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UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ A abordagem holística e os Jogos Cooperativos como uma tecnologia de aprendizagem em organizações que aprendem. Joelma Cristina Gomes Goiânia, 01 dezembro de 2011 92

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UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

A abordagem holística e os Jogos Cooperativos como uma tecnologia de

aprendizagem em organizações que aprendem.

Joelma Cristina Gomes

Goiânia, 01 dezembro de 2011

92

UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

A abordagem holística e os Jogos Cooperativos como uma tecnologia de

aprendizagem em organizações que aprendem.

Joelma Cristina Gomes

Artigo apresentado à Universidade Holística

Internacional da Paz como requisito Parcial

para obtenção do grau de Especialista em

Relações Humanas, curso chancelado pela

PUC GOIAS, sob a orientação da Profª Msª

Hélyda Di Oliveira.

Goiânia, 01 dezembro de 2011

93

UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

Folha de Avaliação Autor: Título: Data de avaliação: Banca Examinadora _______________________________________________________________

Profa. Ms. Hélyda Di Oliveira (orientadora)

_______________________________________________________________

Prof. Ms. (Sérgio Almeida Loiola )

_______________________________________________________________

Prof. Ms. (professor convidado)

Nota final: ______________ Local: Unipaz Goiás, Goiânia, de dezembro de 2011.

Goiânia, 01 dezembro de 2011

94

Dedico esse trabalho a todas e a todos que estão

a serviço da construção de outra forma de

convivência onde a alegria, o encontro e a

celebração da vida façam parte dessa brincadeira

de existir e a redescoberta do vir a Ser com mais

consciência de nossa influência na co-criação.

95

Agradecimentos

Minha gratidão a vida.

A oportunidade do encontro com seres que igual a mim não se sentiram parte

nos caminhos já percorridos.

Não se sentiram nutridos pelas fontes paradigmáticas da separatividade entre

todas as formas de pensamento, sensação e encontro.

A todas e todos caminhantes, companheiros de destino que chegam, ficam e

quando é chegada a hora se despedem.

A todos os baluartes desse velho/novo paradigma.

A minha amada, admirada e saudosa Marisa Fiqueira. Nosso encontro gerou

frutos que agora se formata aqui, nessa possibilidade de demonstrar um pouco

do muito que vivi com você.

Que saudade!!!

Eu te reconheço, eu te dou passagem e sigo meu caminho.

How!!!

96

EPÍGRAFE

“Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio... e eu Moverei o mundo.”

Arquimedes

97

Sumário

Introdução ______________________________________________________ 9

1. Visão Holística -- UM VELHO/NOVO PARADIGMA _______________ 10

2. Jogos Cooperativos: construindo pontes promovendo mudanças.

__________________________________________________________ 18

3. A tecnologia de uma organização que aprende - arte da

sustentabilidade por meio de mudanças e modelos de gestão. _ 25

Considerações Finais ___________________________________________ 36

Bibliografia ____________________________________________________ 39

98

Resumo: este trabalho tem o intuito de abordar um estudo a respeito do

fenômeno do desenvolvimento e da transformação do indivíduo e de suas

relações por meio de um programa de aplicação dos Jogos Cooperativos.

Trata-se de uma pesquisa pela abordagem transdisciplinar holística realizada

por meio de análise bibliográfica e de vivências compartilhadas. Visa Constatar

as possíveis possibilidades de mudanças que podem ocorrer em equipes

criativas. Utilizamos as teorias da abordagem sistêmica de Peter Senger para

fundamentar o trabalho dentro de organizações que aprendem.

Palavra-Chave: Jogos cooperativos, quinta disciplina, visão holística.

99

Introdução

Esta pesquisa tem sua importância, pois traz uma análise a respeito das

relações humanas a partir da perspectiva da cooperação e apresenta uma

ferramenta de exercício de convivência fundamentada na reflexão realizada

através de um mensurador de avaliação que pode trazer elementos para

aprendizagem coletiva dentro de organizações que aprendem.

Iniciei um percurso de perguntas e respostas, de investigação e

experimentação que me levaram aos jogos cooperativos ainda dentro de minha

graduação em educação física. Como as inquietações nunca cessam nesse

momento, depois de certa caminhada, começo a questionar a semântica. Não

seria talvez mais apropriado o termo jogos associativos? Mas essa é outra

discussão para outro momento de produção teórica. Apresentaremos o jogo

cooperativo como uma ferrramenta metodológica que muito tem nos trazido

energia investigativa porque se mostrou uma de forma eficiente e eficaz um

instrumento valioso em programas de desenvolvimento de habilidades

humanas em organizações que aprendem.

Os jogos cooperativos quando conduzidos por um profissional que tem

objetivos claros de sua utilização, podem contribuir e levantar dados

importantes para o departamento de Recursos Humanos de uma organização.

Bem sabemos que na contratação de um serviço profissional de

consultoria, a organização tem objetivos claros e apresenta um problema real

com destino e meta a serem alcançados. Desta forma o consultor deve ter

clara as possibilidades e método para utilizar. Outro fator que envolve esse

trabalho é a especificidade dos grupos. Cada um trás consigo um determinado

perfil de relação e isso deve ser levado em consideração. Pode-se então

através destes dados fazer uma seleção das atividades a serem desenvolvidas

alinhando objetivos, critérios e metodologia. Uma das características que

podemos dizer que é quase unanime é a não disposição do

colaborador/empregado/servidor para aprendizagem organizacional. Quando

iniciamos um trabalho com um grupo deve-se sempre tomar cuidado com as

100

expectativas tanto de quem contrata quanto de quem é o contrato, visto que

não é um hábito ainda, a compreensão da necessidade da constante

aprendizagem da formação continuada. Tendo claro esse cenário que se

apresenta em nossa experiência, constatamos que é necessário saber

mensurar o tempo com atividades intelectuais e atividades vivencias. Pois

necessitamos que todos e todas estejam presentes para que a convivência

seja garantida.

Outro fator importante é fazer uma relação clara entre as teorias

selecionadas e a escolha dos jogos. É comum as pessoas se sentirem usadas

e não conseguirem fazer uma relação entre o que está sendo dito e o que ela

realiza. Para tanto é primordial que antes de realizar esse tipo de trabalho deva

ser feito uma análise criteriosa da realidade da empresa, as áreas de atuação

as co-dependências as especificidades de cada área de serviço para quem, e

como o é feito.

Desta forma acreditamos ser necessário elaborar uma consultoria que

tenha três pilares claros: um programa de jogos que esteja alinhado aos

conteúdos científicos específicos que possam ser vivenciados através da

convivência no jogo, tecnologias inovadoras de aprendizagens como músicas,

imagens, rodas de conversas em grupos que proporcionam interação e

aproximação, leitura de cenário mundial do mundo do trabalho não século XXI

que promove a consciência da necessidade de atualização profissional.

Assim podemos provocar uma tensão entre a zona de conforto (crenças

absolutizadas fundamentadas em experiências pessoais) e realidade (novas

necessidades e possibilidades de mudanças).

1. VISÃO HOLÍSTICA - UM VELHO/NOVO PARADIGMA

A sociedade, ao longo do curso da história, passou por vários

momentos, de descobertas e decepções, teorias sendo criadas e outras sendo

derrubadas. Tal dinâmica pode ser compreendida através da compreensão que

tudo perpassa pelos modelos/paradigmas1 de uma época, sociedade.

1Paradigmas são “modelos, padrões e exemplos compartilhados, significando um esquema modelar para

descrição explicação e compreensão da realidade. É muito mais que uma teoria, pois implica uma

101

Nos encontramos em um mundo onde a dicotomia entre corpo e

alma, ciência e tradição desencadeiam um processo de fragmentação existente

na sociedade. Essa fragmentação se estabeleceu e promoveu uma forma de

percepção da realidade, onde a ciência cartesiana-newtoniana fundamenta

nosso envolvimento com a tecnologia, as relações humanas, as noções

ontogênicas nossa forma de atuar em toda a teia de interação social.

O mundo, graças a esse desenvolvimento pôde evoluir em várias

áreas do conhecimento onde notória contribuição foi alcançada como, por

exemplo, o prolongamento da vida humana, as interações sociais via internet, a

ampliação de nosso conhecimento do universo através das investigações

espaciais, etc.

A nossa perspectiva aumentou em uma lente de dez para mil no

momento que passamos a ter acesso a informações que antes eram veladas. A

possibilidade de reconhecimento e aproximação de universos e formas de viver

e de se relacionar como Poe exemplo no âmbito cultural, onde, com o

desenvolvimento da tecnologia midiática pudemos ver e reconhecer outros

povos e suas culturas. Pudemos também fazer viagens microscópicas dentro

de nosso complexo universo orgânico, o corpo físico, pudemos reconhecer as

estruturas que nos compõem, a nossa constituição fisiológica os mecanismos

cerebrais e suas conexões complexas na rede de neurônios.

Através das potentes lentes dos telescópios pudemos reconhecer

outras estruturas que compõem, assim como nosso planeta, o sistema

galáctico e também outros que nem imaginávamos que pudesse existir.

Novos conceitos e teorias foram necessários para atender as novas

perspectivas e realidades. O universo está em constante movimento e

rearranjo. Nossas consciências também devem acompanhar essa dinâmica

visto que estamos imersos em uma teia da viva onde as formas de vida estão

holisticamente integradas.

Passamos a ver mais profundamente nossa existência como um

propósito e não mais como um fato isolado. Fazer essa mudança exige novos

saberes e novos olhares.

estrutura que gera teorias, produzindo pensamentos e explicações e representando um sistema de aprender

a aprender que determina todo o processo futuro de aprendizagem” (CREMA, 1989, p. 18).

102

A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca. [...] É nesse sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros (FREIRE, 1996, p. 57).

A visão Newtoniana, Cartesiana e positivista de mundo reforça o

esquema que ainda mantêm a engrenagem do pensamento moderno que

promove a máxima que assola a humanidade, o individualismo. Esse modelo

de ser e estar no mundo, e conseqüentemente nas relações humanas,

desenvolve na prática uma expressão de desintegração, subjugação do outro.

Concomitante a isso está a supremacia do pensamento científico em

detrimento a todas as outras sabedorias, levando-nos assim a uma ausência

existencial.

Weil (2003) em sua obra normose a patologia da normalidade diz

que a maior parte dos nossos costumes são resultados das normas que

adotamos mais ou menos consciente mediante a imitação de nossos pais e

educadores. Compreendemos a partir do conceito de normose que muitas de

nossas práticas tanto sociais, culturais ou profissionais são apenas

reproduções dessa aprendizagem.

Assim há uma crença enraizada segundo a qual tudo o que a maioria das pessoas sente, acredita ou faz, deve ser considerada normal. Por conseguinte, deve servir de guia para o comportamento geral de roteiro para educação (WEIL, 2003, p.22).

Essa realidade nos leva a falácia na existência humana. Pois o que

vemos em nosso cotidiano é uma verdadeira crise existencial em todas as

áreas da expressão humana. A economia, a vida comunitária, nosso pouco

tempo para o lazer e para o ócio criativo, nossa sensação de insegurança, a

necessidade incessante do Ter, a busca da felicidade em relacionamentos

passionais e nossa inversão de valores como, por exemplo, maior dedicação a

produção/trabalho que para nossa vida familiar/amigos.

Esses comportamentos do ser humano moderno estão causando

dor, doença e morte. Notamos um alto grau de insatisfação, tristeza e solidão

como nunca antes foi detectado. O que em uma análise simplista poderia ser

103

uma contradição. Nunca tivemos tanto aceso a facilidades para uma vida com

menos esforço físico. Nunca tivemos tanta tecnologia disponível para

diagnosticar desajustes físicos (medicina). Temos hoje um rápido acesso para

obtermos informações pela internet, telefones celulares, satélites, enfim são

tantas as descobertas da ciência, moderna para atender as necessidades de

sociedades complexas e urbanas e mesmo assim sentimos uma sensação de

incompletude e, estamos adoecendo em decorrência dessa emoção/sensação

destrutiva.

O cerne dessa questão está em nossa capacidade de separar as

dimensões da vida humana. De acordo com Weil (1990) temos uma ilusão da

realidade. Vemos e vivemos como se as conexões não existissem. Isso nos

causa uma fragmentação em todos os níveis: no pensamento, na lógica, nas

relações sejam elas intra-inter ou transpessoais.

Fronteiras em todas as regiões do espaço, as quais jamais existiram senão no espírito onde nascem e onde se mantêm, alimentadas por diferentes consensos [..] engendram toda a espécie de conflitos e sofrimentos e levam, no plano individual, à tensão e à moléstia, e, no plano coletivo, à agressão e à guerra (WEIL, 1990, p. 16-17).

Devido a essa realidade de desconexão, em nossas relações

humanas nos comportamos como seres acuados, desconfiando na proporção

exata de nossa emoção e crença de escassez. Não cremos e não confiamos

na sinergia do bem. Criamos ou co-criamos ambientes e pessoas adoecidas. E

assim é que estamos a construir ambientes conflituosos.

Roberto Crema em sua epígrafe do livro Introdução a Visão Holística diz

que o “século XXI será holístico, ou não será”. Baseado nos postulados de

Monique-Thoenig no ano de 1980 inauguramos uma forma de ver pautada na

teoria de Gaia e nos fundamentos da transdisciplinaridade. GAIA como era

chamada a Mãe Terra pelos antigos gregos, utilizava uma conceituação

extremamente orgânica e holística. O planeta para eles é “um ser vivo, um ente

vivo com identidade própria, o único da sua espécie” (LUTZENBERGER apud

CREMA, 1989, p. 21).

Depois desse advento, várias foram as teorias que surgiram nas

mais diferentes áreas do saber, sempre alicerçadas pela visão holística, a

abordagem transdisciplinar e as contribuições da física quântica, grande

104

parceira que nos dias atuais tem dado comprovações de teorias no mundo da

ciência empírica como, por exemplo, a teoria do campo morfo-genético, o

paradigma quântico que nos traz tantas experiências que nos provam que

somos energia e não matéria.

É natural que ao surgimento de uma nova idéia/conceito venha

também como conseqüência um desejo a resistência. É de se esperar que os

cientistas e especialistas se sintam em uma posição de desconforto, pois é

difícil exercer o desapego daquilo que até então foi uma verdade absoluta e

que trouxe benefícios inquestionáveis.

A emergência de uma nova estrutura conceitual é geralmente precedida por um período de grande stress e acentuada insegurança profissional. Infelizmente, não é do tipo do ser humano aceitar, gentil e simplesmente, a falência dos seus pressupostos e desmantelamento de sua descrição de mundo habitual (CREMA 1989, p.19).

O surgimento de um paradigma, em um período histórico específico, tem

como objetivo suprir as necessidades e resolver os problemas de determinada

sociedade, independente do nível local, nacional ou mesmo global.

Como as condições sociais são históricas e regidas por dinâmicas de

tempo a conseqüência é que isso implique também, mudança de valores

morais, sociais, culturais, intelectuais e espirituais isto é, novas realidades vão

sendo desveladas e outras por sua vez sendo questionadas.

Logo, para estarmos no mundo passamos por um processo de

adequação isso é facilmente passível de observação como por exemplo:

quando viajamos para outro pais onde temos o contato com uma cultura muito

diferente da nossa passamos a nos comportar como seres altamente

observadores das condutas e costumes locais, é necessário uma observância

para podermos nos adequar, pois a vida em sociedade exige a aceitação de

normas, condutas e comportamentos sociais. Essa mudança se dá pela nossa

necessidade de aceitação, pois naquele momento temos a plena convicção

nossos hábitos e costumes podem soar como uma agressão social. Assim

também acontece com determinados paradigmas. De tempos em tempos

podem e devem ser alterados mediante a emergência de novas necessidades.

Somos seres inacabados, em constante mutação que faz parte de um

todo chamado Universo que tem uma dinâmica própria e coerente com a vida.

105

O entendimento do mundo, originalmente, se deu graças à

estudiosos que, buscando respostas nas mais diversas áreas, começaram a

pesquisar sobre o Universo, sobre átomos, sobre a luz, enfim sobre os Porquês

da existência ou mesmo os Para quê estamos aqui?

Dentre muitos estudiosos, podemos destacar nomes como Galileu,

Bacon, Descartes, Newton, Copérnico que esclareceram muitas questões no

campo da matemática, da filosofia, da química, da biologia, psicologia, física e

da astrologia.

Surgiu assim o paradigma cartesiano-newtoniano, que atua no

universo de forma analítica e divide o ser humano em dois distintos e

independentes domínios: “a mente (res cogitans) e a matéria (res extensa), ou

seja, coisa pensante e coisa extensa, alma e corpo” (CREMA, 1989, p. 32).

Aparece aqui a concepção de dualidade, a dicotomia entre corpo e alma,

apresentando o humano como uma máquina, uma compartimentação do todo.

Essa teoria tem suas ramificações em todas as áreas do

conhecimento, pois a partir da concepção de que a célula humanidade é

bipartida, fragmentada, separada de seu organismo todas as ciências por sua

vez a concebem também assim.

Compreendemos o sistema vivo planeta como uma máquina divida,

segmentada onde as interconexões como: ciclos, rotas e fluxos

naturais/energéticos não interdependem uns dos outros. Com essa concepção

acreditamos que a interferência em uma parte do sistema não acarreta grandes

problemas no ciclo, pois a concebemos como forma isolada e estanque em si

mesma ou seja, “o homem-máquina habita o grandioso Universo-máquina,

regido por leis matemáticas perfeitas” (CREMA, 1989, p. 33).

No século XXI onde tantas teorias nos trouxeram a luz da saberia da

complexidade não podemos mais perpetuar uma visão de mundo que não

considera a vida de forma integrada. Não somos seres que simplesmente

habitam um planeta. Não somos casualidade intencional. Somos seres regidos

pela lei do universo que sofre alterações profundas quando essas estão

vibrando no campo magnético do planeta. Temos função e responsabilidade.

Somos seres sapientes e sagrados. Somos a imagem e semelhança da

morfologia do grande mistério. O mistério habita nossas entranhas nossas

relações e nossa comunicação com toda a rede viva.

106

Homem e Universo encontram-se em indissolúvel diálogo e cumplicidade, respondendo-se mútua e instantaneamente, através de Paixão por uma idéia irrecusável: gente foi feita para ser feliz! E esse é o nosso trabalho; não só nosso, mas também nosso. Paixão pela inconformidade de as coisas serem como são; paixão pela derrota de desesperança; paixão pela idéia de, procurando tornar as pessoas melhores, melhorar a si mesmo; paixão, em suma, pelo futuro (CORTELLA, 2006, p.157).

Para esta visão holística das coisas é essencial saber interpretar e não

apenas compreender, decodificar e ver. É fundamental saber ampliar os

sentidos do olho que vê e do coração que senti. Não mais perceber de forma

descontinuada e separatista, na casualidade da situação. Basear-se na

hipótese da coexistência de um meio termo, de olhar para dentro de ambos os

lados e culminar numa perspectiva comum acerca do real momento.

Isto significa em suma, transcender a outros níveis de realidade e aceitar

os diversos valores possíveis, pois cada indivíduo tem e traz consigo sua

individualidade que deve ser respeitada e acolhida pelo coletivo.

Para interconectar toda essas idéias que sujeitamos a visão holística, quebrando com a racionalidade posta da lógica incorrigível do capital, para outra que contemple o encontro axiomático entre ciência e tradição, no contexto experiencial e transpessoal. Infindáveis eventos que se inter-cruzam. O Todo responde à minha indagação e minha própria pergunta faz parte do Todo (CREMA 1989, p. 49).

Sob essa perspectiva, o humano e o Universo encontram-se em

uma harmonia, onde um age sobre o outro, um necessita do outro e um faz

parte do outro. Assim, quando falamos em uma relação humanidade e

Universo, estamos falando em todos os âmbitos, seja na relação

humano/natureza, humano/humano, humano/universo, universo/natureza,

universo/universo, enfim um reencontro entre ciência e consciência nascendo

assim o paradigma holístico2, ou simplesmente a visão holística que é uma

“continuidade evolutiva entre matéria, vida e mente” (CREMA 1989, p. 61).

Trata-se do Paradigma Holístico, que objetiva mudar a visão

individualista do ser humano e fazer com que compreendamos que não existe

dicotomia entre humanidade e universo, mas que somos todos interligados e

vivemos pelo mesmo propósito, vida, plenitude e presença.

2 “O paradigma holístico (do grego Holos: Totalidade) representa uma revolução científica e

epistemológica que emerge como resposta à perigosa e alienante tendência fragmentária e reducionista do

antigo paradigma. É um novo sistema de aprender a aprender” (CREMA 1989, p. 59).

107

A realidade na qual estamos inseridos nos mostra que a visão

holística necessita de uma compreensão aprofundada, pois a mesma não é

uma utopia e sim uma nova visão de mundo onde devemos sair da visão

cartesiana e partimos para uma concepção mais ampliada de relação e co-

dependência entre todas as formas de vida, visíveis e invisíveis.

Vivemos um momento de transição. Momento esse de mudanças

estruturais e de nossas concepções, mudanças em nossos comportamentos e

relação com a vida. Momento esse que nos acomete a alterações dos ciclos

naturais da Terra, onde readaptações estão sendo arquitetadas e por esse

motivo vemos tantas catástrofes, desastres sociais e naturais. Talvez

devêssemos mudar a concepção de abundancia que fomos criados, pois nos

deparamos com uma realidade que não nos mostra mais isso. Não é que

estamos numa realidade de escassez. Como nos diz Gandhi: “Existem

recursos suficientes neste mundo para atender as necessidades de todos, mas

não o bastante para satisfazer o desejo de cada um”.

Essa concepção nos dá a clareza de mudança de olhar onde a

liberdade e a consciência devem ser convocados a partilharem das decisões

coletivas seja no ambiente, político, educacional ou espiritual. Somos e

fazemos parte de um sistema em equilíbrio dinâmico onde a essa liberdade

deve estar associada a consciência da necessidade.

A visão que temos da realidade é um reflexo do estado de

consciência em que nos encontramos. Para tanto o que determinam nossas

ações e sistemas de assimilação da realidade é a nossa cosmovisão a respeito

da vida que em síntese é a forma com que concebemos o mundo.

Cosmovisão além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa também uma atitude frente ao mesmo. Portanto não é uma mera abstração, já que a imagem que o homem forma de mundo possui um fator de orientação e uma qualidade modeladora e transformadora da própria conduta humana. Implícito em toda a cosmovisão há um caminho de ação e realização (CREMA 1989. p. 17).

Nosso crescimento populacional desenfreado e a visão de abundancia

dos recursos naturais começam a sofrer uma relação que requer cuidado e

vigilância. O estímulo pela aquisição de bens de consumo bem como os

resíduos produzidos por esses produtos nos faz repensar o caminho/escolha

que estamos seguindo.

108

O novo paradigma (uma constelação de concepções, de valores, de

percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade e que

estabelece uma visão particular da realidade) pode ser chamado de

uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo

integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode

também ser denominada visão ecológica, se o termo 'ecológica' for

empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o

usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência

fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto

indivíduos e sociedades estamos todos encaixados nos processos

cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses

processos (CAPRA, 1996, p. 55).

Nos últimos tempos novas tecnologias cada vez mais complexas tiveram

que ser criadas para que possamos gestar melhor nossas “cacas modernas”.

Essa busca pelo ter e o distanciamento da realidade das coisas criaram a

ilusão da separatividade, onde nos vemos desconectados da teia da vida. Isso

contribuiu para um processo de crescente fragmentação pessoal, social e

ambiental, onde os indivíduos tornam-se a cada instante seres menos

conscientes e mais autômatos.

2. JOGOS COOPERATIVOS: CONSTRUINDO PONTES PROMOVENDO

MUDANÇAS.

A proposta dos jogos cooperativos como exercício de convivência em

organizações que aprendem surge como possibilidade de pensar em uma

educação corporativa baseada em comportamentos escolhidos de forma

consciente pelo empreendedor/colaborador/empregado/servidor/funcionário.

Para além de ser um conteúdo específico da Educação Física, os Jogos

Cooperativos apresentam uma postura filosófico-pedagógica que está centrada

na aprendizagem da interação entre os seres humanos, como um “Exercício de

Convivência”, como nos fala Brotto (2001), seu maior expoente no Brasil.

Os Jogos Cooperativos surgiram da preocupação com a excessiva valorização dada ao individualismo e à competição exacerbada, na sociedade moderna, mais especificamente, na cultural ocidental. Considerada como um valor natural e normal da sociedade humana, a competição tem sido adotada como uma regra em praticamente todos os setores da vida social. Temos competido em lugares, com pessoas e em momentos que não precisaríamos, e muito menos, deveríamos (BROTTO, 2001, p.45).

109

É nesta perspectiva que este conteúdo da Educação Física, o jogo e o

esporte, podem ser (re)significados a partir de uma (re)leitura sobre os

principais valores que os inculcam, buscando construir pontes entre esses e a

vida. O jogo e a vida são entendidos como um campo das potencialidades

humanas, pessoais e coletivas, na perspectiva de solucionar problemas,

harmonizar conflitos, superar crises e alcançar objetivos, Brotto (2001).

Para isso é preciso compreender as relações de interdependência entre

este conteúdo da Educação Física e a realidade social. Esse espaço, o jogo

como exercício de convivência, configura-se, assim, como meio de articulação

dos valores e atitudes presentes na vida e nas relações humanas. Os

interesses, regras e significados expressos no jogo perpassam, também pela

vida. Ao escolhermos um jogo ou esporte para jogar/vivenciar/experimentar

devemos ter claro os nossos propósitos e objetivos, pois os valores assumidos

por essas atividades são os mesmos inculcados no cotidiano. Nesse sentido

precisamos compreender o Jogo como elemento educacional promotor de

mudanças comportamentais.

A importância do Jogo como elemento educacional é um fato reconhecido e que não necessita ser mais discutido, embora deva ser sempre lembrado. Minha intenção é refletir sobre que tipo de Jogo necessitamos jogar atualmente, levando em conta que tipo de educação e sociedade pretendemos (BROTTO, 2001, p. 15. grifo do autor).

A sociedade em que vivemos é marcada pela necessidade de buscar a

realização de acontecimentos de cunho individual. Isso é completamente

saudável e necessário, pois assim caminhamos para um aprimoramento

profissional que cada vez mais aumenta o nível de qualidade dos serviços

prestados. Nessa busca são geradas disputas por poder e uma intensa corrida

por posições. Esses valores estão inculcados no imaginário e encontram-se

presente em todos os cargos e posições profissionais. Se queremos relações e

ambientes mais ajustados em harmonia e calcados em princípios éticos,

precisamos começar a olhar nossas ações e questionar o que pode ser feito

para gerar essa mudança.

110

É preciso construir algumas pontes que nos possibilitem enxergar as

relações entre o que reproduzimos e o que vivemos. É nesta perspectiva que a

proposta dos Jogos Cooperativos nos auxilia a olhar com mais profundidade

para as nossas práticas e ações no mundo. Como nos fala Brotto (2001) “eu

jogo do jeito que vivo e vivo do jeito que jogo”.

