural, mas trata-se de uma construção social que está intimamente
ligado às atividades das pessoas que compõem a escola infantil.
O espaço na escola infantil deve ser compreendido como gerador da
experiência (FORTUNATI, 2009), para isso o professor com o seu olhar voltado à
criança, embasado por uma prática alimentada por saberes e conhecimentos e com
intencionalidade educativa (BONDIOLI; MANTOVANI, 1998), planeja, organiza e
disponibiliza materiais, oportuniza vivências que gerem interações lúdicas, por meio
da construção de tempos e espaços que oportunizem provocações ao surgimento da
imaginação e desafie o raciocínio das crianças “dando asas à curiosidade,
proporcionando espanto, descoberta, maravilhamento e todas as formas de
expressão nas mais diferentes intensidades” (FINCO, 2015, p. 234). A prática
centrada na criança poderá ajudar o professor a controlar a sua ansiedade de
interferir nas ações das crianças, direcionando-as para resultados pedagógicos
previamente estabelecidos, desprezando a sensibilidade da escuta sensível
(FORTUNATI, 2009).
O espaço como gerador de experiência e com intencionalidade pedagógica
pressupõe que as crianças ocupem o ambiente com risos e interesse em explorar e
descobrir, mas para que o espaço físico torne-se ambiente de pertencimento, ele
precisa ser agradável, limpo, gerar autonomia nas crianças quanto à escolha dos
materiais, os quais devem estar acessíveis em prateleiras, caixas ou qualquer outra
disposição que facilite o acesso da criança.
Nesta perspectiva, dependendo do objetivo que se possui na ação educativa
é possível pensar em que tipo de espaço favorecerá a criação e a imaginação da
criança e a sua imersão na experiência proposta no espaço. Com relação às
possibilidades de organizar espaço, Márcia Carvalho e Mara Rubiano (1994) citadas
por Ambrogi (2011, p. 68) apontam para três tipos de espaços: “espaços abertos,
semiabertos e fechados”. Para as autoras, no arranjo aberto não há barreiras de
objetos e as crianças podem circular livremente. No espaço semiaberto, proporciona
a criança uma visão de todos os presentes, das crianças e do adulto referência; no
espaço fechado há a presença de barreiras físicas impedindo a visão de todas as
38
áreas, dividindo o local. Pensar na organização do espaço, sua disposição é
fundamental na sua elaboração, pois a criança em suas especificidades “gosta de
ficar sozinha, gosta de ficar com adultos, mas do que ela mais gosta é de ficar
brincando com seus pares, imitando, reproduzindo e recriando, enfim, criando
cultura infantil” (FARIA, 1999, p. 78).
Compreender a educação infantil como pertencente à educação básica,
sendo a sua primeira etapa, requer que as suas propostas sejam planejadas
embasadas no cuidado e na educação da criança, por isso a criação de espaços na
escola infantil deve ter a dimensão proposta por Malaguzzi (1999, p. 83-84) ao citar
David Hawkins “[...] escola feita de espaços onde as mãos das crianças pudessem
estar ativas para “criar o caos” [...] sem possibilidades para o tédio, as mãos e as
mentes se engajariam com uma alegria intensa e libertadora”.
39
Capítulo 2
As contribuições de Vygotsky para a educação infantil com crianças até 3 anos
A proposta deste capítulo é apresentar os conceitos de Vygotsky sobre
aprendizagem e desenvolvimento, internalização, zona de desenvolvimento
proximal, linguagem e brinquedo; compreendendo o processo de construção da
imaginação e criação por meio do brincar em crianças de dois a três anos.
2.1 Vygotsky e a abordagem histórico-cultural
Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, na cidade de
Orsha, uma província da Bielorussa (parte ocidental da ex-União Soviética) e morreu
em 11 de junho de 1934, aos 38 anos de tuberculose. Foi criado por pais judeus em
um ambiente culturalmente rico que favoreceu o gosto pela leitura. Ainda muito
pequeno aprendeu com o pai a ler notícias de jornal. Em 1913, aos 16 anos já
demonstrava interesse pela arte, história, filosofia, linguística e literatura. Aos 18
anos, devido ao seu forte envolvimento com arte e linguística, apresentou uma
importante análise de Hamlet, de Shakespeare, como monografia de conclusão de
curso. Tornou-se professor secundarista em escolas de cidades pequenas. Estudou
Direito e Medicina, fundou a revista literária Verask, publicando nela a sua primeira
pesquisa em literatura com o título de A psicologia da arte.
A teoria histórico-cultural construída por Vygotsky compreende o ser humano
e sua humanidade como produtos da história criada pelos próprios homens ao longo
da sua existência (MELLO, 2007). Ao mesmo tempo entende que “[...] o homem não
é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de
criação deste meio” (LURIA, 2014, p. 25). Assim, ao longo da existência e do
desenvolvimento humano, enquanto o homem foi adquirindo cultura, valores, hábitos
e costumes e desenvolvendo a linguagem, a lógica e criando objetos, foi
constituindo a sua humanidade por meio de suas próprias atividades e realizando
transformação no meio social à medida que agia sobre ele.
Quando a teoria histórico-cultural propõe que o homem é produto e agente
ativo da sociedade e da sua cultura, compreende que o seu desenvolvimento é
resultado da aprendizagem, é cultural e não natural como antes se pensava.
40
Com a teoria histórico-cultural Vygotsky explica quem é o ser humano: como
aprende, como se desenvolve, como forma suas capacidades psíquicas (a memória,
a fala, o pensamento, a imaginação, a criação, os sentimentos, a interação com
outro) em uma determinada cultura e num dado momento histórico, pois busca
compreender o homem na interação social em seu próprio meio.
Ao pensar a criança como sujeito histórico pertencente a uma determinada
cultura e sociedade - competente, ativo, que aprende por meio das interações
sociais e compreende o mundo que o cerca, transformando-o e sendo transformado
por este, significa colocá-la dentro da abordagem histórico-cultural de Vygotsky.
Pesquisando sobre esses temas Vygotsky trouxe várias contribuições significativas à
educação, incluindo-se a importância do brinquedo para o aprendizado e
desenvolvimento da criança.
2.2 Alguns conceitos da abordagem histórico-cultural
Inspirado nos ideais de Marx, Vygotsky constrói a teoria sociocultural e
histórica do desenvolvimento das funções mentais superiores e dos fenômenos
psicológicos, baseando-se na assertiva de que “as origens das formas superiores de
comportamento consciente deveriam ser encontradas nas relações sociais que o
indivíduo mantém com o mundo exterior” (LURIA, 2014, p. 25). Dedica-se ao estudo
do desenvolvimento das funções mentais superiores em um tempo considerável,
procurando compreender os mecanismos psicológicos mais complexos relativos ao
ser humano, que envolviam o controle do comportamento, a ação intencional, a
relação do indivíduo com seus pares e com os ambientes, entendendo, que essas
funções surgem do dia a dia do ser humano e são decorrentes das interações com
pessoas e instrumentos17.
Assim, Vygotsky (2007) propôs que o sistema mental é formado por duas
linhas qualitativamente diferentes de movimento, sendo uma constituída pelos
processos elementares, que são de origem biológica, tais como atenção, memória e
percepção, com papel decisivo no início da vida e com caráter inato e involuntário. A
outra surgindo da interação cultural, pois a partir do nascimento a pessoa incorpora
elementos culturais (criados para suprir as necessidades e garantir a sobrevivência),
17
O instrumento simboliza especificamente a atividade humana, a transformação da natureza pelo homem que, ao fazê-lo, transforma-se a si mesmo (JOBIM E SOUZA, 2012, p. 125).
41
surgindo novas necessidades e possibilidades do aparecimento das funções
superiores, tais como atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos,
pensamento abstrato, linguagem, comportamento intencional e autocontrolado,
planejamento, imaginação, criação e outros.
Desta forma, ao estudar as funções mentais superiores Vygotsky (2007, p.
56)18 formula o conceito de internalização que é compreendido como “a
reconstrução interna de uma operação externa”. Deste modo, demonstra que a
relação do homem com o mundo não acontece de forma direta realizada entre
homem e objeto, mas é mediada por outros homens, ao mesmo tempo aponta que
antes das funções mentais superiores tornarem-se internas elas existiram nas
relações sociais, não se desenvolveram espontaneamente, mas foram vivenciadas
em dois processos, primeiro de forma interpessoal (interpsicológica), referindo-se a
relação de pessoa para pessoa e intrapessoal (intrapsicológica) ocorrendo no
interior da criança. O processo de transformação do interpessoal para o intrapessoal
é consequência de vários acontecimentos ao longo do desenvolvimento, na medida
em que as crianças crescem os processos que eram partilhados com adultos são
internalizados. Essa “internalização de formas culturais de comportamento que
envolve atividade psicológica tem como base as operações com signos”19.20
Explicando como ocorre o desenvolvimento e a aprendizagem na criança,
Vygotsky conclui que a aprendizagem não segue o desenvolvimento, mas o
impulsiona e o promove, e com base nisto formula um importante conceito chamado
zona de desenvolvimento proximal.
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97).
Quando o autor propõe tal conceito compreende que existem dois níveis de
desenvolvimento das funções mentais: o primeiro chamado de nível de
desenvolvimento real, referente ao que a criança consegue realizar por si. O outro
nível denominado zona de desenvolvimento potencial é quando a criança consegue
18
VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Tradução: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange AstroAfeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 19
Ibid., p. 58. 20
Os sistemas de signos são: linguagem, escrita, sistema numérico etc.. (JOBIM E SOUZA, 2012, p.125).
42
realizar a tarefa sob a orientação ou com a ajuda de um adulto ou de uma criança
mais experiente.
O conhecimento da zona de desenvolvimento proximal é muito importante
para o professor que atua com crianças bem pequenas, pois desmistifica que o
“aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de
desenvolvimento da criança” (VYGOTSKY, 2007, p. 95)21, pois o que normalmente
acontece é que o professor deixa de realizar alguma atividade, porque acredita que
a criança não está madura ou pronta para realizá-la. Isto ficou bastante claro em
minha experiência docente, quando em uma sala de aula com crianças até dois
anos, preparei um ambiente com um varal para colocar roupas utilizando
prendedores. Para as crianças menores de dois anos esta atividade era difícil,
tentavam prender o prendedor na roupa, abrindo-o e apoiando-o com a boca, mas
com o exemplo das crianças maiores e o meu apoio, as crianças menores
conseguiram colocar a roupa no varal, presa com o prendedor e a atividade tornou-
se possível. Após algumas repetições as crianças menores conseguiram realizar a
atividade sozinhas.
Retomando o conceito de interpsíquico e intrapsíquico, primeiro as crianças
precisaram realizar a atividade com as outras pessoas, para internalizá-las e depois
realizá-las sozinhas. Nesta perspectiva, a professora também pode atuar como
parceira experiente e ajudar a criança a realizar a tarefa, sendo que mais tarde ela a
realizará sozinha. Partindo do conceito da zona de desenvolvimento proximal, o
professor tem a oportunidade de conhecer o caminho que a criança utilizou para
resolver o problema. Segundo Vygotsky22, “as crianças podem imitar uma variedade
de ações que vão muito além dos limites de suas próprias capacidades”, o professor
deve valorizar esse momento que a criança realiza a atividade com apoio de um
parceiro mais experiente, pois realizar a tarefa com apoio indica o seu
desenvolvimento mental e aponta a potencialidade que possui para realizar a
atividade sozinha no futuro. Pois, o nível de desenvolvimento real demonstra as
funções que já amadureceram, estão prontas, este já é o final do desenvolvimento.
Enquanto que
21 VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange AstroAfeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 22 Ibid., p. 101.
43
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, em vez de “flores” do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007, p. 98).
O período do desenvolvimento potencial é muito rico para melhorar a
aprendizagem, para enxergar as potencialidades da criança e intervir corrigindo
possíveis erros ou enriquecendo a aprendizagem, pois para Vygotsky [...] “o bom
aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (VYGOTSKY,
2007, p. 102)23.
Outro elemento importante para o autor é o surgimento da fala, que possibilita
à criança uma nova maneira de conceber o mundo ao seu redor, não apenas pelos
olhos, mas pela manifestação oral, assim, a percepção imediata da criança utilizada
para conhecer o seu meio, é substituída por um processo complexo de mediação e a
“fala como tal torna-se parte essencial do desenvolvimento cognitivo da criança”24.
A respeito do desenvolvimento mental da criança o autor aponta a fala como
elemento importante, pois atua na reorganização da percepção (que é inerente ao
ser humano desde o nascimento) e cria novas relações entre as funções
psicológicas. Explicando que com o surgimento da fala organizada os movimentos
que são presentes na criança pequena para resolução de problemas e comunicação
vão diminuindo. Assim:
[...] a criança enriquece suas primeiras palavras com gestos muito expressivos, que compensam sua dificuldade em comunicar-se de forma inteligível através da linguagem. Pelas palavras, as crianças isolam elementos individuais, superando assim, a estrutura natural do campo sensorial e formando novos [...] centros estruturais)
25.
A assertiva do autor fundamenta-se quando observada uma situação em que
um menino de dois anos e três meses, brincava de colocar água num pote,
utilizando uma garrafa plástica e, em seguida, derramava a água no chão, realizava
essa atividade repetidamente, até que acabando a água do recipiente, virou para os
adultos que o acompanhavam e falando apenas a palavra água, complementava o
restante da sentença com muitos gestos, inclusive apontando para o chão, onde a
água estava derramada e para a garrafa vazia, solicitando, uma intervenção dos
23
VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange AstroAfeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 24
Ibid., p. 23. 25 Ibid., p. 23.
44
adultos para que a brincadeira pudesse continuar. Percebe-se nessa situação que a
criança utilizou os movimentos para compensar a sua fala ainda não desenvolvida e
resolver o seu problema.
A esse processo Vygotsky (2007, p. 23) chama de “rotulação”, pois, “[...] é a
função primária da fala nas crianças pequenas”, a criança percebe a situação total,
como acima descrita, no entanto, não possui a linguagem desenvolvida, então ela
elege um objeto que dê conta de transmitir a sua comunicação, separando do todo,
como no exemplo a palavra água e o restante da comunicação se completa pelos
gestos.
Para esse autor o papel da linguagem na percepção é fundamental, pois a
partir do seu surgimento elementos independentes que eram percebidos pela
criança num campo visual são percebidos ao mesmo tempo. Para Vygotsky (2007)
percepção e linguagem estão ligadas mesmo quando o resultado não é verbalizado,
pois pensamento e linguagem são interdependentes.
O autor deu ênfase ao “papel da linguagem na organização e
desenvolvimento nos processos do pensamento” (Luria, 2014, p. 26). Para este
autor a linguagem é essencial para a interiorização dos conteúdos historicamente
construídos e culturalmente organizados (JOBIM E SOUZA, 2012).
Vygotsky assevera que
[...] a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita a criança a providenciar instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes da sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas (2007, p. 17-18).
2.2.1 A imaginação e a criação
Vygotsky (2009) atribui um valor imenso à imaginação e à criação, pois
compreende que tudo que cerca o homem e foi criado por ele, pertencente ao
mundo da cultura, é resultado da imaginação e da criação. Compreendendo “[...]
atividade criadora toda a realização humana responsável pela criação de qualquer
coisa de novo” (VYGOTSKY, 2009, p. 9)26
. Ao referir-se a qualquer coisa de novo, o
26
VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A Imaginação e a Arte na Infância. Tradução: Miguel Serras Pereira. Portugal: Relógio D’água Editores, 2009, p. 9-37.
45
autor está valorizando as pequenas criações de pessoas comuns e não apenas as
de grandes gênios como da arte, música, ciência e outros, porque para este autor
qualquer pessoa pode criar, porque a “imaginação, como base de toda a atividade
criadora, manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida cultural [...]”27.
Assim, toda descoberta antes de tornar-se real, por mais simples e cotidiana que
seja, surgiu primeiramente na imaginação por meio de “[...] estruturas construídas na
mente por meio de novas combinações ou correlações...” (RIBOT apud VYGOTSKY,
2009, p. 12).
A atividade criadora na perspectiva de Vygotsky (2009) é imprescindível para
o ser humano, porque impede que o homem seja capaz de apenas adaptar-se ao
meio, mas torna-o capaz de criar soluções de resolução de problemas e também
modificar o seu presente, melhorando a sua condição de vida, isso porque “O
cérebro não se limita a reproduzir ou conservar as experiências passadas [...] é um
órgão combinatório, criador, capaz de reelaborar, criar normas e concepções
partindo das experiências anteriores” 28
Nessa concepção a imaginação é uma característica do ser humano, sendo
influenciada pelas experiências sociais vividas pela criança. A imaginação serve de
base para a criação que surgirá logo em seguida, ambas são funções
interdependentes e constituem parte do processo de desenvolvimento da criança e
da sua apropriação cultural. A imaginação e a criatividade não surgem do nada, mas
da experiência acumulada, por isso quanto mais rica for a experiência da criança,
mais material ela terá para imaginar e criar.
Com isso Vygotsky (2009) propõe o alargamento da experiência da criança,
com a criação de um meio rico de possibilidades para que a criança possa apropriar-
se dele, desejando explorá-lo, compreendê-lo e transformá-lo, por meio da visão, da
escuta, do tato, da degustação e da experimentação de um modo geral com a
utilização de diferentes materiais. Sugere que sejam disponibilizados elementos
reais da vida da criança, para que pela percepção externa e interna a criança possa
formar a memória dessas experiências.
Para que haja uma melhor compreensão do mecanismo psicológico da
imaginação e da criação, o autor propõe que se analise a ligação existente entre
imaginação e realidade no comportamento do ser humano. Para isso, formula quatro
27
Ibid., p.11. 28 Ibid., p.11.
46
formas fundamentais que ligam a imaginação à realidade. A primeira forma de
ligação entre imaginação e realidade, consiste no fato dos elementos utilizados
serem extraídos da realidade e da experiência anterior do homem. Assim, a
imaginação pode criar novas combinações, partindo de materiais tomados do mundo
real e combiná-los com imagens da fantasia, pois
[...] a atividade criadora da imaginação encontra-se em relação direta com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem, uma vez que esta experiência é o material com que a fantasia erige seus edifícios. Quanto mais rica for a experiência humana, tanto mais abundante será o material de que a imaginação dispõe (VYGOTSKY, 2009, p. 17)
29.
Nesses estudos Vygotsky conclui que a experiência da criança é mais pobre
do que a do adulto, ao referir-se a este fato está considerando que o adulto tem mais
tempo vivido que a criança e por isso mais experiência acumulada.
Para este autor imaginação e memória não se opõem, mas a imaginação
apóia-se nos materiais armazenados na memória, dispondo-os em novas
combinações.
