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UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Comunicação da Universidade Paulista UNIP, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. FLÁVIA GABRIELA DA COSTA ROSA AMARAL SÃO PAULO 2013 O CATÓLICO IDEAL: CULTURA DO IMATERIAL E ESTÉTICA CLASSICISTA NO PORTAL DOS ARAUTOS DO EVANGELHO

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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Comunicação da Universidade

Paulista – UNIP, para a obtenção do título de

Mestre em Comunicação.

FLÁVIA GABRIELA DA COSTA ROSA AMARAL

SÃO PAULO

2013

O CATÓLICO IDEAL: CULTURA DO IMATERIAL

E ESTÉTICA CLASSICISTA NO PORTAL DOS

ARAUTOS DO EVANGELHO

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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Comunicação da Universidade

Paulista – UNIP, para a obtenção do título de

Mestre em Comunicação.

Orientadora:

Prof. Dra. Malena Segura Contrera

FLÁVIA GABRIELA DA COSTA ROSA AMARAL

SÃO PAULO

2013

O CATÓLICO IDEAL: CULTURA DO IMATERIAL

E ESTÉTICA CLASSICISTA NO PORTAL DOS

ARAUTOS DO EVANGELHO

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Amaral, Flavia Gabriela da Costa Rosa. O católico ideal : cultura do imaterial e estética classicista no portal dos arautos do evangelho / Flavia Gabriela da Costa Rosa Amaral - 2013. 112 f. : il.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista, São Paulo, 2013. Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática. Orientadora: Profª. Malena Segura Contrera.

1. Imaginário Midiático. 2. Cibercultura. 3. Ciber-religião. 4.

Arautos do evangelho. I. Título. II. Contrera, Malena Segura

(orientadora).

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FLÁVIA GABRIELA DA COSTA ROSA AMARAL

O CATÓLICO IDEAL: CULTURA DO IMATERIAL E ESTÉTICA CLASSICISTA NO

PORTAL DOS ARAUTOS DO EVANGELHO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Comunicação da Universidade

Paulista – UNIP, para a obtenção do título de

Mestre em Comunicação.

Aprovado em: ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________/___/___ Prof. Dr. Alberto Klein

Pontifícia Universidade Católica – PUC

_________________________/___/___ Prof. Dr. Jorge Miklos

Universidade Paulista – UNIP

_________________________/___/___ Prof. Dra. Malena Contrera

Universidade Paulista - UNIP

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus filhos, Júlio Luciano da Silva Júnior e Maria

Júlia Rosa Amaral, por entenderem minha ausência para dedicação aos estudos e

serem companheiros em todos os desafios nos quais estivemos juntos ao longo dos

anos de Mestrado. Amo vocês. À minha orientadora, Malena Contrera, pela

dedicação especial ao meu projeto e por entender como poucas pessoas a alma

feminina. Aos meus pais, meu marido e demais professores do Programa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me iluminar no caminho de mais uma etapa acadêmica,

dando-me entusiasmo e força para seguir quaisquer que fossem os obstáculos.

À minha mãe, Rosa Maria da Costa, que jamais me abandonou na minha

caminhada, como pessoa, como mãe, como profissional, como estudante. Ao meu

pai, Argemiro Serafim Rosa, que embora não esteja fisicamente conosco, me deu

suporte com seus ensinamentos em curtos 13 anos, para ser quem hoje sou.

Ao Valdir Amaral, meu marido, com quem partilhei sonhos e reflexões acerca

deste projeto, pelo seu apoio e auxílio sempre que precisei.

Meu especial agradecimento ao PROSUP, por acreditar no projeto,

possibilitando concluir esta importante e sonhada etapa da minha vida.

Aos professores que tanto contribuíram com seu conhecimento e visão de

mundo, em especial ao professor Jorge Miklos.

À minha mestra Malena Contrera, que contribuiu com seu conhecimento e

visão de mundo. Você alargou meus horizontes e possibilitou percorrer o doce

caminho do conhecimento, reforçando o que aprendi ainda menina, que mestre não

é aquele que nos carrega nos braços, mas que nos mostra o caminho das pedras e

nos diz: ‘vá, você consegue!’.

Aos colegas de Mestrado, André Nakamura, Vâner Lima, Glaucya Tavares e

Suely Schiavo, pelo companheirismo. Nosso encontro de vida certamente não foi por

acaso.

Ao secretário do Programa de Pós-graduação, Marcelo Rodrigues; com seu

profissionalismo e pró-atividade me auxiliou em todas as necessidades durante o

curso.

Aos colegas Ana Clara Stockler, Aline Gomes, Marcela Caroline, Polyana

Gonzaga, Mylena Camargo, Juliana Valin e Carlos Alberto, pelos diálogos e auxílio

que extrapolaram o âmbito profissional.

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RESUMO

A presente pesquisa pretende investigar as relações comunicacionais presentes

entre cibercultura e religião frente às novas tecnologias digitais de comunicação.

Para tanto, elegemos uma vertente católica denominada Arautos do Evangelho e

sua presença no cyberspace. Nesse contexto, nosso objetivo foi analisar a

transformação da linguagem dos Arautos do Evangelho e os recursos utilizados pelo

grupo para se relacionar com seu público no cyberspace e se existe a tentativa de

criação de um ambiente para um sujeito não corpóreo. Nossas hipóteses

consideraram que esse movimento religioso procura estimular a cultura do imaterial

por meio do uso de elementos da estética classicista no cyberspace. Para efetivar a

análise estabelecemos como corpus o portal do movimento na internet

(www.arautos.org) no período de fevereiro de 2011 a dezembro de 2012. A pesquisa

se utilizou do método científico, baseado em fundamentação teórica com uma lógica

qualitativa. O referencial teórico da pesquisa utilizou como alicerce conceitual no

campo da Teoria da Mídia, as obras de Muniz Sodré, Norval Baitello Júnior e Jesus

Martín Barbero. Acerca dos estudos da contemporaneidade e a ambiência sócio-

cultural das comunidades contemporâneas, a pesquisa utilizou os estudos de

Zigmunt Bauman, Konrad Lorenz e Jean Baudrillard. Sobre o tópico cibercultura, a

pesquisa utilizou os estudos de Paul Virillo e Eugênio Trivinho. Ao que se refere aos

estudos sobre o fenômeno religioso, a pesquisa se utilizou os estudos de Mircea

Eliade, Joseph Campbell e Vilém Flusser. A propósito da intersecção entre Mídia e

Religião, a pesquisa utilizou os estudos de Alberto Klein e Jorge Miklos. Malena

Segura Contrera contribui com seus estudos sobre mediosfera e seu lugar no

imaginário religioso. Para obter bases para análise acerca do processo de

transcendência e consciência, a pesquisa fundamentou-se nas contribuições de

Boris Cyrulnik e Antônio Damásio. No âmbito da teoria da imagem a pesquisa

buscou apreciações nas obras Norval Baitello Júnior.

Palavras-chave: Imaginário Midiático; Cibercultura; Ciber-Religião; Arautos do

Evangelho.

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ABSTRACT

The present research aims to investigate the communication relationship found

between cyber culture and religion in face of the new digital communication

technologies. Therefore, we chose Catholic section called Heralds of the Gospel

(Arautos do Evangelho) and its presence in cyberspace. In this context, our objective

is to analyze the transformation of the language of the Heralds of the Gospel and the

resources used by the group to relate to their audience in cyberspace and if there is

an attempt to create an environment for a non- corporeal subject. Our hypotheses

considered that this religious movement seeks to stimulate the immaterial culture

through the use of elements of classicist aesthetics in cyberspace. To conduct the

analysis we established as corpus the site of the movement on the Internet

(www.arautos.org) from February 2011 to December 2012. The research used the

scientific method, based on theoretical basis with a qualitative logic. The theoretical

framework of the research used as conceptual foundation in the field of media theory,

the works of Muniz Sodré, Norval Baitello Junior and Jesus Martín Barbero.

Concerning to the contemporary studies and the socio-cultural ambience of the

contemporary communities, the research used the studies of Zygmunt Bauman,

Konrad Lorenz and Jean Baudrillard. On the topic of cyberculture, the research used

the studies of Paul Virillo and Eugenio Trivinho. Concerning to studies on the

religious phenomenon, the research used the studies of Mircea Eliade, Joseph

Campbell and Vilén Flusser. For the purpose of a intersection between Media and

Religion, the research used the studies of Alberto Klein and Jorge Miklos. Malena

Safe Contrera contributed with her studies about mediosfera and its place in the

religious imaginary. In order to obtain the base for analysis of the process of

transcendence and awareness, the research used as a reference the contributions of

Boris Cyrulnik and Antonio Damasio. Concerning to the theory of image the research

sought assessments in the works of Norval Baitello Junior.

Key words: Imaginary media, cyber culture, cyber-Religion; Heralds of the Gospel

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Os Arautos do Evangelho em foto no Vaticano: perfilação e tentativa de

busca pelo e perfeito. ................................................................................................ 12

Figura 2 - Os Arautos do Evangelho em procissão com a imagem de Nossa Senhora

de Fátima. Na página do fundador dos Arautos do Evangelho destacam-se o carisma

do grupo e a opção pela evangelização a partir da cultura e da arte. ....................... 13

Figura 3 - Os Arautos do Evangelho em foto após aprovação pontifícia. Disponível

em http://www.aprovacaopontifica.arautos.org/caregory/mensageiros-do-evangelho.

Acesso em 10.02.2011. ............................................................................................. 14

Figura 4 - Home do site www.tfp.org ......................................................................... 29

Figura 5 - Home do site www.tfp.org - “Visitas da Imagem de Nossa Senhora de

Fátima”. ..................................................................................................................... 30

Figura 6 - Home do blog desdobramento do portal dos Arautos do Evangelho. ....... 30

Figura 7 - Home do site desdobramento dos Arautos do Evangelho. Sob o título

“Imagem peregrina recebe devotas manifestações de afeto” constata-se que no site

dos Arautos e no da Cavalaria de Maria, a ‘visita da Imagem’ está em destaque. ... 31

Figura 8 - Indumentária Arautos do Evangelho (Reprodução livro comemorativo pela

aprovação do grupo como Associação de Direito Pontifício, publicado em julho de

2001). ........................................................................................................................ 34

Figura 9 - Arautos do Evangelho perfilados como exército (reprodução livro

comemorativo pela aprovação do grupo como Associação de Direito Pontifício,

publicado em julho de 2001). .................................................................................... 35

Figura 10 - Indumentária dos Cavaleiros Templários ................................................ 35

Figura 11 - Indumentária dos Cavaleiros Templários ................................................ 36

Figura 12 - Catedral de Notre Dame ......................................................................... 40

Figura 13 - Igreja Nossa Senhora do Rosário – Serra da Cantareira, construída e

coordenada pelos Arautos do Evangelho. ................................................................. 40

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Figura 14 - Newsletter enviada diariamente aos cadastrados no site ....................... 46

Figura 15 - Imagem do rodapé da página com a diversidade de logomarcas

utilizadas pelos Arautos do Evangelho ...................................................................... 48

Figura 16 - Imagem da área www.ittanoticias.arautos.org. ....................................... 49

Figura 17 - Na imagem, uma reprodução do vídeo mostra repórter da TV Arautos

entrevistando uma idosa acamada. ........................................................................... 52

Figura 18 - Imagem da página www.rezempormim.arautos.org.br ............................ 53

Figura 19 - Imagem da página http://www.rezempormimblog.arautos.org.br. .......... 54

Figura 20 - Área do site onde se encontram imagens para personalização do fundo

de tela dos computadores. ........................................................................................ 55

Figura 21 - Página de redirecionamento aos blogs dos Arautos do Evangelho. ....... 55

Figura 22 - Imagem da página a que se é direcionado ao clicar no link Tv Arautos . 60

Figura 23 - Links para os interessados fazerem parte das redes de relacionamento

dos Arautos do Evangelho. ...................................................................................... 62

Figura 24 - Imagem da página principal do portal www.arautos.org, na ocasião ...... 63

Figura 25 - Imagem da página oficial dos Arautos do Evangelho no Facebook

(Acesso em 10.09.2012) ........................................................................................... 64

Figura 26 - Imagens postada na página oficial dos Arautos do Evangelho no

Facebook................................................................................................................... 64

Figura 27 - Imagens postada na página oficial dos Arautos do Evangelho no

Facebook................................................................................................................... 65

Figura 28 - Imagem da página a que se é direcionado ao clicar no link Orkut do

portal www.arautos.org. ............................................................................................ 66

Figura 29 - Área de notícias do portal dos Arautos do Evangelho. ........................... 71

Figura 30 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook.. .................... 77

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Figura 31 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. ..................... 77

Figura 32 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. A busca pela

perfeição e a insistência na pureza. Acesso em 08.03.2013..................................... 78

Figura 33 - Defesa da proposta de evangelização por meio da beleza, disponível no

portal dos Arautos do Evangelho. Acesso em 13.03.2013. ....................................... 82

Figura 34 - Arautos do Evangelho em missa na catedral de Nossa Senhora do

Rosário, localizada na Serra da Cantareira. .............................................................. 84

Figura 35 - Arautos do Evangelho em trabalhos pelo Brasil. ................................... 85

Figura 36 - Arautos do Evangelho trabalhos no Rio de Janeiro. ............................... 86

Figura 37 - Menino Jesus com a Cruz Templária estampada no peito. Disponível em

na página oficial do facebook dos Arautos do Evangelho. ........................................ 88

Figura 38 - Imagem do templo construído pelos Arautos do Evangelho na Serra da

Cantareira. Acima o brasão do Vaticano, a imagem do Sagrado Coração de Jesus e

do Sagrado Coração de Maria em Nossa Senhora de Fátima. Disponível em na

página oficial do facebook dos Arautos do Evangelho. ............................................. 89

Figura 39 - Nossa Senhora das Dores na timeline do face book dos Arautos do

Evangelho. Em seu manto a Cruz Templária ............................................................ 90

Figura 40 - Post compartilhado na rede Facebook, em página oficial dos Arautos do

Evangelho. ................................................................................................................ 92

Figura 41 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. Acesso em

15.03.2013. ............................................................................................................... 95

Figura 42 - Imagem de Nossa senhora de Fátima, que se repete nas páginas do

portal e do Facebook dos Arautos do Evangelho. ..................................................... 95

Figura 43 - Imagem publicada na rede social Facebook, lembrando os seguidores do

grupo sobre a oração do Terço da Misericórdia, rezada pelo grupo todas as

primeiras sextas-feiras do mês, às 15h. Em detalhe o relógio que figura atrás da

imagem de Jesus Crucificado. ................................................................................. 99

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1. ARAUTOS DO EVANGELHO ............................................................................ 17

1.1. Lugar das associações e movimentos na Igreja Católica............................. 17

1.2. Sobre os Arautos do Evangelho - surgimento/contextualização .................. 19

1.3. Os Arautos do Evangelho e TFP .................................................................. 26

1.3.1. O “racha” da TFP ................................................................................... 28

1.3.2. João Clá Dias e Plínio Corrêa ............................................................... 29

1.3.3. Sociedade secreta ................................................................................. 31

1.4. Cavaleiros Templários .................................................................................. 33

1.4.1. Guardiães do Santo Graal? ................................................................... 40

2. O PORTAL DO EVANGELHO ........................................................................... 45

2.1. Análise de acessos e ferramentas de interatividade - o Portal dos Arautos do

Evangelho e a comunicação no ciberespaço ......................................................... 45

2.1.1. Os Arautos do Evangelho e as Redes Sociais ...................................... 62

2.2. A cibercultura e os arautos do evangelho: tentativa de utilização do

cyberspace para sedimentação da comunidade. ................................................... 66

2.2.1. A Igreja Católica se abre para o diálogo com o mundo: João Paulo II - o

Papa midiático .................................................................................................... 68

2.3. Lugar possível entre a matriz religiosa cristã e a internet – a noção de

religare na mídia contemporânea........................................................................... 71

3. O AMBIENTE IMAGINÁRIO DOS ARAUTOS DO EVANGELHO E SUA

RELAÇÃO COM OS IDEAIS ESTÉTICOS CLASSICISTAS NO PORTAL .............. 79

3.1. Elementos estéticos classicistas relevantes para a criação da imagem

pública dos Arautos do Evangelho no portal .......................................................... 81

3.2. A criação de um ambiente ideal para o homem “imaterial” - o cyberspace .. 93

3.3. Criação de um ambiente ideal para o homem “imaterial” - o cyberspace .... 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 103

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 107

ANEXOS ................................................................................................................. 107

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INTRODUÇÃO

A Igreja Católica se apresenta como vertente do cristianismo e grande

número de adeptos, mas reconhece que o islamismo já supera o número de

seguidores da “Igreja de Pedro”, como se referencia. Define-se como ‘Una, Santa,

Católica, Apostólica”1. No entanto, observam-se características diferentes em grupos

nas quais ela se subdivide. Um desses grupos que se define como Associação de

Direito Pontifício são os Arautos do Evangelho.

Com o objetivo de utilizar a internet para expressar e reverberar seus valores,

esses grupos aumentam gradativamente sua presença no ciberespaço, o que

demonstra o desejo de se apropriar de um instrumento simbólico - a internet. O uso

pode revelar a busca de uma nova forma de participação mística, ‘sacralizando a

mídia’.

Essa manifestação religiosa que vemos pipocar nos fenômenos comunicativos e midiáticos (inclusive da teleparticipação) seria não apenas um resíduo ou ressurgimento de formas religiosas arcaicas, mas a busca ou a invenção de outro plano de realidade, no qual os conteúdos arcaicos se imiscuíram sem serem convidados. (CONTRERA, 2005, p.4).

1

Em relação aos Arautos do Evangelho, não se menciona nas publicações

oficiais, inclusive na página oficial na internet, em que tipo de universo simbólico

cristaliza-se a sua principal ideologia; no entanto, dentro dos formatos específicos da

internet, a vertente demonstra grande necessidade de autoafirmação, como parte da

Igreja Católica e movimento político articulado.

O levantamento de dados deu-se pela análise do portal dos Arautos do

Evangelho (www.arautos.org), como dispositivo e discurso.

Chegou-se ao tema em consequência da ampla vivência da pesquisadora na

Igreja Católica, principalmente no que se refere ao local onde atualmente trabalha, O

Santuário Nacional de Aparecida, maior templo católico dedicado a Maria no mundo,

sendo constante a presença dos Arautos do Evangelho.

As roupas utilizadas pelos Arautos do Evangelho - a grande cruz dos

1 Informação extraída da internet no site do Vaticano, parágrafo 3, sobre a Profissão da Fé Cristã,

disponível no endereço http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s2cap3_683-1065_po.html#PARÁGRAFO_3_ – Acesso em 05.01.2013

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Cavaleiros Templários ostentada no peito e as publicações com presença marcante

da figura feminina de Maria -, despertam a atenção não apenas pela estética

medieval que incorpora uma série de elementos da estética clássica, mas pela forma

como os membros se impõem: perfilados, sincronizados, bandeiras em punho etc.

Figura 1 - Os Arautos do Evangelho em foto no Vaticano: perfilação e tentativa de busca pelo e perfeito.

Fonte: http://arautosdoevangelho.com.br/especial/13824/Arautos.html. Acesso em 10.02.2011.

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Figura 2 - Os Arautos do Evangelho em procissão com a imagem de Nossa Senhora de

Fátima. Na página do fundador dos Arautos do Evangelho destacam-se o carisma do grupo e a opção pela evangelização a partir da cultura e da arte.

Fonte: http://www.joaocladias.org.br/arautos.asp. Acesso em: 01.05.2013.

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Figura 3 - Os Arautos do Evangelho em foto após aprovação pontifícia. Disponível em

http://www.aprovacaopontifica.arautos.org/caregory/mensageiros-do-evangelho. Acesso em 10.02.2011.

Fonte: http://www.joaocladias.org.br/arautos.asp. Acesso em: 10.02.2011.

Desperta curiosidade o discurso que se dirige aos seguidores no ciberespaço.

O ‘lócus’, considerado então democrático e espaço livre, é usado, com frequência,

para um público específico, que decifre os códigos e os discursos.

Avaliar as sobreposições e antagonismos na cibercultura pelo discurso e as

formas de comunicação dos Arautos do Evangelho provocaria nova discussão sobre

o espaço e as lacunas que ainda existem nessa ferramenta, que pode ser utilizada

para o bem ou para o mal. Deve-se ressaltar ainda o modo como um grupo com

características de estética medieval ocupa a internet - espaço considerado

contemporâneo, que possui a natureza virtual e tecnológica própria da atualidade.

Sobre a questão central, o estímulo à cultura do imaterial, a pesquisa analisa

de que forma o conceito é reforçado pelo grupo em seu canal na internet, e como os

elementos da estética classicista se apresentam nesse meio de comunicação.

Como será feita a análise do portal com base na observação da construção e

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da linguagem utilizada pelos Arautos do Evangelho no período de fevereiro de 2011

a dezembro de 2012, buscou-se entender como os elementos a seguir constituem a

centralidade dos hibridismos temporais, ou seja, a coexistência de elementos

arcaicos e contemporâneos. Por isso, analisamos pontualmente os seguintes

aspectos:

1) Estética classicista utilizada pelos Arautos em contraste com as

constantes e desordenadas transformações na linguagem do portal,

situação que evidencia a estética caótica da internet;

2) A autoapresentação da história e dos pilares das origens dos Arautos do

Evangelho (sistemas de autorreferência) citados no portal e estampados

no brasão2;

3) As várias ferramentas contemporâneas de interatividade do grupo (redes

sociais, área de aplicativos para celular, pedidos de oração etc).

Conforme estudou E. Morin (1977), o homem é muito mais que relações

sociais. Ele é demens no sentido em que está existencialmente atravessado por

pulsões, desejos, delírios, êxtases, fervores, adorações, espasmos, ambições e

esperanças, tendendo para o infinito. O termo sapiens/demens significa não só a

relação instável, “loucura” (desregulação), mas que existe sabedoria na loucura e

loucura na sabedoria (E. MORIN, 1977, p. 339).

Nota-se que é constante a busca pela transcendência ou experiência que dê

a ele a sensação de interpenetração. Por isso, faz parte dessa busca toda forma de

contato com essa experiência, que extrapola o sentido das relações sociais, do viver

em comunidade.

No entanto, na busca por aproximação e aumento de seguidores, pequena

importância têm os meios e sacrifícios exigidos para esse ‘arrebatamento’.

A pesquisa indaga: existe a tentativa, por parte de alguns movimentos da

Igreja Católica, especificamente os Arautos do Evangelho, de estimular a cultura do

2 Conforme citação no portal dos Arautos do Evangelho, os pilares nos quais se apoia a vertente

são: “Jesus Eucarístico, a filial piedade mariana, imitando a sempre Virgem e aprendendo a contemplar n'Ela o rosto de Jesus; e a devoção ao Papado, fundamento visível da unidade da fé” (Informação disponível em http://www.arautos.org/view/show/13713-arautos. Acesso em 20.05.2011)

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imaterial na busca pelo homem perfeito? Como os Arautos utilizam a cibercultura

para autolegitimar-se? Existe a tentativa do grupo de utilizar a cibercultura para

estabelecer uma relação comunitária?

