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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE SANDRA LORENZO GONÇALVES PRIETO A POLISSEMIA EM 140 CARACTERES: O TWITTER COMO INTERFACE ENTRE A EDUCAÇÃO E A COMUNICAÇÃO. São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

SANDRA LORENZO GONÇALVES PRIETO

A POLISSEMIA EM 140 CARACTERES:

O TWITTER COMO INTERFACE ENTRE A EDUCAÇÃO E A

COMUNICAÇÃO.

São Paulo

2012

SANDRA LORENZO GONÇALVES PRIETO

A polissemia em 140 caracteres:

O Twitter como interface entre a Educação e a Comunicação.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientador: ProfºDrº Alexandre Huady Torres Guimarães

São Paulo

2012

P949p Prieto, Sandra Lorenzo Gonçalves. A polissemia em 140 caracteres : o Twitter como interface entre a educação e a comunicação / Sandra Lorenzo Gonçalves Prieto - 2013. 107 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Referências bibliográficas: f. 101-107.

1. Tecnologia de informação e comunicação.

2. Interface. 3. Redes sociais. 4. Twitter. 5. Linguagem. 6. Ensino-aprendizagem. I. Título.

CDD 371.33

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SANDRA LORENZO GONÇALVES PRIETO

A polissemia em 140 caracteres:

O Twitter como interface entre a Educação e a Comunicação.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de Mestre em Letras.

Banca Examinadora

_____________________________________________________________ Profº. Drº Alexandre Huady Torres Guimarães – orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

_____________________________________________________________ Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Profº. Drº José Maurício Conrado Moreira da Silva Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

4

“A quem, se não a vocês, meus eternos amores!”

Alex, tão companheiro, por seu incentivo, sua admiração e seu amor;

Murilo e Heytor, tão jovens, por me ensinarem a persistir e oportunizarem-me o

maior amor do mundo.

5

MEUS AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães por trazer, com suas aulas

inspiradoras, a esperança para realização de um antigo sonho quando até

mesmo eu já não acreditava mais ser possível; pela orientação atenta e

prestativa e pela sensibilidade com que me compreendeu e ajudou nos

momentos angustiantes.

À Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias e ao Profº Drº José Maurício Conrado

Moreira da Silva pela leitura atenta e pelas sugestões valiosíssimas.

A todos os amigos e familiares pela cumplicidade e pelos afetos

compartilhados nesses anos de estudo e dedicação. Em especial, à amiga

Alexandra Bassetti Siraque que compreendeu, tão resignadamente, as minhas

recusas aos inúmeros convites e compartilhou o momento importante da minha

qualificação.

Aos meus alunos que me provocam e inspiram, fazendo-me acreditar em

minha opção e, dessa forma, reafirmá-la todos os dias.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida.

6

RESUMO

As sugestões metodológicas apresentadas pelos PCN’s (Parâmetros

Curriculares Nacional) apontam para uma prática sociointeracionista, quanto ao

ensino da língua(gem), enquanto sistema contextualizado e determinado sócio-

historicamente. Produzir textos, portanto, é agir simbolicamente para o mundo,

produzindo sentidos para o outro. Dentro dessa prática social, considerando-se

as diferentes formas de manifestação da linguagem, não se pode negar a

presença indubitável da tecnologia, que avança nas relações de interação, em

especial, entre os jovens, por meio das Redes Sociais da Internet. A partir

dessa reflexão, o presente trabalho visa mostrar a necessidade e a importância

do papel da escola em relação a esses novos suportes textuais que fazem

emergir novos gêneros digitais que deverão ser incorporados ao contexto

acadêmico, para uma formação para a vida. A rede social Twitter adquiriu

diversas funções a partir das situações comunicativas recorrentes que surgiram

da interação entre os usuários, portanto a consciência quanto aos limites e às

possibilidades de produção e nível de comunicação dessa interface devem ser

trabalhados pela escola. O uso dessa plataforma como suporte textual nas

aulas de Língua Portuguesa contribui para o processo de ensino e de

aprendizagem da língua(gem), mais especificamente, para o desenvolvimento,

no educando, de uma postura criteriosa, seletiva e preocupada frente ao ato de

escrever. Destacam-se, portanto, a necessidade de maiores conhecimentos em

torno do assunto e a enorme responsabilidade dos docentes de fazerem parte

integrante e constante desse processo, refletindo sobre o assunto e a

metodologia para aplicação de propostas que incorporem o ensino

sociointeracionista da língua(gem) às TIC’s.

Palavras-chave: tecnologia de informação e comunicação; interface; redes

sociais; twitter; linguagem; ensino-aprendizagem.

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ABSTRACT

The methodological suggestions established by the “PCNs” (Brazilian

National Curricular Parameters) guide us towards a social-interactionist

practice, in relation to the teaching of the language as a contextualized system

and determined socio-historically as well.Producing a text, therefore, is to act

symbolically for the world, producing meaning for the other. Within this social

practice, taking into account the different forms of language manifestations, the

presence of technology is undeniable, moreover the interaction relations are

enhanced by the Internet social networks, especially among the youngsters.

Using this reflection as a springboard, this project tries to show the necessity

and the importance of the school role in relation to these new textual supports

that cause to emerge different digital genres that should be integrated into the

academic context, to contribute to a better background knowledge to form an

individual to deal with life’s challenges. Twitter has acquired different functions

due to the current communication that has appeared among its users, hence

the awareness concerning the limits and the possibilities of written production

and levels of communication of this interface should be catered by the school.

The use of this communication platform as a textual support within the

Portuguese Language lessons can contribute to a language learning-teaching

process, in particular, for the development in the student of a more critical,

discriminatory and concerned posture regarding the act of writing. We can put in

evidence though, the necessity of a broader knowledge of this subject and the

enormous responsibility of the teachers to take an active role in this process,

reflecting upon this subject and its methodology to apply these proposals

incorporating the social interactionalist theory of the language teaching into the

Communication and Information Technology.

Key words: communication and information technology; interface; social

networks; twitter; language; teaching-learning.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9

Capítulo 1 - TWITTER, entre a Tecnologia de (In)Formação e a Comunicação. ... 18

1.1. AS MUDANÇAS NAS FORMAS DE INTERAÇÃO DA SOCIEDADE

TECNOLÓGICA ...................................................................................................... 18

1.2. O PROCESSO DE INTERAÇÃO NAS MÍDIAS SOCIAIS ................................. 21

1.2.1 O TWITTER – CARACTERÍSTICAS DA INTERFACE ................................ 22

1.2.2 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO NO TWITTER ............................................. 27

1.2.3 A INTERFACE NO (CIBER)ESPAÇO SOCIAL ........................................... 30

1.2.4 O TWITTER NO (CIBER)ESPAÇO ACADÊMICO ....................................... 34

CAPÍTULO 2. - Os textos legais e a Tecnologia. ..................................................... 41

2.1 O ENSINO DA LÍNGUA NA CONCEPÇÃO INTERACIONISTA ........................ 41

2.2 O ENSINO DOS GÊNEROS EMERGENTES: DIGITAIS ................................... 44

2.3 A PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO TECNOLÓGICO PARA O ENSINO À

VIDA ....................................................................................................................... 46

2.4 O TWITTER NA PRÁTICA INTERACIONISTA PARA A PRODUÇÃO ESCRITA

................................................................................................................................ 53

Capítulo 3 - Polissemia e Homonímia: entre as questões teóricas e a aplicação

em ambiente escolar e social. ................................................................................. 57

3.1 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO PARA A EFICÁCIA NO PROCESSO DE

INTERAÇÃO ........................................................................................................... 57

3.1.1 SEMÂNTICA – OS SIGNIFICADOS NOS TEXTOS ................................... 58

3.1.2 A METÁFORA EM DIFERENTES TEXTOS ................................................ 60

3.1.3 A POLISSEMIA E A HOMONÍNIA – CONVERGÊNCIA CONCEITUAL ...... 69

3.1.4 O ENSINO DA POLISSEMIA PARA PRODUÇÃO TEXTUAL DO ALUNO .. 78

Capítulo 4. - O TWITTER NA SALA DE AULA.PROPOSTA DE ATIVIDADE:

“POLISSEMIA NA REDE - UM TWEET PELA CIDADE”. ........................................ 82

4.1 PROPOSTA DE ATIVIDADE – TRABALHANDO A POLISSEMIA NO TEXTO . 82

4.2. APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA “POLISSEMIA NA REDE - UM TWEET

PELA CIDADE” ....................................................................................................... 87

4.3 OS TWEETS - PRODUÇÃO DOS ALUNOS ..................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 1011

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INTRODUÇÃO

“É experiência aquilo que nos passa ou que nos toca, ou que nos acontece e ao passar-nos, nos forma e nos transforma [...] esse é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao largo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece [...] por isso ninguém pode aprender da experiência de outro a menos

que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria”.

Jorge Larrosa

As transformações em ritmo acelerado, geradas em parte pelos recursos

tecnológicos, provocaram mudanças significativas nas sociedades atuais,

trazendo consigo novas formas de trabalho, novas maneiras de viver e de

conviver, influenciando a economia, a política, enfim, as formas como as

sociedades se organizam.

A forma como o homem interpreta essas mudanças, reage a elas e as

assimila, está relacionada aos processos cognitivos que correspondem à

capacidade do indivíduo de aprender com o seu próprio operar. A pessoa vive

em interação com o meio, do qual recebe desafios permanentes ativando suas

estruturas mentais, permitindo-lhe elaborar esquemas de solução satisfatórios

a sua adaptação ou a transformação do meio (PINHEIRO E GONÇALVES,

2001).

Na relação razão-emoção, segundo António Damásio (2011), as

emoções desempenham papel fundamental na cognição. Apesar de não

serem atos racionais, são elas que, através dos sentimentos, desencadeiam o

processo cognitivo. Portanto, as emoções são fundamentais para o aprender:

Parece existir um conjunto de sistemas no cérebro humano consistentemente dedicados ao processo de pensamento orientado para um determinado fim, ao qual chamamos raciocínio, e à seleção de uma resposta, a que chamamos tomada de decisão, com uma ênfase especial no domínio pessoal e social. Esse mesmo conjunto

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de sistemas está também envolvido nas emoções e nos sentimentos e dedica-se em parte ao processamento dos sinais do corpo.(DAMÁSIO, 2011, p. 17).

O contexto tecnológico é o espaço em que os jovens experimentam

diferentes emoções e, sendo essas responsáveis pela cognição, esse espaço é

um instrumento importantíssimo para o processo de ensino e de aprendizagem.

A forma como os jovens relacionam-se com as tecnologias implica uma

mudança de comportamentos que se reflete na vida cotidiana.Essas mudanças

geram alguns desafios, como, por exemplo, a capacidade de reação da

educação em responder, em lidar e em acompanhar a crescente evolução, o

desenvolvimento e a transformação, principalmente, da geração de

adolescentes, diante das novas formas de interação e de informação,

promovidas pelo avanço tecnológico.

A noção de espectador, embora mais difusa, foi definida em relação a campos específicos ao falar do espectador de cinema, de televisão ou de recitais de música. [...] Em compensação, se falarmos de internauta, fazemos alusão a um agente multimídiaque lê, ouve e combina materiais diversos, procedentes da leitura e dos espetáculos. Essa integração de ações e linguagens redefiniu o lugar onde se aprendiam as principais habilidades – a escola – e a autonomia do campo educacional.(CANCLINI, 2008, p.22)

Os espaços de aprendizagem na era digital integram-se, não só entre os

espaços sociais (casa, família, amigos, lazer, comunidade física em geral),

como também, com todo espaço virtual e, para que o aluno possa viver melhor

na sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação, deve

desenvolver competências específicas que o permitam transitar ocupar e

interagir, eficientemente. Como previa McLuhan (2006), o planeta tornou-se a

nossa sala de aula e o nosso endereço.

Atenta a isso, a escola deve acompanhar essas mudanças e percebê-

las, inclusive, quanto a sua importância do aspecto cognitivo na relação

professor e aluno, para que se efetive de forma positiva o processo de ensino e

aprendizagem, incorporando ao contexto da sala de aula o contexto

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tecnológico. "Emoções bem direcionadas e bem situadas parecem constituir

um sistema de apoio sem o qual o edifício da razão não pode operar a

contento". (DAMÁSIO, 2011).

No entanto, inserir-se no espaço digital não quer dizer apenas ter

acesso à tecnologia de informação e comunicação (TIC), mas, principalmente,

saber utilizar essa tecnologia para a busca e a seleção de informações e para a

efetivação de processos eficientes de interação contribuintes para que cada

pessoa seja capaz de resolver os problemas do cotidiano, compreender o

mundo para saber atuar na transformação de seu contexto.

Usar a tecnologia a favor da educação é saber utilizá-la como um

mediador na busca de qualidade do processo educacional. Os recursos

tecnológicos podem funcionar como instrumentos para ajudar o professor no

processo de ensino e de aprendizagem e cabe a ele identificar, eficientemente,

qual recurso deve usar e de que forma. Caso contrário, a tecnologia não

produzirá o efeito desejado para o desenvolvimento desse processo.

Moran, ainda na primeira década do século XXI, já afirmava:

Ensinar com a Internet será uma revolução, se mudarmos simultaneamente os paradigmas do ensino. Caso contrário servirá somente como um verniz, um paliativo ou uma jogada de marketing para dizer que o nosso ensino é moderno e cobrar preços mais caros nas já salgadas mensalidades. (2008. p.8).

A partir das mudanças, associada à difusão da tecnologia na sociedade

em rede surgiuo questionamento: como se apropriar das mídias sociais como

um recurso eficiente no processo ensino e de aprendizagem para o

desenvolvimento do aluno como cidadão crítico e participativo?

Além da intenção de demonstrar a necessidade e a possibilidade de se

incluir, com propriedade, as TICs nesse cenário, o presente estudo apresenta

uma proposta de atividade desenvolvida com alunos do Ensino Médio,

associando-se o uso reflexivo da linguagem às redes sociais, no caso, o

Twitter. Essa plataforma apresenta uma estrutura sintética para seus textos: os

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tweets, que são postados em tempo real, são curtos, de leitura rápida e

instantânea, pois devem conter, no máximo, até 140 caracteres.

A mudança mais profunda prenunciada pela revolução digital não vai envolver adereços ou novos truques de programação. Não virá na forma de um navegador em três dimensões, do reconhecimento de voz ou da inteligência artificial. A mudança mais profunda vai estar ligada às nossas expectativas genéricas com relação à própria interface. Chegaremos a conceber o design da interface como uma forma de arte – talvez a forma de arte do próximo século. E com essa transformação mais ampla virão centenas de efeitos concomitantes, que penetrarão pouco a pouco uma grande seção da vida cotidiana, alterando nossos apetites narrativos, nosso senso do espaço físico, nosso gosto musical, o planejamento de nossas cidades. Muitas dessas mudanças vão ser sutis ou graduais demais para que a maioria das pessoas as perceba – ou melhor, vamos perceber suas mudanças, mas não sua relação com a interface, porque os vários elementos vão parecer pertencer a categorias diferentes, como diferentes alas de supermercados. Mas a história da tecnocultura é a história dessas mesclas, os efeitos improváveis de novas máquinas se espraiando para transformar a sociedade. (JOHNSON,2001, p. 155).

Esse design da interface obriga ao usuário a utilização de poucas

palavras, mas não de menos conteúdo. Assim, para efetivar-se a função do

texto, deve-se primar pela objetividade, pela coesão e pela capacidade de

síntese nesse gênero e, para isso, a seleção vocabular é fundamental. Nesse

aspecto, destaca-se a condição de plurissignificação de algumas palavras, a

polissemia. Este trabalho apresenta, na atividade desenvolvida pelos alunos, a

possibilidade de se trabalhar com esse recurso da linguagem como aspecto

expressivo no texto.

As teorias linguísticas estão mudando, gradativamente, a perspectiva do

ensino de língua materna, criando um novo objetivo a ser atingido: desenvolver

a competência comunicativa do aluno, ou seja, desenvolver a capacidade de

compreender e produzir textos adequados às diversas situações comunicativas

em que se vir envolvidos. Portanto, além da diversidade textual, o aluno deve

ter conhecimento dos possíveis recursos utilizados na linguagem, que

contribuem para o efeito de sentido desejado em um texto.

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Produzir linguagem significa produzir discursos: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, em um determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias. (PCNs, 1998, p.7).

A necessidade de reflexão sobre o assunto e de metodologia para

aplicação de propostas que incorporassem o ensino da língua às TIC’s surgiu

da condição de professora de Língua Portuguesa, Gramática e Redação, para

alunos do Ensino Médio, da rede particular. A partir desse contexto, sentiu-se a

necessidade de maiores conhecimentos em torno do assunto, bem como o

sentimento de enorme responsabilidade como docente de fazer parte

integrante e constante desse novo processo. Como educadora há dezesseis

anos para alunos do Ensino Fundamental eMédio,o objetivo sempre foi

mostrar-lhes a importante ferramenta de sua condição de sujeito cidadão: a

Língua Portuguesa. Portanto, sabê-la não significa simplesmente decodificá-la,

mas aplicá-la a todos os contextos, na sua significativa função de linguagem.

Atualmente, em especial, entre os jovens, o meio tecnológico é um importante

espaço de uso da linguagem e, portanto, onde a escola também deve estar.

Se o objetivo de ensino de língua materna é desenvolver a competência comunicativa, isto corresponde então a desenvolver a capacidade de produzir e compreender textos nas mais diversas situações. (TRAVAGLIA, 2008, p.19).

Diante dessa realidade, este trabalho tem como objetivo a apresentação

de uma proposta de utilização do Twitter, dentro do contexto acadêmico, mais

especificamente, na aula de Língua Portuguesa, para alunos da 1ª série do

Ensino Médio, que produzirão seus textos, tweets, abordando as questões

polissêmicas na linguagem como recurso eficiente no processo de interação.

Propõe-se, portanto, apresentar as possibilidades de utilização do

Twitter no contexto educacional como um instrumento para a prática

pedagógica, já que os usuários se apropriam dos recursos apresentados pelo

programa e o utilizam para determinados fins, conforme os seus interesses.

Para apontar as possibilidades de uso dessa ferramenta no espaço acadêmico,

estruturou-se este trabalho em quatro capítulos.

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No primeiro capítulo, “Twitter, entre a tecnologia de (in)formação e a

comunicação”, abordou-se o suporte utilizado para produção textual: o Twitter.

Destacou-se a relevância na utilização dessa plataforma em diversos contextos

sociais, para apresentar a importância das tecnologias da informação e da

comunicação e a urgência de criar conhecimentos e mecanismos

quepossibilitem a inserção dessas mídias na educação.

Esse capítulo tem como base as ideias de Lúcia Santaella, Raquel

Recuero, Gabriela Zago, Renata Lemos, Pierre Lévy, Tim O’Reilly, Dominique

Wolton, que apontam importantes estudos acerca, não apenas dessa

plataforma no contexto social, como também, da Internet; e Luiz Antônio

Marcuschi que discorre sobre os gêneros digitais e afirma:

Gêneros textuais surgem, situam‐se e integram‐se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam‐se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos

sóciopragmáticos caracterizados como práticas sócio‐discursivas. (2002, p. 20).

Para fundamentar essa necessidade, o segundo capítulo, “Os textos

legais e a Tecnologia”, tratou da abordagem dos documentos oficiais de

ensino, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Fundamental e Ensino

Médio) e a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, que redimensionam o

processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar, pois orientam o

professor quanto à importância de buscar, em sua prática, os fundamentos

interacionistas para as atividades escritas e os fundamentos tecnológicos que

visam o aprimoramento de competências e de habilidades do aluno para

inserção na vida adulta.

Sobre o ensino da língua, a partir de uma visão interacionista, as ideias

do segundo capítulo foram baseadas nos autores Maria Helena Moura Neves,

Irandé Antunes, Luiz Carlos Travaglia, entre outros, propondo aos professores

de Língua Portuguesa, uma análise quanto a sua prática que deve ser

entendida como meio fortalecedor da formação do aluno enquanto cidadão, já

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que a linguagem representa uma forma de ação social, pois, ao produzir um

texto, o indivíduo age sobre o mundo e sobre o outro.

A partir dessa perspectiva, o professor toma consciência de sua ação:

preparar o aluno para integrar-se de forma participativa na sociedade e

desenvolver o desempenho de sua atividade profissional. Sobre a

importância da prática docente, buscou-se fundamentação teórica na

bibliografia de Philippe Perrenoud e Paulo Freire (1999, p.9), que redefine o

papel do professor ao afirmar: “Ninguém educa ninguém, como tampouco

ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,

mediatizados pelo mundo”.