O jogo como ferramenta de educação organizacional gera uma

transformação nos comportamentos, pois após a prática do jogo existe uma

reflexão subsidiada pela vivencia chamada de avaliação. A esse método de

avaliação chamamos de CAV - Círculo de Aprendizagem Vivencial onde,

trazemos para a verbalização as realidades vivenciadas no jogo. Aqui são

feitas perguntas essenciais que trazem para o grupo a construção do cenário

vivenciado na dinâmica do jogo.

...vamos trabalhando o raciocínio sistêmico, através das inter-relações que o grupo vai construindo, podendo buscar uma visão global do trabalho e do tema de aprendizagem (teoria) relacionando-o com a prática do jogo e do dia a dia. Esta visão geral possibilita buscar soluções para problemas mais complexos do trabalho e da organização através da mudança de mentalidade (TEIXEIRA, 2002, p.5).

Essa tecnologia de avaliação é realizada sempre na forma circular,

forma essa escolhida intencionalmente, pois na forma geométrica do círculo

consideramos três grandes características que também estão inerentes a um

trabalho que visa potencializar a consciência de co-dependência:

O sentimento de pertencimento: todos podem se olhar nos olhos,

e reconhecer a contribuição e ou percepção de cada um e cada

uma.

A não existência de hierarquia ou posições (primeiro, segundo e

terceiro lugar). Cada um se coloca no tempo que achar que está

pronto para contribuir com sua percepção da realidade vivenciada

no jogo.

Todos e todas estão eqüidistantes do centro o que dá propriedade

de poder de fala independente da posição ou cargo que ocupa na

organização.

111

Essa forma de avaliação trabalha uma das habilidades humanas mais

estruturadas que temos dentro do ambiente organizacional: a liderança.

Reconhecer que o trabalho a ser desenvolvido como, por exemplo, um projeto,

uma tomada de decisão, um novo investimento, uma contratação, a troca de

prestadores de serviço, a substituição de um sistema de inteligência

(softwares) ou segurança enfim qualquer mudança que irá gerar custos novos

investimentos, alterações na rotina é saber ouvir e considerar os outros pontos

de vista que compõem grupo. A isso damos o nome de liderança circular.

Exercitamos essa habilidade quando estamos no CAV e aprendemos a

considerar que cada ponto de vista é apenas a vista de um ponto. E a verdade

não é um posicionamento simplista e absolutizada ao contrário deve ser

relativizada, pois várias são as possibilidades de realização da mesma

questão.

Como o sucesso da equipe equivale ao sucesso pessoal, a atmosfera não competitiva resultante diminui o sentimento de inveja, permitindo que as pessoas compartilhem idéias livremente, despreocupadas com a possibilidade de que um colega possa “roubar o crédito” da vitória...Liderança compartilhada ajuda os integrantes a atingirem uma perspectiva mais ampla dos objetivos da empresa (HOUSEL, 2008, p. 15).

Com essa experiência o grupo passa a ver as dificuldades que tem e a

nossa condição de seres inacabados. Várias são as aprendizagens promovidas

no CAV, pois eles podem ver com clareza:

Suas atitudes na necessidade de tomadas de decisão.

Posicionamentos de liderança.

Decisões para a resolução do desafio com tempo e data determinada.

Capacidade de comunicação clareza em suas proposições.

Pro-atividade iniciativa.

Escuta inclusiva - escutar com atenção o que outro diz e não apenas

ouvir.

Capacidade de solucionar conflitos de forma pacífica.

Clareza do princípio da física clássica - ação e reação.

112

A excelência humana perpassa pela nossa capacidade de

discernimento. Conhecimento e sabedoria apesar de muitas vezes serem

utilizadas como sinônimos estão distantes no que concerne a sua práxis. O

conhecimento é a arte de saber fazer determinada ação. Já a sabedoria está

inerente não somente ao saber, mas, também ao que deve ser feito analisando

todas as possibilidades por vários primas. Reconhecer que somos eternos

aprendizes facilita e torna mais leve as nossas experiências não tão positivas.

A sabedoria só é possível quando há uma profunda combinação do racional e do intuitivo. Se acreditarmos que é possível sintetizar esses dois modos e se dermos os passos necessários para realizar isso em nós mesmos, poderemos ter esperança para o futuro (ROBINS, 1995, p.46).

Vislumbramos as possibilidades de ações transformadoras em busca de

resignificação da realidade. Todas as nossas ações devem estar articuladas

com a leitura da realidade para que possamos compreender e construir meios

para nela intervir. Nesse sentido podemos afirmar que na aplicação dos Jogos

Cooperativos, conseguimos efetivar a construção de uma eminente mudança

humana.

Exercitando no Jogo e no Esporte, a reflexão criativa, a comunicação sincera, a tomada de decisão por consenso e a abertura para experimentar o novo, todos podem descobrir que são capazes de intervir positivamente na construção, transformação e emancipação de si mesmos, do grupo e da comunidade onde convivem (BROTTO, 2001, p.91).

Estes jogos buscam relacionar as habilidades de cada um para culminar

em resultados que colaborem para a felicidade e efetividade do trabalho de

todos, sendo prevalecidos os objetivos individuais inseridos na coletividade.

Os jogos cooperativos são atividades que requer um trabalho em equipe para alcançar metas mutuamente aceitáveis. Não é necessário que os indivíduos que cooperam tenham os mesmos objetivos, porém seu alcance deve proporcionar satisfação para todos dos integrantes do grupo [...] O mais importante é a colaboração de cada um, é o que cada um tem para oferecer naquele momento (AMARAL, 2007. p. 27).

Os jogos cooperativos são uma metodologia de valorização do ser

humano, de desenvolvimento de autonomias, respeito ao próximo, consciência

de co-dependência. Acreditamos que a cooperação possa ser um exercício de

113

convivência, dentro do processo de aprendizagem corporativa que proporciona

objetivos comuns por meio de ações compartilhadas que tragam benefícios

para todos.

Tanto para SOLER (2006) quanto para BROTTO (2001), os jogos

cooperativos buscam a participação de todos com uma meta em comum, ele

nos liberta da necessidade de competição e de eliminação. Se praticarmos o

diálogo, a escuta inclusiva, ter metas em comum ou seja objetivos congruentes,

todas as atitudes destrutivas e desumanas passam a ser reprovadas pelo

próprio grupo, nos libertando da agressão física e psicológica.

Nos jogos cooperativos existe a flexibilização das regras, ou seja, é o

coletivo que está jogando que vai determinar quais serão essas regras. E

mesmo durante o exercício de convivência elas podem ser alteradas se assim

o grupo achar fundamental e necessário para o bem estar de todos (as). O que

queremos evidenciar é que em todos os níveis do jogo a colaboração é

fundamental. Desta forma estamos exercitando e estimulando a capacidade de

co-criar as realidades e escolher de forma consciente qual o ambiente que

queremos desfrutar.

Os jogos cooperativos quando conduzido por um profissional que tem

objetivos claros de sua utilização, pode contribuir e levantar dados importantes

para o departamento de Recursos Humanos de uma organização.

Se acreditarmos que a competição é o único e natural caminho,

entramos em uma grande armadilha, pois se é isso que acreditamos, é o que

construiremos – uma sociedade que premie uns poucos e penaliza uma

maioria. De acordo com Orlick (1989), os jogos e os esportes são ao mesmo

tempo, reflexos da sociedade em que vivemos, mas também servem para criar

o que é refletido. Muitos valores importantes e modos de comportamentos são

aprendidos por meio das brincadeiras, dos jogos e dos esportes. Em nossos

jogos devemos pensar o tipo de sociedade que gostaríamos de ter e

recompensar por comportamentos que seriam desejáveis nessa sociedade.

O jogo é uma ferramenta riquíssima e que não deve ser vista apenas

como uma competição e sim como meio de ajudar a resolver problemas, a

compreender questões do dia a dia, a olhar e se ver no próximo, a respeitar

114

limites, a enxergar a vida de forma mais ampla onde todos podem ser o que

realmente são sem se importar com pré-julgamentos saindo do paradigma

cartesiano.

O jogo não é apenas um meio para impor regras onde haverá

sempre um vencedor e um vencido, não deve ser um meio de permissões e

punições, onde há recompensas e premiações para uma única posição, o

primeiro lugar.

Exercitando no Jogo e no Esporte, a reflexão criativa, a comunicação sincera, a tomada de decisão por consenso e a abertura para experimentar o novo, todos podem descobrir que são capazes de intervir positivamente na construção, transformação e emancipação de si mesmos, do grupo e da comunidade onde convivem (BROTTO, 2001, p.91).

O jogo deve ser visto como a busca de um objetivo comum para

todos e não exclusivos e egoístas de poucos.

Os jogos cooperativos propõem a busca de novas formas de jogar, com o intuito de diminuir as manifestações de agressividade nos jogos, promovendo atitudes de sensibilidade, cooperação, comunicação, alegria e solidariedade (AMARAL, 2007, p. 8).

Utilizar de forma sistematizada essa tecnologia de aprendizagem é

promover desenvolvimento integral de uma forma prazerosa, onde o encontro

se dá em um ambiente de descontração, prazer e construção de

relacionamentos no qual podemos em outro momento da vivência, o CAV,

mensurar aspectos subjetivos e comportamentais de forma leve e consistente.

Para isso é necessário que toda essa estratégia esteja fundamentada

em uma visão de mundo que considere outros aspectos da vida e das relações

que veja as conexões necessárias e considera a falta delas um grande abismo

entre o Ser e o existir. E baseada nessa fragmentação, nessa não relação de

co-dependência que consideremos de fundamental importância apresentar com

que olhar vemos a realidade que visão temos e do que ela constitui.

Então compreendemos que por meio dos exercícios de convivências

realizados pelos jogos cooperativos desenvolvemos habilidades específicas

que constroem uma realidade de equipe e promove um cenário possível para

que esta também tenha como mola propulsa das resoluções dos desafios

apresentados a criatividade como ponto de destaque.

115

Quando estamos livres para ver as coisas de forma diferente trabalha-se com mudança de perspectiva da realidade podendo assim transformar essa realidade e aprender com ela. Por tudo isso, os educadores modernos enfatizam mecanismos que desenvolvam e proporcionem estados de harmonia mental, alegria e diversão, promovendo o prazer de aprender utilizando brincadeiras, jogos, dramatizações, simulações, casos, trabalhos de equipe, vivências, artes plásticas e filmes, entre outros instrumentos que enriquecem a aprendizagem tornando-a mais prazerosa, favorecendo o aprendizado e a fixação do conteúdo, assim como a auto-estima dos treinandos (TEIXEIRA, 2002, p. 4-5).

A proposta dos jogos cooperativos como exercício de convivência surge

como possibilidade de pensar em uma educação corporativa baseada em

comportamentos escolhidos de forma consciente pelo

empreendedor/colaborador/empregado/servidor/funcionário.

No âmago da organização de aprendizagem está a mudança de mentalidade, a qual implica deixarmos de nos ver separados do mundo para passarmos a nos considerar parte integrante dele, deixarmos de ver nossos problemas como sendo causados por alguém ou alguma coisa “lá fora” para compreendermos que eles são causados pelos nossos próprios atos. A organização de aprendizagem é um lugar onde as pessoas aprendem a criar sua própria realidade. E a mudá-la (SENGE, 1990, p.22)

O princípio fundamental está na possibilidade do despertar do ser

humano para reconhecer suas potencialidades como ser que co-cria suas

realidades. O resultado esperado desta proposta está na transformação das

relações humanas, por conseguinte do ambiente de trabalho, promovendo

alterações de comportamentos, onde a percepção da interdependência com

alteridade gera ambientes mais produtivos e harmoniosos.

3. A TECNOLOGIA DE UMA ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE - ARTE

DA SUSTENTABILIDADE POR MEIO DE MUDANÇAS E MODELOS

DE GESTÃO.

Nossa sociedade está orientada para o consumo, a produtividade e a

competição. O individualismo e a riqueza material justificam o objetivo final de

todas as nossas ações. Essa busca desesperada pela materialidade da vida

nos cansa e tem dado índices de desconexões de nossa humanidade que pode

ser verificados pelos autos índices de desligamentos nas empresas por

116

doenças degenerativas causadas por desajustes precoces de nossas

habilidades emocionais que se somatizam no físico causando doenças.

Na sociedade moderna estamos imersos a maior parte do tempo em

nosso labor é lá que também adoecemos. Hoje passamos de 6 a 18 horas em

nossos ambientes de trabalho. Aqui passamos a conviver com pessoas das

mais diferentes formações, culturas, costumes e hábitos.

Devido a essas diferenças, conflitos são gerados pelo simples fato de

nossa dificuldade em reconhecer essas diferenças. É necessário criar novos

cenários que possam promover claramente ambientes favoráveis para o

diálogo e para a resolução pacífica de conflitos. E nessa aprendizagem é

extremamente importante que se utilize de uma tecnologia de aprendizagem

aprimorada para não tornar o território mais desarmoniozo e zelar das

individualidades, cuidar das potencialidades de todos e mensurar de forma

adequada as dimensões das vaidades profissionais.

Entendemos que é necessário trabalhar as habilidades humanas

dentro de um ambiente passível de mudanças. Ambientes são co-criados por

pessoas, e pessoas possuem a possibilidade de desenvolver habilidades por

meio de exercícios de convivência.

Este é o nosso mais novo desafio reaprender a nos relacionar com as

disponibilidades da vida moderna que nos apresenta um leque de

possibilidades. Acreditamos ser a consciência a nova descoberta do século

XXI. Ter decisões conscientes de nossas escolhas é fundamentar nossa

passagem no planeta em postulados que não considerem apenas o nosso

desejo pessoal em adquirir e usufruir dos vários recursos materiais e

ambientais.

Criar pontes de conexões entre as pessoas nos diversos espaços que

convivemos é a perspectiva que este artigo apresenta ao trazer a teoria de

Peter Senge pela abordagem sistêmica utilizando uma tecnologia de

aprendizagem através dos Jogos cooperativos como um exercício de

convivência em organizações que aprendem.

117

Podemos imaginar que é totalmente subjetivo tratar do tema

aprendizagem relacionada a empresas utilizando a terminologia Organizações

que Aprendem. Para nós ocidentais estruturados numa visão cartesiana e

dicotômica não nos é possível compreender a dinâmica de relacionamentos

dentro de um espaço de produção e labor onde, pessoas são consideradas

apenas como mais uma engrenagem necessária para o desenvolvimento de

uma organização onde as influências subjetivas, advindas de interações

pessoais como: empatias e afinidades sozinhas não esgotam os parâmetros

para a uma analise de uma equipe que possuem características para

desenvolver trabalhos em grupo com objetivos comuns.

A aprendizagem organizacional é um tema já bem conhecido nas disciplinas de organização. É um fenômeno sistêmico nas empresas que permanece independente das pessoas. Sim, as organizações podem não ter cérebro, mas são dotadas de sistemas cognitivos que elas mesmo desenvolvem e vão sendo impregnados na sua cultura por meio, principalmente, de rotinas ou procedimentos (SENGE, 1989, p.89).

Muitos autores vem desenvolvendo técnicas e teorias baseados em

estudos e observações no ambiente de trabalho e as indiosincrasias

estabelecidas nesses ambientes.Hoje na vida moderna passamos boa parte de

nossas vidas envolvida no trabalho no qual doamos não apenas nossos

conhecimentos técnicos mas também nossa capacidade relacional. Numa

empresa o ambiente assim como as pessoas adoecem. Pois pessoas

influenciam ambientes que por sua vez influenciam pessoas. Estima-se que

95% do sucesso no ambiente de trabalho dependem de nossos

relacionamentos com as outras pessoas. Essa porcentagem encontra ecos nas

palavras de Don Peterson, ex-presidente da Ford Motor Company, que afirma

que os resultados dependem dos relacionamentos (CAROSELLI, 2009, p.IX)

Essa dinâmica dialética entre ambiente e seres foi estudada por vários

autores que afirmam que empresas também adoecem. Em um ambiente em

que as pessoas não se sentem motivadas e estimuladas a desenvolverem suas

habilidades geram desajustes emocionais. De acordo com Peter Senge (1989)

nos dias atuais é necessário analisar os ambientes, desenvolver novas

habilidades humanas de relacionamento, pois passamos mais tempo em

nossas atividades profissionais que nos ambientes familiares ou de lazer.

118

Apesar de alguns autores fazerem distinção entre organização de

aprendizagem e aprendizagem organizacional, parece bastante razoável

analisar e estudar o tema como um único contexto. O que é claro é que a

aprendizagem organizacional é uma característica da organização que

aprende.

Organização que aprende é por si um conceito, muito mais próximo da

filosofia que das técnicas, não podendo ser tratada apenas como uma

abordagem para melhorar o desempenho das empresas. É um conceito que

vem sendo desenvolvido há mais de 50 anos e requer a conscientização de

que não existe fim, pois a ação e a reação advindas das mudanças externas ou

internas, ocorridas no ambiente ou no indivíduo, fazem parte do processo de

aprendizagem.

Apesar de já ser "antiga" a noção de organização que aprende foi

popularizada a partir do livro de Peter Senge, A Quinta disciplina. Desde então,

se tornou um conceito mais difundido e uma proposição interessante. O seu

principal conteúdo invoca a imagem de pessoas e grupos trabalhando para

melhorar a inteligência, a criatividade e a capacidade organizacional.

É necessário estar atento nesse momento para não cairmos numa

armadilha perspicaz da lógica capitalista e utilizar esse método para aumentar

o potencial de produção de uma empresa de forma isolada e mercantilista. O

que queremos apresentar nesse trabalho é uma estratégia metodológica de

“ensinagem” para a ampliação do olhar e consciências que pode vir a promover

uma melhor qualidade de encontro. Isso poderá sim desencadear maior

maestria pessoal gerando produtividade, pois aquele que está realmente

conectado com sua missão naturalmente realiza suas tarefas com maior

domínio pessoal e terá maiores possibilidades para compartilhar suas visões

respeitando as diferenças utilizando o principio da inclusividade.

Bem sabemos que na contratação de um serviço profissional de

consultoria a organização tem objetivos claros e apresenta um problema real

com destino e meta a serem alcançados. Desta forma o consultor deve ter

clara as possibilidades e método para utilizar.

119

Outro fator que envolve esse trabalho é a especificidade dos grupos.

Cada um trás consigo um determinado perfil de relação e isso deve ser levado

em consideração. Pode-se então através destes dados fazer uma seleção das

atividades a serem desenvolvidas alinhando objetivos, critérios e metodologia.

Uma das características que podemos dizer que é quase unanime é a

não disposição do colaborador/empregado/servidor para aprendizagem

organizacional. Ao iniciar um trabalho com um grupo deve-se sempre tomar

cuidado com as expectativas tanto de quem contrata quanto de quem é

contratado, visto que não é um hábito ainda, a compreensão da necessidade

da constante aprendizagem da formação continuada.

Tendo claro esse cenário que se apresenta em nossa experiência

constatamos que é necessário saber mensurar o tempo com atividades

intelectuais e atividades vivencias. Pois necessitamos que todos e todas

estejam presentes para que a convivência seja garantida.

Outro fator importante é fazer uma relação clara entre as teorias

selecionadas e a escolha dos jogos. É comum as pessoas se sentirem usadas

e não conseguirem fazer uma relação entre o que esta sendo dito e o que ela

realiza. Para tanto é primordial que antes de realizar esse tipo de trabalho deva

ser feito uma análise criteriosa da realidade da empresa, as áreas de atuação

as co-dependências a serviço que presta para quem e como é feito.

Desta forma acreditamos ser necessário elaborar uma consultoria que

tenha três pilares claros: um programa de jogos que esteja alinhado aos

conteúdos científicos específicos que possam ser vivenciados através da

convivência no jogo, tecnologias inovadoras de aprendizagens como músicas,

imagens, rodas de conversas em grupos que proporcionam interação e

aproximação, leitura de cenário mundial do mundo do trabalho não século XXI

que promove a consciência da necessidade de atualização profissional.

Assim podemos provocar uma tensão entre a zona de conforto (crenças

absolutizadas fundamentadas em experiências pessoais) e realidade (novas

necessidades e possibilidades de mudanças).

Na rotina, no trabalho, na correria em nosso cotidiano temos vivenciado

cada vez menos momentos numerosos. Esse termo como nos explica Rudolf

Otto teólogo alemão aplicou tal termo ao estudo da religião, motivo pelo qual

120

considera-se que haja efetivado uma análise de caráter transcendental a essa

experiência.

A categoria fundamental de que parte Otto é a de numinoso. O termo é pouco usual, mas se revelou muito expressivo. Provém da palavra latina numine que significa divindade. O sufixo oso corresponde a cheio de (medroso = cheio de medo; numinoso = cheio de divindade). Rudolf Otto quer apreender o racional e o irracional na idéia de Deus, para o que procede a análise histórica, psicológica e semântica do conceito de numinoso. Tratando-se de um a priori não pode ser definido, mas pode ser descrito (OTTO, 1985, p. 46 )

Traduzindo esse termo numa linguagem mais simples são aqueles

momentos simples na vida que em que vivemos uma experiência ímpar.

Geralmente é simples, gratuito e efêmero. Não necessita de outra pessoa para

ser completo. Ele graciosamente se apresenta e se esvai, mas deixa uma

sensação de encantamento que pode perdurar uma vida inteira.

Na busca por outro modelo diferente desse competitivo é que, alguns

autores apresentam os Jogos Cooperativos como uma alternativa pedagógica

e metodológica que busca construir novos cenários avaliativos com

proposições de mudanças de comportamentos, onde valores humanos

orientados por desejos universais como: paz, segurança, justiça,

reconhecimento de talentos, boa convivência contribuem para a formação de

equipes criativas em organizações que aprendem.

[...] experimentamos a transição de um novo modo de ser. Essa nova ordenação característica de nossa atualidade se apresenta como uma forte crise de concepções, de certo decorrente da coexistência de velhos e novos valores. Como toda transição, a convivência do velho com o novo, ao mesmo tempo em que exige mudança, gera insegurança naqueles que se vêem diante da necessidade de substituir o conhecido e o seguro pelo desconhecido. Por conseguinte, concepções são postas em xeque, e novas formas de encarar o mundo preenchem os espaços deixados pela derrocada das antigas idéias. [...] O desafio está lançado. Não há receitas prontas, por isso não há caminho a trilhar, mas a abrir. O único instrumento que temos hoje para iniciar essa caminhada é a certeza de que é preciso romper definitivamente com a idéia do absoluto, do padrão homogeneizante de condutas e de corpos. Assumir a diversidade é, em suma, assumir a vida como ela é: rica e bela na sua forma plural [...] (MARQUES E MARQUES, 2003, p. 229-238).

A proposição, portanto, dos jogos cooperativos, é a possibilidade de

recriar a forma de ver o mundo, as relações com o trabalho, resgatando o

poder pessoal estabelecendo uma visão de mundo compatível com os desejos

humanos de realização pessoal, conscientizar-se de sua missão e contribuição

121

no mundo, valorizar sentimentos e talentos pessoais experimentando

realidades de solidariedade necessárias para nosso desenvolvimento integral.

Utilizando a idéia de modelos mentais de Senge, considerando que na atualidade o processo de aprendizagem organizacional mostra-se fundamental para as organizações, as pessoas são estimuladas constantemente a estar desenvolvendo-se e adquirindo novos conhecimentos para melhorar suas competências, o que é ótimo, pois esta é uma necessidade do ser humano. As pessoas, porém, tem bloqueios e inibições, e precisam de ajuda nesse desenvolvimento, surgindo o treinamento para auxiliar nesse processo (TEIXEIRA, 2002, p.4)

Estamos imersos em num momento de profundas mudanças. Nas

organizações não é diferente. Há uma necessidade eminente de reformular as

estruturas organizacionais bem como suas relações de controle e obediência e

verdades fixas. As organizações precisam ter grande capacidade de adaptação

às mudanças e acompanhar as novidades tecnológicas e a resignificar o

campo das relações humanas. Empreender desafios possíveis que promovam

auto-estima potencializa talentos e reconhece a capacidade e talento dos

indivíduos que prestam seus talentos e serviço.

Graças a várias forças poderosas em operação na sociedade e no mundo dos negócios, a antiga hierarquia que procurava lideranças apenas nos autos escalões está ruindo. Em seu lugar surge o reconhecimento de que a liderança pode emergir em qualquer nível da organização. Essa nova perspectiva oferece oportunidades animadoras para aqueles que têm uma contribuição a dar e que conseguem reunir outros para se juntar à causa. Mas você tem de entender as outras pessoas, prever seus medos, saber o que as motiva e desenvolver relacionamentos de trabalho com elas se deseja realizar uma mudança positiva (CAROSELLI, 2009, p. 2).

Ter uma missão e uma visão é imprescindível, pois estes dois são os

elementos norteadores do destino que a organização irá empreender. O maior

bem que uma empresa possui não está materializado nos investimentos em

tecnologia, imobiliário e meios de comunicação (marketing e propaganda).

Estas estruturas promovem e acolhem o desempenho e sustentabilidade da

organização, mas não definem sua capacidade e qualidade na prestação do

serviço.

Assim como em outras realidades existe uma necessidade de

investimentos no desenvolvimento de grupos que posteriormente podem vir a

se transformar em equipes criativas. Vários autores concordam com a

diferença da terminologia entre grupo e equipes. Em síntese grupo é um

122

conjunto de pessoas que se relacionam, mas que não necessariamente

possuem um objetivo em comum. Já uma equipe possui como característica a

compreensão e determinação de se ter estratégias pensadas, elaboradas

coletivamente ter clareza, eficácia e eficiência nas decisões para que possam

alcançar objetivos congruentes. Estava faltando

Integrantes de uma equipe estão sempre se comunicando. Discutem problemas e, quando estes surgem, os resolvem juntos. Equipes frequentemente reúnem pessoas com históricos diversos e uma variedade de especialidades, resultando numa base de conhecimento que nenhum integrante poderia possuir sozinho (HOUSEL, 2008, p. 14).

Só faz sentido pensarmos nas ações e produções humanas se

admitirmos ser o pensamento, ou o trabalho efetuado pela reflexão, produto da

realidade. Toda ação prática gera uma teoria e, por sua vez, a prática só pode

ser transformada pela mediação da reflexão, através dessa teoria. A teoria é

assim um conjunto de O adjetivo criativa está relacionado a capacidade de

gerar novos padrões de pensamentos resultando em alterações dos modelos

mentais para a promoção de ação, tomada de decisão, de forma inovadora.

Perante um problema ou desafio que se apresenta insolúvel ou com alto grau

de dificuldade as estratégias da habilidade criativa entra no cenário para que a

equipe possa sair da inércia e da sinergia de imobilidade.

Então compreendemos que por meio dos exercícios de convivências

realizados pelos jogos cooperativos desenvolvemos habilidades específicas

que constroem uma realidade de equipe e promove um cenário possível para

que esta também tenha como mola propulsa das resoluções dos desafios

apresentados a criatividade como ponto de destaque.