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1. ARAUTOS DO EVANGELHO

1.1. Lugar das associações e movimentos na Igreja Católica

O Concílio Vaticano II, que aconteceu de 1962 a 1965, em Roma, provocou

na Igreja Católica grandes reflexões e nela estabeleceu novas posturas. Embora,

quase 50 anos depois, diversos líderes religiosos e outras associações e

movimentos da Igreja Católica ainda resistam às definições surgidas no Concílio,

assembleia histórica para a Igreja, não se pode negar que uma das grandes

novidades foi a visão gregária que a Igreja assumia, a partir daquele momento, que

se refere ao lugar dos movimentos e associações na instituição.

Frei Betto, renomado teólogo da Igreja Católica, em declaração ao site

www.revistadehistoria.com.br3, menciona os modelos pastorais que ganharam

espaço da hierarquia da Igreja, como as Comunidades Eclesiais de Base e a

Teologia da Libertação. Ana Maria Tepedino, teóloga da PUC-RJ, comunga das

ideias de frei Betto e destaca a mudança de postura da instituição em relação aos

leigos, agora “convidados a uma participação maior e mais efetiva na Igreja”.

Sobre os movimentos, o site oficial do Vaticano4 dispõe de uma seção sobre o

DECRETO APOSTOLICAM ACTUOSITATEM em latim, ou Decreto sobre o

Apostolado dos Leigos, que explana a “importância e atualidade do apostolado dos

leigos na vida da Igreja”. A página cita em seu primeiro parágrafo:

1. O sagrado Concílio, desejando tornar mais intensa a atividade apostólica do Povo de Deus (1), volta-se com muito empenho para os cristãos leigos, cujas funções próprias e indispensáveis na missão da Igreja já em outros lugares recordou (2). Com efeito, o apostolado dos leigos, que deriva da própria vocação cristã, jamais poderá faltar na Igreja. A mesma Sagrada Escritura demonstra abundantemente como foi espontânea e frutuosa essa atividade no começo da Igreja (cfr. Act. 11, 19-21: 18, 26; Rom. 16, 1-16; Fil. 4, 3). Os nossos tempos, porém, não exigem um menor zelo dos leigos; mais ainda, as condições atuais exigem deles absolutamente um apostolado cada vez mais intenso e mais universal. Com efeito, o aumento crescente da população, o progresso da ciência e da técnica, as relações mais

3 Material publicado em 14 de fevereiro de 2013. Acesso em 07.05.2013. Disponível em

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/conteudo-complementar/forum. 4 DECRETO APOSTOLICAM ACTUOSITATEM, disponível no site do Vaticano. Acesso em

07.05.2013. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651118_apostolicam-actuositatem_po.html

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estreitas entre os homens, não só dilataram imensamente os campos do apostolado dos leigos, em grande parte acessíveis só a eles, mas também suscitaram novos problemas que reclamam a sua atenção interessada e o seu esforço. Esse apostolado torna-se tanto mais urgente quanto a autonomia de muitos setores da vida humana, como é justo, aumentou, por vezes com um certo afastamento da ordem ética e religiosa e com grave perigo para a vida cristã. Além disso, em muitas regiões onde os sacerdotes são demasiado poucos ou, como acontece por vezes, são privados da liberdade de ministério, a Igreja dificilmente poderia estar presente e ativa sem o trabalho dos leigos

4.

Como explica o documento, a Igreja Católica viu nas associações e

movimentos a oportunidade de se aproximar das comunidades, levando em

consideração que a crise na formação de novos padres para esse exercício já é há

algum tempo realidade enfrentada pela instituição.

O site www.veritatis.com.br, que congrega outros sites católicos, pertencente

a frente tradicionalista da Instituição, o Apostolado Veritatis Splendor, explica os

espaços que hoje os movimentos e associações ocupam na estrutura da Igreja e

como se configuram:

Canonicamente, não existe ‘movimento’. Essa figura jurídica não aparece nas leis canônicas. Daí que, em termos gerais, movimento é qualquer agrupamento humano com um fim. Nesse sentido, o franciscanismo é um movimento, o monasticismo também, até o Opus Dei, ainda que todos eles sejam figuras jurídicas distintas. (...) Quais os tipos de personalidade jurídica para agrupamento humano que temos aqui? Institutos de vida consagrada (que se dividem em institutos de vida religiosa e institutos seculares), sociedades de vida apostólica, e associações de fiéis. Institutos de vida consagrada são aqueles aos quais o membro se liga mediante votos ou promessas. Podem ser de dois tipos: institutos de vida religiosa e institutos seculares. Os primeiros pedem que o vínculo jurídico de pertença sejam os votos, e também obriga o uso de um hábito, bem como a vida comunitária. (...) Já aos segundos, os membros se ligam ou por votos ou por promessas equivalentes, não são obrigados, pelo Código, ao hábito (embora suas constituições possam obrigar), nem à vida comunitária (idem). (...) Sociedades de vida apostólica são aquelas aos quais o membro se liga apenas pelo compartilhamento de um carisma e pela vida comunitária, mas sem votos. Associações de fiéis são grupos de leigos e sacerdotes que se unem por um fim comum. Podem ter votos privados, promessas, vida comunitária, espiritualidade própria, mas nada disso é obrigatório. Alguns têm ramos com promessas e vida comunitária, e ramos que vivem no mundo etc. Muitas dessas associações são ligadas a um instituto de vida consagrada ou sociedade de vida apostólica

5.

Os Arautos do Evangelho configuram-se como Associação Internacional de

Fiéis de Direito Pontifício. Os detalhes da outorga estão nos capítulos seguintes. 5 A explanação postada em 17 de julho de 2009 pode ser lida na íntegra no site

http://www.veritatis.com.br/doutrina/a-igreja/1441-sobre-os-movimentos-da-igreja-catolica. Acesso em 07.05.2013.

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1.2. Sobre os Arautos do Evangelho - surgimento/contextualização

Naturalmente, as teorias, assim como as doutrinas, alimentam-se dos desejos, aspirações, temores, paixões, obsessões dos humanos; as próprias teorias científicas são alimentadas pelos themata (Holton, 1982), ideias fixas obsessionais dos cientistas. (E. Morin)

Quem são os Arautos do Evangelho

Antes de conceituá-los, deve-se justificar o termo cyberspace, ao invés da

palavra em português cyberespaço, tendo em vista que na pesquisa o termo será

citado. Optou-se por cyberspace porque a adoção da versão original inglesa, de

acordo com Eugênio Trivinho em “A dromocacia cibercultural: lógica da vida humana

na civilização mediática avançada”; (2007; Paulus, p. 67), deve-se a razões de

fidelidade à categoria crítica em todos os níveis epistemológicos da construção

teórica. Trivinho cita:

Trata-se, a rigor, de política da teoria como forma de rechaço organizado à tão em voga sedução da ingenuidade política e histórica. (....) Vale lembrar que a noção de cyberspace, egressa da ficção científica norte-americana – ela foi cunhada, como se sabe, em 1984, por william gibson (1985), que lhe havia concedido significado inteiramente surreal e futurista -, é, nos dias correntes, assimilada, grosso modo, ao espaço-tempo imaterial produzido pela rede planetária de computadores, criada no final dos anos 60 do século xx, a internet, hoje em fase hipermediática (web), desencadeada no início dos anos 1990, com a invenção do modelo de interface gráfica cibericonizada” (trivinho, e. 2007; p. 67.)

Sobre a definição, em livro comemorativo publicado em julho de 2001, a

associação, grupo de afirmação católica, comemora o título de Associação

Internacional de Fiéis de Direito Pontifício6, “que ocorreu por ocasião da festa

litúrgica da Cátedra de São Pedro, (22 de fevereiro) em 2001”.

A aprovação lhes conferia a partir daquele momento um mandato especial,

que implicava à comunidade uma relação própria com a Cátedra de São Pedro, ou

seja, com o Papa, líder máximo da Igreja Católica, possibilitando que não mais

estivesse como ponto de referência um bispo.

De acordo com informações do Código de Direito Canônico, promulgado pelo

6 Trecho de Publicação Comemorativa dos Arautos do Evangelho intitulada – Surge um novo

carisma na Igreja, julho.2001. Pag.13.

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Papa João Paulo II, o superior de Institutos Religiosos Clericais de Direito Pontifício

e das Sociedades Clericais de Vida Apostólica de Direito Pontifício possui o direito

de “poder executivo ordinário”.

Cân. 134 — § 1. Com o nome de Ordinário designam-se, em direito, além do Romano Pontífice, os Bispos diocesanos e os outros que, mesmo só interinamente, são colocados à frente de uma Igreja particular ou de uma comunidade equiparada segundo o cân. 368, e ainda os que nas mesmas têm poder executivo ordinário geral, a saber, os Vigários gerais e episcopais; do mesmo modo, para com os seus súditos, os Superiores maiores dos institutos religiosos clericais de direito pontifício e das sociedades clericais de vida apostólica de direito pontifício, que tenham pelo menos poder executivo ordinário. § 2. Com o nome de Ordinários do lugar designam-se todos os referidos no § 1, excetuados os Superiores dos institutos religiosos e das sociedades de vida apostólica.

7

A medida fez a vertente, agora mais próxima do Papa, ganhar respeito da

comunidade católica e expandir os trabalhos. Sua organização demonstra

complexidade quando o assunto é defini-los. De acordo com seu site oficial, o

www.arautosdoevangelho.com.br, “a Associação dos Arautos é composta

predominantemente por jovens entre 15 e 25 anos, e está presente em 78 países”8.

O canal na internet afirma que os membros da Associação, embora haja

exceção àqueles que abraçam o sacerdócio, são leigos, ou seja, não professam

votos, mas praticam o celibato e “dedicam-se integralmente ao apostolado, vivendo

em casas destinadas especificamente para rapazes ou para moças, os quais

alternam a vida de recolhimento, estudo e oração com atividades de evangelização

nas dioceses e paróquias, dando especial ênfase à formação da juventude”9.

Compreende ainda a Associação Arautos do Evangelho outra categoria de

membros, denominados Cooperadores. Segundo o site:

7 De acordo com informações do Código de Direito Canônico, promulgado pelo Papa João Paulo II,

versão portuguesa, 4ª edição, disponível no item ‘Normas Gerais’, subitem Do poder de governo (p. 23). O material está disponível na íntegra no endereço http://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-iuris-canonici_po.pdf

8 A afirmação está disponível em http://www.arautos.org.br/view/show/341-arautos-do-evangelho

acesso em 21.05.2011 9 Embora o Estatuto dos Arautos do Evangelho não esteja disponível em seu canal, tais

informações constam em vídeo disponível no portal e descrita na página de apresentação da vertente. Ver: http://www.arautos.org/view/show/13713-arautos Acesso em: 21.05.2011

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Embora sintam-se identificados com o espírito da Associação - lê-se nos Estatutos - não podem comprometer-se plenamente com os objetivos dela, devido a seus compromissos sacerdotais, ao fato de pertencerem a algum instituto de vida consagrada ou sociedade de vida apostólica, ou a seus deveres matrimoniais ou profissionais

10.

Sobre essa categoria, os Arautos do Evangelho demonstram grande simpatia

àqueles que, embora parte de outra vertente da Igreja Católica ou tenham

constituído família, ou ainda, exerçam profissão que não permita tempo livre para se

envolver com as atividades do grupo, dispõem-se a participar dos encontros

periódicos dos Arautos, e frequentam as ações de evangelização e rituais propostos.

O grupo ainda se desdobra na Sociedade Clerical Virgo Flos Carmeli11,

constituída por membros dos Arautos do Evangelho que se ordenaram sacerdotes

após conviver na comunidade, e na feminina Regina Virginum, ramificação feminina

dos Arautos12. Ambas receberam aprovação pontifícia em 4 de abril de 2009. Os

Arautos contam com diversos conjuntos musicais, sendo o mais conhecido os

Cavaleiros do Novo Milênio. Aqui verificamos mais um entre os vários itens de

identificação da vertente com os Cavaleiros Templários, sobre o qual se tratará mais

adiante.

Deve-se observar como os Arautos do Evangelho, de cunho religioso,

possuem normas e regras determinadas em um estatuto além daquelas próprias da

Igreja Católica, demonstrando seu aspecto de associação. Os membros - leigos,

casados, solteiros, sacerdotes, diáconos, religiosos devem, além de observar os

deveres próprios a seu estado, viver de acordo com o carisma e a espiritualidade da

Associação, comprometendo-se a cumprir as obrigações de membros do grupo.

No que se refere ao seu estatuto, não disponível no canal na internet,

10

Sobre a categoria do grupo chamada ‘cooperado’, o único local do site em que se encontra referência faz a menção citada acima. Ver http://www.joaocladias.org.br/arautos.asp Acesso em 05.06.2011

11 Informação disponível no desdobramento do site dedicado a essa ramificação da Associação.

Cita que "A Sociedade nasce como expressão do carisma da Associação Arautos do Evangelho, com a especificidade da vocação sacerdotal, manifestando a vontade de atuar em comunhão de métodos e metas com a mencionada associação, e empenhando-se particularmente em que os fiéis que se sentem atraídos por este carisma tenham uma assistência ministerial, sobretudo, os que vivem em comunidade". Acesso em 04.03.12, disponível em www.virgofloscarmeli.org/page/artigo/25280

12 Informação disponível no desdobramento do site dedicado a essa ramificação da Associação. Cita

que “nasce como expressão do carisma dos Arautos do Evangelho, aplicado às especificidades da vida feminina, empenhando-se de modo particular em manifestar as suas características próprias no mundo secularizado”. Acesso em 04.03.12, disponível em www.reginavirginum.org.

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conforme mencionado anteriormente, cita-se no portal que está delineada a sua

vocação:

Esta Associação nasceu com a finalidade de ser instrumento de santidade na Igreja, ajudando seus membros a responderem generosamente ao chamamento à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade, favorecendo e alentando a mais íntima unidade entre a vida prática e a fé

13.

As palavras “plenitude” e “perfeição” são claros sinais de um discurso de

autoengrandecimento de um grupo que se pretende eleito, escolhido, ou seja,

exemplo para os demais, bem peculiar à estética classicista.

Esse comportamento se daria em decorrência do fechamento neles mesmos,

e assim os membros enxergam-se como parte integrante dessa “comunidade”. O

fechamento, o qual Zygmunt Bauman (2001: 16) denomina como círculo

aconchegante, prevê uma organização viva e fechada (sem acesso), na qual seus

membros se sentem seguros, capazes de defendê-la contra possíveis “invasores” ou

demais fatores que abalariam sua estabilidade.

As lealdades humanas, oferecidas e normalmente esperadas dentro do ‘círculo aconchegante’, não derivam de ‘uma lógica social externa ou de qualquer análise econômica de custo-benefício’. Isso é precisamente o que torna esse ‘círculo aconchegante’: não há espaço para o cálculo frio que qualquer sociedade em volta poderia apresentar, de modo impessoal e sem humor, como ‘impondo-se’ à razão. E essa é a razão porque as pessoas afetadas por essa frialdade sonham com esse círculo mágico e gostariam de adaptar aquele mundo frio ao seu tamanho e medida. Dentro do ‘círculo aconchegante’ elas não precisam provar nada e podem, o que quer que tenham feito, esperar simpatia e ajuda

14. (BAUMAN. Z. 2001, p. 16).

Nesse trecho, Bauman menciona como o diálogo estabelecido entre o grupo

pode diferir daquele entre as demais pessoas, conferindo a ele uma característica

própria, em virtude de estar fechado em si mesmo, impossibilitando o olhar sob

pontos de vista diferentes.

O fechamento do grupo em si mesmo é latente no já citado estatuto dos

Arautos do Evangelho. Em livro comemorativo publicado em 2001 cita-se que o

13

Informação disponível em www.arautosdoevangelho.com.br. Acesso em maio de 2011. 14

No livro “Comunidades: a busca por segurança no mundo atual”, Zygmunt Bauman menciona que quanto mais fechadas as comunidades, mais segurança elas sentem e mais homogêneas são, não permitindo a interferência externa, logo, questionamentos sobre condutas e discursos. Pag. 16.

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estatuto de criação foi aprovado em 21 de setembro de 1999, por dom Emílio

Pignoli, então bispo diocesano de Campo Limpo (SP), que abarca parte da região da

cidade de São Paulo.

Sobre sua origem, as informações oficiais da Associação não são

elucidativas. O mesmo livro (2001; 56) menciona que a origem dos Arautos “teve a

Providência seus desígnios misteriosos”, referindo-se aos “insondáveis desígnios de

Deus”.

Sua origem remonta, em meados do século passado, a um grupo de jovens que se aglutinou em São Paulo para admirar a harmonia e cultivar a espiritualidade que se evoca do canto gregoriano, em meio ao estudo da Doutrina Católica. Por essa via estava a Providência convidando-os para se entregarem por inteiro ao verdadeiro Autor de todas as pulcritudes. Ao mesmo tempo, o Espírito Santo suscitou em suas almas o anseio de formarem uma instituição de cunho religioso, com a finalidade de promover a santificação pessoal, enquanto utilizariam a música e a cultura em geral como meio de evangelização

15.

Há novamente elementos da estética classicista no discurso dos Arautos do

Evangelho, como a relação entre arte e espiritualidade. Observa-se aqui o uso de

um discurso que reforça a noção de antiguidade, e que na verdade não condiz com

a realidade.

De acordo com o mesmo material, a partir desse momento “os Arautos do

Evangelho passavam a ser instrumentos vivos da Sagrada Hierarquia a serviço da

Nova Evangelização”. Nota-se o esforço dos Arautos em se afirmar como grupo

escolhido em todo o discurso da vertente, no site oficial e nas demais publicações.

Mostrar-se como ‘ligados diretamente ao Papa’, líder máximo da Igreja Católica,

pregar a ‘nova Evangelização’, como se a existente não fosse a ideal para um

projeto de salvação são afirmações que denotam essa característica.

Como já evidenciamos através de imagens do portal, essa insistência na

hierarquia faz parte da linguagem gestual dos Arautos do Evangelho. A organização

e disposição do grupo nos sugere um exército sempre pronto para agir. Segundo

Boris Cyrulnik em O homem e o encantamento do mundo (1999; p. 100), devido a

sua aptidão para a palavra, o homem fala também pelos gestos.

15

Publicação comemorativa “Arautos do Evangelho – surge um novo carisma na Igreja”; 2001. Pág. 57.

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Durante uma reunião política, a decoração do estrado, a disposição dos dirigentes e o panurgismo nos seguidores estruturam no espaço uma “geometria que quer dizer”. Se o chefe subir para um estrado com TRE metros de altura, equivalente moderno de um trono, enquanto a multidão é vigorosamente ordenada por um serviço de ordem, esta geometria elabora um discurso sem palavras. (...) O espaço e os gestos pré-dizem e, tal como as palavras, podem mentir. (CYRULNIK, B. 1999; p. 100)

A linguagem textual dos Arautos do Evangelho nos falam tanto quanto o texto

que constroem em seu canal. neste sentido, destacamos também a linguagem

utilizada para a internet: a figura do fundador, monsenhor João Scognamiglio Clá

Dias. João Clá possui uma área criada especificamente para suas mensagens, no

endereço www.joaocladias.org.br, que detalha das origens do fundador à trajetória

da sua vida pública.

João Clá Dias, segundo informações dessa área, é brasileiro, nascido em São

Paulo, a 15 de agosto de 1939. O canal enfatiza a data comemorativa da Igreja

Católica por ocasião do nascimento de João Clá: a 15 de agosto se celebra a

solenidade da Assunção de Nossa Senhora.

Afirma ainda que seus pais, António Clá Dias e Annitta Scognamiglio Clá

Dias, “constituíam uma família de imigrantes europeus (o pai era espanhol e a mãe

italiana), na qual a fé católica, herdada de seus maiores, era ainda muito viva”16.

Com fotos do fundador em quase todas as páginas, o site menciona o grau

acadêmico de João em vários momentos, inclusive na página oficial dos Arautos do

Evangelho, evidenciando a busca pela excelência.

Informações sobre o surgimento e a fundação da Associação não são

próprias dos canais oficiais. No entanto, há na página de João Clá Dias detalhes

sobre sua tese de doutorado:

O objetivo da tese é abordar cientificamente o problema que consiste em encontrar a figura jurídica mais adequada para enquadrar a obra dos Arautos do Evangelho no ordenamento canônico, garantindo-lhe a unidade institucional com o englobamento dos diversos estados de vida, o que evita o risco de uma fragmentação futura da instituição e de um desvirtuamento do carisma; problema de máxima atualidade para diversos movimentos eclesiais que iniciaram sua trajetória institucional como associação privada de fiéis

17.

16

Disponível em http://www.joaocladias.org.br/Mostra_Noticia.aspx?id=11. Acesso em 25.05.2011. 17

Disponível em http://www.arautos.org/artigo/19510/Os-homens-de-fe-mudam-os-rumos-da-Historia.html. Acesso em 25.05.2011.

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.Encerrando as informações que, segundo o canal, foram escritas pelo

fundador dos Arautos, talvez como forma de definir o que efetivamente é a

Associação e como surgiu, o texto cita que após várias considerações de soluções

alternativas que definiriam exatamente quem são os Arautos do Evangelho, não se

chegou a uma conclusão que satisfizesse a vertente, “dada a diversidade de estados

de vida que engloba”.

Constata-se a necessidade de os Arautos do Evangelho validar a criação da

vertente e dar a ela status de organização forte e diferenciada. A tese de doutorado

de João Clá Dias, citada extensamente em sua página, é clara tentativa de o grupo

mostrar o suposto diferencial dos Arautos e seu devido reconhecimento como novo

grupo de evangelização:

Deita-se o vinho novo em odres novos” (Mt 9, 17; Mc 2, 22; Lc 5, 38). Intuição que, de algum modo, estava já implícita no reconhecimento pontifício das duas Sociedades de Vida Apostólica (Virgo Flos Carmeli e Regina Virginum), ao considerá-lo um passo intermediário, que solucionava temporariamente determinados problemas, como a incardinação dos clérigos, até encontrar-se uma forma suficientemente flexível e abarcadora, capaz de preservar o carisma no futuro.

18

Para haver identificação, as facções da Igreja Católica imprimem um sinal em

seu chamado ‘trabalho de evangelização’, o qual denominam “carisma”.

Os Arautos do Evangelho, de acordo com informações de seu site oficial,

definem que seu carisma “os leva a procurar agir com perfeição em busca da

pulcritude em todos os atos da vida diária, mesmo estando na intimidade, que está

expresso no sublime mandamento de Jesus Cristo: ‘Sede perfeitos como vosso Pai

Celeste é perfeito’ (Mt 5, 48)”.

O texto acrescenta que o membro da Associação é chamado à perfeição,

assunto abordado no capítulo 3 – Elementos estéticos classicistas relevantes para a

criação da imagem pública dos Arautos do Evangelho no portal.

No que se refere à espiritualidade, de acordo com o seu estatuto, procuram

viver a religiosidade tendo como referência três pontos: Eucaristia, Maria e o Papa.

18

Destacamos aqui trecho de um texto retirado da área de João Clá Dias, que detalha as subdivisões complexas da vertente, suas designações e a complexidade de sua estrutura, justificando a necessidade de ser vista e definida diferentemente das demais vertentes da Igreja Católica. Disponível em http://www.arautos.org.br/imprimir/19510.html. Acesso em 12.03.2011.

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Esses conceitos estão estampados no brasão19 que ostentam, no portal e nas

roupas. Afirma o site:

A espiritualidade tem como linhas mestras a adoração a Jesus Eucarístico, de inestimável valor na vida da Igreja, para construí-la como una, santa, católica e apostólica, corpo e esposa de Cristo (EE 25, 61); a filial piedade mariana, imitando a sempre Virgem e aprendendo a contemplar n’Ela o rosto de Jesus; e a devoção ao Papado, fundamento visível da unidade da fé

20.