Entende-se, portanto, que ensinar seja organizar situações de

aprendizagem, criando condições que favoreçam a compreensão da

complexidade do mundo, do contexto, do grupo, do próprio ser humano. A

tarefa do professor, portanto, é promover o aprendizado do aluno, estando sua

prática educativa subsidiada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDB), pelo currículo e pelo projeto político-pedagógico do colégio, sendo que

essa tarefa pode ser beneficiada com a utilização competente das TICs.

Nesse contexto, o professor deve ser preparado para compreender o

novo paradigma e adaptar-se ao uso das tecnologias disponíveis, buscando

sempre aperfeiçoar-se, deixando para trás, quando esta não fizer sentido, a

tradição instrucionista. Tal ideia é reforçada por Pedro Demo (2011, p.74)

“quem não estuda, não tem aula para dar; quem não aprende, não faz aluno

aprender”, que também aponta a importância das mídias digitais no ambiente

escolar.

Além de Pedro Demo, na finalização do segundo capítulo, onde

abordou-se a necessidade do uso das tecnologias de informação e

comunicação no contexto acadêmico, foram importantes fontes de análise e

estudo, as leituras de José Manuel Moran, sobre a urgência das tecnologias

associadas à educação.

De acordo com os PCNEM a metodologia a ser aplicada nas aulas de

Língua Portuguesa tem de levar em conta o caráter sociointeracionista da

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linguagem, ou seja, conceber a aprendizagem como um fenômeno que se

realiza na interação com o outro. Ainda, segundo PCN de Língua Portuguesa, a

escolha dos conteúdos não deve privilegiar a mera memorização de

informações, e sim ter sua base nos eixos estruturadores da Área de Códigos e

suas Tecnologias.

A partir dessa reflexão, em sabendo-se da ampla difusão da informação

no Twitter, desenvolveu-se o terceiro capítulo, “Polissemia e Homonímia –

entre as questões teóricas e a aplicação em ambiente escolar e social”,que

aborda a questão da polissemia e da homonímia, conteúdo indicado para as

práticas do eixosobre a reflexão da linguagem, a ser explorado com os alunos

do Ensino Médio. O tema deve suscitar a questão da plurissignificação das

palavras e, daí, a importância da melhor escolha vocabular, principalmente,

tomando-se como suporte de texto e meio de interação, o Twitter. A proposta

pretendeu, além de trabalhar o tema, aplicá-lo, eficientemente, na linguagem,

dentro dessa interface.

Para aprofundamento do tema a ser trabalhado com os alunos, buscou-

se os estudos em semântica de Michel Brèal, Márcia Cançado, Rodolfo Ilari,

João Wanderley Geraldi, Edward Lopes, GládisKnak,MárioPerini e Lúcia Maria

Pinheiro Lobato.

Apresentou-se, em seguida, a proposta metodológica da atividade

“Polissemia na rede – um tweet pela cidade” desenvolvida com os alunos, com

o objetivo de estimulá-los à produção textual, em um meio bastante difundido

em seu dia a dia, masatentos à construção desse gênero digital, principalmente

com a produção de efeito de sentido de suas mensagens a partir das escolhas

lexicais. Tal proposta considerou a estrutura fixa desse meio de interação oras

como um delimitador, como um dificultador, como um estimulador e, portanto,

um meio determinante a levar o aluno a pensar na importância da formulação

da mensagem, já que esta teria ampla divulgação.

A abordagem do conteúdo partiu da vivência prática, da interação com

textos escritos, para a reflexão sobre os fatos gramaticais. A partir da análise

de diferentes gêneros textuais que apresentavam a polissemia como recurso

17

expressivo, os alunos puderam produzir os seus textos no Twitter,utilizando a

polissemia para efeito de sentido desejado, sobre a temática dos problemas

sociais identificados na cidade de Santo André.

Para finalizar, foram apresentados alguns dos textos criados pelos

alunos com base na atividade proposta “Polissemia na rede – um tweet pela

cidade”, a análise desses e da metodologia empregada como forma de

relacionar o ensino da língua às TICs, largamente utilizadas pelo adolescente

fora do contexto escolar.

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Capítulo 1 - TWITTER, entre a Tecnologia de (In)Formação e a

Comunicação.

“Há muito que aprender com as novas paisagens, novos ambientes que os visionários são capazes de criar, familiarizando nossa sensibilidade para a habitação e intimidade com as atmosferas inusitadas trazidas pelos ventos da transformação e do devir (humano)”.

Lúcia Santaella

1.1. AS MUDANÇAS NAS FORMAS DE INTERAÇÃO DA SOCIEDADE

TECNOLÓGICA

As sociedades, ao longo do processo histórico, têm passado por

grandes transformações que afetam de forma decisiva, o modo de como as

pessoas atuam e se relacionam no seu cotidiano. Observam‐se que estas

mudanças têm exigido, dos sujeitos sociais, a capacidade de se

inter‐relacionarem de forma crítica, criativa e autônoma com a realidade e a

dinâmica social e, na atualidade, que saibam lidar com as tecnologias

emergentes e a comunicação de massa que invadem o mundo contemporâneo.

Com o surgimento da Internet e a popularização da tecnologia,

importantes mudanças ocorreram, principalmente, no que diz respeito ao

acesso à informação e às formas de interação, em diversos espaços sociais.

Novas formas de tecnologia de informação e comunicação integram-se à vida

de diversos cidadãos e sociedades.

É natural que, diante de tantas mudanças, a linguagem, “o âmago de

nossa constituição humana” (SANTAELLA, 2007), também esteja nesse

processo de transformação:

19

Cada vez menos a comunicação está confinada a lugares fixos, e os modos de telecomunicação têm produzido transmutações na estrutura da nossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se, sentir, reviravoltas na nossa afetividade, sensualidade nas crenças que acalentamos e nas emoções que nos assomam. (SANTAELLA, 2007, p.25).

Considerando que o processo educativo relaciona-se, intimamente, com

o contexto social, é evidente que esse contexto passe a redefinir um novo

sujeito a ser formado, redefinindo, também, a própria compreensão da função

da escola.

Embora, no Brasil, a Internet tenha surgido com um objetivo acadêmico,

de possibilitar aos pesquisadores, o acesso a dados, a informações de

instituições de outros países (ERCÍLIA e GRAEFF, 2007), em pouco tempo, a

rede passou a atuar em todas as áreas: no comércio, na indústria, na política,

na religião, nos relacionamentos sociais etc.

Nesse contexto, portanto, uma nova configuração da escola deve

ocorrer para que se possibilite a sua extensão à vida em sociedade, a outros

espaços sociais, apresentando, aos alunos, outras formas de aprendizagem,

que explorem a informação e a interação, a partir das ferramentas

tecnológicas.

Dominique Wolton (2007, p.86), na obra Internet, e depois?,afirma:

Elas (novas tecnologias) simbolizam a liberdade e a capacidade de dominar o tempo e o espaço, um pouco como o automóvel nos anos 30. Três palavras são essenciais para compreender o sucesso das novas tecnologias: autonomia, domínio e velocidade. Elas representam um pouco ‘uma nova chance’ para todos aqueles que perderam a primeira. As novas tecnologias são, como uma figura de emancipação individual, ‘uma nova fronteira’.

Novas formas de interação surgiram, alterando-se as noções tradicionais

de tempo-espaço e criando novos paradigmas relacionados à busca de

informação e à construção do conhecimento:

20

[...] as tecnologias digitais transformaram a organização espacio– temporal da vida social, criando novas formas de acção e interacção, novos modos de relação social e novas formas de relacionamento com os outros e conosco. (TUBELLA in CASTELL, 2005, p.281).

A interconectividade que a Internet desenvolveu, nesses últimos anos,

mudou, gradualmente, as formas de comunicação, de relacionamento e,

também, as formas de ensinar e de aprender.

Steven Johnson (2012, p.93) destaca:

A ascensão da internet desafiou nossa mente em três maneiras fundamentais e correlacionadas: por ser participativa, por forçar os usuários a aprender novas interfaces e por criar novos canais de interação social.

Na rede, cada sujeito além de enunciatário1 é também um enunciador

em potencial, pois a produção de conteúdo no meio on-line está cada vez mais

acessível. Essa nova forma de distribuição de conteúdo em formato digital

democratizou o conteúdo informacional. Websites, blogs, mapas, notícias,

games, documentos, arquivos, músicas, vídeos, mensagens instantâneas,

artigos, livros, cartoons, base de dados, imagens, jornais, leis e obras de arte

representam o incalculável volume de informações disponibilizado na Internet.

Essas tecnologias possibilitaram a apropriação dos conteúdos de mídia

digital a todos os tipos de pessoas. Qualquer cidadão, com conhecimentos

básicos de informática, obteve seu espaço no mundo digital, podendo

expressar seus pensamentos, conhecimentos e opiniões livremente; na

condição de internauta, ganhou o poder de criar e modificar conteúdo na Web,

produzindo novos ambientes. Além dessa democratização de informação,

ocorreu uma evolução de instrumentos e de funcionalidades que resultaram em

uma maior interatividade entre os usuários na Internet.

Segundo Lucia Santaella (2009, p.51):

1O primeiro nível da enunciação tem como actantes o enunciador e o enunciatário. Esse

primeiro nível é o da enunciação considerada como quadro implícito e logicamente pressuposto pela própria existência do enunciado (Greimas e Courtès, 1979, p.125). Enunciador é o destinador implícito da enunciação; enunciatário é o destinatário implícito da enunciação. (FIORIN, 2002, p. 65).

21

Uma das principais características da tecnologia criada e distribuída em forma digital, potencializada pela configuração informacional em rede, é permitir que os meios de comunicação possam atingir os usuários e obter feedback imediato. Por isso um dos tópicos centrais da comunicação digital tem sido o da interatividade.

A ênfase na interatividade entre humano e máquina, característica da

cibercultura2 (LÉVY, 2000) ampliada nos anos 1990, passou para uma

experiência direta das relações sociais em rede, mediadas por computador.

[...]o crescimento do ciberespaço3 resulta de um movimento

internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem.[...] estamos vivenciando a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano. (LÉVY, 2000, p.11).

O novo panorama de tecnologia digital relativizou a necessidade da

presença física nas relações humanas e na vida social. A interação social pode

ser realizada nos meios digitais, por meio, entre outras, das mídias sociais.

1.2. O PROCESSO DE INTERAÇÃO NAS MÍDIAS SOCIAIS

A mídia social é um local de produção de conteúdos de forma

descentralizada e sem o controle editorial de grandes grupos econômicos. As

ferramentas de mídias sociais são sistemas on-line que possibilitam a interação

social por meio do compartilhamento e da criação colaborativa de informação

nos mais diversos formatos. Assim, as mídias sociais são consequência da

interação entre pessoas, resultando na construção do conteúdo compartilhado,

que pode ser comentado, repassado e editado. Pode-se acrescentar, ainda,

que qualquer pessoa pode produzir conteúdo, para as mídias sociais,

2 Conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de

pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 2000, p. 17) 3 É o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O

termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 2000, p.17)

22

praticamente sem custo. Todo esse contexto, sem dúvida, redimensiona o

papel da escola.

Devemos construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. No lugar de uma representação em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas em “níveis”, organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes” superiores”, a partir de agora devemos preferir a imagem dos espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e evolutiva. [...] o projeto do domínio do saber por um indivíduo ou por um pequeno grupo tornou-se cada vez mais ilusório. Hoje, tornou-se evidente, tangível para todos que o conhecimento passou definitivamente para o lado do intotalizável, do indominável. (LÉVY, 2007, p. 158 - 161).

Entende-se por interação um processo pelo qual dois ou mais elementos

produzem um efeito um sobre o outro ao trabalharem juntos. Uma definição

menos genérica e mais simplificada diz que a interação é a atividade de

conversar com outras pessoas e entendê-las. (SANTAELLA, 2009, p. 154).

Os tipos de interação que ocorrem na comunicação mediada por

computador, especialmente no ciberespaço (LÉVY, 2000), são muitas e

apresentam uma variedade de aplicações. Os muitos sistemas da Internet

exibem diferentes capacidades tecnológicas e de interação, tanto sincrônica

(Chats, Blogs, Twitter) quanto assincrônica (Correio eletrônico, Fóruns).

(SANTAELLA, 2010).

1.2.1 O TWITTER – CARACTERÍSTICAS DA INTERFACE

Dentre esses sistemas das RSIs (Redes Sociais da Internet), o Twitter

“encontra-se na era da mobilidade para a comunicação on-line, em tempo real,

que acena com a promessa do perpétuo estar junto”. (SANTAELLA, 2010,

p.26).

O Twitter é um ambiente digital que possui uma dinâmica singular de interação social. Isso se dá por diversos motivos. Suas funcionalidades fazem com que uma ideia possa se reproduzir de forma viral e instantânea ao redor do planeta em questão de segundos. A conectividade always on (LUGANO, 2008) e, de forma

23

cada vez mais abrangente, o fio invisível que se multiplica entrelaçando consciências, espaços, perguntas, desejos. (SANTAELLA, 2009, p. 55)

Dentre as mídias sociais, o Twitter tornou-se um incrível fenômeno da

cultura, da tecnologia e da popularidade na Internet, transformando-se numa

ferramenta de compartilhamento de informação, de diversão, de denúncia e,

inclusive, de autopromoção. É uma maneira de produção e consumo de

informações, que satisfaz a necessidade de comunicação rápida e,

frequentemente, atualizada. Ele propicia um ambiente de encontros e

aproximações. Os usuários podem comunicar-se, interagirem com diversas

pessoas, de áreas distintas, participando de suas vidas, recebendo notícias de

primeira mão e dando opiniões.

Raquel Recuero e Gabriela Zago definem o Twitter, no artigo Em busca

das “redes que importam”: redes sociais e capital social no Twitter, publicado

na revista Líbero, como:

[...] uma ferramenta de micromensagens4 lançada em outubro de

2006,que obteve um rápido crescimento no mundo5 e no Brasil

6.

Nessa plataforma, os usuários são convidados a responder à pergunta ‘o que você está fazendo?’ em até 140 caracteres. Pode-se construir uma página, escolher quais atores ‘seguir’ e ser ‘seguido’ por outros. Essas conexões são expressas por meio de links nas páginas dos usuários. Cada usuário tem suas mensagens publicadas (também chamadas ‘tweets’) para os seguidores, que acompanham em uma janela própria.

Transcrição da nota de rodapé da autora, no artigo “Em busca das “redes que importam”: redes sociais e capital social no Twitter” :

4 Embora a ferramenta seja comumente referida

como “microblog”, optou-se por se referir a ela como um “micromensageiro”, por se considerar que as apropriações conferidas ao Twitterfizeram com que ele se afastasse da ideia de um blog. Transcrição da nota de rodapé da autora, no artigo “Em busca das “redes que importam”: redes sociais e capital social no Twitter” :

5 De acordo com o Hubspot, a ferramenta alcançou 5

milhões de usuários ao final do ano de 2008. Disponível em: http:// blog.hubspot.com/blog/tabid/6307/bid/4439/State-of-the- Twittersphere-Q4-2008-Report.aspx. Acesso em: 20/5/2009. Transcrição da nota de rodapé da autora, no artigo “Em busca das “redes que importam”: redes sociais e capital social no Twitter” :

6 Em novembro de 2008, o Ibope/NetRatings

reportou cerca de 1 milhão de usuários no Twitter, embora apenas 140 mil usassem a ferramenta de modo recorrente. Disponível em: http://idgnow.uol.com.br/internet/2008/12/05/especial-2008-twitter-ganha-relevancia-mas-se-mantem-um-site-de-nicho/. Acesso em: 20/5/2009.

24

Em função da brevidade das mensagens postadas, que devem possuir,

no máximo, 140 caracteres, e da condição de uma mensagem destinar-se não

apenas a um enunciatário em particular, mas ao conjunto de seguidores, o

Twitter é conhecido, também, como “microblog”: “micro” pela extensão dos

textos;“blog”, pelo caráter público das mensagens. (Revista Língua Portuguesa,

ano 8, nº 81, p.20).

O Twitter caracteriza-se, dentre as RSIs, como multimodal da Web 3.0,

pois integra múltiplas redes, plataformas e funcionalidades por meio do uso de

aplicativos e de mídias móveis, agregando tanto as modalidades da Web 1.0,

uma plataforma de produção de informação, quanto da Web 2.0, em que o

usuário participa e produz conteúdo. (SANTAELLA, 2010).

Essa plataforma permite ao usuário divulgar informações pessoais, ou

seja, criar um perfil e torná-lo público; interagir com outras pessoas por meio

das mensagens publicadas e mostrar sua rede de contatos. Os usuários

podem ainda trocar mensagens entre si por duas vias: por mensagem direta

(no caso, apenas quem envia e recebe tem acesso à mensagem) ou por

replies, recados públicos direcionados a partir do símbolo @.

Caso se deseje divulgar um determinado assunto ou evento, deve-se

escrever um termo que o represente, precedido do símbolo #, conhecido como

Hashtag. Essa é a maneira de categorizar um grupo de mensagens remetentes

a um mesmo tema. Os usuários interessados pelo assunto adicionam a

hashtag a suas mensagens sobre o tópico que lhe é relativo. As hashtags dão

certa organização às postagens, já que os usuários podem marcar o assunto

do seu tweet e podem identificar o assunto das postagens dos outros usuários.

Essa funcionalidade do Twitter passou a indiciar temas, tópicos e/ou

palavras-chave, agregando todos os tweets que as contém em um mesmo

fluxo. Esse fluxo comum possibilita a todos os usuários acompanhar a

discussão de um tema e/ou divulgar informações pertinentes a ele em tempo

real. Assim, com a criação das hashtags, o Twitter “passou a ser usado

também como um local para comentar uma informação ou evento, engajar

membros ao redor de uma ideia, aferir o entendimento coletivo de um grupo

25

sobre determinado conceito, detectar lideranças e tendências.” (SANTAELLA e

LEMOS, 2010,p. 82).

Embora a hashtag tenha surgido com uso e função para o Twitter, ela

também é utilizada em outras interfaces, como o Facebook, ou até em

propagandas ou reportagens na televisão. No entanto, nesses casos, o símbolo

# é usado apenas como uma forma de se condensar sentimentos ou frases,

como #feliz, #chateada ou #ficaadica, sem a possibilidade de se clicar nela

para ter acesso à informação indiciada. Algumas hashtags tornaram-se muito

populares e criaram um padrão dessa categoria, como #prontofalei,

#muitoamor, #euquero, #rialto.

Quanto ao uso no Twitter, as hashtags possibilitam a economia de

espaço, pois permitem transpor a limitação da postagem e trazem uma série de

significados condensados que precisam de um conhecimento que ultrapassa a

postagem e, por isso, podem ser usadas para subsumir muitas informações já

compartilhadas pelos outros usuários, reservando maior espaço na postagem

para o acréscimo de informações novas. Ao marcar uma postagem, o usuário

assume certos significados implícitos para sua postagem, esperando serem

compreendidos pelos outros usuários, ao criar um conjunto de expectativas.

A partir dessa normalização, criam-se os Trending Topics, que

representam as dez palavras ou frases mais twittadas, naquele momento, em

um único país ou em todos. Ou seja, quanto mais usuários adicionarem a

hashtag a suas mensagens, maior circulação essa terá e, portanto, tornar-se-á

um Trending Topics.

As hashtags são, talvez, o melhor exemplo de como se dá a construção

colaborativa no Twitter, já que são criadas pelos usuários e, a partir do

momento que passam a circular no Twitter, não há mais como controlar

totalmente seus usos. O próprio fato de a hashtag figurar no Trending Topics

incentiva os usuários a usarem-na. (MILLER, 2009)

No entanto, para que o tweet se torne um Trending Topics,não é

necessário que esteja precedido de hashtag. Para ser um tópico de tendência,

o termo deve ter alguma popularidade no Twitter. Isso significa que estar entre

26

os Trending Topics também é uma maneira de aumentar, ainda mais, essa

popularidade já existente.

Esses tópicos em destaque refletem, exatamente, aquilo por que as

pessoas estão se interessando, e, muitas vezes, revelam, antecipadamente, as

notícias. Além disso, como já posto, funcionam como um importante meio de

divulgação e difusão de uma ideia, marca ou celebridade.

A cantora e compositora americana Lady Gaga,por várias vezes, esteve

entre os tópicos de tendência na rede social,não apenas com seu nome, mas

também, com o título de seus álbuns. Tal popularidade se explica, também,

devido à alta adesão do público jovem à ferramenta, portanto muitos assuntos

referentes a essa faixa etária aparecem com grande frequência entre os

Trending Topics, fazendo com que novos acontecimentos relacionados aos

seus ídolos da mídia ou da música sejam, portanto, amplamente comentados.

Algumas celebridades, assim como Lady Gaga,utilizam a ferramenta como

potente forma de divulgação de seu trabalho, fazendo da rede social, uma

vitrine mundial.