Quando estamos livres para ver as coisas de forma diferente trabalha-se com mudança de perspectiva da realidade podendo assim transformar essa realidade e aprender com ela. Por tudo isso, os educadores modernos enfatizam mecanismos que desenvolvam e proporcionem estados de harmonia mental, alegria e diversão, promovendo o prazer de aprender utilizando brincadeiras, jogos, dramatizações, simulações, casos, trabalhos de equipe, vivências, artes plásticas e filmes, entre outros instrumentos que enriquecem a aprendizagem tornando-a mais prazerosa, favorecendo o aprendizado e a fixação do conteúdo, assim como a auto-estima dos treinandos (TEIXEIRA, 2002, p. 4-5).

123

Senge, Diretor do Centro de Aprendizagem Organizacional do

"Massachusetts Institute of Tecnology" – MIT, escreveu o livro "A Quinta

Disciplina" no qual apresenta a necessidade das organizações, cada dia mais

se transformarem em organizações que aprendem para poderem crescer e

sobreviver no mercado. Este trabalho hoje nortea vários programas de

aprendizagem organizacional devido a sua perspicácia na apresentação de

cenários de aprendizagem corporativas.

Peter M. Senge (1990) acredita que as cinco disciplinas, teoria que

descreve a analisa pontos chave para o desenvolvimento de equipes

cooperativas, mostram-se essenciais para a construção da Organização que

Aprendem:

Pensamento Sistêmico: Constitui um modelo conceitual, composto por

conhecimentos e instrumentos, desenvolvidos ao longo dos últimos 50 anos,

que visam melhorar o processo de aprendizagem como um todo e apontar as

futuras direções para o aperfeiçoamento.

Domínio Pessoal: Através do auto-conhecimento as pessoas aprendem a

clarificar e aprofundar seus próprios objetivos, a concentrar esforços e a ver a

realidade de forma objetiva estabelecendo foco e proposições claras para seu

desenvolvimento integral.

Modelos Mentais: São idéias profundamente enraizadas, generalizações e

mesmo imagens que influenciam o modo como as pessoas vêem o mundo e as

suas atitudes. Aqui estão fundamentas a crença pessoais aprendidas

culturalmente.

Visões Partilhadas: Quando um objetivo é percebido como concreto e legítimo,

as pessoas aprendem não como uma obrigação, mas por vontade própria,

construindo visões partilhadas. Muitos líderes têm objetivos pessoais que

nunca chegam a ser partilhados pela organização como um todo. Esta funciona

muito mais devido ao carisma do líder ou às crises que unem a todos

temporariamente.

124

Aprendizagem em Grupo: Em grupos nos quais as habilidades coletivas são

maiores do que as individuais se desenvolve a capacidade para a ação

coordenada. A aprendizagem em grupo começa com o diálogo; em outras

palavras, começa com a capacidade dos membros do grupo para propor suas

idéias e participar da elaboração de uma lógica comum.

Só faz sentido pensarmos nas ações e produções humanas se

admitirmos ser o pensamento, ou o trabalho efetuado pela reflexão, produto da

realidade. Toda ação prática gera uma teoria e, por sua vez, a prática só pode

ser transformada pela mediação da reflexão, através dessa teoria. A teoria é

assim um conjunto de conceitos que reflete a realidade dos fenômenos

materiais sobre a qual foi construída e que serve para compreender o mundo

objetivo.

A arte do encontro talvez seja uma das mais difíceis de ser aprendida,

pois exige muito mais que uma boa articulação de idéias, informações, cultura

e desenvoltura social. Ela exige de nós a experiência da excelência do

reconhecimento, diálogo e empatia que juntos nos empoderam e nos norteiam

rumo a maestria pessoal. Essa é uma teoria desenvolvida por Peter Senger

(1990) em sua obra a Quinta Disciplina. Essa teoria como diz seu próprio nome

é composta por cinco habilidades humanas passíveis de aprendizagem:

Maestria pessoal - comprometer-se a expandir a sua própria capacidade

e a dos outros para criar o futuro.

Visão compartilhada – construir um senso comum de propósito.

Ação e pensamento sistêmico – compreender como nossos

pensamentos e ações criam a nossa realidade.

Modelos mentais – atingir um salto de patamar nas comunicações

tornando visíveis e testando as premissas.

Aprendizagem em grupo – refletir durante a ação como um grupo, torna-

se habilitado em tomar decisões em conjunto.

Todavia pensar na relação entre teoria da quinta disciplina e

prática/vivência com os jogos cooperativos é pensar na dimensão da unidade

125

entre elas. Unidade essa que tem que ser orientada pelo desejo de

transformação da realidade organizacional.

Toda ação humana é sistematizada a partir dos anseios e necessidades

dos indivíduos que a desempenham. Nesse sentido agir na realidade é uma

opção ética consciencial. Se aspirarmos alguma possibilidade de mudanças ela

só pode começar pela ação prática individual para que depois possa ser

compartilhado no coletivo e posteriormente ser (re) significada no ambiente

organizacional. Todo esse processo só pode se dar através da reflexão.

Dizemos então que saímos de uma ação prática utilitária para uma ação

compartilha com destino a uma mudança feita através da consciência dessa

necessidade.

Senge (1990) focou inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarificação de seus objetivos e processos pessoais. Em seguida, seu foco deslocou-se para o grupo e, finalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. O pensamento sistêmico constitui a quinta disciplina, integrando as demais, em um conjunto coerente de teoria e prática, o que evita a visão isolada de cada uma delas (TEIXEIRA, 2002, p.4).

Somos seres de relação nosso aspecto relacional é que nos dá

condições para interagir e reformular nossas crenças. Por muito tempo nos

fizeram acreditar que o sucesso só é possível pelo esforço, que não há lugar

para todos e que o outro é um inimigo em potencial.

Toda essa crença está fundamentada na teoria da escassez onde não

há lugar para todos e que a exclusão faz parte do processo e que naturalmente

um procedimento da evolução humana. Devido a toda a essa idéia

engessemos nossos comportamentos criamos controles sócias de seleção que

justificam e reforçam esse aprendizado.

Na vida como na organização essa realidade pode ser reformatada, mas

precisamos reavaliar nossas crenças e fundamentá-las com atitudes concretas

e instrumentos que nos co-eduquem dentro de novas plataformas existenciais.

126

Considerações finais

Caminhando em busca de uma experiência que possibilita aproximar

nossas visões de mundo e de ser humano com a realidade, partimos então,

rumo a construção de uma ponte que diminua o caminho entre o que queremos

o que podemos fazer. Desenvolver um programa de Jogos cooperativos que

culmine em uma formação verdadeiramente humana, que possa, vislumbrar o

desenvolvimento de um pensamento sistêmico e a consciência de nossa co-

dependência. Observar melhor a realidade para construir estratégias para o

exercício de convivência para que possamos efetivar nossas ações/realizações

profissionais.

Acreditamos que temos em algum momento de nossa existência um

momento numinoso que nos faz despertar. O meu foi em minha formação

como professora de educação física. Me perseguia uma pergunta que sempre

gerava inquietação do porque para eu ganhar alguém tem que

necessariamente perder? Porque a alegria não pode ser um bem comum?

Porque a educação física é tão bélica em sua semântica educacional:

ataque/defesa, grade curricular, tiro de meta, grito de guerra. Muitas dessas

palavras me soavam como um grande chamado a reflexão. Que sociedade eu

gostaria de co-criar? Nunca gostei de competição da exposição desnecessária

de minhas habilidades humanas. Talvez por isso caminhei para a arte.

É preciso deixar claro que a proposta dos Jogos Cooperativos está

centrada muito mais em uma (re) leitura dos valores inculcados no jogo, e na

vida do que simplesmente buscar a cooperação entre os indivíduos, portanto o

que se quer não é negar a competição tão almejada no jogo e no esporte, mas

sim refletir sobre as relações que esses conteúdos estabelecem com a vida.

Essa possibilidade de exercício de convivência oferece uma

oportunidade de experimentação onde o profissional possa vivenciar

experiências que possam reconectá-los consigo, com o outro e com a

sociedade de uma forma mais consciente e atuante. Assim promovemos um

importante papel na formação humana, possibilitando a compreensão do

mundo vivido e das relações estabelecidas no cotidiano de cada indivíduo, no

127

intuito de ampliar a percepção frente às contradições expressas no grupo ao

qual está inserido.

A Educação Física como ciência deve propiciar ao ser humano,

experiências e compreensões acerca das práticas corporais buscando

estabelecer conexões entre essas e as diversas construções humanas como

valores, regras e os princípios que norteiam a vida. Nesse sentido,

encontramos na proposta dos Jogos Cooperativos um espaço fecundo de

articulação entre as ações humanas e os valores que as norteiam e, mais

especificamente um espaço de reflexão sobre os verdadeiros sentidos do jogo

na vida do ser humano.

Sobretudo a prática de ensino vivenciada na experiência com

equipes criativas em organizações que aprendem nos apontou algumas

possibilidades de pensar e efetivar ações verdadeiramente compromissadas

com a formação humana do profissional. É importante ressaltar que

compreendemos que o caminho para uma educação corporativa

transformadora não é tão simples, no entanto acreditamos que pudemos de

forma efetiva contribuir para um despertar de consciências através de uma

prática assistida e fundamenta em teorias que favorecem a formação integral

do ser que joga

Pudemos vivenciar a realidade e não nos sentimos

desesperançosos ou mesmo inertes pelas dificuldades encontradas em alguns

grupos como a resistência a mudança de modelos mental. Buscamos trilhar

uma construção segura e possível. Acreditamos que por meio dessa

experiência muitas experiências foram vividas de forma mais intensa e a

credibilidade de uma educação corporativa voltada para o desenvolvimento em

primeiro lugar para individuo ser humano em sua totalidade e não apenas para

sua função intelectual/profissional/laboral.

Observada a realidade e desvelada a possibilidade do despertar por

meio do jogo construímos novos cenários fundamentados agora em na

capacidade perceptiva de visão da realidade. O plano de vôo passa ser mais

coletivo e respeitoso, onde cada um e cada uma pode com segurança dar sua

contribuição para que o resultado final possa ser alcançado com eficiência e

128

eficácia. O exercício de convivência valoriza cada experiência, faz uma (re)

leitura sobre as opções e comportamentos adotados apresentando os

princípios da inclusividade como epsteme.

Ao perceber que o jogo vivenciado é a representatividade viva dos

modos e modelos que adotamos em nossas realidades de convivência sejam

elas pessoais ou profissionais isso legitima a aplicação desse tipo de jogo

como ferramenta de desenvolvimento humano em uma organização que

aprende. É uma leitura da realidade feita de forma alegre, dinâmica e

desprovida de julgamento. Winicott (1975) As brincadeiras, os jogos, a arte e a

prática religiosa tendem, por diversos e aliados métodos, para uma unificação e

integração geral da personalidade. As brincadeiras servem de elo entre a

relação do indivíduo com a realidade interior e por outro lado, a relação do

indivíduo com a realidade externa ou compartilhada. Sendo assim pelo

contrário o jogo como exercício é uma tecnologia de aprendizagem corporativa

que contribui para um programa de desenvolvimento humano em uma gestão

de organizações que aprendem.

Jogando, conversando, refletindo, identificando-se um com o outro

solucionando desafios superando dificuldade percebendo a inter-relações entre

valores, pré-julgamentos, ações gerando novos padrões mentais

desmistificando dificuldades no cotidiano.

Temos uma dificuldade em perceber a realidade como ela é. O caminho

é se não o da comunicação assertiva, a clareza na exposição das idéias a

nossa capacidade analisar e sintetizar para depois resignificar.

O mundo vive uma nova era, uma nova visão de mundo, um despertar

de um indivíduo que se fez aprisionado pelas fôrmas e estruturas rígidas

advindas do cartesianismo. Os tempos são outros estamos na era da

complexidade das inter-relações e do resgate de consciência de co-

dependência. Novas aprendizagens se fazem necessárias. Contemplar a vida e

reconhecer que essa é uma grande chance de imprimir nossa contribuição.

Não é tempo para o vazio existencial e nem de distanciamentos de nossas

habilidades mais profundas. Somos sujeitos de nossa história para tanto temos

129

responsabilidades profundas com essa realidade que não está acabada ela

reescrita a todo instante. E somos seus escribas.

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131

A ESCRITA DO SURDO USUÁRIO DA LIBRAS

Miliana Ester Fernandes

Aluna do Curso de Especialização em Formação de

Professores em Sociolinguística e Letramento.

Graduada em Fonoaudiologia

pela PUC Goiás em 2008.

[email protected]

Este artigo trata-se de uma revisão literária e tem como objetivo destacar os

processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem oral e escrita no portador de

Deficiência Auditiva, assim como deste mesmo indivíduo usuário da Língua Brasileira de

Sinais (LIBRAS). Para isto, iremos primeiramente compreender como esses processos

ocorrem na criança dita normal, para posteriormente partirmos para o diferente. Aqui serão

citadas a aquisição da linguagem oral e escrita do ouvinte, para o bom entendimento do

processo de aquisição da escrita do não ouvinte que utiliza a escrita do ouvinte.

No processo inicial de aquisição da comunicação escrita pelo qual percorre o

ouvinte, é possível constatar um apoio na comunicação oral, através da qual se torna

possível a fonetização da escrita. Isso significa dizer que a construção de uma segunda

língua – no caso, a linguagem escrita – se desenvolve a partir dos princípios estruturais

anteriormente fornecidos pela primeira língua – a linguagem oral1,2,3

.

Sendo assim, o indivíduo surdo que tem como meio de comunicação a linguagem

de sinais possui limitações na construção do processo de aquisição e domínio da escrita

empregada para os ouvintes. Logo, pessoas que tem essa privação sensorial não possuem

uma base sonora para a realização da correspondência fonema/grafema, fundamental para

o processo de aquisição da linguagem escrita1,2,3

.

Para a aquisição da linguagem oral (língua materna do ouvinte), escutar os sons é

de suma importância; para isso, é necessário que as funções auditivas estejam se

desenvolvendo naturalmente de maneira saudável4,5

.

Com o tempo, a criança amadurece e desenvolve a sua vocalização, propiciando a

efetiva comunicação oral6.

Em uma sequência lógica, os sons são primeiramente emitidos por murmúrios,

seguidos de balbucio e - com a continuidade do amadurecimento do Sistema Nervoso

132

Central, dos órgãos articulatórios e das funções cognitivas - inicia-se a imitação das vozes

que ouve5,6

.

Se a criança aprende por intermédio da interação com o ambiente, é fundamental

que os adultos conversem com ela e estejam atentos a ouvi-la, mesmo que não a

compreendam ou pensem que ela não possa compreendê-los7,8

.

Com dois meses de idade, o bebê já distingue a voz humana de outros sons, e gosta

de escutar a conversa das pessoas, sendo capaz de identificar a voz materna4,8

.

A comunicação expressiva do bebê começa com o primeiro choro. Ao chorar, ele se

comunica automaticamente, e logo aprende que o simples choro para pedir socorro faz com

que a mãe se apresse em atendê-lo4,5,9

.

Durante os três primeiros meses de vida, o bebê já produz som de murmúrio e após

um melhor controle dos órgãos fonoarticulatórios, tem-se o início do balbucio (repetição

de sílabas sem significado), que funciona como um "treino" articulatório para a emissão

dos futuros fonemas4,9

.

Durante o período de sete a nove meses, o balbuciar modifica-se e apresenta uma

variedade maior de sons e inflexões. O bebê começa também a adaptar as vocalizações,

antes aleatórias, agora como imitação da língua mãe emitida no ambiente do lar. Os bebês

começam então as descobertas de que sons diferentes significam coisas diferentes e isso os

ajuda a se preparar para falar palavras reais4,5,6,9

.

A primeira palavra do bebê com significado ligado à língua de origem, ocorre entre

dez e catorze meses de idade. Aos dezoito meses sua fala expressiva possui cerca de dez a

vinte palavras concretas e aos dois anos de idade, já poderá estar usando cerca de duzentas

palavras4,6

.

Com dois anos e meio, o vocabulário da criança aumenta significativamente, sendo

ela então capaz de se expressar por sentenças simples. Finalmente, com três anos, ela

entende a maior parte daquilo que ouve dos adultos, faz uso de novas palavras e sabe fazer

uso da linguagem para conseguir o que deseja, conversando por meio de sentenças

completas que podem ser entendidas em até 80% pelo ouvinte4.

Aos quatro anos, já é capaz de pronunciar adequadamente os fonemas de sua língua

e sua linguagem, de forma geral, está completa, devendo apenas ser aprimorada. Portanto,

já possui habilidades satisfatórias para expressar seus próprios desejos e necessidades4,6

.

A criança desenvolve sua fala conforme os estímulos do meio e de acordo com sua

capacidade de abstração sensorial e linguística8,10

.

133

Para que se dê a aquisição plena da linguagem são necessários três elementos:

1) querer falar; 2) ter inteligência suficiente para assimilar a linguagem; 3) ter capacidade

de utilizar os mecanismos fonador, articulatório, sensorial e gestual8,11

.

Portanto, para que a criança tenha um bom desenvolvimento de linguagem, são

necessárias condições anatômicas e neurológicas intactas e um ambiente favorável. “A

linguagem está interligada com outros aspectos do desenvolvimento que fazem parte da

formação da função simbólica e que se torna possível graças à constituição da

inteligência”8.

Após compreender a maneira como as crianças ouvintes abstraem o código

linguístico oral, passaremos agora a explanação da aquisição do código gráfico por parte

das mesmas.

A escrita é um método de comunicação criado pelo homem em resposta ao anseio

de registrar a fala, além do que, também objetiva a transmissão de mensagens por meio

de sistema convencional que representa conteúdos linguísticos12

.

A escrita não é uma ciência exata, mas sim um registro visível do conhecimento

humano que reflete, pelo menos até certo ponto, a capacidade de pensar de modo abstrato

a respeito de sua própria linguagem, ou seja, a transcrição da oralidade usual do

indivíduo12,13

.

O sistema de escrita, de modos diversos, baseia-se na linguagem oral do ouvinte,

fazendo parte dos processos cognitivos humanos gerais12

. Inclusive este é o método de

ensino predominante nas escolas, o método fônico, que ensina os alunos a fazerem

correspondências regulares entre som e letra e assim se apropriarem da escrita. Desta

forma, nos processos tradicionais de alfabetização a inserção do código gráfico é feita a

partir de atividades nas quais é imprescindível o recurso da audição para que se obtenha

sucesso na execução destas12,13,14

.

Caminhando por esta jornada rumo ao domínio da comunicação gráfica, as crianças

elaboram diferentes hipóteses sobre a escrita e percorrem fases distintas e específicas

para isso.

Na fase pré-silábica são registrados traços no papel sem a preocupação de realizar

conexão sonora do que foi proposto para a escrita. Inicialmente apresenta uma escrita

indiferenciada e uma leitura instável e mais tarde há uma tentativa de criar diferenciações

entre suas produções (diferenciação da escrita). Na fase silábica ocorre a tentativa de

estabelecer relações entre o contexto sonoro e seu registro e, para tanto, se utiliza de uma

134

letra para representar cada sílaba. A fase silábico-alfabética constitui-se um momento de

transição, quando ora a criança faz uso de uma letra para cada sílaba, ora representa

unidades menores que a sílaba. Isso se deve ao fato de seu domínio por um maior número

de letras e de sua capacidade de associá-las ao seu valor sonoro. Finalmente, na fase

alfabética a criança já compreende que a representação gráfica corresponde a valores

sonoros menores que a sílaba, e vai progressivamente fazendo a análise sonora do que

escreve, sendo capaz de associar o fonema ao grafema14

.

Tendo analisado as questões acima citadas, percebemos que a aquisição da leitura e

escrita requer um ensino formal mesmo em se tratando de crianças inteligentes e

saudáveis, enquanto para a aquisição da linguagem oral é necessário, apenas, que tais

crianças sejam criadas em ambientes interacionais eficazes que sejam estimulantes, onde

ocorra o uso funcional da linguagem12,14

.

Portanto, qualquer alteração anatômica e/ou fisiológica que altere o processo de

aquisição da linguagem oral irá como consequência, refletir na aquisição da escrita

convencional12,14

.

No entanto, cada indivíduo consegue desenvolver a comunicação da forma que lhe

é permitido, fator este que irá determinar as variáveis dos símbolos utilizados para suas

diversas formas de expressão oral e/ou escrita12,13,14

.

Por estes motivos devemos, para entender e auxiliar na aquisição da comunicação

por meio do código gráfico, conhecer o perfil auditivo do indivíduo, entendendo assim, o

processo de seleção para escolha dos métodos de alfabetização1. Para tanto, devemos

expor neste momento um diálogo esclarecedor sobre as implicações da surdez nos

processos de aquisição da linguagem oral.

O ouvido é o órgão que capta os sons, transforma-os em estímulos elétricos que são

enviados para o nervo auditivo, e daí ocorre sua condução até o cérebro. No sistema

nervoso central (SNC) os sons são decodificados como uma palavra, como uma canção ou

como um ruído aleatório. As falhas desse precioso mecanismo poderão provocar

deficiências auditivas, detectadas em vários graus15,16,17

.

A surdez ou deficiência auditiva tem sua classificação quanto ao tipo de acordo com

o local da lesão e quanto ao grau baseia-se na média para tons puros dos limiares da via

aérea nas frequências de 500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz obtidos através de exame

audiológicos16,17,18

.

135

A classificação do tipo de perda auditiva é feita para cada orelha isoladamente, o que

significa que os limiares da via aérea e da via óssea devem ser obtidos em cada orelha,

obrigatoriamente. Um outro critério é recomendado para os audiogramas em que aparecem

componentes condutivo, misto ou neurossensorial e para os quais é difícil determinar qual

o quadro predominante: se as frequências médias (500Hz ,1000Hz e 2000 Hz) mostrarem o

mesmo tipo de perda, este audiograma deve ser classificado a partir desta

informação16,17,18

.

Diversos autores classificam os tipos de perda auditiva, sendo consenso geral a que

será citada. Os tipos de perda conhecidos são: Perda auditiva condutiva - resulta de

alterações na orelha externa e/ou, mais frequentemente, na orelha média (Stach,1998), que

reduzem a intensidade do som que alcança a orelha interna. Caracterizam-se por apresentar

limiares de via óssea normais (até 20 dB NA), limiares de via aérea rebaixados (maior que

25 dB NA), gap (espaço) entre via aérea e via óssea igual ou maior que 15 dB (Silman e

Silverman, 1997), com perda máxima na condução aérea de 60 - 70 dB (Goetzinger, 1978

in Hodgson,1980, pág. 212); Perda auditiva neuro-sensorial - resulta de alterações na

cóclea ou no nervo auditivo (Stach, 1998). Caracteriza-se por apresentar limiar de via

óssea abaixo dos limites da normalidade (maior que 20 dB), limiar de via aérea abaixo dos

limites da normalidade (maior que 25 dB), gap aéreo/ósseo não significante (menor ou

igual a 10 dB) (Silman e Silverman, 1997); Perda auditiva mista - resulta de perda auditiva

tanto na via aérea quanto na via óssea; os limiares auditivos são maiores na via aérea do

que na via óssea. Nestes quadros, tanto o componente condutivo como o neurossensorial

estão presentes (Stach, 1998). Caracteriza-se por limiares de via óssea abaixo do normal

(maior que 20dBNA), limiares de via aérea abaixo do normal (maior que 25dBNA), e gap

entre via aérea/via óssea maior que 10 dB (Silman e Silverman, 1997)16,17,18

.

As dificuldades de comunicação são determinadas dependendo do grau da perda

auditiva. Assim, tem-se outra classificação: a) 26 a 40 dB = Deficiência Auditiva Leve – o

indivíduo consegue ouvir razoavelmente bem os sons da fala e os fonemas sonoros mais

intensos, mas demonstra dificuldade de compreender fala em baixa intensidade; necessita

de local preferencial na sala de aula e pode se beneficiar de treinamento de leitura labial;

podem aparecer potenciais problemas de articulação, problemas de atenção auditiva,

problemas de memória auditiva, problemas na compreensão auditiva e impacto sobre

sintaxe e semântica; b) 41 a 55 dB = Deficiência Auditiva Moderada – o indivíduo

demonstra compreensão de fala entre um metro a um metro e meio de distância; precisa de

136

amplificação, local preferencial na sala de aula, treinamento de leitura labial e terapia

fonoaudiológica. Ocorrem déficits na percepção da fala e problemas articulatórios de leve

a moderado. Também há déficits de linguagem que variam de leves a significantes em

relação à sintaxe, morfologia, semântica e pragmática; c) 56 a 70 dB = Deficiência

Auditiva Moderadamente Severa - a fala deve ser intensa para recepção auditiva; existem

dificuldades na conversação em grupo e discussão em sala de aula; pode requerer turmas

especiais para deficientes auditivos. Ocorrem déficits na percepção da fala, problemas

articulatórios de leve a moderado. Déficits de linguagem que variam de leves a

significantes em relação à sintaxe, morfologia, semântica e pragmática; d) 71 a 90 dB =

Deficiência Auditiva Severa - a fala pode ser entendida a apenas trinta centímetros de

distância da orelha; o indivíduo até pode discriminar as vogais, mas não as consoantes;

precisa de classe para deficientes auditivos e permanece na escola comum por mais tempo.

Estão presentes déficits na percepção da fala, problemas articulatórios moderados a

severos. Também há déficits de linguagem que variam de moderados a significantes em

relação à sintaxe, morfologia, semântica e pragmática; e) 91 dB acima = Deficiência

Auditiva Profunda – o indivíduo não depende da audição como modalidade primária para

a comunicação; pode se dar bem com o método de comunicação total; pode eventualmente

precisar de ensino especial nos níveis escolares mais elevados. Ocorrem déficits na

percepção da fala e problemas articulatórios severos. Ainda há déficits de linguagem em

relação à sintaxe morfologia, semântica e pragmática19

.

Após entendermos melhor os tipos e as classificações existentes para a deficiência

auditiva, passaremos a falar sobre o desenvolvimento da linguagem oral do surdo.

São bem conhecidos os efeitos da perda congênita da audição sobre a comunicação

diante da ausência de qualquer forma de abstração sonora da língua.

Na criança com surdez congênita, a limitação auditiva leva ao reconhecimento da fala

unicamente através da leitura labial, prática que parece ser aprendida e dominada

lentamente20,21

.

A leitura orofacial que não dispõe da vantagem da informação concomitantemente da

percepção auditiva, isto é, aquela que é aprendida exclusivamente com o apoio visual, não

permite uma discriminação, isenta de ambiguidades, dos sons falados. Aliás, como aptidão

visual, a leitura labial tem que compartilhar este canal unidirecional com outras funções

direta e indiretamente relacionadas à comunicação20,21

.

137

Sendo assim, uma leitura labial não poderá substituir a combinação das informações

auditiva e visual, sem as quais não é possível proporcionar uma aquisição da linguagem

oral satisfatória para o surdo20,21

.

Para adquirirmos o domínio de uma língua específica, temos que aprender suas regras

específicas, porém este processo só acontece quando é vivenciado o modelo da língua mãe

em questão, o que ocorre naturalmente ao longo do desenvolvimento infantil1,20,21

. Devido

ao problema auditivo, as crianças surdas não recebem o modelo da língua de forma natural

e, sem um tratamento adequado, se tornam incapazes de dominar o modelo de sua língua,

mesmo já tendo adquirido alguns vocábulos, geralmente simples (como "pipa", "menino"

etc.)21

. Vejamos a seguir um exemplo do que estamos afirmando.