Como mencionado, a importância da hierarquia sob a qual se organizam é

tratada com seriedade.

Sobre a obediência a Maria, apesar da possível devoção dos pais de João

Clá Dias e a data na qual o fundador nasceu, não se pode esquecer que é um dos

dogmas principais da fé católica. Com relação à adoração de Jesus Eucarístico, fala-

se novamente de um dos dogmas da fé cristã-católica, que crê na encarnação do

‘corpo de Cristo’ no pão e no ‘sangue de Cristo no vinho’, momento em que Deus se

faria presente nesses dois itens.

Dessa forma, ‘corpo de Cristo’, como a Igreja se refere àqueles que fazem

parte do corpo da Igreja Católica, é uma tentativa de os Arautos demonstrarem que

fazem parte desse corpo-igreja.

1.3. Os Arautos do Evangelho e TFP

A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP

define-se21 como entidade cívica legalmente registrada em São Paulo em 1960.

Fundada por um grupo de católicos leigos tradicionalistas, encabeçados por Plínio

19

Sobre o brasão ver http://www.arautos.org.br/imprimir/19510.html Acesso em 22.05.2011. 20

Um dos dogmas da fé católica é a assunção de Maria, Mãe de Jesus, ao céu, de corpo e alma. Diante da pureza e virgindade de Maria, ela não mereceria morrer como uma pessoa qualquer. Os católicos acreditam que, devido à sua obediência e resignação, Maria teria sido levada aos céus pelos anjos, por isso essa data é tão importante, e achamos relevante citá-la nesta parte da pesquisa, considerando ainda a Obediência filial à Maria um dos pilares dos Arautos do Evangelho. Ver citação em http://www.acnsf.org.br/article/19510/Os-homens-de-fe-mudam-os-rumos-da-Historia.html. Acesso em 22.05.2011.

21 Quem é a TFP. Disponível em http://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/luz-agua-ou-

lenha. Acesso em 05.06.2011.

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27

Corrêa de Oliveira22 e com atuação política destacada nas décadas seguintes ao

seu surgimento, a TFP, mesmo com a morte de seu criador, em 1995, ainda possui

sócios que mantêm sua organização original. Formam, em cada Estado, uma seção,

tendo à frente um diretório seccional, que se divide em subseções, coordenadas por

dois órgãos de jurisdição em todo o país: o Conselho Nacional, com o encargo das

atividades sociais em seus aspectos culturais e cívicos, e a Diretoria Administrativa e

Financeira Nacional, cujo campo de ação é definido pelo próprio título.

Segundo Gizele Zanotto (2006)23:

Sua matriz de interpretação do mundo deriva do catolicismo integrista, doutrina contrarrevolucionária que preconiza uma reedificação da ordem social cristã como a única solução aceitável para a solução dos problemas engendrados desde o fim da época medieval pela chamada modernidade (ZANOTTO, G. 2006; p. 8).

Em seu site oficial, o www.tfp.org.br, mantido por membros da TFP que ainda

tentam preservar o que sobrou da Sociedade após a morte de Plínio, está a

afirmação de que a finalidade da TFP “é combater a ‘maré-montante do socialismo e

do comunismo’24, o que comparam com ‘a tuberculose simples e a tuberculose

galopante”. Segundo a concepção dos tefepistas, ambos os “males” (exposto desta

forma no site) repousam sobre a mesma base filosófica, que induzem a uma série de

máximas culturais, sociais e econômicas. Portando, a sociedade teria como objetivo

combater essas correntes filosóficas. Utilizam como principal instrumento as obras

doutrinárias escritas por sócios ou amigos, cujo sistema de difusão consiste na

22

Plínio Corrêa de Oliveira nasceu em São Paulo/SP em 1908. Sua militância católica iniciou-se nos anos 20, como integrante da Congregação Mariana na Paróquia de Santa Cecília, e se estendeu até seus últimos dias, tendo participado ativamente de atividades de inspiração cristã, como a fundação da Ação Universitária Católica – AUC, na Faculdade de Direito, onde estudava (1929); a criação da Liga Eleitoral Católica - LEC (1932); deputado federal na Assembleia Constituinte (1934-1937); diretor do jornal O Legionário, Órgão da Congregação Mariana de Santa Cecília, transformado em porta-voz oficioso da Arquidiocese de São Paulo (1933-1947); presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica Paulista (1940-1943); orientador e inspirador do mensário de cultura Catolicismo (fundado em 1951); fundador e presidente vitalício da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP. Plínio Corrêa de Oliveira faleceu em São Paulo, no ano de 1995, em odor de santidade, segundo seus sequazes. Ver Gizele Zanotto, artigo “Tradição, Família e Propriedade: cristianismo, sociedade e salvação”, 2006.

23 ZANOTTO, Gizele. “Tradição, Família e Propriedade: cristianismo, sociedade e salvação”, In: XI

CONGRESSO LATINO-AMERICANO SOBRE RELIGIÃO E ETNICIDADE - MUNDOS RELIGIOSOS: IDENTIDADES E CONVERGÊNCIAS, 2006, São Bernardo do Campo/SP. Anais do XI Congresso Latino-Americano sobre Religião e Etnicidade - Mundos Religiosos: Identidades e Convergências. São Bernardo do Campo/SP: UMESP/ALER, 2006. v. I.

24 Acesso em 05.06.2011. Disponível em http://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/luz-

agua-ou-lenha

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venda em logradouros públicos, por grupos de jovens que levam o característico

estandarte rubro com o leão rompante. O símbolo seria uma referência a um grupo

de militantes da Igreja tradicionalista do início do século XX.

1.3.1. O “racha” da TFP

Matéria publicada pela revista Veja25 menciona que as grandes brigas que

racharam a TFP se deram após a morte de Plínio, como mencionado, em

decorrência da disputa por donativos entre a TFP e os Arautos do Evangelho.

Matéria publicada pela Folha de S.Paulo, e reproduzida no site

www.fundadores.org.br, datada de 13 de dezembro de 2008, afirma:

Eles perderam o controle da entidade em 2004, numa disputa judicial que havia começado em 1997. Um grupo dissidente, liderado pelo hoje monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, exigiu na Justiça o direito de que as decisões da organização não fossem tomadas apenas pelo pequeno grupo de, então, oito sócios-fundadores remanescentes. Os dissidentes perderam em primeira instância, mas ganharam a causa e o controle da TFP em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2004. Desde então o processo aguarda julgamento final no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Entre 2004 e 2006, os sócios-fundadores e seus seguidores se separaram da “nova” TFP e passaram a se denominar “Associação dos Fundadores da TFP”. Há dois anos, nova decisão proibiu o uso da sigla pelos fundadores. Eles então passaram a se denominar apenas “Associação dos Fundadores”. Clá Dias e seus seguidores, também fundadores da associação ligada à Igreja Católica Arautos do Evangelho, são acusados pelos fundadores de terem tomado o controle da entidade que teve seu auge no regime militar (1964-1985) para abandonar a principal característica da TFP: a militância política em defesa intransigente do direito de propriedade e combate a movimentos sociais que ameacem esse princípio. (FOLHA DE S.PAULO; 13 de dezembro de 2008)

A matéria afirma, na ocasião em que se celebrava o centenário de Plínio

(2008), que fundadores do grupo perderam o direito de usar a sigla da TFP e que

disputas judiciais após a morte de Plínio deram poder ao grupo dos Arautos do

Evangelho, que teria deixado de fazer militância política.

Aqui caberia questionar se na ênfase da vertente nas questões de disputas

judiciais estaria sinalizada, na realidade, uma disputa financeira.

25

Matéria “A TFP do B”, publicada pela revista Veja em 28 de abril de 2004. Disponível em http://veja.abril.com.br/280404/p_094.html. Acesso em 24.06.2011.

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1.3.2. João Clá Dias e Plínio Corrêa

Dados históricos como os citados revelam que na base da disputa pelas

propriedades deixadas pela TFP e pelo legado da Sociedade surgem os Arautos do

Evangelho. Embora não haja sequer uma citação sobre a TFP no site oficial, é

possível encontrar referências do vínculo entre a TFP e os Arautos em diversas

publicações.

No site oficial da TFP (www.tfp.org.br), por exemplo, a imagem de Nossa

Senhora de Fátima aparece nos mesmos moldes de utilização do site oficial dos

Arautos do Evangelho.

Figura 4 - Home do site www.tfp.org

Fonte: www.tfp.org (acesso em 18.08.12)

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Figura 5 - Home do site www.tfp.org - “Visitas da Imagem de Nossa Senhora de Fátima”.

Fonte: site www.tfp.org (acesso em 18.08.12)

Figura 6 - Home do blog desdobramento do portal dos Arautos do Evangelho.

Fonte: www.cavalariademaria.blog.arautos.org. Acesso em 18.08.12.

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Figura 7 - Home do site desdobramento dos Arautos do Evangelho. Sob o título “Imagem peregrina recebe devotas manifestações de afeto” constata-se que no site

dos Arautos e no da Cavalaria de Maria, a ‘visita da Imagem’ está em destaque.

Fonte: Disponível em www.cavalariademaria.blog.arautos.org. Acesso em 18.08.12

Na matéria veiculada pela Veja, a relação de João Clá Dias e Plínio Corrêa é

clara. João Clá teria militado por mais de 30 anos na TFP. Nos anos 60 se

aproximou de Plínio, de quem foi secretário particular.

O fundador dos Arautos do Evangelho se tornou uma espécie de ‘amigo da

família’ e da mãe de Plínio, conhecida por dona Lucília, e “se prontificado a escrever

um livro sobre ela: uma obra de três volumes ricamente ilustrada”26.

1.3.3. Sociedade secreta

Este capítulo será encerrado com informações sobre a possível participação

de João Clá Dias em uma ‘sociedade secreta’.

A matéria da revista Veja menciona, sem citar a fonte, que um ex-teefepista

declarou ao repórter a participação do fundador dos Arautos do Evangelho em ‘uma

26

Ver www.tfp.org.br/fundador. Acesso em 20.07.2012.

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ala da TFP que cultuava as figuras de Plínio e de dona Lucília como se fossem

santos’, ou seja, uma sociedade com ritos secretos, fazendo referência a João Clá

como sucessor espiritual de Plínio.

Sérias acusações sobre o mesmo assunto são feitas ainda pela Associação

Cultural Monfort27, vertente tradicionalista que prega a defesa da Igreja Católica e

seus ensinamentos contra o que denominam “erros do tempo”. Em seu site oficial28

há uma série de artigos que relacionam os Arautos à TFP. A Monfort menciona que

essa sociedade secreta, intitulada “Sempre Viva”, era citada em código como

‘Família de Almas’.

Seu grupo inicial permaneceu longo tempo muito reduzido, um tanto estranho, e muito reservado. Ele inicialmente fazia reuniões na Rua Martim Francisco, onde morava o Cônego Antônio de Castro Mayer. Depois, ao receberem dois apartamentos num edifício da Rua Vieira de Carvalho, doados a eles, depois da morte de um membro do grupo inicial, este passou a se denominar corriqueiramente como o grupo da Vieira de Carvalho. Como na Maçonaria, se designam as lojas com o nome de Loja da Rua Tal, assim também sempre foi costume na TFP: as várias sedes sempre eram designadas como grupo da rua Tal ou da rua Tal outra. E sua gíria interna sempre teve termos usados na Maçonaria. (Site oficial da Associação Monfort. http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&. subsecao=religiao&artigo=pco-vii&lang=bra )

O texto menciona que o grupo de Plínio manteve-se reduzido até a década de

1950.

A Monfort teria denunciado a sociedade secreta conhecida por “Sempre Viva”

por trás da TFP na obra “Por trás do estandarte” (Editora: 2000). Afirma ainda que

em 1975 Plínio teria se declarado fundador da instituição secreta, que passou a ser

intitulada “Sagrada Escravidão”, pois todos os seus membros, na cerimônia de

iniciação, deviam fazer uma consagração pessoal como escravos do Dr. Plínio,

entregando-lhe sua pessoa, corpo e alma, bens interiores e exteriores.

27

De acordo com seu site oficial, a Associação Cultura Monfort é formada por leigos católicos, fundada por Orlando Fedeli em 1983. O grupo declara seguir as orientações de dom Castro Mayer, bispo da Igreja Católica que, durante o Concílio Vaticano II, assumiu-se como um dos líderes da área conservadora, especialmente no campo da ortodoxia. Ainda define em seu site que o centro de suas atividades “é a luta em defesa da Igreja Católica e de seus ensinamentos, contra os erros de nosso tempo, especialmente no que se refere às doutrinas modernas e suas consequências que se difundiram na Igreja após o Concílio Vaticano II”. Mais detalhes no endereço http://www.montfort.org.br/quem-somos/. Acesso em 10.05.2013.

28 No endereço em que está disponível uma extensa coleção de artigos acusando os Arautos do

Evangelho de ‘esconderem’ uma sociedade secreta, há uma coleção digital de arquivos referentes à história da Igreja, do Papa, arte, ciência e fé, dentre outras. Disponível em http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&. subsecao=religiao&artigo=pco-vii&lang=bra . Acesso em 15.07.2011.

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Todas as teses da Monfort resultariam na publicação “No país das

maravilhas: a gnose burlesca da TFP e dos Arautos do Evangelho”, escrita por

Orlando Fedelli. O resumo do livro (tem, no total, mais de 300 páginas) está

disponível para download em diversos sites da internet.

Sociedades secretas ou não, TFP e Arautos do Evangelho possuem em sua

configuração diversas semelhanças. Gizele Zanotto (2006), que estudou a TFP e

seus conceitos, afirma que a prática social do grupo vivenciada por seus membros

baseia-se essencialmente em três fontes:

Que sistematizam a compreensão de que o mundo moderno é tido por catastrófico em função de um pluricelular processo maligno de destruição da civilização cristã, que só será detido se os homens novamente se converterem à verdadeira fé e praticarem a verdadeira devoção a Nossa Senhora, padroeira da Contrarrevolução e responsável pela vitória do bem sobre o mal pela distribuição da graça. As três fontes são “Revolução e contrarrevolução”, obra de Plínio Corrêa de Oliveira lançada em 1959; a devoção Mariana, fundamentada na obra de São Luís Maria Grignion de Monfort, “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”; e a mensagem contrarrevolucionária de Nossa Senhora de Fátima (ZANOTTO, Gizele, 2006; p.2).

29

Além dos citados elementos da estética classicista encontrados na

comunicação dos Arautos do Evangelho, há aqui esse tipo de presença igualmente

na TFP. Como exemplo, a revolução em busca dos ideais de perfeição humana.

É possível verificar ainda que os Arautos do Evangelho herdaram da TFP

toda a espiritualidade e devoção a Nossa Senhora de Fátima, que aparece em

vários momentos. O devotamento segue o modelo traçado por São Luís Maria

Grignion de Monfort.

1.4. Cavaleiros Templários

Em busca dos referenciais simbólicos que norteiam os Arautos do Evangelho,

deparamo-nos com as constantes semelhanças com os Cavaleiros Templários.

29

A publicação da pesquisadora Gizele Zanotto cita que nas obras mencionadas acima, o fundador da TFP descreve os problemas que impulsionaram a decadência da cristandade e quais as táticas de contrarrevolução para combater a decadência da cristandade. Sobre São Luís Maria Grignion de Monfort, os Arautos do Evangelho declaram em seu site que a espiritualidade da vertente, ou seja, o modo como costumam vivenciar a prática da fé baseia-se, segundo o santo, conhecido pela crença católica, no trabalho com os pobres e por ser defensor da piedade, e ‘pela consagração a cristo pelas mãos de Maria’. Ver: www.cademeusanto.com.br.

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Na história, tudo o que provoca pouca informação é passível de devaneios,

oriundos da capacidade imaginativa do ser humano. Encontrar informações que

sejam fiéis aos Cavaleiros Templários não foi tarefa fácil, dado o número de

especulações sobre sua verdadeira história.

Esta pesquisa não tem como objetivo principal aprofundar-se na história da

‘Ordem Militar e Religiosa’, mas pretendeu averiguar as semelhanças entre os

Cavaleiros Templários e os Arautos do Evangelho, a fim de compreender as

influências dos Templários. As semelhanças vão além da indumentária.

Figura 8 - Indumentária Arautos do Evangelho (Reprodução livro comemorativo pela aprovação do grupo como Associação de Direito Pontifício, publicado em julho de

2001).

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Figura 9 - Arautos do Evangelho perfilados como exército (reprodução livro comemorativo pela aprovação do grupo como Associação de Direito Pontifício,

publicado em julho de 2001).

Figura 10 - Indumentária dos Cavaleiros Templários

Fonte: www.ohistoriador.com.br. Acesso em 15.05.12

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Figura 11 - Indumentária dos Cavaleiros Templários

Fonte: www.virgiliocamposhistoriaantiga.blogspot.com. Acesso em 15.05.12

O fascínio pelas sociedades secretas alimenta lacunas dos mais diversos

tipos, que vão do fanatismo religioso às teorias de conspiração, não muito diferentes

do que se lê sobre os Templários e do que se estudou aqui sobre os Arautos.

Oddvar Olsen, no livro “Templários: as sociedades secretas e o mistério do

Santo Graal” (1971; p. 24), menciona que, se “por um lado os Templários eram

conhecidos como devotos, leais e famosos guerreiros monásticos das Cruzadas – os

cavaleiros brancos da cristandade medieval, por outro lado havia rumores de que

eles faziam rituais místicos, guardavam o Santo Graal e possuíam tesouros perdidos

no Templo de Jerusalém”.

Em artigo apresentado no Congresso Internacional de História (setembro de

2011), Augusto Moretti Junior e Jaime Estêvão dos Reis30 citam que em 1120

“alguns cavaleiros cruzados que participaram da tomada de Jerusalém, receberam a

missão de proteger os peregrinos que viajavam à Terra Santa contra os ataques dos

muçulmanos”.

Segundo Oddvar Olsen, autor de “Templários - sociedade secreta e o mistério

do santo graal (Editora Best Seller, 2011), a Ordem dos Cavaleiros Templários

30

Artigo intitulado “A estruturação do poder na Ordem Militar dos Cavaleiros Templários”, apresentado no Congresso Internacional de História, setembro de 2011, disponível em http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/68.pdf. Acesso em 20.12.2012.

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existiu de 1118 a 1312; segundo Willian de Tiro (cidade localizada no Líbano, na

costa do Mar Mediterrâneo), arcebispo de Acre (região ao sul de Sidônia, também no

Líbano), que escreveu o livro “The History of the Deeds Byoung the Sea”,

considerada uma das obras mais confiáveis em termos de informações históricas a

respeito do assunto, os primeiros Templários eram de famílias nobres da França. Ele

cita como os mais notáveis dos nove cavaleiros fundadores: Hugo de Payen e

Godofredo de St. Homer, além de André Montbard, Payen de Montdidier,

Achambaud de St. Amand, Geoffroi Bisol e Godofredo de Boillon.

Olsen contextualiza:

Ao chegarem à Terra Santa, eles se apresentaram ao irmão mais jovem de Godofredo de Boillon (que havia aceitado o título de Rei Balduíno II de Jerusalém), que deu à Ordem recém-fundada instalações com conexão com a mesquita Al-Aqsa. A missão dos Templários, como declarado na obra de Willian de Tyre, era ‘(...) guardar as rotas e as estradas (...) com uma atenção especial para a proteção dos peregrinos...(ODDVAR, Olsen. 2011; p. 25)

Augusto Moretti Junior e Jaime Estêvão dos Reis (2011) definem de forma

semelhante a estruturação do poder na Ordem Militar dos Cavaleiros Templários. O

grupo buscou, como afirmam, a proteção dos peregrinos e o reconhecimento da

Igreja Católica para oficialmente terem uma identidade.

Ao completarem nove anos de estadia em Jerusalém, Hugo de Payns, representando aquele pequeno grupo de cavaleiros, compareceu diante do Concílio de Troyes, com a intenção de obter o reconhecimento da Ordem pela Igreja Católica, acabar com a crise de identidade que os irmãos passavam e conseguir uma Regra que pudesse normatizar seu funcionamento” (MORETTI, A. e ESTEVAO, Jaime Apud Demurger. 2011).

31

A publicação “Sociedades secretas”, número 1, da Editora Escala (55; 2011),

reproduz as informações dos pesquisadores citadas nas duas fontes acima.

Segundo a revista, “em 1118, após a tomada de Jerusalém pela Primeira Cruzada e

o surgimento de um reino cristão no Oriente, Hugo de Payen e oito cavaleiros que

31

Augusto Moretti Junior e Jaime Estêvão dos Reis citam os estudos de Alain Demurger sobre a estruturação do poder na Ordem dos Templários. Moretti e Estêvão mencionam que em 26 de novembro de 1095 “um dia antes da proclamação da primeira Cruzada”, houve uma discussão sobre as mudanças de propostas de direcionamento da Igreja Católica, que ficou conhecida como Reforma Gregoriana. Apoiados nos estudos de Demurger, os historiadores mencionam que “a reforma visava, prioritariamente, libertar a Igreja do domínio dos laicos”. O artigo pode ser lido na íntegra no link: http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/68.pdf

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participaram da empreitada pediram autorização a Bauduíno II para permanecer na

cidade. O objetivo era defender os territórios cristãos conquistados e proteger os

peregrinos que se deslocavam ao local sagrado” (2011; p.55).

Os historiadores Moretti Junior e Estevão dos Reis destacam que as origens

da Ordem do Templo são pouco conhecidas em consequência da ausência de

documentos.

Os relatos históricos que abordam a fundação da Ordem são bem posteriores à sua fundação. O mais célebre relato pertence ao bispo Guilherme de Tiro. Esse religioso escreve que os primeiros fundadores foram Hugo de Pains e Godofredo de Saint Omer. Segundo ele, a nova Ordem não tinha Igreja e nem um domicílio permanente. Então, o Rei de Jerusalém, Balduíno II, permitiu que eles se alojassem por certo tempo no palácio real, situado ao lado do Templo do Senhor, a Cúpula da Rocha. (MORETTI, A. e ESTEVAO, Jaime. 2011; p. 4)

A partir daí encontramos as primeiras semelhanças entre os Arautos do

Evangelho e os Cavaleiros Templários. Segundo o livro de Olsen, em 1139, no

Concílio de Troyes, em Champagne, França, “os Cavaleiros Templários foram

reconhecidos por São Bernardo de Claraval e criaram a Regra dos Cavaleiros

Templários. Essa regra outorgou aos Templários autonomia legal e o direito de, a

partir de então, obedecerem apenas ao papa e a Deus. O papa aprovou oficialmente

a Ordem em 1139”.

Moretti Junior e Estevão dos Reis mencionam que com a formação da Ordem

do templo surgiria a figura dos monges-cavaleiros.

Esses monges viviam sob uma Regra, e diferentemente dos seus predecessores que viviam isolados em monastérios e levavam uma vida contemplativa, atuavam no mundo em defesa de Cristo e a serviço da Igreja, embora pertencessem a uma instituição independente, vinculada diretamente ao papa (MORETTI, A. e ESTEVAO, Jaime Apud Demurger. 2011)

32.