Assim, hoje, o Twitter pode ser definido como:

[...] uma verdadeira ágora digital global: universidade, clube de entretenimento, “termômetro” social e político, instrumento de resistência civil, palco cultural, arena de conversações contínuas.(...) O Twitter serve como um meio multidirecional de captação de informações personalizadas; um veículo de difusão contínua de ideias; um espaço colaborativo no qual questões, que surgem a partir de interesses dos mais microscópicos aos mais macroscópicos, podem ser livremente debatidas e respondidas. (SANTAELLA e LEMOS 2010, p.66).

Além de formar as redes pela conversação, estabelecida a partir de

interesses e assuntos em comum, é possível formar uma rede de contatos na

qual jamais houve qualquer tipo de interação recíproca. E é essa conexão,

embora não recíproca, que pode dar acesso a determinados tipos de

informação que não estariam acessíveis de outra forma.

27

Um dos primeiros valores do Twitter é o acesso à informação. Esse

acesso depende das conexões que são construídas no sistema. Quanto mais

conexões socialmente distantes, que frequentam outros espaços, com outros

interesses, maiores as chances de acesso a novas informações (RECUERO,

2009).

Como se percebe, o Twitter é um serviço de mensagens, de

informações, de divulgação, entre outras, que possui as mesmas

características de outras ferramentas de comunicação já utilizadas na Internet,

mas alguns fatores o transformam em uma ferramenta única; sendo um deles,

a mobilidade.

1.2.2 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO NO TWITTER

Ao adaptar a interface aos dispositivos móveis, obrigatoriamente,

ocorreu uma redução do espaço de tela, o que fez surgir uma nova forma de

comunicação em rede. É com espaço para 140 caracteres que a mensagem

deve ser transmitida, o que implica novas necessidades de organização textual,

dentre elas, uma nova sintaxe: a “microssintaxe” (RHEIGOLD, 2009).

A sintaxe, segundo Bechara (1976, p.17):

[...] se ocupa do estudo dos padrões estruturais vigentes em determinada língua, motivados pelas relações recíprocas dos termos na oração e das orações no discurso. Pode ainda a sintaxe estudar o emprego dos vocábulos.

Um texto, portanto, para que cumpra sua função de comunicar, “não é

um amontoado de palavras e de frases” (GUIMARÃES, 2001). Deve haver uma

organização e combinação que componha uma mensagem coerente, para que

o enunciado produza sentido para os interlocutores. Ao se utilizar do suporte

textual, no Twitter essa organização e combinação ficam limitadas a uma

quantidade de letras, no caso, 140 caracteres, daí, então, a necessidade de

uma microssintaxe.

28

O trabalho de produção de um texto assemelha-se ao trabalho de

criação de um arquiteto. Na arquitetura, o profissional deve planejar, a partir

dos materiais e dos recursos, uma estrutura viável que atenda às expectativas

e às necessidades. Para tanto, deve conhecer, com propriedade, cada um dos

recursos disponíveis, e apropriar-se, de forma segura e eficaz, de todas as

expectativas e as necessidades. No texto, é preciso dominar não só as

palavras, recurso de que o enunciatário dispõe, como também, apropriar-se,

seguramente, das expectativas do enunciador e, principalmente, do meio

queutilizará como suporte de seu texto, para criar as várias possibilidades de

enunciados que atendam a uma comunicação eficiente.

No contexto tecnológico, o uso da linguagem adequada ao meio se torna

um requisito fundamental para a inserção de um usuário competente nesse

ambiente midiático. O texto deve ajustar-se aos limites e às possibilidades de

variadas formas de expressão que o meio oferece,como texto, som e imagem.

Dessa organização textual, portanto, surge a microssintaxe. Um dos

primeiros autores a reconhecer a necessidade de “alfabetização” em

habilidades de leitura e escrita no Twitter foi Howard Rheingold (2009).

A microssintaxe torna evidente que um novo tipo de linguagem emerge em resposta às características das micromídias, exigindo dos novos participantes níveis gradativos de ‘alfabetização’ em microssintaxe. (RHEINGOLD apud SANTAELLA, p.112).

Portanto, além de uma construção textual eficiente, por meio de

palavras, que apresente, no máximo, 140 caracteres, há a necessidade de

conhecimento de um conjunto de detalhes e ações que são propostos aos

usuários do programa, como o uso de abreviações (hj [hoje] – tb [também]); e

as indicações específicas dessa rede social: @, RT, DM, as hashtags (#). Além

disso, há, dentro do esquema definido pelo design do Twitter, uma nova forma

de leitura, com intertextos e inferências. Quando se está nessa interface, é

preciso fazer a leitura, de cima para baixo, pois pode haver constantes

inferências no fluxo, quando neste houver a possibilidade de interação.

29

[...] o Twitter surge na era dos streams, das correntezas vivas de informação que entrelaçam textos e links, recomendações, perguntas, declarações, idéias, posições e, por que não, também irrelevâncias. Independentemente do tipo de informação que esteja sendo veiculada, o fluxo de informações é algo vivo, estando permanentemente em movimento. (SANTAELLA e LEMOS 2010, p. 62)

Sobre a elaboração da mensagem no Twitter, Santaella (2010, p.80)

argumenta:

Ao mesmo tempo em que é veloz ágil e acelerada, a dinâmica básica de interação no Twitter é artesanal – envolve a escolha individual e cuidadosa de pequenos trechos de ideias, pointers

7, RTs

8² todos

reunidos artesanalmente em tempo real. [...] o usuário se torna um design de ideias em 140 caracteres.

Marcuschi (2009, p.11) afirma:

A linguagem é uma das faculdades cognitivas mais flexíveis e plásticas, adaptáveis às mudanças comportamentais e a responsável pela disseminação das constantes transformações sociais, políticas, culturais geradas pela criatividade do ser humano. As inúmeras modificações nas formas e possibilidades de utilização da linguagem em geral e da língua são reflexos incontestáveis das mudanças tecnológicas emergentes no mundo.

Para Lemos (2008), a partir das mídias sociais, desencadeou-se um

conjunto de mudanças no processo discursivo. Esse processo possui uma

nova estrutura narrativa, que se utiliza das anteriores, acrescida da

participação interativa do leitor.

Para Steven Johnson (2007, p.34):

Quando se tenta entender o efeito de uma nova forma cultural sobre a maneira como vemos o mundo, é preciso poder descrever o objeto cultural de modo relativamente detalhado e também demonstrar como esse objeto transforma a mente que o apreende.

7 Indicação de bom conteúdo geralmente seguida de um link.

8 “retweet: tweet proveniente de outro usuário e exige a menção do autor logo após as letras

RT, garantindo a autoria do tweet” (SANTAELLA, 2010, p.107)

30

Em função de sua interação sincrônica, o Twitter cria desafios para um

uso adequado, já que é preciso, de acordo com os temas dos processos de

interação, compreender e ser compreendido, perfeitamente, no espaço

proposto pela ferramenta. Além disso, exige-se que se esteja alerta aos

movimentos dos fluxos informacionais entrelaçados nos fluxos internos (inflow)

e externos (outflow) (SANTAELLA, 2010), já que se pode interagir com mais de

um usuário, simultaneamente, com assuntos distintos. Tal processo exige, para

o uso adequado dessa plataforma, o desenvolvimento de habilidades

cognitivas de atenção e de competência linguística.

O fato de o Twitter possibilitar a interação entre pessoas que não

tenham uma relação pessoal fora desse espaço exige ainda mais competência

textual para uma interação eficiente.

1.2.3 A INTERFACE NO (CIBER)ESPAÇO SOCIAL

Em função da possibilidade de interação entre pessoas desconhecidas,

que podem, inclusive, fazer parte, profissionalmente, das mais diversas áreas,

ou ainda, pertencer a regiões distantes, marcadas por regionalismos, o Twitter

funciona, também, como um forte meio de propagação de mensagens não

apenas de caráter pessoal, mas dos mais variados temas que interessem aos

usuários nesse processo de comunicação.

Apesar da aparente ideia inicial de um “ambiente familiar” 9, em função

de deixar os usuários a par daresposta ao questionamento “What do you

doing?” (O que você está fazendo?), que dá margem a respostas pessoais e

faz com que o usuário se sinta mais próximo do dia a dia de amigos ou

familiares mais distantes, as pessoas estão usando-o, cada vez mais, para

falar sobre o que estão lendo, ouvindo e pensando, portanto, distribuindo ideias

e comentários sobre os temas mais variados e interessantes possível. Os

usuários não respondem mais, apenas, à pergunta “O que você está

fazendo?”, mas, sim, “Em que você está pensando?” (SANTAELLA, 2010, p.

97).

9ambientintimacy – expressão criada por LeisaReichelt(SANTAELLA, 2010,p. 17)

31

Sem dúvida, as redes sociais ampliaram as possibilidades no campo da

comunicação. O Twitter é, sem dúvida, uma importante ferramenta que faz do

ideal de comunicação um dos grandes valores das sociedades (ou da nossa

sociedade), já que uma das suas características, a linguagem enxuta, que

exige a síntese na elaboração da informação, possibilita, também, a

propagação mais rapidamente da informação.

Para Dominique Wolton (2007, pp.9-10), na obra Internet, e depois?:

Em alguns séculos, a comunicação, realidade antropológica fundamental, no cerne de toda experiência individual e social, evolui fortemente nas duas direções: as técnicas e os valores da sociedade democrática [...] Hoje ela é central por três razões: supõe seres livres para os quais a liberdade de informação e de comunicação está no

cerne de todas as relações sociais e políticas.

Registram-se casos de uso do Twitter como ferramenta de marketing e

comunicação para empresas e instituições; como ferramenta jornalística e

ainda, como meio de mobilização social e política.

Alguns casos motivaram pesquisas acadêmicas, que tiveram os

resultados apresentados na Divisão Temática Comunicação Multimídia, do

Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento

componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

Dentre eles, o trabalho que abordou a criação, pelo Governo da Paraíba, em

2011, do Twitter @govparaiba, que se revelou uma ferramenta de crescente

interação, inclusive entre os órgãos diretos e indiretos e o seu público.

Outro analisou as mensagens e a participação da sociedade, no Twitter,

sobre os debates políticos que antecederam as eleições presidenciais, em

2010. Os trabalhos mencionados, apresentados em Congressos, encontram-

se disponíveis no site http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos.

Ainda, em novembro de 2010, o Twitter foi veículo de uma importante

ação social, durante a ocupação da polícia no Morro do Adeus, situado no

Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Adolescentes, moradores do local,

desenvolveram um trabalho de informação à comunidade no Twitter, narrando

32

os acontecimentos em tempo real. A ação ganhou notoriedade na web, pois os

jovens, criadores do perfil no Twitter, narravam o que viam pelas janelas de

suas casas, numa região onde a imprensa não tinha acesso.

O caso não só recebeu destaque na imprensa, como também motivou

trabalhos acadêmicos, como o Discurso e redes sociais: o caso ‘Voz da

comunidade’, da UFJF.

A importância dessa mídia social pode ser observada, inclusive, pelo

número de obras, nacionais e internacionais, que orientam, quanto ao uso

adequado dessa ferramenta, nos diferentes espaços sociais. Dentre os títulos:

Mídias Sociais nas Empresas – colaboração, inovação, competitividade e

resultados; A era do Twitter – como a ferramenta de mídia colaborativa mais

dinâmica da atualidade pode revolucionar seus negócios; Twitter influenciando

pessoas e conquistando mercado; Mil biografias para Twitter, entre outras.

Percebe-se, portanto, que se trata de uma ferramenta em que a

informação, em função da mobilidade e da objetividade, atinge, rapidamente,

um grande número de pessoas e, portanto, pode gerar sérias consequências,

seja uma mensagem de caráter social, político ou pessoal. Um exemplo atual,

publicado na revista Veja nº 30, de 25.07.2012,foi o caso da atual primeira –

dama da França, Valérie Trierweiler, que, ao escrever no Twitter seu ponto de

vista acerca da derrota política de Ségolène Royal, ex-esposa do então

presidente francês, François Hollande, seu esposo atual, viu-se obrigada a não

participar dos eventos sociais com seu marido, em função da reação do povo

francês ao seu comentário postado na rede social. Ou seja, um texto de caráter

pessoal, mas que teve sérias dimensões políticas, em função do autor e do

meio em que foi divulgado.

Em entrevista, disponibilizada no site da Academia Brasileira de Letras,

após a sua posse da presidência da ABL, em 2009, Marcos Vinício Vilaça

pontuou, quanto ao uso das tecnologias:

Hoje não só pessoas usam o twitter, mas empresas testam sua popularidade e lançam novidades. Como o senhor vê essa integração da ABL com o twitter?

33

Se eu tuito, tu tuitas e eles tuitam, a Academia também tuita. O Supremo Tribunal Federal já está nessa, sites de venda on-line já lançam promoções exclusivas, personalidades de todos os meios já criaram uma espécie de “linha direta” com os fãs. Faltava a ABL. Digo faltava, pois não falta mais. A Academia precisa manter permanentemente uma linha direta com os seus seguidores. Os jovens passam muito tempo no que chamamos de mídias sociais. Este é um filão em que a ABL busca entrar? [...] Se é lá que a juventude está, é lá que precisamos ir. Se num primeiro momento os moços não vêm à Academia, então a Academia precisa ir até eles. A internet seria, então, considerada mais uma ferramenta de incentivo à leitura e à produção textual? Mas é claro! Há quem diga que é uma ferramenta que faz justamente o contrário, que atrofia. Mas eu não vejo assim. Olhe, se uma pessoa consegue passar toda uma ideia em 140 caracteres, ela é atrofiadaou possui um bom poder de síntese? Então pronto! Não adiantar vir com a besteira que tudo na internet não presta. Isso é mentira! Tem muita coisa boa sim, mas é preciso selecionar. Da mesma forma há muita coisa ruim encadernada e vendida em livrarias. É preciso ter critério.

Em 2010, a Academia Brasileira de Letras lançou, pelo Twitter, um

concurso nacional de contos, em que as produções deveriam conter, no

máximo,140 caracteres. Tal produção registra um novo gênero na literatura, a

Twitteratura.

O termo Twitteratura tem sido usado para definir todo e qualquer tipo de

manifestação literária dentro da plataforma em questão. Há, inclusive,

experiências do uso do espaço de 140 caracteres para publicação de

microcontos e adaptações de narrativas já publicadas de forma impressa.

Portanto, como observa-se, as RSIs não existem em si com uma função

específica, mas sim, com aquela que é criada de uma forma própria por cada

povo (SPYER, 2011). Sendo o Brasil, um dos principais países responsáveis

pelo crescimento do Twitter, fato que reforça a ideia de que se trata de uma

plataforma amplamente utilizada em diversos espaços sociais, deve-se

associar esse meio ao espaço acadêmico, para que assim, o aluno torne-se um

usuário competente das mídias sociais.

34

1.2.4 O TWITTER NO (CIBER)ESPAÇO ACADÊMICO

Diferentemente de outras RSIs, como Facebook e Orkut, em que o foco

de interação está nos contatos pessoais, caracterizados, predominantemente,

por relacionamentos preexistentes na história afetiva ou profissional de cada

um, fora do contexto virtual, no Twitter, o foco encontra-se na qualidade e no

tipo de conteúdo veiculado, o que reforça a necessidade de se construir

ambientes que possuam a intencionalidade de produzir informação e conteúdo

relevantes. A condição de produção exige, do usuário, uma seleção que prime

pela informação precisa, inteligente e que, efetivamente, faça se cumprir a

interação. A escola deve, portanto, garantir essas habilidades ao aluno, para

que ele possa exercer seu papel de cidadão crítico e participativo, em vários

contextos sociais, inclusive, no ciberespaço.

A inteligência no Twitter, não é apenas a matéria viva que compõe a própria trama cognitiva global dessa mídia social. Ela é, acima de tudo, um requisito obrigatório na integração consciente de um usuário às comunidades que lhe interessem. [...] se estratégias inteligentes de inserção forem negligenciadas, é possível que o usuário jamais tenha acesso aos fluxos mais profundos de comunicação e às conversações e dinâmicas de interação mais interessantes que ocorrem abaixo da superfície. (SANTAELLA, 2010, p.68).

O usuário pode ter certa facilidade quanto aos passos de acesso ao

Twitter, pois não é necessário saber o que está por baixo da interface na tela,

muito menos como funcionam os programas computacionais e a máquina em

que esses programas são processados. Basta memorizar esse procedimento

de acesso para que ele possa entrar na rede e explorar a plataforma, porém,

sua permanência dependerá de uma utilização inteligente, bem como de uma

eficiência na elaboração das mensagens dos temas propostos.

Em função da facilidade de acesso, rapidez, mobilidade e objetividade,

as TICs, inevitavelmente, nos grandes centros urbanos, já fazem parte do dia a

dia das pessoas, seja no campo profissional, social, político ou no

entretenimento; portanto, nada mais natural que uma geração, nascida no furor

de uma época em que todo esse desenvolvimento tecnológico se processou,

35

tenha total habilidade e fascínio pelas ferramentas e, por isso, incorpore-as,

naturalmente, a seu dia a dia.

Finalmente, se analisadas de uma ponta à outra, a sedução exercida pelas novas tecnologias, seu caráter mágico, o fato de que a cada cinco anos suas capacidades aumentam e os preços diminuem a extensão das áreas de aplicação, o caráter lúdico de suas atualizações, seu caráter ‘democrático’, as utopias que elas reativam, compreende-se o encantamento que elas operam em uma boa parte dos jovens (WOLTON, 2007, p.88).

Celulares, Tablets, Notebook, Netbook, Internet, MSN, Orkut, Facebook,

Blog, Twitter são alguns dos tantos aparatos e meios tecnológicos que vários

cidadãos, dentre eles, os jovens, utilizam para se comunicar, aprender, ensinar,

desenvolver a criatividade, o senso crítico e de cidadania.

No entanto, essa mudança no processo de informação e interação,

viabilizada pela tecnologia digital, ainda não ocorreu, significativamente, no

espaço acadêmico, mais propriamente, no Ensino Médio.

A escola, com um olhar no futuro, deve conectar-se às inovações do

presente, não se distanciar da realidade do corpo discente, de sua relevância e

de sua função de ensinar a aprender, para possibilitar, ao aluno, a formação

para a vida, para a cidadania e para o mundo do trabalho.

Devem-se explorar as diferentes linguagens e formas de representação

do pensamento, identificar as relações entre educação e comunicação,

promover novas formas de ensino e aprendizagem, para propiciar uma visão

integradora das mídias, na prática docente.

É preciso recontextualizar a escola diante dos avanços tecnológicos que

invadem todos os espaços da sociedade, para que assim, o processo de

ensino e aprendizagem desenvolva, no aluno, uma postura crítica e de

autonomia.

Dessa forma, a integração das tecnologias da informação e da

comunicação na escola pode ser uma boa oportunidade para redescobrir o

36

prazer na aprendizagem, contribuindo para desenvolver ou fazer surgir o gosto

de aprender.

Almeida (2007, p.15) afirma:

A entrada dos computadores na educação acontece concomitantemente com a necessidade de se repensar os rumos da escola e o papel do professor. Não podemos, no entanto, acreditar que a simples inserção dos computadores no universo escolar irá resolver os problemas da educação atual. O computador não é a primeira tecnologia a ser introduzida no ambiente escolar e, como as demais, não será sozinha, a solução para os problemas da educação.

O mesmo autor (2007, p. 13) cita Paulo Freire, aborda bem a questão ao

afirmar sobre “a necessidade de sermos homens e mulheres do nosso tempo

que empregam todos os recursos disponíveis para dar o grande salto que

nossa educação exige”. Portanto, a escola deve propor atividades, desde

organizadas criticamente e que viabilizem o uso das tecnologias de informação

e comunicação, para inserção do aluno no mundo contemporâneo.

A escola deve integrar as TICs porque elas já estão presentes e são

influentes nos espaços da vida social, cabendo à escola, integrá-las, na sala de

aula, de modo criativo, crítico e competente; promovendo o desenvolvimento

crítico, social e participativo aos alunos para que saibam resolver seus

problemas, discernir e respeitar os demais e, fundamentalmente, comunicar‐se

com facilidade, segurança e eficiência em todos os espaços.

Toda tecnologia é um conhecimento criado, desenvolvido e aplicado para resolver os problemas de limitações físicas e intelectivas do homem. Ela se realiza por meio de produtos, equipamentos e instrumentos complexos que promovem aumento na velocidade de ação dos sujeitos que a utilizam e oferece ganhos de produtividade e qualidade na realização de certas atividades e confecção de produtos. Dizendo de outra maneira, a tecnologia potencializa ações e abstrações dos sujeitos garantindo mais rapidez, eficiência e abrangência no espaço e no tempo em que seus beneficiários se encontram real e/ou virtualmente. (http://www.ufpe.br/nehte/simposio/anais/Anais-Hipertexto-2010/Mesa-Redonda_Antonio-Carlos-Xavier.pdf. Acesso em 02.07.2012.).