A criança com perda auditiva severa ou profunda que não aprende o modelo verbal

para a sentença "a pipa é do menino" possui pouca chance de dizer essa frase de forma

correta, podendo usar "pipa menino", "o menino pipa" ou ainda "o menino é da pipa" etc.

Neste último exemplo, a criança utilizou os vocábulos certos, mas no que ela errou? Todos

hão de convir que ela só errou no modelo do código de regras que a língua portuguesa

exige e, no entanto, isso é suficiente para que ninguém a entenda, apesar de seu esforço, ou

seja, sua fala sempre será vista como uma falsa oralização. Devido a tais dificuldades é que

o surdo frequentemente opta pela utilização da língua de sinais, não apenas por uma

questão de conforto, já que esta língua condiz com a sua realidade sensorial, mas também

por uma questão de compreender e fazer-se compreendido pelo menos em seu grupo de

interesse20,21

.

Sendo assim, podemos concluir que “o nível linguístico ou aprendizagem da

linguagem oral só é desenvolvido se a criança com perda auditiva tiver oportunidade de

agir, vivenciar e experimentar como a criança ouvinte”21

, o que poucas vezes ocorre.

E o que podemos dizer quanto à aquisição da língua materna do surdo? Que língua

seria esta: a linguagem oral ou a língua de sinais? Devido às dificuldades anteriormente

apresentadas para que haja o exercício da pronúncia, já podemos descartar a possibilidade

da linguagem oral ser considerada a primeira língua do deficiente auditivo, ou seja, sua

língua materna, a não ser em casos de incisiva intervenção terapêutica e aplicação de

estratégias eficazes para isto. Certamente, a língua que está ao alcance das necessidades

biológicas e intelectuais do surdo é a linguagem de sinais.

Todas as pesquisas desenvolvidas nos últimos anos sobre a aquisição da língua de

sinais evidenciam que essa pode ser comparada à aquisição das línguas orais em muitos

138

sentidos. Normalmente, as pesquisas envolvem a análise de produções de crianças surdas,

filhas de pais surdos. Somente esse grupo de crianças surdas apresenta o input linguístico

adequado e garantido para possíveis análises do processo de aquisição. Entretanto, ressalta-

se que essas crianças representam apenas 5% a 10% das crianças surdas1. O que queremos

dizer com isto é que aquela criança com deficiência auditiva que também possui pais

surdos e se comunica com eles através da linguagem de sinais cresce com um

embasamento intelectual satisfatório consequente da importância da internalização prévia

de uma língua. Nos outros 90% a 95% dos casos, isto é, crianças surdas com pais ouvintes,

percebemos a lamentável pobreza linguística com que elas vivem por não conhecerem um

código de comunicação satisfatório que seja capaz de fazê-las expressarem-se,

interiorizarem conceitos, entenderem e serem entendidas. Caso a criança não seja exposta a

um ambiente que lhe faça adquirir uma língua, ela sofre prejuízos graves no processo de

aprendizagem, afinal, ela é um ser que não domina linguagem alguma, nem a oral, nem a

de sinais.

Assim como na linguagem oral, o desenvolvimento da língua de sinais também

respeita etapas de aquisição1.

No período pré-linguístico, o balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os

bebês, sejam estes surdos ou ouvintes, como fruto da capacidade inata para a

linguagem1,6,20

.

Nos bebês surdos, foram detectadas duas formas de balbucio manual: o balbucio

silábico e a gesticulação. O balbucio silábico apresenta combinações que fazem parte do

sistema fonético da língua de sinais. Ao contrário, a gesticulação não apresenta

organização interna1,20

.

O estágio de um único sinal inicia por volta dos doze meses até aproximadamente

dois anos de idade. As produções neste período incluem as formas chamadas “congeladas”

na produção adulta. São sinais que não são flexionáveis1.

O estágio das primeiras combinações ocorre por volta dos dois anos. A criança

segue a ordem sujeito – verbo – objeto e num período subsequente sujeito – verbo e objeto,

concomitantemente1.

O estágio de múltiplas combinações ocorre em torno de dos dois anos e meio a três

anos de idade, onde ocorre a chamada explosão de vocabulário. A criança começa utilizar

formas idiossincráticas para diferenciar nomes e verbos. Por volta dos cinco anos é

adquirido o domínio completo dos recursos morfológicos da língua1.

139

Hoje, a língua de sinais não sofre mais tantos preconceitos a respeito de seu uso, pois

está sendo percebida como algo positivo na vida do surdo, como elemento indispensável

para garantir sua apropriação dos elementos culturais, de integração à sociedade e de

acesso ao conhecimento (acadêmico ou não), além de um bom desenvolvimento cognitivo

e afetivo1,2

.

LIBRAS é a sigla empregada para designar a Língua Brasileira de Sinais,

desenvolvida e utilizada por comunidades de surdos no país, tendo sua origem na Língua

de Sinais Francesa18

.

Diferentemente dos outros idiomas, que são auditivo-orais, as línguas de sinais se

caracterizam por sua modalidade visual-espacial22,23

.

Ao contrário do que muitos imaginam, as línguas de sinais não são simplesmente

mímicas ou gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar sua comunicação. Elas

apresentam organização e estrutura formal e gramatical próprias. Assim, uma pessoa que

entra em contato com a linguagem de sinais irá aprender outra língua, assim como o

Francês, Inglês etc.; porém em cada país os sinais são preconizados de formas

distintas22,23,24

.

Sendo assim, as línguas de sinais não são universais, já que elas sofrem as

influências da cultura da língua do país onde estão. Tem-se então que cada país possui a

sua própria língua de sinais com expressões que se diferem de região para região (os

regionalismos), o que a legitima ainda mais como língua22

.

As línguas de sinais podem interferir de maneira considerada negativa na produção

da escrita pelo surdo em sua estrutura superficial, mas, ao mesmo tempo, contribuir para a

obtenção de coesão e coerência textuais, isto é, contribuir para a estruturação profunda do

texto24

.

Uma criança surda, ainda que exposta intensivamente a interações por meio da

língua oral, pouco apropriação fará dessa língua, pois está em uma modalidade

incompatível com sua realidade sensorial. Entretanto, quando essa mesma língua é

apresentada numa modalidade escrita, torna-se acessível às possibilidades visuais do

surdo, favorecendo sua apropriação1,2,21

.

É de suma importância que a criança adquira uma primeira língua (L1), seja ela

oral ou gestual, antes de evoluir para o processo de aprendizagem da linguagem escrita

(L2), como acontece naturalmente, também, com a criança ouvinte1,2,25

.

140

Este pré-requisito acontece não apenas devido às possibilidades de interação que

esta língua provoca, mas também ao aparato linguístico fornecido por ela. Já vimos que,

no caso de crianças surdas, a língua considerada materna ou a primeira língua - L1 - é a

linguagem gestual, por esta ser compatível com a sua condição sensorial. Sendo assim,

quanto mais efetivo é o acesso da criança surda à língua de sinais, melhores chances ela

tem de fazer uma apropriação mais consistente de uma escrita1,2,3

.

Durante o processo de construção conceitual da escrita, a partir de determinado

momento, a criança ouvinte passa a relacionar o que é escrito ao que é falado (período

silábico) e essa compreensão lhe conduz a construir hipóteses que permitam prever,

antecipar e corrigir suas escritas a partir da oralidade14

.

Crianças surdas com perda auditiva severa ou profunda não possuem resquícios

auditivos suficientes que auxiliem na captação da linguagem oral para, a partir desta,

fazer uso de uma escrita convencional. Sendo assim, suas chances de praticarem

qualquer regulação sonora – seja silábica, seja fonética – desse sistema são nulas2.

Como já citado anteriormente, é por meio da fala que a grafia será prognosticada e,

mesmo com irregularidades entre fala e escrita, a criança conseguirá produzir um

significante, pelo menos, semelhante ao esperado2.

No caso das crianças surdas usuárias da língua de sinais, a busca de significações

desta língua para produzir a escrita de outra língua - no caso do Brasil, o português - é

ainda mais complexa, se considerarmos a condição linguística de cada língua, na sua

especificidade2,3

.

Na LIBRAS, em específico, a comunicação ou “palavras” não se constroem a partir

de sons que se combinam, mas de mãos que se movimentam no espaço e que se

organizam de forma simultânea e não-linear. Condição de expressão, portanto,

totalmente diferente do oralismo utilizado pelo ouvinte2.

Tendo como subsídio o processo da alfabetização de surdos baseado na língua de

sinais, a criança tem como referência, ao invés de sons, configurações de mãos. A língua

de sinais é usada como elemento de significação da escrita por indivíduos de todos os

níveis conceituais, idades e séries. Mesmo nos estágios mais iniciais, onde a escrita busca

ainda na imagem, apoio e complementação do sentido1,2

.

Uma estratégia utilizada exclusivamente por crianças surdas no processo de

aquisição da escrita diz respeito à representação que estas fazem da escrita através dos

desenhos dos sinais. Isto se deve por ser a LIBRAS uma língua exclusivamente visuo-

141

espacial e, por isso pode ser, ao contrário de qualquer língua oral, “desenhada”, isto é,

representada figurativamente2.

Assim como crianças ouvintes utilizam como apoio a oralidade ao escrever as

palavras, na tentativa de fonetizar a escrita, as crianças surdas usam da datilologia

(soletrar as palavras por meio de letras da língua de sinais) antes de ler ou escrever

alguma palavra2,14

.

Para grande parte dos surdos, a linguagem evolui através da língua de sinais, que

amplia as possibilidades cognitivas e conceituais para nomear e categorizar a realidade ao

seu redor1,2

.

Embora a escrita também se constitua de signos que veiculam e ampliam os conceitos

acima citados, em um formato materializado, no indivíduo não ouvinte ela dificulta a

construção do sentido, sendo necessário a busca na língua não escrita dos elementos

conceituais para atribuir sentido aos signos escritos (específicos de cada língua de origem

do país do indivíduo), e para tal são utilizados mecanismos próprios do grupo usuário de

LIBRAS, como o tradutor-intérprete2,26

.

Por outro lado, a linguagem escrita possibilita ao sujeito um registro fixo da

realidade, permitindo que o surdo recorra a ela sempre que necessário. O mesmo não

ocorre com a língua de sinais, a qual está sempre sendo produzida livremente, além de ser

utilizada por uma população restrita e não conhecida e difundida, tão comumente, no meio

social3.

É então, importante, destacar a necessidade de apresentar e dar condições ao surdo,

usuário de LIBRAS, a aquisição da linguagem escrita, mesmo com restrições já sabidas e

estudas3.

O Português, para o não ouvinte, é tido, portanto, como segunda língua, causando

muitas vezes um estranhamento semelhante ao que o ouvinte tem quando depara com uma

língua estrangeira sem o domínio de sua escrita2.

Interpretar ou produzir uma escrita estranha à própria língua confronta nossa

organização de linguagem e nosso conhecimento gramatical, exigindo uma produção de

novas significações que só conseguiremos construir tendo como base a nossa língua

materna1,2

.

Uma criança ouvinte, ao embarcar no processo de aquisição da linguagem escrita,

constantemente comete erros decorrentes do espelhamento que esta faz em sua língua

142

materna – linguagem oral – como, por exemplo, grafar “mininu” em vez de “menino”,

escrevendo da forma que se fala8.

Da mesma forma, uma criança surda, ao ser alfabetizada na língua portuguesa, passa

a construir seu discurso escrito com os termos próprios desta língua, porém com uma

estrutura gramatical própria de sua primeira língua a LIBRAS1,2,3

.

É, portanto, comumente observado na escrita do surdo, usuário da LIBRAS, a

omissão de conectivos ou flexões verbais, por exemplo, já que tais estruturas são

inexistentes na LIBRAS, sendo assim, esta representação gráfica vem de encontro com as

teorias que afirmam ser a linguagem oral necessária para uma evolução gramaticalmente

correta da linguagem escrita26

.

Existem propostas educacionais, utilizadas por escolas, que propõem tornar acessível à

criança duas línguas no contexto escolar. Um destes métodos é denominado bilinguismo,

que simplesmente significa possuir e utilizar funcionalmente duas línguas23,24

.

Em tese, aceita-se a aquisição da língua de sinais como primeira língua e a língua

portuguesa como segunda língua numa visão que vem ocupando o espaço do senso

comum, entre pesquisadores e profissionais da área da educação do surdo23

. Inclusive, em

termos de legislação, podemos recorrer ao Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005,

no Capítulo III, o qual afirma que no ensino, a LIBRAS será adotada como a primeira

língua do surdo e o Português na modalidade escrita será tratado como segunda língua.

As discussões sobre o estudo dos processos de bilinguismo devem estar baseadas no

conceito de que são: (1) sistemas significantes distintos, como natureza e estruturação

distintas; (2) organizados por signos que demonstram as diferentes formas de

categorização da experiência; (3) sistemas abstratos que afetam diretamente mentes

potenciais que introduzem experiências concretas de mundo no processo de geração dos

significados. Deste modo, o uso de dois sistemas significantes distintos por um mesmo

individuo dá uma instrumental de conversão das experiências percebidas em cognições,

através de leis e regras que estruturam o sistema de linguagem 23

.

Outro método educacional conhecido chama-se bimodalismo, que por sua vez

nomeia certas formas de comunicação simultânea. Esse novo termo veio significar que fala

e sinalização estão sendo praticadas consistente e congruentemente24

.

Os modelos brasileiros que se tem ocupado em descrever e comprovar a eficiência

da prática bimodal pelo uso de uma forma mais completa de expressão sinalizada da língua

oral é o português sinalizado24

. O bimodalismo é um sistema artificial e inadequado, tendo

143

em vista que desconsidera a língua de sinais e sua riqueza estrutural e acaba por

desestruturar também o português27,28

.

A comunicação total também é um método comumente aplicado e parte do

princípio de que é direito da criança surda aprender a utilizar todas as formas de

comunicações disponíveis para desenvolver a competência linguística, tais como gestos,

fala, sinais formais, alfabeto digital, leitura labial, leitura e escrita, assim como outros

métodos que possam se desenvolver no futuro24,28

. No entanto, na comunicação total, o

importante é que o surdo desenvolva uma maneira de se comunicar, não importando a

forma e sim o conteúdo a ser transmitido, daí o apelo a diferentes recursos expressivos. A

linguagem deve ser eficiente para se comunicar, não em termos de gramática correta24,25

.

Através desse estudo podemos concluir que, se tratando da escrita do indivíduo

surdo, faz-se necessário a utilização de duas línguas: a LIBRAS (Língua Brasileira de

Sinais) e o Português, uma vez que para tal processo em português, a LIBRAS pode

desempenhar um papel intermediador na construção do significado, ou seja, na leitura do

mundo e apreensão dos mecanismos cognitivos importantes no ato de ler e escrever.

Como a leitura não é apenas uma decodificação da palavra escrita e a escrita não é

apenas codificar expressões linguísticas, o domínio da língua de sinais é importantíssimo

para o desenvolvimento de estratégias cognitivas, semânticas e pragmáticas do indivíduo

surdo.

Para que profissionais e sociedade envolvidos na habilitação e/ou reabilitação dos

deficientes auditivos possam entender a realidade vivida por eles, é de extrema importância

o esclarecimento destas particularidades no processo de aquisição da escrita dos surdos,

possibilitando a real percepção das dificuldades existentes frente à aquisição de sua escrita,

já que muitos tem como escolha comunicativa, seja por opção ou por necessidade, apenas a

LIBRAS e, por vezes, nem mesmo esta.

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146

Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia de Goiânia – ITGT

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu com vistas a Especialização na Abordagem Gestáltica

Chancela da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO

A RELAÇÃO DIALÓGICA E O PROCESSO DE CURA NA PSICOTERAPIA

Viviane Guimarães da Silva Ferreira

Gizele Geralda Parreira

Goiânia

Novembro, 2011

147

“Descobre tua presença e mata-me

tua visão e formosura. Olhe que a

doença de amor não se cura, senão

com a presença e a figura.”

São João da Cruz

148

A Relação Dialógica e o Processo de Cura na Psicoterapia1

The Dialogical Relationship and the Healing Process in Psychotherapy

Viviane Guimarães da Silva Ferreira2

Gizele Geralda Parreira3

Resumo: O presente artigo trata-se de um estudo de caso que objetivou analisar as contribuições da

relação dialógica, dentro do contexto da psicoterapia gestáltica, para o resgate da saúde emocional do

cliente. Buscou-se descrever como a relação genuína entre cliente e terapeuta pode influenciar

diretamente no processo de cura, sendo esta considerada como a integração total do ser. Realizou-se

uma leitura fenomenológica ancorada na pesquisa qualitativa, que propõe uma minuciosa investigação

da vivência imediata do sujeito. A partir de tal leitura pôde-se comprovar as contribuições da relação

dialógica no processo de desenvolvimento das novas possibilidades de ser e existir da cliente.

Concluiu-se, portanto, que tendo como base e suporte o encontro genuíno entre pessoas, o processo de

cura vai tornando-se claro e possível de ser alcançado.

Palavras-chave: relação dialógica, cura, encontro, integração.

Abstract: This article treats about a study of case that aimed to analyze the contributions of the

dialogical relationship within the context of Gestalt psychotherapy to rescue the emotional health of

the client. We sought to describe how the genuine relationship between client and therapist directly

influence the healing process, which is considered to be the full integration of human being. We

conducted a phenomenological reading grounded in qualitative research which proposes a thorough

investigation of the immediate experience of the subject. From this reading we could see the

contribution of the dialogical in the process of developing new ways of being and existence of the

client. We conclude, therefore, that based on the support and genuine encounter between people, the

healing process will become clear and achievable.

Key Words: dialogical relationships, healing, meeting, integration.

Uma das principais características da sociedade atual é o consumismo. Com a

chegada do capitalismo e o crescimento acelerado da tecnologia e da ciência

positivista, os valores do “ter” vêm se sobrepondo esmagadoramente sobre o “ser”.

As pessoas trabalham exaustivamente, mantêm dois ou três empregos em busca de

maior poder aquisitivo e de maiores possibilidades de consumo. Contudo, o aparelho

celular super moderno adquirido hoje, amanhã estará obsoleto, desatualizado e assim

1Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Gestalt-

Terapia, do Curso de Pós-graduação Lato Sensu do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-

Terapia de Goiânia (ITGT). 2 Psicóloga, especializanda em Gestalt-Terapia pelo ITGT. E-mail: [email protected].

3 Doutora em Educação. Psicóloga clínica e especialista em Gestalt-Terapia, professora-supervisora

do ITGT, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. E-mail:

[email protected].

149

acontecerá com a televisão, o aparelho de som, os eletrodomésticos e etc. Enfim,

tudo torna-se rapidamente descartável e para conseguir acompanhar este ritmo

acelerado de desenvolvimento, o sujeito vê-se impelido a buscar com todo afinco por

conquistas que afinal nunca alcança. Neste contexto, com o tempo cada vez mais

escasso, o ser humano vai se afastando de seu sentido mais nobre de existir - o estar

em relação - fato que tem gerado grandes conflitos existenciais, levando a um

adoecimento do ser. A relação dialógica em psicoterapia destaca-se como possível

caminho para a cura através do encontro (Buber, 2008; Parreira, 2010; Carvalho,

1999).

Em ritmo acelerado as relações interpessoais vão se tornando superficiais,

pois não há tempo para se ver e perceber enquanto pessoa e menos tempo ainda para

o encontro com o outro. Vive-se um momento histórico pautado em relações e

conhecimentos "líquidos", como assevera Zygmunt Bauman (2001). As relações se

tornaram efêmeras, líquidas, fugazes, não se sustentando por mais de um sopro de

desejo. É a famosa era das relações virtuais, em que quando algo no outro desagrada,

pode-se em um simples “clique”, deletá-lo do rol de contatos.

Contudo, o ser humano desde os primórdios de sua existência é considerado

como um ser de relação. Segundo Ribeiro (2007), encontrar-se, estar em relação, é

estar vivo, em movimento, é possibilidade de crescimento e transformação.

Contrariamente, a ausência de relação ou sua interrupção, pode significar estagnação,

rigidez e a perda do sentido da vida.

Este autor afirma ainda que, para ser considerado saudável, o homem deve

estabelecer boas relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo, caso isso não

ocorra, inicia-se um processo de adoecimento do ser, as chamadas doenças da alma,

que atualmente têm atingido uma grande parcela da população e vêm aumentando

150

desenfreadamente. Dessa forma, não se pode pensar em saúde emocional sem o

estabelecimento de relações genuínas e, antagonicamente, o desajuste remete a

interrupções no processo de estar em relação.

Sobre este assunto, Suassuna (2002) afirma que a gênese dos transtornos

mentais já na infância, resulta do diálogo abortado entre a criança e seu meio.

Portanto, ao ser desconfirmada em sua singularidade, a criança acaba se retraindo e

rompendo seu diálogo com o mundo, favorecendo assim o aparecimento de vários

transtornos que, se não tratados, poderão prejudicá-la permanentemente.

Acerca do binômio saúde/doença, Malaguth (2002) em suas reflexões aponta

para a saúde como processo de integração do ser, que se encontra intimamente ligado

a existência do outro. Assim, o adoecimento implica em ter sua existência bloqueada

no encontro com o outro, visto que o processo de se expressar com autenticidade está

interrompido.

Diante disto, verifica-se a necessidade de se resgatar continuamente a

característica primordial do humano: a relação. Este é um dos principais objetivos da

Gestalt-Terapia que acontece dentro da esfera da relação dialógica. O termo relação

dialógica foi usado inicialmente por Martin Buber que é considerado o “filósofo do

encontro”. Segundo este autor, “toda vida atual é encontro” (Buber, 2001, p. 59),

sendo assim não existe um Eu em si mesmo, o Eu é sempre relação, seja com um Tu

ou com um Isso.

Buber (2001) acredita que frente ao mundo e as opções de relação que este

oferece, o homem pode responder com duas atitudes existenciais as quais denominou

de palavras-princípio Eu-Tu e Eu-Isso. Quando o homem busca compreender ou

experienciar o mundo em sua complexidade, ele está proferindo a palavra-princípio

Eu-Isso, pois tem um objetivo definido para tal atitude, ou seja, existe um meio e um

151

fim para que esta relação seja estabelecida. O Eu-Isso transforma o outro da relação

em objeto, seja de conhecimento ou de experiência. Esta forma de entrar em contato

com o outro é necessária ao ser, mediante as necessidades de se apreender o mundo e

seus recursos, para que o processo evolutivo aconteça.

Entretanto, quando o Eu se abre para uma relação autêntica e profunda, o

encontro genuíno entre dois seres acontece, este é um momento transformador,

denominado por Buber como relação Eu-Tu. Esta forma de encontro só pode

acontecer na totalidade do ser, ou seja, o Eu deve estar presente, inteiro e todo atento

a um Tu que deseja perceber também por inteiro e livre de interpretações ou a priori.

A relação Eu-Tu pressupõe disponibilidade e reciprocidade, respeito, entrega e

aceitação; é um encontro livre de meios e de fins, de propósitos ou teorias, de metas

ou experiências. Exatamente por isso, torna-se transformador, curador.

A relação com o Tu é imediata. Entre o Eu e o Tu não se interpõe nenhum

jogo de conceitos, nenhum esquema, nenhuma fantasia; e a própria memória

se transforma no momento em que passa dos detalhes à totalidade. Entre Eu e

Tu não há fim algum, nenhuma avidez ou antecipação; e a própria aspiração

se transforma no momento em que passa do sonho à realidade. Todo meio é

obstáculo. Somente na medida em que todos os meios são abolidos, acontece

o encontro (Buber, 2001, p. 59).

Buber (2001) aponta ainda a importância e necessidade destas duas formas de

estar em relação. Porém, ressalta que a atitude Eu-Tu precede ontologicamente a

atitude Eu-Isso, ou seja, é inerente e essencial ao ser e, portanto, não deve ser

perdida, pois incorremos no risco de uma coisificação do existir. “O homem não

pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem”

(p.74).

152

Segundo Parreira (2010), apesar das reflexões de Buber datarem do início do

século passado, ainda hoje permanecem extremamente importantes, pois a era

tecnológica e seus avanços, a sociedade atual com suas eternas exigências de

consumo e capacitação, continuam impelindo o homem a uma perda de sentido, a

uma valorização do mundo do Isso, em detrimento ao mundo das relações autênticas,

ou mundo do Tu.

Buber (2008) não desconsidera os efeitos do avanço do capitalismo e das leis

do Estado que acabam por impedir o homem de viver sua liberdade existencial. Sua

aspiração era de uma convivência verdadeira entre pessoas em comunidade e não de

indivíduos em uma sociedade fria e calculista.

Hycner (1997) utiliza o termo abordagem dialógica buscando as

contribuições do pensamento buberiano para a prática psicoterápica. Ressalta que o

dialógico revela uma atenção especial ao mundo do “entre”, ao mundo das relações

profundas. De acordo com este autor, toda terapia psicológica baseia-se em maior ou

menor grau, na relação, porém a terapia dialógica tem em seu cerne, como seu

objetivo e fundamento, o encontro autêntico entre cliente e terapeuta.

Ao procurar por uma terapia, o cliente provavelmente apresentará alguma

dificuldade em relacionar-se, seja com ele mesmo, com o outro ou com seu mundo.

Ao deparar-se com um terapeuta que busca realmente encontrá-lo como ser único e

repleto de possibilidades e aceitá-lo como é, o cliente tende a recuperar

gradativamente sua capacidade de relacionar-se. Esta capacidade é a própria “cura”

que propõe a relação dialógica no processo da Gestalt-Terapia, não uma cura técnica,

mas uma cura restauradora do ser como um todo integrado (Hycner, 1995).

Cardella (1994), referindo-se ao encontro terapêutico, considera que para que

este se torne efetivo é imprescindível uma atitude amorosa do terapeuta em relação

153

ao seu cliente. Descreve várias formas de amor, ressaltando o que seria este dentro

do contexto psicoterápico. Para esta autora, o amor terapêutico revela uma atitude de

interesse, respeito e aceitação integral do outro como ser único e diferenciado. É

incondicional, livre da necessidade de uma resposta do cliente e baseia-se na

presença e na confiança. É um interessar-se genuinamente pela existência total do

outro.

Sobre este assunto, Buber (2001) afirma que o amor não é simplesmente um

sentimento que se encontra no Eu ou no Tu, é algo mais profundo, que só pode

acontecer entre o Eu e o Tu:

Os sentimentos, nós os possuímos, o amor acontece. Os sentimentos residem

no homem, mas o homem habita em seu amor. Isto não é simples metáfora,

mas a realidade. O amor não está ligado ao Eu de tal modo que o Tu fosse

considerado um conteúdo, um objeto: ele se realiza entre o Eu e o Tu. Aquele

que desconhece isso, e o desconhece na totalidade de seu ser, não conhece o

amor, mesmo que atribua ao amor os sentimentos que vivencia, experimenta,

percebe, exprime. O amor é uma força cósmica. Àquele que habita e

contempla no amor, os homens se desligam do seu emaranhado confuso

próprio das coisas; bons e maus, sábios e tolos, belos e feios, uns após os

outros, tornam-se para eles atuais, tornam-se Tu, isto é, seres desprendidos,

livres, únicos, ele os encontra cada um face a face. A exclusividade ressurge

sempre de um modo maravilhoso; e então ele pode agir, ajudar, curar, educar,

elevar, salvar. (p. 61).