A edição da revista “Sociedades secretas”33 menciona que “uma das

principais características da Ordem era sua autonomia em relação à hierarquia da

32

Artigo intitulado “A estruturação do poder na Ordem Militar dos Cavaleiros Templários”, apresentado no Congresso Internacional de História, setembro de 2011, disponível em http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/68.pdf

33 A revista “Sociedades secretas” utilizada como fonte nesta pesquisa é a edição de número 1 e foi

publicada pela Editora Escala no ano de 2001.

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Igreja. Seus membros estavam sujeitos apenas ao papa” (2011; p. 56).

Os Arautos do Evangelho se preocupam em se respaldar em um estatuto que

os ampara nas regras e orientações de vida do membro. Por esse estatuto o grupo

conseguiu a Aprovação de Direito Pontifício34, que lhe dá, assim como aos

Templários, o direito de responder diretamente ao papa, o que é na realidade o que

os caracteriza no cenário das vertentes católicas do Brasil. Outra semelhança refere-

se ao estilo de vida dos Templários: votos de castidade, pobreza e dedicação

altruística, e ‘uma vida monástica bastante disciplinada e de rotina rígida’.

Destaca-se ainda a opção dos Cavaleiros Templários, segundo Olsen, pelas

catedrais góticas.

Os Cavaleiros Templários usaram sua sabedoria e suas habilidades para construir muitas das magníficas catedrais góticas. O conhecimento da Ordem sobre geometria e simbolismo sacro pode ser visto em Chartres, Notre Dame, e em outras maravilhas arquitetônicas. Além disso, a influência do design do Santo Sepulcro (em Jerusalém) pode ser vista nas clássicas igrejas redondas dos Templários, baseadas na geometria octogonal”. (OLSEN , Odwar. 1971; p. 21)

Os Arautos do Evangelho manifestam, igualmente, sua opção pela arquitetura

gótica, haja vista o belíssimo templo construído pelo grupo em São Paulo (SP), no

alto da Serra da Cantareira.

34

Trecho da homilia citada em publicação comemorativa da aprovação dos Arautos como Associação de Direito Pontifício, datada de julho de 2001 e distribuída gratuitamente relata: “A aprovação não é uma coisa estática, é preciso sublinhar, é uma coisa dinâmica, é um mandato. Sabendo o que os senhores querem fazer, o que os senhores se propuseram a fazer, depois de um atento exame, a Santa Sé, pelo Conselho dos Leigos, o Santo Padre, por meio deste Conselho, considera oportuno, importante e atual. Isso, os senhores, a partir de agora, a partir desta aprovação-ereção pontifícia, o fazem com esta orientação, decisão, mandato especial. O que implica que a comunidade dos senhores estendida pelo mundo adquire com a Cátedra de Pedro uma relação própria. E o ponto de referência dos senhores, que até agora era o bispo tal ou qual, o bispo da diocese em que os senhores já haviam sido previamente aprovados, agora, o ponto de referência é o que está representado aqui acima de mim, ou seja, a Santa Sé, a Cátedra de Pedro". Trecho da homilia do cardeal Jorge María Mejia, Arquivista da Igreja Católica e presidente da Biblioteca Vaticana, em 27 de fevereiro de 2001, que concelebrou a missa que concedeu aos Arautos o Título de Associação Internacional de Direito Pontifício. Dessa forma, a Associação ganhou autonomia para suas atividades de evangelização, sem necessariamente precisar de autorização do bispo da diocese à qual pertencem. Essa relação é estabelecida como forma de orientação e 'respeito' ao bispo, e não implicitamente aprovação do que o grupo deseja realizar.

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Figura 12 - Catedral de Notre Dame

Fonte: megaconstrucciones.net/images/edificios-religiosos/foto/catedral-notre-dame-2.jpg. Acesso em

15.05.12

Figura 13 - Igreja Nossa Senhora do Rosário – Serra da Cantareira, construída e coordenada pelos Arautos do Evangelho.

Fonte: www.thabor.blog.arautos.br. Acesso em 15.05.2012

1.4.1. Guardiães do Santo Graal?

Sobre as especulações acerca do segredo que a Ordem protegia, mais se

destaca a de que os Templários seriam guardiões do Santo Graal. O mistério

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acontece pelo que realmente seria o Santo Graal e quais indícios fizeram com que

essa questão permanecesse latente no imaginário humano. O Graal, segundo a

revista Sociedades Secretas, seria uma taça.

Diz a lenda que foi a taça na qual Jesus bebeu na última ceia; outra lenda diz que foi a taça em que José de Arimateia colheu o sangue que saiu das feridas de Jesus na cruz. Uma terceira versão da mesma lenda diz que Maria Madalena teria coletado o sangue de Jesus nessa taça. (SOCIEDADES SECRETAS, Escala, 2011; p. 96).

Jean Chevalier, no “Diccionario de los Símbolos” (1986, p. 536), cita várias

definições para o Graal. Menciona Julius Evola (Julius Evola, en BOUM, 53), quando

define “el grial... es propriamente un objeto sobrenatural, cuyas principales virtudes

son: que alimenta (don de vida); ilumina (espiritualmente); hace invencible.

Segundo o autor, entre as várias explicações, a menos delirante é a de Albert

Béguin, que define o Graal como sangue de Jesus Cristo; o do cálice, que segundo

a doutrina católica foi oferecido aos discípulos na última ceia, no ritual em que é

lembrado em todas as missas, e aquele sangue que impregnou os tecidos do

sepulcro:

El graal representa a la vez, y substancialmente, a Cristo muerto por los hombres, el cáliz de la santa cena (es decir la gracia divina concedida por Cristo a sus discípulos), y en fin el cáliz de la misa, que contiene la sangre real del Salvador. La mesa donde reposa el vaso es, pues, según estos tres planos, la piedra del santo sepulcro, la mesa de los doce apóstoles, y por fin el altar donde se celebra el sacrificio cotidiano. Estas tres realidades, la crucifixión, la cena y la eucaristía, son inseparables y la ceremonia del grial es su revelación, al ofrecer en la comunión el conocimiento de la persona de Cristo y la participación en su sacrifício salvifico. (CHEVALIER, 1986, apud BEGG, p. 18).

Lendas e especulações à parte, é possível analisar pela contextualização do

surgimento dos Arautos do Evangelho que há a busca incessante pelo modelo de

perfeição e beleza.

Os elementos de semelhança com os Cavaleiros Templários permitiriam

afirmar que se acreditaria defensora de um Santo Graal.

Em ambas as Ordens estão implícitos conceitos de eugenia: para ‘ser de

Deus’ é preciso, além de aceitá-lo e viver de acordo com os ensinamentos da Igreja

Católica, pertencer a um grupo de pares idênticos, belos e perfeitos.

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No documentário “Arquitetura da destruição”35 (Peter Cohen, Suécia, 1992),

há a descrição de toda a ação do ditador alemão Adolph Hitler para eliminar o que

não se enquadrava no que entendia por perfeição. A produção detalha em imagens

e descrições históricas como o ditador alemão sacrificou vidas que se não se

encaixavam no seu padrão de beleza: assassinou doentes mentais, idosos e

portadores de deficiência física. Outro documentário do mesmo diretor, “Homo

Sapiens 1900” (1998), detalha em fotografias e documentos o que é o conceito de

limpeza racial para a construção de uma raça superior. O ideal de perfeição é o que

hoje entendemos por ‘eugenia’. O termo foi popularizado no século XIX por Francis

Galton, que se consagrou, entre outras teorias, como um dos fundadores da

antropologia, segundo estudo de Geraldo Salgado-Neto36.

Segundo Salgado-Neto, Galton apresentou o termo “eugenia” pela primeira

vez na obra “Inquiries into human faculty” (1883) que significaria “de boa cepa” ou

“bem nascer”. O autor afirma que nessa obra Galton cunhou o termo “nature and

nurture” (Natureza e Criação), em uma versão vitoriana da eugenia, que vinha desde

Platão.

Platão descrevia, em ‘A República’, a sociedade humana se aperfeiçoando por processos seletivos (Esparta já praticava a eugenia frente aos recém-nascidos 700 a.C.). Galton propôs que o homem pode dirigir a sua evolução, descreveu os resultados dos seus estudos e concluiu que seria perfeitamente possível criar uma raça de homens altamente dotados, por meio de casamentos escolhidos durante gerações consecutivas, e sugeriu que a espécie humana poderia ser artificialmente melhorada através de reprodução seletiva. (SALGADO-NETO, G. 2011; p. 227)

Com a evolução dos estudos de Galton e o trabalho de Gregor Mendel, no

campo da hereditariedade, em 1900, a eugenia ganhou ainda mais notoriedade. Em

nome de estudos da área da ciência genética milhões de vidas foram sacrificadas

em busca de uma ‘raça pura, bela e perfeita’. Entra em foco a luta das raças. (acho

dispensável isso, deixe terminando em perfeita(...)

A realidade é ainda mais gritante quando são detalhadas a proporção e as

35

No documentário “Arquitetura da destruição”, de aproximadamente 121 minutos, o sueco Peter Cohen enfoca a trajetória do ditador alemão Adolph Hitler, que culminou no extermínio de milhares de judeus, sob a prerrogativa de purificação da raça humana.

36 Citação de Geraldo Salgado-Neto, doutor em Agronomia pela Universidade Federal de Santa

Maria, em artigo Sir Francis Galton e os extremos superiores da curva normal. Publicado na Revista de Ciências Humanas - Florianópolis - Volume 45, Número 1 - p. 223-239 - Abril de 2011.

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consequências do que viveu a Alemanha. Salgado-Neto destaca apurações do

alemão Alfred Ploetz (1860–1940), que ‘se impressiona com as ideias de Francis

Galton e cria a Sociedade para Higiene Racial (1880)’.

Foi a estreia da eugenia na Alemanha. Hitler foi responsável em pouco mais de 12 anos pelo genocídio de quase 12 milhões de pessoas. Com sua autorização, antissemitas queimaram dezenas de sinagogas, mataram centenas de judeus e levaram mais de 30 mil pessoas para os campos de concentração. O ‘programa eutanásia’ matou mais de 70 mil doentes mentais e portadores de deficiência. (SALGADO-NETO, G. 2011; p. 232)

Não é objetivo desta pesquisa se aprofundar no tema eugenia, mas as

citações demonstram como na contemporaneidade alguns ideais permanecem vivos

nos discursos, inclusive no âmbito religioso.

Já são uma realidade as discussões acerca da pesquisa genética

contemporânea, que tem a clonagem como objeto, reavivando os ideais eugênicos.

A primeira imagem sobre os Arautos do Evangelho é a indumentária e a

relação que se estabelece com os Cavaleiros Templários, incluídas a organização e

a semelhança dos integrantes. Em uma primeira análise, chega-se a supor que se

trata de uma vertente tradicional do catolicismo.

O que não se pode afirmar é se os Arautos se veem como releitura dos

Cavaleiros Templários, desde a sua essência, que estaria calcada na ‘guarda do

santo graal’ ou dos ‘cristãos’, até mesmo em sua origem e hierarquia. Muitas são as

semelhanças que remetem a essa conclusão.

No entanto, deve ser ressaltada a fixação pela beleza e pureza, que prega a

‘evangelização pela beleza’, o que identifica um grupo que se apropria de elementos

da estética classicista. Essa busca incessante é defendida em todo o discurso do

grupo nas publicações oficiais e especialmente no portal.

Para os Arautos do Evangelho, a internet é uma das principais formas de

relacionamento com seus seguidores. Este capítulo apresenta as noções do que são

e representam, conduzindo a refletir sobre sua ideologia e performance na internet,

em que a velocidade dita as regras e se torna cada dia mais parte do cotidiano.

Já ha algum tempo, estudiosos demonstram uma grande preocupação com

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aos caminhos que a obsessão pela velocidade podem tomar. Konrad Lorenz em seu

livro “Os oito pecados da civilização” (1973; p. 28) chama a atenção para a

aceleração do cotidiano do homem e sua conseqüente cegueira, em decorrência do

senso estético e moral afetado pela superpopulação das cidades, que resvala,

inclusive, na sua insensibilidade diante de uma diversidade de situações grotescas,

e que os Arautos do Evangelho, vertente da Igreja Católica ignoram, quer por

desconhecimento, quer por questões particulares do grupo.

O senso estético e moral estão estritamente ligados. É evidente que os homens, obrigados a viver nas condições das quais falamos, sofre a atrofia de um e de outro. A beleza da natureza e a beleza cultural, criado pelo homem, são necessárias à saúde moral e espiritual do ser humano. Essa cegueira total da alma para com tudo aquilo que é bonito, difundida atualmente em grande velocidade e em toda parte, é uma doença mental que deve ser levada a sério, não fosse pelo fato de acarretar a insensibilidade diante dos fatos moralmente mais repreensíveis. (LORENZ, K. 1973; p. 28).

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2. O PORTAL DO EVANGELHO

“A experiência mística mecanicamente induzida é o que temos aí. Tenho

assistido a muitos congressos de psicologia que lidam com a grande questão da diferença

entre a experiência mística e o colapso psicológico. A diferença é que aquele que entra em

colapso imerge nas águas em que o místico nada. Você precisa estar preparado para essa

experiência”.

Joseph Campbell

2.1. Análise de acessos e ferramentas de interatividade - o Portal dos Arautos

do Evangelho e a comunicação no ciberespaço

Criado em 2008 com o objetivo de evangelizar através da internet e tornar

conhecido o trabalho dos Arautos do Evangelho, o site do grupo no início desta

pesquisa, em meados de 2011, utilizava o endereço

www.arautosdoevangelho.com.br. No desenrolar desta pesquisa, mais

especificamente em meados de 2012, o site seguiu as novas tendências da

tecnologia encurtando o endereço ou URL para www.arautos.org. No entanto, para

não desestimular o usuário a continuar na página, caso ele digite o endereço antigo

será redirecionado para o endereço atualizado.

Os critérios utilizados para esta análise foram:

Navegabilidade;

Arquitetura de informação;

Destaques de informação por repetição e zona de visibilidade;

Incidência de símbolos de identidade: logo, a imagem de nossa senhora

de fátima, a imagem do fundador dos arautos do evangelho;

Teor de impacto de impacto da linguagem hiperbólica das palavras

chaves das mensagens;

Auto-referência nos textos veiculados pelo portal;

Disparadores de mensagens (newsletter);

Canais de interatividade.

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O canal dispõe de uma diversidade de ferramentas para manter conectados

os seus seguidores e está disponível em português, espanhol e italiano. Possui área

para cadastro, o que confere aos cadastrados um email diário com o Evangelho do

Dia e atualizações de notícias.

Figura 14 - Newsletter enviada diariamente aos cadastrados no site

O canal registra uma média de 955 mil visitas por mês e 715 mil visitantes

únicos, contabilizando cerca de 1.855.000 visualizações de páginas, segundo

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informações disponibilizadas pelos próprios Arautos para esta pesquisa. Esse

número de acessos é considerável para um site de um grupo que se supõe tão

segmentado, pressupondo um fenômeno maior do que se imagina37.

No mês de outubro de 2011, o menu principal apresentava ao usuário os

itens:

Home

Quem somos

Atuação

Reze por Mim

Fundos de Tela

Blogs.

Ainda existe a possibilidade de visualizar o canal nas línguas espanhola ou

italiana. Já nas análises feitas em agosto de 2012, o menu nos apareceu com o item

“Misericórdia”. Vamos detalhar a frente os sub-itens de cada um deles.

Todo o site possui links que levam a uma diversidade de desdobramentos de

página. Ao posicionar o mouse sobre o meu “Quem somos”, uma nova aba é aberta

com os seguintes submenus: “Arautos do Evangelho”, “Virgo Flos Carmeli”, “Regina

Virginum” e “ITTA – Instituto Teológico São Tomás de Aquino”. Em cada um desses

itens, históricos sobre o funcionamento e subdivisão dos Arautos do Evangelho que

foram descritas no capítulo I desta pesquisa. Importante citar que a cada click, os

links ganham novos endereços. Exemplo: ao clicar no item “Virgos Flos Carmeli”,

somos direcionados ao endereço www.virgofloscarmeli.org. Ao clicar no item

“Regina Virginum” somos direcionados ao endereço www.reginavirginum.org.br.

Chama-nos a atenção, na parte de baixo do menu “Regina Virginum”, a

quantidade de desdobramentos do logotipo principal dos Arautos do Evangelho ali

dispostas, sendo três deles compostos com a imagem de Nossa Senhora de Fátima

37

E-mail enviado pela coordenação do grupo em 07 de junho de 2011 para fins dessa pesquisa confirmam a informação citada. No entanto, a pesquisa encontrou uma grande dificuldade em acessar dados sobre o portal, referentes à acessos, ferramentas entre outros. Também não foram encontradas referências em outros sites da internet que não fossem só o próprio www.arautosdoevangelho.com.br.

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e os outros seis com a cruz de Santiago de Compostela, utilizada pelos Arautos do

Evangelho para identificação do grupo.

Figura 15 - Imagem do rodapé da página com a diversidade de logomarcas utilizadas pelos Arautos do Evangelho

Fonte: www.reginavirginum.org.br. Acesso em 20.08.2012

Também destacamos outro desdobramento do menu “Quem Somos”, o “ITTA

– Instituto Teológico São Tomás de Aquino”. Ao clicar nele, o internauta é

redirecionado para o endereço http://ittanoticias.arautos.org/. O layout desta área

diverge em termos de distribuição de informação das demais áreas internas do

www.arautos.org. Traz a dinâmica de leitura de blogs, com textos corridos e poucas

imagens, dando a entender que está direcionado a um grupo segmentado dentro

dos próprios Arautos do Evangelho.

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Figura 16 - Imagem da área www.ittanoticias.arautos.org.

Fonte: www.ittanoticias.arautos.org. Acesso em 10.09.2012.

Voltando ao detalhamento do menu principal, temos como desdobramento do

link “Atuação” os seguintes sub-links:

Celebrações litúrgicas

Cooperadores

Misericórdia (este sub-link aparece mais de uma vez pois também está no

menu principal)

Oratório

Primeiros Sábados

Vicariato Apostólico

TV Arautos (que também aparece mais de uma vez na home do portal).

Neste link chama-nos atenção os sub-links “Misericórdia” e “Primeiros

Sábados”. Não detalharemos os demais pois, tais páginas internas nos permitem

acesso às informações da estrutura dos Arautos do Evangelho já descritas no

capítulo anterior.

Aqui gostaríamos de fazer uma consideração sobre a linguagem que

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chamaremos de hiperbólica utilizada pelos Arautos do Evangelho. Conforme

veremos nas análises detalhadas neste capítulo, a utilização de termos e a

construção de frases que denotem “desespero”, “dificuldades”, “inferno”, “pecado”,

“sofrimento” e “socorro” são constantemente notadas nas definições. Se por um lado

o grupo exalta o belo, por outro se utiliza de elementos com apelos que remetem ao

horror com que reagem àquilo que eles entendem que não pertencem ou não é de

Deus, conforme veremos a frente.

Ao que se refere ao sub-link “Misericórdia”, este possui mais um

desdobramento de menus em sua estrutura, que são: “Fundo de Misericórdia”,

“Como participar”, “Pedidos de Socorro” e “Carnê”. Estas subdivisões em grande

escala nos faz refletir uma de nossas percepções sobre a utilização do ciberespaço

pelos Arautos do Evangelho. Como a própria definição da primeira palavra, ‘Arauto’

é quem fala, quem anuncia, e não necessariamente quem estabelece algum tipo de

troca de informação, evidenciando uma tendência do grupo de identificação com a

estética cáotica da internet e a característica própria deste suporte que não permite

a comunicação na sua essência.

Sobre isso, tomaremos as contribuições de Malena Contrera (2010; p. 52)

sobre a sociedade da emissão e a cultura do excesso. Segundo a pesquisadora,

essa apologia ao excesso é típica da era industrial capitalista, onde a cultura do

excesso pensa ser êxtase, e “o êxtase parece ser a resposta do homem

contemporâneo à vacuidade do sujeito e ao desaparecimento do objeto que o

seduziu”, ou seja, o esvaziamento do sentido pela não identificação com o próprio

corpo, tendo como resultado a “cultura da aparição e da experimentação ilimitada”.

Sabemos que o êxtase nasce com a cultura, como símbolo do homo religious

38; não é novo fato de que o êxtase sempre nos pareceu irresistível.

Novo, porém, é sua emancipação do contexto do ritual e da busca de transcendência, já que inicialmente o homem buscava os estados alterados da consciência e o êxtase nas práticas religiosas ou em rituais específicos (que ele cria exatamente para conter e e significar essas práticas), em práticas que demarcavam claramente o caráter extraordinário do êxtase – com tempo e espaços diferenciados e delimitados – e que o relacionavam com uma função transcendente ou mítica. O êxtase era, enfim, um meio para a ampliação da consciência ou para a comunicação com os deuses (como no caso do xamanismo), e não um fim em si mesmo. (CONTRERA, M. 2010; p. 52)

38

Apud Mircea Eliade sobre o caráter religioso do homem

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Ainda sobre a cultura do excesso, tomamos por contribuição, os estudos de

Jean Baudrillard (Simulacros e Simulações, 1981; p. 104) sobre a grande produção

de informações e a falas percepção do “quanto mais, melhor”, típica da lógica

capitalista. O autor cita três hipóteses sobre a perigosa relação mais informação e

menos sentido, entre elas, a de que há uma correlação rigorosa e necessária entre

ambos (informação e sentido).

Em toda a parte a socialização mede-se pela exposição às mensagens midiáticas. Está dessociallizado, ou é virtualmente associal, aquele que está sobposto aos media. Em toda a parte é suposto que a informação produz uma circulação acelerada do sentido, uma mais-valia de sentido homólogo à mais-valia econômica que provém da rotação acelerada do capital. A informação é dada como criadora de comunicação, e apesar do desperdício ser enorme, um consenso geral pretende que existe, contudo, no total, um excesso de sentido, que se redistribui em todos os interstícios do social - assim como um consenso pretende que a produção material, apesar dos seus disfuncionamentos e das suas irracionalidades, resulta ainda assim num aumento de riqueza e finalidade social. Somos cúmplices deste mito. (BAUDRILLARD, J. 1981. p. 104).

Vemos permear em todo o portal o conceito do mais, inclusive, repetição e na

dramaticidade da linguagem utilizada. Destacamos aqui o sub-link do menu principal

da página inicial do portal dos Arautos do Evangelho, intitulado “Misericórdia”, um

projeto dos Arautos do Evangelho que teria como objetivo subsidiar instituições

carentes. Na data desta pesquisa39, um vídeo de abertura aborda o apoio dos

Arautos do Evangelho ao “Lar Nossa Senhora das Mercedes", citada no site como a

casa das Irmãzinhas dos Anciãos desamparados em São Caetano do Sul. Neste

vídeo, imagens de idosos em situação de vulnerabilidade social: acamados, com

dificuldade para se locomover, feridos, e em algumas imagens, sendo visitados por

membros dos Arautos do Evangelho. Há um sensacionalismo que gera um déficit, e

que o grupo parece pretender sanar com suas propostas.

No portal, abaixo do vídeo a frase: “Atendendo a esse apelo, o "Fundo

Misericórdia" dos Arautos do Evangelho está realizando uma campanha de

arrecadação de recursos financeiros para essa obra de caridade de amparo ao idoso

desvalido”. Como podemos observar, mas uma citação que põe em evidência as

mazelas humanas: a velhice e um corpo que acaba e que estraga e que apodrece,

com referências explícitas e elementos que poderíamos considerar grotescos.