A segunda ligação entre imaginação e realidade não ocorre entre elementos
de construção fantástica e realidade, mas como por “produtos preparados da
fantasia e determinados fenômenos complexos da realidade” 30. Para explicar esse
conceito o autor usa o exemplo de um historiador que conta um fato a alguém,
mesmo sem estar presente no momento da cena, o ouvinte consegue imaginar e
criar a imagem do fato narrado e compreendê-lo, isto é possível devido ao acúmulo
de imagens, informações e experiências que possui na memória, tendo-se assim, a
possibilidade de criar novas combinações. Sendo assim, a imaginação desenvolve
uma função importante no comportamento e no desenvolvimento do homem,
ampliando a sua experiência, possibilitando imaginar o que não viu, baseando-se na
sua imaginação e experiências históricas ou sociais.
A terceira forma de ligação entre imaginação e realidade relaciona-se com a
área emocional. A assertiva de Vygotsky31 é que “todo o sentimento, toda a emoção
tende a manifestar-se em determinadas imagens e concordam com ela”, por
exemplo, quando se relaciona algumas cores com sensações, a cor cinza com
tristeza ou melancolia, o azul com o bem-estar, ou qualquer outra coisa que remeta
29 VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A Imaginação e a Arte na Infância. Tradução: Miguel Serras Pereira. Portugal: Relógio D’água Editores, 2009, p. 9-37. 30 Ibid., p. 19. 31 Ibid., p. 20.
47
a um estado emocional. Para o autor a relação que a emoção possui com a
imaginação e realidade é tão importante, que a imaginação poderá influenciar os
sentimentos ou os sentimentos poderão influenciar a imaginação e a pessoa poderá
experimentar em seu próprio corpo as sensações de medo, alegria, tristeza, bem-
estar e etc.. Vygotsky (2009, p. 23)32, citando Ribot aponta “Todas as formas da
representação criadora contém em si elementos afetivos”. A isto equivale dizer que
tudo que a fantasia crie influenciará diretamente nos sentimentos da criança.
A quarta relação entre a imaginação e a realidade é que “[...] o edifício erigido
pela fantasia pode representar qualquer coisa de completamente novo, de não
existente na experiência do homem”33, ou seja, a experiência acumulada na
memória materializa-se em algo que fora imaginado (qualquer objeto ou instrumento
desejado ou necessário). O autor reafirma que o material que a imaginação opera é
retirado da própria realidade do homem e no seu pensamento sofre uma
“reelaboração completa, tornando produto da sua imaginação”.
Após esse processo ocorre a materialização, tornando real, novo e capaz de
modificar a própria realidade e, por final, conclui-se o círculo da atividade criadora da
imaginação humana.
Para o autor o processo de criação já é observado na criança por meio das
suas brincadeiras desde bem pequena, fazendo parte do seu processo de
desenvolvimento, aprendizagem e apropriação da sua cultura. Inicialmente as
crianças bem pequenas imitam as ações das pessoas mais velhas. Essa imitação
ocorre por meio das experiências armazenadas em suas memórias, do que viram e
ouviram, e quando estas experiências acumuladas são transportadas para os jogos
infantis não ocorrem da mesma maneira. Porque “As crianças, nos seus jogos, não
se limitam a recordar experiências vividas, mas reelaboram de modo criador,
combinando-as entre si e construindo com elas novas realidades de acordo com os
seus afetos e necessidades”34 . Deste modo, na combinação do antigo com o novo,
a criança terá as bases da criação.
Na assertiva do autor os pontos de apoio que a criança utiliza para a criação
são seus sentidos, por meio deles experiências são acumuladas formando um banco
de dados na memória das impressões percebidas, que mais tarde serão utilizados
32 VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A Imaginação e a Arte na Infância. Tradução: Miguel Serras Pereira. Portugal: Relógio D’água Editores, 2009, p. 9-37. 33 Ibid., p. 24. 34 Ibid., p. 14.
48
para a construção da imaginação. Em seguida, esses materiais acumulados
passarão por um processo complexo de elaboração, o primeiro deles denominou de
“dissociação” (VYGOTSKY, 2009, p. 30)35. Nas palavras de Vygotsky (2009) cada
impressão armazenada compõe um todo complexo composto de muitas partes
isoladas, a dissociação tem a função de fragmentar este conjunto, separando as
suas partes, comparando-as umas com as outras, neste processo algumas partes
são conservadas sofrendo transformações e outras esquecidas. A dissociação é
essencial para o desenvolvimento mental do homem, servindo de base ao
pensamento abstrato e a compreensão figurada, também é condição necessária
para que ocorra o jogo da imaginação, porque será com base nessas informações
armazenadas que a criança criará.
O momento seguinte dos processos imaginativos é a “associação”, ocorrendo
um agrupamento dos elementos dissociados e transformados, resultando numa
“combinação de imagens isoladas que são ajustadas a um sistema, integradas, num
quadro complexo”36 . A próxima etapa do trabalho da imaginação é a cristalização
em imagens exteriores ou passar do imaginário ao real.
Para o autor a ação criadora surge na medida em que o homem tentando
adaptar-se ao meio, depara-se com tarefas que precisa resolver, necessidades,
desejos que lhe cause desequilíbrio no mundo em que vive, neste momento está
instaurada a base para a ação criadora, pois nas palavras de Ribot citado por
Vygotsky “Toda a necessidade, todo o anseio, todo o desejo por si só ou juntamente
com outros pode servir assim de impulso à criação [...]”37 .
Com base nos pressupostos apresentados na teoria de Vygotsky percebe-se
que ele deixou uma gama enorme de contribuições para a educação infantil e que o
professor, mediador de cultura e parceiro experiente, em conjunto com toda a escola
tem a responsabilidade e também o privilégio de desvendar o mundo com a criança
para que essa aproprie-se dele e transforme-o.
Outra contribuição importante de Vygotsky (2007) está relacionada à situação
do brinquedo38, que será apresentada no próximo tópico.
35
VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A Imaginação e a Arte na Infância. Tradução: Miguel Serras Pereira. Portugal: Relógio D’água Editores, 2009, p. 9-37. 36
Ibid., p. 33. 37
Ibid., p. 33. 38
Vygotsky chama de brinquedo quando a criança envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não podem ser realizados (2007, p.108-109).
49
2.2.2 A construção do processo do brincar imaginário em crianças de dois a três
anos
O brincar é uma atividade muito importante no desenvolvimento da criança e
para sua constituição como ser humano. É por meio do brincar que o “ser humano
se torna apto a viver em sociedade e em um mundo culturalmente simbólico”
(BOMTEMPO, 2012, p. 21-22). Quando a criança brinca desenvolve a concentração,
a iniciativa, a imaginação, a criatividade, o interesse, também constrói
aprendizagens, vivencia papéis sociais, apropria-se da cultura e a reconstrói. O
brincar é a atividade mais completa, pois, influência o intelecto, o emocional e o
corpo da criança. Moyles (2006, p. 12) considerando a importância do brincar e a
sua essência de atividade completa pontua “faz mais sentido considerar o brincar
como um processo que, em si mesmo, abrange uma variedade de comportamentos,
motivações, oportunidades, práticas, habilidades e entendimentos”.
A assertiva da autora é pertinente ao referir-se ao brincar como processo,
porque a criança em cada etapa do seu desenvolvimento apresenta tipos diferentes
de brincar, que vão desde a exploração do objeto à assunção de papéis sociais.
Com a compreensão que o brincar é uma ação livre, iniciada e conduzida pela
criança, que a criança brinca porque gosta de brincar, e é culturalmente construído,
ou seja, não é inato, tal fato aparece explicitado quando Elkonin (2009) ao examinar
uma modalidade do brincar - o jogo de papéis, pontua “A base do jogo é social
devido precisamente a que também o são sua natureza e sua origem, ou seja, a que
o jogo nasce das condições de vida da criança em sociedade” (p. 36), tal fato
aparece reforçado por autores como Huizinga (2000)39 e Kishimoto (2010a, p.1)
quando esta aponta “A criança não nasce sabendo brincar, ela precisa aprender, por
meio das interações sociais com outras crianças e com os adultos”.
O brincar o meio pelo qual a criança constrói o processo de imaginação e
criação, utilizado nesta pesquisa é a brincadeira imaginária ou faz de conta, muito
embora cientes, como aponta o próprio Vygotsky (2007) que para uma criança
menor de três anos é impossível envolver-se numa situação imaginária, mas o que
nos interessa é o processo que a criança percorre para iniciar a brincadeira
imaginária.
39
HUIZINGA, Johan. Homo ludens. Tradução: João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 2000.
50
Kishimoto (2010b) em consonância com o pensamento de Vygotsky (2007),
aponta que antes dos três anos as crianças imitam as ações dos adultos, processo
este, iniciado por volta de um ano e meio a dois anos, nesta idade a criança ainda
não assume os papéis sociais. A imitação para esta autora é o primeiro processo
para iniciar a brincadeira imaginária ou o faz de conta. Por meio da imitação40,
utilizando o seu corpo, os objetos, explorando e repetindo as ações dos adultos a
criança aprende o funcionamento da sua cultura.
A concepção de brincadeira adotada neste trabalho para compreender o
processo do brincar imaginário será a de Kishimoto (1998, p. 7) que compreende
brincadeira “como descrição de uma conduta estruturada, com regras”. E Vygotsky
(2007, p. 11) em consonância com a autora propõe “a situação imaginária de
qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento”.
Para Kishimoto (1998, p. 7) brinquedo é compreendido “sempre como objeto,
suporte de brincadeira”, estimulante da brincadeira e “[...] jogo infantil para designar
tanto o objeto e as regras do jogo da criança”. Também será considerada a
perspectiva de Brougère (2008, p. 7) que compreende o brinquedo “como produto de
uma sociedade dotado de traços culturais específicos [...] ele está inserido em um
sistema social e suporta funções sociais que lhe conferem razão de ser”. Brougère
ao propor o seu conceito vai além do conceito apresentado por Kishimoto ao atribuir
ao brinquedo à dimensão social e cultural.
Cabe ressaltar que embora Kishimoto (2010a) dedique-se a analisar em seus
estudos as características do brincar e suas contribuições para o desenvolvimento e
a aprendizagem da criança, a autora não nega a importância do meio e da cultura. O
brincar para a autora é importante para o desenvolvimento da criança, para a
aquisição de ferramentas para expressar-se por meio de variadas linguagens, para
sua compreensão de mundo e interação social. Esta autora deu atenção especial à
brincadeira imaginária e a construção do seu processo. Pois, como afirma é “no
plano da imaginação que o brincar destaca-se pela mobilização dos significados”
(KISHIMOTO, 2010a, p. 1).
Retomando a afirmação de Vygotsky (2007) sobre a impossibilidade da
criança bem pequena envolver-se em uma situação imaginária, conclui que é porque
40
Entrevista concedida à Tatiane Bertoni pela professora da USP Tizuko Morshida Kishimoto – Na íntegra o brincar na educação infantil, Univesp TV, 2010b. Disponível em:<https://www.youtube.com/Watch V=09W8a-uAUU>. Acesso em: 13 out. 2016.
51
o comportamento da criança bem pequena é determinado de maneira considerável
pelas condições em que a brincadeira ocorre. Esta afirmação ficou evidente na
minha experiência como professora em uma sala de crianças até dois anos, pois ao
preparar um ambiente contendo elementos de uma cozinha, como mesa, armário e
potes, copos e colheres, as crianças ao entrarem em contato com estes objetos,
após explorá-los de diversas maneiras, começaram a brincar de cozinhar e alimentar
a professora. Isso ocorre porque segundo Vygotsky (2007, p. 113) nesta idade “os
objetos têm uma tal força motivadora inerente, no que diz respeito às ações de uma
criança muito pequena, e determinam tão extensivamente o comportamento da
criança”.
Assim, sendo o brinquedo um objeto cultural, construído por uma determinada
sociedade, possuindo significado e representações, no momento da brincadeira ele
irá influenciar a ação da criança, que na presença do objeto passará a agir conforme
a experiência que possui acumulada em sua memória. Para exemplificar esta
afirmação recorro mais uma vez à minha prática docente - uma criança (dois anos)
ao deparar-se com um refil de desodorante vazio, após explorá-lo (rosquear a
tampa, cheirá-lo, manipulá-lo etc.) começa a brincar com o objeto como é utilizado
pelo adulto em sua cultura, como desodorante, passando nas axilas. Nota-se que o
frasco de desodorante nesta situação tomado pela criança como brinquedo está
carregado de significação e possui uma função para o qual foi criado socialmente.
Assim, ao mesmo tempo em que o brinquedo traz a criança um suporte de ação, de
manipulação, de conduta lúdica, “traz-lhe, também, formas e imagens, símbolos
para serem manipulados” (BROUGÈRE, 2008, p. 41)41. E ainda “[...] manipular
brinquedos remete, entre outras coisas, a manipular significações culturais
originadas numa determinada sociedade”42.
Para crianças muito pequenas como as aqui estudadas a presença do objeto
é condição imprescindível para que elas iniciem o processo da brincadeira
imaginária pela imitação, mas é importante salientar que segundo Brougère
(1981apud KISHIMOTO, 1998, p.8) um objeto somente adquire sentido lúdico,
quando funciona como suporte para brincadeira, é a função lúdica que a criança lhe
atribui que o transforma em brinquedo, caso contrário será apenas um objeto.
41
BROUGERE, Gilles. Brinquedo e cultura. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 42
Ibid., p. 43.
52
Conforme a assertiva de Vygotsky (2007) uma vez que os objetos possuem
uma influência grande na brincadeira da criança pequena é importante que lhe
sejam oferecidos objetos que tenham alguma proximidade com o real que se quer
imitar, como exemplo um cabo de vassoura pode ser um cavalo, porque nele a
criança consegue exercer a função de galopar, ao contrário não poderia usar um
palito de fósforo para galopar, como exemplifica o próprio autor, ou qualquer outro
objeto que não pudesse exercer essa função.
Percebe-se que os objetos por serem produtos culturais exercem um fascínio
nas crianças pequenas, pois conforme afirma Mello e Singulanni a partir dos dois
anos “a atividade que guia o desenvolvimento é a atividade com objetos” (2014, p.
41). E para Elkonin (2009) conforme a criança vai se desenvolvendo, o
encantamento deixa de ser pelo objeto em si, mas é pela possibilidade de usá-lo
conforme a função social. Assim, como aponta o autor, as crianças em suas
brincadeiras começam a dar indícios do início da imitação de papéis, mas as ações
ocorrem de modo solto não sequenciada, como exemplo a criança dá comida para
boneca, em seguida entra na caixa e brinca de motorista, não há uma continuação
nas ações, como dar banho na boneca, trocá-la e colocá-la para dormir. Reforçando
este pensamento de Elkonin (2009), Bondioli (1998, p. 220) afirma que “Somente
pelos dois anos e meio de idade é que o jogo simbólico torna-se mais elaborado e a
criança é capaz de construir cenários imaginários no qual dramatiza sequências de
ação sempre mais longas”. Vygotsky (2007) atribui à linguagem essa função de
mudar a percepção da criança em uma situação, integrando as ações e organizando
o pensamento, pois “A linguagem libera a criança das impressões imediatas sobre o
objeto, oferece-lhe a possibilidade de representar para si mesma algum objeto que
não tenha visto e pensar nele [...] extrapolando seus limites” (VYGOTSKY, 1998a, p.
42).
Para Vygotsky (2009, p. 14) a imitação aparece no jogo da criança:
[...] nos seus jogos, reproduzem muito do que vêem, mas é bem conhecido o imenso papel que cabe à imitação nos jogos infantis. Estes são com frequência um mero reflexo do que vêem e ouvem dos mais velhos, mas estes elementos da experiência alheia nunca são transportados pelas crianças para os seus jogos como eram na realidade. A criança nos seus jogos, não se limitam a recordar experiências vividas, mas reelaboram-nas de modo criador, combinando-as entre si e construindo com ela novas realidades de acordo com os seus afetos e necessidades.
53
Assim, quando as crianças bem pequenas imitam as ações dos adultos já
interiorizadas e estimuladas pelo brinquedo, apresenta-as de forma reelaboradas,
ressignificadas e criadas em seu próprio corpo, manifestando-as em seus
movimentos e fala, de forma diferente da apreendida da realidade. Esta brincadeira
recebe importância na teoria de Vygotsky, porque nela a criança pode realizar ações
que não poderiam ser realizadas na vida real, como dirigir um carro, passar roupa,
cozinhar, atividades socialmente atribuídas aos adultos.
Outro ponto essencial a destacar na tentativa de compreender a construção
do percurso que a criança realiza para iniciar a brincadeira imaginária, é ter o
conhecimento que na brincadeira de imitação as crianças bem pequenas iniciam o
processo de imaginar e criar “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente
em relação àquilo que vê” (VYGOTSKY, 2007, p. 114)43, como exemplo vê uma
caixa de papelão e a transforma em um barco ou avião e age como se estivesse de
fato pilotando o barco ou o avião.
Vygotsky (2007) propõe um conceito importante dentro da brincadeira
imaginária que é a zona de desenvolvimento proximal (apresentado anteriormente),
assim, numa situação de brincadeira imaginária junto com crianças maiores,
crianças bem pequenas participam desta experiência imitando as ações das mais
velhas e até da professora que esteja brincando junto com elas. Para o autor este
conceito é importante porque:
O brinquedo cria a zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.
44
A situação da brincadeira, nesta perspectiva, contribui para o
desenvolvimento da criança bem pequena que pode aprender a brincar com as
crianças mais velhas, que atuam como parceiras mais experientes, imitando suas
ações, realizando interação, desenvolvendo a linguagem e, para o professor esse
momento torna-se importante porque pode observar o nível de desenvolvimento das
crianças pelas suas aprendizagens. E como aponta Vygotsky (2007) citado
43 VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Tradução: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange AstroAfeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 44 Ibid., p. 122.
54
anteriormente, as crianças podem imitar várias ações que estão além do seu
desenvolvimento em experiências que envolvam parceiros mais experientes.
Assim, o professor pode criar possibilidades para o surgimento da brincadeira
imaginária, atuando na preparação de ambientes ricos de interações que promovam
estas possibilidades e também pode atuar junto com a criança brincando com ela,
como parceiro experiente e mediador da cultura.
55
Capítulo 3
Metodologia: o caminho percorrido na creche
A proposta deste capítulo é apresentar o método da pesquisa e a técnica
utilizada para obtenção dos dados que elucidam o objeto de pesquisa. Descrevemos
o material utilizado, a creche onde a pesquisa foi realizada e o grupo de pesquisa.
Relatamos os encontros realizados na creche para aplicação da pesquisa e a
análise dos dados obtidos a partir das experiências das crianças com a sucata e do
diálogo com a professora da sala.
3.1 Assim nasce um objeto de pesquisa
Ao iniciar um trajeto pensa-se em qual o melhor caminho a percorrer, onde
pretende-se chegar, o que se quer ver, conhecer e como realizá-lo, de modo que
seja produtivo e eficaz tanto para o pesquisador quanto para os sujeitos envolvidos
na pesquisa. Nesse sentido o trajeto percorrido na pesquisa assemelha-se à
metáfora da construção do ninho do passarinho, que passa por diversas etapas, que
tipo ninho, onde construí-lo e que material utilizar. Ao iniciar o processo de
construção são várias viagens de idas e vindas levando o material para a confecção
do ninho, assim é o pesquisador indo e vindo confrontando a teoria com a prática,
buscando compreender e elucidar a situação a sua frente. Como o passarinho que
muitas vezes necessita mudar o ninho de local devido alguma circunstância, assim,
o pesquisador necessita reorganizar e ajustar a pesquisa para que tal qual o ninho
sirva para desenvolver, abrigar e promover vida que resulte em conhecimento útil
para si, para as pessoas envolvidas na pesquisa e para a comunidade educacional
como um todo.