37

A propagação de uma ideia que ultrapasse barreiras geográficas,

culturais, educacionais e sociais; a forma sincrônica de interação e o padrão de

produção das mensagens que possibilita fácil e rápida apreensão e, portanto,

uma ampla difusão dessa informação, são características que fazem do Twitter

um instrumento fundamental no processo de interação e mediação da

sociedade atual, superando, inclusive, meios de comunicação tradicionais.

Assim como toda a tecnologia incorporada não só ao modo de vida do homem,

como também, ao seu corpo, percebe-se a relevância dessa interface enquanto

instrumento de atuação social e, portanto, importante suporte textual que deve

ser explorado, analisado e utilizado no espaço acadêmico.

O corpo sempre foi portador de cultura: posições e atitudes, vestuário e formas de pintá-lo identificavam a etnia ou o grupo a que se pertencia, mesmo que viajássemos a outras paragens. Mas as tecnologias da comunicação aumentaram a portabilidade cultural. O rádio, a partir do uso de transistores e, logo depois, de pilhas, em meados do século XX, tornou-se um instrumento pequeno e leve para transportar sons, informação e entretenimento: até hoje, acompanha o corpo aos locais de trabalho, de diversão e nos automóveis. A música nas ruas pode provocar a socialização e a participação corporal, como o hip hop, que reúne jovens em torno de um reprodutor musical, ou levar ao retraimento daquele que viaja ouvindo walkman ou iPod. Os jovens que incorporam plenamente essas tecnologias “as colam ao corpo como um elemento a mais da indumentária”, escreveu Luis Alberto Quevedo: calças, paletós, jaquetas e mochilas são fabricados com lugar para o celular. A “corporabilidade deve abrigar as tecnologias” (Quevedo, 2007:11). O celular torna os jovens independentes dos pais, porque estes deixam de saber exatamente onde aqueles estão e o que fazem com seus corpos. Para os jovens, torna-se um recurso para novas experiências corporais e de comunicação. Mais do que a localização, importam as redes. Mesmo sentado, o corpo atravessa fronteiras. (CANCLINI, 2008, p.44)

A eficiência e relevância como importante meio de comunicação e

informação, faz com que se busque o uso inteligente doTwitter. Para tanto, a

seleção vocabular para a elaboração da mensagem, é extremamente

importante. Para que o texto cumpra sua função, de acordo com a intenção,

deve-se ter consciência de que a construção da mensagem trata-se de um

trabalho seletivo e criterioso.

38

Portanto, ensinar para a vida e para o mundo do trabalho, dentro de um

contexto tecnológico, também significa possibilitar habilidades de uso da

linguagem que visem a competência do aluno para a atuação social. As

pessoas com maior competência comunicativa têm melhor qualidade de vida à

medida que conseguem se mover de maneira mais adequada e eficiente nos

diversos espaços da sociedade, não só pela possibilidade de consciência dos

sentidos que se dá às coisas ou que elas podem ter, mas também pela

possibilidade de trabalhar com tais sentidos. (TRAVAGLIA, 2009).

Adiante, na mesma obra, Travaglia (2009, pp.11-12) afirma:

A proliferação de meios de comunicação neste final de século faz com que muitas pessoas, equivocamente, minimizem a importância da língua na comunicação humana. Isso acontece porque se pressupõe que as tecnologias e os meios da mídia e multimídia poderiam de alguma forma, substituir a língua no entendimento entre os homens. O objetivo é alertar sobre o que consideramos um equívoco e evidenciar a necessidade e a importância de uma educação linguística em todos os níveis de ensino/aprendizagem, uma vez que a língua é, e será por muito tempo, o meio fundamental de comunicação entre as pessoas por ser o mais preciso e capaz de abranger uma maior gama de significados. [...] É o domínio e o manuseio adequado das condições de significação que tornam o usuário da língua realmente competente, por isso não se pode relegar a segundo plano esta faceta da pluralidade do ensino de gramática.

Acredita-se que o ensino da Língua Portuguesa a falantes nativos só

pode ter como fim principal e fundamental o desenvolvimento da competência

comunicativa, entendendo-se esse desenvolvimento como a possibilidade de o

falante utilizar um maior número de recursos da língua de forma adequada a

cada situação de interação e, nesse caso, na comunicação via Twitter.

A proposta acadêmica de produção textual no Twitter é importante, pois

propõe ao aluno a atenção aos significados e aos sentidos que podem produzir

em seus textos, no espaço para 140 caracteres. Dominando mais esse suporte

textual, o aluno será capaz de se colocar melhor na relação com os outros,

39

com a sociedade e a cultura em que vive tanto no que diz respeito à

possibilidade de estabelecer os significados, os efeitos de sentido que deseja

como no que diz respeito à apreensão dos significados, dos efeitos de sentido

que os interlocutores estarão lhe propondo na interação por meio dessa

ferramenta. O produtor do texto deve saber escolher, entre as diversas

possibilidades oferecidas pela língua, a mais adequada para construção de seu

texto nesse suporte, para alcançar seu objetivo.

Diversos autores, de épocas distintas, já explanavam sobre a

competência de bem dizer em poucas palavras, uma competência linguística

não tão emergente assim. Carlos Seabra (2010, p.25), para esse fim, cita

Drummond que já previa que “escrever é cortar palavras”, Hemingway

recomendava “corte todo o resto e fique no essencial” e João Cabral

proclamava “ enxugar até a morte”.

Sobre a construção da mensagem no Twitter, Luli Radfahrer (2011)

afirma, em artigo intitulado Os milhões de poetas do Twitter:

Hoje sobram especialistas a crucificar o digital do mesmo jeito que um dia já se acreditou que os livros isolariam as pessoas. O Twitter e seus equivalentes não restringem a linguagem nem o raciocínio. Em muitos casos, o que acontece é exatamente o contrário: ao forçar uma ideia à camisa de força de poucos caracteres, milhões de pessoas praticam a cada segundo uma versão simplificada de jogos de palavras que levam a aforismos, poemas e Hai-Kais, mesmo que não percebam. Isso pelo menos para aqueles que se exprimam em versões do alfabeto latino, para quem fala chinês, japonês ou matemática, em 140 caracteres cabe o mundo inteiro. E ainda sobraespaço para retuitar e ser retuitado.

A introdução da escrita conduziu a uma cultura letrada nos ambientes

em que a escrita floresceu. Tudo indica que hoje, de igual modo, a introdução

da escrita eletrônica, pela sua importância, está conduzindo a uma cultura

eletrônica, com uma nova economia da escrita (BOLTER apud MARCUSCHI,

2010, p.17).

Portanto, embora haja uma arquitetura textual específica para compor

uma mensagem no Twitter, isso não é visto como um empecilho para que essa

plataforma seja utilizada.

40

O interesse, em especial, dos jovens por esse meio de interação pode

ser explicado a partir de um paralelo entre as redes sociais e a análise do

fascínio pelos games, apresentada por Steven Johnson (2012). Na obra Tudo

que é ruim é bom pra você (2012, p.97), o autor afirma “da mesma maneira que

vimos no mundo dos games, o aprendizado dos detalhes de uma nova

interface pode ser um prazer genuíno”.

No processo de interação no jogo de videogame, este reage às ações do

jogador, que por sua vez, reage às situações provocadas no jogo. A

possibilidade de interromper uma sequência de informações e de reorientar

com precisão o fluxo informacional em tempo real não é apenas uma

característica dos videogames, mas também, das redes sociais.

Assim, como a superação de obstáculos no jogo de videogame dá ao

jogador uma recompensa imediata - poderes, transposição de fase, pontuação

- que sugere uma evolução em função da mudança de ambiente, a interface da

plataforma Twitter também pode representar um sistema de recompensa ao

cérebro, pois as respostas ao seu texto postado funcionariam como um

incentivo, um estímulo ao usuário, significando que este estaria atingindo

outros “espaços e ambientes”. Estaria aí, também, o interesse do aluno em

compor, de forma eficiente, a arquitetura de seu texto, para que ele seja

comentado e retuitado pelos demais usuários dessa ferramenta.

Além disso, a resposta a diferentes tweets cria um fluxo informacional

que exige do usuário um envolvimento cognitivo que domine, eficientemente,

todo processo que está “em jogo na interação”.

41

CAPÍTULO 2. - Os textos legais e a Tecnologia.

“Como professor crítico, sou um ‘aventureiro’ responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se.”

Paulo Freire

2.1 O ENSINO DA LÍNGUA NA CONCEPÇÃO INTERACIONISTA

Um dos principais motivos para a desmotivação dos alunos em suas

produções escritas está no fato da escola desconsiderar os aspectos

sociodiscursivos dessas produções, inclusive não levando em consideração os

suportes tecnológicos utilizados pelos jovens em suas práticas diárias de

escrita, ainda, em grande parte, deslocados do contexto escolar.

A prática da redação escolar transformou-se em meio para a verificação,

para a avaliação da aprendizagem de aspectos gramaticais, ou para a

avaliação da escrita em si, desconsiderando-se as funções sociais dessa

modalidade de comunicação e, principalmente, as mídias tecnológicas de

produções, largamente difundidas no dia a dia da sociedade atual.

A pertinência das questões levantadas coloca-se pela análise de

documentos oficiais de ensino, como os Parâmetros Curriculares Nacionais

(Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a Lei de Diretrizes e Bases nº

9.394/96, redimensiona o processo de ensino e de aprendizagem no contexto

escolar, pois orientam o professor quanto à importância de buscar, em sua

prática: os fundamentos interacionistas para as atividades escritas e os

fundamentos tecnológicos que visam o aprimoramento de competências e

habilidades do aluno para inserção na vida adulta. Deve lembrar que os últimos

presidem a produção escrita cotidiana.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais direcionaram uma mudança na

concepção de Língua e de objetivo de ensino, propondo uma alteração na

42

metodologia a ser utilizada em sala de aula e no conteúdo a ser trabalhado.

Partindo-se da concepção de que saber a Língua é saber sua gramática em

situação de uso, os PCNs propõem uma ressignificação desse conceito

objetivando uma adequação teórica e significativa, ao enfocar o

desenvolvimento de habilidades e de competências que promovam a

continuidade do uso da linguagem já iniciada no convívio social.

No texto dirigido ao ensino da Língua Portuguesa, tem-se a concepção

de linguagem e língua como (1998 p.6-7):

Linguagem [...] como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua história. Os homens interagem pela linguagem tanto em uma conversa de bar, entre amigos, ou ao redigir uma carta pessoal. [...] enquanto atividade social e histórica, por meio dela, de geração em geração, se constroem quadros de referências culturais – representações, ‘teorias’ populares e mitos, concepções e orientações ideológicas, inclusive preconceitos – por que interpretamos a realidade e as expressões linguísticas. Língua é um sistema de signos específicos, histórico e social, que possibilita ao homem significar o mundo e a sociedade. Assim, aprendê-la é aprender não somente as palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas aprender pragmaticamente os seus significados e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.

Nessa concepção interacionista de Língua, o ensino da leitura e da

escrita deve ser considerado como prática social, garantindo que as práticas de

leitura e produção de texto, desenvolvidas no contexto escolar, aproximem-se

daquelas realizadas fora dele. Esse fato implica trazer para a sala de aula os

contextos significativos de leitura e de escrita presentes no convívio social tanto

dos alunos quanto dos professores e da comunidade escolar.

No ensino da língua materna, a visão de que o aluno deveria se

apropriar de uma variante ideal, supondo ser suficiente para todos os contextos

discursivos, foi substituída por uma visão de ensino de eficácia e proficiência

no uso das modalidades linguísticas, como se lê nos PCNs de Língua

Portuguesa (1998, p.30):

43

Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais – que podem estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício de reflexão. De modo geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos em razão de finalidades desse tipo. Sem negar a importância dos que respondem a exigências práticas da vida diária, são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada.

O processo de ensino aprendizagem deve caminhar do linguístico, do

uso da língua, para o metalinguístico. E da vivência prática, interação com

textos orais e escritos, para a construção da teoria e sua reflexão sobre os

fatos gramaticais. O ensino deixa de ser centralizado em definições e

classificações e desenvolve o uso de regras como parte da competência e da

prática comunicativa dos alunos.

As atividades linguísticas e epilinguísticas, desenvolvidas em sala de

aula, devem contribuir para o aprimoramento criativo e crítico de uso da

Língua, possibilitando o desenvolvimento de um cidadão crítico, reflexivo e

participativo na sociedade.

Para promover um ambiente de maior interação e reflexão, os PCNs

sugerem que sejam desenvolvidos projetos para as aulas de Língua

Portuguesa:

São situações em que as atividades de escuta, leitura e produção de textos orais e escritos, bem como as de análise linguística se inter-relacionam de forma contextualizada, pois quase sempre envolvem tarefas que articulam essas diferentes práticas, nas quais faz sentido, por exemplo, ler para escrever, escrever para ler, decorar para representar ou recitar, escrever para não esquecer, ler em voz alta, falar para analisar depois etc. (PCNs, 1998:87).

Isso não significa que os aspectos gramaticais tenham perdido espaço,

pelo contrário, os fenômenos gramaticais estão presentes como objetos de

observação, descrição e categorização e são essenciais para o estudo do

discurso. O processo de ensino e aprendizagem de fatos gramaticais

acompanha o estudo dos textos orais e escritos que surgem no decorrer do

44

trabalho. Integradas em um projeto, as atividades de leitura, de escuta, de fala

e de escrita serão significativas, pois estarão direcionadas para um trabalho

determinado, dando aos alunos a oportunidade de refletir sobre a própria

Língua em uso.

As práticas de leitura, de escuta de textos e de produção de textos tanto

orais quanto escritos estariam integradas na abordagem do texto como unidade

para a construção do gênero como objeto de ensino, e as práticas de análise

linguística ou de reflexão sobre a linguagem seriam resultantes destas e

estariam também integradas nas práticas de uso da linguagem.

O trabalho com textos passa a ser o eixo norteador do ensino de Língua

Portuguesa na sala de aula. Enfatiza-se a necessidade de ler e produzir

diferentes gêneros de texto, considerando seus portadores, suas funções

sociais, seu contexto de produção, suas estruturas e características

linguísticas, entre outros aspectos mencionados nas propostas curriculares.

Segundo os PCNs (1998), a noção de gênero refere-se às famílias de

textos que compartilham características comuns, embora heterogêneas, como:

objetivos a que se propõem visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo

de suporte comunicativo, extensão, grau de literalidade.

Dessa forma, é fundamental contemplar, na atividade de ensino, a

diversidade de tipos de textuais, não apenas em função de sua relevância

social, mas também pelo fato de que os textos são organizados de diferentes

formas. A produção escrita de textos, pertencentes a inúmeros tipos, supõem o

desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas

situações de ensino.

2.2 O ENSINO DOS GÊNEROS EMERGENTES: DIGITAIS

Os PCNs (1998) de Língua Portuguesa indicam que a escola, como

espaço institucional de acesso ao conhecimento, precisa atender às demandas

das transformações dos níveis de leitura e escrita, realizando uma revisão

substantiva de suas práticas de ensino para que essas possibilitem ao aluno a

45

aprender a linguagem a partir da diversidade de textos que circulam

socialmente.

A partir dessa questão, considera-se importante analisar as formas de

escrita que, atualmente, são vivenciadas por grande parte da população, da

qual é composta pelos alunos do Ensino Médio. Dentre essas produções

escritas, há que se pleitearem os gêneros surgidos nas mídias tecnológicas,

que, Marcuschi (2010) denomina como gênero digital.

O tema em si – gêneros textuais – não é novo e vem sendo tratado desde os anos 60 quando surgiram a Linguística de Texto, a Análise Conversacional e a Análise do Discurso, mas o enfoque deve ser dado, com atenção particular aos gêneros textuais no domínio da mídia virtual, que são mais recentes e carecem ainda de trabalhos, embora já apareçam estudos específicos sobre esse novo modo discursivo também denominado “discurso eletrônico”. (MARCUSCHI, 2010).

Esse contexto tecnológico reúne, em um só meio, várias formas de

expressão, como texto, som e imagem, o que dá, aos gêneros digitais,

maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, e

interfere na natureza dos recursos linguísticos utilizados. Além disso, a rapidez

da veiculação e a flexibilidade linguística aceleram a penetração de tal gênero

entre as demais práticas sociais. A introdução da escrita eletrônica, pela sua

importância, está conduzindo a uma cultura eletrônica, com uma nova

economia da escrita para a formação desse gênero.

Os gêneros digitais, portanto, trata-se de algo em franco

desenvolvimento em virtude do uso cada vez mais generalizado. Apesar de

apresentar particularidades formais e funcionais, observam-se características

de gêneros já existentes, fazendo, inclusive, com que se repense na relação

entre a oralidade e a escrita para a sociedade, uma vez que a tecnologia

permitiu transmutar, da oralidade, situações de conversação cotidiana, como é

o caso do “bate-papo” na web, criando-se, assim, um gênero digital.

Os documentos dos PCNs insistem sobre a necessidade de a escola

formar leitores e escritores alertando para que esta procure ultrapassar os

46

limites estreitos de suas práticas, exclusivamente escolares, conhecendo e

compartilhando da diversidade textual vivenciada por seus alunos.

A seleção dos objetivos de ensino e a elaboração do projeto educativo

estão submetidas às possibilidades e às necessidades de aprendizagem,que

devem ser determinadas pelo professor, por meio de uma avaliação do

desenvolvimento real de seus alunos.

Ainda sobre a aprendizagem, é preciso colocar que esta se dá pela

mediação simbólica entre professor e aluno e, portanto, deve-se refletir sobre

os processos interativos e a qualidade destes em sala de aula.

2.3 A PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO TECNOLÓGICO PARA O

ENSINO À VIDA

Paulo Freire (2006, p.41), em Pedagogia da Autonomia, aponta o quanto

é importante às relações interpessoais, em um processo de ensino e de

aprendizagem:

Umas das tarefas mais importantes da prática educativo – crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. [...] a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.

Ainda na mesma obra, o autor afirma “saber que ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua

construção.” (p.47).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio-PCNEMs (2000)

orientam o professor na busca de novas abordagens e metodologias, visando o

aprimoramento de competências e habilidades do jovem, para inserção na vida

adulta, e não mais de uma prática de um ensino compartimentado, fora do

contexto atual. Observa-se em seu texto: “A formação do aluno deve ter como

alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica

47

e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de

atuação” (p.5).

O Ensino Médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter

geral, afinada com a o momento cotidiano, com a construção de competências

básicas que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e

participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como

sujeito crítico e consciente de sua função social.

Quanto ao papel da educação na sociedade tecnológica, os PCNEMs

apontam que “nas próximas décadas, a educação vá se transformar mais

rapidamente do que em muitas outras, em função de uma nova compreensão

teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas

tecnologias.” (2000, p.4).

A escola pode valer-se de tecnologias largamente utilizadas fora dela,

visando promover passos metodológicos importantes para um efetivo processo

de ensino e de aprendizagem. Inclusive, deve utilizar a tecnologia como uma

ferramenta essencial em projetos de produção de textos que requeiram

publicação em suporte que permita maior circulação social.

Projetos que envolvam tecnologia e linguagem ampliam as

competências textuais dos alunos, já que cada suporte demanda elementos

expressivos próprios da linguagem que os caracteriza.

Se, na sala de aula, o estudante analisa, compara, produz textos com os

quais convivem fora da escola, as relações ocorridas entre os conteúdos

disciplinares e sua vivência tornam-se muito mais significativas. Somente como

leitores e produtores de múltiplos textos os alunos desenvolverão, a contento,

sua competência textual e crítica, de cidadão consciente.

Ao afirmar a necessidade de uma educação que seja capaz de

posicionar o aluno como um cidadão crítico, Paulo Freire (2006, p. 11) reforça:

E aqui devemos todos ser sujeito, solitários, nessa tarefa conjunta, único caminho para a construção de uma sociedade na qual não

48

existirão mais exploradores e explorados, dominantes doando sua palavra opressora a dominados.

Não se pode desconsiderar a dimensão pragmática das atividades de

escrita propostas pela escola. Na perspectiva pedagógica, critica-se o fato de o

aluno escrever para o professor ler, sobre um tema por este definido.

Os princípios mais gerais que orientam a reformulação curricular do

Ensino Médio expressam-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei

9.394/96, em que se verifica como ideia principal relacionar a Educação

Escolar à prática social e ao mundo do trabalho, reforçando os dois objetivos

da escola: preparar o aluno para o trabalho (mundo do trabalho) e para o

convívio social (prática social).