39

Disponível em http://www.arautos.org/project/. Acesso em 10.09.2012

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No menu lateral da página, conforme já citado acima, destacamos também o

sub-link “Pedido de Socorro”. Ao clicar, o usuário é levado à imagem da carta da

Madre Superiora responsável pelo Lar Nossa Senhora das Mercês solicitando o

auxílio e apoio dos Arautos do Evangelho para manutenção da instituição.

Figura 17 - Na imagem, uma reprodução do vídeo mostra repórter da TV Arautos entrevistando uma idosa acamada.

Fonte: www.arautos.org/project/misericordia. Acesso em 10.09.2012

Também parte do menu principal do portal dos Arautos do Evangelho e seus

desdobramentos , destacamos o sub-link “Reze por Mim”. Ao clicar nele uma nova

tela é aberta e o usuário é redirecionado para o endereço

www.rezempormim.arautos.org.br, onde um vídeo de 2 minutos e 23 segundos

apresenta o padre Lourenço Ferronato explicando o propósito desta área. Logo

abaixo a frase “Reze por mim, por favor! Estou passando por muitas dificuldades!”40.

A explicação que a acompanha menciona:

40

Informações da página www.rezempormim.arautos.org.br. Acesso em 24.10.2011)

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A comovente frase foi tirada da mensagem de um leitor nos pedindo oração. Por dia nos chegam inúmeros pedidos como este. Sem dúvidas, são pessoas hoje vivem dramas, sofrimentos e problemas de toda a ordem. Mas por incrível que pareça, o numero daqueles que se lembram de pedir socorro através da oração é menor do que se pensa. Com razão, dizia Santo Afonso “Por este meio, pela oração, nos destes [Senhor] a chave de todos os vossos divinos tesouros. “E nós, porque não pedimos, queremos permanecer em nossas misérias”. Portanto, receba você também esta chave celeste e faça agora seu pedido de oração! Os Arautos, do nascer ao pôr-do-sol, estarão rezando nesta intenção diante de Jesus Sacramentado. Sem contar o melhor: os Arautos sacerdotes, diariamente, rezam missas nas intenções que nos são pedidas aqui.

A citação encerra mencionando que aqueles que desejarem agradecer uma

graça alcançada também podem usar o espaço. É colocado um formulário para

aqueles que desejam orações, conforme ilustração a seguir baixo.

Figura 18 - Imagem da página www.rezempormim.arautos.org.br

Fonte: www.rezempormim.arautos.org.br. Acesso em 24.10.2011

Ainda na mesma página, acima do vídeo, um menu oferece redirecionamento

três páginas diferentes: 1) a home do www.arautos.org, 2) ao link ‘Convide um

amigo’, para indicar a página e reverberar as informações descritas acima e 3) ao

‘blog pedidos de oração’. Ao clicar nesta última, o usuário é redirecionado à página

http://www.rezempormimblog.arautos.org.br. Nela é possível ler alguns dos

testemunhos de pessoas que teriam solicitado orações através deste canal.

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Figura 19 - Imagem da página http://www.rezempormimblog.arautos.org.br.

Fonte: http://www.rezempormimblog.arautos.org.br. Acesso em 24.10.2011

Sobre a utilização da tecnologia em favor da religião, Jorge Miklos (2012; p.

97) analisa que a assimilação e utilização de estratégias midiáticas por parte das

religiões é uma forma de ‘manutenção de status quo’. No entanto, segundo o autor,

‘os meios de comunicação interativos também abarcam valores religioso

apresentando tecnologia como religião. Neste sentido há uma devoração mútua

entre ‘tecnologias comunicacionais e atributos divinos’. Segundo ele há a

“apropriação do sagrado pela mídia e a apropriação da mídia pelo sagrado”,

conceito que exploraremos mais a frente neste capítulo.

O link ‘Fundos de Tela’ disponibiliza para baixar de forma gratuita, imagens

para personalização do fundo de tela dos computadores. Grande parte das

fotografias são composições de diversos ângulos da imagem de Nossa Senhora de

Fátima. A fotografias e referências à “Virgem de Fátima”, como é chamada pelos

Arautos do Evangelho estão por toda parte no canal da internet.

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Figura 20 - Área do site onde se encontram imagens para personalização do fundo de tela dos computadores.

Fonte: www.wallpapers.arautos.org/fondos.

O último link do menu principal do portal é o intitulado “Blogs”, ferramenta que

possibilita a elaboração de textos com recursos multimídia de maneira mais simples

e com menos desdobramentos que em um site. Segundo nossa análise feita em

setembro de 2012, são 38 blogs diferentes e que, embora pudessem ser criados

para desenvolvimento de assuntos ou projetos diferentes, mostram em diversos

endereços na construção dos textos e na sua estrutura a mesma cadência e o

mesmo discurso, reafirmando a todo o instante quem são os Arautos do Evangelho,

o que reforça a informação de que há pouquíssimas áreas de interatividade.

Figura 21 - Página de redirecionamento aos blogs dos Arautos do Evangelho.

Fonte: Disponível em blog.arautos.org. Acesso em 10.09.2012

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Desta forma, a estruturação do portal e a constante auto-afirmação no

discurso do portal dos Arautos do Evangelho nos leva a refletir o fechamento deste

grupo em si mesmo. As expressões, a referência a si mesmo e a tentativa de

utilização do ciberespaço para reverberar os valores desta vertente da Igreja

Católica, nos leva a crer que o grupo fala ‘para si’. Como em uma seita, o grupo fala

apenas aos membros, com espécie de códigos de uma comunidade que não fala

para quem não faz parte do grupo, contradizendo a lógica do lócus dito democrático

próprio do ciberespaço.

Sobre essa questão, Zygmunt Bauman (2001; p. 17) reflete sobre a auto-

suficiência e a exclusão de intermediários que caracterizam este tipo de

comportamento, uma contradição que coloca por terra o conceito de “comunidade –

entendimento compartilhado”.

Quando começa a versar sobre seu valor singular, a derramar-se lírica sobre sua beleza original e a afixar nos muros próximos loquazes manifestos conclamando seus membros a apreciarem suas virtudes e os outros a admirá-los ou calar-se – podemos estar certos de que a comunidade não existe mais (ou ainda, se for o caso). A comunidade “falada” (mais exatamente: a comunidade que fala de si mesma), é uma contradição em termos. (BAUMAN, Z. 2001; p. 17).

Essa performance ainda nos leva ainda a refletir se através do portal, os

Arautos do Evangelho não aspiram o seu confinamento a uma “bolha sociocultural”,

tendo em vista que o ciberespaço permite uma localidade extraterritorial. Bauman

(2001; p. 53) já analisou este tipo de característica como a preferência do que

classificou como “nova elite” que opta pela seletividade, inadequada para o papel de

“cultura global”.

A cada click os menus se desdobram e a possibilidade de informação são

infinitas. Entre notícias, destaques da TV Arautos, enquete, foto do dia, capa do

último boletim distribuído aos membros desta vertente da Igreja Católica, banner

convidando o internauta para assistir a missa on-line ao vivo, últimos artigos, últimos

posts dos blogs, galerias de imagens, ainda na lateral direita links que se repetem, e

que aqui vamos citar para análise mais completa da home do portal:

Institucional (Quem Somos, Atuação, Arautos no Mundo, Igrejas,

Reconhecimento, O Fundador, Primeiros Sábados);

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Doutrina (Jesus Cristo, Eucaristia, Espírito Santo, Virgem Maria, São

José, Anjos, Santos, Catecismo, Espiritualidade, Comentários do

Evangelho);

Magistério (Ano Sacerdotal, Encíclica, Voz do Papa, Palavra dos

Pastores);

Devoções (Meditações para o primeiro sábado, Via Sacra, Orações,

Rosário);

Arte e Cultura (História da Igreja, Contos Infantis, Tesouros da Igreja);

Outros (Notícias, Ecologia, revista, Infografia, Doações, Especiais);

Abaixo dos menus e sub-menus citados acima um link para contato,

novamente o “Reze por mim”, uma galeria de fotos e um banner que novamente

anuncia o link para a página “Fundos de Tela”, já analisada anteriormente.

Na barra inferior estão destacados os links para as redes sociais, cuja

performance dos Arautos do Evangelho veremos ainda neste capítulo. Dentro

destes, outros sublinks se desdobram, o que detalhamos em formato de na tabela a

seguir para facilitar a compreensão :

LINK DESDOBRAMENTO (SUB-LINK)

Arautos.org.br Quem Somos

O Fundador

Regina Virginum

Virgo Flos Carmeli

Aprovação Pontifícia

Biografia do Mons. João Clá dias

10 anos de Aprovação

Arautos Mídia

Arautos.org.br

TV.arautos.org.BR

podcast.arautos.org.BR

Revista Arautos

Instituto S. T. de Aquino

Blog.arautos.org

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Links Acnsf.org.br

Igrejas

colégio.arautos.org.br,

Comentários ao Evangelho

lumencatolica.com.BR

arautos.org/desagravo

fat.arautos.com.BR

Gaudium Press

Especiais Quarta-feira de Cinzas

A Lenda do Barrilzinho

A escada milagrosa,

São Tomás de Aquino

Os Milagres de Lourdes

São Brás

O batismo de Jesus

São Paulo

Apóstolo

Irmã Dulce

No link multimídia, destacamos os tipos e formatos de comunicação utilizados

pelos Arautos, e o destaque dado a eles no portal dos Arautos do Evangelho. Com o

nome Arautos Mídia, destacamos a tv.arautos.org.br, pois os demais já citamos ao

longo deste capítulo. Ao clicar no link, o usuário é levado ao endereço:

http://www.arautos.org/tv/41. Nele estão vídeos-notícias em destaque produzidos

pela própria equipe de tv dos Arautos, que, na verdade, são reproduzidos apenas

para web, não possuindo nenhum meio de acesso externo à internet. Esse

investimento informativo na web torna possível inferir que o público considerado é

relativamente jovem

Observamos nessa página, logo no topo ao lado da logomarca da tv, mais

três menus: “Arautos”, “Notícia” e “Programas”. Ao posicionar o mouse no menu

“Arautos” a repetição sobre a formação institucional aparece mais uma vez,

mostrando os desdobramentos abaixo:

41

Acesso em 09.09.2012.

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Apostolado do Oratorio

Arautos e Ecologia

Arautos e Familias

Arautos no Mundo

Cavalaria de Maria

Conheça os Arautos

Cooperadores

Curso de Férias

Institucional

Mons. João Clá Dias

Musicais

Projeto Futuro & Vida

Revista Arautos

Setor feminino

Teatros

O menu “Notícia” desdobra-se para “Arautos Repórter”, que mostra

reportagem sobre o santo brasileiro Frei Galvão e “Notícias”. No menu “Programas”

estão disponíveis links para os programas produzidos pela ‘equipe de tv’. São eles:

Menu Programas

Sublinks:

Bíblia Sagrada

Divina Escola

Especiais

Evangelho Dominical

Mensagens

Misericórdia

Semana Santa

Tesouros da fé

Um outro olhar

Um pensamento do Céu

Vida de Santos

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Videocast

Você Sabia?

No link Misericórdia, há um vídeo sobre o apoio financeiro dos Arautos a uma

creche.

Figura 22 - Imagem da página a que se é direcionado ao clicar no link Tv Arautos

Fonte: www.arautos.org/tv. Acesso em 10.09.2012.

Ao descer a barra de rolagem vemos os links: “Podcast Arautos – clique e

escute”, com entrevistas em áudio, “RSS – acompanhe nossas atualizações” para

aqueles que desejam ser informados sobre as novidades do canal TV Arautos, e

“Contato – dúvidas? Críticas? Sugestões”, para acesso do usuário. No rodapé da

página, o menu das redes sociais e outros se repetem.

Através dos critérios estabelecidos para análise do portal arautos.org,

verificamos uma infinidade de ferramentas e formas criadas pelos arautos para uma

tentativa de conexão com seus seguidores. Chama-nos atenção a repetição dos

símbolos utilizados pelos Arautos, além de sua linguagem hiperbólica e outros

elementos com apelo que remetem ao horror.

O canal nos apresenta um grupo que ‘fala para si mesmo’, que impossibilita a

compreensão de todas as suas mensagens para quem não faz parte do grupo, e

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que utiliza supostos meios de interatividade em discursos onde não há trocas ou

interação, não há respostas, mas vemos um grupo que apenas fala. Conceitos como

estes nos mostram um grupo da Igreja Católica que se organiza como uma

verdadeira seita.

Em sua arquitetura extremamente confusa, vemos um portal no qual a cada

click os menus se desdobram e as possibilidades de informação são infinitas.

Tendo em vista todos esses conceitos e análises, podemos dizer que há uma

identificação do grupo com a estética caótica da internet, e um uso exacerbado de

conceitos que pode espantar um internauta que se aventure a navegar por essas

páginas. Conforme veremos mais adiante, o canal, nada mais é que uma tentativa

para utilizar a cibercultura como forma se auto-legitimação do grupo, independente

de quais sejam os esforços e sacrifícios do corpo e do ritual para que isso ocorra.

Ainda chamamos a atenção aqui para a reflexão de Muniz Sodré RODAPE)

em A Máquina de Narciso, (1990; p.19). O autor reflete as estratégias de poder do

ocidente pela centralização do olhar, conceito que nos é sugerido pelas análises que

fizemos neste capítulo.

Centralização do olhar, centralização da produção e do poder político, redução dos elementos dispersos a equivalentes gerais são dispositivos essenciais da estratégia de poder no Ocidente (SODRÉ, M. 1990; p.19).

Vemos ainda no discurso dos Arautos do Evangelho uma quantidade de

informações que muitas vezes remetem a eles mesmos e que, no entanto, não

oferece interação com aqueles que acessam o portal. São perguntas sem respostas,

sugestões sem confirmação de que foram recebidas, comentários sobre os posts

que não são mencionados. Tal performance se contrapõe ao conceito que

conhecemos por internet 2.0, que deveria oferecer interatividade total aos usuários.

Para Sodré, isso também pode ser uma estratégia de poder.

Aquele que agora não se deixa ver é o mesmo que retém o poder, as regras de organização disciplinar daqueles que são vistos. Esta dicotomia entre ver e ser visto é correlata de outra, fundadora da “função” individualmente moderna: a separação radical, por parte do indivíduo, entre “si mesmo” e seu papel social. (SODRÉ, M. 1990; p.23).

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2.1.1. Os Arautos do Evangelho e as Redes Sociais

Aderindo às tentativas de novas formas de relacionamento pela internet, os

Arautos do Evangelho também possuem perfis e esforços de interatividade nas

chamadas redes sociais, e demonstram um grande desempenho nesse universo em

seus diferentes formatos.

Para ilustrar o que mencionamos, inserimos abaixo a barra disponível no

rodapé da página principal do portal www.arautos.org.

Figura 23 - Links para os interessados fazerem parte das redes de relacionamento dos Arautos do Evangelho.

Fonte: Disponível em www.arautos.org. Acesso em 10.09.2012

No início de nossos levantamentos para esta pesquisa42, quando o twitter

também ainda estava em alta, eram um total de 6 endereços de twitter diferentes,

sendo 1 da página oficial e outros desdobramentos que acompanham a

fragmentação interna, como Virgos Flos Carmeli, Missões Arautos, entre outros.

42

Acesso em 24.10.2011

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No facebook eram 7 perfis diferentes (facebook.com/joaocladias,

facebook.com/arautosdievangelho, facebook.com/heraldos,

facebook.com/virgofloscarmeli, facebook.com/araldidelevangelo,

facebook.com/pages/heralds-of-the-

gospel,facebook.com/pages/ArautosdoEvangelho). Infelizmente não é possível

saber se todas pertenciam ao grupo, mas levavam o nome da vertente da Igreja

Católica e continham informações e direcionamentos ao portal. Nesta ocasião, a

home mostrava o número dos chamados “curtidores” da página oficial que

ultrapassava 7 mil pessoas que se disponibilizaram a seguir as ações dos Arautos.

Na data de nova avaliação43, os dados nos mostram que 28.769 pessoas curtem a

página oficial do grupo e recebem suas atualizações.

Figura 24 - Imagem da página principal do portal www.arautos.org, na ocasião

Fonte: www.arautosdoevangelho.com.br Acesso em 18.03.2012

43

Acesso em 10.09.2012

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Figura 25 - Imagem da página oficial dos Arautos do Evangelho no Facebook (Acesso em 10.09.2012)

Fonte: página oficial dos Arautos do Evangelho no Facebook. Acesso em 10.09.2012.

Algumas imagens postadas no facebook confirmam o que já foi citado sobre o

apelo hiperbólico da linguagem utilizada pelos Arautos do Evangelho na internet.

Figura 26 - Imagens postada na página oficial dos Arautos do Evangelho no Facebook

Fonte: facebook.com/arautosdoevangelho Acesso em 10.09.2012.

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Figura 27 - Imagens postada na página oficial dos Arautos do Evangelho no Facebook.

Fonte: facebook.com/arautosdoevangelho. Acesso em 10.09.2012.

Nas postagens dos curtidores da página da vertente da Igreja Católica,

nenhum ‘curtir’ por parte dos Arautos, o que corresponde a um sinal de que as

publicações são lidas, analisadas e que agradam esta vertente da Igreja Católica,

possível indício que a grande preocupação do grupo é apenas falar e não

estabelecer algum tipo de troca.

No menu ao qual nos referimos na Figura 21, há redirecionamento para o site

da Tv Arautos (arautos.org.tv) e para o canal de vídeos Youtube, cujo endereço na

data desta pesquisa44 apresentava 47.975 exibições do canal, 540.489 visualizações

de vídeos e 492 inscritos. Nova busca feita em 11 de setembro de 2012 mostrou o

crescimento no número de acessos do canal: 1.103.389 visualizações de vídeos,

1.346 vídeos postados e 1.135 inscritos.

Ao que se refere ao Orkut, rede social hoje pouco utilizada, os Arautos do

Evangelho não mantém uma comunidade oficial, mas considera a comunidade

criada por um membro anônimo como oficial, tendo em vista o redirecionamento de

sua página inicial para a comunidade em questão.

São no total 6.506 membros. Logo na apresentação da comunidade,

44

Acesso em 10.09.2012

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orientações e regras para participação, datada de 3.08.2006.

As orientações ressaltam que a pessoa que representa o perfil não é um

membro dos Arautos, mas possuem uma relação de ‘amizade’ com a vertente da

Igreja Católica. Ressalta que ninguém responde oficialmente pelos Arautos e que

não serão toleradas palavras desrespeitosas e ironias com relação aos Arautos do

Evangelho. Ainda reforça o significado da palavra calúnia. (Ver anexo 2 no final

destas descrições).

Figura 28 - Imagem da página a que se é direcionado ao clicar no link Orkut do portal www.arautos.org.

Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=128734&tid=2479389671139250613

(Acesso em 10.09.2012).

2.2. A cibercultura e os arautos do evangelho: tentativa de utilização do

cyberspace para sedimentação da comunidade.

“Deus, me deixa ser guru dessa galera, vê que tá todo mundo à minha espera para

anunciar um novo fim. Deus, quinze minutos de eternidade, mais que a glória da

posteridade, às legiões e tribos deste mundo que virei anunciar”.

Zeca Baleiro

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A análise do uso das ferramentas e tentativas para estabelecer comunicação

pelos Arautos do Evangelho no cyberspace é o ponto-chave para refletir sobre os

demais aspectos detalhados no objetivo desta pesquisa. Como mencionado no

capítulo anterior, o grupo se apresenta com fortes elementos da estética medieval; é

essencial, portanto, recuperar suas raízes para melhor compreensão dos aspectos

relativos à sua performance simbólica no cyberspace.

Na história, disputas políticas envolvendo a Igreja Católica provocaram

acirrados embates. Em busca da universalidade, e em contraponto ao seu objetivo

inicial, os movimentos cristãos se viram em uma disputa de formas e discursos que

levassem aos mais distantes confins a mensagem da redenção, tendo, com isso, um

número maior de adeptos.

No campo intelectual as discussões e as formas de utilização dos meios para

difusão da mensagem sempre foram um grande desafio para a legitimação da Igreja

Católica em si e das demais forças políticas de cada época.

Na Idade Média, período em que surgiu a Ordem dos Cavaleiros Templários,

segundo Maria Eugênia Bertarelli45, as duas correntes, Igreja Católica e Império

Romano Germânico, defendiam, à sua maneira, um discurso que validasse sua

autonomia.

Por um lado, a Igreja apresentava-se como a única instituição com autoridade sobre toda a cristandade, por ser capaz de conduzir o conjunto da humanidade até a salvação eterna, e por outro, o Império, que procurou imbuir o príncipe secular de uma função sagrada sem a qual não poderia pretender a universalidade. (BERTARELLI, M. Eugênia. 2013)

A abordagem de Bertarelli é importante porque menciona que o Império

caracterizava-se como “romano” não apenas pela sucessão dos Césares, nem por

uma vinculação à Roma antiga, mas por ser a instituição política destinada a

defender a Igreja romana e expandir a religião cristã entre os homens.

Transpondo as reflexões para a questão aqui estudada - um grupo tradicional

da Igreja Católica que tenta criar diálogo por meio de ferramentas de interatividade 45

Artigo “Império e papado: um estudo do conflito entre poder temporal e poder espiritual através do pensamento de Dante Alighieri“, de Maria Eugênia Bertarelli, publicado no site da ANPHU - Associação Nacional dos Professores Universitários de História. O artigo pode ser lido na íntegra no endereço: www.rj.anpuh.org/resources/rj/.../Maria%20Eugenia%20Bertarelli.doc. Acesso em 25.02.2013.

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no cyberspace - há uma questão chave para a discussão, ou seja, como os Arautos

do Evangelho utilizam a internet parece que reflete o pensamento cristão que

postulam: retorno aos modos de organização das instituições próprias da Idade

Média, o que configura uma contradição temporal.

Como um grupo extremamente identificado com a Igreja Católica dos tempos

medievais pretende estabelecer trocas na internet, veículo tão contemporâneo?

Essas trocas são realmente factíveis? É possível interatividade num modelo de

utilização da internet ultrapassado, a chamada versão web 1.0, com estrutura e

discurso como o dos Arautos, apresentados no início deste capítulo? São estas as

respostas que buscamos.

2.2.1. A Igreja Católica se abre para o diálogo com o mundo: João Paulo II - o

Papa midiático

O Concílio Vaticano II foi historicamente o grande marco a partir do qual a

Igreja Católica reconheceu a importância dos mass media. Nas palavras do Papa

João Paulo II, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações46, “os

meios de comunicação são instrumentos a serviço do homem e do bem comum”.

Os meios de comunicação social são de fato o novo Aeropagus do mundo de hoje, um grande fórum que, empenhando-se da melhor maneira, torna possível o intercâmbio de informações autênticas, de ideias construtivas, de valores sadios e, dessa forma, cria comunidade. Por sua vez, isto é um desafio para a Igreja no seu contato com as comunicações, não só a utilizar os meios de comunicação para difundir o Evangelho, mas também a inserir a mensagem evangélica da ‘nova cultura’ criada pela moderna comunicação, com as suas novas linguagens’, novas técnicas e novas atitudes psicológicas (Redemptoris missio, n. 37) (1998).