Durante os dois anos de mestrado algumas tramas foram tecidas que me
ajudariam a trilhar a aventura da pesquisa escolhida.
O primeiro desafio a ser vencido foi a escolha da metodologia, foi um
processo longo, difícil, doloroso de muita reflexão e responsabilidade, pois realizar
escolhas importantes não são fáceis. Este momento embora árduo, mas
profundamente profícuo foi vivenciado durante o tempo em que cursei a disciplina
56
Metodologia da Pesquisa, requisito obrigatório do curso, que nos proporcionou o
contato com diversas metodologias. Agregado a isso já possuía uma intenção de
pesquisa ao iniciar o curso, que era a de compreender o porquê da sucata causar
tanto interesse nas crianças bem pequenas e o que poderiam realizar com este
material por meio do brincar. Neste momento estava aberta a buscar uma
metodologia que me ajudasse a encontrar respostas para estas indagações.
Conforme as disciplinas iam sendo cursadas mais me aproximava e me sentia
convicta que esta era a temática que deveria ser pesquisada no mestrado. Como
formadora de professores na Secretaria de Educação Municipal de Barueri e
professora de educação infantil neste mesmo município, atuando sete anos em
creche, eu sempre estive convicta de que os professores, embasados em sua
prática, precisam participar com sua experiência com formadores e pesquisadores
na construção dos saberes, ao mesmo tempo tinha a certeza que este conhecimento
para ser legítimo e eficaz deveria ser realizado a partir de um olhar atento e uma
escuta sensível das ações das crianças em sala de aula, desta forma a metodologia
desenvolvida nesta pesquisa precisava contemplar esse sentido de troca entre
professor, pesquisador e as crianças.
O caminho encontrado para dar conta de uma pesquisa coparticipativa foi a
pesquisa-ação, que visa pela experiência prática, com sujeitos reais, solucionar uma
questão, construir conhecimento em parceria e divulgá-lo, em que todas as etapas
da pesquisa são construídas em colaboração com os sujeitos envolvidos na
pesquisa, ancorados em teorias que ajudam a elucidar as questões.
Outra disciplina que contribuiu com o objeto de pesquisa foi “A cidade como
Arquivo”, que me oportunizou a aproximação da história da cidade de Carapicuíba
com a educação infantil, por meio de um trabalho como conclusão da disciplina –
“Carapicuíba a cidade de passagem e a educação infantil”.
Assim, foi possível observar a relação de descaso da cidade de passagem
com a educação infantil, suas implicações na escola infantil refletidas no pouco
investimento em prédios próprios para as escolas, equipamentos e formação dos
profissionais da área da educação. Mas também possibilitou-nos observar o início da
construção do percurso democrático dos últimos nove anos de governo na tentativa
de romper com o estigma da cidade dormitório45, especialmente na educação.
45
[...] cidade - dormitório costuma ser utilizado com uma carga pejorativa para os municípios que apresentam baixo nível de desenvolvimento econômico e social, precárias condições de
57
Percurso este explicitado no Documento Curricular de Carapicuíba (2014), cuja
intenção de mudança aparece no título do documento - Município de Carapicuíba
“Cidade Educadora”46.
Ao analisar este documento percebe-se a tentativa de construir uma proposta
de educação de forma coletiva, pela integração de especialistas das diversas áreas
de conhecimento, gestores e professores, equipe pedagógica da Secretaria
Municipal de Carapicuíba e equipe de assessoria, foi um período de estudo entre os
anos de 2009-2013. A proposta de educação infantil conforme análise do
Documento Curricular está baseada em áreas de conhecimento e também
fundamentada no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil47 que
apresenta os eixos de trabalho para a aquisição das diversas linguagens pelas
crianças. Embora, no ano de 2009 o MEC tenha lançado as Diretrizes Curriculares
Nacionais de Educação Infantil, documento de caráter mandatório que busca
orientar as políticas públicas na elaboração, planejamento, execução e avaliação de
das propostas pedagógicas e curriculares da educação infantil (BRASIL, 2010), que
propõe como eixos norteadores da proposta pedagógica as interações e
brincadeiras, possibilitando ao professor a construção de uma prática docente que
coloca a criança no centro do planejamento, considerando suas necessidades, seus
direitos de aprender, sua criatividade, sua individualidade e indivisibilidade, ainda
nos dias atuais muitos municípios adotaram as orientações do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil que se apresenta como documento de caráter
instrumental e didático (BRASIL,1998, vl. 3) com sugestões de conteúdos e
orientações didáticas para o trabalho com as crianças de zero a seis anos.
No Documento Curricular do município de Carapicuíba a concepção de
criança é a de criança “sujeito histórico e social [...] que ao chegar à escola [...] traz
consigo uma experiência de vida que lhe é próprio” (CARAPICUIBA, 2014, p. 196).
assentamento e de vida para sua população e nítida dependência econômica de um pólo regional (OJIMA et al, 2010, p. 396). 46
Carta das cidades educadoras. Proposta definitiva, III Congresso Internacional em Gênova, novembro 2004. In: Cadernos CENPEC. Pesquisa em ação Educacional. Disponível
em:<http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/165>. Acesso em: 07
abr. 2010. Documento Curricular – Prefeitura e Secretaria Municipal da Educação de Carapicuíba/NAP Escola do Futuro/USP. 47
Documento elaborado em atendimento às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), visando auxiliar na realização do trabalho educativo com as crianças. Concebido para servir de guia de reflexão educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam na educação de crianças de zero a seis anos, respeitando a diversidade cultural brasileira e os estilos pedagógicos (BRASIL, 1998, n.p, vol.2).
58
Além da análise deste documento também tivemos acesso às revistas
periódicas da cidade de Carapicuíba e entrevista com as supervisoras de educação
infantil. Desta busca, constatou-se que a creche fase um (de seis meses a três anos
e onze meses) como denominam ainda hoje, até 2007 pertencia à Secretaria da
Promoção Social, a partir deste período passou a pertencer a Secretaria de
Educação deste município, com professoras formadas em todas as salas e com as
ADBs (auxiliares de desenvolvimento infantil da educação básica) e pajens. As
ADBs atualmente muitas possuem pedagogia, embora a exigência para esta função
seja o ensino médio. Para as pajens a formação exigida é nível fundamental, pois
essa função está relacionada ao cuidar, no entanto, nos dias atuais são poucas
pajens, permanecendo como maioria as ADBs. As professoras, as ADBS e as
pajens recebem formação continuada em serviço periodicamente, elemento
primordial para a garantia de uma educação de qualidade e construção de uma
cidade educadora. As creches buscando atender a demanda de crianças e a
necessidade dos pais que trabalham, atendem em período parcial e integral.
Para mim, este foi um tempo de reflexão, de construir bases e de “escovar
palavras”48 realizado por meio de diálogos com os autores relacionados com a
temática da pesquisa, com professores companheiros de trabalho, participação em
congressos e com minha orientadora.
Inspirada pelo trabalho realizado sobre a história de Carapicuíba, sobre o seu
movimento de desconstruir o conceito pejorativo de cidade dormitório, cidade de
passagem e tornar-se uma cidade pertencente aos seus habitantes e também por
ser moradora de Carapicuíba há vinte e seis anos, por possuir um enorme interesse
no desenvolvimento da cidade, especialmente em educação e pelo compromisso de
ser uma formadora de professores, fui até a Diretoria de Ensino de Carapicuíba,
compartilhei o trabalho realizado, as minhas indagações sobre o interesse da
criança com a sucata, como ela constrói a imaginação e criação, o desejo de
conhecer as escolas de educação infantil deste município, principalmente a creche e
48
Manoel de Barros (2003, p. 2) utiliza o termo “escovar palavras” ao escrever um poema em que conta o seu encantamento com os arqueólogos que escovam ossos para encontrar vestígios históricos. Por isso, metaforiza, dizendo que, por se tratar de um poeta, ele escova palavras. Fragmento retirado da Dissertação de Mestrado de Paulo Sérgio Fochi – “Mas os bebês fazem o quê no berçário, heim?”: documentando ações de comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 6 a 14 meses em contexto de vida coletiva. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação, Porto Alegre, BR-RS, 2013.
59
por saber que esta Secretaria de Educação é acolhedora, coloquei-me à disposição
para realizar um trabalho em parceria com uma de suas escolas.
A partir deste percurso já tínhamos lançados as bases da pesquisa,
investigaríamos sobre o brincar com sucata, olhando as ações das crianças com seu
professor (a) em uma escola infantil da cidade de Carapicuíba.
3.2 O método
A abordagem desta pesquisa é qualitativa, compreendida como pesquisa que
envolve as ciências humanas e sociais, adotando métodos para investigar um
fenômeno situado no seu local de ocorrência, buscando encontrar sentido e
interpretar os significados que as pessoas dão ao fenômeno (CHIZZOTTI, 2006).
O método utilizado nesta pesquisa é a pesquisa-ação definida por Thiollent
como:
[...] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é a concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (2009, p.16).
A pesquisa-ação ou “pesquisa em ação” como denomina Gatti (2008)
apresenta dúvidas em sua origem, encontrando referências da sua utilização na
Europa e Estados Unidos, alguns teóricos como Chizzotti (2006) e Thiollent (2009)
atribuem sua origem a Kurt Levin, um imigrante foragido do nazismo e naturalizado
norte-americano. Levin era um estudioso profundamente interessado no estudo da
dinâmica social e via na ciência a possibilidade de resolução de conflitos, para
esclarecer os indivíduos sobre uma situação e propor uma solução eficaz para o
problema (CHIZZOTTI, 2006).
A pesquisa-ação é voltada para descrição de situações concretas e para
intervir ou agir orientando na direção de equacionar os problemas detectados
(THIOLLENT, 2009), caminhando com o movimento dinâmico da realidade
investigada. Na investigação os participantes e pesquisador atuam como
coparticipantes. Para Gatti (2008, n.p.) este tipo de pesquisa trata-se de “um novo
modo de construir interpretações que traduzam o sentido desses fatos ou ações,
60
não de uma forma unilateral, mas de modo compartilhado, em que pesquisador e
pesquisados dialogicamente enunciam e confrontam significados”.
A pesquisa-ação ao orientar a ação em uma situação concreta articula-se a
produção de conhecimento, à ação educativa e à participação dos envolvidos, no
processo de coleta e análise de informações e na ação de sanar o problema, não se
limitando somente a isso, mas participantes e pesquisador são modificados pelo
conhecimento adquirido e pressupõe-se uma tomada de consciência (CHIZZOTTI,
2006).
Na pesquisa-ação ou pesquisa em ação o sujeito pesquisado, nas palavras de
Carlos Brandão49 (1984, p. 8 apud Gatti 2008, n.p.) não é um “outro subalterno, mas
o outro diferente do pesquisador, com direito a existência própria a escolha de
coparticipação, ou não, do processo investigativo comum e consensuado”.
Segundo Gatti (2008, n.p) na pesquisa-ação tem-se um “texto cultural a ser
decifrado”, o pesquisador como participante ativo deve desvendar este texto,
exigindo dele uma ação de “pensar-agir-pensar” com seus companheiros, de forma
analítica, de modo que a prática esteja alicerçada na teoria e ambas se
retroalimentem.
Visando ocorrer o compartilhamento de saberes e a resolução do problema,
nesta pesquisa foram adotadas quatro características que aparecem de modo mais
comum na pesquisa-ação citadas por Gatti (2008, n.p) que são: “o planejamento
(sobre a melhoria ou mudança de uma prática); a atuação para implementar a meta
desejada; o acompanhamento e descrição dos efeitos da ação; a análise e
interpretação de todo o processo”.
A técnica utilizada nesta pesquisa foi a da observação participante que
segundo Barbier50 (2007, p. 129) “Trata-se de todas as formas de escuta e de
observação não codificadas, não estruturadas” e essa técnica é importante na
pesquisa-ação porque “Permitem-nos compreender a vida afetiva, imaginária não só
dos membros do grupo-alvo como também do pesquisador [...]”51.
Thiollent (2009) propõe que em cada ação realizada, haja reuniões com
discussões para planejar as próximas ações. Importante salientar que nesta
pesquisa as informações, ações e reorganização de experiências tiveram como foco
49
Brandão, Carlos R. (org). Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. 50
BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro Editora, 2007. p. 129. 51
Ibid., p. 131.
61
as crianças que proporcionaram pistas para nortear as próximas ações. Utilizamos o
termo experiência e não atividades, porque supúnhamos que as crianças como
seres competentes, ativos e ávidos por aprender mergulhariam de forma inteira nas
ações e não de modo mecânico como pressupõe o termo atividade, pois conforme
Dewey (1976, p. 26) “[...] toda experiência modifica quem a faz e por ela e a
modificação afeta, quer o queiramos ou não, pois é outra, de algum modo, a pessoa
que vai passar por essas experiências”.
Também utilizamos dos nossos registros das ações das crianças para serem
compartilhados nos encontros com a professora. Isto porque “[...] ao escrevermos
nossa experiência, nosso fazer ganha visibilidade, torna-se documento ao qual
podemos retornar o vivido, atribuindo-lhe outros significados e projetando outros
fazeres desejados ou necessários” (OSTETTO, 2012, p.13).
3.3 A escolha da sucata como material pedagógico
Nos anos que atuei como professora de creche tanto com bebês quanto com
crianças até três anos, sempre me intrigava o interesse, a curiosidade e o tempo que
as crianças se dedicavam a experimentar a sucata por meio do brincar.
Weiss (1989) em seu livro Brinquedos & Engenhocas oferece algumas
reflexões que nos ajuda a iniciar essa compreensão. A autora aponta que “A sucata
oferece inúmeras possibilidades criativas” (p. 7), inclusive transformar objetos
simples como um copo plástico em uma nave espacial com tripulantes. Uma das
características principais da sucata está justamente na sua capacidade de
transformar-se em qualquer objeto que esteja a serviço do desejo, interesse e
necessidade da criança.
Para a autora o processo de criação já inicia quando o professor recolhe o
objeto do lixo, realizando os processos de higienização e a preparação para uso da
criança (isto inclui a verificação completa de que este material não apresenta risco à
criança), o processo de criação instaura-se porque o professor “recorta o objeto da
realidade, ressignificando-o neste momento” (WEISS 1989, p. 7)52, ou seja, dá a
este objeto uma conotação de instrumento pedagógico. A criança ao transformá-lo
52 WEISS, Luise. Brinquedos & Engenhocas – atividades Lúdicas com sucata. São Paulo: Editora
Scipione, 1989. p. 7.
62
em brinquedo, porque atribui-lhe um sentido lúdico (BROUGÈRE, 198153) confere a
este objeto uma dimensão pessoal e individual, portanto “despersonalizado da
produção em massa do consumo” (WEISS, 1989, p. 7)54.
A autora aponta dois tipos de sucatas: a natural constituída por sementes,
pedras, conchas, folhas, madeira, galhos e outros materiais. E a sucata
industrializada composta por todos os tipos de embalagens, copos plásticos, chapas
metálicas, tecidos, papéis, caixas, e outros materiais55. Nos dias atuais a sucata
também entra na categoria de materiais não estruturados como aponta o documento
do MEC Brinquedos e Brincadeiras de Creche “Brinquedo e material não estruturado
é aquele que não tem uso previamente definido. [...] sucata [...] com pouca
estruturação possibilita inúmeros usos (BRASIL, 2012, p.135).
Outra característica importante da sucata por Weiss (1989) é que ela se
apresenta em materiais diversificados, em cores, texturas, tamanhos, formas que
despertam na criança o desejo da pesquisa e da construção de brinquedos.
A autora também destaca que os brinquedos industrializados por serem
uniformes logo são deixados de lado e trocados por suas embalagens,
especialmente as caixas ou por outros objetos como tampas, pedaços de madeira,
papel etc. Outro ponto que deve ser considerado é que os brinquedos
industrializados sendo projetados pelos adultos, simbolizando a “representação que
a sociedade tem da criança” (BROUGÈRE, 2008, p. 9) já trás consigo símbolos e
modo de ser utilizado, muito embora a criança com sua imaginação e criatividade
pode conferir-lhes outros significados.
A criança ao entrar em contato com a sucata logo a reconhece (isso ao levar-
se em consideração o contexto social ao qual a criança está inserida), porque ela é
um objeto cultural e ao deparar-se com tal objeto, age conforme os usos e costumes
de sua sociedade.
Weiss (1989, p. 34) assevera que quando a criança entra em contato com a
sucata “tende a refletir seu temperamento, seu universo”. É muito comum, mas não
é uma regra, como aponta a própria autora, que meninos se enveredem a construir,
martelar, dirigir, batucar e etc. e meninas realizam ações mais voltadas ao universo
feminino como: cozinhar, cuidar da boneca, explorar miudezas e etc.
53
Em trabalho denominado Le jouet ou La production de l’ enfance. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 8. 54 WEISS, op. cit., p. 7. 55 Ibid., p. 31.
63
E por último a utilização da sucata como material pedagógico utilizado para
possibilitar a imaginação e criação da criança pelo brincar, justifica-se além de todas
as razões apresentadas anteriormente é que é um material de fácil acesso, baixo
custo (ou nenhum) encontrado no nosso cotidiano.
3.4 A creche: Contexto coletivo e colaborativo
A escola indicada para a realização da pesquisa foi a Creche e E.M.E.I. X
localizada, na cidade de Carapicuíba. A creche atende 298 crianças e a escola como
um todo 384, abrangendo a sua comunidade e alguns bairros próximos. Possui um
prédio próprio que foi construído para abrigar a escola, conquista que a prefeitura
vem alcançando nos últimos anos, pois ainda possuem creches e E.M.E.I. em casas
adaptadas para o atendimento destas escolas.
A Creche e E.M.E.I. passou por duas inaugurações, a primeira ocorreu em
dezembro de 1994 (a Proposta Pedagógica da escola não informa o dia),
pertencendo à Secretaria de Saúde (CADI – Centro de Acompanhamento e
Desenvolvimento Infantil). A segunda inauguração ocorreu em 15 de Julho de 1995,
passando para a Secretaria de Promoção Social e lá permanecendo até 2007, como
dito anteriormente e a partir deste período passou a pertencer à Secretaria de
Educação do Município. A Proposta Pedagógica desta escola (P.P.) compreende a
criança como sujeito de direitos desde o nascimento, produtora de conhecimento e
cultura.
A grande maioria das mães cujas crianças são atendidas pela creche trabalha
fora de casa. As famílias que compõem a comunidade escolar são trabalhadores
que recebem salários mínimos e possuem um baixo poder aquisitivo, apresentam
um nível de escolaridade de 72% com segundo grau completo e 3% com ensino
técnico completo, segundo dados da Proposta Pedagógica da escola.