Todavia, Buber (2009) alerta também para a impossibilidade de equiparação

entre o amor e a atitude dialógica, pois é possível encontrar-se dialogicamente com

qualquer ser, mesmo sem amá-lo, porém não é possível amar sem sair-se de si em

154

direção ao outro, que é a própria atitude dialógica.

Não obstante, encontrar-se dialogicamente com o cliente, colocar em prática

tudo isso dentro do setting terapêutico, requer do terapeuta algumas posturas básicas

que não são facilmente alcançadas. Importantes pressupostos deverão estar presentes

durante todo processo, para que o dialógico possa realmente acontecer. Segundo

Jacobs (1997) Buber denominou-os de “elementos do inter-humano”. São eles:

presença; comunicação genuína e sem reservas; inclusão.

Estar presente demanda um voltar-se, todo inteiro e atento, ao ser do outro

com quem se relaciona. Não há cobranças, nem máscaras, o que se destaca são

sentimentos de plenitude e autenticidade, o terapeuta se permite ser quem é e ver

também verdadeiramente seu cliente como realmente é. Neste momento não existe

mais nada, nem ninguém, todo movimento é de encontro e atenção ao outro e à sua

história, a qual ele me relata aqui e agora (Hycner, 1997).

Jacobs (1997) descreve a comunicação genuína e sem reservas como um

diálogo puro e verdadeiro. Há uma troca de palavras, percepções, e mesmo de

silêncio, livre de julgamentos, valorizando a espontaneidade e a proximidade, sempre

no intuito de proporcionar o desenvolvimento pessoal do cliente. Nas palavras de

Buber (2009):

(...) Onde a conversação se realiza em sua essência, entre parceiros que

verdadeiramente voltaram-se um-para-o-outro, que se expressam com

franqueza e que estão livres de toda vontade de parecer, produz-se uma

memorável e comum fecundidade que não é encontrada em nenhum outro

lugar (p.155).

A inclusão postula que ao encontrar-se com o outro e sua história pode-se

imaginar realmente aquilo que se escuta, possibilitando sentir o que o cliente sente,

155

mas sem perder a própria identidade. É estar em sintonia com o outro, porém sem

deixar de ser quem é. Ao realizar este movimento, o terapeuta torna-se um

verdadeiro companheiro de “viagem” pela vida do cliente e este permite sua

presença, pois se sente profundamente compreendido (Jacobs, 1997).

Outro importante pressuposto necessário para que uma relação terapêutica

seja considerada dialógica é a confirmação. Esta somente se torna possível por meio

da presença efetiva do terapeuta neste contexto (Hycner, 1997).

Segundo Friedman (1985), para se constituir como ser singular e dotado de

uma identidade, o homem necessita ser confirmado pelo outro através da relação.

Confirmar a experiência do outro significa estar inteiramente disponível para olhá-lo

como um ser único e completo, percebê-lo e aceitá-lo em sua totalidade. É preciso

lançar-se empaticamente ao interior do cliente e somente a partir daí, torna-se

possível, compreendê-lo e confirmá-lo em sua existência. É um puro encontro de

singularidades. A confirmação gera crescimento, a pessoa sente-se valorizada e

confiante em si mesma, tornando-se também capaz de amar e valorizar o outro.

Hycner (1995) afirma que “a confirmação, (...), reconhece e afirma a

existência dessa pessoa, mesmo que talvez seu comportamento atual seja inaceitável”

(p. 62). Sendo assim, a confirmação não se trata de simplesmente concordar com a

experiência que é relatada pelo outro, vai infinitamente além, visto que, pode-se

confirmar uma pessoa, mesmo não estando de acordo com suas atitudes.

Mediante este aparato teórico, dentre outros que aqui não serão relatados

dado a não relevância dos mesmos para este trabalho, a psicoterapia gestáltica propõe

auxiliar a pessoa a se reencontrar consigo mesma, com o outro e com o mundo, por

meio e a partir do encontro genuíno com o terapeuta. Durante todo processo, o

cliente deverá perceber-se em um ambiente favorável onde se sente livre para ser o

156

que é e, principalmente, aceito como realmente é. A partir daí ele pode experimentar

outras formas de ser e de se relacionar com o mundo. Buber (2009) assevera que “A

realização do ser-homem só pode dar-se através da retidão da alma no seu caminhar,

através de uma grande honestidade que não é mais afetada por nenhuma aparência, já

que ela venceu a simulação” (p. 143).

Estudos realizados demonstraram a eficácia da relação dialógica dentro da

Gestalt-Terapia como restauradora da saúde psicológica do ser. Sousa (2009)

descreve sua experiência com um adolescente que apresentava dificuldades de

aprendizado e em relacionar-se com os outros de seu convívio, fato que também

pôde ser notado em seu contato com a terapeuta. A partir de uma postura dialógica,

de respeito e interesse genuíno pelo o outro, a terapeuta foi acessando o mundo de

seu cliente que, aos poucos, foi se soltando e confiando nesta relação. Com isso,

tornou-se possível perceber que os problemas de aprendizagem iam além do que se

mostrava, era preciso recuperar suas habilidades e potencialidades de uma maneira

mais profunda e isso só pôde acontecer através do estabelecimento de uma relação de

confiança, em que o cliente pôde se mostrar como realmente era e foi aceito e

confirmado em sua identidade. Assim, gradativamente, foi recuperando suas

possibilidades de ser e existir em harmonia consigo mesmo e com seu mundo.

Juliano (2002) relata alguns casos relevantes vividos em sua prática clínica.

Demonstra o quanto cada processo terapêutico é formado por momentos de

encontros e desencontros entre cliente e terapeuta, clarificando que o aspecto mais

importante para a abertura do cliente se encontra na disponibilidade do terapeuta em

encontrá-lo como pessoa real e que se interessa verdadeiramente por sua história. O

encontro genuíno conduz a uma cumplicidade, uma mutualidade que gera

crescimento para ambas as partes da dupla terapêutica.

157

Dentro desta perspectiva, Chagas (2002) comenta que ao percorrer o caminho

para o encontro profundo com o cliente, o terapeuta acaba se encontrando também

com suas próprias questões conhecidas e, principalmente, desconhecidas. Sair da

técnica, da teoria e partir para o encontro de pessoa a pessoa requer muita coragem

por parte do terapeuta, pois ele abre mão da segurança, da proteção que estas técnicas

garantem e se dispõe a um mundo onde não há certezas, a não ser a de ser visto e

também ver o outro como totalidade. “Eu pego aquele que me escuta pela mão e o

guio até a janela. Abro a janela e aponto para fora. Não tenho nenhuma doutrina,

porém eu conduzo uma conversa” (Buber citado por Goes, 1991, p. 69).

Segundo Carl Rogers, em seu clássico diálogo com Martin Buber, datado de

1957, nos momentos de encontro genuíno desaparecem as diferenças de posição e

intenção entre terapeuta e cliente e este encontro torna-se então fecundo em

reciprocidade e passível de crescimento e transformação para ambos.

Considerando o conteúdo apresentado, o objetivo deste estudo foi analisar as

contribuições da relação dialógica, dentro do contexto da psicoterapia gestáltica, para

o resgate da saúde emocional do cliente. Buscou-se descrever como a relação

genuína entre cliente e terapeuta pode influenciar diretamente no processo de cura,

sendo esta considerada como a integração total do ser que, como já mencionado,

denota o funcionamento saudável do indivíduo em suas relações consigo, com o

outro e com o mundo.

Metodologia

Sujeito

O sujeito deste estudo de caso é Dila (nome fictício), 47 anos, solteira,

homossexual. Foi mãe aos treze anos, nunca se casou e o pai de seu filho chegou a

158

ser preso por corrupção de menores. Tempos depois foi estuprada. Já tentou suicídio

quatro vezes, sendo que a primeira vez foi durante a gravidez. Fez um aborto. Foi

diagnosticada como portadora de Transtorno Bipolar do Humor (TBH) e atualmente

faz uso dos medicamentos carbolítio, fluoxetina e diazepan.

Materiais

Sala para atendimento com sofá e cadeiras; Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido; Canetas; Folhas A-4; Prancheta; Gravador de áudio; Computador para a

transcrição das sessões.

Procedimentos

Após ser esclarecida sobre o estudo, Dila concordou em participar assinando

o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Consentiu a gravação de suas

sessões para posterior transcrição e análise pela terapeuta com base no método

fenomenológico de pesquisa qualitativa, que propõe uma minuciosa e efetiva

investigação da vivência imediata do sujeito (Moreira, 2004). As sessões acontecem

semanalmente e têm a duração de cinqüenta minutos. Dila encontra-se em processo

terapêutico há cinco anos.

Resultados e Discussão

No ano de 2007, Dila compareceu à clínica escola de uma faculdade para

atendimento em plantão psicológico, encaminhada pelo Hospital das Clínicas. No

Hospital haviam sido realizados exames físicos que não detectaram nenhum tipo de

alteração orgânica. Após duas sessões no plantão psicológico, foi encaminhada para

área de Atendimento Breve Adulto.

Dila foi a primeira cliente da terapeuta, que naquele momento estava em

159

formação acadêmica (graduação). A primeira sessão foi muito intensa e permeada de

muita emoção. Chorou muito, enquanto contava detalhes de sua história de vida. Sua

mãe, já falecida e que segundo ela era prostituta, sempre a agrediu muito, psicológica

e fisicamente, nunca lhe apoiou, tendo que se mudar para ter o filho, sozinha. Guarda

muito rancor e para ela sua verdadeira mãe é uma senhora que a ajudou e que

conheceu quando estava morando sozinha em um cômodo, onde passou muita fome e

chegou a ser estuprada. Perdeu o contato com o filho, pois segundo ela sua mãe

“roubou”, tanto ele quanto a herança que seu pai havia lhe deixado.

Ao levar o caso para a supervisão, alguns problemas ocorreram dentro da

clínica escola, visto que casos graves como de Dila, com tentativas de suicídio, não

poderiam ser passados para os alunos, em função da pouca experiência destes no

momento de graduação. Após uma ampla discussão entre a terapeuta, a supervisora e

a coordenadora da clínica, optou-se pela continuidade no atendimento, pois a

primeira sessão demonstrava-se produtiva para a construção do vínculo e, dada a

fragilidade em que se encontrava a cliente, decidiu-se não interromper novamente

um contato que ela aceitara estabelecer. Após um ano de tratamento na clínica

escola, com a colação de grau da terapeuta, Dila passou a ser atendida em consultório

particular, onde permanece até os dias atuais.

Desde o início de seu processo terapêutico Dila faz consultas regulares ao

psiquiatra. Já passou por várias crises e foi internada duas vezes. Em suas crises

relata perder totalmente o controle sobre si. Tem reações violentas, nas quais já

chegou a brigar na rua, quebrar vidros de carro e até mesmo esfaquear uma pessoa e

ferir a si mesma. Em outros momentos, conta sentir-se muito deprimida e sem forças

para nada, pensando somente em tirar sua própria vida, planejando detalhadamente

como o faria. Diante destes fatos, Dila foi diagnosticada como portadora de

160

Transtorno Bipolar do Humor.

De acordo com o CID - 10 (1993), os Transtornos do Humor são transtornos

nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no

sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação, isto

é, uma elevação anormal e persistente do humor. No Transtorno Bipolar do Humor, o

sujeito encontra-se em constante oscilação entre estas duas posições (depressão-

elação). A maioria destes transtornos tende a ser recorrente e a ocorrência dos

episódios individuais pode, frequentemente, estar relacionada com situações ou fatos

estressantes da vida. É importante ressaltar as peculiaridades que se fazem presentes

dentro desta sintomatologia, em que o paciente, nesta constante oscilação de humor,

não possibilita uma garantia de prognóstico estável, tornando-se necessário um

acompanhamento mais prolongado em psicoterapia.

Em suas primeiras sessões, Dila sempre declarava sua tristeza ao falar sobre

seus relacionamentos. Primeiramente com sua mãe, depois sua irmã, mais tarde a

decepção com amigos e também em seus relacionamentos amorosos. Contou como

sempre sofreu muito e decepcionou-se com o outro, relatando que pensava mesmo

em desistir de se relacionar com qualquer ser humano:

“Já desisti de me relacionar com homens, agora vou desistir das mulheres

também, vou ficar assexuada mesmo, sabe. Já sofri tanto que acho que estou

desacreditando das pessoas de uma maneira geral, não vejo caráter, respeito, não vejo

o mínimo em ninguém, às vezes penso em desistir do ser humano, não quero saber

mais de ninguém, não confio em ninguém, não acredito mais nas pessoas.”

Pode-se perceber que Dila foi perdendo, mediante suas decepções, a

capacidade de se encontrar genuinamente com o outro. Ao iniciar a terapia não

conseguia mais acreditar que um encontro verdadeiro e livre de interesses próprios

161

fosse possível. Segundo Ribeiro (2007), estar em relação é estar vivo e em

movimento, ao passo que a falta do encontro com o outro leva a uma estagnação e a

uma falta de sentido da vida. Este fato é notório na história de Dila, sua vida não

fazia mais sentido, o diálogo com o outro e com o mundo estava interrompido,

parecia não haver mais esperança para ela. Atualmente, tais desencontros têm se

tornado comum, pois as pessoas vêm se ocupando tanto com o “ter” que o “ser”

perde valor e as relações interpessoais vão se desvanecendo mediante as prioridades

que a sociedade estabelece (Bauman, 2001).

Buber (2008) alerta que o senso de verdadeira comunidade vem se perdendo

cada vez mais, pois há uma busca exagerada por encontros Eu-Isso, nos quais o outro

da relação torna-se um objeto. Perde-se a profundidade e fica-se na superficialidade

do encontro. As relações deixam de ser verdadeiras e se tornam simplesmente

produtivas. Valoriza-se tão somente o mundo do Isso e o encontro Eu-Tu torna-se

cada vez mais escasso.

Porém, algo diferente aconteceu entre Dila e a terapeuta em seu primeiro

encontro. Apesar da pouca ou nenhuma experiência desta (Dila foi sua primeira

paciente), houve um interesse genuíno e um desejo muito grande em ouvi-la e

compreendê-la. Dila resolveu voltar:

“Eu percebi que você não tinha muita experiência, mas tinha algo diferente,

parecia uma vontade de fazer alguma coisa, não sei (...) me deu vontade de voltar. Eu

já tinha ido a outros psicólogos, mas não gostei da arrogância sabe achar que sabiam

tudo, querer me ensinar. Não sabia nada, de dor e sofrimento na vida ninguém sabe

mais que eu, eu dava aula pra eles.”

Dila percebeu a inexperiência da terapeuta, mas mesmo assim optou em

continuar o processo. Algo diferente a tocou, como citado por Buber (2001) quando

162

o Eu se abre completamente e livre de propósitos ao outro, o encontro genuíno

acontece, o ser é tocado em seu nível mais profundo e a partir daí ele pode abrir-se e

dar-se a conhecer. Desaparecem as interpretações, os pré-conceitos, as técnicas,

enfim, a relação torna-se imediata e tudo mais perde a importância. Dila decide

continuar.

Observa-se também em sua fala a decepção com outros psicólogos que já

havia buscado. Nota-se que não se sentiu acolhida, vista e sim analisada; isso a

incomodou. Nestes encontros, pode-se inferir que provavelmente a relação Eu-Isso

tenha prevalecido. A este respeito Buber (2001) alerta:

Se ele (psicoterapeuta) se limita a analisá-lo (...), ele pode trazer algumas

melhoras. (...) Porém, aquilo que lhe incumbe, em última análise, a saber, a

regeneração de um centro atrofiado da pessoa, não será realizado. Só poderá

realizar isso quem, com um grande olhar de médico, apreender a unidade

latente e soterrada da alma sofredora, o que só será conseguido através da

atitude interpessoal de parceiros e não através da consideração e estudo de

um objeto. (...) O curar como o educar não é possível, senão àquele que vive

no face-a-face, sem contudo deixar-se absorver (pp. 137-138).

Talvez, justamente pelo fato do pouco aparato técnico da terapeuta, Dila

tenha persistido, pois a técnica não se sobrepôs e sim o encontro verdadeiro. Chagas

(2002) afirma que ao sair da técnica e partir para o encontro profundo, abre-se mão

da segurança que estas lhe trazem, pois parte-se para um mundo desconhecido em

que a única certeza é a de ver e ser visto por inteiro, sem máscaras, nem aparências.

Nas palavras de Buber citado por Goes (1991): “Não tenho nenhuma doutrina, porém

eu conduzo uma conversa” (p. 69). Tudo isso se confirma quando Dila conclui:

“Você me conquistou mais no amor que no profissional. Quando eu cheguei

163

lá aquele lixo, eu não senti o profissional, eu senti o amor. Sabe aquele filho que está

perdido da mãe e aí encontra alguém que o abraça e ele chora de felicidade por não

estar desamparado, achou o aconchego (...) é um profissional que ama.”

A cliente demonstra claramente sentir-se acolhida e compreendida. Porém é

importante destacar que entende que quem está diante dela é um profissional, todavia

não um profissional frio e que busca somente analisá-la, mas uma pessoa que se

coloca inteira nesta relação, buscando um encontro que pode tornar-se meio para a

integração de seu ser. Juliano (2002) assevera que o aspecto mais importante para a

abertura do cliente encontra-se na disposição do terapeuta em encontrá-lo como

pessoa real e que se interessa genuinamente por sua história. Assim, ao se sentir

verdadeiramente acolhida, Dila pôde abrir-se com confiança e segurança.

Este encontro genuíno, visto pelo ângulo da terapeuta, traz questões

importantes a serem apontadas. A postura dialógica permite colocar-se na relação

como pessoa real, todavia sustentada por um aparato teórico. Isto é, torna-se possível

ao psicólogo uma atitude de “amor terapêutico”, sem contudo, confundir-se, pois

trata-se de uma relação especificamente profissional. Outro aspecto importante a ser

observado é a possibilidade que a atitude dialógica abre também para o crescimento

do terapeuta, visto que este, ao aceitar olhar para o outro despojado de seus

preconceitos, dispõe-se a ser tocado por cada cliente e apreender uma riqueza que se

encontra na história de vida de cada ser, que é único e dotado de possibilidades.

Pode-se ressaltar, ainda dentro deste contexto, as contribuições das reflexões

de Rogers (1957) quanto ao encontro cliente/terapeuta e à mutualidade entre estes no

processo psicoterápico. Este autor assevera que se um encontro genuíno acontece, as

diferenças de posição e intenção desaparecem e, tanto paciente quanto terapeuta,

tornam-se pessoas passíveis de serem tocadas e transformadas.

164

Contudo, esta confiança mútua não acontece automaticamente, como num

passe de mágica. É necessário que a cada encontro ela vá surgindo e se efetivando.

Para isto, mais uma vez torna-se primordial a atitude dialógica, com todos os seus

pressupostos, que proporcionará um ambiente seguro para a formação do vínculo

que, aos poucos, vai permitindo ao cliente se mostrar como realmente é. No caso de

Dila não foi diferente:

“Através do amor é que foi filtrando, devagar, conduzindo e aceitei falar

disso tudo. Se fosse o profissional eu nem tinha falado, eu tinha medo de descobrir

meu lado da loucura, da doença. Me tratar como doente.”

No decorrer dos atendimentos, a postura dialógica da terapeuta foi

possibilitando paulatinamente um ambiente seguro, livre de julgamentos ou

preconceitos, no qual a cliente foi se permitindo olhar para aspectos de sua existência

sem medo de ser avaliada. Este encontro verdadeiro foi tomado como ponto forte

para a possibilidade de exploração dos conflitos que cerceavam a liberdade

psicológica da cliente (Hycner, 1995). Assim, dentro de uma relação fundamentada

no respeito e aceitação, Dila pôde avaliar seus pensamentos e sentimentos,

procurando compreender e aceitar melhor o que acontecia com ela.

Segundo Cardella (1994) para que o encontro cliente/terapeuta seja realmente

produtivo é necessária uma atitude amorosa do terapeuta em relação a seu cliente. O

amor, em seu sentido terapêutico, requer basicamente uma atitude de respeito,

interesse e aceitação genuína do outro como ele é. Buber (2001), ao falar sobre o

amor, explica que este, dentro da perspectiva dialógica, não pode ser considerado

como um simples sentimento, pois não está no Eu ou no Tu, mas entre Eu e Tu, ou

seja, o amor não pode ser possuído por alguém e sim acontecer entre dois seres que

se abrem numa relação de reciprocidade, respeito e entrega. Nas palavras de Dila:

165

“Tenho mais segurança com você que com o remédio (...) me sinto bem, há

confiança. O amor é mais importante que um comprimido.”

Assim, tendo como pano de fundo tais pressupostos, o processo

psicoterapêutico de Dila foi acontecendo e algumas mudanças foram sendo

observadas em seu comportamento:

“Não reagi porque não senti nada e não por esforço, se fosse antigamente eu

quebrava tudo. É tudo como você vê o mundo (...). Estou achando bom demais ficar

só.”

Nota-se que Dila vai recuperando paulatinamente suas possibilidades de ser e

existir e aos poucos vai podendo experimentar outras formas de agir:

“Eu mudei. Estou mais tranquila, não fico dando mais importância pra

picuinhas, coisas pequenas. E não é só no meu relacionamento não, é em tudo. Hoje

pisaram no meu pé no ônibus e eu nem falei nada, ah, está bom, pra que ficar

sofrendo a toa.”

Neste trecho Dila demonstra estar recuperando pouco a pouco o diálogo com

seu mundo, que há muito tempo havia sido interrompido. Mediante a relação

dialógica estabelecida na terapia, ela vem se permitindo parar e analisar suas

atitudes, olhar mais profundamente para si e ter consciência do que pensa, de como

se sente e de como se comporta. Este processo torna-se possível a partir da

integração de seu ser como um todo, que vem acontecendo ao longo de seu

tratamento, tendo como ponto forte para isto a confirmação que recebe neste

contexto. Segundo Friedman (1985), quando o ser se sente confirmado como

realmente é, vai se tornando seguro e capaz de experimentar também outras formas

de ser, ou seja, a confirmação desperta as potencialidades da pessoa.

Pode-se identificar também em suas falas o que considera como ponto

166

principal para a evolução de seu caso:

“Acredito mais nas conversas que temos que no remédio. Quando falo com

você dos problemas, das raivas, coisa que está com a cabeça cheia, atordoada, tenho

certeza de que você está me ouvindo, eu sei que você está ali comigo.”

Dila relata aqui sua percepção a respeito da presença da terapeuta. Estar

presente é um pressuposto essencial para o desenvolvimento da terapia, pois sem este

não é possível que o cliente sinta-se confiante e abra-se para trabalhar suas questões

inacabadas. Estar presente requer um voltar-se todo atento ao outro, tudo mais

desaparece e neste momento só há o que acontece aqui e agora (Hycner, 1997).

Outro importante elemento do inter-humano que pôde ser identificado no

processo de Dila é a comunicação genuína e sem reservas, que pressupõe um diálogo

franco e livre de julgamentos. Esta forma de comunicação liberta seus interlocutores

de qualquer necessidade de parecer, ficando eminente o verdadeiro ser do outro.

Assim, por meio de um diálogo puro e livre de máscaras, torna-se possível uma

fecundidade jamais imaginada no encontro (Buber, 2009). Sobre isto Dila comenta:

“Gosto de estar aqui e conversar com você, sinto que sou realmente ouvida e

isso me faz muito bem. Não quero mais pensar em tirar minha vida e tenho certeza

de que se não fossem nossos encontros, se não tivesse conhecido você, eu já teria

feito isso há muito tempo, pode ter certeza.”

Assim, gradativamente vai se tornando perceptível o desenvolvimento de

Dila. Hycner (1995) assevera que a cura dentro de uma psicoterapia baseada na

relação dialógica, não pode ser considerada como uma cura técnica, pronta e

acabada. Segundo este autor, neste contexto, a cura só pode ser entendida como um

processo de integração da pessoa como um todo, ou seja, o ser vai se reconstituindo,

recuperando e reintegrando, passando assim a agir com mais confiança e

167

assertividade, cada vez mais consciente de si mesmo. Isto é notório no caso de Dila:

“Eu estou me sentindo tão bem, tão tranqüila nestes últimos dias. Estou

diferente. A oportunidade que eu estou tendo agora é muito importante pra mim. Eu

nunca tive e quero aproveitar (...) quero envelhecer com saúde, com os pés no chão.”

Desde o início de seu processo terapêutico, Dila declarava constantemente

sua esperança de que um dia tudo seria melhor. Repetia sempre:

“Minha vida está tendo transformação eu sei que está e ainda vamos rir muito

disso tudo.”

Atualmente esta fala teve uma pequena mudança, mas que para o tema

abordado até agora demonstra ser de grande importância:

“Nós ainda vamos rir muito disso tudo, quer dizer, nós já estamos rindo de

muita coisa.”

É possível perceber que a cliente vem se sentindo cada vez mais inteira e

reintegrada a seu mundo. Essa é a cura que se busca dentro da psicoterapia alicerçada

sobre os pressupostos da relação dialógica. Essa é a possibilidade de ser e existir em

plenitude. Não há nada estático, pronto, terminado, o que existe é um processo que

nunca chega ao fim, pois está sempre se renovando. O que fica é a certeza da

possibilidade de ser cada dia mais feliz:

“Hoje eu senti uma coisa que eu achei ótimo, nunca tinha sentido. Sabe um

sentimento, uma felicidade, uma coisa boa que vem do nada, do nada. Do nada

comecei a me sentir bem, feliz. Não ganhei na loteria, não ganhei carro, não

aconteceu nada, mas eu estou feliz.”

Considerações Finais

A história de Dila demonstra claramente o quão prejudicial é para a saúde

168

emocional do homem a ausência de relações interpessoais genuínas. Dila chega para

a terapia um “trapo humano”, no sentindo mais profundo que esta expressão possa

ter. Sua aparência física era muito ruim, roupas amassadas, cabelo desfeito, olhar

vazio e distante. Sua fala era sem vida, sem nenhum tipo de esperança, só mágoa e

tristeza. Pensava somente em tirar sua própria vida, pois se sentia muito só. Todas as

suas relações se frustraram e ela havia interrompido de vez seu diálogo com o

mundo.

O primeiro passo para que o processo terapêutico fosse possível, foi sem

dúvida o encontro de pessoa a pessoa que Dila teve com a terapeuta. Naquele

momento, que vem se repetindo a cada encontro, a cliente sentiu-se vista, aceita e

acolhida. Permitiu-se também a partir daí ver, aceitar e acolher, primeiramente a si

mesma e posteriormente seu mundo e as pessoas que lhe cercam. Concedeu a si

mesma uma nova chance de viver e de ser feliz. Voltou a acreditar, paulatinamente,

nas pessoas e nas possibilidades do amor. Sentiu-se novamente inteira, completa,

integrada. Dado este passo, tudo o que ainda é preciso ser alcançado em seu processo

torna-se possível.