O ‘Papa midiático’ insistiu para a Igreja Católica não se intimidar em se lançar

aos novos desafios, mesmo que, historicamente, a instituição tenha ficado marcada

por manter documentos, informações a as próprias declarações a sete chaves,

46

Mensagem do Papa João Paulo II para o 39º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Acesso em 23.03.2013. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/messages/communications/documents/hf_jp-ii_mes_20050124_world-communications-day_po.html

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característica marcante do período medieval. Sobre a “proteção” da Igreja Católica a

seus livros e manuscritos, destacamos a obra de Umberto Eco intitulada “O nome da

Rosa”, de janeiro de 1980, que se tornou produção cinematográfica em 1986,

dirigida por Jean-Jacques Annaud. Diálogo entre o abade Abbone e o frade

Guilherme47, na presença do noviço Adso, autor dos manuscritos, cita que “há livros

na biblioteca que dizem mentiras” e compara determinadas leituras a “produções

diabólicas”, e a função de guardião de apenas um bibliotecário. As justificativas

seriam certas “verdades“ e “nem todas as verdades seriam para todos os ouvidos”34.

A história se passa no mosteiro da ordem beneditina de Melk, no Sul da Itália, no

século XIX.

João Paulo II sabia que tal discurso causaria certa insegurança a uma

instituição secular que tem por tradição manter histórias devidamente encerradas.

Em 2002, o Papa mencionou que mesmo se o novo universo se abrindo a partir

daquele momento parecesse separado da mensagem cristã, ele ofereceria

oportunidades à propagação da mensagem da Igreja Católica.

(...) No nosso tempo é necessário que a Igreja se empenhe de maneira ativa e criativa nos mass media. Os católicos não deveriam ter medo de abrir as portas da comunicação social a Cristo, de tal forma que a sua Boa-Nova possa ser ouvida sobre os telhados do mundo!” (2002)

48.

Evidencia-se o investimento da Igreja Católica nos meios eletrônicos de

comunicação, visando às práticas de conversão e doutrinação.

47

A citação completa é esta: “A biblioteca nasceu segundo um desígnio que permaneceu obscuro para todos através dos séculos e que nenhum dos monges é chamado a conhecer. Só o bibliotecário recebeu o seu segredo do bibliotecário que o precedeu, e comunica-o, ainda em vida, ao bibliotecário ajudante, de modo que a morte não o surpreenda privando a comunidade daquele saber. E os lábios de ambos estão selados pelo segredo. Só o bibliotecário, além de saber, tem o direito de se mover no labirinto dos livros, só ele sabe onde encontrá-los e onde repô-los, só ele é responsável pela sua conservação. Os outros monges trabalham no scriptorium e podem conhecer o elenco dos volumes que a biblioteca encerra. Mas um elenco de títulos frequentemente diz muito pouco, só o bibliotecário sabe, pela colocação do volume, pelo grau da sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Só ele decide como, quando e se o fornece ao monge que faz a sua requisição, por vezes depois de me ter consultado. Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por um espírito piedoso, e os monges, enfim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler certos volumes e não outros, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que os colha, quer por debilidade da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica”. (1980, p. 27)

48 Mensagem do papa João Paulo II por ocasião do 35

o Dia mundial das Comunicações Sociais.

Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/messages/communications/documents/hf_jp-ii_mes_20010124_world-communications-day_po.html. Acesso em 30.11.12.

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No entanto, não é realidade restrita à Igreja Católica. Citem-se, por exemplo,

as estratégias para tentativa de aproximação e arrebatamento de novos seguidores

utilizadas pelas neopentecostais, como mostram os estudos de Heinrich Fonteles na

tese “Fé na mídia” (2012; p. 16)49, que aprofunda nas formas de utilização dos meios

de comunicação pela Igreja Universal do Reino de Deus.

Fonteles estuda a tentativa da IURD em convencer fiéis e figurar em destaque

no cenário midiático e religioso por meio do jornalismo.

A nova forma como a religião se faz presente via jornalismo, apresentando-se primeiramente de forma objetiva, com o intuito de retratar a realidade, leva-nos a acreditar que na verdade tal estratégia tem por finalidade um realinhamento de aproximação entre a IURD e a sociedade brasileira. A investida na imagem jornalística é somente um dos caminhos para ter voz e presença no imaginário popular por meio de discursos prontos e expostos por noções de conceitos. (FONTELES, H. 2012, p.16)

O pesquisador analisa com profundidade a relação IURD e TV Record e o

formato de programas específicos que provocam efeito de identificação e projeção

do telespectador pela atualização e modernização das imagens.

Podem ser acrescidas as análises presentes no capítulo II deste estudo,

sobre o link “Arautos Mídia”, com informações dos distintos formatos de mídia o

grupo: portal, revista e TV Arautos, na qual há vídeos-notícia produzidos pelos

próprios Arautos - matérias e programas elaborados especificamente para a web. A

partir dos padrões jornalísticos de construção da notícia, planejam as reportagens

sempre buscando um apelo de realidade, baseando-se todo o tempo na

reverberação dos ‘ideais cristãos’.

A reflexão de Fonteles, portanto, fundamenta-se na tentativa de provocar o

efeito de identificação e projeção do telespectador pela atualização e modernização

das imagens, igualmente utilizada pelas religiões neopentecostais.

Há no portal uma extensa área de notícias que obedecem às características

do jornalismo, como novidade, estrutura em lead, produção de manchetes etc.

49

FONTELES, Heinrich. Fé na mídia: um estudo das imagens técnicas (Tv Record) como estratégia de comunicação e sobrevivência da igreja universal do reino de deus. 2012. Dissertação (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2012).

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Figura 29 - Área de notícias do portal dos Arautos do Evangelho.

Fonte: http://arautos.org/section/191/noticias.html. Acesso em 15.03.2013.

2.3. Lugar possível entre a matriz religiosa cristã e a internet – a noção de

religare na mídia contemporânea

“Minha fé é meu jogo de cintura, minha fé...

Minha fé é minha cultura, minha fé...”

O Rappa

As novas formas de comunicação da Igreja Católica, principalmente a

internet, possivelmente não levaram em conta como as experiências religiosas se

transformariam a partir da comunicação mediada pelos equipamentos eletrônicos e

suas imbricações no campo da experiência do religare. Malena Contrera, em artigo

apresentado XIV Compôs (2005), explica a relação entre a nova ambiência das

sociedades contemporâneas e as crescentes facilitações técnicas. Segundo a

pesquisadora, a realidade predispõe a uma “espécie de utilização invertida dos

aparatos midiáticos”.

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O meio que primeiramente se prestava a ser um conector/ vinculador entre as partes comunicantes, passa a agir algumas vezes como um distanciador simbólico para pessoas submetidas a um ambiente saturado, já que interpõe, entre as partes envolvidas, aparatos eletrônicos e elementos técnicos (CONTRERA, M. 2005; p. 3).

50

Segundo a pesquisadora, há um “fim do real”, o que leva à procura de uma

realidade alternativa, resultando na busca de uma religiosidade que preencha esse

vazio. “Daí a aura de religiosidade que permeia os fenômenos midiáticos”, um

“endeusamento da mídia e de tudo que se viabiliza/revela por seu intermédio”,

ratifica Contrera.

Jorge Miklos (2012; p.9)51, com base nos estudos de Malena Contrera, sugere

uma dupla contaminação entre a esfera do religioso e a midiática: os formatos

religiosos se apropriando do elemento ritual religioso, sugerindo, de acordo com o

pesquisador, ‘uma estética própria’, resultando na ciber-religião.

Assim, as experiências religiosas no cyberspace – a ciber-religião, como fenômeno midiático, nada mais são do que uma busca por um território encantado, mas quem acaba sofrendo este encantamento é a própria mídia (MIKLOS, J. 2012; p. 9).

Especificamente no portal, é possível detectar contaminação entre o religioso

(tradicional) e o midiático (moderno), explícito na maneira como o grupo lança mão

desses dispositivos. Há a exacerbada emissão de conteúdo e raras oportunidades

de interatividade, como sugere o modelo de internet atual (ver início deste capítulo).

É possível observar comentários não respondidos, solicitações sem notificações de

leitura e a mesma informação duplicada de várias formas, nos textos do portal e nas

postagens das redes sociais.

No cenário da hiperemissão, a comunicação se perde, e perde a sua

50

Artigo “A Dessacralização do mundo e a sacralização da mídia: consumo imaginário televisual, mecanismos projetivos e a busca da experiência”, apresentado na XIV Compós, 2005, Niterói RJ. GT Comunicação e Cultura. Disponível em GT - Comunicação e Cultura http://www.compos.org.br/data/biblioteca_687.pdf

51 MIKLOS, Jorge. Ciber-religião: a construção de vínculos religiosos na cibercultura. São Paulo,

Idéias e Letras, 2012.

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complexidade. Malena Contrera52, em seus estudos sobre mídia, menciona que a

saturação e o consumo obsessivo de imagens são uma reação à perda da dimensão

transcendental.

O consumo desesperado e ininterrupto de imagens vazias é uma reação histérica à perda da dimensão transcendental. Se o homem primitivo já buscava na imagem a revelação de uma força transcendente, a manifestação do divino, o fenômeno da iconofagia

53 e suas imagens vazias

podem então ser entendidos também como um distúrbio da relação do homem com a experiência do sagrado, do divino – aqui a imagem não alimenta, ela é desprovida de espírito, os espíritos dos duplos fugiram das imagens; e o déficit religioso jamais encontra o que o satisfaça. (CONTRERA, M. 2005; p.10) .

De acordo com a pesquisadora, os valores iluministas que consideravam que

a informação salvaria a humanidade geraram uma sombra específica, encontrada na

saturação informativa.

A partir desse espírito iluminista a que me referi, nossa sociedade e nossa mídia (como sua legítima representante) têm construído discursos heroicos para lidar com a realidade, discursos solares, apolíneos, em enorme esforço civilizatório de manter reprimida toda uma vida que borbulha em seu avesso. (CONTRERA. M, 24; p. 2002)

54.

Revela-se outra marcante característica dos discursos dos Arautos do

Evangelho no portal, que coincide com o espírito iluminista: a insistência em se falar

do apocalipse para seduzir um público ávido por informações do fim dos tempos,

sugerindo a construção de um novo católico criado com os ideais de beleza e

perfeição, tema do próximo capítulo da pesquisa.

A saturação no portal é traço de uma linguagem que induz à reflexão sobre a

necessidade da emergência no cenário midiático, descrita por Malena Contrera, de

uma civilização que precisa de heróis. 52

Artigo “A Dessacralização do mundo e a sacralização da mídia: consumo imaginário televisual, mecanismos projetivos e a busca da experiência”, apresentado na XIV Compós, 2005, Niterói RJ. GT Comunicação e Cultura. Disponível em GT - Comunicação e Cultura http://www.compos.org.br/data/biblioteca_687.pdf

53 A expressão Iconofagia foi criada por Norval Baitello Junior. Segundo o autor, “Iconofagia significa

a devoração das imagens ou pelas imagens: corpos devorando imagens, ou imagens que devoram corpos. Essa ambigüidade é interessante porque, na verdade, os dois processos ocorrem. A Era da Iconofagia significa que vivemos em um tempo em que nos alimentamos de imagens, e as imagens se alimentam de nós, dos nossos corpos. Este processo ocorre quando passamos a viver muito mais como uma imagem do que como um corpo”. BAITELLO JUNIOR, Norval, O animal que parou os relógios. Annablume, São Paulo, 1997, p.20.

54 Sobre a saturação da informação, a violência e a crise cultural da mídia, Malena Segura Contrera

redigiu o livro Mídia e Pânico. São Paulo: Annablume, 2002. 126 p.

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A pesquisadora cita os estudos de Carl Gustav Jung55 como base para as

inferências sobre os fenômenos das massas e a figura do herói como símbolo

eterno, descritas por Joseph Campbell no livro “O poder do mito“ (1990; p.137)56.

Jung explica em “O homem e seus símbolos” (1964; p.142) que o mito do herói é o

mais comum e conhecido em todo o mundo.

Tem um flagrante poder de sedução dramática e, apesar de menos aparente, uma importância psicológica profunda. São mitos que variam muito nos seus detalhes, mas quanto mais os examinamos mais percebemos quanto se assemelham estruturalmente. (JUNG. C.G. 1964; p. 142)

A partir do que aqui se propõe, é possível verificar a relevância de uma

questão latente analisada no início deste capítulo, presente no portal: a insistência

na figura do fundador João Clá Dias nas páginas do grupo na internet.

Numa sociedade sem heróis pessoais, surgem então instâncias, instituições, que se apresentam sob um evidente discurso heroico, na tentativa de evocar as identificações e o poder simbólico-mítico do herói (poder esse que será, depois, muito convenientemente usado); entre elas, atualmente no Brasil, vemos destacarem-se duas: as novas religiões evangélicas e a mídia. (CONTRERA, M. 2010; p. 26)

Uma das justificativas para se dedicarem a estabelecer performance na

internet é a tentativa de difundir sua mensagem, atendendo ao chamamento da

Igreja Católica. Mas os antagonismos do discurso e o excesso de informações

abrem lacunas para esta pesquisa questionar os objetivos dos Arautos.

No cyberspace, espaço-tempo imaterial, em que o corpo é abolido da

experiência religiosa, analisa-se onde se encaixa o discurso tecnófago dos Arautos 55

Carl Gustav Jung fundou a psicologia analítica ou psicologia junguiana. De origem suíça deu grandes contribuições para as pesquisas do imaginário religioso e imaginário mítico. As contribuições de Jung para as pesquisas de Malena Contrera citada acima estão no livro O homem e seus símbolos (1964; p.142)

56 No livro O poder do mito (1990; p.137), Joseph Campbell fala sobre a saga do herói e a motivação

para tantos heróis na mitologia. Campbell explica “A façanha convencional do herói começa com alguém a quem foi usurpada alguma coisa, ou que sente estar faltando algo entre as experiências normais franqueadas ou permitidas aos membros da sociedade. Essa pessoa então parte numa série de aventuras que ultrapassam o usual, quer para recuperar o que tinha sido perdido, quer para descobrir algum elixir doador da vida. Normalmente, perfaz se um círculo, com a partida e o retorno. Mas a estrutura e algo do sentido espiritual dessa aventura já podem ser detectados na puberdade ou nos rituais de iniciação das primitivas sociedades tribais, por meio dos quais uma criança é compelida a desistir da sua infância e a se tornar um adulto – para morrer, dir-se-ia, para a sua personalidade e psique infantis e retornar como adulto responsável. E essa é uma transformação psicológica fundamental, pela qual todo indivíduo deve passar. CAMPBELL, J. 1990; p.137,

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do Evangelho e de que forma uma comunidade não porosa faz um elogio ao valor

simbólico do meio. Nesse universo, o padrão de um católico ideal, imaterial, ou seja,

puro espírito (não corpóreo), encontra abrigo perfeito, como se apresenta no capítulo

3.

Outorga-se à internet uma espécie de poder divino, que Malena Contrera

(2012; P. 55) denomina crise das competências simbólicas:

Uma das questões centrais do processo de desencantamento do mundo, conforme apresentado por M. Weber, é a questão da crise da magia

57. Essa

questão se refere ao processo pelo qual as coisas concretas deixaram de ser transubstanciações do divino, do sagrado, e foram absorvidas pela lógica da produção industrial e transformadas em produtos mercantis”. (CONTRERA Apud WEBER, 2012; p. 27).

Figura na repetição dos conteúdos e na autorreferência feitas no portal um

possível traço de histeria midiática. Contrera ressalta que essa “natureza

autorreferente da tecnologia retroagindo sobre a linguagem e criando aí um mundo

de alta produtividade, porém fechado para o espanto, para o não operacionalizável,

para o não comunicável, para o encantamento sem palavras frente à grandiosidade

do desconhecido e do silêncio” (2012; p. 74).

Outro ponto da relação religião/internet centra-se no uso das categorias

temporais. Conforme explica Mircea Eliade (1962; p. 63), “o Tempo para o homem

religioso não é nem homogêneo e nem contínuo”. No ambiente internet não há

limitação de tempo e hora. O conteúdo está disponível e se adapta a quem o

acessa. Embora não tenha sido verificada interatividade da atualização do portal e

das redes sociais, conforme análises no início deste capítulo, as atualizações são

feitas diariamente.

A característica da internet de contínua disponibilidade reforça o chamamento

do Papa João Paulo II, mas não leva em consideração a complexidade da duração

do tempo para o homem religioso. No cyberspace não existe o corpo, somente a

imagem. As religiões tradicionais que se fundam da participação presente (do corpo)

não se prestam à volatilização do espírito. No cyberspace o corpo tem de ser

expiado. Essa realidade se contrapõe à ritualização de natureza própria da religião,

57

Ao tema Comunicação e desencantamento do Mundo e as contribuições de Max Weber, Malena Contrera dedicou o capítulo I - Comunicação e desencantamento, de seu livro: Mediosfera. São Paulo: annablume, 2010. 142 p.

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se se considerar o processo de religare.

Tal como o espaço, o Tempo também não é, para o homem religioso, nem homogêneo nem contínuo. Há, por um lado, os intervalos de Tempo sagrado, o tempo das festas (na sua grande maioria, festa periódicas); por outro lado, há o Tempo Profano, a duração temporal ordinária na qual se inscreveram os atos privados de significado religioso. Entre essas duas espécies de Tempo existe, é claro, uma solução de continuidade, mas por meio dos ritos o homem religioso pode ‘passar’, sem perigo, da duração temporal ordinária para o Tempo sagrado. (ELIADE, 1962; p. 64).

A abolição de tempo ritual na execução contínua dos programas da internet

leva a retomar a área “Reze por mim” no portal. Em qualquer horário de acesso,

visualiza-se a mensagem que, a partir daquele momento, um membro está rezando

por ele, em um imediatismo desrritualizador, como uma “usurpação dos atributos

divinos pela tecnologia mediática”, no caso, a onipresença simulada pela rapidez do

meio. Esse conceito é denominado por Jorge Miklos (57; 2012) de midiofagia. O

pesquisador define que há ação de devoração e metabolização por parte dos meios

de comunicação eletrônicos interativos dos conteúdos arcaicos presentes no

imaginário de uma cultura, e após esse processo uma devolução dos seus

interesses.

(...) Denominamos de midiofagia a ação dos meios eletrônicos interativos (mais precisamente, os computadores e outras tecnologias capazes de rede) e seus formatos de apropriar-se (devorar) de conteúdos arcaicos da cultura, em particular os atributos divinos, e identificar-se com eles. (MIKLOS, J. 2012; p. 61)

Miklos destaca a busca de sentido e significado por parte do ser humano e as

formas como se engaja na religião.

Em termos de etimologia, religião é o que liga especificamente o homem a Deus e os homens entre si. (...) Ela engaja o homem de diferentes maneiras: primeiramente explicando a natureza e o significado do universo, ou justificando os caminhos de Deus para o homem; em segundo lugar, elucidando a função e o propósito do homem no universo, ou ensinando-lhe como libertar-se de suas limitações e terrores; em terceiro lugar, servindo como ligação entre os homens. (2012; p. 61)

A afirmação provoca a seguinte reflexão: qual o custo de muitas vezes haver

a tentativa de se seduzir o fiel e engajá-lo nas atividades próprias de cada vertente

da Igreja Católica? Como exemplos, as ações dos Arautos do Evangelho nas redes

sociais. Há um constante discurso de troca para graças serem alcançadas, e o uso

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de estratégias midiofágicas para a conquista de seguidores.

Figura 30 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook..

Fonte: http://facebook.com/ArautosdoEvangelho?fref=ts. Acesso em 15.03.2013

Figura 31 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook.

Fonte: Disponível em http://

facebook.com/photo.php?fbid=5932299934038270&set=a.212201685474432.64667.115110768516858&type=1&theater. Acesso em 15.03.2013.

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Figura 32 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. A busca pela perfeição e a insistência na pureza. Acesso em 08.03.2013.

Fonte: Arautos do Evangelho na rede social Facebook. Acesso em 08.03.2013.

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3. O AMBIENTE IMAGINÁRIO DOS ARAUTOS DO EVANGELHO E SUA

RELAÇÃO COM OS IDEAIS ESTÉTICOS CLASSICISTAS NO PORTAL

Mas a dúvida é preço da pureza, e é inútil ter certeza...

Engenheiros do Hawai

Para iniciar as reflexões sobre a cultura do imaterial, há que se estudar

espaços, ambientes de comunicação e imaginário humano. Por isso, optou-se por

não ignorar fatores psicológicos que devem ser levados em conta em decorrência da

complexidade da sociabilidade humana.

Não interessa nesta pesquisa a crítica socioeconômica do imaterial, por isso

tomaram-se por base os estudos de Malena Contrera sobre o papel do imaginário na

mídia. A pesquisadora defende a necessidade de ponderação sobre a natureza e a

ação do imaginário dos meios de comunicação, que não se limitam à produção das

imagens midiáticas. Segundo ela, há que se considerar o poder das ideias e seu

caráter suprapessoal. Contrera cita os estudos de Max Weber os quais se refere às

estruturas mentais e à sua representação no imaginário humano.

Weber considerava como certas a existência e força desses ‘deuses’ ou ‘coisas que flutuam nas cabeças’, compreendendo-os como ideias, como representações do espírito humano, extremamente relevantes para pensar sua sociologia das religiões. (CONTRERA, M. 2010; p. 15)

Adentra-se aqui no conceito que mais se aproxima daquele que remete à

análise do ambiente midiático em questão, o cyberspace, que propõe vivências do

homem concreto em um não lugar. Essa reflexão fica ainda mais complexa quando

se transfere esse panorama para o campo da religiosidade. Por isso, nos

aprofundaremos nos estudos sobre o imaginário midiático proposto por Edgar Morin,

denominado “noosfera”.

As representações, os símbolos, mitos, ideias, são englobados simultaneamente pelas noções de cultura e Noosfera. Sob o ponto de vista da cultura, constituem sua memória os seus saberes, os seus programas, as suas crenças, os seus valores, as suas normas. Sob o ponto de vista da Noosfera, são entidades feitas de substância espiritual e dotadas de uma certa existência. Saída das próprias interrogações que tecem a cultura de uma sociedade, a Noosfera emerge como realidade objetiva, dispondo de relativa autonomia e povoada de entidades a que vamos chamar de ‘seres do espírito’ (MORIN; E. 1992; p. 101).

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Morin ressalta que se vive em um universo de “signos, símbolos, mensagens,

figurações, imagens, ideias”, e que há ação e reação diante das diversas situações

com base nesse universo que, por outro lado, mediam as “relações dos homens

entre si, com a sociedade, com o mundo” (1992; p. 102). No entanto, o estudioso

pondera que o crescimento e o desenvolvimento dessa atmosfera garantem a

expansão da comunicação com o universo, e que a proliferação noosférica dos mitos

e das abstrações acentua a separação entre o mundo humano e a natureza.

A noosfera não é apenas o meio condutor; mensageiro do conhecimento humano. Ela também faz efeito como um nevoeiro, um ecrã entre o mundo cultural que avança rodeado das suas nuvens, e o mundo da vida. (...) O que nos permite comunicar é, ao mesmo tempo, o que nos impede de comunicar. (MORIN, E. 1992; p. 103).

Em seu livro “O Método IV” (1995), Morin estuda a problemática da

inconsciência humana, que seria afetada por certo grau de autonomia da noosfera.

Aqui, não de forma tão intensa, o estudioso se refere a Hegel, ilustrando que “a Ideia

é Sujeito que se autodetermina”.