A Proposta Pedagógica aponta que os pais esperam que a escola ofereça aos
seus filhos uma educação com respeito, voltada para a conquista de aprendizagem
e cidadania e que estes sejam alfabetizados nesta etapa da educação.
Com relação aos professores da escola a maioria possui Magistério e a
graduação em Pedagogia.
64
A caracterização da escola está composta da seguinte forma:
11 Salas de aula
02 Banheiros infantis
01 Refeitório
02 Cozinhas
01 Dispensa
02 Lavanderias
01 Banheiro com vestuário para uso dos funcionários
01 Banheiro para secretaria
01 Sala para atendimento médico
01 Almoxarifado externo
01 Brinquedoteca
01 Parque
01 Secretaria
A escola está dividida em quatro salas de Pré-escola I e II; a creche em:
1berçário I parcial (zero a um ano); 1 berçário II integral (um a dois anos); 2
berçários parciais (um e dois anos); 2 maternal I integral e 2 parcial (dois a três
anos); 2 maternal II integral e 1 parcial (dois a três anos) duas salas de Berçário I e II
e seis salas de maternal I e II.
3.5 O percurso com o berçário II - meus companheiros de pesquisa (as crianças e a
professora)
O termo “companheiros de pesquisa” (FOCHI, 2013, p. 64) utilizado nesta
pesquisa visa caracterizar a relação de parceria entre pesquisador e os sujeitos
65
envolvidos na pesquisa, relação de coparticipação, consentimento, amizade,
caminhada juntos na construção de conhecimento tal como aponta a pesquisa-ação.
A pesquisa foi realizada em julho e agosto de 2015 com dez encontros com
as crianças e a professora da sala, sendo dois diagnósticos e oito de aplicação da
pesquisa. Os nomes das crianças e da professora serão preservados, mesmo
possuindo autorizações tanto dos pais das crianças quanto da professora para uso
de imagem, os sujeitos da pesquisa serão identificados pela inicial da primeira letra
do nome. São eles: Professora – E; crianças: PD (menino de dois anos e três
meses); M (menina de dois anos e três meses); J (menina dois anos e três meses);
K (menino de dois anos e três meses); PH (menino de dois anos e dois meses); MT
(menino de dois anos e um mês); P (menino de dois anos e dois meses); I (menino
de dois anos e três meses) e B (menina dois anos).
Ao chegar à creche, a diretora e a coordenadora me acolheram com muita
receptividade como alguém que construiria algo novo e esse foi o sentimento que
permaneceu durante o tempo da pesquisa e que ainda perdura até os dias de hoje,
percebo isso quando volto à escola para realizar formação e a diretora me diz que a
experiência de aprendizado vivenciada ainda ecoa com ações de práticas
diferenciadas na escola. Após o contato com a direção e coordenação, conhecemos
as professoras. O grupo de professoras foi receptivo, compartilhei algumas das
minhas preocupações e ouvi as expectativas das professoras com relação à
educação infantil, às crianças e ao seu trabalho. A partir deste diálogo foi lançada a
ideia de trabalhar com a sucata olhando para o que a criança seria capaz de realizar
com este material. A proposta da pesquisa soou como uma resposta às provocações
que elas haviam vivenciado durante a última formação continuada ofertada pela
rede, porque dentre os diversos temas abordados, estava o trabalho com materiais
não estruturados - a sucata. Havia muito interesse por parte das professoras em
trabalhar com este recurso, mas também pairava dúvidas de como fazê-lo e ainda
preconceito por parte de algumas, associando este material a lixo. Após esse
momento a professora (E) procurou-me demonstrando interesse em participar da
pesquisa, pois assumira o berçário II em tempo parcial, este era o seu primeiro ano
na escola e estava com dificuldades em aplicar a teoria estudada. A sala estava
bastante agitada e com casos de mordidas (fato que é normal nesta faixa etária,
mas causa angústia nos adultos que atuam com as crianças e nas famílias que
recebem os filhos mordidos). Também apontou o fato da escola ter poucos espaços
66
e brinquedos para as crianças brincarem. Outro ponto importante destacado pela
professora era que não possuía experiência com crianças bem pequenas e sim com
crianças maiores, pois atuava como professora do fundamental I no período da
manhã, mas estava desejosa em colaborar com a pesquisa e também ampliar os
seus conhecimentos. A professora relatou que não havia trabalhado com a sucata,
disse que considerava importante o manuseio deste material pelas crianças, mas
prepará-los dava trabalho, pois ela não possuía muito tempo por ter jornada dupla.
Disse que após a formação da prefeitura, sentiu-se instigada a trabalhar com a
sucata e estava preparando alguns chocalhos para as crianças.
Com o consentimento da professora em ser coparticipante da pesquisa e de
investigarmos juntas como a criança constrói o processo de imaginação e criação
por meio do brincar com sucata, fomos conversar com a diretora e a coordenadora
sobre os encontros, o local onde a pesquisa seria realizada, o tempo de cada
encontro e o grupo de crianças, em torno de nove crianças. Decidimos que seriam
dez encontros, no período da tarde e o local disponibilizado foi um corredor aberto
que ladeava uma sala de maternal (eram dois os locais disponíveis: um corredor que
ficava na sombra, arejado e reservado e outro que ficava na frente da
brinquedoteca, local inviável, pois era acesso de várias pessoas).
Em seguida, fui conhecer os espaços da escola que estavam destinados ao
brincar. A escola possuía uma brinquedoteca que era compartilhada por toda a
escola – pré-escola e creche.
Os brinquedos ficavam dispostos em caixas, em prateleiras altas, o espaço
era uma sala que servia para guardar os brinquedos que não estavam sendo
utilizados e também de local para as crianças brincarem. O outro espaço era a área
externa que rodeava a escola, um quintal grande com muita terra, e uma área verde
fantástica com árvores que convidavam para experiências de piquenique,
explorações e tantas outras possibilidades. A área era pouco explorada pelas
professoras, pois possuía um muro baixo que dava acesso a uma avenida ao lado
da escola. A área externa não possuía parque e nem brinquedos.
67
Antes de iniciar os encontros com as crianças, a professora e eu discutimos
sobre os materiais que seriam utilizados para as crianças experimentarem, se
seriam só as sucatas, ou intercalaríamos com os brinquedos que a sala e a escola
dispunham (que já não despertavam muito interesse nas crianças), quem ficaria
responsável por trazer os materiais. Decidimos que eu ficaria responsável pela
coleta, seleção e limpeza do material (pois a professora dispunha de pouco tempo)
uma vez que optamos por utilizar apenas as sucatas, que esses objetos seriam
disponibilizados às crianças na sua forma original (isso significava que não os
transformaríamos em brinquedo-sucata56) para que elas os explorassem livremente,
para brincar e criar do modo como desejassem. Combinamos que o critério para a
escolha do grupo das crianças que fariam parte da pesquisa seria por assiduidade
na creche e pelo seu desejo de participar, pois estas deveriam sentir-se felizes e
inteiras na realização das experiências, critério este importante para respeitá-las
como sujeitos de direitos e como ator social.
Também discutimos sobre o momento dos dois primeiros encontros serem
utilizados como diagnósticos para que pudéssemos conhecer melhor as crianças,
como brincam, interagem com as propostas da professora e com as duas ADBs
(ambas estão terminando o curso de pedagogia). Assim, utilizaríamos a observação
56
“O brinquedo-sucata é assim denominado por tratar de um objeto construído artesanalmente com diversos materiais, como madeira, lata, borracha [...] Assim como a própria colagem, ele surge da junção de materiais diversificados. A lata de óleo [...] pode vir o corpo de uma boneca ou um dragão” (WEISS, 1989, p. 38). A autora refere-se ao brinquedo construído pelo artesão, por adultos ou crianças maiores.
Espaço externo da escola
Figura 1 – Espaço externo da escola – Fotografia do acervo da autora.
68
participante e iríamos interagir com as crianças conforme elas nos permitissem e nos
convidassem a brincar.
Pelo fato de a professora chegar à escola no horário de receber as crianças e
por este ser o momento de acolhimento tanto das crianças como dos pais, ficou
estabelecido que as reuniões de planejar e replanejar as ações ocorreriam após os
encontros com as crianças.
Assim, a partir das preocupações apresentadas pela professora e das minhas
inquietações procuramos encontrar respostas para elucidar as situações propostas
sempre tomando como ponto de partida as ações das crianças.
3.5.1 Primeiro Encontro - Conhecendo o contexto - Olhos curiosos e atentos– Quem
será esta pessoa estranha?
Este seria o primeiro desafio a ser vencido, o de ser aceito pelo grupo. Era um
momento de estranhamento para as crianças e para mim.
A sala do berçário II era composta por vinte e quatro crianças matriculadas
com um caso de inclusão, um menino com paralisia cerebral, ele não andava e não
falava, não havia uma cuidadora para ele na sala e esta não possuía nenhuma
adaptação ou qualquer outro recurso que favorecesse seu desenvolvimento.
O berçário II possuía um espaço grande, ficava de frente para duas outras
salas (berçário e maternal), não possuía porta, assim tanto as crianças desta sala
como as das outras duas, podiam acompanhar o que estava acontecendo umas nas
outras, a saída das crianças da sala do berçário II era impedida por um berço que
ocupava o local da porta. Essa situação era provisória, pois a porta já estava sendo
providenciada. Ao lado esquerdo da sala ficavam alguns colchões dispostos no
chão para que as crianças pudessem repousar quando sentissem sono, dando
autonomia a elas para descansarem quando quisessem, no fundo da sala havia
alguns cadeirões que eram utilizados para dar suco ou outro alimento para as
crianças menores. As paredes da sala possuíam poucos visuais que eram feitos em
E.V.A. e ficavam muito acima dos olhos das crianças. Ao olhar para as paredes
vinha em nossas mentes o que afirmava Malaguzzi (1999, p. 73) “que as paredes
falam e documentam”, elas nos contavam acerca das pessoas que habitavam
aquele lugar, que concepção os adultos possuíam das crianças e tantas outras
coisas que ainda iríamos descobrir.
69
Havia poucos brinquedos na sala: alguns ursos de pelúcia e peças de encaixe
que ficavam guardados fora do alcance das crianças. Com relação a isto Ambrogi
(2011) aponta-nos que um espaço torna-se agradável, inclusive a sala de aula,
quando os materiais, incluindo os brinquedos ficam disponíveis às crianças. Para
isso torna-se necessário que estejam organizados em caixas, cesto no chão ou em
prateleiras na altura das crianças. Fato este referendado pelo documento do MEC -
Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das
crianças que aponta “Os brinquedos estão disponíveis às crianças em todos os
momentos [...] guardados em locais de livre acesso às crianças [...] guardados com
carinho, de forma organizada” (CAMPOS, 2009, p. 14)57.
A sala possuía uma televisão e um aparelho de DVD que ficavam ligados
durante um bom período da tarde. Quanto ao tempo de exposição da criança
pequena à televisão em creche, o documento do MEC acima citado recomenda “Não
deixamos nossas crianças assistindo televisão por longos períodos”58. O tempo que
a criança passa na creche deve ser um período de vivências diversificadas que lhe
garanta o acesso às diversas linguagens e com um tempo grande para o brincar
livre.
Após as crianças entrarem na sala e receberem o suco, os mais novos eram
colocados no cadeirão pelos adultos e as mais velhas posicionavam-se no tapete
viradas para o vídeo que era ligado, esta prática era diária nesta sala.
57
CAMPOS, Maria Malta. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças / Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg. – 6. ed. Brasília : MEC, SEB, 2009. 58
Ibid., p.22.
70
Encerrada a hidratação foram colocados pelas ADBs os brinquedos da sala
para as crianças, passado algum tempo a professora retirou de dentro de um balcão
alguns chocalhos confeccionados por ela de garrafas pet. Ela dizia: “Olha como eles
gostam”. Imediatamente as crianças deixaram os brinquedos industrializados e
correram para o brinquedo-sucata produzido pela professora. Conforme apontou-nos
anteriormente WEISS (1989) os brinquedos industrializados por serem
uniformizados, logo perdem seu encantamento e são trocados por outros objetos. A
euforia tomou conta da sala, chacoalhavam, batiam uma garrafa na outra,
explorando de diversas maneiras como é próprio desta idade, como não havia
garrafas suficientes para a sala toda a professora recolheu os brinquedos.
Importante ressaltar que ao oferecer brinquedos ou qualquer outro objeto às
crianças é necessário ter o número suficiente para todas e eles não devem ser muito
diversificados (exemplo: dez garrafas transparentes com grãos e uma garrafa
amarela com glitter e lantejoulas), tomando esses cuidados tende-se minimizar as
tensões e as mordidas.
Figura 2 – Crianças brincando com os chocalhos - Fotografia do acervo da autora.
71
Algumas crianças voltaram para o DVD, outras andavam pela sala
procurando o que fazer, entre uma história contada pela professora e músicas na
sala, um menino P. (dois anos e dois meses) encontrou um tesouro entre os
brinquedos guardados no balcão, era um tambor e saiu pela sala alegremente a
tamborear, assim essa criança transgredia quebrando a rotina.
Mais uma cena despertou-nos a atenção, duas crianças da sala iniciaram
uma brincadeira de passar por debaixo dos cadeirões, utilizando-os ora como túnel,
ora como cabana e divertiam-se alegremente entrando e saindo deles, logo outras
crianças aderiram à brincadeira, esta cena passava despercebida pelos adultos da
sala que estavam detidos na rotina (troca e banho) e evitar as mordidas, num dado
momento chamei a atenção da professora para as ações das crianças brincando nos
cadeirões, ela disse “eles sempre brincam assim”. Duas coisas ficaram claras nessa
fala e eram imprescindíveis pensar e discutir sobre elas nos encontros a seguir para
que a pesquisa pudesse ser realizada e ao mesmo tempo garantir experiências
estimulantes e ricas às crianças. A primeira era de que o olhar dos adultos que
trabalhavam com as crianças precisavam “estar focalizados sobre as crianças e
centrados nelas” (MALAGUZZI, 1999, p. 74)59 e ainda “[...] escutar as crianças é
tanto necessário quanto prático”60. Percebíamos que essas duas premissas tão
importantes deveriam permear toda a pesquisa, precisavam fazer parte das pautas
das reuniões com a professora, porque era imprescindível que essa prática fosse
constituída neste espaço, pois o cuidar ainda excedia o educar no atendimento
destas crianças. É importante salientar que nas práticas educativas com crianças
bem pequenas o cuidar e o educar são indissociáveis, pois ao banhar ou alimentar
uma criança ou realizar qualquer outra ação de cuidado também se está educando,
pois as crianças nestes momentos estão aprendendo com os adultos noções de
higiene, cuidado com o outro, hábitos culturais e muitas outras coisas, assim do
mesmo modo quando se ensina algo aos pequeninos buscando educá-los também
estamos cuidando deles, mas infelizmente ao trabalhar com crianças bem pequenas
os adultos acabam privilegiando o cuidar. Enquanto percebíamos a preocupação
dos adultos com os cuidados físicos, compreendíamos o desejo das crianças em
59
MALAGUZZI, Loris. História, Ideias e Filosofia Básica. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella;
FORMAN, George (orgs.). As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Tradução: Dayse Batista. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul
Ltda, 1999. 60 Ibid., p. 83.
72
nos sinalizar que eram seres criativos, ativos e potentes ao criar recursos para suas
brincadeiras enquanto testavam suas hipóteses, realizavam suas pesquisas com os
objetos, ao mesmo tempo em que transgrediam a rotina, sendo felizes com qualquer
material que pudessem atribuir função lúdica. Isto porque segundo Malaguzzi (1999,
p. 76) as crianças:
Em qualquer contexto, elas não esperam para apresentar questões a si mesmas e para formar estratégias de pensamento, ou princípios ou sentimentos. Sempre, e em todo o lugar, as crianças assumem um papel ativo na construção e aquisição de aprendizagem e da compreensão.
No encontro com a professora a partir das anotações e das fotos, retomamos
as ações das crianças - brincando com o chocalho feito de garrafa pet e com os
cadeirões. O destaque nessas experiências foi direcionado para o interesse da
criança, a sua criação, o seu desejo de aprender, de pesquisar e de criar novas
possibilidades, mesmo para os objetos que já possuíam uso previamente definidos.
Foi destacada a necessidade de ouvir atentamente o que as crianças estavam nos
dizendo e de focalizar o nosso olhar em suas ações. Neste encontro, a partir do que
as crianças nos sinalizaram, passamos a pensar nas possibilidades do próximo
encontro. Tomando como base o que foi proposto por Vygotsky (2009) que a nossa
tarefa é a de alargar as experiências da criança, de modo que o meio que a cerca
deve ser rico de possibilidades para que possa apropriar-se dele, desejando explorá-
lo, compreendê-lo e transformá-lo, por meio da visão, da escuta, do tato e da
experimentação de um modo geral, utilizando diferentes materiais. E também
reforçado por Rinaldi “[...] não devemos esquecer a importância do papel do adulto
no oferecimento de um ambiente, de materiais e de equipamentos estimulantes para
as crianças” (1999, p. 117).
Ao partir dessa premissa optamos por trazer para sala algumas sucatas -
rolos de linha de papelão e de plástico para ampliar o repertório das experiências
das crianças.
3.5.2 Segundo Encontro: Que brinquedos legais! Podemos brincar com eles?
A turma iniciou a sua rotina como de costume, com o acolhimento das
crianças e dos pais que chegavam, com as orientações para as ADBs, com a
verificação se as crianças não chegavam com febre ou machucadas e com a
retirada das agendas das mochilas. Nesse período do ano as crianças já se
73
adaptaram com a rotina da creche e apenas um menino ainda chorava, o mais novo
da sala (um ano e meio), que faltava com frequência e quando comparecia
estranhava o ambiente. Neste dia a frequência era de dezessete crianças para três
adultos incluindo a pesquisadora.
Enquanto a hidratação ia sendo realizada, acompanhada pelo DVD,
decidimos colocar as sucatas num canto da sala e deixar as crianças
experimentarem esse material, toda a sala participou da experiência. Quando
perceberam estes objetos seus olhos brilharam e foram se aproximando do material,
inicialmente timidamente, mas logo passaram a envolver-se na exploração.