Em seus dois incisos do parágrafo 1º do artigo 36,incluídos pela Lei nº

11.741, de 2008, a LDB (http://www.planalto.gov.br/acesso em 27.12.2011) indica que

os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de

maneira que ao final do ensino médio o educando demonstre:“I - domínio dos

princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II -

conhecimento das formas contemporâneas de linguagem”.

Se os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação forem

organizados de acordo com o que propõe a LDB, ao final do Ensino Médio o

aluno demonstrará o que se especifica nos dois incisos e, assim, a escola

formará alunos competentes para o trabalho, para o prosseguimento dos

estudos e, sobretudo para a cidadania, tornando-os cidadãos críticos.

O uso de tecnologia é uma prática que pode tornar o processo de ensino

e aprendizagem, em especial para a prática social, mais eficiente e eficaz, no

entanto, há ainda alguma resistência, em função da convicção de que o papel

da escola em todos os níveis é o de educar seus alunos, entendo por educação

a transmissão de um conjunto organizado e sistematizado de conhecimentos

de diversas áreas, desde a alfabetização, passando por matemática, ciências,

história, geografia, física – exigindo deles a memorização das informações

49

quelhes são passadas e suas reproduções nas provas e avaliações. (DEMO,

2011).

No entanto, conforme critica Demo (2011) a escola tem a função de

ensinar e educar para a vida, entendendo por ensino a organização de uma

série de atividades para ajudar o aluno a compreender determinadas áreas do

conhecimento. E, como educação, o foco em ajudar o aluno a integrar ensino e

vida, conhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade.

Educar é ajudar a integrar todas as dimensões da vida.

Sem dúvida, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) são

fundamentais no processo de ensino e de aprendizagem para inserção do

aluno à vida adulta, pois transformam não só a maneira de comunicação, mas,

também de trabalho, de decisão e de pensamento. Segundo Philippe

Perrenoud, em 10 Novas Competências para Ensinar:

Formar para as tecnologias é formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias de comunicação. É evidente que o progresso das tecnologias oferece novos campos de desenvolvimento a essas competências fundamentais. (2000, p. 134)

É fato, amplamente reconhecido, que esta sociedade atual é intensiva

de conhecimento e aprendizagem, em particular porque dispõe de tecnologias

avançadas que devem invadir, inclusive, o campo da educação. Portanto, não

deve haver um distanciamento entre a pedagogia e as tecnologias em

educação.

No entanto, em Formação Permanente e Tecnologias Educacionais,

Pedro Demo, utiliza-se de Larrosa ao afirmar:

[...] é gritante o problema da pedagogia, porque se encontra em descompasso visível: não estuda a questão, não sabe lidar com ela, não avança das teorias da aprendizagem, persiste no instrucionismo mais rasteiro, e com isso não consegue acompanhar a velocidade tecnológica (2011, p.48).

50

Os computadores estão inseridos em variados contextos, dentre eles o

familiar, o profissional e o social. Portanto, é papel da escola inseri-lo no

processo de ensino e de aprendizagem, de forma que possa desenvolver, no

aluno, o uso crítico desse equipamento em suas diversas possibilidades de

contexto e de funções.

Para que se cumpra, efetivamente, o indicado nos textos legais, os

professores devem buscar por uma nova prática, com mudanças didáticas e

pedagógicas em diferentes níveis, contra uma prática de ensino considerada

tradicional.

Paulo Freire (2006, p.39), em Pedagogia da Autonomia, afirma:

[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática.

A escola deve promover a formação permanente do corpo docente,

sabendo-se que esta trata de um processo que não começa e não acaba, está

sempre em andamento e representando muito mais de o manejo de

informações com o repasse de conhecimento, visto como mero instrucionismo,

que, segundo DEMO (2011, p.49).

Deve ser entendido como aquela didática reprodutivista que conserva o aluno como objeto da sucata do conhecimento. O aluno não vai para a escola para escutar aula, mas para aprender, reconstruir conhecimento, exercitar habilidade de elaborar textos próprios, burilar a capacidade de argumentar e contraargumentar, em nome da autonomia possível.

Para isso, porém, é preciso que o aluno encontre, no contexto

acadêmico, um professor aprendiz, não que apenas dê aula, mas, sendo autor,

tenha algo de reconstruído a oferecer e, dessa forma, faça com que o aluno

constitua-se como sujeito capaz de construir sua história própria.

51

Portanto, a formação permanente do professor deve ser entendida não

apenas como o pleno domínio de uma enormidade de conteúdos, mas

também, com a condição de saber inovar esses conteúdos pela e para a vida.

Significa, ao professor, a competência de ir se fazendo, desfazendo e

refazendo a vida toda, sem fim, com o objetivo maior de desenvolvimento

pessoal e social, e não apenas de reprodução de conteúdos. (DEMO, 2011)

Esse desenvolvimento vincula-se, no concreto, a hábitos de

aprendizagem que unem teoria e prática, como ler constantemente, buscar

informação atualizada, manter-se aberto a novas ideias, ao ato de pesquisar e

de elaborar. O valor do professor está em sua prática concreta, na qual mostra

o que sabe e se sabe fazer com que outros também saibam.

Dessa maneira, pode-se desenvolver no aluno a capacidade de pensar

sobre aquilo que sabe, para poder questionar. Não se trata de conhecer para

afirmar, confirmar, mas, sim, para questionar, para duvidar e para pesquisar. A

habilidade de saber pensar é crucial, tanto para que se saiba a realidade,

quanto para que nela intervenha de maneira alternativa. (FREIRE, 2006).

À medida que sabe entender suas circunstâncias históricas e naturais e

nelas intervir com sabedoria e conhecimento, o homem ganha qualidade

“humana”. Paulo Freire (1991, p.61) resume esse pensamento com a ideia de

“ler a realidade”. Essa qualidade humana é o sentido e a matéria-prima da

democracia, da sociedade igualitária, dos direitos humanos, da convivência

solidária possível, de futuros sustentáveis.

O professor precisa gestar um mestre, desfazendo-se a distinção

acadêmica entre professor e aluno, uma vez que ao primeiro cabe o papel de

guia da aprendizagem, mas ambos não fazem mais que aprender juntos.

(GÓES, 1996).

Reforça-se, nessa ideia, a qualidade da educação está nos fins, ou seja,

na prática do professor que deve ter consciência e discernimento de uso de

todos os meios que podem e devem usar para chegar ao seu objetivo.

52

Nesse ponto, a tecnologia garante acesso cada vez maior ao mundo da

informação. No entanto, como é sabido, a informação não é, em si,

aprendizagem e conhecimento, mas, certamente, um meio interessante e

inovador, que o aluno utiliza em seu dia a dia.

Do ponto de vista pedagógico, é importante insistir na intencionalidade

constitutiva do ensino, remetendo sempre para além dos materiais, das mídias,

para os sentidos de sua utilização, para a sua inscrição em um projeto

educativo. A presença de tecnologias na área de Língua Portuguesa, tendo em

vista a linguagem, a leitura, à produção textual, é condição desejável, talvez

não suficiente para a promoção de diferenças qualitativas nas práticas

pedagógicas concretas, mas, certamente uma necessidade.

Embora pareça uma dicotomia, a escola torna-se mais humana na

medida em que introduz tecnologia, pois dá ao aluno a capacidade de

compreender e dominar a máquina, proporcionando-lhe a interação social em

um meio extremamente atual.

No dia a dia do jovem, aluno de Ensino Médio, não se pode

desconsiderar a forte presença da tecnologia, em especial das redes sociais,

como forma de interação social e uso da linguagem. Portanto, é preciso

associar tais suportes às práticas acadêmicas e capacitar os alunos a olhar e

utilizar mais critica e seletivamente o universo digital, ou seja, é preciso “letra

digitalmente” (XAVIER, 2010, p.1) essa nova geração de aprendizes já que “os

suportes digitais, as redes, os hipertextos são, a partir de agora, as tecnologias

intelectuais que a humanidade passará a utilizar para aprender, gerar

informação, ler, interpretar a realidade e transformá‐la” (RAMAL, 2002, p.14).

Ao utilizar as tecnologias digitais em sua prática pedagógica, o professor

não estará apenas adequando o ensino às novas exigências da sociedade,

mas, também, voltando-se para a promoção de um ensino que valoriza e

favorece a participação ativa dos alunos e para realização de uma

aprendizagem significativa.

O computador e a Internet já fazem parte daquilo que se denomina

‘capital cultural’ (BOURDIEU, 2001) dos alunos, em especial de Ensino Médio.

53

No entanto, para não reforçar o conceito de que os detentores de ‘capital cultural’

herdado ou possibilitado, estarão à frente daqueles que são dele desprovidos,

o professor deve estar a par do contexto cultural de seus alunos, criando

possibilidades para as próprias produções destes e da construção do

conhecimento, para permitir àqueles que ainda não tiveram acesso à cultura

digital, a possibilidade de apropriar‐se desse novo saber. O funcionamento da

escola e a sua articulação com a sociedade global devem confluir para que não

se reforcem, dentro do processo de ensino e de aprendizagem, a

indissociabilidade entre reprodução social e reprodução cultural.

O professor precisa saber desconstruir e reconstruir o contexto

tecnológico para utilizá-lo como ferramenta, sabendo que os procedimentos

tecnológicos, cada vez mais modernos e inovadores, não substituem os

esforços da elaboração própria. As mídias não devem ser usadas para,

simplesmente, aprimorar o instrucionismo; em especial, no Ensino Médio,

quando se deve desenvolver a habilidade de aprender e não a mera

reprodução de conceitos.

2.4 O TWITTER NA PRÁTICA INTERACIONISTA PARA A PRODUÇÃO

ESCRITA

O uso das tecnologias de informação e de comunicação no ensino, além

de enriquecer metodologicamente as aulas de Língua Portuguesa, pode

resgatar e valorizar conhecimentos e habilidades que os alunos já possuem

que servirão de ponte para a aquisição de novos conteúdos, por meio de um

ensino e uma aprendizagem mais contextualizada e significativa, possibilitando,

ainda, um trabalho pedagógico voltado para a reflexão acerca de tais

tecnologias e de suas práticas discursivas.

Em termos educacionais, a rede social Twitter pode ser utilizada como

um espaço de escrita colaborativa, criando e desenvolvendo textos, que serão

postados para outros interlocutores, além da escola.

Estas atividades podem possibilitar aos alunos a prática de pensar e

refletir sobre sua própria aprendizagem, como uma atividade metacognitiva,

54

além de aprimorar sua competência comunicativa, já que nesse suporte

tecnológico, Twitter,há uma relação sincrônica na forma de comunicação,

exclusivamente escrita. Além disso, como é necessário até 140 caracteres para

a mensagem, o poder de síntese e de criatividade linguística são habilidades

requisitas para este fim.

O Twitter tornou-se uma plataforma das redes sociais bastante

difundidas entre os adolescentes. A utilização desse suporte tecnológico nas

aulas de Língua Portuguesa motivará o aluno e o fará se sentir como

protagonista no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que muitos já

utilizam e alguns dominam essa ferramenta na produção de seus textos em

seu cotidiano, fora da situação escolar. Além disso, a possibilidade de ter seu

texto, seu tuite, comentado por um interlocutor que não seja o seu professor,

faz com que essa produção ganhe ainda mais relevância, mais importância no

processo acadêmico, pois ultrapassará os muros da escola.

Cumpre-se, assim, a verdadeira função da escola: proporcionar, ao

aluno, ensino e educação. O ensino, por meio de atividades organizadas que

atentem à questão da polissemia na linguagem, e, a educação, integrando o

ensino à vida, à medida que inclui, no espaço acadêmico, uma ferramenta,

amplamente, utilizada pelos jovens para a produção de seus textos no dia a

dia.

Segundo José Manuel Moran (2000, p. 23), em Novas tecnologias e

mediação pedagógica:

Aprendemos quando descobrimos novas dimensões de significação que antes nos escapavam, quando vamos ampliando o círculo de compreensão do que nos rodeia, quando, como numa cebola, vamos descascando novas camadas que antes permaneciam ocultas à nossa percepção, o que nos faz perceber de uma outra forma. Aprendemos mais quando estabelecemos pontes entre a reflexão e a ação, entre a experiência e a conceituação, entre a teoria e a prática; quando ambas se alimentam mutuamente.

A proposta de produção textual com a utilização da plataforma Twitter,

não pretende apenas explicar e mostrar, mas buscar o fazer. Para isso, o aluno

deverá criar analisar e refletir sobre a sua produção, para que ela cumpra sua

55

função de forma eficiente, levando todos os interlocutores que terão acesso a

ela a compreendê-la.

O tema não é apenas o Twitter ou a polissemia, mas a comunicação, a

cultura, a escrita e, nesse caso, sem desconsiderar a força de interação que as

redes sociais tomaram entre os jovens a partir do século XX.

Natalia Zuazo, pesquisadora da Universidade Nacional de La Plata, na

Argentina, pioneira na investigação das possibilidades didáticas sobre o uso do

Twitter como ferramenta pedagógica para trabalhar a produção de textos,

afirma que:

Os novos discursos são construções, na maioria das vezes, baseadas em identidades prévias, das quais nos apropriamos e as modificamos para criar algo novo, mas nunca é completamente novo. Da mesma forma que uma carta e um email são duas variedades do gênero epistolar e um blog pode ser uma variação do gênero diário, da autobiografia ou até mesmo do ensaio, um tuíte é um microrrelato construído em uma nova plataforma, que permite outras possibilidades de interação. (http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/entrevista-natalia-mirta-twitter-627845.shtml?page=1# 2009, p.12 - 27)

Os gêneros emergentes com a tecnologia são relativamente variados,

mas a maioria tem similares em outros ambientes, tanto na oralidade como na

escrita. Na sociedade da informação, a Internet é uma espécie de protótipo de

novas formas de comportamento comunicativo. Se bem aproveitada, ela pode

tornar-se um meio eficaz de lidar com as novas práticas interacionistas da

linguagem.

Segundo Marcuschi (2010, p.16)

Parte do sucesso da tecnologia deve-se ao fato de reunir em um só meio várias formas de expressão, tais como texto, som, imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. A rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística aceleram a penetração entre as demais práticas sociais.

56

Considerando a penetração e o papel da tecnologia digital na sociedade

contemporânea e as novas formas de comunicação, é fundamental pensar

nessa tecnologia de maneira menos tecnicista e mais sócio-histórica. Essa

visão já aparece claramente nos textos oficiais sobre ensino e educação, que

apontam a abordagem acadêmica sobre e-mail, blog, chat e outros gêneros

digitais.

Sobre tal questão, Marcuschi (2010, pp.19-20) expõe:

Certamente, não será fácil dar uma noção clara sobre tema tão complexo a respeito do qual, desde a década passada, proliferam as publicações. Já se pode indagar se a escola deverá amanhã ocupar-se de como se produz um e-mail e outros gêneros do “ discurso eletrônico” ou pode a escola tranquilamente continuar analisando como se escrevem cartas pessoais, bilhetes e como se produz uma conversação. Também se pode indagar se o modelo de interação face a face, proposto por Sacks, Schegloff e Jefferson nos anos 70, já deve ser revisto em alguns pontos essenciais. Quanto à escola, a resposta já está nos novos manuais didáticos do ensino fundamental que trazem reflexões sobre e-mail, blog, chat e outros gêneros. E quanto ao modelo conversacional, seguramente algumas revisões já estão sendo feitas.

Embora não se possam desconsiderar alguns aspectos importantes com

relação ao efeito da Internet na linguagem, em especial, com relação ao uso e

à natureza enunciativa da linguagem e aos gêneros realizados,

sãoincontestáveis que todos os gêneros ligados à Internet são eventos textuais

baseados na escrita, que continua essencial apesar da integração da imagem e

som.

A tecnologia, em especial com o surgimento da Internet, redefiniu uma

imensa rede social, virtual, que liga os mais diversos indivíduos pelas mais

diversificadas formas em uma velocidade espantosa. Isso dá uma nova noção

de interação social, trazendo para reflexão uma nova forma de uso tanto da

língua na escrita quanto da prática interativa.

57

Capítulo 3 - Polissemia e Homonímia: entre as questões

teóricas e a aplicação em ambiente escolar e social.

“A ampliação do sentido (das palavras) é um fenômeno normal, que deve ter seu lugar em todos os povos cuja vida é intensa e cujo pensamento é ativo.”

Michel Bréal

3.1 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO PARA A EFICÁCIA NO PROCESSO DE

INTERAÇÃO

A linguagem humana é uma das formas de comunicação responsável

pela troca de ideias entre as pessoas. São experiências individuais e culturais,

conhecimentos, pontos de vistas que se veiculam pela linguagem humana,

codificada por meio de palavras, frases, textos. Para compreensão das

mensagens, é fundamental um conhecimento do léxico que garanta a interação

eficiente entre os falantes.

O conhecimento do vocabulário faz parte das habilidades linguísticas do

ser humano, dentre eles, o aluno e, como tal, deve ser discutido, trabalhado e,

inclusive, ensinado.

“As palavras são o revestimento das ideias” (GARCIA, 1986, p.155) e,

sem elas, é impossível pensar. Segundo Adam Schaff, em Introdução à

Semântica, utilizado por Garcia (1986, p.155) “não há pensar a não ser em

termos de linguagem.”.

Pressupõe-se, desse modo, quanto ao repertório linguístico do aluno

que, quanto mais este dispuser de conhecimento de palavras suficientes e

adequadas à expressão do pensamento, melhores condições terão de

assimilar conceitos, de refletir e julgar, do que outros que apresentem um

acervo insuficiente para a comunicação. (LEAL, 2007).

58

Para Émile Benveniste (1975, p.64), em Problèmes de

linguistiquegénérale, “A forma linguística é (pois) não apenas a condição da

transmissibilidade do pensamento, mas também, acima de tudo, a condição de

realização do pensamento.”.

Portanto, um pequeno domínio vocabular, pode chegar a impedir o

próprio desenvolvimento mental, tornando, inclusive, o aluno incapaz de

compreender e de reproduzir, oral ou por escrito, suas impressões e suas

concepções, em variadas situações de interação.

No entanto, não basta apenas um amplo repertório vocabular para se ter

uma comunicação eficiente. É necessário, entre outras coisas, que o aluno seja

capaz de reconhecer o significado10, sentido, ou sentidos, de cada palavra em

seu contexto, já que se pode ter uma palavra com diferentes significados,

aplicada a diferentes contextos.

Alguns linguistas, como Ferdinand Sausurre, defendem que o significado

está associado a uma representação mental; outros, que a noção de

significado está associada à referenciação, ou seja, à ligação entre as

expressões linguísticas e o mundo.

3.1.1SEMÂNTICA – OS SIGNIFICADOS NOS TEXTOS

A relação de referenciação é estabelecida entre uma expressão

linguística e um objeto no mundo. De acordo com essa concepção, o

significado de uma palavra pode ser explicado em termos de relação entre a

palavra e o (s) objeto(s) a que esta se refere, no entanto, usar somente a

noção de referência seria uma maneira ingênua e não eficaz de abordar a

questão do significado (CANÇADO, 2008).

Pode-se pensar na abordagem referencial como uma teoria precursora

que foi ampliada com o surgimento de outras teorias: a semântica cognitiva e a

10

Para Sausurre(1995) o signo linguístico, a palavra, une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho dos sentidos. O conceito é denominado de significado e a imagem acústica, de significante.

59

abordagem pragmática, que se estabeleceram na tentativa de solucionar

problemas ou propondo outros modelos para a semântica da referenciação.

Para Frege (apud CANÇADO, 2008, p.81) “a referenciação de um nome

é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que

dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e outra está o sentido, na

verdade, não é tão subjetivo quanto à representação, mas também, não é o

próprio objeto”.

As expressões não somente estabelecem uma relação de referência

com o mundo, mas, ainda, possuem um sentido. A referência é a identidade

apontada por uma expressão linguística, em determinado contexto de uso. O

sentido é o modo no qual a referenciação é apresentada, ou seja, o modo

como uma expressão linguísticarepresenta, para os interlocutores, aquilo que

ela nomeia.

Segundo a mesma autora, Márcia Cançado, uma teoria semântica que

lide com a noção de referência deve incluir, necessariamente, o conceito de

sentido ao tentar explicar o significado das expressões de uma língua.

Portanto, dentro dessa perspectiva, o significado de uma expressão

linguística é construído a partir das estruturas conceituais convencionalizadas,

ou seja, das categoriais mentais formadas a partir da experiência de crescer e

de agir, de cada um, no mundo. Desse processo de categorização do mundo a

partir das experiências individuais (processo mentais) pode surgir a metáfora11,

vista pela semântica cognitiva/ mentalista, como sendo uma maneira relevante

de se pensar e falar sobre o mundo, mas sem desconsiderar a existência dos

significados não metafóricos. Segundo Lakoff, (CANÇADO, 2008, p.98).