A noosfera é, naturalmente, um meio/ambiente para o homem, mas não se sabe se o homem não é também ambiente/meio para a noosfera: compreende-se que um Hegel fala dos humanos o meio da realização da Ideia. Compreendem-se as teorias que põem os humanos ao serviço da Razão. (MORIN, E. 1992; p. 109)

Sobre a autodeterminação, os Arautos do Evangelho se mostram como os

próprios Cavaleiros Templários. As semelhanças históricas e conceituais analisadas

nesta pesquisa indicam uma vertente tradicionalista que busca recuperar para a

Igreja Católica o que ela perdeu historicamente. Entre os itens a serem assinalados

está o número de seguidores, cujas razões estão em sua história, sua atuação, na

incompreensão da evolução da humanidade ou no poder de persuasão. Por isso, o

grupo demonstra todo o tempo a determinação em reconstruir essa história, baseada

em cristãos produzidos em série, que aceitem sua doutrina, identifiquem-se com sua

ideologia e disseminem esse conceito.

Embora seja um grupo antagônico, com fortes características medievais, que

se aventura a mergulhar na modernidade dos meios tecnológicos - o meio de

comunicação ao qual este estudo se atém, o cyberspace permite espaço a todos

aqueles que desejam ‘seu lugar ao bit’.

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Desperta curiosidade como esse espaço virtual vem ao encontro das

exigências de um grupo que deseja a renovação, a limpeza e a ordenação. Essa

questão revela a tentativa de estar nesse ambiente virtual e criar vínculos no espaço

a partir de uma ‘casca’, em uma exploração sem fim de imagens, e se existe

realmente alguma compreensão sobre esse ambiente.

Sobre o termo “ambiente”, este estudo toma por base o estudo de Norval

Baitello Júnior (2010; p. 82), quando afirma que do latim ambiensl ambientis,

significa “andar ao redor, cercar, rodear”. Baitello frisa que cada coisa ou pessoa

geram em torno de si um ambiente saturado de possibilidades de comunicação, e

que cada ambiente constitui uma atmosfera saturada de possibilidades de vínculos

de sentido e vínculos afetivos em distintos graus. A afirmação torna mais evidente

que o grupo usa o portal na tentativa de criar uma atmosfera de ‘convocação’ aos

fiéis, em um discurso impactante e quase ameaçador (em troca haverá o fogo do

inferno), e de reforçar os conceitos aos já seguidores.

O ambiente comunicacional, portanto, não é apenas o pano de fundo para uma troca de informações, mas uma atmosfera gerada pela disponibilidade dos seres (pessoas ou coisas), por sua intencionalidade de estabelecer vínculos. Assim, uma cultura da palavra escrita constrói ambientes adequados às temporalidades da leitura. E uma cultura da imagem visual operará igualmente a construção de ambientes voltados para a hegemonia da visão, com todas as consequências que dela recorrem. (BAITELLO

JUNIOR, Norval. 2010; 83-84)

Ao se apropriar de estratégias específicas e de elementos muito fortes da

estética classicista e da estética medieval, buscam criar/reforçar sua imagem pública

por meio do portal, o que se verá a seguir.

3.1. Elementos estéticos classicistas relevantes para a criação da imagem

pública dos Arautos do Evangelho no portal

Na cultura contemporânea imagem é tudo. Na contramão de algumas

propagandas publicitárias que exploram estímulos sensoriais, a despeito da imagem,

o slogan de uma marca de refrigerantes na década de 80 dizia: “Imagem não é

nada, sede é tudo”. Desponta uma cultura que se fortalece a cada dia,

supervalorizando as imagens.

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No portal observa-se a tentativa de o grupo relacionar virtude e beleza, em

evidente preocupação com a imagem e questões estéticas. Fundamentado em

elementos da estética classicista, o grupo parece tentar criar essa identidade com o

público, e mostra que a melhor forma de se alcançar a virtude é pela beleza. Há

coerência com sua definição: “Seu carisma os leva a procurar agir com perfeição em

busca da pulcritude em todos os atos da vida diária” (ver página 45). Existe ainda

relação entre cultura e evangelização (conforme já mencionamos nesta pesquisa,

quando da conceituação da origem dos Arautos do Evangelho). O portal cita que os

Arautos buscam evangelizar “através da beleza e da arte“, conforme imagem abaixo.

Figura 33 - Defesa da proposta de evangelização por meio da beleza, disponível no portal dos Arautos do Evangelho. Acesso em 13.03.2013.

Fonte: Portal dos Arautos do Evangelho. Acesso em 13.03.2013

Para uma relação mais cuidadosa do portal com a ‘estética classicista’, deve-

se recorrer aos estudos de E. H. Gombrich, em “A história da arte” (1950).

O autor analisa as principais características da arte, e denomina o período da

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arte clássica como “O Império do Belo”, ocorrido entre os séculos IV a.C e I d.C.

A busca da reprodução do corpo ou concepção arquitetônica perfeitas foi

marca desse período. De acordo com Gombrich, construções como o Partenon e o

templo de Erecteion, localizados em Atenas, destacaram-se pelos detalhes

ricamente decorados, imprimindo “graça e leveza”, que marcaram a escultura e a

pintura do período.

Atenas, durante essa época, esteve envolvida numa cruenta guerra com Esparta, a qual pôs fim à sua prosperidade - e à da Grécia. Em 408 a.C., durante um breve intervalo de paz, uma balaustrada entalhada foi acrescentada ao pequeno templo consagrado à deusa da vitória na Acrópole, e suas esculturas e ornamentos mostram a mudança de gosto, no sentido da delicadeza e do refinamento, que também se refletem no estilo jônico. (GOMBRICH, E. H. 1950, p. 99)

Gombrich menciona que, com o tempo e o aperfeiçoamento da técnica,

durante o século IV as estátuas ficaram famosas em toda a Grécia, e os gregos

passaram a discutir arte. Ele enfatiza que “os gregos educados discutiam agora

pinturas e estátuas como discutiam poemas e teatro; elogiavam sua beleza ou

criticavam sua forma e concepção”. (1950, p. 100)

Fruto dessa evolução, a busca dos artistas em reproduzir o corpo com

perfeição chegava ao seu auge pelo conhecimento adquirido.

Não existe corpo humano que seja tão simétrico, tão bem construído e belo quanto o das estátuas gregas. As pessoas pensam frequentemente que o método empregado pelos artistas consistia em observar muitos corpos e deixarem de fora qualquer característica que não lhes agradasse; que começavam copiando meticulosamente a aparência de um homem real e depois o embelezavam, omitindo qualquer irregularidade ou traço que não se harmonizassem com a ideia de um corpo perfeito. Muitos dizem que os gregos ‘idealizaram’ a natureza e que a conceberam em termos de um fotógrafo que retoca um retrato eliminando pequenos defeitos. Ocorre, no entanto, que uma fotografia retocada e uma estátua idealizada carecem usualmente de caráter e vigor. Tanta coisa fica de fora e tanta é eliminada que pouco restará além de um pálido e insípido espectro do modelo. (GOMBRICH, E. H. 1950; P. 103 e 104).

A análise de Gombrich reveste-se de importância tendo em vista sua

afirmação sobre a irrealidade de tamanha tentativa de perfeição, faz refletir que tal

idealismo é utópico58 e mostra a perseguição para alcançar objetivo quase

assustador. O autor lembra que na tentativa de criar uma imagem com equilíbrio

58

Na realidade, é possível considerar esse movimento como traço do que hoje se conhece como atopia, ou seja, a dimensão concreta do mundo, incluindo o corpo, é abstraída, processo característico da cibercultura.

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irreal, a “alma”, em seu contexto mais amplo, fica excluída daquilo que deveria ser o

seu fim primeiro, considerada “impura” demais para ser aceita.

Ao transpor seu pensamento para este objeto de estudo, outra característica

embasa a hipótese das discussões anteriores: a impressionante tentativa de

disciplinamento do corpo e criação de um modelo padronizado e perfeito. Assim

como Praxíteles59 e outros famosos artistas da estética clássica, os Arautos do

Evangelho pretendem reproduzir um católico idealizado, belo, inteligente e simétrico,

inclusive fisicamente.

Figura 34 - Arautos do Evangelho em missa na catedral de Nossa Senhora do Rosário, localizada na Serra da Cantareira.

Fonte: www.facebook.com. Acesso em 14.05.2013.

Inscrição encontrada em Atenas de 375 a.C. revela a primeira obra importante

assinada pelo artista, o que coloca o ano de seu nascimento em torno de 395 a.C.;

outras inscrições atestam sua origem ateniense. Embora não seja inteiramente

provado, a versão mais corrente de sua biografia diz que seu pai foi o escultor

59

Praxíteles, citado por E. Gombrich, foi um famoso escultor da Grécia Antiga, que possui várias obras, conhecidas por meio de cópias romanas de sua autoria, mencionadas na antiguidade. É considerado um dos responsáveis pela evolução do Alto Classicismo para o Helenismo.

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Cefisódoto, o Velho, líder de um respeitado ateliê. Parece indiscutível é que

Cefisódoto foi seu mestre na escultura. A literatura antiga fala de dois filhos de

Praxíteles, o mais velho de nome Cefisódoto, o Jovem, e outro chamado Timarco,

ambos escultores 1 .es

Os estudos de Gombrich, além da defesa do belo, perpassam a noção de

perfeição e mostram que a tentativa dos gregos de criar uma imagem perfeita era

mais profunda. Segundo ele, as representações não eram muito fiéis, excluindo-se,

por exemplo, rugas da testa ou da expressão.

O artista nunca reproduzia o formato do nariz, as rugas da testa ou a expressão específica do retratado. É um fato estranho, que ainda não examinamos o bastante, terem os artistas gregos, nas obras que vimos, evitado dar às cabeças uma expressão particular. (GOMBRICH, E. H. 1950; p. 106)

Os Arautos do Evangelho, onde quer que estejam, despertam curiosidade e

perplexidade pela uniformidade até mesmo no comportamento, formas de se

expressar, andar e falar. No portal, há imagens de diferentes momentos em que não

é possível identificar diferenças entre dois membros.

Figura 35 - Arautos do Evangelho em trabalhos pelo Brasil.

Fonte: Disponível em www.cavalariademaria.arautos.org. Acesso em 14.05.2013.

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Figura 36 - Arautos do Evangelho trabalhos no Rio de Janeiro.

Fonte: http://cavalariademaria.blog.arautos.org/fotografias-historicas/#jp-carousel-22305. Acesso em,

14.05.2013.

Deve-se destacar a definição do site de classicismo do portal

http://www.aprendemos.com.br/educacao/classicismo-3/, portal específico para

preparação de alunos em fase de concurso. O canal define o classicismo como

“doutrina estética que dá ênfase à ordem, ao equilíbrio e à simplicidade”.

Como descrito, especialmente no que se refere às artes, uma das

características do classicismo foram os ‘valores universais’, que esse período

assumiu como modelo da Antiguidade clássica greco-romana e do Renascimento

italiano, assinala o portal “Aprendemos”. O período teria estabelecido normas, como

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harmonia das proporções, simplicidade e equilíbrio da composição e idealização da

realidade, traços explícitos nas citações de Gombrich.

Após análise das características desse período, é tarefa relativamente

simples buscar elementos visuais que denotam, no portal, a força da afirmação

“evangelizar através da beleza e da arte”. As imagens mostram homens e mulheres

com impressionantes simetria e semelhança, do corte de cabelo à indumentária. O

sorriso ligeiramente sereno e o olhar para o infinito quase remetem a uma pintura. O

topo das áreas internas do portal apresenta a arquitetura das construções que

lembram castelos medievais, presente a todo instante a cruz que ostentam no peito.

Ao se expressarem intermitentemente em latim ou com palavras e frases

pretensamente eruditos, revela-se um grupo que se identifica com o medievalismo,

no uso recorrente de conceitos antagônicos para o ambiente dito moderno do

cyberspace.

Nas redes sociais a performance não é diferente: fotos de detalhes da

catedral em estilo gótico construída no alto da Serra da Cantareira, em São Paulo,

da Catedral de São Pedro, em Roma, e uma imagem de Nossa Senhora das Dores,

que tem estampada em seu manto a cruz templária que os identifica. Mesmo a

imagem do Menino Jesus no brasão dos Arautos tem no peito a cruz do grupo.

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Figura 37 - Menino Jesus com a Cruz Templária estampada no peito. Disponível em na página oficial do facebook dos Arautos do Evangelho.

Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=541347102559887&set=a.212201685474432.64667.1151

10768516858&type=3&theater . Acesso em 06.12.12.

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Figura 38 - Imagem do templo construído pelos Arautos do Evangelho na Serra da Cantareira. Acima o brasão do Vaticano, a imagem do Sagrado Coração de Jesus e

do Sagrado Coração de Maria em Nossa Senhora de Fátima. Disponível em na página oficial do facebook dos Arautos do Evangelho.

Fonte:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=609263795768217&set=a.212201685474432.64667.115110768516858&type=3&theater. Acesso em 12.03.2013

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Figura 39 - Nossa Senhora das Dores na timeline do face book dos Arautos do Evangelho. Em seu manto a Cruz Templária

Fonte:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=504419746252623&set=a.212201685474432.64667.115110768516858&type=3&theater. Acesso em 15 de setembro de 2012.

Sobre o conceito de beleza, que se destaca nas formas de doutrinamento ou

evangelização dos Arautos do Evangelho, para Umberto Eco (1987) a Idade Média,

a despeito da Antiguidade Clássica, conferiu novo significado a alguns temas,

“preocupando-se em incorporá-los a marcos filosóficos, propondo uma nova

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consciência sistemática”, entre eles a estética. Ao se pensar em beleza, a

Antiguidade Clássica referia-se à natureza e à sua realidade; boa parte da tradição

medieval remetia-se à tradição cultural, contaminada por conceitos do cristianismo,

ou seja, não havia dissociação entre belo e verdadeiro; logo, bom.

Si lo bello era um valor, debía conicidir con lo bueno, lo verdadeiro y con todos los demás atributos de la divinidad. La Edad Media no podia, no sabia pensar em uma belleza ’maldita’, o como hará el siglo XVIII en la belleza e Satanás. No llegará a ello ni siquiera Dante, aun entediendo la belleza de una pasión que conduce al pecado. (ECO, Umberto. 1987; p. 24).

Ainda sobre beleza e perfeição, Umberto Eco menciona outras definições de

beleza da Idade Média. Segundo o autor, havia uma concepção quantitativa que

definiria o conceito de beleza que aparecia no pensamento grego, a chamada “teoria

de proporções“. Cita o Canon de Policleto, a exposição feita a Galeno (cf. Panofski

1955. Trad. cast. pp. 84 sS., y Schlosser 1924, trad. cast. pp. 77. ss), e o resumo de

Galeno a concepções do Canon. Segundo o autor, um dos principais textos da

época que definiram a beleza de forma numérica. O autor descreve que:

La beleza no consiste em los elementos, sino em la proporción de un dedo con relación a otro dedo, de todos los dedos a respecto al resto de la mano... y de todas lás partes enfin, respecto a todas las otras, como se halla escrito en El Canon de Policleto. (Placitta Hippocratis et Platonis V, 3). (ECO, Umberto 1987; p. 42 e 43).

Essas definições revelam uma vertente da Igreja Católica extremamente

apegada aos ideais de beleza e perfeição estabelecidos pela Idade Média. Embora

nascido no Brasil, mais precisamente em São Paulo (ver capítulo I), o grupo

pretende, a cada clique no portal e nas redes sociais, tentar convencer que os belos

são mais merecedores do “reino dos céus”.

As páginas ressaltam a insistência nas figuras de Maria e Nossa Senhora de

Fátima, cujo templo se localiza em Portugal, na Europa. Como é próprio das

manifestações religiosas de cada local, a imagem adquire traços e feições dos

nativos daquela região. Nossa Senhora de Fátima possui a pele extremamente clara,

um delicado rubor na face, olhar sereno, expressando angelical sorriso. Com as

mãos postas e vestes brancas, a perfeição de seus traços remete a uma sensação

divinal, mas a partir de padrões europeus, notadamente diferentes daqueles

apresentados, por exemplo, por Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.

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Figura 40 - Post compartilhado na rede Facebook, em página oficial dos Arautos do Evangelho.

Fonte:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=568093199885277&set=a.212201685474432.64667.115110768516858&type=3&theater. Acesso em 12.03.2013.

As imagens acima citadas (fotos nas quais os Arautos figuram e reproduções

da imagem de Nossa Senhora de Fátima) contrapõem-se aos apelos ameaçadores

das postagens do grupo na internet, com sangue e lágrimas. A tentativa de mostrar

extremo equilíbrio parece artificial, sem relação com a arquitetura do canal,

analisada anteriormente no capítulo II.

Deduz-se que a figuração dos Arautos do Evangelho no cyberspace chega a

ser irônica. Um grupo com performance e pensamento de séculos passados tenta

utilizar ferramentas da modernidade para reverberar seu pensamento e criar sua

imagem pública. Fora do contexto histórico da Era Clássica, essa visão é

extemporânea, revelando um grupo que atribui valor à beleza, imprimindo a ela o

conceito de simetria. Logo, à visão de que o belo tem de ser igualmente simétrico e

padronizado. Há a supervalorização da imagem, pois por meio dela é mais fácil

incentivar a padronização. Esse aspecto enquadra-se nas hipóteses levantadas no

início desta pesquisa, de que há tentativa de doutrinação pelos Arautos do

Evangelho, especialmente na linguagem na internet - portal ou redes sociais. Uma

doutrinação que visa à padronização estética e religiosa do que entendemos por

católico. O católico ideal seguida e insistentemente mencionado pelos Arautos do

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Evangelho.

É perigosa a relação imagem e valores. Edgar Morin lembra que por meio do

estético se estabelece a relação de consumo imaginário.

Existe, na relação estética, uma participação ao mesmo tempo intensa e desligada, uma dupla consciência. (...) A relação estética reaplica os mesmos processos psicológicos da obra na magia ou na religião, onde o imaginário é percebido como tão real, até mesmo mais real que o real. (MORIN, E. 1975; p. 77)

Ao aplicar os conceitos na questão desta pesquisa - a ambientação

imaginária dos Arautos do Evangelho -, é possível verificar um aspecto

preponderante - o estímulo à ideia de uma performance cristã. O usuário ‘gastará’

seu tempo, que é sagrado, segundo a Igreja Católica (o tempo de Deus não é o

tempo do homem), navegando em diversos ambientes que lhe propiciam

doutrinamento sob a ótica de uma vertente da Igreja Católica que propõe conduta de

extrema disciplina do corpo. Na ciber-religião, o elemento primordial da experiência

religiosa, o corpo, já não está presente. Nesse espaço onipotente, em que tudo é

possível, em que qualquer comportamento encontra abrigo, não há estranhamento

sobre limites/impossibilidades de um corpo mortal, que pode não ser eternamente

belo ou idêntico a outro. Corpos reais não são produzidos em série sem que isso

implique um tipo de processo altamente repressivo das particularidades humanas.

Concluímos que nessa dinâmica a construção da identidade dos Arautos do

Evangelho no cyberspace abre lacuna para a definição das reais intenções do grupo

ao se expor, e induz a questionar se acreditam que o católico ideal é imaterial,

distante de todos as imperfeições e ignorâncias, que pode ’ser criado’ e ’viver’ uma

experiência em um não lugar.

3.2. A criação de um ambiente ideal para o homem “imaterial” - o cyberspace

O espaço midiático, especificamente o cyberspace, com toda a sua abstração

e a ausência dos limites espaciais, hoje utilizado pela Igreja Católica, incentiva a

fuga da consciência da mortalidade, o que faz o homem concreto ter a ilusão de que

é imortal. Malena Contrera classifica como “dissipação do sujeito corporal”, resultado

do medo da morte.

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Para fugir à finitude humana, à mortalidade (matando o tempo antes que este o mate), o homem contemporâneo recorre à comunicação virtual, inaugurando um tempo virtual infinito que foge às leis da mortalidade, satisfazendo seu instinto/pulsão de poder e de controle do egoico. Na carne, morremos; na imagem, somos, instantaneamente, ilusoriamente eternos. Virtualizar o corpo foi uma forma simbólica encontrada por nosso tempo para apaziguar o medo da morte. Só que, ao abrirmos mão da morte, abrimos também da vida, já que elas são indissociáveis. (CONTRERA, M. 2002; p. 54)

No cenário cultural contemporâneo, a estética da cultura de massas já se

cristalizou, e nele emerge a comunicação direcionada dos Arautos do Evangelho. No

espaço onde não há corpo concreto, é favorável estabelecer um modelo ideal de

cristão belo e perfeito, que terá direito a indulgências também pela sua conduta, e

que siga um padrão específico, incluindo a estética. Assim, criam-se vínculos

exclusivamente estéticos, próprios das comunidades estéticas, citadas por Baumam.

Segundo o autor, as comunidades estéticas têm como característica o imediatismo e

o descarte, e pretendem criar vínculos que servem a outros objetivos, como

“cabides”, de natureza “superficial, perfunctória e transitória dos laços que surgem

entre seus participantes”. Laços descartáveis e pouco duradouros.

Uma coisa que a comunidade estética definitivamente não faz é tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, de compromissos em longo prazo. Quaisquer que sejam os laços estabelecidos na explosiva e breve vida da comunidade estética, eles não vinculam verdadeiramente: eles são literalmente ‘vínculos sem consequências’. Tendem a evaporar-se quando os laços humanos realmente importam - no momento em que são necessários para compensar a falta de recursos ou a impotência do indivíduo. Como as atrações disponíveis nos parques temáticos, os laços das comunidades estéticas devem ser ‘experimentados’, e experimentados no ato - não levados para casa e consumidos na rotina diária. São, pode-se dizer, ‘laços carnavalescos’, e as comunidades que os emolduram são ‘comunidades carnavalescas.(BAUMAN, Z. 2001; 67 – 68)

Sobressai-se a dinâmica do controle a partir do sacrifício do corpo, tema

estudado no início deste capítulo.

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Figura 41 - Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. Acesso em 15.03.2013.

Fonte: Post dos Arautos do Evangelho no Facebook. Acesso em 15.03.2013.

Figura 42 - Imagem de Nossa senhora de Fátima, que se repete nas páginas do portal e do Facebook dos Arautos do Evangelho.

Fonte:Post dos Arautos do Evangelho na rede social Facebook. Acesso em 05.05.2013.

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3.3. Criação de um ambiente ideal para o homem “imaterial” - o cyberspace

Em “O homem e seus símbolos”, Carl G. Jung discorre sobre os mitos antigos

e o homem moderno (p. 178), e analisa profundamente o desenvolvimento da

personalidade pelo jovem, baseando-se no caso de uma paciente, ilustrando-o com

o clássico infantil “A bela e a fera”. Além das imbricações desse conto, que se refere

ao despertar do amor humano, da mulher em seu amadurecimento e a definição de

relacionamento com o outro, a história mostra um dos grandes vilões com o qual a

Fera lutará: o tempo. É implacável o tic-tac do relógio nas cenas do castelo,

mostrando a angustiante luta do personagem contra o feitiço que o aprisionara no

corpo de um animal.

Ao lado do relógio, um candelabro com velas constantemente acesas indica o

tempo mais uma vez, aqui retratado em seu esvair-se: uma chama que queima e

que consumirá certamente toda a parafina. Um bule de chá e uma xícara permeiam

a história, remetendo à tradição inglesa da “hora do chá”, que mostra o tempo e seus

momentos que não voltam. Tempo figurado na pausa para o chá que, com o passar

dos minutos, esfria.