Inicialmente como é esperado nesta faixa etária, colocaram na boca, manusearam,
examinaram atentamente, colocaram os dedos nos buracos existentes no objeto,
apertaram, entre outras experiências. Segundo Garvey citado por Bondioli
(GARVEY, 1977 apud BONDIOLI, 1998, p. 219) “as crianças pequenas estão
sempre procurando descobrir o que as coisas são, como funcionam e o que pode
fazer com elas...”. Este é um processo normal da brincadeira nas crianças
pequenas. Passada essa etapa, debruçaram-se e exploraram os rolos de linha de
modo criativo, empilhando e derrubando-os, arremessando-os para vê-los rolar (pois
pareciam com rodas de carros) e pondo-se a recuperá-los. Isto porque conforme
Vygotsky (2009) a criatividade é eminente ao ser humano e já tem o seu início na
criança pequena, fazendo parte da sua aprendizagem e da sua apropriação do
mundo. E ainda, conforme aponta o autor, em crianças bem pequenas os objetos
possuem uma força motivadora para suas ações (VYGOTSKY, 2007), por isso ao
entrar em contato com estes objetos agiam conforme eles as motivavam. Assim, ao
depararem com esses materiais empilhavam-nos e derrubavam. Repetindo este
movimento várias vezes pelo prazer que lhes despertava a ação. Arremessava-os
para vê-los rolar e depois corriam alegremente para recuperá-los. Um ponto
importante a considerar foi o desconhecimento das crianças deste material,
evidenciado em suas ações de criação que giraram em torno dos relatos já
mencionados. Isso justifica-se no fato que Vygotsky (2009) aponta que criação
depende das experiências acumuladas anteriormente e estas garantem a qualidade
e riqueza da criação.
No encontro com a professora retomamos estas experiências das crianças, o
quanto elas sentiram-se motivadas a explorar e criar, também compreendemos a
necessidade de proporcionar materiais diferentes para as crianças ampliarem seus
74
conhecimentos. Ficou evidente que “[...] elas estão aptas a explorar, fazer
descobertas, mudar seus pontos-de-vista e apaixonar-se por formas e significados
que se transformam” (MALAGUZZI, 1999, p. 86), essa era a mensagem que as
crianças nos passavam enquanto exploravam as sucatas e somente foi possível
chegar a esse entendimento porque cessamos nossas preocupações e nos
debruçamos sobre as ações das crianças, buscando enxergá-las e compreendê-las.
A partir destas percepções decidimos levar caixas de papelão, potes e garrafas para
as crianças explorarem livremente no local destinado à pesquisa. Os materiais
seriam disponibilizados no chão, encostados na parede em ambos os lados – potes
e garrafas de um lado e caixas do outro.
3.5.3 Terceiro encontro – Mudando a rota
Conforme havíamos conversado anteriormente, o espaço foi organizado para
as crianças atuarem livremente. As crianças chegaram à sala e foram acolhidas. A
rotina transcorria aparentemente normal como todos os dias, mas havia certa
agitação entre as crianças e os adultos, esses apresentavam uma expressão de
preocupação e tensão, houve um caso de mordida no final do dia que lhes causaram
angústia. Neste terceiro encontro, outro fato alterou a rotina da sala, houve falta de
ADBs na escola e uma delas precisou ser remanejada para outra sala, assim,
ficaram três adultos na sala (contando comigo) com vinte crianças (com a criança
com necessidades especiais que neste dia viera para escola). Diante deste ocorrido
e com a preocupação das mordidas a professora disse que não poderia deixar a
sala com uma única ADB para acompanhar o grupo de pesquisa. Decidimos que os
materiais seriam trazidos para sala e dispostos da mesma forma como havíamos
planejado.
Quando as crianças viram os materiais dispostos no chão da sala, uma
alegria irradiou entre elas, a atenção foi desviada do vídeo e passaram a explorar os
materiais.
75
Figura 4 – PD explorando os potes de Danone – Fotografia do acervo
da autora.
Os materiais eram explorados pelos sentidos, foram manipulados, colocados
na boca, cheirados, inspecionados por olhos atentos e curiosos. Após cessar a
exploração, dedicaram-se a criar brincadeiras com estes objetos e dar-lhes outras
possibilidades de usos. K (dois
anos e três meses) encaixava
um pote dentro do outro,
retirava as tampas de um pote
e colocava dentro de outro e
chacoalhavam,
batiam os potes uns nos outros
produzindo sons, remetendo a
experiência do dia anterior da
proposta do chocalho da
professora. Este fato está em
consonância com Vygotsky (2009) que a aponta que a criação apoia-se nas
experiências armazenadas.
O PD (dois anos e três) pegou um brinquedo de pelúcia e colocou dentro do
pote. Em seguida, a mesma criança tomou para si alguns potes de Danone e uma
bola grande e
começou a colocar os
potes sobre a bola
equilibrando-os,
algumas crianças
aproximaram-se para
brincar com ele ou
tomar-lhe a bola ou
os potes, eles
dialogavam e
resolviam as
questões. Esta
experiência o deteve
por algum tempo, colocando os potes sobre a bola e os soltava para vê-los
equilibrados, havia brilho em seus olhos, encantamento ao mesmo que pesquisava o
Figura 3 – K explorando os potes – Fotografia do
acervo da autora.
76
Figura 5 – PD explorando as caixas –
Fotografia acervo da autora.
Figura 6 – M explorando o pote - Fotografia do acervo da autora.
efeito da ação, repetindo-a muitas vezes. A isso Benjamin (1984, p. 75) referindo-se
ao prazer que a criança sente em repetir várias vezes à ação pela alegria que lhe
causa, afirma “[...] não basta duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas e
milhares de vezes. [...] a criança volta a criar para si o fato vivido, começa mais uma
vez do início. [...] A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um fazer
sempre de novo”.
As caixas de papelão causaram
grande interesse nas crianças, entrar e
sair, subir e descer utilizando-as como
suporte, causava-lhes interesse. PD
juntou duas caixas e brincava de dirigir,
movimentava, gesticulava e empurrava
a caixa que estava à frente. Para Mello
(2015, p. 9) com crianças pequenas os
objetos parecem atraí-las com força
afetiva que provoca-lhes uma ação. E
ainda assevera que esta ação “[...] é
condicionada pelos objetos, pois a criança faz aquilo que os objetos lhe sugerem,
em uma demonstração clara da unidade entre percepção e sentimento, entre o
afetivo e o cognitivo, entre afeto e ação”.
Outra cena que roubou-nos a atenção foi de M (dois anos e três meses) a
andar pela sala com o
pote sobre a cabeça,
nesta experiência ela
explorava a forma do
pote, o peso, o encaixe na
cabeça e M também
poderia estar utilizando o
objeto como chapéu, pois
andava de um lado a
outro como se estivesse a
desfilar, sem se importar
com o que ocorria em
77
volta. O fato de talvez utilizar o pote como chapéu retoma ao que Vygotsky (2007)
propôs que para crianças pequenas imitarem elas necessitam que o objeto a ser
utilizado tenha alguma proximidade com o real, dando-lhe as possibilidades de usá-
lo do mesmo modo.
Interessante pontuar que enquanto essas ações ricas permeadas de um
brincar criativo e imaginativo, movidas por emoção e cognição acontecia, os adultos
que pertenciam à sala estavam com seus olhares direcionados para o cuidar.
Percebemos que enquanto as crianças estavam a brincar, detidas em explorar os
objetos e dar-lhes novas possibilidades, permaneceram tranquilas detidas em
aprender e descobrir novas possibilidades de utilizar aqueles brinquedos.
No encontro com a professora retomamos as experiências vivenciadas pelas
crianças, como havia outras preocupações pertinentes na sala, algumas ações
passaram despercebidas pela professora, como as já mencionadas. Essas
experiências das crianças foram trazidas para o centro da reunião, também foi
possível discutir a questão das mordidas e verificar que as crianças estavam dando
pistas de como elas poderiam ser minimizadas com propostas significativas que
mantinham acesos os seus interesses, ao mesmo tempo compreendemos que o fato
de mantê-las na sala, embora pudesse parecer mais seguro para os adultos talvez
fosse um dos motivos causadores das mordidas e da agitação. Porque como nos
aponta o documento Critérios para um atendimento em creches que respeite os
direitos fundamentais das crianças (CAMPOS, 2009, p. 13-14) “Nossas crianças têm
direito ao movimento em espaços amplos” e “Os espaços externos permitem as
brincadeiras das crianças”. Uma vez que a sala possuía poucas interações, as
crianças precisavam realizar seus movimentos com liberdade e a escola possuía
uma área externa com um verde privilegiado que poderia ser mais explorado.
Com base nas ações das crianças deste encontro e com as lições aprendidas
com elas, passamos a planejar o próximo encontro. Pensamos em disponibilizar as
crianças frascos de plástico, garrafas, tecidos e caixas para elas experimentarem.
3.5.4 Quarto Encontro – Olha quanto lixo!
Neste dia o encontro foi realizado no espaço destinado à pesquisa. O
corredor era aberto cercando uma sala de maternal, possuía uma parede muito feia,
mas inicialmente não demos atenção a essa parede. Devido ao fato do espaço ser
78
pequeno e aberto o grupo foi dividido ao meio, pois segundo Malaguzzi trabalhar
com grupos pequenos é tão bom para as crianças quanto para os adultos, porque
“Esse arranjo permite boas observações e o desenvolvimento orgânico de pesquisas
sobre a aprendizagem cooperativa, bem como sobre a permuta e divulgação de
ideias” (1999, p. 99).
As sucatas - frascos de plástico, garrafas, tecidos e caixas foram colocadas
no chão, de um lado foram dispostos os frascos de plásticos e as garrafas e do outro
as caixas e os tecidos.
Importante salientar que ainda havia ocorrido mordidas no final do dia, após o
encerramento do encontro, assim os adultos ainda conservavam a expressão de
preocupação.
As crianças dirigiram-se ao espaço que fora organizado a partir das
percepções de suas ações do encontro anterior. Quando entraram em contato com o
material, ficaram eufóricas, começaram a jogar o material para cima, chutá-los, tratá-
los como lixo, desprezando o material. Dois fatos nos chamaram a atenção, no dia
anterior as sucatas foram dispostas no chão da sala e, por estarem na sala de aula,
as crianças as trataram como brinquedo, objeto de aprendizagem, a este fato Dewey
(1976, p. 32) justifica que “[...] as condições do meio modelam a experiência
presente [...]”, deste modo as crianças demonstravam que naquele espaço as suas
ações deveriam ser diferentes, porque aquele ambiente trazia a representação de
escola, coisa séria etc..
O segundo fato é a relação da criança com a sucata, para ela era lixo, tal
como a sociedade a considera e como aponta FERREIRA (1999 apud MICELIN;
BELLINI, 2008, p. 3) referindo-se a este material “Aquilo que se varre da casa, do
jardim, da rua e se joga fora; entulho. Tudo o que não presta e se joga fora.
Sujidade, sujeira, imundície. Coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor”61. Assim, a
criança a partir desta concepção e observando muita sucata exposta nos terrenos
baldios e na rua no entorno da escola, associava estes objetos com coisas sem
valor.
Passado esse momento de euforia PD colocou um pote na cabeça em forma
de chapéu e explorava rosquear uma tampa no pote. Ficou algum tempo
61
Ferreira, A. B. de H.. Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1 CD – ROM: IN: MICELIN, C. A.; BELLINI, Marta. Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (1) – 124; jun. 2008.
79
Figura 7 – PD explorando os potes - Fotografia do acervo
da autora.
mergulhado nesta experiência de exploração e criação, sem retirar o chapéu da
cabeça, pois para ele essa era a representação do objeto naquela situação. Nota-se
que o fato de colocar o pote na
cabeça, refere-se a explorar o
objeto de diversas maneiras e
utilizá-lo conforme o seu
desejo e necessidade, também
reportam ao conceito de
Vygotsky (2009) que a
imaginação dá base para
criação e ambas são
sustentadas pelas experiências
armazenadas em sua
memória, por experiências
vistas ou vivenciadas com
pessoas da sua cultura. Além
do fato de o objeto ter uma
aproximação com o objeto real
(VYGOTSKY, 2007), outro ponto importante que merece destaque apontado por
Elkonin (2009) é a função social que a criança começa a dar ao objeto em sua
brincadeira de observar, reinterpretar, interagir e recriar pela observação do modo
como os adultos o utilizam em sua cultura.
Num outro
momento a mesma
criança enveredava para
mais uma brincadeira de
criação e equilíbrio.
Percebe-se que como
aponta Elkonin (2009) as
ações da criança bem
pequena são ações
criativas, principiando a
imaginação, mais ainda são
ações soltas, pois passam de um objeto a outro explorando suas possibilidades.
Figura 8 – PD equilibrando os potes – Fotografia do acervo da
autora.
80
Figura 10 – PH e I explorando as caixas - Fotografia do
acervo da autora.
Numa outra experiência PD colocou uma caixa na cabeça e entrando em outra, ficou
a brincar, a atrair a atenção das crianças que paravam para olhar suas ações, que
eram recheadas de criatividade e os convidava a brincar com ele.
PH (dois anos e dois meses) pegou um pote e assoprava-o produzindo um
som, ficou algum tempo detido nestas experiências. As ações das outras crianças
seguiam no sentido de manipular, jogar, chutar, rosquear estes objetos e entrar e
sair das caixas, andar sobre elas (PH e I). Neste dia os tecidos não causaram
interesse nas crianças.
O modo como
este espaço estava
organizado não
favoreceu que as
crianças explorassem
ainda mais a sua
potencialidade, mas elas
nos mostraram o quanto
eram capazes, criativas
e que estavam
desejosas de entregar-se inteiramente a essa experiência. Havia alguns entraves
Figura 8 – PD equilibrando os potes – fotografia do acervo da autora.
Figura 9 – PD explorando as caixas – Fotografia do acervo da autora.
81
que dificultou um pouco este encontro, o fato de o espaço ser aberto ladeando uma
sala, fazia com que as crianças ficassem saindo dele durante a experiência, e isso
causava insegurança na professora, que demonstrava medo do grupo se dispersar e
se machucar. Enquanto que este fato era temido pelos adultos para algumas
crianças era divertido rodear este espaço fugindo deles. Este fato foi significativo
para pensar o que foi apresentado por Ambrogi (2011) que o espaço fechado torna-
se a melhor opção nesta situação, pois seria dividido e delimitado, organização que
para crianças pequenas era o mais adequado, pois teriam visibilidade dos adultos
presentes, acesso aos materiais e focariam suas ações no local sem sair dele.
Outro ponto importante considerado no modo como o espaço estava
estruturado, apontado por Brougère é “[...] há jogo quando a criança dispõe de
significações, de esquemas em estruturas que ela constrói no contexto de interações
sociais que lhe dão acesso a eles” (BROUGÈRE, 1998, p. 28). Neste sentido, as
sucatas soltas neste espaço, possivelmente não estavam proporcionando
significações às crianças, mas talvez estivessem remetendo à representação social
que a sociedade possui destes objetos o de lixo.
No encontro com a professora retomamos as ações das crianças,
conversamos sobre a possibilidade dos objetos serem organizados de outro modo,
mas sempre acessível às crianças para que todas tivessem oportunidades e
interesse de imaginar e criar, pois a experiência de colocá-los no chão causou certo
desconforto aos adultos e talvez não tenham desafiado as crianças o suficiente para
ousarem mais com estes materiais. Outra questão trazida para a discussão foi a
necessidade de delimitar o espaço. Decidimos que colocaríamos um tecido em
ambos os lados para construir paredes e também dando um aspecto mais agradável
ao ambiente.
O tema da mordida também retornou a discussão, com base nas observações
das crianças brincando com as sucatas, das suas interações, resolução de conflitos
pelo diálogo e negociação entre as próprias crianças com a necessidade de poucas
intervenções dos adultos, pensou-se que enquanto as crianças do grupo de
pesquisa estivessem realizando as experiências o restante da sala também deveria
estar envolvido em propostas ricas e significantes.
Com a exploração de materiais diversificados, um espaço pensado para o
brincar livre, as crianças demonstravam pouco a pouco a ampliação das suas
82
Figura 11 – PH, K e I entrando no espaço - Fotografia do acervo
da autora.
experiências e seu acervo de memória, apresentando a cada encontro produções
mais ricas.
Para o próximo encontro pensamos em disponibilizar bandejas, potes,
tecidos, vasos, colheres, escumadeiras e organizar estes objetos em prateleiras e
suportes de caixas de papelão e não no chão como no encontro anterior.
3.5.5 Quinto encontro. Que legal! Olha só esse lugar!
O espaço foi delimitado com dois tecidos, um fazendo a entrada e o outro a
saída. Ao relembrar as ações das crianças - utilizar caixas como suporte para subir,
colocar pote dentro um do outro, olhar o que tem dentro dos frascos plásticos,
assoprá-los, entre outras experiências. Organizamos o espaço a partir dessa direção
dada pelas crianças (não por suas falas, porque essas não surgiam na sala), mas
por seus gestos, movimentos, olhares, sorrisos, gritos de alegria e aprovação com
suas diversas linguagens. Assim, estávamos executando a nossa função de adulto
como aponta Tiziana Filippini (apud Edwards 1999, p.160) “O papel do adulto é
acima de tudo o de ouvinte, de observador e de alguém que entende a estratégia
que as crianças usam em uma situação de aprendizagem. Tem, para nós, o papel
de “distribuidor” de oportunidades [...]”.
Assim, prateleiras foram construídas com caixas sobrepostas, caixas
tornaram-se suporte
de objetos - tecidos
e vasos e também
lugar para guardar
alguns tecidos.
Foram
acrescentados
outros objetos como
- bandejas, potes,
tecidos, vasos,
colheres de pau e
de plástico e
escumadeiras de plástico. A preocupação era que as sucatas ficassem acessíveis
às crianças e organizadas de modo que facilitassem a sua exploração livre.
83
Conforme o planejamento anterior as crianças foram divididas e assim cada
grupo estava vivenciando experiências distintas.
Quando as crianças entraram no espaço seus olhos brilharam, primeiro a
sensação de levantar a cortina para entrar já causava-lhes uma curiosidade - o que
será que tem após este pano!
Pouco a pouco as crianças foram habitando aquele ambiente, dando-lhes
formas diferenciadas, organizando e desorganizando conforme as suas lógicas, pois
retomando Lima (1989 apud BUITONI62, 2009, p. 65) “[...] É no espaço físico que a
criança estabelece a relação com o mundo e com as pessoas; e ao fazê-lo esse
espaço material se qualifica [...]. O espaço material é, pois, um pano de fundo, à
moldura”. Nesta perspectiva a professora e eu havíamos criado somente uma
provocação porque os verdadeiros habitantes e artífices daquele local eram as
crianças. A tarefa do professor segundo Dewey (1976) era a de dispor as coisas
para que as experiências surgissem, enriquecendo as crianças, constituindo-se base
para experiências futuras, e futuras aqui não no sentido de vir a ser, mas de criar
memórias significativas para novas aprendizagens. As crianças examinaram os
objetos, passaram a mão sobre o tecido sobre a mesa. Em seguida J e M tomaram o
pote que continha uma flor e um pote de iogurte e colheres e iniciaram uma
brincadeira de fazer comida, a professora entrou na brincadeira, as crianças
passaram a alimentá-la, outras aproximaram-se para brincar juntas. Tomando
conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (2007) a professora
atuou como parceira mais experiente, ampliando a brincadeira ao fazer comida com
as crianças, tomando suco com as garrafas que estavam na prateleira, incentivando
as crianças que olhavam a também entrar na brincadeira. Uma menina M pega um
tecido da caixa, retira a flor sobre a mesa e coloca este tecido em forma de toalha
sobre a outra toalha como que arrumando a mesa. Em seguida, a mesma criança
retira a toalha da mesa, coloca-a sobre o corpo como se estivesse se vestindo e se
senta sobre a mesa, utilizando-a como banco, M estava pronta para sair, ou fazer
qualquer outra coisa que desejasse comunicar em sua brincadeira.