Atualmente, Dila gosta de se arrumar e se considera uma mulher bonita.

Frequentemente sai para se encontrar com amigos e está em um relacionamento que

já perdura por mais de dois anos. Percebe seus altos e baixos relacionados a seu

diagnóstico, como ela mesma gosta de dizer: “A bicha está rondando, já estou

percebendo”. Tem escolhido cada vez mais ambientes tranquilos para estar. As

oscilações, tão comuns em pacientes bipolares quanto a tomar o remédio e parar

quando se sente melhor, diminuíram notavelmente. Relata ter consciência de que

precisa também dos medicamentos para estar bem e que só quer o melhor para ela de

hoje em diante.

169

Ainda há muito a se percorrer nesta busca por autoconhecimento, bem - estar

e qualidade de vida. Eterna busca por felicidade e paz. Ainda existem muitas

questões a serem abordadas e elucidadas a respeito das reais contribuições da relação

dialógica no contexto terapêutico. Porém, uma coisa é certa: tendo como pano de

fundo, como base e suporte o encontro genuíno entre pessoas, todo o resto vai

tornando-se claro e possível de ser alcançado, pois como já afirmava o imortal

Martin Buber no ano de 1948: “Onde há amor e fé, uma solução sempre pode ser

encontrada”.

Referências

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Buber, M. (2001). Eu e Tu. Tradução, introdução e notas por: Newton Aquiles Von

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Buber, M. (2009). Do Diálogo e do Dialógico. Tradução Marta Ekstein de Souza

Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Perspectiva.

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Chagas, E.L.F. (2002). O gestalt-terapeuta caminhando no diálogo. In: Revista do

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Friedman, The healing dialogue in psychotherapy (pp. 119-122). New York,

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Cura em Gestalt-Terapia (pp.29-49). São Paulo: Summus.

Jacobs, L. (1997). O diálogo na teoria e na Gestalt-Terapia. Em: Hycner, R.& Jacobs,

L. (1997). Relação e Cura em Gestalt-Terapia (pp.67-94). São Paulo:

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Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica: Relação Dialógica: a cura pelo

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Malaguth, M. M. (2002). Reflexões sobre o processo de cura. In: Revista do VIII

Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica: Relação Dialógica: a cura pelo

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Comportamento da CID 10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas.

Porto Alegre: Artes Médicas.

Parreira, G. G. (2010). O sentido da Educação em Martin Buber. Tese de Doutorado

não publicada, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

Ribeiro, J.P. (2007). O ciclo do contato: temas básicos a abordagem gestáltica. São

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Sousa, L.E.M. (2009). O encontro dialógico na prática clínica: relato de

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http://www.igt.psc.br/ojs/viewarticle.php?id=215&layout=html

Suassuna, V.S.M. (2002). O diálogo abortado como a gênese dos transtornos da

infância. In: Revista do VIII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica:

Relação Dialógica: a cura pelo encontro. p.70.

171

Anexo

172

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma

pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar

fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma

delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será

penalizado de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: A Relação Dialógica e o Processo de Cura na Psicoterapia

Pesquisadora Responsável: Viviane Guimarães da Silva Ferreira

Telefone para contato: (62) 3224-0128

A Gestalt-Terapia com base dialógica preocupa-se com a relação terapeuta-

cliente que, por sua vez, tem implicações no processo de cura. O objetivo deste

estudo é analisar as contribuições da relação dialógica, dentro do contexto da

psicoterapia gestáltica, para o resgate da saúde emocional do cliente. Para isso, as

sessões terapêuticas semanais com duração de cinqüenta minutos, serão gravadas

para posterior transcrição e análise com base no método fenomenológico de pesquisa

qualitativa. Você tem a liberdade em recusar-se a participar ou retirar seu

consentimento, em qualquer fase da pesquisa sem penalidade alguma e sem prejuízo

ao seu cuidado.

Todo o material gerado será guardado em local seguro por um período de

cinco anos e, posteriormente, incinerado. Garante-se o mais absoluto sigilo no que

diz respeito à preservação de sua identidade em qualquer publicação que diga

respeito a essa pesquisa.

173

Você, apesar de não correr o risco de desconforto nas sessões ou qualquer

risco moral, terá o direito de conversar sobre tal fato, caso necessário. Você tem a

garantia de receber quaisquer esclarecimentos antes e durante o curso da pesquisa.

Nome da pesquisadora: Viviane Guimarães da Silva Ferreira

Assinatura da pesquisadora: ___________________________

Data: __________________

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO

SUJEITO

Eu,_______________________________________________________, RG

nº ___________________________, CPF nº _________________, abaixo assinado,

concordo em participar do estudo A Relação Dialógica e o Processo de Cura na

Psicoterapia como colaborador. Fui devidamente informado e esclarecido pela

pesquisadora Viviane Guimarães da Silva Ferreira sobre a pesquisa, os

procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios

decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu

consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Local e data: ________________________________________________________

Nome do sujeito: _____________________________________________________

Assinatura do sujeito: _________________________________________________

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e

aceite do sujeito em participar.

Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):

Nome:_________________________________Assinatura:___________________

Nome:_________________________________Assinatura:___________________

Observações complementares:____________________________________________

174

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM NEUROPSICOLOGIA

ALTERAÇÃO COGNITIVA NA PRESENÇA DE TUMOR

CEREBRAL: CONTRIBUIÇÕES DA AVALIAÇÃO

NEUROPSICOLÓGICA

ARLENE DE CASTRO BARROS

Orientador: Sandra de Fátima

Barboza Ferreira, Ms.

Goiânia

2012

175

ARLENE DE CASTRO BARROS

ALTERAÇÃO COGNITIVA NA PRESENÇA DE TUMOR

CEREBRAL: CONTRIBUIÇÕES DA AVALIAÇÃO

NEUROPSICOLÓGICA

Trabalho de Conclusão do Curso de

Especialização Lato Sensu em

Neuropsicologia, apresentado à Pontifícia

Universidade Católica de Goiás, sob a

orientação da Professora Sandra de

Fátima Barboza Ferreira, Ms. Para

obtenção do título de especialista.

Goiânia

2012

176

ARLENE DE CASTRO BARROS

ALTERAÇÃO COGNITIVA NA PRESENÇA DE TUMOR

CEREBRAL: CONTRIBUIÇÕES DA AVALIAÇÃO

NEUROPSICOLÓGICA

Trabalho de Conclusão do Curso de

Especialização Lato Sensu em

Neuropsicologia, apresentado à Pontifícia

Universidade Católica de Goiás para

obtenção do título de especialista.

Banca examinadora

__________________________________________________ Orientadora: Sandra de Fátima Barboza Ferreira, Mestre, Pontifícia Universidade

Católica de Goiás - PUC

__________________________________________________ Marta Isabel da Silva Neto, Especialista, Associação Pestalozzi Unidade Renascer

__________________________________________________

Adriane Aires Cruvinel Machado, Especialista, Secretaria Municipal de Educação do Estado de Goiás

Goiânia, 28 de Junho de 2012

177

RESUMO

Os tumores cerebrais em adultos são de grande incidência, podendo acarretar

prejuízos cognitivos graves, alterações leves ou, ainda, ser assintomáticos. O

objetivo deste trabalho foi apresentar as contribuições da avaliação neuropsicológica

realizada em uma paciente com tumor cerebral - meningioma, não cirurgiado. A

participante deste estudo tem setenta e dois anos de idade, com diagnóstico de

meningioma há dez anos, porém assintomática até o início do ano de 2011, quando

começou a apresentar alterações da marcha, do equilíbrio corporal, da audição e

visão. Procedeu-se à avaliação neuropsicológica que se caracteriza pela junção de

informações obtidas através de observações clínicas, exames laboratoriais e testes

neuropsicológicos. Os resultados indicam heminegligência esquerda, prejuízo de

funções executivas, de memória imediata e remota. Discutiu-se que através da

avaliação neuropsicológica foi possível evidenciar a sintomatologia relacionada à

falta de equilíbrio corporal e alterações cognitivas.

Palavras-chave: tumor cerebral, alteração cognitiva, avaliação neuropsicológica.

178

ABSTRACT

Brain tumors in adults are of great impact, which may cause severe cognitive

impairment, mild changes, or even be asymptomatic. The objective of this study was

to present the contributions of the evaluation neuropsychological carried out in a

patient with brain tumors – meningioma, not surgery. The participant of this study is

seventy-two years old, diagnosed with meningioma ten years ago, but asymptomatic

til ll the year of 2011, when she began to make changes in the walking, in the body

balance, of hearing and vision. The neuropsychological evaluation was proceeded

which is characterized by the addition of information obtained through clinical

observations, laboratory tests and neuropsychological tests. The results indicate left

hemineglect, impaired executive function, immediate and remote memory. It has ben

argued that by neuropsychological evaluation was possible to demonstrate the

symptomatology related to the lack of body balance and cognitive changes.

Key-words: Brain tumor, Cognitive impairment, Neuropsychological assessment

179

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

1.1 Avaliação neuropsicológica do adulto 9

2. METODOLOGIA 11

2.1 Participante 11

2.2 Instrumentos 11

2.3 Procedimentos 13

3. RESULTADOS 14

3.1 Dados obtidos da entrevista 14

3.2 Dados clínicos obtidos de observações e atitude em tarefa 14

3.3 Exames laboratoriais 14

3.4 Dados obtidos de testes psicométricos 15

4. DISCUSSÃO 19

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 21

180

1. INTRODUÇÃO

A neuropsicologia é uma ciência que estuda a expressão do comportamento e

sua relação com disfunções cerebrais e apoia-se na avaliação de determinadas

manifestações do indivíduo para a investigação do funcionamento cerebral (LEZAK,

1995).

De acordo com Gil (2002) a neuropsicologia tem como objeto o estudo dos

distúrbios cognitivos e emocionais, o estudo dos distúrbios de personalidade

provocados por lesões do cérebro. Tem objetivos diagnósticos, terapêuticos e

cognitivos. Pode ser considerada como área multidisciplinar, valendo-se de

conhecimentos da neurologia, neuroanatomia, neurofisiologia, neuroquímica e as

ciências do comportamento.

Atualmente, com o auxílio de exames sofisticados de neuroimagem, a

neuropsicologia objetiva fornecer conhecimento acerca do funcionamento cognitivo

em diversas condições neurológicas (transtornos de humor, doenças degenerativas,

acidente vascular cerebral-AVC, traumatismo crânio-encefálico-TCE, tumor cerebral

etc), fornecendo informação acerca da personalidade, humor e habilidades,

objetivando o diagnóstico, o acompanhamento, a reabilitação e a pesquisa neste

campo de atuação (SOHLBERG & MATEER, 2008).

Neste trabalho destacar-se-á a aplicação da neuropsicologia ao conhecimento

dos tumores cerebrais (PRICE, GOETZ & LOVELL, 2006) que, são patologias

comuns que acometem indivíduos sem qualquer especificidade. São massas que

crescem dentro do crânio e surgem devido à multiplicação desordenada de células

que leva à compressão e lesão de células normais do cérebro (ANDRÉ, 1999). Eles

podem ser classificados em: tumores benignos (uma massa anormal, mas que não

degenera o tecido cerebral) e malignos sendo capazes de invadir e destruir o local

onde está instalado.

Segundo André (1999), apesar de serem denominados no geral como

tumores cerebrais, eles são subdivididos de maneira específica, de acordo com sua

localização, tipo celular histológico, e tipicamente classificados como primários ou

metastáticos.

Os tumores cerebrais primários têm sua origem dentro do próprio crânio,

dentre os mais comuns estão os gliomas (quando se origina da própria célula

cerebral) e os meningiomas (originados das meninges).

181

Os gliomas constituem cerca de 60% dos tumores cerebrais, surgem de

células do tecido glial, e são divididos em gliomas de baixo grau (tumores de

crescimento lento, visíveis a ressonância), gliomas anaplásticos (grau intermediário)

e glioblastoma multiforme (mais agressivo) (ANDRÉ, 1999).

Os meningiomas, tumores originados das meninges, constituem cerca de

15% dos tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), tem crescimento lento e leve

predomínio no sexo feminino. São mais comuns a partir dos 50 anos, e geralmente

surgem nas regiões parassagital e da foice. Dessa forma é comum a paraparesia

(perda parcial das funções motoras dos membros inferiores), alterações do

comportamento, do controle esfincteriano, e hipertensão intracraniana (ANDRÉ,

1999).

Borin, Okada e Cruz (2008) especificam que o meningioma é um tumor

originário das células meningoteliais encontradas normalmente nas leptomeninges e

plexo coróide dos ventrículos, ocorrendo preferencialmente na região supratentorial.

Porém, qualquer região que apresente cobertura pelas leptomeninges é

potencialmente um sítio de origem para este tumor.

A maioria dos meningiomas é benigna e podem ser encontrados em qualquer

ponto do neuroeixo, sendo mais comum a localização intracraniana. Tem o

crescimento lento clássico, ou seja, cresce antes de causar sintomas. A principal

forma de tratamento é a cirurgia, sendo rara a necessidade de radioterapia ou

quimioterapia (DEMPSEY & ALDERSON, 2006).

Não se sabe a causa que leva a pessoa a desenvolver um tumor cerebral

primário. Apesar das pesquisas, ainda não foi encontrado nenhum fator de risco que

predisponha a pessoa a ter um tumor cerebral (MIRANDA, 2009).

Jones, Dempsey e Alderson (2006) apontam que os sintomas dos tumores

cerebrais geralmente ocorrem lentamente e de maneira progressiva, exceto quando

há convulsões, que podem ser focais ou generalizadas. Em um terço dos pacientes

as convulsões são o primeiro sintoma, elas são um sinal de disfunção cortical. Os

sinais iniciam-se quando o tecido cerebral é destruído ou quando a pressão no

cérebro aumenta.

Acrescentam os mesmos autores que os sintomas dependem do tamanho, do

crescimento e da localização do tumor, sendo assim surgem de forma variada como

cefaléia, diplopia horizontal (doença da vista que duplica as imagens dos objetos),

182

papiledema, náuseas ou vômitos, falta de equilíbrio e coordenação motora, febre

intermitente, um pulso e uma frequência respiratória anormalmente rápidos ou

anormalmente lentos.

A partir da sintomatologia característica e da história clínica apresentada pelo

paciente o médico suspeita da possibilidade de haver um tumor cerebral e inicia a

busca pela confirmação do diagnóstico. O exame neurológico e estudos de

neuroimagem são utilizados para confirmar o diagnóstico.

A ampla disponibilidade de Tomografias Computadorizadas-TCs e

Ressonâncias Magnéticas -RMs, fez com que o uso da testagem neuropsicológica

diminuísse para fins diagnósticos sobre a localização e a natureza dos tumores do

SNC. Atualmente ela é utilizada com maior freqüência na determinação da extensão

da disfunção cognitiva associada a um tumor, oferecendo uma medida pré-

operatória do funcionamento cognitivo basal ou da memória, servindo também para

monitorar a eficácia e o progresso da reabilitação cognitiva após o tratamento

(PRINCE, GOETZ & LOVELL, 2006).

Pacientes com tumor cerebral são encaminhados para uma avaliação

neuropsicológica na intenção de obter informações sobre a cognição, características

da personalidade, comportamento social, estado emocional, adaptação a limitações

do paciente, além de verificar suas forças e fraquezas, proporcionando base para o

planejamento do tratamento e aconselhamento tanto para o paciente quanto para

sua família. Nesse caso a avaliação neuropsicológica é fundamental para realizar a

comparação entre o estado atual do paciente e seu funcionamento pré-mórbido,

verificando através de entrevistas e testes psicológicos quais as funções mais

afetadas, proporcionando uma intervenção adequada (HOWIESON & LEZAK, 2006).

Os tumores do sistema nervoso central podem causar uma gama de

mudanças comportamentais e cognitivas. Muitas das funções cognitivas

compartilham de trajetos no complexo emaranhado de conexões neurais (RATEY,

2002), podendo afetar a natureza e a gravidade dos sintomas cognitivos, devido ao

tipo e crescimento de um tumor localizado no cérebro, porém não é considerado o

fator mais importante nesse aspecto.

Conforme Oliveira et al. (2005), cognição são ações mentais destinadas a

conhecer o mundo ou o próprio indivíduo, o que equivale a pensamento. É um

sistema dinâmico e complexo formado de partes que se relacionam entre si,

183

permitindo organizar e usar os conhecimentos, com o objetivo de funcionar dentro do

ambiente. O acompanhamento neuropsicológico pode proporcionar, em pacientes

com tumor cerebral, o melhor funcionamento possível da cognição através da

aplicação de técnicas específicas que, ensinam aos pacientes o melhor uso de suas

capacidades.

1.1 Avaliação neuropsicológica do adulto

A avaliação neuropsicológica é um tipo bastante complexo de avaliação

psicológica, porque exige do profissional não apenas uma sólida fundamentação em

psicologia clínica, conhecimento técnico e familiaridade com a psicometria, mas

também especialização e treinamento em contexto em que sejam fundamentais o

conhecimento do sistema nervoso central e suas patologias. Tem como objetivo

investigar as alterações no funcionamento cognitivo e suas conseqüências

comportamentais e sociais, bem como investigar o funcionamento da personalidade

(LEZAK, 1995).

Segundo Cunha (2000), inicialmente, a avaliação neuropsicológica pretendia

chegar à identificação e localização de lesões cerebrais focais. Atualmente, baseia-

se na localização dinâmica de funções, tendo por objetivo a investigação das

funções corticais superiores, como, por exemplo, a atenção, a memória, a

linguagem, entre outros.

A Avaliação Neuropsicológica é o estudo detalhado das funções cognitivas,

emocionais e comportamentais, utilizando-se de um conjunto de testes e

procedimentos padronizados, com objetivo diagnóstico, de pesquisa ou para auxiliar

no planejamento da reabilitação. As principais funções mentais e áreas avaliadas

incluem, mas não se limitam a: orientação, atenção, memória e aprendizagem,

linguagem e funções verbais, habilidades acadêmicas, organização e planejamento,

percepção, funções motoras, humor, comportamento e personalidade (GIL, 2002).

Inicialmente, cabe considerar o papel que os testes psicológicos tiveram no

âmbito da avaliação psicológica e neuropsicológica a ponto de serem entendidos

como sendo a própria avaliação, contudo essa visão foi aprimorada e hoje os testes

são vistos como parte do processo, não o processo em si (CUNHA, 2000).

Os testes são instrumentos objetivos e padronizados de investigação do

184

comportamento, que dão informações acerca da organização normal dos

comportamentos desencadeados pelos testes (por figuras, sons, formas espaciais,

etc.) ou de perturbações em condições patológicas. Visam assim avaliar e quantificar

comportamentos observáveis, por meio de técnicas e metodologias específicas,

embasadas cientificamente em constructos teóricos que norteiam a análise de seus

resultados (ALCHIERI, 2004).

Para Luria (1984) importa a qualificação dos sintomas. O profissional, não

deve se prender apenas aos dados quantitativos, mas estar atento a toda

informação que o paciente possa fornecer através de seu comportamento e do modo

como ele se organiza e realiza suas tarefas. È a triangulação de dados, que envolve

o histórico do paciente, a observação direta e a testagem, que levarão à

compreensão da performance deste.

A avaliação neuropsicológica contribui para o estabelecimento de um

diagnóstico diferencial. Assim, os instrumentos devem ser escolhidos da maneira

mais completa possível, a fim de que possam descrever todas as capacidades

cognitivas e comportamentais do paciente (ALCHIERI, 2004).

O objetivo principal desta avaliação é obter a inferência das características

estruturais e funcionais do cérebro e do comportamento em situações de estímulo e

de respostas definidas. No processo de avaliação, o profissional deve focar duas

grandes questões: quais são as funções comprometidas e que aspectos

comportamentais podem minimizar essa expressão psicopatológica (SANTOS,

2004).

Ainda, de acordo com Santos (2004), a avaliação não se limita ao diagnóstico.

Ao contrário, abrange a reabilitação de seu paciente, oferecendo a ele a

compreensão de como é a falha em seu desempenho, buscando devolver sua

autonomia em seu ambiente.

Com o resultado da avaliação, são feitos os devidos encaminhamentos:

devolutiva para o médico e familiares e esclarecimentos sobre a necessidade ou não

de um trabalho de reabilitação neuropsicológica e/ou indicações de

acompanhamento terapêutico.

O objetivo deste trabalho é apresentar as contribuições da avaliação

neuropsicológica realizada em uma paciente com diagnóstico de tumor cerebral -

meningioma, não cirurgiado.

185

2. METODOLOGIA

2.1 Participante

Ana (nome fictício), 72 anos, sexo feminino, destra, ensino médio completo,

viúva, mãe de filho único, médico, casado e que lhe dá assistência diariamente,

mora sozinha e tem como auxiliar uma secretária do lar.

Diagnosticada com tumor cerebral - meningioma, há 10 anos, sem tratamento

devido à ausência de alterações em sua qualidade de vida.

Avaliada por solicitação do filho e do médico neurocirurgião assistente do

caso, membro do Serviço de Neurologia de um Hospital da cidade de Goiânia, no

mês de junho de 2011, nas dependências do Centro de Pesquisas e Práticas

Psicológicas - CEPSI, do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade

Católica de Goiás - PUC, apresentando déficits motores (equilíbrio e marcha) e

sensoriais (auditivo e visual).

Durante o período avaliativo mostrou-se de fácil contato interpessoal,

respondente, colaboradora, orientada, porém lenta. Refere-se a prejuízo funcional

no trabalho doméstico: dificuldade de varrer a casa e lavar as vasilhas.

2.2 Instrumentos

O Quadro 1 mostra os instrumentos (testes e técnicas) utilizados no processo

de avaliação neuropsicológica, com seus respectivos objetivos.

Quadro 1. Instrumentos utilizados na avaliação neuropsicológica

Instrumento Objetivo

Técnica

Psicológica

1) Entrevista semi-estruturada com a paciente e com o filho (SPREEN & STRAUSS, 1998)

Descreve e avalia aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social).

Testes Psicométricos

2) Subteste Procurar Símbolos da Escala de Inteligência Wechsler para adultos – 3ª edição Wais-III (WECHSLER, 2002)

Fornece escores relacionados a rastreio, percepção e velocidade do processamento.

186

3) Teste de Memória Lógica (WECHSLER, 1987, APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Fornece escore de memória lógica (capacidade de evocar fatos numa sucessão temporal)

4) Teste de Cancelamento dos Sinos (GAUTHIER et al., 1989, APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia percepção visual, praxia construtiva, disfunção do hemisfério direito com negligência à esquerda, planejamento e organização

5) Três figuras e Três palavras (MESULAN, 1985)

Avalia a memória visual e verbal, bem como a praxia construtiva

6) Teste Figuras Complexas de Rey (OLIVEIRA & RIGONI, 2008).

Avalia organização, planejamento, julgamento, organização perceptual, orientação visoespacial e função motora.

7) Teste de Trilhas Coloridas (RABELO et al, 2005)

Avalia atenção, acuidade visual, coordenação motora e rapidez de processamento

8) Cartela do Roubo dos Biscoitos da BDAE (GOODGLASS, KAPLAN & BARRESI, 2001, APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia a linguagem nos seus múltiplos aspectos: pragmáticos e sintáticos e gráficos

9) Teste de Nomeação Boston (GOODGLASS, KAPLAN & WEINTRAUB, 2001, APUD SPREEN & STRAUSS, 1998 )

Avalia a capacidade de nomeação

10) Rey Auditory Verbal Learning Test - RAVLT (REY, 1964/1998 APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia aprendizagem, memória auditiva verbal, memória imediata, memória de longo prazo, perseveração, intrusão, susceptibilidade à interferência, retenção após outra atividade, memória de reconhecimento, primazia e recência, curva por posição serial

11) Teste Fluência Verbal – F.A.S e Animais, (TOMBAUGH, KOZAK & REES, 1996, APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia planejamento, organização, julgamento, atenção sustentada e linguagem

12) Visuopacial Organization Test – VOT – Hooper (1958/2005) (SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia a capacidade de organizar informações visuoespaciais

13) Clinical Dementia Rating Scale- CDR (HUGHES, 1982 APUD SPREEN & STRAUSS, 1998)

Avalia perdas cognitivas

187

2.3 Procedimento

A avaliação neuropsicológica caracterizada pelo uso de instrumentos clínicos

ocorreu durante o mês de junho de 2011, no Centro de Estudos, Pesquisas e

Práticas Psicológicas do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade

Católica de Goiás-PUC. Ao todo foram sete sessões, com duração, em média, de

uma hora cada sessão.

Durante as sessões utilizaram-se testes (formais e informais), obedecendo às

regras de aplicações dos testes de acordo com as instruções contidas nos manuais

de cada instrumento.

Na primeira sessão procedeu-se à entrevista semi-estruturada com o filho e,

em seguida, com a paciente, sendo possível, então, estabelecer a bateria de testes

a ser utilizada.

Na segunda sessão foram aplicados: o subteste Procurar Símbolos e o teste

de Memória Lógica, da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos. No encontro

seguinte aplicou-se o teste de Cancelamento dos Sinos, Três Figuras e Três

Palavras, e, Figuras Complexas de Rey. Na quarta sessão realizou-se o teste de

Nomeação Boston, a Cartela do Roubo dos Biscoitos e Trail Making part A e B. Na

quinta sessão foi aplicado o RAVLT e o teste de Fluência Verbal - F A S e Animais.

Na penúltima sessão encerrou-se a aplicação com o Visuopacial Organization Test –

VOT - Hooper e o Clinical Dementia Rating Scale - CDR.

O processo de avaliação foi concluído na sétima sessão em que se realizou a

entrevista devolutiva com a paciente e o filho, e, a entrega do relatório de avaliação

neuropsicológica.

188

3. RESULTADOS

Nesta seção relatar-se-á os resultados obtidos via entrevista, observação de

comportamento, exames laboratoriais e testes psicométricos que caracterizam o

processo de avaliação neuropsicológica.

3.1 Dados obtidos da entrevista

Ana mora sozinha, por opção, mas tem a ajuda de uma secretária do lar. Mãe

de um único filho (médico), há mais ou menos 10 anos atrás apresentou cefaléia

recorrente, mesmo com uso de analgésicos. Devido à preocupação e cuidados do

filho, vários exames foram realizados, sendo evidenciado um tumor cerebral -

meningioma, o qual não foi removido cirurgicamente, devido à baixa probabilidade

de crescimento, conforme relato do médico neurocirurgião, através do filho.

No início do ano de 2011 a paciente começou a apresentar marcha

descompassada, falta de equilíbrio corporal, dificuldade de audição e visão, o que

chamou a atenção do filho para novas investigações. O achado clínico evidenciou

leve aumento do tumor cerebral que, não ocasionaria tais alterações. Porém, iniciou-

se um processo de hidrocefalia que, na visão do neurocirurgião, também não

corrobora para a sintomatologia apresentada. Foi questionado, então, se Ana não

estaria apresentando um quadro demencial inicial. Assim, a partir da indefinição

diagnóstica foi solicitada a avaliação neuropsicológica.