As metáforas nos permitem entender um domínio de experiências em termos de outro. Para existir essa função, devem existir alguns tipos de conceitos básicos, alguns tipos de conceito que não são entendidos de uma maneira totalmente metafórica, para servirem de domínio de fonte.

11

“‘metáfora’:a visão de uma similitude entre dois objetos, dois atos.” (BRÉAL, 1992, p. 91)

60

Michel Bréal, em Ensaio de Semântica (1992, p.76), afirma que “uma

vez criadas e providas de certo sentido, (as palavras) são levadas a restringi-lo,

a estendê-lo, a transportá-lo de uma ordem de ideias para outra, a elevá-lo ou

rebaixá-lo em dignidade, em resumo, a mudá-lo”. Assim sendo, as palavras

podem ter seu sentido restringido ou, ainda, ampliado, sendo esse processo,

portanto, de extrema importância ao falante da Língua Portuguesa, que precisa

garantir, para eficiência de seu discurso, o conhecimento de um amplo

repertório e a consciência desse processo.

Ainda segundo Bréal, algumas metáforas incorporam-se à língua, de

modo que, depois de algum tempo tornam-se uma representação da ideia

apenas “mais colorida que a própria palavra.” (1992, p.91).

Tal fato explica, portanto, o excesso de expressões metafóricas, em

diferentes gêneros textuais. Sobre esse aspecto, na linguagem, Cançado

(2008, p.97) afirma:

A metáfora tem sido vista, tradicionalmente, como a forma mais importante de linguagem figurativa e atinge o seu maior uso na linguagem literária e poética. Entretanto, é comum achar em textos científicos, jornalísticos, publicitários e, mesmo na nossa linguagem do dia a dia.

3.1.2 A METÁFORA EM DIFERENTES TEXTOS

Reafirmando e exemplificando o pensamento de Bréal e Cançado, pode-

se buscar a construção metafórica na fala do ex- presidente da República, Luís

Inácio Lula da Silva, em notícia veiculada pelo jornal, Folha de São Paulo, em

29.06.2010:

Lula afirma que ajudará América Latina, Caribe e África quando deixar Presidência. Em artigo publicado hoje no jornal britânico "Financial Times", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que, após deixar a Presidência da República, pretende desenvolver ações que ajudem países da América Latina, do Caribe e a África. [...] No artigo, intitulado "O destino de uma nação", Lula classificou o Brasil como "uma ilha de prosperidade" e disse que o país deve

61

contribuir para livrar o mundo da fome, da pobreza e da injustiça social. "O Brasil tem muita experiência que pode ser dividida. Não podemos ser uma ilha de prosperidade cercada por um mar de pobreza e injustiça social", disse ele. "Quero continuar os esforços que meu governo fez para criar um mundo multilateral e multipolar que seja livre da fome e da pobreza". http://www1.folha.uol.com.br/. Acessado em 24.04.2012

Quando o ex-presidente refere-se ao país como uma ilha, não se trata

de um conceito geográfico que, segundo os dicionaristas refere-se, em um

primeiro sentido a:

“uma porção de terra não tão extensa quanto um continente e cercada

de água por todos os lados” (http://www.houaiss.uol.com.br/busca.

Acessado em 24.04.2012).

“Espaço de terra cercado de água por todos os lados.”

(http://www.priberam.pt/DLPO. Acessado em 22.06.2012).

“Porção de terra cercada de água por todos os lados.”

(http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index. Acessado em

22.06.2012).

No caso da fala do ex-presidente, publicada pela Folha de S.Paulo, a

palavra foi utilizada a partir de uma associação de ideias, estabelecendo-se

uma comparação. Em função de seu caráter geográfico, atribui-se à ilha a

condição de isolamento e, nesse contexto, a expressão linguística refere-se ao

isolamento econômico do país em relação aos demais. O sentido que o autor

atribuiu ao país, nesse contexto, associando-o a uma ilha, procurou evidenciar

o apoio e a ajuda financeira do Brasil aos países em crise econômica,

indicando que o país não se manterá isolado em seu crescimento econômico,

alheio às dificuldades financeiras dos demais. A ampliação de sentido da

expressão linguística “ilha” nesse contexto, não se trata de algo original, de

autoria do ex-presidente. Tal sentido já faz parte de uso da linguagem, sendo

recorrente na linguagem política e jornalística, portanto, já consta dos mesmos

dicionários como:

62

“aquilo que, por seu isolamento ou incomunicabilidade em relação ao

que o cerca, se assemelha a uma ilha.”

“aquilo que se torna isolado”

“Objeto completamente isolado”

Como já destacado, segundo Brèal (1992), esse é um caso em que a

metáfora foi incorporada à linguagem corrente, apenas como outra forma de se

dizer algo.

Para análise da expressão “ilha” nesse contexto, parte-se da semântica

referencial e da representação mental para a extensão de significado da

palavra. A partir de uma estrutura significativa, a acepção dada à palavra pode

ser entendida como uma ampliação do conceito do sentido referencial.

Nesse contexto, ainda, para mensurar a condição paupérrima de vários

países, o autor associa a pobreza ao mar, relacionando-os por meio da

similaridade de suas dimensões. No caso do mar, a extensão geográfica; no

caso da pobreza, procurou-se mensurar, com essa construção, a proporção da

condição miserável em que se encontram os países em crise econômica.

A ampliação de sentido das palavras trata-se de um processo natural da

língua, deve-se, portanto, dar a devida importância ao reconhecimento desses

sentidos, visto haver diversas produções discursivas em que a palavra deve ser

compreendida, considerada com as suas várias possibilidades de sentido para

que haja a efetiva compreensão textual.

Não se fala por palavras ou signos, fala-se por textos, cujo plano da

expressão apresenta dimensões variáveis, mas deve-se distinguir entre os

múltiplos sentidos que uma palavra possui enquanto unidade léxica, para que,

a partir daí, possa-se identificar o sentido que a palavra adquire quando

utilizada em um determinado contexto.

Em um primeiro momento, ao buscar a significação da palavra, faz-se

um estudo da Língua; ao analisá-la dentro de um contexto, faz-se de um

63

estudo da Linguagem. Tal processo é essencial para o desenvolvimento da

competência linguística dos falantes de uma língua e, em especial, dos alunos.

O domínio do sentido original de uma expressão linguística, como já

mencionado, contribui para que se possa compreendê-la em seu sentido

metafórico. A palavra tem um significado (básico, inerente) e as suas várias

acepções derivam dele, portanto o dicionário, que corresponde ao acervo

léxico e cultural de uma dada comunidade (VILELA, 1995), é um instrumento

fundamental para busca da definição e significação de uma palavra, além da

ampliação de vocabulário, metafórico ou não.

Segundo Katz e Fodor (apud LOPES, 1995, p.299), uma teoria

semântica deve incluir um dicionário e uma série de regras de projeção:

O dicionário é algo que se aprende unidade por unidade, memorizando-as, de tal modo que sempre se pode aprender mais. [...] as regras de projeção implicam o exercício da capacidade de codificar e de decodificar a informação linguística [...] seu efeito deve ser o de selecionar o sentido apropriado a cada unidade léxica de uma frase, a fim de permitir as interpretações corretas.

Sobre o dicionário, Dubois (1971, p.11) afirma:

O dicionário não apenas é reflexo da cultura característica de um povo, como também registra o saber científico adquirido por esse povo em determinado momento histórico. Assim, o dicionário é o veículo de acesso a esse saber sociocultural e científico dominante, que deve ser apreendido, adquirido.

Ao buscar Cano (1998, p.206), complementa-se essa ideia quando o

autor conclui:

O dicionário tem, pois, um papel fundamental na transmissão do saber científico, permitindo melhorar a competência comunicativa do usuário da língua, e, dessa maneira, facultar-lhe o acesso a ambientes socialmente distintos.

64

As palavras têm, portanto, poder decisivo para confecção de uma

mensagem eficiente, mas sabe-se que cada unidade lexical não designa ou

aponta apenas uma ideia ou um único sentido.

O dicionário, um dos componentes da teoria semântica (LOBATO,

1977), pode apresentar, para uma dada unidade léxica, sentidos mais

numerosos do que ela possui em uma frase, já que a cada expressão são

incorporados os sentidos que vão sendo adquiridos ao longo de cada época,

em função de diversos fatores. Assim, deve-se selecionar o sentido apropriado

a cada palavra em determinado contexto, a fim de permitir as interpretações

adequadas, de acordo com a estrutura da frase.

A escolha das palavras é extremamente importante para a eficiência

comunicativa. Para uma interação eficaz, é fundamental que haja a seleção

adequada de palavras empregadas pelo enunciador, além do conhecimento

vocabular e da competência de compreensão do enunciatário. Nesse processo,

tanto o enunciador quanto o enunciatário devem ter conhecimento das

possibilidades de plurissignificação das palavras.

O conhecimento e a seleção vocabular mostram-se fundamentais na

hora de produzir um texto oral ou escrito. Drummond, poeta brasileiro do século

XX, comparou essa escolha a uma luta, demonstrando quão árdua é a tarefa

de selecionar os vocábulos a serem utilizados pelo autor. Seus versos

explicitam: “Lutar com as palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe

a manhã” (DRUMMOND, 1992, p. 182).

Para Márcia Cançado, (2008, p.19) em Manual de Semântica,

[...] uma teoria semântica deve, em relação a qualquer língua, ser

capaz de atribuir a cada palavra e a cada sentença12

o significado (ou

significados) que lhe(s) é (são) associado(s) nessa língua. No caso das palavras, isso significa essencialmente escrever um dicionário. No caso das sentenças, o problema é outro.

12

“Sentença pode ser definida, sintaticamente, pela presença de um verbo principal conjugado e, semanticamente, pela expressão de um pensamento completo.”(OLIVEIRA, 2001, p.99).

65

A significação adequada de cada palavra deve levar em conta a sua

situação de uso, pois é também o contexto que lhe atribui um determinado

valor, dentre tantos que podem ser suscetíveis. Toda forma linguística é

enunciada em um contexto e, nem sempre é claro se o significado dessas

formas é independente do contexto situacional em que são utilizadas (ILARI e

GERALDI, 2000).

A investigação linguística do significado das palavras interage com o

estudo de outros processos cognitivos, como fatores extralinguísticos

relacionados ao campo da prosódia: entonação, expressão facial, gestos.

Alguns aspectos do significado são explicados em termos de teorias da ação,

ou seja, de uma teoria pragmática, como, por exemplo, as teorias de atos de

fala. Tais teorias podem ajudar a explicar como as pessoas fazem para

significar mais do que simplesmente está dito, através da investigação das

ações intencionais dos falantes.

Para se chegar ao significado adequado de uma sentença, levam-se em

conta, as experiências dos interlocutores, suas intenções e conhecimento

sobre o mundo. Esses aspectos dos significados encontram-se fora do estudo

de uma teoria semântica:

Pode ser pensada como a explicação de aspectos de interpretação que dependem exclusivamente do sistema da língua e não de como as pessoas a colocam em uso, em outros termos, podemos dizer que a semântica lida com a interpretação das expressões linguísticas, com o que permanece constante quando uma expressão é proferida (CANÇADO, 2008, p.15).

A pragmática, por sua vez, refere-se à atenção, ao que é dito em

determinado contexto, observa os usos situados da língua e lida com certos

tipos de efeitos intencionais. No entanto, ainda segundo a mesma autora, “nem

sempre é tão clara essa divisão, pois nem sempre se consegue precisar o que

está no terreno da semântica e o que está no terreno da pragmática”. (2008,

p.17)

Ducrot (apud LOPES, 1995) afirma que não existe na realidade nenhum

enunciado que ocorra extra contexto. Para ele, a descrição semântica de um

66

enunciado inclui, além de fatores linguísticos, os fatores que participam das

circunstâncias de manifestação dos enunciados. Ou seja, em um primeiro

momento pode-se compreender o enunciado a partir do componente

linguístico, independente de qualquer contexto; em um segundo momento, o

componente retórico incide sobre o componente linguístico a significação

efetiva do enunciado.

Seguindo a teoria de Ducrot, Mário A. Perini (2000, p. 44-5), em Para

uma Nova Gramática do Português, afirma:

Temos duas camadas de significado: o significado literal, que não depende da situação concreta em que a frase é enunciada; [...] e o significado final, que depende, para sua depreensão, não apenas da análise da expressão linguística, mas ainda de se levarem em conta fatores extralinguísticos, tais como a situação de comunicação.

Pode-se constatar a ideia de Perini, fundamentada em Ducrot, por meio

da composição de Thomate;

(http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/04/416272.shtml. Acesso em

11.04.2012).

Na charge “Redução da maioridade penal”, assunto gerador polêmica na

época de sua publicação (2008), podem-se identificar, conforme Perini (2000),

as duas camadas de significados das palavras: o significado literal e o

significado final.

67

Levando-se em conta que a situação contextual trata-se de uma revista

policial, ao ler- se a expressão “limpos”, dita por um policial executador dessa

revista, pode-se entender, com essa expressão, que as pessoas que estão

sendo revistadas, no caso crianças, estão livres de qualquer objeto ou atitude

que comprometa sua integridade. Tem-se, nesse caso, a compreensão da

charge a partir do significado final, já que se levou em consideração, para sua

depreensão, não apenas a análise da expressão linguística, mas também, os

fatores extralinguísticos.

No entanto, a charge também explora o significado literal da expressão

“limpos”. Ao se observar o policial com as mãos sujas, deve-se considerar,

dentre as duas camadas de significado, o sentido literal da palavra “limpos”:

“aquilo que está isento de qualquer sujidade, impureza ou mancha” (Hoauiss).

A situação de comunicação permite identificar qual é o significado adequado

que se deva atribuir à expressão quando proferida por cada policial.

Parte-se de uma abordagem referencial para a compreensão da charge

ao se observar o policial com suas mãos sujas, referindo-se à postura

diferenciada da terceira criança revistada, o que pode ser comprovado,

inclusive pela sua fralda e a sua expressão facial.

Já, quanto ao primeiro policial, afirma que as crianças revistadas estão

limpas, tem-se a metáfora “estar limpo” como uma extensão do sentido de

limpeza, relacionado à integridade e à índole dos indivíduos e não à condição

de higiene.

Nessa charge, tem-se a expressão “limpos” como o componente

linguísticoque atribui uma significação exclusivamente linguística ao enunciado,

68

indicando algo que não apresenta boas condições de higiene. Já, nas

circunstâncias do contexto, em que em uma revista o policial menciona a

mesma expressão, tem-se outro sentido, ampliado para a significação do

componente retórico.

Sobre a significação das palavras, Perini (2000, p.45-6) afirma tratar-se

de uma questão extremamente controversa, não existindo, em sua opinião,

uma solução satisfatória. Assim, aponta

Há duas maneiras de encarar a relação entre significado literal e o significado final de uma sentença: (a) podemos admitir que o significado literal é básico, e que o significado final é computado a partir do literal, mais certos traços do contexto extralinguístico. “Ou então(b) negar a existência de significados literais em oposição a finais, isto é, negar que uma expressão linguística possa ter seu significado próprio independente do contexto.”

Na análise da charge, composta por textos verbal e visual, os aspectos

visuais são fundamentais para eliminar a possibilidade de dupla interpretação,

que, nesse contexto, incide sobre o item lexical “limpos”. A ambiguidade lexical

é gerada por dois fenômenos linguísticos: a homonímia e a polissemia.

Os dicionários podem apresentar dois verbetes ou mais, com

significados distintos, ou apenas um verbete com diversas acepções. De

acordo com Margarita Correia, em artigo, que trata da homonímia e da

polissemia, publicado na Revista Palavras,

(http://www.iltec.pt/pdf/wpapers/2000-mcorreia. Acesso em 28.04.2012),

entende-se que caso se trate de mais de um étimo, vocábulo primitivo que dá

origem a outros, e haja, no caso de dois ou mais verbetes, a impossibilidade de

contiguidade semântica entre as acepções, está-se, segundo o critério

etimológico-semântico, diante de um caso de homonímia. Do contrário, ou seja,

estando-se diante de um único étimo e acepções que podem vincular-se

semanticamente, tratar-se-á de um caso de polissemia.

69

3.1.3 A POLISSEMIA E A HOMONÍNIA – CONVERGÊNCIA CONCEITUAL

A polissemia pode dar-se a partir de uma perspectiva de referenciação

ou também ocorrer por meio da expansão metafórica das expressões

linguísticas (BRÉAL, 1992). Enfim, trata-se de um processo intelectual e social

da língua e, portanto, do qual o falante deve ter conhecimento, já que o fato de

um termo acumular mais de um significado pode atribuir ao texto, determinados

efeitos de sentido.

Valendo-se de Sweetser e Heine, busca-se Cançado (2008, p. 102) para

resgatar tema já discutido:

[...] a metáfora, que é um tipo de estrutura cognitiva, é vista como condutora das mudanças lexicais e fornecedora da chave para entender a criação da polissemia e do fenômeno de trocas semânticas.

No entanto, há, segundo alguns teóricos, uma grande dificuldade de

distinção entre polissemia e homonímia das palavras. A polissemia é uma das

questões semânticas, definida como o estudo da relação de sentido das

palavras em uma construção gramatical. (ILARI e GERALDI, 2000).

Em Polissemia e Campo Semântico – estudo aplicado aos verbos de

movimento, Gládis Knah Rehfeldt (1980, p.115) apresenta definições de

diferentes autores para polissemia. Dentre eles, a autora busca Franscico da

Silva Borba, autor de Pequeno Vocabulário de Linguística Moderna, onde

determina que “polissemia é a pluralidade significativa de um mesmo

significante, dependendo do contexto e da situação”.

A autora recorre (1980), também a Vendryes, em sua obra La langage,

afirmando que por polissemia deve-se entender a faculdade que têm as

palavras de assumir significações variadas segundo os diferentes empregos a

que estão sujeitas, e de se manterem na língua, com estas significações. O

autor também aponta um motivo para isso: quanto maior a frequência de

70

emprego de uma palavra em contextos diferentes, maior é o risco de ser

alterada sua significação.

Ainda na mesma obra (1980), a autora confere a semântica o exame das

causas que levam as palavras, uma vez criadas e providas de certo sentido, a

restringir o significado, a estendê-lo, a transportá-lo de uma ordem de ideias à

outra. Em continuidade de seu pensamento, percebe-se que o acúmulo de

significações de um vocábulo representa a diversidade de aspectos da

atividade intelectual e social. Gládis Knah Rehfeldt (1980, p.79) afirma que

“polissemia e homonímia podem facilmente ser confundidas. Na bibliografia a

respeito do assunto, parece não existir critério seguro para distingui-las”.

Michel Bréal (1992, p. 102), ao tratar da polissemia, ressalta que o

sentido novo não põe fim ao antigo; nada impede que os vocábulos

polissêmicos sejam empregados alternativamente em seu “significado próprio

ou metafórico, restrito ou ampliado, concreto ou abstrato”.

Em Gramática e Estilística,de Rocha Lima (2005, p.483-487), a

polissemia é apresentada como a “multiplicidade de sentidos imanente em toda

palavra que possui estrita dependência do contexto e que tem como resultado

a sinonímia”.

Já a homonímia, Rocha Lima (2005, p. 487) descreve como “fator de

perturbação da boa escolha das palavras”, e afirma dever ser consideras

homônimas as palavras “que, tendo origem diversa, apresentam a mesma

forma, em virtude de uma coincidência na sua evolução fonética”. O autor

considera, também, a homonímia entre palavras que, possuindo forma idêntica,

designem coisas distintas.

Em Caramuru, a invenção do Brasil, filme brasileiro de 2001, escrito e

dirigido por Guel Arraes e Jorge Furtado, a partir da epopeia árcade brasileira

de Santa Rita Durão, observam-se exemplos de homonímias que ocorrem no

diálogo das personagens Diogo Álvares e Paraguaçu, evidenciando a diferença

do contexto cultural entre eles.

71

Ao ser degredado de Portugal, o jovem Diogo Álvares chega a um país

chamado Pindorama, intertexto do Brasil na época do descobrimento, e

encontra a jovem índia nativa, Paraguaçu. Quando iniciam conversa,

identificam-se exemplos de homonímias na fala de cada um, já que se trata de

uma série de expressões comuns na grafia e na pronúncia, mas diferentes em

seus sentidos, em função da origem distinta das personagens.

A partir do primeiro contato e da surpresa do jovem português Diogo

Álvares ao perceber que os dois falam o mesmo idioma, eles começam a andar

pela região e, à medida que caminham, a índia Paraguaçu vai apresentando a

fauna e a flora local. O fragmento transcrito abaixo, ocorrido aos 31 minutos do

filme, traz a homonímia da palavra “manga”.

Personagem Fala Situação

Paraguaçu Manga Ao subir em uma

mangueira, atira a ele a

fruta.

Diogo Manga!? Surpreso, pega a fruta e

pronuncia em tom

duvidoso.