62
LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.13-14. In: Dissertação
(Mestrado – Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura) – FAUUSP. BUITONI, Cássia Schroeder – “Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação”. São Paulo, 2009, p.65.
Figura 11 – PD, K e I entrando no espaço reorganizado –
Fotografia do acervo da autora.
84
Interessante observar que as questões de gêneros surgiram naturalmente nas
brincadeiras das crianças, pois enquanto as meninas dedicavam-se a imitar ações
de casa, a explorar potes, tecidos, os meninos realizavam ações de batucar com as
colheres e potes, esconder-se em caixa e empilhar caixas e caixotes. Tal fato
justifica-se segundo Finco e Oliveira (2011, p. 62) porque:
No convívio social, as crianças pequenas constroem suas identidades, aprendem desde pequenas os significados de serem meninas ou meninos [...]; quando as crianças chegam à creche por meio das diversas interações elas experimentam a condição social de ser criança.
Figura 12 – M explorando os tecidos - Fotografias do acervo da autora.
85
Figura 13 – J, PH, PD e P explorando as sucatas – Fotografias do acervo da autora.
Outro fato apreendido na experiência das crianças é que a forma como o
espaço estava organizado e ao deparar com materiais que remetiam a experiência
armazenada em suas memórias pelo uso em sua cultura, após a exploração do
objeto e a realização de atividades soltas, as crianças menores permaneciam nestas
ações, enquanto outras demonstravam em seu brincar imitativo ações sequenciadas
orientadas para a função social do objeto.
Este fato evidenciou-se quando um menino K pegou a flor que estava no pote
de plástico sobre a caixa, começou a despetalá-la, colocando-a dentro do pote e
mexendo com uma colher imitava cozinhar e alegre divertia-se com os amigos que
estavam em volta, K esteve um longo tempo mergulhado nesta experiência, as
86
crianças (PH, B e J) em sua volta mudaram de brincadeira e K continuava a
cozinhar, trocava de vasilhas, despetalava mais flores e folhas para preparar o
alimento.
Percebeu-se que nesta brincadeira de observar, reinterpretar, interagir e
recriar (CORSARO, 2011) ocorreu uma sequência de ações: despetalar a flor,
colocá-la na vasilha e preparar a comida, essas ações sequenciadas tal como
propôs Elkonin (2009), são imitações que caminham para a imaginação e também
estão relacionadas com a função social dos objetos. Esses, conforme Vygotsky
(2007) possuíam uma proximidade com o objeto real, a flor torna-se alimento, os
objetos – potes, colheres e bandejas são facilmente transportados para pratos e
tigelas, assim o brincar imitativo nestas ações começaram a caminhar para o brincar
imaginativo, recheado de criatividade. Dois outros pontos importantes a ressaltar,
Figura 14 – K, P, PH e B brincando
de cozinhar - Fotografias do acervo
da autora.
87
diante do desejo da criança de brincar de cozinhar, ação que não poderia fazê-lo na
vida real (VYGOTSKY, 2007) na brincadeira de faz de conta ela pode fazê-lo. O
outro ponto é que diante da necessidade ou desejo da criança o objeto perde a sua
força e pode ser transformado em qualquer outro conforme a brincadeira da criança.
E ainda a necessidade de resolver uma situação faz a criatividade emergir
(VYGOTSKY, 2009, p. 30-33), tomando como base as experiências acumuladas,
passadas pelo processo de “dissociação e associação”, conforme proposta do autor,
dando origem a uma ação criativa por meio do brincar.
A partir das vivências realizadas nos espaços as vozes das crianças
começaram a surgir e serem notadas pelos adultos, inclusive a professora
comentava “Olha como eles estão falando”, isto tornou-se possível porque segundo
Fortunati (2009) o espaço é gerador de segurança e estímulo, oferecendo
elementos para o desenvolvimento da potencialidade e da curiosidade das crianças.
Na reunião com a professora retomamos as experiências das crianças, foi
possível perceber o modo como brincavam construindo o percurso da exploração
dos objetos em direção à imitação e já dando início de um brincar imaginativo, com
cenas sequenciadas e com atribuição social ao objeto. Destacamos a criatividade
das crianças ao dar novas possibilidades aos objetos conforme seus desejos,
interesses e necessidades. O fato das crianças falarem durante a brincadeira
chamou a atenção da professora, pois na sala pareciam calados ou a preocupação
com a rotina e cuidados não possibilitavam essa percepção.
Outro fato importante destacado foi que a forma como o espaço estava
organizado a partir do olhar focado nas crianças, estava proporcionando um brincar
com qualidade (KISHIMOTO, 2010a), potencializando as suas experiências.
Com base nas ações das crianças no próximo encontro foram
disponibilizados potes de iogurte, bandejas plásticas, potes de margarina, teclado de
computador, telefone e caixas para a livre exploração, também pensou-se em cobrir
a parede manchada com alguns tecidos demonstrando a nossa visão de crianças
como seres fortes, potentes e que apreciam o belo. Essa atitude representou nosso
carinho e respeito às crianças, tornando o espaço mais atraente e aconchegante,
pois representava “a imagem de uma situação organizada, calorosa e acolhedora,
em que rapidamente se detectam as marcas das experiências que as crianças e os
adultos compartilham em seu interior” (FORTUNATI, 2009, p. 66).
88
3.5.6 Sexto encontro. Uma nova atmosfera no berçário II
Ao chegar ao berçário II soubemos pelos adultos da sala que as mordidas
haviam cessado, as crianças estavam mais calmas. Nos momentos que antecedia a
chegada das crianças, conversávamos com as ADBs sobre as ações das crianças e
como estava caminhando a pesquisa, elas mostravam-se bastante interessadas em
aprender e sempre solicitavam sugestões de materiais e propostas de experiências
para as crianças.
A professora demonstrava estar satisfeita em participar ativamente das
vivências, comentava com entusiasmo sobre a aprendizagem das crianças e as
suas falas. A cada encontro víamos a transformação em seu rosto demonstrando
leveza e alegria.
Para este encontro além das sucatas preparadas para a exploração livre das
crianças, um novo elemento compôs a experiência, a parede manchada foi coberta
com tecidos de cores diferentes o que proporcionou um efeito agradável, de
cuidado, pois como aponta Gandini (1999, p.157) o espaço é o “terceiro educador”,
ele precisa garantir o bem-estar das crianças e dos adultos que neles habitam, pois
como afirma Tiziana Filippini citado por Gandini (1999, p. 147) “[...] o espaço como
tendo um “conteúdo” educacional, isto é, contendo mensagens educacionais e
estando carregado de estímulo para a experiência interativa e a aprendizagem
construtiva”.
Com relação às sucatas - potes de iogurte, bandejas plásticas, potes de
margarina, teclado de computador e telefone, foram dispostas sobre as caixas
empilhadas (como estantes e mesas), também havia tecidos sobre as caixas.
Cada criança que entrava no espaço um ar de surpresa, olhos arregalados e
curiosos. Elas rapidamente dirigiam-se aos objetos organizados de forma a torná-los
acessíveis às suas ações. Logo o ambiente estava inundado de vida, irradiando
alegria, criação, aquele espaço criado como provocação para que suas experiências
pudessem emergir, logo era transformado pelo desejo, interesse e necessidade das
crianças. Isso porque segundo Dewey (1976, p. 38-39) ao “[...] educador [...] cabe o
dever de determinar o ambiente, que, entrando em interação com as necessidades
daqueles a que vai ensinar, irá criar a experiência educativa válida”. Construir
espaços que contemplem a necessidade e desejos das crianças somente torna-se
89
possível como aponta Malaguzzi quando “os professores seguem as crianças e não
planos” (1999, p. 100).
O que chamou a atenção inicialmente foram os teclados de computador e o
telefone, ao entrar em contato com esses objetos as crianças passaram a agir
conforme seus usos sociais.
As crianças J, PD e K exploraram as possibilidades do teclado, em seguida,
passaram a brincar de digitar e conversar. M deteve-se mais tempo brincando com o
teclado, tirou-o de sobre a caixa, sentou-se na caixa fazendo-a de banco, com o
teclado no colo brincava. Logo após, largou-o e começou a colocar a toalha sobre a
caixa porque as crianças haviam retirado-a. Percebe-se que as ações de M ocorrem
numa sequência, ela passa de exploração pelos sentidos para imitação do adulto
arrumando a toalha sobre a mesa, conferindo ao objeto uma função social. Note que
também ao sentar sobre a caixa que naquela situação talvez significasse uma mesa,
conferia a ela outro sentido, o de banco.
Figura 15 – M, J e K explorando o teclado do computador
- Fotografias do acervo da autora.
90
Estas ações nos convidaram a refletir sobre alguns pontos: o primeiro é que
para Kishimoto (2010b) a imitação é o primeiro processo da imaginação e por meio
dela a criança aprende o funcionamento da sua cultura. O segundo é que esta
imitação não é uma mera repetição das ações dos adultos observadas com os quais
as crianças convivem, mas trata-se de uma “reelaboração” destas ações de modo
criativo, de “combinação” entre elas e de “construção de novas realidades” conforme
os “afetos e necessidades das crianças” (VYGOTSKY, 2009, p. 14). Assim, as
experiências armazenadas na memória das crianças quando são exteriorizadas
pelos seus gestos já passaram por uma reorganização em seu corpo.
O terceiro ponto a ser destacado é o brinquedo que é “suporte ou estimulante
da brincadeira” (KISHIMOTO, 1998, p. 7), assim, a criança pequena ao entrar em
contato com o objeto, confere-lhe um sentido lúdico e passa a brincar com o
brinquedo conforme ele lhe estimula. E o último ponto apresentado por Brougère
(2008, p. 43) é que ao manipular os brinquedos as crianças estão a “manipular
significações culturais originadas numa determinada sociedade”. Com base neste
pressuposto, compreende-se porque as crianças nestas brincadeiras agiam com os
objetos conforme suas funções sociais em sua sociedade.
Numa outra cena o PD inicia uma brincadeira de desmanchar a prateleira de
caixas e empilhá-las, em seguida, sobe nelas para olhar por uma janela o que
estava acontecendo no refeitório. Percebe-se que o ato criativo e sequenciado deste
menino partiram de um desejo ou de uma necessidade (VYGOTSKY, 2009). Ele
imaginou a resolução do problema e, ao realizar a ação, criou algo novo. Nota-se
Figura 16 – PD explorando caixas - Fotografia do acervo da autora.
91
que houve uma intencionalidade, planejamento e execução das ações. PD poderia
solicitar a algum adulto que o levantasse, mas de forma criativa e autônoma
resolveu o seu problema.
J (menina) pega o telefone, na sequência B aproxima-se para também pegá-
lo, surge um conflito, os adultos observam, logo as duas passam a brincar dividindo
o brinquedo. Interessante observar como pontua Bomtempo (2012, p. 21-22) que é
por meio do brincar que o “ser
humano se torna apto a
viver em sociedade e em um
mundo culturalmente
simbólico”. Ou seja, pelo
brincar, interagindo com
outras crianças elas vão
aprendendo a negociar as
situações e resolvem seus
conflitos.
Outra situação que despertou a atenção foi quando PD juntou dois teclados e
iniciou uma brincadeira de trenzinho, utilizando um teclado para empurrar o outro
Figura 17 – J e B explorando o telefone - Fotografia do
acervo da autora.
Figura 18 – PD explorando o teclado em forma de trem - Fotografia do acervo
da autora.
92
como se estivesse conduzindo um trem. Ao realizar esta experiência ele estava
conferindo outro significado ao objeto que ficava subordinado a sua necessidade de
brincar de trem (VYGOTSKY, 2007), ao mesmo tempo assumia de forma criativa e
imaginativa a função social de dirigir um trem.
No encontro com a professora foram retomadas as ações das crianças,
interessante que a professora já conseguia apontá-las, observando as
aprendizagens das crianças e suas transformações. Isto porque o professor deve
desenvolver o papel de “[...] um observador atento e, além disso, um pesquisador”
(RINALDI, 1999, p. 117) E também resistir à tendência de interferir e interromper as
experiências das crianças, pois segundo o autor, “O desafio para o adulto é estar
presente sem ser um intruso, a fim de manter melhor a dinâmica cognitiva e social
enquanto está em progresso”. Isso se tornou muito importante tanto para a
pesquisa, quanto para a professora porque ela estava construindo a prática de olhar
as ações das crianças e dar significado a elas e, ao apropriarem-se destes
conceitos, poderia rever a sua prática e propor experiências significativas às
crianças como as que estavam experimentando.
Outro fato que despertou a atenção era que o tema das mordidas e a agitação
da sala já não eram mais a pauta da professora nas nossas reuniões.
Para o próximo encontro pensamos em realizá-lo na área externa, isso
porque as crianças iriam utilizar água e os adultos da escola temendo que elas
escorregassem no piso do corredor, sugeriram-nos que utilizássemos o espaço de
terra, também seguimos outras recomendações sobre a água e suas vestimentas.
Com essa demonstração de cuidado com o bem-estar da criança ficam evidentes
duas questões, a primeira é que o cuidado previsto nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2010) precisava ser observado, porque as crianças neste
período são pequenas, adoecem com mais facilidade, mas por outro lado privá-las
destas experiências era desrespeitá-las enquanto sujeitos de direitos e retomarmos
ao conceito de infância frágil e seres incompletos. Por isso, algumas medidas foram
tomadas para realizar a experiência – a primeira foi observar a previsão do tempo
(pois em caso de chuva ou frio mudaríamos a proposta), a segunda foi providenciar
algumas camisetas para as crianças, pois alguns pais só enviavam uma troca de
roupa, uma vez que estas crianças ficavam somente o período da tarde na creche.
Neste encontro disponibilizaríamos as crianças: potes de catupiri, tecidos,
frascos de produtos de lavar roupa, embalagem de sabonete e água.
93
3.5.7 Sétimo e oitavo encontro – Água amigos! Que festa!
Logo que as crianças receberam a hidratação, o grupo da pesquisa foi
preparado com as camisetas. Neste dia realizamos a proposta com apenas um
grupo, com quatro crianças, o outro grupo ficaria para o dia seguinte realizando a
mesma proposta, devido uma questão de organização da rotina da sala. Quando as
crianças chegaram ao local que já estava organizado com baldes de catupiri no
chão, tecidos, embalagens de sabonete (recheada de papel) e de produtos de lavar
roupas, uma explosão de alegria inundou aquele espaço, que mesmo sendo uma
área aberta, deteve as crianças explorando os objetos sem sair do local.
A água causou euforia em P (dois anos e dois meses), PH (dois anos e dois
meses) e I (dois anos e dois meses), exploravam os tecidos colocando-os dentro
dos baldes que eles haviam colocado água. Em seguida, derramavam a água no
chão e experimentavam o prazer de manipulá-la e sentir a sua textura no chão,
havia encantamento e curiosidade em seus olhos. As crianças estavam
experimentando vivências significativas e prazerosas que devem ser proporcionadas
nas escolas infantis, por isso é essencial que experimentem os quatro elementos:
água, terra, ar e fogo, conforme aponta Faria (1999, p. 85). Além de manusear os
objetos, colocavam suas mãos dentro do balde e molhavam-se para sentir a água.
Figura 19 – PD, P, I e P explorando o balde, a água e a terra – Fotografias do acervo da autora.
94
Pois segundo Rinaldi (2009, p. 165) “O prazer de explorar – de transformar a si
mesmo e as coisas – e de construir a própria experiência pertence às crianças
desde sempre e fortalece continuamente a sua memória”.
Este grupo de crianças deteve-se a explorar os objetos, empilhando-os e
derramando a água, que foi o que mais chamou a atenção delas. A professora
inseriu-se no contexto da brincadeira com essas crianças. A brincadeira permaneceu
na exploração dos sentidos destes objetos, pois assim, as crianças entravam em
contato com os materiais, o que lhes possibilitavam organizar informações,
encontrar conexões entre as formas e descobriam novas formas de utilizá-los
(FORTUNATI, 2009).
Neste espaço já existia um varal com prendedores, mas este não despertou a
atenção dos meninos, somente a menina B (dois anos) ficou detida em por e tirar os
prendedores do varal, não demonstrando interesse pelos potes, tecidos e nem
mesmo pela água. Deste modo, mais uma vez recorremos à questão de gêneros,
pois os meninos demonstravam uma sequência de ação com os baldes, a água e o
tecidos, explorando a sensação de mexer com a água, estavam atraídos pela água
no balde, derramam-na no chão repetidamente e a menina atraída pelos
prendedores. Importante salientar que a faixa etária deste grupo de crianças estava
entre dois anos a dois anos e dois meses, intervalo este de tempo que demonstra
uma relação diferenciada do modo de relacionar-se com o objeto, pois como
apontou Vygotsky (2007) para crianças pequenas o objeto possui uma força
Figura 20 – PH, P e I explorando potes e B explorando os prendedores de roupa –
Fotografia do acervo da autora.
95
Figura 21 – M, MT e J explorando as sucata – Fotografia do acervo da autora.
influente sobre seu comportamento. Ao mesmo tempo, conforme aponta Moyles
(2006), o brincar é um processo, assim explicam-se as diversas interações que as
crianças possuem com os objetos em suas diferentes faixas etárias.
No outro encontro no dia seguinte, o grupo foi composto por M (dois anos e
três meses), MT (dois anos e um mês), PD (dois anos e três meses) e J (dois anos e
três meses) demonstraram um processo do brincar onde surgiu a imitação, o uso da
função social dos objetos e o início da brincadeira do faz de conta. M pegou o tecido
e o sabonete e imitou lavar roupa e, em seguida, colocou-a no varal, MT também
pegou o sabonete, mas não iniciou a ação de lavar roupa, ele observou M e J
acompanhando a brincadeira e logo passou a imitar a amiga. Esta experiência
remeteu-nos ao que propõe Elkonin (2009, p. 230) “[...] o trânsito da ação
univocamente determinada pelo objeto, passando pela utilização variada deste, para
as ações ligadas entre si por uma lógica que reflete a lógica das ações reais na vida
96
Figura 22 – M, MT, J e PD explorando a água e os potes – Fotografias do acervo da autora.
das pessoas”. Conforme assevera o autor esta menina passou por todos esses
processos antes de chegar à imitação da vida real. As sucatas e a água reforçaram
esse processo citado por Elkonin (2009) porque ao entrar em contato com estes
elementos as crianças apoiadas em suas experiências (VYGOTSKY, 2009) culturais
e movidas pela força do objeto (VYGOTSKY, 2007) passaram a vivenciar as ações
dos adultos, imitando-as, mas de modo ressignificada.