3.2 Dados clínicos obtidos de observações e atitude em tarefa

Durante o período avaliativo Ana mostrou-se de fácil contato interpessoal,

respondente, colaboradora, orientada, porém lenta. Refere-se a prejuízo funcional

no trabalho doméstico: dificuldade de varrer a casa e lavar as vasilhas.

3.3 Exames laboratoriais

O filho apresentou somente exames de imagem: tomografia computadorizada

e ressonância magnética, e, relatou que os exames clínicos (sangue, fezes e urina)

189

não têm alterações.

3.4 Dados obtidos de testes psicométricos

A Tabela 1 registra o resultado obtido pela paciente no Teste de

cancelamento dos Sinos. Observa-se que a pontuação obtida está bem abaixo do

ponto de corte, apresentando dificuldade importante com produção sugestiva de

heminegligência.

Tabela 1. Teste de Cancelamento/Sinos

Obtido Ponto de Corte Interpretação

23 32 Dificuldade importante

Obs: Seletividade adequada. Dificuldades no rastreio visual. Produção sugestiva de heminegligência

A Tabela 2 mostra o resultado obtido pela paciente noTrail Making Test.

Observa-se que a pontuação obtida tanto na parte A que envolve atenção quanto na

parte B que envolve função executiva, encontra-se abaixo do ponto de corte para

seu grupo etário.

Tabela 2. Trail Making

Parte A: Tempo: 200’ Val. de Ref.: 41,3’ Ponto de corte: 56,3

Parte B: Tempo: 375’ Val. de Ref.: 111,4’ Ponto de corte: 183,6

Interpretação: alteração atenção, alternância, velocidade de processamento e função executiva.

A Tabela 3 apresenta a performance da paciente na prova de memória lógica.

Observa-se que a pontuação encontra-se bem abaixo do ponto de corte.

Tabela 3. Memória Lógica

Total A Total B Ponto de Corte ∑ A e B

3/25 5/25 19/50 8/50 Interpretação: Dificuldade importante

A Tabela 4 ilustra a produção da paciente nas provas de cópia, memória e

190

tempo no Teste de Reprodução de Memória de Figuras Complexas de Rey. Os

resultados indicam um desempenho inferior para seu grupo etário.

Tabela 4. Teste de Cópia e de Reprodução de Memória de Figuras Geométricas

Complexas de Rey: Forma-A

Rey Percentil Classificação

Cópia 12 < 10 Dificuldade Importante

Tempo da Cópia 5’10” < 25 Abaixo da média

Memória 0 < 10 Dificuldade importante Interpretação: Produção sugestiva de heminegligência a esquerda

A seguir, a Tabela 5 demonstra que o desempenho da paciente, no Teste

Verbal de Rey - RAVLT, está bem abaixo da média etária na parte de evocação

imediata, porém dentro da média na evocação tardia. Vê-se também que Ana

comete erros de associação semântica e fonética.

Tabela 5. RAVLT

Função Resultado Esperado Ponto

de Corte

Obtido Diagnóstico

Memória e aprendizagem de

palavras

Total 41,6 35 23 3DP dificuldade

importante

Evocação tardia 30’

13,6 11,6 14 Dentro da

média

Obs.: no reconhecimento cometeu erros de associação semântica em Flor (jardim)/ Professor(Escola) e erros de associação fonética em Escola(Estola)/ Peixe (Feixe)

A Figura 1 ilustra o desempenho de Ana e o que era esperado dela no Teste

Verbal de Rey - RAVLT. Nos testes que exigiam esforço da memória operacional, a

paciente se saiu abaixo da média etária. No entanto, após 30 minutos na lista de

reconhecimento, Ana obtém resultado dentro da média.

191

Figura 1. Gráfico RAVLT em cada teste e no reconhecimento

Os resultados do Teste de Nomeação Boston estão dispostos na Tabela 6.

Seu desempenho é normal na versão adaptada para a população brasileira, porém

apresenta uma dificuldade leve de nomeação na versão original.

Tabela 6. Boston Original (BOT) e Boston Adaptado (BAT)

Versão Pontos Ponto de

Corte Classificação

B0T 41 44 Dificuldade Leve

BAT 47 44 Normal

A Tabela 7 mostra o resultado no Teste de Fluência Verbal. Nota-se aqui a

dificuldade de planejamento e linguagem.

Tabela 7. Fluência Verbal –FAS

Obtido Média SD Ponto de Corte Interpretação

8 35,6 12,5 23,1 Dif. importante

A Tabela 8 demonstra como a capacidade de organização visuoespacial da

paciente encontra-se em déficit.

Tabela 8. Teste de Organização Visuoespacial – Vot – Hooper

Obtido Ponto Corte Interpretação

7 22,43 Dificuldade importante

192

Na Tabela 9 é visível a dificuldade de atenção e velocidade de

processamento, medidas através dos subtestes Procurar Símbolos e Códigos de

Cópia da WAIS-III.

Tabela 9. WAIS – III – PS – Código/Cópia

Subteste Acertos Omissões Erros Interpretação

Procurar Símbolos 6 13 3 Prejuízo Atencional

Código/copia 16 1 5 Lento

Funções que apresentam alterações: Atenção alternada, memória

operacional, memória auditivo-verbal, pictórica, percepção auditiva, memória

episódica, memória autobiográfica; destreza motora; planejamento, orientação do

comportamento em direção a metas, flexibilidade mental.

Funções íntegras: Emissão e recepção da linguagem; Atenção seletiva,

percepção visual, memória semântica, memória procedural, reconhecimento visual,

leitura, praxia ideomotora, ideatória, construtiva. (Observada preservação da função

com latência aumentada e velocidade do processamento diminuída).

Conclusão neuropsicológica: Heminegligência esquerda; prejuízo de

memória imediata e remota. Prejuízo de funções executivas. CDR-1

193

4. DISCUSSÃO

Conforme se destacou, o objetivo deste trabalho é apresentar as

contribuições da avaliação neuropsicológica realizada em uma paciente com

diagnóstico de tumor cerebral - meningioma, não cirurgiado.

Conforme revisão teórica os meningiomas, tumores originados das meninges,

constituem cerca de 15% dos tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), tem

crescimento lento e leve predomínio no sexo feminino. São mais comuns a partir dos

50 anos, e geralmente surgem nas regiões parassagital e da foice. Dessa forma é

comum a paraparesia (perda parcial das funções motoras dos membros inferiores),

alterações do comportamento, do controle esfincteriano, e hipertensão intracraniana

(ANDRÉ, 1999) e ainda conforme Jones, Dempsey e Alderson (2006) são comuns a

cefaléia, diplopia horizontal (doença da vista que duplica as imagens dos objetos), o

papiledema, náuseas ou vômitos, falta de equilíbrio e coordenação motora, febre

intermitente, um pulso e uma frequência respiratória anormalmente rápidos ou

anormalmente lentos.

A avaliação neuropsicológica possibilitou evidenciar no caso clínico em

discussão a sintomatologia relacionada à falta de equilíbrio corporal, paraparesia, a

cefaléia e as alterações cognitivas. Embora, na presença de um quadro de

hidrocefalia não se relatou perda do controle esfincteriano nem hipertensão

intracraniana. A incidência do tumor nesta paciente corrobora os dados relativos à

prevalência no sexo feminino e aparecimento após os cinquenta anos.

De acordo com Lezak (1995), Gil 2002 e Howieson e Lezak (2006) a

avaliação neuropsicológica visa mapear funções cognitivas e evidenciar aspectos

idiossincráticos.

A Avaliação Neuropsicológica combina dados obtidos de entrevistas, exames

laboratoriais, observações naturalísticas, observação comportamental e de humor e

performance em testes psicométricos. Assim, é que não se reduz, portanto, ao

resultado quantitativo obtido em testes, mas interessa, principalmente, a atitude em

tarefa, bem como as estratégias adotadas e as variações de comportamento e

humor experimentadas pelo paciente ao longo do processo diagnóstico. No caso em

questão a avaliação contribuiu no aprofundamento da investigação das alterações

194

cognitivas e apontou um conjunto de alterações secundárias ao tumor: alterações de

atenção, sobretudo no rastreio visual e heminegligência esquerda, corroborando

dados destacados por Price, Goetz e Lovell (2006).

Ainda foram evidenciadas alterações de memória operacional, episódica,

auditivo-verbal, pictórica e autobiográfica que não encontram respaldo na literatura

consultada como efeitos secundários de tumores cerebrais. Estes achados apoiam a

tese de um possível quadro demencial que merece monitoramento.

195

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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197

AS CONCEPÇÕES E INTERAÇÕES DA LINGUAGEM

Lorena Evangelista Raisky1

Pós-graduação em Formação de Professores em Sociolinguística e Letramento, na

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

[email protected]

Resumo

Esta pesquisa bibliográfica objetiva perceber a linguagem na perspectiva da

interação social de Vygotsky (1991), por meio das contribuições históricas das

neurociências cognitivas de Fiori (2008) e pela vertente da socilínguistica da língua

portuguesa pelos línguistas Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2012). Tendo essa idéia em

vista, o texto foi estruturado em três partes: Concepções da linguagem onde percorremos a

trajetória da evolução das várias concepções científicas sobre a linguagem. Interação da

linguagem no qual tratamos das abordagens de Vygotsky (1991) sobre a interação da

linguagem e da aprendizagem. E por fim, abordaremos a Educação linguística da língua

portuguesa que trata da inclusão social pela linguagem. E nas considerações finais,

apresentamos a importância de compreender esses conceitos.

Palavras-chave: Linguagem; Interação; inclusão social; educação linguística.

Introdução

As várias abordagens acerca da linguagem que fazemos neste texto conferem à

linguagem uma natureza social, histórica e científica. Afinal, o desenvolvimento da

oralidade e fundamentalmente o surgimento da escrita é um grande marco histórico da

humanidade.

O desenvolvimento do ser humano vai marcando-se através dos tempos e a

linguagem está onde o homem está. Assim, os seres humanos passam a serem sujeitos

interativos. E cabe a educação dar condições as pessoas para fazerem uso dos diferentes

discursos, nas diferentes modalidades.

Consideramos que pensar em linguagem nas suas várias concepções é relevante,

mas, acima de tudo, devemos pensar no ser humano, na aquisição de desenvolvimento da

oralidade e da escrita para que ele sinta-se inserido socialmente.

1 Pedagoga – Professora coordenadora, do ciclo I, na Escola Municipal Itamar Martins Ferreira. Graduada em

2006, pela Faculdade Araguaia. Pós-graduanda no curso de Especialização em Formação de Professores em

Sociolinguística e Letramento, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, previsão de conclusão agosto

de 2013. E-mail: [email protected]

198

Neste artigo pretendemos suscitar o pensamento no outro, na interação, na troca de

experiências, no prazer da comunicação e na inclusão social que a leitura e a escrita

possam proporcionar. Dando a oportunidade para que todos sejam leitores críticos dos

textos e de sua realidade, para que possam transformá-la tornando-se assim, um sujeito

ativo em sua aprendizagem e um cidadão responsável para consigo e com a sociedade.

Diante desses fatos, evidenciamos a necessidade de a escola primar por uma

educação que valorize e respeite a linguagem de cada indivíduo, por isso surge a seguinte

questão: Como fazer a criança avançar em sua linguagem a partir dos conhecimentos já

consolidados? A tentativa de compreender essa questão motivou a elaboração desta

pesquisa.

Concernente à metodologia deste trabalho, trata-se de uma pesquisa bibliográfica,

que teve como procedimentos metodológicos: a definição do tema; a escolha dos

referenciais teóricos como sustentáculos para análise do objeto da pesquisa; elaboração

escrita do material estudado; digitação e revisão final.

Quanto aos objetivos, salientamos que essa pesquisa tem como objetivo geral

refletir acerca da linguagem, tendo em vista a aprendizagem, a interação e a inclusão

social. Em relação aos objetivos específicos, são os seguintes: conhecermos as concepções

da linguagem e alguns fatos históricos da importância da neurociências cognitiva nas

descobertas de como o cérebro a processa; discutiremos sobre as contribuições dos estudos

focalizados na linguagem averiguando as abordagens sócio-interacionista de Vygtsky

(1991) buscarmos obter uma compreensão mais crítica a cerca das transformações sociais

no âmbito da educação linguística no Brasil.

Assim, o texto foi dividido em três partes: Concepções da linguagem trata de um

breve histórico das várias concepções da linguagem ressaltando a importante contribuição

das neurociências cognitivas com a abordagem teórica em Fiori (2008).

Interação da linguagem, consiste nas abordagens de Vygotsky (1991) sobre a

linguagem e as interfaces entre a aprendizagem, na qual também recorreremos a Rego

(2000) e Oliveira (1993).

Educação linguística da língua portuguesa dirige-se ao encontro do pensamento de

Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2012), a favor da formação plena do cidadão e da

inclusão social pela linguagem.

199

Por último, nas considerações finais, apresentamos algumas reflexões sobre a

importância de compreender linguagem na formação do cidadão, dentro das concepções

abordadas.

Concepções da linguagem

A linguagem está presente em todas as fases evolutivas do ser humano e é por meio

dela que eles interagem com o mundo e com o outro, tornando-se seres sociáveis. No

pocesso evolutivo do ser humano concepções de linguagem foram sendo formuladas: a

concepção da linguagem como forma de expressão do pensamento; a linguagem como

instrumento de comunicação; a linguagem como forma de interação.

A concepção de linguagem como expressão de pensamento, remetendo a ideia de

que a linguagem era considerada como a tradução do pensamento e partia de uma

gramática normativa. É um princípio sustentado pela tradição gramatical grega, passando

pelos latinos, pela Idade Média e pela Idade Moderna, teoricamente só rompida no início

do século XX.

No inicio das civilizações o desenvolvimento da linguagem nos vários períodos da

vida eram bastante desconhecidos e sua importância subestimada. No passado, no final do

século XIX e no começo do século XX, as pesquisas sobre a linguagem em

desenvolvimento começam a tomar importância, no entento se restringiam a poucas fontes:

a observação do comportamento da criança ao longo de seu desenvolvimento; estudos com

animais; estudos de afasias.

Os povos antigos sempre se questionaram como os seres humanos aprendiam e se

desenvolviam, no entanto não reconheciam o cérebro como o órgão responsável por essa

capacidade. Segundo Fiori (2008), os egípcios ao embalsamar os corpos gardavam apenas

as vísceras e descartavam o cérebro e os assírios consideravam que o fígado era o órgão

responsável pela aprendizagem do ser humano.

O ser humano, conforme Aristóteles (384-322 a.C.), diferencia-se dos animais por

causa da sua capacidade de raciocinar e de transformar a si e o meio em que vive. Ele

pensava que o coração era responsável por nossas sensações e percepções e era o cérebro

que mantinha o corpo frio e evitava que o coração esquentasse. Hipócrates (460-379 a.C.)

e Platão (427-348 a.C.), compartilhavam a tese que o cérebro era a sede da inteligência.

200

Outros gregos descobriram e descreveram partes do sistema nervoso, um avanço

gigantesco, mas ninguém associava somente o cérebro as capacidades humanas cognitivas.

Apesar de não se saber como funcionava ou qual era a origem dos pensamentos e

da linguagem. O ser humano toma consciência dessas capacidades, por volta do século VII

a.C. na Grécia, nasce à educação, sendo o marco da separação entre o pensamento

científico2 e o senso comum, pois a educação surge com o objetivo de formar um homem

mais consciente de suas limitações e possibilidades.

Com o surgimento do conhecimento científico ao longo dos séculos o ser humano

marca a sua história por meio de suas descobertas, invenções, criações de vários tipos. E o

conhecimento da linguagem escrita torna-se fundamental, pois com o desenvolvimento do

registro escrito a transferência dos conhecimentos acumulados historicamente e os

contextos em que estes foram produzidos, passam a alcançar mundos que antes não

conseguiriam ser alcançados pela oralidade.

Ao longo do tempo, com as evoluções tecnológicas o ser humano passa a ter maior

domínio e conhecimento do funcionamento do seu corpo. No ano 1862, Paul Broca

(1824-1880), neurocirurgião, relacionou uma lesão do lobo frontal de um paciente com a

sua incapacidade de falar, por isso está região passou a ser denominada de área de Broca, é

fundamental para a expressão da fala. E posteriormente em 1874 Carl Wernicke (1848-

1904), publica seu trabalho sobre “afasia de compreensão”, e localiza a área do lobo

parietal esquerdo para a compreensão da linguagem, recebendo o nome de área de

Wernicke. De fato essas descobertas confirmaram e marcaram o verdadeiro início da teoria

da localização das funções cerebrais. E deve-se evidentemente a Broca e Wernicke a

dissociação entre produção e compreenção da linguagem oral.

Os progressos tecnológicos avançam, nos séculos XX e XXI, com a criação de

novos aparelhos como as tomografias, ressonâncias magnéticas, que possibilitam a

observação do cérebro em pleno funcionamento e com a descoberta de novas substâncias

químicas, a neurociência alcança ampla distinção entre os diversos tipos de células e de

neurônios pelas formas, propriedades, funções e conexões. Tornando possível mapear de

forma detalhada o cérebro humano e delimitando suas funções. Estabelecendo as grandes

2 Para MATALLO Jr. (1998, p. 16), fôra Sócrates que marcara a separação entre o senso comum e o

conhecimento científico. Nas suas palavras: “Em uma passagem do diálogo Ménon, de Platão, Sócrates faz a

seguinte distinção entre opinião é ciência: ‘É assim, pois, quando as opiniões certas são amarradas,

transformaram-se em conhecimento, em ciência, permanecem estáveis. Por este motivo é que dizemos ter a

ciência mais valor do que a opinião certa: a ciência se distingue da opinião certa por seu encadeamento

racional’. Podemos dizer que aqui começa verdadeiramente a Teoria do Conhecimento e da Ciência”.

201

linhas da anatomia cerebral. O advento dessas tecnologias permite aos neurocientistas do

século XXI vislumbrar quão flexíveis, ativos e complexos são o cérebro, a linguagem e o

aprendizado humano.

Com base nessas novas tecnologias é possível analisar o desenvolvimento da

linguagem, assim como também mapear os circuitos e áreas cerebrais envolvidas no

comportamento e em determinadas tarefas como ler, escrever, prestar atenção e memorizar.

É em decorrência dessa capacidade humana de elaboração cognitiva dos eventos,

como linguagem, criatividade e raciocínio, e das teses favoráveis a interação entre

pensamento e linguagem que, Vygotsky (1991) explicita a mediação e a origem das

funções mentais pelo conceito de internalização. A partir dessa perspectiva, a linguagem e

a consciência deixam de ser vistas como inatas, para se constituírem como socio-históricas.

Interação da linguagem

A história do desenvolvimento da linguagem não segue uma linha única, pois são

várias as linhas de pesquisa como: neurolinguística, psicolinguística, sociolinguística e

linguística. Essas ciências dedicam-se a essa complexa habilidade humana e trouxeram

muitas contribuições. Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934), viveu entre o final do

século XIX e o começo do século XX, período em que as neurociências cognitivas

começam a ganhar destaque.

No entanto, conforme Rego (2000, p. 39) “Vygotsky se dedicou ao estudo das

chamadas funções psicológicas superiores, que consiste no modo de funcionamento

psicológico tipicamente humano, tais como a capacidade de planejamento, memória

voluntária, imaginação etc.” As neurociências cognitivas também tentavam conhecer essas

funções, mas Vygotsky buscou comprovação dessas ideias por meio de experimentos com

crianças e de investigações das formas de organização dos processos mentais em

individuos de diferentes culturas.

Aprender a ler e a escrever demanda conhecer e devemos ter em mente que o

aprendizado da criança começa desde o seu nascimento. SegundoVygotsky (1991, p.95),

“aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da

criança”. Assim, fica claro que para ele aprendizado desperta o processo interno de

desenvolvimento, mas a criança tem que estar inserida num contexto social. Essa

concepção de que o aprendizado viabiliza o despertar dos processos internos liga o

202

desenvolvimento da criança ao ambiente sociocultural. E é essa obsevação que o leva a

formular um novo conceito a zona de desenvolvimento proximal.

A zona de desenvolvimento proximal “define aquelas funções que ainda não

amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão...”

(VYGOTSKY, 1991, p. 97). Essa nova abordagem levanta a discussão e a reavaliação do

papel da imitação como forma de aprendizado. Considerar, a aprendizagem do ponto de

vista linguístico significa nos aproximarmos um pouco mais de seu aspecto operacional,

enquanto interlocução, ou seja, dar ênfase à interação na oralidade.

A atuação da linguagem na oralidade, tem função social, interativa e comunicativa,

possui a função organizadora e planejadora do pensamento. A partir dessa visão, Vygotsky

(1991) busca compreender o sujeito marcado pelo seu ambiente sociocultural. Não se trata

de perceber estágios ou níveis, mas sim de zonas de desenvolvimento real e proximal. A

zona de desenvolvimento real é o que a criança já sabe. A zona desenvolvimento proximal

é capacidade que a crianças tem de imitar, de interagir seguindo instruções ou pistas do

outro, para assim adquirir novas habilidades. Nesse caso, o papel do outro é fundamental

para a construção da aprendizagem e do desenvolvimento interno.

Vygotsky (1991), ao tratar da linguagem, estava interessado em um modelo de

mediação do comportamento humano. Ao abordar o desenvolvimento intelectual e

linguístico das crianças, ele relacionou a organização do pensamento na interiorização do

diálogo, em fala interior. Abordando uma nova maneira de perceber os conceitos

espontâneos das crianças. É a organização do pensamento, a capacidade de planejar que

confere um lugar central ao esforço de aprender a dominar a natureza, como um

instrumento que nos liberta dos esforços e resultados anteriores.

Aos poucos, a fala socializada, que antes era dirigida ao

adulto para resolver um problema, é internalizada, ou seja,

a criança passa a apelar para si mesma para solucionar uma

questão: é o chamado discurso indireto. Deste modo, além

das funções emocionais e comunicativas, a fala começa a

ter também a função planejadora. (REGO, 2000, p. 66)

Como podemos observar os estágios transitório da fala oral para a fala interior não

desaparecem, eles transforma-se. Ao analisarmos o papel do egocentrismo na relação

evolutiva entre a linguagem e o pensamento, levando em conta o processo sociohistorico, a

aprendizagem da criança acontece através de suas experiências cotidianas, no contato com

as pessoas, com seu meio, com sua cultura. A contribuição de Vygotsky (1991) às questões

escolares, na alfabetização, constitui-se em uma concepção de que as funções psíquicas do

203

individuo são construídas na medida em que são utilizadas, sempre na dependência das

relações culturais da humanidade, através das relações interpessoais, dentro da sociedade à

qual pertence.

Embora Vygotsky enfatize o papel da intervenção no

desenvolvimento, seu objetivo é trabalhar com a

importância do meio cultral e das relações entre indivíduos

na definição de um percurso de desenvolvimento da pessoa

humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária.

Nem seria possível supor, a partir de Vygotsky, um papel

de receptor passivo do educando: Vygotsky trabalha explícita e constantemente com a ideia de reconstrução, de

reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que

lhe são transmitidos pelo grupo cultural. (OLIVEIRA,

1993, p. 30)

Através dessas relações, a criança entra em contato com o mundo, gerando o

aprendizado, por meio das experiências vividas e acumuladas. Para que isto ocorra, na

situação escolar, Vygotsky (1991) defende a ideia de que as intervenções devam se dar de

forma organizada e planejada, onde a relação da criança com o mundo não é uma relação

direta, mas uma relação mediada. O elemento mediador é muito importante, e existem

várias maneiras de se mediar, mas Vygotsky (1991) deu destaque a fala.

Então, podemos concluir que Vygotsky nos presenteou, conceituando o complexo

sistema cognitivo da criança que não se limita as experiências pessoais e sim parte delas

para instigar o desenvolvimento e por meio das interações socioculturais mediadas

aprendem. E é por meio dessa premissa que abordaremos a seguir a importâcia de

trabalharmos o ensino da nossa linguagem partindo da variedade que nossos educandos

conhecem. Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p. 74) “É papel da escola, portanto, facilitar a

ampliação da competência comunicativa dos alunos, permitindo-lhes apropiarem-se dos

recursos comunicativos necessários para se desempenharem bem, e com segurança, nas

mais distintas tarefas linguísticas.” Esse assunto consistirá nossas próximas reflexões.

Educação linguística da língua portuguesa

A linguagem é algo vivo que está em constante mutação. As línguas vivem uma

grande variação, que expressa às diversidades culturais, sociais, regionais, profissionais e

também as diversidades etárias e por gêneros. A nossa tradição de menosprezar essas

variedades da língua portuguesa, falada no Brasil, vem corroborando com o alto nível de

analfabetos plenos e funcionais que temos na atualidade. Hoje sabemos a importância, de

204

primarmos pela valorização das variações linguísticas, apesar de alguns gramáticos

normativos ainda discordarem dessa ideia e também pela falta de difusão da

sociolinguística nos cursos de licenciaturas.

A linguagem está associada com os grandes campos do saber: ciências, artes,

geografia, matemática etc. Esses conhecimentos são organizados de modos diferentes, com

textualidades diferentes e estão associados a conteúdos diferentes, mas todos perpassam

pelo discurso, dentro deles há especificações que é um modo de falar do mundo, logo estes

ampliam os nossos conhecimentos e abrem novos mundos, novas possibilidades. Por essa

razão, se faz necessário trabalhar a sociolinguística nos cursos de licenciatura.

Para os sociolinguistas Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2012) é importante

derrubar os preconceitos linguísticos que está a tanto tempo enraizados na educação formal

brasileira e engessados nas gramáticas normativas. Com isso, eles pretendem sucitar nos

educadores que reconheçam a norma padrão culta como uma das muitas variedades

possíveis no uso do português, que falar diferente não é falar errado e o que pode parecer

erro no português não padrão tem uma explicação lógica.

Assim, fica clara a ideia dos dois da necessidade de se admitir a existência das

variedades e a lógica que elas possuem para que ocorra um ensino democrático que

respeite e valorize os falantes. Tomando o cuidado para não criarmos outro mito o do

português não padrão. Segundo Bagno “As variedades da língua são reais e concretas. A

norma padrão é um ideal de língua, uma abstração.” (p. 159). E essas variedades devem ser

tratadas como diferenças e não devem ser caracterizadas como erros. Para que a

democratização da língua falada seja real, Bagno deixa claro que se deve educar ao invés

de ensinar.

A prática tradicional de ensino da língua portuguesa no

Brasil deixa tranparecer, além da crença no mito da

“unidade da língua portuguesa”, a ideologia da necessidade

de “dar” ao aluno aquilo que ele “não tem”, ou seja uma

“língua”. Essa pedagogia paternalista e autoritária faz tábua

rasa da bagagem linguística da criança, e trata-a com se seu primeiro dia de aula fosse também seu primeiro dia de vida.