Figura 1. Caramuru. Invenção do Brasil. 31 min

72

Assim que Paraguaçu reafirma, com interjeições, que o nome daquela

fruta era exatamente esse, Diogo repete a expressão, segurando a parte de

sua camisa que recebe o mesmo nome e repete: Manga!

Figura 2. Caramuru. Invenção do Brasil. 31 min 40 seg

Nesse diálogo identifica-se a homonímia da palavra manga já que a

mesma expressão refere-se a objetos distintos, que não apresentam nenhuma

relação de similaridade. Além disso, a palavra apresenta origens distintas, já

que os enunciadores pertencem a países diferentes e, nesse contexto, ainda

não se pode afirmar a imposição ou a influência de um idioma sobre o outro.

Em registro no Dicionário Etimológico Nova Fronteira, de Antônio

Geraldo da Cunha (1986), a palavra manga apresenta origem distinta como

fruta e como parte da peça de vestimenta, reforçando - se, nesse caso, a

homonímia, já que se trata de dois étimos para o mesmo verbete.

Manga¹ sf. ‘ parte da vestimenta onde se mete o braço’ [...] Do lat. Manica, de manus ‘ mão’[...] Manga² sf. ‘fruto da mangueira, planta da fam. Das anacardiáceas’ XVI. Do malaiala mangã, deriv. Do tamul mãnkãy [...] (p. 495)

Ainda na obra cinematográfica, as personagens, ao avistarem uma ave,

reiniciam o diálogo que ilustra outro caso de homonímia, com a expressão

“pena”. O fragmento do diálogo, transcrito abaixo, acontece aos 32 minutos e

09 segundos do filme.

73

Paraguaçu, ao tentar mostrar a Diogo Álvares a diferença entre as aves,

diz:

Personagem Fala Situação

Paraguaçu É fácil, fácil. Arara tem dó

colorido, urubu só tem dó

preto.

Apontando para as aves

Diogo Dó colorido?! Parece que

estais a falar das penas!?

Surpreso

Paraguaçu Não foi você quem disse

que dó era pena?

Mostrando-se confusa

Diogo Sim, mas dó é pena no

sentido de sentimento, de

sentir dó. Pena de pássaro

é pena mesmo. É fácil,

fácil!

Passando o dedo

indicador na frente dos

lábios, em movimento vai e

vem.

Paraguaçu Ê! Língua enrolada! É tudo

sempre assim, é? Uma

palavra só tem serventia

prum monte de coisas?

Com ares de

desconfiança.

74

Figura 3. Caramuru. Invenção do Brasil. 32 min 09 seg

Confirma-se o caso de homonímia da unidade léxica “pena”, ao

consultar-se a origem do vocábulo, sendo mais um caso de étimos distintos

para a mesma expressão.

pena¹ sf. ‘castigo, punição, sofrimento’[...] do lat.poena –ae deriv. do gr. póin~e[...] pena² sf. ‘pluma’ [...] do lat.penna – ae[...] (p. 592)

Em Moderna Gramática Portuguesa, Evanildo Bechara trata da

polissemia e da homonímia na parte destinada à gramática descritiva e

normativa. Para Bechara (2004, p. 402)

A polissemia é o fato de haver uma só forma (significante) com mais de um significado unitário pertencente a campos semânticos· diferentes. [...] cada um desses significados é preciso e determinado.

Considerando-se a definição de polissemia segundo Bechara (2004),

pode-se identificar uma palavra polissêmica utilizada neste anúncio publicitário

de uma rede de hortifrutigranjeiros (http://www.hortifruti.com.br/campanhas/campanhas-

hortifruti.html. 24.11.2010)

75

A partir da expressão polissêmica “massa”, utilizada nesse anúncio

publicitário, pode-se entender que o tomate, produto anunciado, é aclamado

pelas massas (macarrão, ravióli, canelone – prato da culinária italiana), como

integrante do molho que as acompanha; ou é aplaudido pelas multidões (cujo

sinônimo também é massa).

Constata-se, portanto que, os significados atribuídos à expressão

polissêmica, pertencem a campos lexicais distintos. É importante que o

enunciatário perceba que a polissemia da palavra (massa) reforça o valor e

qualidade do produto anunciado, portanto, nesse contexto, o enunciador valeu-

se dos dois sentidos de forma eficiente, já que se trata de anúncio publicitário,

no qual o principal objetivo é destacar ao público-alvo o produto ou serviço.

No detalhe, há outra ocorrência de uso da polissemia. Em “Estrela do

chorinho emociona fãs em show”, novamente há uma palavra, “chorinho” tanto

remete às lágrimas de emoção de fãs quanto pode se referir à reação que

algumas pessoas têm ao cortar cebolas.

Reforça-se, com esse exemplo, o quanto é importante, para uma

produção textual mais eficiente, o domínio dos aspectos polissêmicos das

palavras, uma vez que, por meio desse recurso linguístico, pode-se trazer ao

76

contexto, diferentes sentidos, efetivando-se, também de forma criativa, a

interação.

No texto a seguir, transposto do fluxo de conversação do Twitter de um

usuário, ao utilizar-se o vocábulo “pipocando”, um neologismo a partir do termo

“pipoca”, o autor fez uma associação de ideias e estabeleceu uma

comparação. Pode-se entender o termo “pipocando”, como aquilo que surge

aos borbotões, em função da palavra da qual derivou, já que “pipoca” trata-se

de um prato feito a partir de uma variedade especial de milho que, quando

aquecido, estoura rapidamente e torna-se maior, dando a impressão de

multiplicação rápida do alimento.

Para análise do vocábulo “pipocando” nesse contexto, parte-se da

semântica referencial e da representação mental para a extensão de

significado da palavra. A partir de uma estrutura significativa, a acepção dada à

palavra pode ser entendida como uma ampliação do conceito do sentido

referencial.

Deve-se destacar que, por se tratar de um suporte textual que limita o

texto do usuário a 140 caracteres, como já abordado no capítulo 1, o autor

valeu-se da condição polissêmica da expressão “pipocando”, com a ampliação

de seu significado, para traduzir aos seus leitores, a força e rapidez com que

surgirão os empregos em que a capacitação profissionalizante será suficiente.

Também, destaca-se que o texto trata-se de uma crítica a uma das propostas

de governo do candidato à prefeitura do estado de São Paulo em 2012, José

Serra.

77

Diante dessas possibilidades, deve-se destacar, ao aluno, o exame das

palavras em seu contexto, uma vez que criadas e providas de um sentido, as

palavras podem restringi-lo, estendê-lo, transportá-lo de um campo semântico

a outro, até, modificá-lo.

Bechara (2004, p. 403) salienta a dificuldade de se distinguir polissemia

e homonímia. Assim, apresenta os seguintes critérios, destacando que estes

critérios estão todos os sujeitos à crítica, para indicar a ocorrência de um item

lexical com significados distintos (polissemia) ou dois itens lexicais distintos

com fonemas idênticos (homonímia):

a) critério histórico-etimológico – é o que fazem, em geral, os nossos dicionários; b) a consciência linguística do falante; c) critério das relações associativas; d) critério dos campos léxicos.

O mesmo autor (2004, p. 412) visita à obra de Andrade e Damião que

afirmam: “Na polissemia, o escritor alarga as acepções de uma única palavra,

enquanto na homonímia, ele distingue várias palavras”.

As definições comprovam a dificuldade de se delimitar, com precisão, se

uma palavra é polissêmica ou homônima; no entanto, propõe-se que os temas

sejam tratados de maneira que se enfatize a condição de diversidade de

significados das unidades lexicais, para que os alunos explorem esse recurso

em seus textos, tornando a sua produção escrita mais criativa e eficiente dentro

do contexto escolar, mas também, social.

Utiliza-se, portanto, para este trabalho, o conceito de que duas palavras

homônimas são aquelas que apresentam a mesma forma (fonética e gráfica),

mas que têm dois significados diferentes, não relacionáveis entre si. Já, uma

palavra polissêmica, é entendida aqui como aquela que apresenta vários

significados, sendo possível estabelecer uma relação entre eles.

78

3.1.4 O ENSINO DA POLISSEMIA PARA PRODUÇÃO TEXTUAL DO ALUNO

A polissemia e a homonímia partilham da mesma propriedade de ter

significados diferentes relacionados a uma mesma forma ou significante, dessa

forma, ao explorá-las em suas produções, o aluno articula possibilidades de

efeitos de sentido em sua linguagem, de modo que, ao saber aplicá-la

eficientemente, também aprimora a sua competência leitora, em especial para

os textos em que esses recursos tenham sido trabalhados.

Desenvolver a competência de interpretação do aluno para que ele

consiga produzir um texto que explore a plurissignificação do léxico,

corresponde a proporcionar-lhe um domínio lexical suficiente e condição

autônoma de estabelecer relações coerentes de significação para uma mesma

palavra, ampliando sua capacidade de expressão.

No texto, tanto a polissemia quanto a homonímia, podem ser

responsáveis por ambiguidade semântica. Segundo Lúcia Maria Pinheiro

Lobato, em A Semântica na Línguística Moderna – O Léxico, (1977, p.65), tal

fato linguístico ocorre:

Quando uma estrutura subjacente contém uma ou mais palavras que contribuam em seus múltiplos sentidos para o significado da sentença inteira, tornando, assim, possível o uso dessa sentença para a formulação de mais de uma afirmação, solicitação, interrogação, etc.

Um dos fatores que contribui para a criação de expressões polissêmicas

é o fato do usuário de uma língua incorporar novos significados a um termo já

existente, na busca por uma palavra que melhor traduza o seu pensamento em

determinada situação de comunicação, gerando, assim, um processo de

expansão de significação do léxico. Tal situação justifica-se em função de o

uso da linguagem tratar-se de um processo dinâmico.

Os novos significados dados às palavras e o seu uso dependem de

fatores externos à língua. A pressão cultural exerce influência poderosa: pode

aceitar manter, alterar ou repelir certas expressões ou significados de palavras.

79

Muitas palavras recebem novos significados em função de seus falantes

darem-lhe um novo sentido, adaptando-a ao momento da comunicação.

(OTHON, 1986).

O domínio que um enunciador fluente possui de sua língua manifesta-se

por meio de sua capacidade de produzir e compreender sentenças, inclusive

sentenças totalmente novas para ele. Sugere-se, portanto, que o ensino do

tema para os alunos privilegie a exposição e análise dos efeitos discursivos

produzidos a partir do uso de polissemia ou homonímia, como instrumento para

as produções de textos orais e escritos e uma leitura mais eficiente dos textos

que os circundam. Deve-se aprimorar, no aluno, a condição de produção da

polissemia a partir das relações metafóricas que se possam estabelecer entre

as palavras.

Dessa forma, é possível desenvolver no aluno a condição de uma

interação mais eficaz, já sabendo que, a partir do domínio do significado básico

das palavras, pode-se ampliá-las a outros contextos, dos quais o aluno não

tenha conhecimento ou propriedade suficiente para discorrer a respeito e, por

meio da polissemia, conseguirá a expressividade necessária para uma

interação eficiente.

É importante levar o aluno a refletir sobre o conhecimento semântico que

tem, pensando-o, não como uma lista de sentenças, mas sim, como um

sistema capaz de analisar tal conhecimento linguístico a outros fatores

extralinguísticos, que lhe proporcionem uma melhor compreensão e

competência no processo comunicativo. Segundo Márcia Cançado (2008, p.

19), em Manual de Semântica:

A semântica não deve ser estudada somente como a interpretação de um sistema abstrato, mas também tem que ser estudada como um sistema que interage com outros sistemas, no processo de comunicação e expressão dos pensamentos humanos.

Deve-se, portanto, mostrar ao aluno, por meio de textos que apresentem

expressões polissêmicas ou homônimas que, sabendo-se o significado de uma

80

determinada palavra, pode-se chegar a outros que sejam mais pertinentes ao

contexto em que essa esteja inserida.

Vários gêneros textuais, como os literários e os de humor, sejam

anedotas, charges, histórias em quadrinhos, além dos textos publicitários e dos

produzidos nas redes sociais, empregam palavras polissêmicas ou homônimas

como efeito de sentido criativo em uma situação comunicativa. Muitas vezes,

espera-se que o enunciatário explore a plurissignificação da palavra no mesmo

contexto.

Múltiplas são as possibilidades de estabelecer relações de sentido

explorando-se a polissemia. Uma expressão, utilizada em circunstâncias

distintas, pode produzir uma leitura original, a partir da ampliação de seu

sentido já existente. Isso dependerá da competência linguística e interpretativa

do enunciador.

Portanto, são fundamentais que se tragam, para a sala de aula, os

textos que se utilizam de tais recursos como efeito expressivo, para o

desenvolvimento da competência leitora e de produção textual dos alunos, uma

vez que os PCNs (1998, p.65) agrupam os gêneros textuais em função de sua

circulação social, em gêneros literário, de imprensa, publicitários e de

divulgação científica e “cujo domínio é fundamental à efetiva participação

social”.

Amplia-se a condição de expressão do aluno ao apresentar como se

estabelecem as relações lógicas de significado entre as palavras, destacando-

se a multiplicidade de significados que uma única forma gráfica apresenta, seja

de dois significantes de origens distintas (homônimas), seja da ampliação de

um significado original (polissemia).

O aluno deve ser orientado a conhecer o significado das palavras bem

como reconhecer novos sentidos em contextos distintos e suas relações em

universos semânticos diferentes. Sabendo da importância do estudo da

pluralidade de sentido das palavras no contexto, como parte essencial no

aprendizado para o uso competente da linguagem, e da necessidade de

relacionar o conhecimento linguístico às mais variadas formas de interação,

81

propõe-se, neste trabalho, atividade de ensino da Língua que explore o aspecto

polissêmico e homônimo das palavras na comunicação, no discurso em si,

utilizando-se como suporte textual, a rede social Twitter.

Saber avaliar qual a melhor expressão para compor a significação de

seu texto, trata-se de uma competência fundamental para aprimorar-se tanto

no aspecto profissional, quanto social, na condição de um cidadão crítico e

participativo.

A presente proposta pode incorporar um projeto com outras disciplinas e

atividades a serem utilizadas como instrumento de apoio pedagógico e que

permita ao professor orientar o aluno de maneira a ampliar sua habilidade

linguística, levando em conta a importância do estudo da polissemia e da

homonímia das palavras para a produção escrita, para a compreensão textual,

para a leitura de mundo.

82

Capítulo 4. - O TWITTER NA SALA DE AULA. PROPOSTA DE

ATIVIDADE:“POLISSEMIA NA REDE - UM TWEET PELA

CIDADE”.

“A tarefa não é tanto ver o que ninguém viu ainda, mas pensar o que ninguém pensou sobre algo que todos veem.”

Arthur Schopenhauer

4.1 PROPOSTA DE ATIVIDADE – TRABALHANDO A POLISSEMIA NO

TEXTO

A atividade “Polissemia na rede – um tweet pela cidade” teve como

objetivo a produção textual, enfocando os aspectos plurissêmicos da língua,

utilizando a ferramenta tecnológica Twitter. A metodologia proposta vai ao

encontro das concepções dos estudos de linguagem e do ensino de língua,

apresentadas pelos PCNs, que privilegiam o texto como objeto de estudo em

um processo de interação, assim como, também, o ensino tecnológico,

fundamentado no PCNEM.

As situações de ensino da língua precisam ser organizadas, basicamente, considerando-se o texto como unidade básica de ensino e a diversidade de textos e gêneros que circulam socialmente, bem como suas características específicas. (PCN, 1998, p.10) A revolução tecnológica, por sua vez, cria novas formas de socialização, processos de produção e, até mesmo, novas definições de identidade individual e coletiva. Diante desse mundo globalizado, que apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação surge como uma utopia necessária indispensável à humanidade na sua construção da paz, da liberdade e da justiça social. (PCNEM, 2000, p.13)

A atividade foi desenvolvida com alunos da 1ª série do Ensino Médio, de

uma escola privada, que abrange desde a Educação Infantil ao Ensino Médio.

Instalada há doze anos em Santo André, é considerada uma escola de

83

metodologia tradicional, com sistema de ranking para as três séries do Ensino

Médio.

Desde sua fundação, em 2001, até o ano de 2007, pertenceu à rede

Pueri Domus. Após o fim desse vínculo educacional, todas as séries, desde a

Educação Infantil até o Ensino Médio, passaram a utilizar livros didáticos,

selecionados pela direção da escola; além da implantação de período integral

para o Ensino Médio.

A escola apresenta, em seu corpo discente, uma parcela, sócio e

financeiramente privilegiada da sociedade e, por se tratar de um grupo

economicamente privilegiado, sabe-se que esses alunos têm acesso a

inúmeros recursos tecnológicos, bem como, a todas as suas aplicabilidades.

Tal fato contribuiu para o desenvolvimento dessa atividade dentro do

contexto acadêmico, já que o grupo usufrui, com certa facilidade, do contexto

tecnológico, fora da escola. Vale ressaltar que, tal situação não reflete a

realidade do contexto da educação pública no Brasil, no entanto, a maior parte

das escolas privadas está equipada com laboratório de informática, com

acesso restrito às redes sociais.

O tema proposto acerca da plurissignificação das palavras em um texto

é abordado no material didático com o qual se trabalha na série em questão.

Discorre-se a respeito da ambiguidade provocada pela polissemia das

palavras, como recurso da linguagem, tanto como estratégia expressiva,

quanto como efeito indesejado.

A polissemia trata-se de um recurso utilizado em diferentes gêneros, na

grande maioria, como efeito de maior expressividade e, para que o aluno

aproprie-se desse recurso, foram-lhe apresentados diferentes gêneros textuais

que apresentavam a polissemia como estratégia expressiva do texto.

Discutir a importância da construção de mensagens limitadas, com 140

caracteres, como é o caso do tweet, no processo de complexificação textual

plurissêmica, promove a prática didática contemplada nos PCNs e no PCNEM,

84

em seus objetivos gerais e específicos da produção de textos e da educação

tecnológica.

Para que o aluno reconhecesse a importância da plurissignificação das

palavras na composição textual, foram apresentados diferentes gêneros

textuais que aplicaram tal recurso para formulação da mensagem.

Discutiu-se, inicialmente, a diferença entre polissemia e homonímia.

Para conceituação e exemplificação de homonímia, foram apresentados os

trechos da obra cinematográficaCaramuru, a invenção do Brasil (2001), em que

as personagens Paraguaçu e Diogo Álvares conversam a respeito da

significação das palavras “manga” e “pena”. Tal trecho foi apresentado no

capítulo três deste trabalho.

A partir da distinção entre polissemia e homonímia, apresentou-se a

figura I, retirada do site:

http://avaliacaointernadeco.blogspot.com.br/2011_09_18_archive.html, e

propôs-se, aos alunos, que indicassem o significado da palavra “sonho”, em

cada um dos enunciados.

Figura 1 -

85

Ao explorar-se a palavra “sonho” no texto, os alunos puderam perceber

que o aspecto plurissêmico poderia ser eliminado de acordo com as

circunstâncias do contexto. Nesse caso, a ambiguidade é desfeita ao se levar

em consideração o autor de cada enunciado.

Em seguida, utilizando-se do livro didático Linguagem em movimento,

vol.1, da editora FTD, passou-se para a análise da figura II, que aparece na

página 211, da obra citada.

Figura 2

Discutiu-se, a partir do anúncio do Banco Central do Brasil sobre a

mudança na apresentação das moedas de R$ 1,00, que a palavra “coroa”

utilizada no contexto, funcionou como um poderoso recurso para captar a

atenção do leitor, já que compõe uma mensagem de duplo sentido, em função,

de suas significações.

Nesse contexto, pode-se entender a expressão “coroa”, como sendo o

reverso da moeda, já que se trata de uma publicidade do Banco Central do

Brasil. Porém, levando-se em conta todo o contexto, pode-se considerar, além

desse, outro sentido atribuído à palavra, como sendo algo velho, antigo.

Nesse texto, portanto, fica claro que a polissemia foi um recurso utilizado

para enriquecer a expressividade do gênero.

Outros gêneros que exploram a plurissignificação dos vocábulos

também foram analisados com os alunos. No caso, dentre os textos literários,

destaca-se o texto I, de Mário Quintana, que também compõe o material

didático, na página 212.

86

Texto I. O espelho no escuro Um espelho no escuro aproveita a solidão da noite para refletir, de fato.

Mário Quintana

Nesse poema, discutiu-se com os alunos, a polissemia da palavra

“refletir”. Inicialmente, tem-se um significado literal, associado ao fato de tratar-

se de uma característica do espelho. Ou seja, a princípio, tem-se o significado

literal do verbo refletir como sendo a “capacidade de, por um processo óptico,

reproduzir uma imagem” (HOUAISS, 2008, p.639). Mas, como o poema trata

de um espelho no escuro que, portanto, não conseguiria refletir uma imagem, o

leitor é convidado a considerar outro sentido para o verbo refletir, o significado

final, que nesse caso será a ação de tecer considerações mentais.