Assim, evidenciou-se nesta experiência com M o seu desejo de vivenciar uma
situação que não é possível executá-la na vida real (VYGOTSKY, 2007), imaginação
seguida de criação, uma ação pautada em sua experiência cultural (VYGOTSKY,
2009) e também relacionou os objetos com sua função social, tornando visível o
caminho que utilizou para construir o processo de imaginação e criação nesta
brincadeira, que seguiu da imitação para o início da imaginação.Deve-se destacar
outro elemento importante dessa experiência, M atuou como parceira mais
experiente para as crianças que a acompanhavam na brincadeira, conforme o
conceito de zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 2007), pois após
acompanhar a experiência de M, J passou a brincar de lavar roupa e colocá-la no
varal conforme sua amiga M.
Numa outra situação também evidenciamos uma brincadeira com situações
sequenciadas, M e PD estão brincando de encher o balde, notamos que M pegou o
frasco com água, despejou-a no balde e, em seguida, colocou o pote junto com os
outros onde estavam organizados. Em suas ações ela demonstrou intencionalidade,
conseguiu compartilhar a brincadeira e demonstrou atenção ao retornar o objeto ao
97
Figura 23 – J e PD explorando o balde e a água (conceito de Rotulação) – Fotografias do acervo da
autora.
local onde estava, sem que fosse necessário algum comando dos adultos. As outras
duas crianças estavam a realizar ações soltas e de exploração do objeto, J
experimenta rosquear o pote e MT imita tomar banho com a parte superior do pote.
Interessante que MT utiliza o objeto de forma criativa como se estivesse tomando
banho.
Outra cena muito curiosa e que ilustrou bem o conceito de “rotulação”
apresentado por Vygotsky (2007, p. 23) aconteceu quando PD brincava de colocar
água no balde e derramá-lo sobre a terra, ele se deteve um bom tempo com esta
atividade repetindo-a várias vezes pelo prazer que lhe proporcionava a brincadeira
(KISHIMOTO, 2010a), pois para esta autora o brincar é uma atividade que causa
prazer à criança, assim também como repetir as suas ações. A brincadeira foi
interrompida quando acabou a água do pote e PD em tom de reclamação com
muitos gestos e ar de desagrado, pois apresentava uma fala pouco desenvolvida,
apenas sendo entendível a palavra água, apelava aos adultos à solução do
problema.
Vygotsky (2007) aponta que a criança pequena que ainda possui a fala pouco
desenvolvida, utiliza-se de gestos para completá-la. O autor atribui grande
importância a linguagem, pois com a fala as ações das crianças nas brincadeiras
tornam-se mais organizadas e a imaginação mais rica.
No encontro com a professora foi ressaltada a realização da experiência no
espaço externo, o quanto o contato com a água foi significativo às crianças. Ficou
98
evidente que é possível realizar propostas que envolvam os elementos da natureza
desde que tomados alguns cuidados.
Uma questão importante que surgiu destas experiências realizadas pelas
crianças foi a necessidade de respeitar o tempo das crianças e suas produções, sem
apressar suas ações. Como no caso do primeiro grupo em que as crianças
demonstraram menos ações sequenciadas e de imitação, a professora que estava
interagindo com elas poderia conduzir algumas ações, mas foi importante deixá-las
agir livremente, até para verificar as suas aprendizagens. Pois respeitando os
tempos das crianças o professor [...] aprende a conhecer os infinitos percursos
possíveis do crescimento e do desenvolvimento do conhecimento, aprecia e
reconhece como valor as diferenças individuais e comunica e alimenta nas crianças
o respeito para cada diversidade” (FORTUNATI, 2009, p. 157).
Outro fator importante apontado no diálogo com a professora foi a
intencionalidade das ações das crianças evidenciadas pelo planejar e executar as
ações afim de obter os resultados desejados. Considera-se também o
desenvolvimento da atenção, elemento importante para a vida da criança.
Discutiu-se a possibilidade de misturar os grupos, crianças mais velhas com
crianças mais novas, para que as primeiras sirvam de parceiros mais experientes
(VYGOTSKY, 2007) e façam as outras avançarem na aprendizagem. Isto com base
nas ações de M lavando roupas e sendo acompanhadas por J e MT, que mais tarde
passaram a ser imitadas por essas crianças que a observavam. Que segundo
Fortunati (2009, p. 161) isto ocorre porque:
No jogo de relações entre as crianças, o ponto de vista de cada uma se torna um ponto de comparação e de estímulo para ampliar e enriquecer os diferentes conhecimentos pessoais. [...] o outro é o espelho onde nos reconhecemos como iguais e diferentes.
Para o próximo encontro com base nas considerações acima, procurando
alargar as experiências das crianças e ampliar o repertório do brincar, foram
disponibilizados a elas – bandejas, colheres de pau, potes, bandejas de pizza,
frascos de produtos, água e terra.
99
Figura 24 – M explorando os potes para brincar de
cozinhar – Fotografia do acervo da autora.
3.5.8 Nono encontro – Terra, água e muita brincadeira!
Neste encontro compomos o grupo com crianças mais experientes com as
mais novas, também utilizamos as camisetas do encontro anterior para que as
crianças não sujassem suas roupas, o que para alguns pais constitui-se num
problema.
Duas crianças não haviam levado calçados extras, por isso foi necessário
improvisar uma proteção para seus sapatos. Importante salientar que em se tratando
de escola pública, muitas vezes, os recursos materiais não estão disponíveis e,
nesse caso, a conscientização das famílias sobre a necessidade das crianças
explorarem tinta, terra, texturas, vivências que causam sujeira ainda está em
processo. Faz-se necessário alguns arranjos por parte do professor para que a
proposta seja realizada e a criança participe ativamente.
Após aprontar o primeiro grupo de cinco crianças, fomos ao espaço externo,
cercado de árvores e com um chão de terra convidativo a explorá-lo.
Neste espaço havia caixas de papelão com tecidos sobre elas, caixas
empilhadas em forma de prateleiras e as sucatas - bandejas, colheres de pau, potes,
bandejas de pizza, frascos de produtos, água e terra. As crianças ao se depararem
com os materiais passaram a
explorá-los individualmente,
rosquear, examinar o que havia
dentro dos potes, jogar a água no
chão, misturá-la com a terra, pegar
matos que estavam próximo ao
espaço, fazer comida, entre outras
experiências.
Observou-se que M já havia
colocado alguns verdes colhidos do
terreno em volta na bandeja, mexeu
a comida, em seguida despejou
água e tornou a mexer. Após entrar
em contato com os materiais
acessíveis, feita a exploração
100
Figura 25 – M explorando os potes para cozinhar – Fotografias do acervo da autora.
habitual, cheirar, apalpar, rosquear, verificar o que tem dentro do objeto, sentir sua
textura, iniciou-se as ações que estão ligadas a sua experiência cultural, como
cozinhar e se deteve algum tempo nessa brincadeira imitativa, repleta de
ressignificação das ações dos adultos. Isso porque as crianças são atores sociais,
deste modo elas “[...] começam a vida como seres sociais inseridos numa rede
social já definida e, através do desenvolvimento da comunicação e linguagem em
interação com outros constroem os seus mundos sociais” (CORSARO, 2002, p. 14).
Neste mesmo sentido MT explorou a água, a terra e tentou experimentá-la,
misturou água e terra, jogou a mistura no chão e passou explorar a terra no chão. A
atração pelos objetos conduziu a ação desta criança (VYGOTSKY, 2007), assim
como a de M, utilizando os objetos conforme a experiência acumulada em sua
memória, mas ao mesmo tempo, usando-os de forma criativa.
101
Figura 26 – MT explorando as sucatas, água e terra - Fotografias do acervo da autora.
Essas cenas revelavam um brincar imitativo indo em direção à imaginação,
primeiro J colocou alguns galhinhos de verdes colhidos do quintal, ela os posicionou
como se estivessem colocando velas no bolo, dado o seu cuidado, em seguida,
realizou uma ação interessante: colocou terra dentro do frasco, olhou dentro deste
para ver o efeito, acrescentou água no frasco e colocou-a na terra para misturá-la
em seguida. Ao observar o brincar de J percebeu-se o processo que ela percorreu
no brincar, ela iniciou com a exploração dos objetos, atribui-lhes as funções sociais,
passou a agir imitando as ações dos adultos, deu outras possibilidades imaginativas
aos objetos - terra vira comida e bolo. Utilizou-se do pote de amaciante como jarra,
colocou água na terra para fazer a mistura. Nota-se que as ações desta menina são
sequenciadas e organizadas e seu comportamento na brincadeira está acima do que
é esperado para sua idade como aponta Vygotsky (2007, p.122)
102
No brinquedo, a criança sempre se comporta além do seu comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.
Outro fato que merece destaque é que J mostrava-se menos tímida nesta
brincadeira, demonstrava autonomia em iniciá-la e conduzi-la, pois antes costumava
seguir as brincadeiras de M. Podemos refletir sobre duas questões: a primeira que
segundo Vygotsky (2009) todos os seres humanos são criativos, basta-lhe que
sejam oferecidos as condições que lhe favoreçam a experiência. A segunda
proposta por Malaguzzi é que quando são oferecidas situações desafiadoras às
crianças elas nos mostram que sabem conduzir o seu processo de aprendizagem,
pois “Uma vez que as crianças sejam auxiliadas a perceber-se a si mesmas como
autoras ou inventoras, uma vez que sejam ajudadas a descobrir o prazer da
investigação, sua motivação e interesse explodem” (1999, p. 76).
Figura 27 – J explorando sucatas, a água e a terra – Fotografias do acervo da autora.
103
Figura 28 – P e PH explorando as sucatas, a terra e a água - Fotografias do acervo da autora.
As crianças P, PH também enveredam para o brincar imitando cozinhar. Após
colocar terra e água na bandeja passaram a explorá-la com a colher. Em seguida, P
mexeu a bandeja com alguns vegetais como se estivesse desejando comê-los.
Logo após P desejou colocar a comida na boca de PH, o amigo recusou
comer, surgiu um diálogo entre os dois, P insistiu e chegou a sujar o pescoço do
amigo com o barro e passou a mão para limpar. Interessante observar a sequência
das ações e como resolveram tranquilamente o conflito.
A menina que está logo abaixo B brinca sozinha explorando os potes. Mais
uma vez percebe-se a força dos objetos e do ambiente com as crianças pequenas
direcionando o seu comportamento. Segundo Fortunati (2009, p.172) nas situações
já vivenciadas pelas crianças (em seu contexto cultural) e sugeridas em contextos
organizados “[...] é onde a brincadeira, utilizando objetos de uso cotidiano, pode
fazer emergir estratégias de exploração e de experimentação de seus usos e
combinações”.
104
Figura 29 – P querendo alimentar o PH; B explora ao lado os potes – Fotografias do acervo da
autora.
Estas cenas direcionam o nosso olhar para a imitação e a colaboração destas
crianças. Elas estão construindo valores sociais como: saber recusar algo quando
não se deseja e de respeitar o desejo do outro e até desculpar-se (ao limpar o
pescoço do amigo) para Fortunati (2009, p. 161) estas relações constituem-se “de
um conhecimento recíproco feito de encontros carinhosos, assim como de conflitos
cognitivos e corporais”.
No encontro com a professora foi retomado o desenvolvimento das crianças,
a sua linguagem corporal e verbal comunicando-nos a forma como compreendiam o
mundo, como lidavam com os temas adultos por meio do brincar imitativo. Este cada
vez mais evoluía para o faz de conta e só não avançava mais devido à ausência de
uma linguagem mais desenvolvida que conforme Vygotsky (2007) é essencial para a
criança reorganizar as suas ações, independente da presença dos objetos.
Presença esta que se faz necessária na faixa etária destas crianças para que
desenvolvam o brincar imitativo e imaginário.
105
Ficou bastante evidente na experiência das ações das crianças que materiais
diversificados, próximos da sua experiência em espaços organizados para o
surgimento do brincar livre favorecem a aprendizagem e potencializa as suas
criações.
Outro ponto que fez parte do diálogo desta reunião foi que quando nos
livramos de esperar um resultado diferente daquele que a criança apresenta,
possibilita-nos explorar e conhecer os “[...] processos cognitivos originais das
crianças” e de “[ ...] apreciar a tenacidade com que os pequenos perseguem seus
objetivos e a inteligência de seus projetos” (FORTUNATI, 2009, p.165). Tarefa essa
que se constitui um desafio para os professores, porque normalmente ao propor
uma experiência às crianças já preveem os resultados das suas ações, mas com
isso perde-se a excelência de ser surpreendidos com as ações das crianças.
Com base nas análises realizadas das vivências das crianças
compreendemos que as sucatas que seriam disponibilizadas para ampliar as
experiências das crianças seriam – caixas de sapatos, caixas de papelão grande,
tubos de PVC grande e pequeno, caixas de suco, tubos de papelão e baldes de
catupiri.
3.5.9 Décimo encontro – Que espetáculo! Olha a minha criação!
Este foi o último encontro, até aqui as crianças estavam realizando a
construção de um percurso de imaginação e criação conforme o proposto por
Vygotsky (2009), elas apoiavam-se na experiência acumulada em sua memória para
imaginar e criar novas combinações na brincadeira. Para que isso ocorresse o
professor e eu nutríamos suas experiências, propondo materiais diversificados e
reais próximo do seu contexto e também disponibilizamos um espaço organizado
com materiais de sua cultura que refletia o meio social, assim quando as crianças
entravam em contato com as sucatas, utilizavam esses materiais (após o período de
reconhecimento - exploração dos sentidos), conforme o seu uso social e muitas
vezes dando outras possibilidades criativas a esse material. Neste sentido, ao partir
da experiência acumulada da criança com os objetos e ao tomá-los da realidade,
estava sendo lançada a base da primeira forma fundamental que liga a imaginação à
realidade, proposta por Vygotsky (2009).
106
Figura 30 – PH e I explorando os tubos de PVC – Fotografias do acervo da autora.
Dentre os vários propósitos nestas experiências disponibilizadas às crianças,
procuramos aquelas que acumulariam imagens em suas memórias, formando um
banco de dados com informações e experiências para que pudessem estar à
disposição quando necessitassem, tal como propõe Vygotsky (2009) ao apontar a
segunda forma fundamental que liga imaginação à realidade. Com este acervo de
imagens durante o seu período de desenvolvimento, as crianças poderiam
futuramente imaginar e criar novas combinações em suas brincadeiras sem a
presença real e física do objeto (normalmente na fase pré-escolar), ou seja, quando
o professor mencionasse algum objeto ou relatasse algum fato a criança recorrendo
a experiência acumulada em sua memória, conseguirá fazer a representação mental
do objeto, fato que é essencial para o brincar de faz de conta e de representação do
papel social.
Esse encontro seguiu nesta vertente, quando as crianças adentraram ao
espaço que estava organizado com caixas contendo tubos de PVC cortados em
pequenos pedaços, caixas de leite e de sapatos sobrepostas sobre caixas de
107
Figura 31 – P e PD explorando as sucatas – Fotografias do acervo da autora.
papelão, tubo de PVC grande e potes de catupiri, um entusiasmo tomou conta do
local e incendiou as crianças. O PH mergulhou na caixa de tubos de PVC e em
seguida entrando nela explorou-os e começou a tentar encaixá-los, conforme
Fortunati (2009) pesquisava e testava hipóteses e construía conhecimento com a
experimentação.
O I após encher um pote com pedaços de tubos testava a hipótese de
encaixar um tubo no outro, ficou algum tempo detido nesta experiência até verificar
que não era possível encaixá-los.
108
O MT encantou-se com a possibilidade de jogar objetos dentro do tubo de
PVC grande, inicialmente com ele apoiado sobre o chão, jogava a caixa de leite,
depois levantava o tubo do chão e divertia-se e olhava com curiosidade o objeto cair
no chão, ao mesmo tempo em que realizava pesquisa. Repetir e repetir a ação
(BENJAMIN, 1984) era o que tornava a brincadeira prazerosa, ao mesmo tempo em
que usava o objeto de forma criativa conforme imaginava a ação.
O PD pegou um pedaço de cano e pôs-se a imitar a tocar flauta, a sua
expressão era de quem tocava de verdade alegremente uma melodia, em seguida
juntou dois pedaços de cano e fez um binóculo e andava pelo espaço olhando com o
binóculo.
Percebeu-se conforme a assertiva de Vygotsky (2009), que este menino
partindo da sua experiência com a flauta e binóculo, ao entrar em contato com
objetos que tornaram possível essa ação (tocar e enxergar) imitou a ação dos
adultos, mas ressignificou-as pela imaginação e criação de modo surpreendente.
Outro ponto essencial apresentado por Vygotsky (2009) que podemos apreender
destas cenas está relacionado com a terceira forma fundamental de ligação entre
imaginação e realidade, tratando-se da ligação direta e da influência da área
emocional sobre a criação, pois “Todas as formas da representação criadora contém
em si elementos afetivos” (VYGOTSKY, 2009, p. 23), fato este percebido em todas
as experiências criadoras das crianças, que eram realizadas com extremo prazer e
alegria, elementos estes que impulsionavam as crianças a repetir a ação e a ampliá-
las. Como nas cenas abaixo:
Figura 32 – J, M, PH e PD explorando as sucatas – Fotografias do acervo da autora.
109
Figura 33 – I, M, J e B explorando os canos de PVC e os baldes – Fotografias do acervo da autora.
Nas experiências das crianças com estes objetos mais uma vez foi possível
observar as questões de gênero, os meninos detinham-se a entrar e sair de caixas,
juntar os pedaços de tubos de PVC e etc., enquanto as meninas conforme Weiss
(1989) detinham-se em explorar objetos menores, posicionando-os organizadamente
sobre uma caixa. Numa outra situação a J pegou duas caixas de leite e explorou-as
como se estivesse passando o líquido de uma para a outra, repetiu essa ação de
cozinhar por algum tempo.
Outra cena muito curiosa que mostrou o quanto as crianças são competentes
e que por meio do brincar constroem relações sociais e humanizam-se, aconteceu
quando I avistou um grupo de meninas sentadas sobre caixas, ele pegou uma caixa
110
e colocou-a onde as meninas estavam sentadas, em seguida, sentou-se trazendo
um pote vazio de catupiri, as meninas estavam brincando e conversando umas com
as outras com seus baldes cheios de tubos de PVC. I chega e pede alguns, nesse
momento acontece uma negociação, os canos foram divididos, I ficou satisfeito e
saiu feliz carregando os seus brinquedos.
Com esta brincadeira coletiva das crianças percebeu-se a construção de
algumas questões importantes de aprendizado, tais como – intencionalidade das
ações, planejamento, execução da ideia, relação de negociação do brinquedo sem a
intervenção do adulto, assim as crianças dividiram o brinquedo de forma autônoma.
Outra experiência muito significativa foi vivenciada por PD que carregava
caixas pelo espaço, empilhando uma sobre a outra e satisfeito com sua criação e
com uma explosão de alegria que parecia nos comunicar: Olha a minha criação!
Foi muito interessante perceber pelas ações das crianças o quanto elas
valorizavam as suas próprias criações, colocando em ação a sua imaginação e
trazendo a realidade um produto novo, que segundo Vygotsky (2009) surge da
combinação do antigo com o novo, referindo-se à quarta forma fundamental da
ligação da imaginação à realidade.