Essa história mostra que desde a mais tenra idade o ser humano tem contato

com a realidade implacável do tempo e, implicitamente, como se submete aos seus

caprichos. Tudo o que se refere a “não aproveitar” ou “não usufruir” corretamente

desse tempo provoca a sensação de que se está cometendo um tipo de violência

contra algo tão sagrado. E assim se cristaliza a ideia de que um modo de manter a

sacralidade do tempo é dedicar-se ao trabalho - o tempo inevitavelmente vivido deve

ser destinado a “enobrecer” o homem.

Essa reflexão permite inferir que, assim como o cristianismo ensina que a

“preguiça” é pecado capital, na atual sociedade não dedicar grande parte do tempo

ao trabalho pode significar falta de caráter. Com a solidificação de uma ideia que

obedece ao sistema capitalista, vive-se estimulado ao trabalho desmedido,

ininterrupto.

Dietmar Kamper, em “O trabalho como vida” (1998; p. 12), trata do caráter

demente do trabalho no nosso tempo. O autor se refere aos estudos desenvolvidos

por Marx e Hegel, quando apregoaram que o trabalho traria liberdade ao homem.

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Havia no passado a esperança de que, com esse renascimento do homem, o trabalho acabaria sendo supérfluo. Esta esperança, entretanto, não se concretizou; o trabalho acabou se estendendo a todas as áreas: o trabalho está presente no lazer, no amor, em todos os setores da atividade humana. O trabalho não se circunscreveu naquela época onde ele costuma ser identificado, isto é, a atividade remunerada, e acabou se apoderando da própria vitalidade da vida. Vários sociólogos e filósofos afirmaram que a palavra vida é a palavra de ordem do século XX. Vida é mais um imperativo que um conceito. A escola vitalista demonstrou que é impossível definir vida. Definir é sempre uma forma de matar. (KAMPER, D. 1998; p. 12-13)

Kamper aborda sua preocupação quanto à proporção que o conceito de

trabalho tomou na vida humana, e como ele assume o espaço natural da própria

vida, diminuindo a sua complexidade, contaminando e ocupando o lugar de qualquer

prática do sentido do prazer, como o descanso. Ou seja, uma forma ideal para

mortificar e castigar o corpo. Extingue-se o espaço da festa e do lazer, essenciais à

vivência completa e sadia do homem.

(...) Eu mesmo, durante muito tempo, enxerguei na festa, na festividade, uma instância contrária ao universo do trabalho, uma instância à qual eu atribuía grandes chances para promover um equilíbrio em nossa vida. A festa, concebida como uma espécie de suspensão da vivência inclemente, como algo onde procuramos viver fora das condições do trabalho, com a ajuda de estupefacientes, de substâncias que provocam a embriaguez, com a ajuda de um esforço que tenta promover relações positivas entre as pessoas, e assim por diante. (KAMPER, D. 1998; p. 15)

O autor ressalta o grande espaço que o trabalho ocupa na vida

contemporânea, o que denomina de absolutização do trabalho. Uma forma utilizada

pela cultura e religiosidade europeias, berço do cristianismo e continente onde está

situada a sede maior do catolicismo (Roma), no processo de reinterpretação e

revalorização que permeia a história, para dar ao trabalho o papel de talento.

Podemos resumir isso numa fórmula bastante simples e dizer que nas condições da religiosidade europeia, da cultura europeia, o trabalho foi inicialmente concebido por uma espécie de sacrifícios aos quais os homens foram obrigados. Trata-se de um sacrifício de força vital e de tempo de vida, que os homens precisam realizar. Aos poucos, no decorrer da história, o trabalho acaba mudando de natureza e acaba se transformando numa espécie de sacrifício voluntário. (KAMPER, D. 1998; p. 20)

A reflexão permite refletir como, nesse processo, houve a necessidade de

disciplinamento do corpo, tema explorado por Lutero, personagem principal da

reforma protestante. O objetivo é o sujeito passar a entender o sacrifício como, nas

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palavras de Dietmar Kamper, uma “crítica bem-sucedida da religião”.

Há uma nova ideia que acaba tendo importância cada vez maior, sobretudo desde a filosofia de Nietzsche, e essa ideia está relacionada à concepção dos homens produzindo a si mesmos, nascendo a partir de si mesmos, graças ao trabalho. Eu me refiro ao corpo humano que, nos últimos séculos, foi objeto de uma terrível operação e disciplina; poderíamos dizer, inclusive, que a liberdade do espírito, a liberdade do intelecto, foi adquirida ao preço da não liberdade do corpo humano, cujo preço envolve um processo no qual o corpo foi cada vez mais forçado dentro de relações que não lhe são adequadas. Poderíamos dizer mesmo que, nesse sentido, o corpo humano é a verdadeira vítima desse processo histórico. (KAMPER, D. 1998; p. 21 - 22)

A partir de Kamper é possível afirmar que, dentro dessa realidade, o

cyperspace tem as características ideais para esse sujeito idealizado pela sociedade

mediática, capitalista, que investe toda a fé no trabalho. Um sujeito que acredita que

seu próprio corpo carrega uma bagagem de pecado, e então se vê catequizado a

criar uma imagem sobre si, um sujeito não corpóreo, imaterial.

Os Arautos do Evangelho, portanto, mergulham profundamente nesse

universo. O grupo não apenas obedece à dinâmica da própria Igreja Católica, como

parece ignorar os antagonismos temporais, bebendo exageradamente da fonte

proposta pelo ambiente não corpóreo. Aqui, o sujeito pode tudo, inclusive construir e

viver de uma imagem criada para si, e que permita a ele livrar-se de toda a carga de

um corpo cheio de pecado e imperfeições que a sua condição humana lhe impõe. É

como uma tentativa de dizer aos seguidores que a purificação está vinculada à

performance de um corpo livre do peso da carne, impossível numa realidade

concreta do homem encarnado. Os discursos que comprovam a afirmação estão

permanentemente presentes nas redes sociais dos Arautos e nos textos produzidos

para o portal.

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Figura 43 - Imagem publicada na rede social Facebook, lembrando os seguidores do grupo sobre a oração do Terço da Misericórdia, rezada pelo grupo todas as

primeiras sextas-feiras do mês, às 15h. Em detalhe o relógio que figura atrás da imagem de Jesus Crucificado.

Fonte:

http://www.facebook.com/photo.php?fbid=619358891425374&set=a.212201685474432.64667.115110768516858&type=1&theater. Acesso em 5 de maio de 2.013.

A problemática da imagem em detrimento do corpo leva a refletir sobre os

efeitos desse processo também na capacidade simbólica do sujeito e sua relação

com o mundo. Conectar-se ao portal, consumindo todas as informações geradas em

seus diversos formatos, provoca a sensação de que há a tentativa de transferir o

sujeito para uma realidade totalmente diferente da vivida em concretude, em

verdadeira desconexão com a dimensão do mundo que habitamos. Esse caráter é

fruto do que Malena Contrera denomina de crise das competências simbólicas,

resultado do uso indiscriminado da tecnologia e a autorreferência criada a partir

dela, cujos efeitos podem ser devastadores.

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Uma das principais consequências dessa crise do pensamento simbólico é o triunfo da literalidade, ou seja, a diminuição da capacidade simbólica e metafórica do pensamento humano, derivando-se desse processo uma espécie de pensamento empobrecido e empobrecedor, passando a linguagem a ser um mero programa de autoexecução que, por fim, acaba se exaurindo no não sentido de sua própria existência (...) A verborragia dos blogs, twitters e outros formatos análogos que a internet possibilitou contemporaneamente são é apenas um traço da histeria mediática, como bem propôs Raquel Paiva (2000), mas sinalizadora da perda da dimensão simbólica da linguagem (e consequentemente de como o homem pensa e comunica seu mundo); triunfo das palavras-coisas operacionais que não apontam para nada além de si mesmas ou do próprio sistema para o qual foram criadas. É a natureza autorreferente da tecnologia retroagindo sobre a linguagem e criando, aí também, um mundo de alta produtividade, porém fechado para o espanto, para o não operacionalizável, para o não comunicável, para o encantamento sem palavras frente à grandiosidade do desconhecido e do silêncio (2010; p.74-75. Malena Contrera apud Raquel Paiva).

Cabe inferir sobre o aspecto do sagrado e das imagens midiáticas no cenário

de superemissão e de triunfo do suporte tecnológico sobre a vivência do ritual, tendo

em vista o não lugar e o sujeito não corpóreo. Ao observar o portal e as formas como

o grupo lança mão do cyberspace, é possível indagar até que ponto são salutares o

estímulo à mortificação do corpo e a consequente sugestão de que para o homem

“herdar o reino dos céus” deve estar desconectado de seu corpo ou deve obedecer

a uma padronização. Há celebrações rituais que a cada dia se transformam em

espetáculos; cultos e missas tornam-se verdadeira encenação, cujos templos,

inclusive o de responsabilidade dos Arautos do Evangelho na Serra da Cantareira,

passam a ter uma gigante parafernália tecnológica para as transmissões serem

feitas não apenas pela TV, mas especialmente via web.

A nova realidade à qual o cristianismo se curva, especialmente a Igreja

Católica, ratifica o mencionado anteriormente, dando força aos apontamentos de

uma resposta ao chamamento do capitalismo, que é o investimento na ideia de

trabalho como vida. Conforme indica Alberto Klein em artigo publicado pela Revista

de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia (outubro 2002), até o culto, não apenas

nas celebrações católicas, mas nas evangélicas, não fica imune, sendo arrastado

para uma perspectiva midiática.

Em amplos espaços físicos, como galpões e antigos cinemas, a participação do fiel se anula em função do distanciamento do palco em relação à plateia. A teleparticipação (tele, do grego, é distância) não se restringe apenas às mídias eletrônicas, mas se inscreve de forma definitiva no espaço físico do templo. Os pastores aparecem no início das celebrações e no final desaparecem sem vestígios. A distância em relação aos fiéis é a mesma

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que as estrelas da TV preservam diante dos fãs. O culto adquire uma natureza midiática, no sentido mais popular da palavra mídia. Ou seja, cultos são imagens de TV, mesmo que lá não estejam as câmeras, até porque esteticamente fica difícil distinguir os auditórios de televisão dos espaços destinados às novas reuniões religiosas. (KLEIN, A. 2002; p. 12 -13)

A partir desse cenário, Klein sinaliza para a autorreferência ao meio,

demonstrando que existe a real tentativa de criação do ambiente ideal para o

homem “imaterial”, pautado nos ideais estéticos vistos no início do capítulo. O autor

cita Malena Contrera e as reflexões de Michell Serres sobre a natureza simbólica

das mediações e o papel dos anjos como mediadores entre Deus e o mundo.

(...) O que acontece quando o mensageiro adquire maior importância que a mensagem (função vinculadora) que ele porta? Ao levantar essas questões, Serres traz à tona a consciência de que a mediação que une pode ser a mesma que inviabiliza a união. O mensageiro traz a mensagem/imagem unificadora que pode, no descumprimento de seu papel, desunir, desconectar. Como consequência desse estado de coisas veremos se reformar o fenômeno típico de nossas sociedades midiatizadas: a síndrome da autorreferência. (CONTRERA, M. 2002; p.67)

Há um cenário em que se delega grande poder ao aparato midiático, no qual

os Arautos do Evangelho atuam com ênfase para disseminar ideais e fortalecer o

grupo.

Com técnicas de persuasão e emitindo grande volume de informações, na

tentativa de criar um católico ideal e perfeito, e um ambiente ideal para esse sujeito,

eles assumem a definição do próprio nome: arauto significa aquele que anuncia, não

necessariamente aquele que responde, que estabelece trocas.

Obedecendo à dinâmica da supremacia religiosa, busca atrair mais

seguidores ao seu grupo, a partir do discurso de um equilíbrio irreal. No entanto, não

há um corpo perfeito, livre de qualquer pecado. Ele é uma imagem criada,

idealizada, pois a realidade concreta, a humanidade do homem, está permeada de

imperfeições, em um corpo que nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre, fim

natural de todas as coisas vivas. E para esse fim a realidade concreta não serve,

pois está aquém da que é imprescindível à sobrevivência do homem finito; daí a

tentativa de se criar um ambiente extemporâneo para esse homem. A preocupação

em manter o sujeito em estado consciente, com capacidade de refletir sobre a

realidade com a qual toma contato pela internet, não é a proposta desse grupo que,

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em alguns momentos, parece falar em códigos, sob uma imensidão de ruídos que se

apresentam sob a forma de links desconexos, redundância e mensagens sem

respostas.

.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se na história da humanidade Deus era o ‘todo-poderoso’ e estava em mais

de um local ao mesmo tempo, e sabia de todas as coisas, a evolução da sociedade

midiática agora implica que essas faculdades passaram a igualmente ser atributos

da internet. Jorge Miklos (2012; p. 68) classifica este fenômeno como atributos

incomunicáveis, desdobramento dos atributos divinos, pois “transcendem o humano

e assumem uma identidade superior a ele” e que, segundo o autor, são usurpados

pelas tecnologias comunicacionais60. Com o seu avanço, ficar à margem de toda a

novidade seria cair no esquecimento. Esta pesquisa não pretende, de forma alguma,

e que isso seja registrado, ignorar os benefícios dos avanços tecnológicos.

No entanto, desta perspectiva, vemos a tentativa de submeter o universo

imaginário à ambiência de uma sociedade pós industrial que fornece para a noção

de comunidade um caráter muito diferente do que aquele que o antecedia,

principalmente se consideramos que hoje estar sozinho, ‘desplugado‘,

‘desconectado’ do mundo é um comportamento inaceitável. Assim perde-se horas na

frente do computador e a religião, que em sua essência deveria ‘re-ligar’, a cada dia

oferece formas e maneiras do fiel se dobrar à esta realidade.

Na mesma medida em que as religiões assimilam estratégias midiáticas em busca da manutenção de seu status quo, meios de comunicação eletrônicos interativos, também abarcam valores litigiosos apresentando a tecnologia como religião (MIKLOS, J. p.87, 2012).

Este entrelaçamento entre mídia e religião traz consigo uma série de fatores

muitas vezes ignorados pelas religiões, e, nos parece que, no caso específico de

nossa pesquisa, pela vertente da Igreja Católica chamada Arautos do Evangelho.

Nascidos do rachamento da TFP - Tradição, Família e Propriedade, os Arautos do

Evangelho, conforme descrito no início destas páginas, possuem no seu gene, uma

herança fortemente política. Em suas veias corre o DNA de um movimento católico

articulado dos mais conhecidos do Brasil, que se rompeu com a morte de seu

fundador Plínio Corrêa de Oliveira.

Os Arautos do Evangelho, ou “Cavaleiros do Novo Milênio” buscam uma

60

A cerca desta questão remetemos o leitor ao livro Ciber-religião: A construção de vínculso religiosos na cibercultura. São Paulo: Idéias e letras, 2012, de autoria de Jorge Miklos

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grande semelhança com os antigos Cavaleiros Templários, que nasceram e viveram

no período medieval. As semelhanças vão muito além das indumentárias, mas estão

também na forma como o grupo surgiu, sua filosofia, seu reconhecimento pontifício.

Em diversos momentos desta pesquisa, observamos que o grupo parece se

fortalecer na tese de que nasceram para recuperar o que a Igreja Católica perdeu ao

longo dos anos, inclusive o poder. Desta forma, a maneira com que apresentam nos

lugares por onde passam nos deixa essa nítida sensação.

Analisar o discurso deste grupo e o lócus em que possui forte presença, o

cyberspace é desafiador não apenas por conta dos seus evidentes antagonismos,

mas tentar entender como eles entendiam este espaço, como e para que se

utilizavam dele também era uma das propostas da pesquisa.

Em tempos em que a utilização das novas tecnologias pela Igreja Católica

ocupa debates e prateleiras de curiosos e entendidos, analisar criticamente como

este grupo, com todas as suas especificidades utiliza deste espaço foi no mínimo

desafiador. Comunicação e poder sempre caminharam juntos e, desse ponto de

vista, nossa pesquisa buscou aprofundar-se também na problemática da cultura

midiática e sua dupla contaminação com a religiosidade, suas implicações para o

sujeito, os resultados desta utilização e como ela se dá no inconsciente coletivo.

Não de forma despretensiosa, em virtude de seu histórico enquanto instituição

milenar, a Igreja Católica, em suas diversas vertentes, utilizando-se de um discurso

salvacionista, não leva em consideração as implicações de submeter o sujeito às

suas estratégias para arrebatamento de seguidores. Desta forma, também os

Arautos do Evangelho se igualam à outros movimentos cristãos quando propõem a

alienação estética como forma de anestésico e também de resistência às constantes

mudanças pelas quais vêm passando a instituição Igreja Católica.

A hipernecessidade de se mostrar nos revela um traço histérico do grupo que

sucumbe à necessidade do aparato mediático, o computador conectado à internet,

para emitir informações sobre seu interesse. Tal conceito pudemos analisar no

capítulo 2 desta pesquisa.

De uma mídia que se coloca como o império da visibilidade a uma prática altamente narcisista e autorreferencial, o caminho é rápido, e nele já estamos há algum tempo (CONTRERA, M. 2000; p.52).

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Na esteira do pensamento de Malena Contrera, vemos um narcisismo que

desponta há algum tempo. Por parte dos Arautos do Evangelho, tanto seu portal

como suas redes sociais apontam o tempo todo para si próprios. Como pudemos ver

ao longo das páginas que antecedem essas considerações, a autorreferência dos

Arautos do Evangelho chega ate às vestes do menino Jesus e no manto de Nossa

Senhora das Dores.

Complexa ainda é a tentativa de criação de um ambiente imaterial para o

sujeito não corpóreo. Com fortes indícios da busca dos ideais da estética classicista,

os Arautos do Evangelho buscam cristalizar sua ideologia em uma ambiente bem

propício para este sujeito não corpóreo: as principais formas de comunicação com

seu público hoje são digitais. Apesar de possuírem uma revista impressa de

publicação mensal além do portal www.arautos.org, o grupo está presente na rede

social facebook com posts diários, possui uma web tv, ou seja, um instrumento com

formato de tv para a internet com reportagens elaboradas por repórteres e

cinegrafistas membros dos Arautos, uma agência de notícias que produz material

para a internet, além de diversos blogs. Nas publicações, notícias sobre o Papa e

muitas notícias sobre os trabalhos desenvolvidos pelos Arautos do Evangelho

(descritos no capítulo II desta pesquisa).

Tais publicações on e off line não indicam necessariamente que o grupo faz

uso do meio para estimular a religiosidade de seus seguidores. É bom lembrar que

utilizamos nesta pesquisa o conceito de religiosidade de Vilém Flusser, em “Da

Religiosidade“:

Chamarei de religiosidade nossa capacidade para captar a dimensão sacra do mundo. Embora não seja ela uma capacidade que é comum a todos os homens, não é obstante uma capacidade tipicamente humana. (FLUSSER, V. 2002; p. 16)

A busca pela beleza e perfeição e a evangelização por meio da beleza são

ideais perseguidos pelo grupo, em que se sobressai a insistência na procura de

imagens perfeitas.

Conforme descrevemos anteriormente, a busca pela beleza e perfeição, e

evangelização através da beleza é um ideal perseguido pelo grupo, que nos chama

a atenção pela insistência na busca de algo baseado em algum tipo de padrão, em

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imagens. E aqui chegamos à nossa problemática central, que é a de que os Arautos

do Evangelho não estimulam apenas seus seguidores a buscarem ser bons

católicos, que acreditem nos dogmas da Igreja Católica, os respeite e sejam pessoas

melhores para si e para o seu próximo, mas também, e centralmente, incentiva o

discípulo a ser um católico que esteja preso a padrões, a imagens, à estética, fruto

do que Malena Contrera chama de “estética de visibilidade absoluta”.

Durante o século XX vimos a implantação de uma ética da visibilidade absoluta. Essa visibilidade, no entanto, é parte de um cenário maior que poderíamos considerar como de desequilíbrio ecológico das imagens, um processo que se consuma com a proliferação das imagens exógenas que, pela cultura dromológica da qual fazem parte, usurpam o tempo destinado às imagens endógenas, ou seja, ao sonho, à divagação, à imaginação ativa, que necessitam do tempo lento da interioridade e da reflexão. Esse é um processo que nos interessa especialmente na medida em que recai sobre as conformações contemporâneas do imaginário cultural. (CONTRERA, M. 2010; p. 102)

Encerramos nossas considerações com a citação de E. Morin de que “Aquilo

que ilumina fica sempre na sombra” (O Paradigma Perdido: A Natureza Humana.

1973; p. 131). Entendemos que o enfoque desta pesquisa revela o aspecto sombrio

desta utilização exacerbada da internet pela Igreja Católica, especificamente da

vertente Arautos do Evangelho, através da análise de seu site www.arautos.org e

suas redes sociais. Nosso objetivo foi refletir esta problemática com vistas aos seus

riscos para a evolução da sociabilidade humana e suas relações com o campo da

comunicação e da cultura.

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ANEXOS

Anexo 1 - Cópia da carta disponível no endereço

http://media.arautos.org.br/publish/Carta.jpg. (Acesso em 10.09.2012)

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Anexo 2 - Reprodução do texto disponível na apresentação da página oficial dos

Arautos do Evangelho no Orkut

Regras e esclarecimentos

Olá a todos! Sejam bem vindos.

Venho por meio desta prestar alguns esclarecimentos e definir algumas

regrinhas básicas, já que algumas pessoas não tem bom senso. Antes de qualquer

outra coisa deixo claro: Não sou arauto e os arautos não estão oficialmente

representados no orkut. Minha relação com os arautos é de amizade apenas, não

sou membro. Já fizemos diversos trabalhos juntos e possuo amigos e irmãos que

são arautos. Esta comunidade foi criada por mim com o objetivo de reunir amigos,

simpatizantes e curiosos. Nunca foi o objetivo dela ficar rebatendo calúnias.

Óbviamente por reunir pessoas de muito conhecimento sobre os arautos, este

espaço acaba sendo usado para tirar dúvidas de todos os tipos. PORÉM NINGUEM

AQUI RESPONDE OFICIALMENTE PELOS ARAUTOS E MUITO MENOS TEM

QUALQUER OBRIGAÇÃO DE SABER E/OU RESPONDER TUDO. Se desejarem

informações de alguem que responda oficialmente pela entidade favor entrar no site

www.arautos.org.br e enviem suas perguntas no Fale Conosco. Isto posto vamos a

algumas regrinhas. Não será tolerado: - o uso de palavras de baixo calão e/ou

desrespeitosas. - ironias sugerindo que o pe. João e/ou os demais padres arautos

não sejam padres. Ex: "o pseudo-padre". Nada de "pseudo" padre. Foram

ordenados e são padres. Se alguem discorda pegue o telefone e disque 00 XX 39

06-6982 ou mande email para [email protected]. - ofensas a moral e honra de membros

dos arautos e calúnias. Para quem desconhece o significado da palavra: "Calúnia v.

tr., ofender com calúnias; difamar; fazer acusações falsas; v. int., proferir calúnias."

Eu pretendia deixar essas discussões em aberto para atender a dúvidas sinceras

mas virou bagunça. Portanto... Possue acusações e provas? (bom... acusações vi de

monte, mas provas até hoje não me apontaram uma) Sinta-se a vontade para

informar ao Vaticano para que tomem as providências que considerem cabiveis: 00

XX 39 06-6982 ou [email protected].