Pode-se perceber que, em alguns gêneros, quando precisamente

utilizada, a polissemia torna-se um grande recurso expressivo do texto.

O tema acerca da plurissignificação das palavras e a análise dos textos

com polissemia foram trabalhados com os alunos no 2º bimestre do ano letivo,

no mês de junho de 2012. Todos foram orientados de que a proposta de

produção textual com o uso da polissemia seria desenvolvida no início do mês

de agosto de 2012, no 3º bimestre, após o período de férias.

Decidiu-se por esse cronograma para que a professora pudesse, nesse

ínterim, pesquisar, estudar e “experimentar” o suporte em que os alunos

produziriam seus textos, uma vez que, conforme já posto, os educandos

utilizam constantemente e com propriedade as mídias sociais. Portanto, esse

período foi significativo para que a professora pudesse sentir-se mais segura,

para atividade proposta, tanto como mediadora, como participante.

87

4.2. APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA “POLISSEMIA NA REDE - UM

TWEET PELA CIDADE”

Ao retomarem-se as análises textuais de caráter polissêmico, os alunos

foram questionados sobre a possibilidade de utilização desse recurso da

linguagem como forma de expressão nos mais variados gêneros e temas.

A proposta “Polissemia na rede - um tweet pela cidade” foi, então,

apresentada aos alunos. Foram orientados de que deveriam produzir seus

textos, explorando a polissemia, acerca de um problema social identificado na

cidade de Santo André, utilizando como suporte textual digital, o Twitter. Em

virtude da utilização dessa ferramenta, a mensagem deveria conter, no

máximo, 140 caracteres.

A seleção do tema em questão deu-se, principalmente, por se tratar de

ano de eleições municipais. Tal fato pode promover, em sala de aula, maior

reflexão sobre os problemas sociais, com o objetivo de se pensar na

necessidade de uma ação participativa na sociedade para a busca de

soluções.

O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva. (PCNEM, 2000, p.15)

Quanto ao suporte textual a ser utilizado, os alunos questionaram de que

forma a atividade poderia ser desenvolvida, já que os computadores do

laboratório de informática da escola são bloqueados para acesso às redes

sociais. Decidiu-se, então, pelo uso dos tablets, disponilizados aos alunos, pela

escola, quando solicitados por um professor.

Destaca-se ainda, em uma das três salas em que a atividade foi

apresentada, o entusiasmo foi tão grande que alguns alunos sugeriram utilizar

seus próprios Iphones, para que a proposta não fosse inviabilizada pela

88

restrição da escola às mídias sociais. Vale apontar que a turma que apresentou

tal postura, foi à classificada como turma “D”, que representa, no sistema de

ranking do colégio, a última posição.

As turmas “A” e “B” reagiram com certo estranhamento à proposta, por

se tratar de uma atividade que diverge das demais em todas as disciplinas e

por abordar um suporte comum a eles, porém fora do contexto acadêmico. A

professora ainda foi questionada, por essas turmas, se tal atividade teria uma

menção em nota e de que forma ela avaliaria o resultado. Tal preocupação

justifica-se pelo fato de que a permanência ou não em determinada sala, se dá

por meio da meritocracia de notas de cada aluno.

Partiu-se, em seguida, para a discussão sobre a ferramenta Twitter. Os

alunos foram questionados sobre a utilização dessa rede social, tanto como

meio de entretenimento quanto sobre a sua função social, política e

empresarial.

A maioria já possuía perfil no Twitter e utilizava - o esporadicamente.

Alguns justificaram alguma dificuldade de uso em função do limite de espaço, o

que mostra, nesse caso, a falta de síntese, de alguns usuários, para

elaboração de mensagens completas, levando-os, por vezes, a abandonar a

ferramenta.

Para aqueles, ainda que poucos, que não possuíam perfil no Twitter, os

demais alunos prontificaram-se a auxiliá-los na abertura da conta, pois, dessa

forma, todos já teriam explorado a ferramenta antes da publicação de seus

textos referentes à atividade.

Sobre a utilização e função da plataforma, a maioria dos alunos apontou

o uso “familiar” do Twitter, justificando que, por meio dessa rede social, pode

manter-se, diariamente, a par da vida de amigos e familiares mais distantes.

Quanto à função social, política e empresarial dos meios digitais de

interação, alguns alunos citaram, como exemplo, a Primavera Árabe; a

organização pública, no Brasil, para realização de marchas, como a marcha

contra a corrupção; a divulgação sobre o líder de milícias Kony; as discussões

89

e decisões sobre Rio + 20 e a divulgação de produtos e de campanhas

políticas.

As redes virtuais alteram os modos de ver e ler, as formas de reunir-se, falar e escrever, de amar e saber-se amado à distância, ou talvez, imaginá-lo. Outras formas de ser sociedade e de fazer política emergem das “mobilizações – relâmpagos”...]. Convocadas por e-mails ou por celular, reivindicações não ouvidas por organismos internacionais, governos e partidos políticos conseguem coordenação e eloquência fora da mídia. (CANCLINI, 2008, p.54)

Interessante apontar, os alunos que sabiam da utilização dessas

ferramentas em outros contextos além da interação entre amigos, quando

questionados sobre a possibilidade de uso dessas plataformas no meio

acadêmico, foram unânimes em afirmar ser possível, pois:

- trata-se de uma ferramenta eficiente e que a maior parte dos jovens

tem intimidade;

- permite a comunicação entre alunos e professores rapidamente;

- com a velocidade e efemeridade da vida moderna, a poesia e a prosa

instantânea do Twitter são representações justas e preciosas do mundo atual;

- é de fácil acesso, com informações curtas e rápidas;

- aproximará os jovens do ensino por ser uma ferramenta comum em

suas vidas e algo que eles têm prazer em usar;

- é uma forma eficiente de ampliar a discussão sobre um tema;

- é uma forma de treinar a síntese, uma vez que só há 140 caracteres

para se expressar;

- os alunos podem seguir seus professores, escritores e pessoas que

revolucionam o meio científico;

- é um meio fácil de perceber como a maioria pensa sobre determinados

assuntos. É um instrumento que com poucas palavras, as pessoas expressam

suas ideias;

- têm-se, com o Twitter, as últimas informações e acontecimentos do

mundo real;

- pode tornar a convivência e a comunicação na sala de aula mais

eficiente.

90

Apresentaram-se, aos alunos, outras situações em que o Twitter fora

utilizado como um meio importante na difusão de informações, dentre elas,

algumas já mencionadas nesse trabalho, como o perfil Voz da Comunidade,

criado por adolescentes, moradores do Morro do Adeus, no Rio de Janeiro,

durante ação de pacificação no local e, também, o perfil criado pelo governo da

Paraíba para interagir com a população.

Em seguida, partiu-se para a discussão sobre os problemas sociais que

a cidade de Santo André apresenta. Reforçou-se ainda que, por tratar-se de

um ano de eleições, o meio de divulgação do texto funcionaria como uma

importante ferramenta para solicitação de propostas de soluções, a serem

apresentadas pelos candidatos à Prefeitura Municipal.

Levantaram-se problemas acerca da violência, da falta de lazer, de

saneamento básico, de educação e de moradia. Também se apontou a

questão da coleta seletiva de lixo na cidade, pois, em 2011, a cidade foi

apontada pela revista Veja, como uma das únicas do ABC que adota tal prática

e, no entanto, grande parte dos munícipes nunca foram orientados a respeito.

Quanto à violência enquanto um dos problemas sociais, os alunos

levaram em conta os atos e não os estados de violência, mesmo que estes

possam ser os causadores daqueles. Considerou-se como problema social os

atos de violência que, de alguma forma, geraram “danos físicos e/ou morais,

que se representem nas posses ou nos planos simbólicos e culturais de um

homem ou de um grupo” (GUIMARÃES, 2001, p. 21).

Sobre a distinção entre os atos e os estados de violência, Guimarães

(2001) vale-se do livro Violência na sociedade contemporânea, de Dalton

Caram, quando aponta:

A violência como ato pode caracterizar a violência direta e por isso pode ser identificada, determinada, reconhecida e julgada sem muita dificuldade, porém a violência como estado caracteriza, sobretudo a violência indireta. [...] que se pode sentir, perceber, mas não se pode determinar, identificar ou julgar especificamente; [...] Como ato poderia ser definida como o emprego de meios de ação que atentasse contra a integridade física, psíquica e moral da pessoa. Como estado é mais um clima em que se vive e se respira, clima pleno de incertezas, inseguranças, terror, etc. (1978, p.94).

91

A partir da seleção de um tema sobre a cidade, os alunos começaram a

relacionar vocábulos pertencentes ao campo semântico do problema escolhido

por cada um, para, em seguida, buscar, dentre esses, a melhor expressão que

pudesse, de forma eficiente, produzir a ambiguidade na mensagem e, assim,

chamar a atenção dos demais usuários do Twitter para um aspecto negativo na

cidade.

Selecionada a palavra polissêmica, os alunos iniciaram o processo de

produção de suas mensagens, em 140 caracteres. No entanto, para

elaboração dessa produção, escreveu-se o texto, num primeiro momento, em

um espaço que correspondia aos números de caracteres permitidos pelo

Twitter.

Os alunos apresentaram certa dificuldade na produção textual não só

em função da estrutura exigida por esse meio, mas também, pela relevância do

tema e pelo recurso linguístico a ser explorado, a polissemia. Essa produção

textual promoveu a reflexão dos alunos sobre a preocupação com a elaboração

de seus discursos, nesse caso, com a mensagem a ser tuitada. Permitiu-lhes

refletir sobre a importância daquilo que se quer dizer, de o porquê dizer, do

como dizer e do que se consegue, efetivamente, dizer.

Por se tratar de uma produção que ultrapassa o espaço acadêmico, a

funcionalidade do texto e a possibilidade de interação foram importantes

estímulos aos alunos para a busca pela eficiência de suas produções.

Reforçou-se com os alunos que as produções escritas no Twitter são

baseadas em uma interação síncrona e, caso suas mensagens fossem

retuitadas, poderiam ter uma sequência imediata de respostas, o que

oportunizaria, a eles, maior exploração da mensagem e do tema proposto.

Nesse processo, o aluno tornou-se responsável pelo seu conhecimento dentro

do processo de ensino e de aprendizagem.

Nessa atividade, o aluno mostrou-se não só comprometido com a

participação nas questões urgentes de sua cidade, como também, com o uso

eficiente da linguagem em um meio digital, já que seu texto teve repercussão

na rede social Twitter.

92

O Ensino Médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter geral, afinada com a contemporaneidade, com a construção de competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como “sujeito em situação” – cidadão. (PCNEM, 2000, p.8) [...] o Ensino Médio passa a integrar a etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal, referido à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela, ou seja, que “tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Art.22, Lei nº 9.394/96).

Para avaliação final dessa atividade, foram considerados alguns

aspectos relevantes para essa produção. No entanto, ao longo do processo, a

professora, como mediadora, orientou os alunos, sempre que necessário,

sobre a importância de elementos para produção de texto:

A temática;

O uso eficiente do aspecto polissêmico da linguagem e

A estrutura textual pertinente ao meio (140 caracteres).

Finalizada a produção do texto, foram solicitados os tablets para que cada

aluno publicasse o seu tweet, em seu perfil.

4.3 OS TWEETS - PRODUÇÃO DOS ALUNOS

Participaram da atividade um total de 38 alunos, sendo:

- 14 alunos da turma 1A,

- 13 alunos da turma 1B e

- 11 alunos da turma 1D.

Desse total, alguns poucos alunos permitiram a divulgação de seus

tweets nesse trabalho, sendo que, dos que autorizaram, destacam-se:

93

Tweet 1.

No tweet 1, o aluno explorou a significação do termo “transparência”,

ampliando seu significado, a partir da ideia de permitir a passagem de luz, à

retidão da postura dos políticos.

Vale ressaltar que, logo após a postagem, esse tweet foi retuitado como

favorito por um dos seguidores do aluno, que demonstrou total entusiasmo e

mais envolvimento com a atividade, pois “independentemente do tipo de

informação que esteja sendo veiculada, o fluxo de informações é algo vivo,

estando permanentemente em movimento” (SANTAELLA, 2010, p. 62).

Tal situação confirma o fato de que o aluno participa mais intensamente

do processo de ensino e aprendizagem quando enxerga a funcionalidade de

seu aprendizado, levando, inclusive, a produção acadêmica para além do

contexto escolar.

Na situação escolar existem relações muito rígidas e bem definidas. O aluno é obrigado a escrever dentro de padrões previamente estipulados e, além disso, o seu texto será julgado, avaliado. O professor, a quem o texto é remetido, será o principal – talvez o único

– leitor da redação. Consciente disso, o estudante procurará escrever

a partir do que acredita que o professor gostará (e, consequentemente, dará uma boa nota). (BRITO, 2003, p.122) A observação da “tecnosocialidade” mostra que os recursos de comunicação sem fio não são apenas ferramentas, mas, sim,” contextos, condições ambientais que tornam possíveis novas maneiras de ser, novas cadeias de valores e novas sensibilidades sobre o tempo, o espaço e os acontecimentos culturais” (CASTELLS e outros, 2007, p.226 apud CANCLINI).

94

Segundo Damásio (2011), as emoções geram sentimentos, atos

racionais, e estes são utilizados para a aprendizagem. Portanto, as emoções

são as iniciadoras do processo de aprendizagem, por isso a importância de

uma atividade que promova nos alunos, as mais diferentes emoções, desde o

início à finalização.

Se as emoções provêem uma resposta imediata para certos desafios e oportunidades enfrentados por um organismo, o sentimento relacionado a elas provê isso com um alerta mental. Sentimentos amplificam o impacto de uma dada situação, aperfeiçoam o aprendizado e aumentam a probabilidade que situações similares possam ser antecipadas. (DAMÁSIO, 2010, p.152)

Tweet 2.

A situação de retuíte também ocorreu com o tweet 2, no qual o aluno,

reforçando o problema de falta de energia elétrica e a importância da

consciência do voto para escolha de prefeito e vereadores, explorou a

plurissignificação do termo “luz”.

Tweet 3.

Tweet 4.

95

Tweet 5.

Tweet 6.

Tweet 7.

Tweet 8.

96

Tweet 9.

Pode-se notar, de acordo com as produções desenvolvidas pelos alunos

que, a maior parte fez do Twitter, um veículo de protesto. Isso talvez se deva à

temática proposta para a atividade “identificar e divulgar um problema social da

cidade” e, também, em função do período em que esta foi desenvolvida,

antecedendo as eleições municipais.

O recurso da polissemia também foi utilizado, relacionando o termo

plurissignificativo a mais de um problema social, como se observa nos casos

transcritos.

Tweet TERMO/EXPRESSÃO

POLISSÊMICA

PROBLEMA SOCIAL

1 “luz” Falta de energia elétrica e

Consciência da participação Política

2 “políticas verdes”,

“Transparência de verbas”.

Questões ambientais e corrupção.

3 “sem educação” Falta de vaga nas escolas.

4 “bico”, “mão na massa”. Má remuneração aos policiais e

violência policial.

5 “saco cheio” Coleta Seletiva.

6 “números” Repasse de verbas à Educação.

7 “bala” Violência.

8 “brincadeira” Falta de lazer.

9 “desvios” Congestionamento e Corrupção.

97

Constatou-se, com a proposta “Polissemia na rede – um tweet pela

cidade”, que os alunos reconheceram a importância das escolhas lexicais na

condição de autor de uma mensagem que atendesse, não apenas às

exigências da estrutura do meio, mas também, que o possibilitasse cumprir sua

função enquanto sujeito cidadão participativo dos problemas de sua cidade.

Para isso, fizeram uso da interface, o Twitter, de forma consciente, pensando-o

como um suporte difusor de sua produção.

98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existo e sinto, logo penso.

António Damásio

Como se sabe, projetos pedagógicos, voltados para as séries do Ensino

Médio, que utilizem as redes sociais são raros, senão inexistentes.

Pode-se constatar que uma das dificuldades para o uso dessas

plataformas na escola está relacionada ao modelo pedagógico da sala de aula

e, portanto, à prática do professor. É preciso que se reconheçam os

professores como mediadores no processo de ensino e de aprendizagem em

que se utilizam as mídias sociais, pois comprovou-se, ao desenvolver a

atividade “Polissemia na rede – um tweet pela cidade”, que o modelo de rede

dessa interface foi naturalmente transposto para o espaço acadêmico. Nessa

interação, não há centro, não há comando, não há poder.

Vale destacar que, quando a proposta “Polissemia na rede – um tweet

pela cidade” foi apresentada aos alunos, viram-se, claramente transpostas para

a sala de aula, as relações de interação que se estabelecem na rede das

interfaces.

A partir disso, observa-se que, para utilização das interfaces no contexto

acadêmico, os professores não devem adotar posturas de comando ou de

determinação de tarefas aos alunos, mas sim, mediar e orientá-los para um

processo de construção de conhecimento.

O fato de se tratar de uma ferramenta já bastante utilizada pelos alunos,

em outros contextos, no seu dia a dia, é algo muito positivo ao processo de

ensino e de aprendizagem e não deve ser visto pelo professor como uma

ameaça, já que assim, tanto o aluno quanto o professor estarão construindo o

seu conhecimento. A comunicação por esse meio pressupõe igualdade,

“ensinar exige disponibilidade para o diálogo”. (FREIRE, 1997)

99

[...] são os novos dispositivos informacionais (mundos virtuais, informação em fluxo) e comunicacionais (comunicação todos – todos) que são os maiores portadores de mutações culturais, e não o fato de que se misture o texto, a imagem e o som, como parece estar subentendido na noção vaga de multimídia. (LÉVY, 2000, p.63)

Em geral, os adolescentes buscam, nas redes sociais, o entretenimento,

o lazer e a diversão, sendo, portanto, um espaço responsável pelas mais

distintas emoções. Dessa forma, as instituições de ensino devem se preparar

com uma diversidade de situações educacionais adequadas que utilizem

diferentes meios tecnológicos, em diferentes formatos, já que o processo

cognitivo depende das emoções, que geram sentimentos, atos racionais, e

estes são responsáveis pela aprendizagem.

O trabalho realizado com as redes sociais na sala de aula deve permitir

que se identifiquem diversas possibilidades que as tornam um recurso

importante para o processo de ensino e de aprendizagem do aluno. O aluno

deve participar do processo como construtor do conhecimento, pois, em geral,

isso já ocorre fora do espaço acadêmico, com essas ferramentas. É preciso

pensar o ensino em constante contato com as novas tecnologias e mídias,

além de possibilitar a construção do conhecimento:

Ser sujeito da história significa ser, ainda, ser livre. Livre para saber, fazer, ser, criar, participar, construir... À medida que o homem cria, recria e decide, vão se formando as épocas históricas. (FREIRE, 2006, p.81)

Sem dúvida, a maior recompensa a um professor é ver o envolvimento

dos alunos em uma atividade proposta, pois assim, certamente se chegará a

um resultado positivo no processo de ensino e de aprendizagem desse aluno

para a vida. Segundo Demo (2011), não há educação nenhuma em assistir a

aulas, tomar notas e ser avaliado no final do bimestre. A isso ele chama ora de

instrução, ora de transmissão de conhecimento.

No entanto, para que o professor possa desenvolver atividades

aplicadas ao uso das redes sociais, é fundamental que haja condições para

esse trabalho docente. Essas condições voltam-se não apenas para a

100

formação pedagógica permanente reconhecida como necessária, mas para a

disponibilidade de recursos tecnológicos da escola, de suporte técnico e

pedagógico e, principalmente, da aprovação e do apoio de todo corpo

pedagógico, diretivo e administrativo, co-responsável pelo projeto pedagógico

da escola. Não se pode desconsiderar que a maior parte das instituições

particulares que possui recursos tecnológicos, cerceia o acesso às redes

sociais dos alunos, quando estes se encontram nos laboratórios de informática,

dentro da instituição. Isso certamente inviabiliza a aplicação de projetos

educativos voltados para o uso dessas plataformas.

O uso das TIC’s possibilitará mudanças no sistema atual de ensino, se

usadas como um recurso que possibilite ao aluno criar, pensar, manipular e

refletir. Para Regina Cazaux (1985), a forma de empregar o computador no

processo pedagógico, depende de uma posição filosófica, de uma concepção

de educação e de uma teoria da aprendizagem. A sociedade exige um

indivíduo crítico e capaz de observar, analisar e refletir; um ser capaz de

aprender a aprender; essa característica só poderá ser desenvolvida no

processo educacional em que o aluno vivencie momentos de verdadeiras

aprendizagens, que explorem suas emoções e que permitam pensar e depurar

as (in)formações adquiridas.

101

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