Nesta experiência PD tomou algumas caixas do espaço que estavam
empilhadas como suporte para as sucatas, sobrepôs estas caixas uma sobre a outra
de modo que ficaram bem alinhadas e em seguida as posicionou de modo que
parecia uma rampa e passou a subir e descer, utilizando o brinquedo como
escorregador.
Figura 34 – PD explorando as caixas – Fotografias do acervo da autora.
111
Outro menino PH que acompanhava a ação de PD passou a brincar com o
amigo subindo e descendo do escorregador. Mais uma vez foi possível observar
nesta brincadeira uma sequência de ações organizadas, planejadas e com uma
intencionalidade. PD impulsionado pelo desejo de construir um escorregador
executou todas as etapas imaginadas que resultou na materialização de algo novo,
das caixas empilhadas (velho) surgiu o escorregador (VYGOTSKY, 2009). Assim,
podemos compreender a construção do processo de imaginação e criação que PD
percorreu para realizar a brincadeira imaginária, ele passou da exploração do objeto,
em seguida realizou algumas ações sequenciadas, imaginou uma situação e passou
a utilizar o objeto criado conforme a sua necessidade e interesse conferindo-lhe o
uso social e a partir da materialização da sua imaginação passou a brincar com este
objeto, transformando-o conforme o seu desejo.
No encontro com a professora, ela demonstrou o quanto estava surpreendida
e encantada com as ações que as crianças foram capazes de criar, a partir da oferta
Figura 35 – PD explorando as caixas – Fotografias do acervo da autora.
112
de materiais diversificados e de espaços organizados de modo que os materiais
estivessem acessíveis as crianças, ações essas que foram enriquecendo-se e
gerando bases para construções de novas aprendizagens. Comentava que as
crianças estavam mais falantes, as mordidas estavam desaparecendo e a sala
estava mais tranquila. Considerou importante incorporar a sucata como instrumento
pedagógico, porque constatou que enquanto material não estruturado, possibilitou
as crianças transformarem esse material em qualquer brinquedo desejado. Também
apontou que por meio das experiências vivenciadas pelas crianças conseguiu
observar como estas brincavam, fato que não conseguia perceber em outras
situações, porque o seu olhar não estava focado nelas e sim na rotina que tinha que
cumprir durante o dia.
A professora comentou que a partir destes encontros sentia-se mais segura
para trabalhar com crianças bem pequenas, porque conseguiu enxergar o quanto
elas são criativas, competentes, desejosas de aprender. Com este relato
compreendemos que as crianças afirmavam em suas ações que não eram seres
incompletos, nem frágeis, mas sim sujeitos de direitos, que criavam cultura, que
ressignificavam o mundo, pois nas palavras de Gobbi e Pinazza (2015, p. 108) “[...] a
criança é considerada ser ativo capaz de participar do processo educativo com seus
conhecimentos e experiências e de alcançar progressivamente autonomia”. A cada
encontro realizado as crianças nos surpreenderam com suas experiências,
mostrando-nos que construíam o seu processo de imaginação e criação a partir da
exploração dos objetos, conferindo-lhes significado social, imitando e ressignificando
as ações dos adultos a partir destes objetos, imaginando e criando ações
significativas e prazerosas por meio do brincar. Também constatamos que conforme
recomenda as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2010) a brincadeira e as
interações devem ser à base do currículo da educação infantil, pois o brincar é o
modo pelo qual a criança se expressa, compreende o mundo, ressignifica-o, constrói
cultura de pares infantis (CORSARO, 2011), enquanto imita os temas da vida dos
adultos e se humaniza.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escrita dessa dissertação ocorreu pela construção e compartilhamento de
saberes gerados a partir das observações atentas das crianças e do diálogo com a
professora sobre as ações das crianças. A professora e as crianças, meus
companheiros de pesquisa (FOCHI, 2013, p. 64), com suas vozes, silêncios, gestos,
movimentos, olhares e risos, proporcionou-nos desvelar o objeto de pesquisa
proposto. A cada encontro planejado previamente, ancorado nas pistas que as
crianças nos forneciam, recebia uma nova configuração no momento em que estes
atores sociais entravam em cena. Com seus olhos curiosos e desejosos de
aprender, conduziam-nos a mares antes nunca navegados de: encantamento,
admiração e surpresas, rumo à compreensão de como apropriavam-se do mundo,
ressignificando os temas da vida adulta em suas brincadeiras e construindo a cultura
de pares infantis (CORSARO, 2011). Isto porque a criança desde pequena é “[...]
possuidora de muitas potencialidades, e surpreendentes competências,
coprodutoras do conhecimento e da identidade através do relacionamento com
outras crianças no coletivo infantil e produtoras de cultura” (FINCO, 2015, p. 234).
Ao olhar para a criança nesta pesquisa lhe outorgamos voz e passamos a
ouvi-la contar a sua própria história. Neste sentido, concordávamos com Malaguzzi
“[...] que as coisas relativas às crianças e para as crianças somente são aprendidas
através das próprias crianças” (1999, p. 61). Esta foi a tarefa mais difícil desta
pesquisa, a de desconstruir a prática de planejarmos propostas para as crianças a
partir do que interpretamos ser suas necessidades e desejos. Para isso foi
necessário o rompimento e mudanças de paradigmas focando o olhar na criança,
desenvolvendo um olhar sensível e uma escuta atenta ao que elas nos mostravam a
cada experiência. Tínhamos que aprender a observá-las. Pois, conforme Barden
(1999, p. 290):
Você realmente conhece suas crianças. Não apenas está consciente das necessidades que elas têm, intelectual e fisicamente, mas também tem a oportunidade para parar e observar. Apenas observando as crianças vocês realmente vêm a conhecê-las. [...] Mas se você pode selecionar o que elas desejam fazer, e consegue encontrar os pensamentos que passam por suas mentes, você realmente começa a conhecer suas crianças.
114
Este é um campo da pesquisa que ainda precisa ser mais explorado,
especialmente em se tratando de crianças bem pequenas como as aqui estudadas,
pois elas com sua generosidade e alegria possuem muito a nos ensinar por meio
das suas “cem linguagens” (MALAGUZZI, 1999, n.p.), mas a pouca literatura
disponível nesta área e especificamente na temática aqui proposta, talvez não
impulsione e não desperte o interesse do professor a desejar observar as
brincadeiras das crianças afim de compreender o seu processo de construção da
imaginação e criação para intervir como mediador, tanto no brincar com a criança
como parceiro experiente (Vygotsky, 2007), ou oportunizar situações em que a
criança interaja com outras crianças, tenha acesso a materiais diversificados em
espaços organizados de modo a desafiar as suas competências.
Deste modo, a contribuição desta pesquisa para a educação é que ela
colabora para a compreensão do percurso que a criança de dois anos a dois anos e
três meses realiza na construção do processo de imaginação e criação quando
brinca com a sucata, conforme observado nas experiências das crianças. Este
percurso inicia-se quando a criança entra em contato com um objeto e o explora de
diversas maneiras utilizando os sentidos e isso é algo natural nas crianças neste
período, pois retomando Garvey citado por Bondioli “as crianças pequenas estão
sempre procurando descobrir o que as coisas são, como funcionam e o que se pode
fazer com elas” (GARVEY, 1977 apud BONDIOLI, 1998, p. 219). Satisfeita a
necessidade de conhecer o objeto ela passa a utilizá-lo conforme a sua função
social, com base na sua experiência acumulada dos modelos dos adultos de sua
cultura (Elkonim, 2009). Após atribuir ao objeto a sua função social, seguem
imitando a ação dos adultos pertencentes ao seu contexto social, no entanto, estas
imitações como apontam Vygotsky (2009) não são simplesmente reproduções
mecânicas, mas são ações ressignificadas pela criança em seus gestos,
movimentos e linguagens, que ao trazê-las à realidade, realizam-nas de modo
criativo transformando o objeto em qualquer outro conforme o seu desejo e a sua
necessidade no momento da brincadeira. A imitação, conforme Kishimoto (2010b) é
o primeiro processo para iniciar a brincadeira imaginária. De acordo com as
experiências observadas nas brincadeiras das crianças, temos os primeiros indícios
com o surgimento das ações sequenciadas, com o significado incomum atribuído ao
objeto conhecido, ou seja, com a sua transformação em qualquer outro. Após a
imaginação segue a criação, porque segundo Vygotsky (2009) é ela quem fornece a
115
base à criação. Por meio da observação atenta das crianças percebemos que
quando entravam em contato com um objeto mesmo não realizando ações similares
a da vida cotidiana, demonstravam imaginar um modo de utilizar o objeto de forma
criativa, isto porque segundo Vygotsky (2009) a criação está disponível a todo ser
humano, independente do que seja criado.
Por meio das experiências vivenciadas com as sucatas as crianças tiveram
acesso a tipos diversificados de materiais quanto à: forma, cor, textura e tamanho.
Isto possibilitou-lhes a ampliação de repertório, a construção de aprendizagens pela
exploração e transformação dos objetos conforme davam asas a sua imaginação e
criação durante a brincadeira.
A utilização das sucatas motivou as crianças a criar e os espaços enquanto
“gerador da experiência” (FORTUNATI, 2009, p. 4) tornava-se generoso quando
organizado a fim “[...] de criar condições ricas e diversificadas para que cada criança
trilhe seu caminho e desenvolva suas possibilidades” (CRAIDY, 2004, Prefácio). A
cada sucata ofertada e espaço organizado a partir da observação focada nas
crianças, com propostas diversificadas estas demonstravam experiências mais ricas,
ampliando as suas possibilidades de exploração livre, de pesquisa, de formulação
de hipóteses, de imaginação e criação e de um brincar de qualidade (KISHIMOTO,
2010 b). Com isso confirmamos a necessidade da criação de espaços nas escolas
infantis que contemplem as especificidades das crianças, que lhes forneçam sentido
de pertencimento, que sejam espaços de vida, que possibilitem a interação social e
com os objetos e que representem a sociedade a qual a criança pertence.
Esta pesquisa também pode contribuir para a educação à medida que os
professores que se propõem a trabalhar com crianças bem pequenas desenvolvam
a consciência que mesmo as crianças sendo pequenas e ainda tendo certa
dependência dos adultos elas são sujeitos de direitos, competentes, ativas, criativas,
curiosas, ricas e atores sociais, por isso o professor ao proporcionar experiências às
crianças deve intervir o menos possível, pois conforme Rankin (1999, p. 211):
A professora deve intervir tão pouco quanto o possível, mas de um modo suficiente para recomeçar o intercâmbio ou dar confiança à criança. Portanto, as intervenções devem ser medidas, não sufocando ou subvertendo o que as crianças estão fazendo. Em vez disso, deve-se conduzir a criança pela mão, sempre deixando que ela permaneça sobre seus próprios pés (Malaguzzi, entrevista, 21 de junho de 1990).
116
Olhar para as interações das crianças com a sucata ajudou-nos a
compreender que este material não estruturado e pela sua possibilidade de
transformação em qualquer outro brinquedo pode ser incorporado à prática docente
como instrumento pedagógico, pois é um material de fácil acesso, baixo custo, está
inserido no contexto social da criança e pode tornar-se um tesouro em suas mãos,
gerando aprendizagens por meio do brincar.
É importante ressaltar que além das ações das crianças que fundamentaram
as propostas de experiências proporcionadas a elas, outro elemento essencial para
a realização da pesquisa foi o trabalho realizado em parceria com a professora. A
cada diálogo focado nas crianças, oportunizou tanto a mim quanto à professora a
construção de conhecimentos, uma vez que esta trazia para o centro das discussões
problemas legítimos e reais do dia a dia da sua sala de aula que precisavam ser
resolvidos. Esses foram momentos de encorajamento, apoio emocional, aquisição
de saberes, busca de resolução de problemas, sugestões de propostas didáticas e
parceria no planejar e replanejar as ações da pesquisa. Pois, além das crianças o
professor consistia num elemento importante para elucidar o objeto de pesquisa,
porque retomando Rinaldi (1999, p. 117) o professor “[...] permanece sempre um
observador atento e, além disso, um pesquisador” que poderia oferecer muitas
contribuições à pesquisa.
Este tempo de estudo em conjunto oportunizou-nos mudança na forma de
conceber a criança, tanto para mim quanto para a professora e também resultou
para a professora da sala uma mudança significativa na sua prática docente, com
mais interação das crianças com materiais diversos e com o espaço externo da
escola, com menos tempo de vídeo na sala e com a incorporação da sucata na
prática docente como recurso pedagógico para ampliar o imaginar e o criar das
crianças.
Realizar esta pesquisa foi um tempo de muito aprendizado para mim,
momento de rever minhas práticas e conceitos, realizado por meio do diálogo com
meus referenciais teóricos, com minha orientadora, com a professora da sala e,
principalmente, com as crianças que de modo muito singelo, abriram nossos olhos
para que pudéssemos compreender como elas realmente são: crianças. A elas
dedicamos esta poesia:
Por uma ideia de criança rica, na encruzilhada do possível,
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que está no presente e que transforma o presente em futuro. Por uma ideia de criança ativa, guiada, na experiência, por uma extraordinária espécie de curiosidade que se veste de desejo e de prazer. Por uma ideia de criança forte, que rejeita que sua identidade seja confundida com a do adulto, mas que a oferece a ele nas brincadeiras de cooperação. Por uma ideia de criança sociável, capaz de se encontrar e se confrontar com outras crianças para construir novos pontos de vista e conhecimentos. Por uma ideia de criança competente artesã da própria experiência e do próprio saber perto e com o adulto. Por uma ideia de criança curiosa, que aprende a conhecer e a entender não porque renuncie, mas porque nunca deixa de se abrir ao senso do espanto e da maravilha. (Aldo Fortunati, 2009, n.p.)
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p. 199-211, jan./abr. 2011. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/pp/v22n1/15.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2016. RANKIN, Baji. Desenvolvimento do currículo em Reggio Emilia – Um projeto de currículo de longo prazo sobre dinossauros. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999. RINALDI, Carlina. O currículo emergente e o construtivismo social. IN: EDWARDS, Carolyn. GANDINI Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1999. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Tradução Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 1-210. SALGADO, Gisele Mascarelli. Contrato como transferência de direitos em Thomas Hobbes. Curitiba: Juruá, 2008. In: TERUYA, Tereza Kazuko (et. al). As contribuições de John Locke no pensamento educacional contemporâneo. Disponível em: < http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada9/_files/BDxADftT.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2016. SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: Interrogações a partir da sociologia da infância. Educ. Soc., Campinas, vol.26, n. 91, p. 361-378, Maio/Ago. 2005. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a03v2691.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2016. ______; PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. Disponível em: <https://pactuando.files.wordpress.com/2013/08/sarmento-manuel-10.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2016. THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 17. ed. São Paulo: Cortez, 2009. VYGOTSKY, Lev Semenovitch. O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução Cláudia Berlier. São Paulo: Martins Fontes, 1998a. ______. Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b. ______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange AstroAfeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ______. A Imaginação e a Arte na Infância. Tradução Miguel Serras Pereira. Portugal: Relógio D’Àgua Editores, 2009, p. 9-45. WEISS, Luise. Brinquedos & Engenhocas – atividades Lúdicas com sucata. São Paulo: Editora Scipione, 1989.
125
ZABALZA, Miguel Angel. Qualidade em Educação Infantil. Tradução Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 19-20.
126
ANEXO A
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE FILOSOFIA, TEOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA
LINHA DE PESQUISA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
AUTORIZAÇÃO
Senhores pais ou responsáveis
Tendo em vista a realização e desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado sobre o tema: “O
brincar com sucata na ressignificação da prática pedagógica e como potencializador do processo
criativo com crianças até 2 anos”, na E.M.E.I./CrecheFloresta Encantada no período de agosto a
setembro de 2015, com o consentimento da direção e professores da instituição a qual seu (sua)
filho (filha) frequenta. Venho por meio desta solicitar sua autorização para realizar registros
fotográficos e audiovisuais de seu (sua) filho (filha) considerando a captação de suas falas e de seus
processos de criação, bem como outros momentos que nos ajudem a compreender as questões da
nossa investigação. Solicitamos também sua autorização para a utilização das imagens, filmagens por
nós registradas, na divulgação dos resultados da pesquisa em forma de publicações, visando
compartilhar o conhecimento produzido. Afirmamos que, após o término da pesquisa, previsto para
final de 2016 e sua defesa pública junto à comissão científica deliberada pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a creche receberá uma cópia da
Tese que ficará à disposição dos professores, crianças e famílias.
Márcia Tostes Costa da Silva
Mestranda, EAHC/MACKENZIE
Eu, __________________________________________________________________
(nome completo do responsável)
Por meio desta, autorizo a participação de meu (minha) filho(filha)_______________
_______________________________________________(nome completo da criança)
na pesquisa sobre “O brincar com resíduos sólidos reutilizáveis na ressignificação da prática
pedagógica e como potencializador do processo criativo com crianças até 2 anos” desenvolvida pela
mestranda Márcia Tostes Costa da Silva do programa de Pós-Graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, bem como seu registro fotográfico e audiovisual e a divulgação, publicação
destes materiais (fotos, audiovisuais e falas) visando a documentação acadêmica e o compartilhar
do conhecimento produzido.
________________________________
Assinatura do responsável
Carapicuíba, _______de______________de 2015.
127
ANEXO B
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE FILOSOFIA, TEOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA
LINHA DE PESQUISA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
AUTORIZAÇÃO
Senhora
Tendo em vista a realização e desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado sobre o tema: “O
brincar com sucata na ressignificação da prática pedagógica e como potencializador do processo
criativo com crianças até 2 anos”, na E.M.E.I./Creche Floresta Encantada no período de agosto a
setembro de 2015, com o consentimento da Supervisão da Secretaria de Educação do município de
Carapicuíba e direção da escola. Venho por meio desta solicitar sua autorização para realizar
registros fotográficos e audiovisuais vosso, considerando a captação de suas falas. Solicitamos
também sua autorização para a utilização das imagens, filmagens por nós registradas, na divulgação
dos resultados da pesquisa em forma de publicações, visando compartilhar o conhecimento
produzido. Afirmamos que, após o término da pesquisa, previsto para final de 2016 e sua defesa
pública junto à comissão científica deliberada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, a creche receberá uma cópia da Tese que ficará à disposição
dos professores, crianças e famílias.
Márcia Tostes Costa da Silva
Mestranda, EAHC/MACKENZIE
Eu, __________________________________________________________________
Autorizo na pesquisa sobre “O brincar com resíduos sólidos reutilizáveis na ressignificação da
prática pedagógica e como potencializador do processo criativo com crianças até 2 anos”
desenvolvida pela mestranda Márcia Tostes Costa da Silva do programa de Pós-Graduação da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, bem como seu registro fotográfico e audiovisual e a
divulgação, publicação destes materiais (fotos, audiovisuais e falas) visando a documentação
acadêmica e o compartilhar do conhecimento produzido.
________________________________
Assinatura
Carapicuíba, _______de______________de 2015.
128
ANEXO C