Trata-se de querer “ensinar” ao invés de “educar”.

(BAGNO, 2012, p. 62)

O trabalho com a linguagem na escola deve privilegiar a discussão sobre as várias

possibilidades de falar e de escrever, dependendo do contexto. Conforme Bortoni-Ricardo

(2004, p. 75) “Todo falante dispõe de suficiente competência linguística em sua língua

materna para produzir sentenças bem formadas e comunicar-se com eficiência.” Por isso,

205

se faz necessário trabalharmos a língua como um bem cultural, como uma linguagem

social. As crianças precisam conhecer que a escrita não é a mesma de quando falamos e

que em determinadas situações devemos monitorar nossa linguagem.

Nesse movimento, Bagno (2012, p. 165) ressalta, “O que caracteriza um falante

culto é justamente essa facilidade que ele tem de mudar de registro, como se diz em

Linguística.” Como em nossa sociedade a língua escrita tem um valor muito grande, as

variedades mais próximas a ela é que são consideradas cultas.

Existem muitas variantes linguísticas no Brasil, as razões que levam uma variedade

a ser escolhida como padrão pode ser histórica, cultural, no entanto a predominância é do

fator econômico e o social, ou seja, seus falantes pertencem às minorias dominantes, o que

é repassado para a língua padrão. Por esse motivo todas as outras variedades são

discriminadas e consideradas erradas, mas não deixam de cumprir sua função de

comunicação entre seus falantes e todas têm regras reconhecidas.

No entanto com esse preconceito das variedades da língua portuguesa, quem sofre

são os falantes das variedades linguísticas oriundas das classes populares que constituem a

maioria da população negligênciada no que diz respeito à educação formal,

impossibilitados de ter acesso à cultura letrada, dessa forma lhe sendo cerceada a chance

de lutar por sua cidadania.

A variedade falada no sudeste do Brasil, por razões históricas, foi escolhida como

padrão, mas ainda assim existem muitas variedades e formas estigmatizadas nessa região,

como o r retroflexo, característica do dialeto caipira. No entanto há formas dessa variedade

que se transformaram tendências da língua, ou seja, são faladas mesmo pelos falantes

considerados cultos em situações de informalidade.

A linguagem pode nos levar a mudanças e transformações pelas reflexões que

provoca em nós. Por entendermos que se trata de um assunto de extrema complexidade e,

também, por suscitar a discussão da importância da escola trabalhar com as variedades

linguísticas que a criança já conhece, instigando o desenvolvimento e o educador

realizando as interações socioculturais para que a criança aprenda a transitar por essa

variedades com confiança esegurança. Dessa forma, a escola cumprirá o seu papel de

formar cidadãos conscientes de sua língua e de suas variedades, com competência

comunicatica, derrubando os preconceitos linguísticos.

206

Considerações finais

Após análise deste tema, observamos que a concepção de linguagem concebidas ao

longo do tempo culminaram no preconceito linguístico que ainda predomina na nossa

cultura letrada da língua portuguesa. Assim, cabe lembrar a pergunta que nós levou a fazer

essa análise bibliografia: Como fazer a criança avançar em sua linguagem a partir dos

conhecimentos já consolidados?

As tentativas de resposta, nos levaram a perceber que com os avanços da

linguagem, nos seus variados campos de estudo, nos motivaram a iniciar o diálogo e

ampliarmos a concepção e a interação da linguagem. Mas para isso devemos compreender

que a conquista da cidadania perpassa pela insersão dos cidadãos na cultura letrada na qual

vivemos. Assim, ser cidadão é gozar dos direitos que lhes são garantidos e ser responsável

por seus atos tendo, como objetivo o bem comum, é saber cobrar do Estado o cumprimento

do seu papel. Ou seja, é estar preparado para estar no e com o mundo, paulofreireanamente

expressando. Isso significa que o cidadão deva ser concientizado e não educado para atuar

na sociedade e no mundo como participantes politicamente, socialmente e

linguisticamente.

É importante lembrar que os problemas que vão surgindo nas relações humanas,

devidos aos preconceitos linguísticos, não podem e nem deve ser resolvidos apenas nas

escolas, mas cabe à escola a tarefa de colaborar com os outros setores para que um

complemente o outro e seja possível a construção de uma nova realidade a respeito da

nossa linguagem.

Assim, devemos compreender que a linguagem passou por transformações e esta

foi se constituido ao decorrer dos século. Com o surgimento das várias linhas de pesquisa

conferiram a linguagem a sua importância. Na modernidade com o desenvolvimento

científico, tecnológico, os estudos sobre as neurociência cognitivas começam a ocupar um

lugar de destaque, devido a isso, trazem novas concepções e também corroboram com

outros campos da linguagem. Agora, na atualidade, o discurso da educação invoca a

necessidade de se formar cidadãos. É preciso ter cuidado para que essa seja uma realidade,

e não apenas um discurso.

Nesse sentido, as respostas não estão prontas. Apesar de a linguagem ter clareza de

seu objetivo, ainda não há um caminho definido para a sua conquista. É preciso que cada

pessoa faça a sua parte, reivindicando e afirmando seus direitos, lutando para conquistá-

207

los, só assim poderemos construir uma sociedade onde haja mais cidadãos e menos povo.

Esse é o grande desafio para a escola na atualidade.

É por isso que, esta pesquisa procurou conhecer o percurso histórico da linguagem

desde a antiguidade, ressaltando a neurociências cognitivas e suas concepções de

linguagem, afim de entendermos como na modernidade se deram as inferencias da

interação da linguagem, por meio da conceituação de Vygotsky do sistema cognitivo da

criança que não se limita as experiências já vividas e sim parte delas e das interações

socioculturais mediadas. Dessa forma, levetamos a importâcia de trabalharmos o ensino da

nossa linguagem partindo da variedade que nossos educandos conhecem. E Bortoni-

Ricardo e Bagno trazem uma bibliografia riquíssima para derrubarmos essa barreiras que o

preconceito linguísticos criaram.

Trabalharmos a partir da variedade linguística que nosso educando tem consolidada

se faz necessário, para consientizarmos falantes e escritores fluentes e competentes que

transitam pelas variedades linguísticas com segurança e interagindo na sociedade e no

mundo.

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VIGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins

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209

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESPECIALIZAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA

RAQUEL BORGES DE PÁDUA E SOUSA MAGALHÃES

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDAH E

DISLEXIA

GOIÂNIA

2011

210

RAQUEL BORGES DE PÁDUA E SOUSA MAGALHÃES

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDAH E

DISLEXIA

Artigo apresentado ao curso Especialização em Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista. Orientador: Weber Martins, Ph.D.

GOIÂNIA

2011

211

RAQUEL BORGES DE PÁDUA E SOUSA MAGALHÃES

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDAH E

DISLEXIA

Artigo de conclusão de curso apresentado ao curso de Especialização em Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________________

Prof. Weber Martins, Ph.D.

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

______________________________________________________

Prof.ª Sandra Barboza, Ms.

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Goiânia, _____ de dezembro de 2011

212

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDAH E

DISLEXIA1

Competence of reading and Writing in Children With DDA and Dyslexia

Raquel Borges de Pádua e Sousa Magalhães2

RESUMO

Este estudo objetiva verificar se existe diferença na competência de leitura e escrita entre crianças com apenas TDAH e apenas Dislexia quando comparadas a outras crianças sem queixas escolares (grupo controle). Participaram 317 estudantes de ambos os gêneros de oito a doze anos de idade, de escolas públicas e privadas. Os participantes foram divididos em três grupos, sendo: grupo controle (271); grupo TDAH (30) e grupo de Dislexia (16). Os escolares foram submetidos à aplicação dos subtestes de escrita e leitura e tempo de leitura do Teste de Desempenho Escolar. Os resultados apontaram que os escolares do grupo controle, sem queixa escolar, apresentaram melhor desempenho nos subtestes de escrita, leitura e tempo de leitura (médias de 28,73, 64,62 e 122,9068 respectivamente) em relação ao desempenho dos escolares do grupo de TDAH (médias de 19,70, 51,27 e 234,6667 respectivamente) e do grupo de Dislexia (médias de 13,44, 30,63 e 357,3125 respectivamente), traduzindo-se em diferenças estatisticamente significativas apontadas pelo teste não paramétrico Mann-Whitney. Palavras-chave: Leitura. Escrita. TDAH. Dislexia. ABSTRACT

This study aims to check if there is difference in the reading and in the writing competence between children with only DDA and Dyslexia when they are compared to others children without school complaint (the control group). Three hundred and seventeen students of both gender from eight to twelve years old, from public and private schools took part in this study. The participants were divided in three groups. The control group, (271 students); DDA group (30 students) and Dyslexia group (16 students). The students were submitted to an application of sub-tests of writing, of reading and time of reading of the school Test performance. The results have shown that the students of the control’s group, without school complaint, had better performance in the writing, reading and time of reading sub-tests (averages 28,73, 64,62, and 122,9068 respectively) and from the DDA group the averages were (19,70, 51,27 and 234,6667 respectively),and the Dyslexia group the averages were (13,44, 30,63 and 357,3125 respectively). Statistically this was computed as significant differences, shown by the parametric test of Mann-Whitney.

Key-words: Reading. Writing. DDA. Dyslexia.

1 Este estudo é parte da pesquisa Avaliação Neuropsicológica de crianças e Adolescentes com

Transtorno de Déficit de Atenção e Dislexia conduzida pelo prof. Weber Martins, Ph.D e pela Profª Sandra Barboza, Ms. 2 Psicóloga, Esp. Psicologia Escolar e Educacional, Pós-graduanda em Neuropsicologia na Pontifícia

Universidade Católica de Goiás. E-mail:[email protected]

213

1 INTRODUÇÃO

O assunto deste trabalho é desempenho de leitura e escrita em crianças. O

problema específico tratado lida com o desempenho de crianças com TDAH e

Dislexia. Com base nos estudos teóricos, avalia-se a hipótese de que crianças com

apenas TDAH ou apenas Dislexia apresentam desempenho inferior quando

comparadas a crianças sem queixas nesses aspectos.

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno

neuropsiquiátrico da infância que acomete cerca de 3 a 7%, ou seja, mais de dois

milhões de crianças em idade escolar (BARKLEY, 2002, p.36). Entre as crianças, a

proporção de gênero é de cerca de 3:1, com os meninos com uma maior

probabilidade de portar o transtorno que as meninas.

A síndrome é caracterizada por déficits na inibição do comportamento, atenção

sustentada, resistência à distração e comportamento hiperativo e impulsivo.

A Associação Americana de Psiquiatria – APA – através do Manual Estatístico

de Transtornos Mentais DSM-IV (2002), explicita que para satisfazer aos critérios

diagnósticos seis ou mais sintomas de desatenção/hiperatividade devem estar

presentes por pelo menos seis meses, causar prejuízo no funcionamento social,

ocupacional ou acadêmico, alguns sintomas de hiperatividade / impulsividade ou

desatenção estarem presentes antes dos sete anos de idade, devem estar e estar

presentes em duas ou mais situações e os sintomas não devem ocorrer durante o

curso de um transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno

psicótico. Embora os sintomas de atenção melhorem com a idade em portadores de

TDAH, a maioria continua apresentando e sofrendo com os sintomas na idade

adulta.

Dependendo das combinações de sintomas, é possível classificar os

portadores de TDAH em três subtipos: a) predominantemente hiperativo-impulsivo,

b) predominantemente desatento e c) portadores de TDAH do tipo combinado (com

ambos comportamentos).

Segundo Biederman, Mick e Faraone (2000 apud FUENTES; MALLOY-DINIZ;

CAMARGO; COSENZA & Cols, 2008, p. 248), “os déficits de atenção, além de

definirem um subtipo do transtorno, são os mais persistentes em indivíduos com

TDAH ao longo do ciclo vital”.

214

De acordo com Cohen, Salloway e Zawachi (2006, p.417) “o trabalho de

atenção é essencial para a existência cotidiana e é parte de nosso vocabulário

comum”. Para esses autores a atenção depende da interação de quatro processos

componentes: 1) capacidade e foco de atenção, 2) atenção seletiva, 3) seleção de

respostas e controle executivo, 4) atenção constante. A intensidade e o tempo do

foco atencional não é limitada e não é constante, com o passar do tempo, ela flutua

em função de processos extrínsecos e intrínsecos. Os processos extrínsecos são o

valor percebido dos estímulos e as demandas de respostas predominantes. Os

processos intrínsecos são os fatores energéticos e estruturais.

“A focalização da atenção depende fortemente da capacidade de atenção. O

foco requer a alocação continua de recursos de processamento disponíveis para

uma tarefa ou um objeto em questão” (COHEN; SALLOWAY; ZAWACHI, 2006,

p.417). Isso está relacionado também com a dificuldade da tarefa envolvida e a

quantidade de operações que devem ser realizadas ao mesmo tempo.

O ato de prestar atenção está associado a uma ação planejada.

Selecionamos os estímulos mais importantes a partir das respostas disponíveis, isto

envolve um processo cognitivo mais complexo com intenção, planejamento e

tomada de decisão. (COHEN; SALLOWAY; ZAWACHI , 2006, p. 420).

Segundo Fuster e Luria (1989, 1966, apud COHEN; SALLOWAY; ZAWACHI,

2006, p.420) “os processos de atenção envolvido na seleção e no controle da

resposta estão relacionados a uma classe mais ampla de processos cognitivos,

comumente denominada de funções executivas”.

A atenção constante ou atenção sustentada ou ainda vigilância, é a

capacidade de manter o foco atencional a determinadas tarefas com uma certa

persistência por longos períodos. Ou seja, é a atenção constante dirigida a alvos

específicos.

Considerando os subtipos de TDAH, Barkley argumenta que haveria uma

diferenciação entre os comprometimentos de atenção. O tipo desatento teria mais

dificuldades na atenção focaliza e seletiva, enquanto os subtipos combinado e

hiperativo teriam maiores dificuldades relacionadas à atenção sustentada.

(FUENTES et al, 2008, p.248).

Segundo Oliveira et al (2011, p.345), escolares com TDAH apresentam

alterações na função executiva, que abrange todos os processos responsáveis por

planejar, focalizar, guiar, direcionar, e integrar as funções cognitivas, dentre elas o

215

estado de alerta as atenções sustentada e a seletiva. Consequentemente

comprometimento na interação entre os processamentos visual, lingüístico,

atencional e auditivo. Devido a tais alterações, esses escolares apresentam

dificuldades metalingüísticas e relativas aos aspectos fonológicos, comprometendo

aquisições, como da leitura e da escrita.

O DSM-IV (2002) classifica a Dislexia como sendo um transtorno que gera um

comprometimento específico no desenvolvimento das habilidades de leitura, o qual

não é unicamente justificado por idade mental, problemas de acuidade visual ou

escolaridade inadequada. Codifica em 315.00, caracterizando-a como transtorno de

leitura que consiste em omissões, substituições, distorções ou adições de palavras

ou parte de palavras; baixa velocidade de leitura; falsas partidas, hesitações longas

ou “perda de lugar” no texto e fraseologia incorreta e inversões de palavras dentro

de sentença ou de letras dentro de palavras.

Descrições de Dislexia aconteceram primeiramente em 1896, quando foi

descrita com “cegueira verbal”. Historicamente, várias nomenclaturas foram usadas

para explicar esse transtorno e suas causas. Até as décadas de 1970 e 1980,

acreditava-se que as causas do transtorno fossem os déficits sensoriais ou

perceptivos no sistema visual. A partir de 1980 os estudos se focalizam em fatores

cognitivos e linguísticos. “A teoria do processamento fonológico é sustentada até os

dias de hoje, sendo responsável pela maior parte dos estudos dedicados à dislexia”

(ALVES; SIQUEIRA; LODI e col 2011, p.29).

Com relação à prevalência da Dislexia, importante salientar que tal transtorno

pode variar de acordo com o sistema de escrita que é abordado por cada país. No

entanto, Alves, Siqueira, Lodi e col. (2011, p.28) relatam que “há uma variação de 6

a 17% na prevalência da dislexia na população mundial em idade escolar, sendo

que a predominância é do sexo masculino, com uma proporção de 1,5:1 nas

estimativas atuais”. No Brasil estima-se que cerca de 5 a 10% da população

brasileira tenha este transtorno. (CIASCA & MOURA-RIBEIRO, 2006).

Sabe-se que a leitura e a escrita são competências de inestimável valor para

os seres humanos.

A leitura é uma atividade mental complexa e recente na humanidade, em contraste com a linguagem oral que é inata. O cérebro precisa aprender a

216

ler no mundo moderno e, para que isto aconteça, diversas são as etapas e os circuitos ativados. (AlLVES; SIQUEIRA; LODI e col, 2011, p.22).

Estudos que envolvem o processamento da linguagem em indivíduos normais

adultos apontam ativação de áreas temporais esquerda durante a execução de

tarefas de linguagem. Regiões parietais inferiores esquerda, incluindo os giros

supramarginal e angular, também estão implicados no processamento fonológico

normal, na recuperação de palavras, na visualização de palavras e na leitura oral.

Regiões corticais, como o giro frontal inferior, ou área de Broca, o giro dorsolateral

pré-frontal e o giro orbital, todos no lobo frontal, áreas do lobo temporal, como o giro

temporal superior e temporal médio e no lobo occipital, as áreas da região extra-

estriada, têm sido relacionadas com a leitura. (ROTTA; PEDROSO, 2006, p.156).

Técnicas de neuroimagem funcional como a ressonância magnética funcional

(RMNF), uma técnica moderna de mapeamento cerebral menos invasiva e aplicada

em crianças disléxicas, comparativamente a leitores normais durante tarefas de

processamento fonológico, mostra uma menor ativação do córtex cerebral nas áreas

destinadas à compreensão da leitura, como a área de Wernicke e o giro angular, e

compensatoriamente uma maior ativação de áreas anteriores, como a de Broca e o

giro frontal inferior do hemisfério contralateral. (ROTTA; PEDROSO, 2006, p.157).

Nos estudos da anatomia do cérebro, em autópsias de indivíduos com

problemas de linguagem e de leitura, foram encontradas simetrias inesperadas no

plano temporal.

Muitos são os autores que apontam o déficit fonológico com a causa da

Dislexia, e apontam várias dificuldades relacionadas com o processamento

fonológico. Na Dislexia além do baixo desempenho em provas de leitura e escrita

pode haver defasagem entre desempenho oral e produção escrita; fraco

desempenho em provas de nomeação de acordo com Fawcett & Nicolson (1994);

Faust, Dimitrovsky & Shacht, (2003); Ferreira & Nalini (2008) e finalmente, prejuízo

em provas de consciência fonológica observáveis em provas informais de rima.

Até 1920 as teorias para a causa da Dislexia sustentavam que déficits no

sistema visual eram responsáveis pelas inversões de letras e palavras. No entanto,

pesquisas subseqüentes demonstraram que o déficit responsável pelo distúrbio está

no sistema lingüístico. A Dislexia assim, reflete um defeito específico da linguagem:

o módulo fonológico. “O módulo fonológico é como se fosse a fábrica da linguagem,

217

a fábrica funcional do cérebro onde os sons são reconhecidos e montados

sequencialmente para formar palavras e onde as palavras são segmentadas em

sons elementares” (SHAYWITZ, 2006, p.43).

Segundo Rotta e Pedroso (2006, p.155), Boder classificam a dislexia em

disfonética, diseidética e mista. Na dislexia disfonética observa-se dificuldade para

realizar a análise e a síntese das palavras. Na dislexia diseidética ocorre dificuldade

para perceber tanto letras como palavras como gestaltes visuais, o que faz com que

também seja chamada de disguestáltica. Na dislexia mista observa-se uma

combinação de ambas as formas, constituindo um situação mais grave.

Conforme Rotta e Pedroso (2006, p.161), a produção textual da criança

disléxica normalmente apresenta vários erros como: leitura e escrita

incompreensíveis; confusões de letras com diferente orientação espacial (p\q;b\d);

inversões silábicas ou palavras (par\pra; lata\alta); substituições de palavras com

estrutura semelhante (contribuiu ; construiu); supressão ou adição de letras ou de

sílabas (caalo\cavalo; berla\bela); repetição de sílabas ou palavras (eu jogo bola;

bolo de chocolate); fragmentação incorreta (querojo garbola\ quero jogar bola);

dificuldade para entender o texto lido.

Na dislexia disfonética a criança apresenta dificuldade para ler palavras

desconhecidas, comete erros na leitura e na escrita, do tipo inversões, omissões, ou

agregação de fonemas ou de sílabas. Na dislexia diseidética a criança lê de forma

muito lenta, dividindo a palavra em partes não conseguindo ler totalmente. Os erros

mais freqüentes na escrita são as inversões e as falhas na acentuação. Na dislexia

mista, considerada a forma mais grave, ocorrem alterações das duas formas.

Embora os indivíduos com Dislexia tenham seus déficits primários na

habilidade de leitura, também apresentam dificuldade em outras áreas como:

dificuldade em expressar suas idéias coerentemente, aprender o alfabeto, expandir

seus vocabulários, identificar os sons que correspondem as letras, entender

questões e seguir instruções (ouvidas ou lidas), memorizar convenções de tempo,

dizer as horas, entender e reter detalhes de uma estória, desatenção e distração,

aprender rimas e seguir músicas. Desorganização e incoordenação motora,

distinguir direita de esquerda e letras de números, leitura lenta e compreensão

reduzida do material lido (ASHA, citado por AlLVES; LODI e ARAÚJO, 2011, p.30).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em

2009, 14,1 milhões de brasileiros com mais de 10 anos de idade eram analfabetos.

218

O mesmo estudo aponta que 20,3% das pessoas com mais de 10 anos de idade

apresentavam o analfabetismo funcional. Embora esteja havendo redução nas taxas

de analfabetismo e analfabetismo funcional, as crianças continuam apresentando

dificuldades para desenvolver as competências necessárias para aquisição da

leitura e da escrita.

O diagnóstico da Dislexia é feito por uma equipe multiprofissional, envolvendo

médicos, fonoaudiólogos, psicólogos e psicopedagogos. A avaliação

neuropsicológica tem enorme contribuição para levantar um perfil neuropsicológico

nos dois transtornos, tanto no TDAH como na Dislexia, ou ainda nas co-morbidades.

Crianças com Dislexia apresentam déficits específicos nas funções

neuropsicológicas, como no processamento visual e auditivo, sistema fonológico da

linguagem, atenção e funções executivas. Segundo Lima, Salgado e Ciasca (2008,

p.227), indivíduos com Dislexia apresentam problemas com o recrutamento de

recursos cognitivos necessários para o desempenho de tarefas complexas de tempo

de reação e fluência de leitura.

Falhas na atenção, na memória episódica, na memória operacional e na

resistência à distração podem apontar marcadores importantes para a presença da

Dislexia. Padrões de erros disfonéticos, diseidéticos e mistos na execução dos

testes que compõe a bateria podem consolidar as hipóteses (FERREIRA, 2011). No

TDAH, os principais erros esperados são de intrusão e omissão na produção gráfica,

não são esperados erros característicos da Dislexia como lentidão na fluência de

leitura e dificuldade de nomeação.

É valido ressaltar que para o diagnóstico de TDAH ou de Dislexia a

inteligência medida deve estar dentro do esperado para faixa etária.

Com base no exposto, o objetivo do presente estudo é saber se existe

diferença na competência de leitura e escrita entre crianças com apenas TDAH e

apenas Dislexia comparadas a outras crianças sem queixas escolares (controle).

4 MÉTODO

4.1 PARTICIPANTES

219

Participaram desta pesquisa 317 escolares, todos procedentes de escolas públicas,

particulares e conveniadas dos estados de Goiás e de Mato Grosso, divididos em 03

grupos:

1. Grupo controle (escolares sem queixa clínica): participaram 271 crianças, com

idade entre oito e doze anos;

2. Grupo clínico TDAH (escolares diagnosticados com TDAH): participaram 30

crianças com idade entre oito e doze anos;

3. Grupo clínico Dislexia (escolares diagnosticados com Dislexia): participaram

dezesseis crianças com idade entre oito e doze anos.

A amostra obedeceu a critérios de proporcionalidade preconizados no Manual

Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), segundo o qual, a prevalência é de 6-

9% para o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e de 3-5% para o

Transtorno Específico da Leitura (Dislexia) entre as crianças em idade escolar (DSM

IV, 4ª edição revisada, 2002).

4.1.1 Critérios de inclusão grupo de controle (sem queixa escolar)

Os critérios utilizados foram:

possuir de oito a doze anos de idade;

estar regularmente matriculado na rede pública, particular ou

conveniada de ensino sem histórico de repetência ou queixas

escolares;

aceitar participar da pesquisa com Termo de Consentimento Livre e

esclarecido – TCLE assinado pelo responsável.

4.1.2 Critérios de exclusão grupo de controle (sem queixa escolar)

possuir idade inferior a oito anos de idade ou superior a doze anos de

idade. Possuir histórico de repetência ou queixas escolares. Apresentar

no momento da coleta de dados queixa de natureza somática ou

desconforto psicológico.

220

4.1.3 Critérios de inclusão grupo clínico (com queixa escolar)

possuir idade entre oito e doze anos de idade;

possuir diagnóstico de TDAH ou Dislexia formalizado em Laudo médico

ou psicológico, aceitar participar da pesquisa e ter TCLE assinado pelo

responsável.

4.1.4 Critérios de exclusão grupo clínico

possuir idade inferior a oito anos de idade ou superior a doze anos;

não ter o diagnóstico formalizado e laudo médico ou psicológico;

apresentar no momento da coleta de dados queixas de natureza

somática ou desconforto psicológico.

4.2 INSTRUMENTOS Foram utilizados os seguintes instrumentos:

Folha de registro contendo entrevista exploratória sociodemográfica, questões

relativas à escolaridade, ocupação, uso de medicamentos, considerações

gerais de saúde e lateralidade;

Termo de consentimento Livre e esclarecido, contendo dados de identificação

do sujeito, bem como explicação dos objetivos da pesquisa ;

Protocolo (manual + crivo + folha de registro) do teste de desempenho

escolar (STEIN, 1994). Foram utilizados apenas o subteste de escrita

(composto de 34 palavras que são ditadas em ordem crescente de

dificuldade) e de leitura (composto de 70 palavras, que são lidas pelo

participante). Registrou-se, ainda, o tempo de leitura.

4.3 PROCEDIMENTO

221

Esta pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa

da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Folha de Rosto n° 449892. Neste

estudo, foram realizados os seguintes procedimentos:

O grupo controle foi abordado em escolas particulares, estaduais e

conveniadas do Estado de Goiás e de Mato Grosso. Após a assinatura dos pais e/ou

responsáveis no termo de consentimento, os escolares foram submetidos à

avaliação, que se consistiu de três passos:

1º passo: Aplicação do questionário sociodemográfico onde foram colhidos dados

como: nome, idade, escolaridade, renda familiar, medicação e outros;

2º passo: Teste de Desempenho Escolar – Escrita (STEIN, 1994) – Este teste é

constituído pelo ditado de 34 palavras em português, obedecendo a uma ordem

crescente de dificuldade ortográfica. O sujeito ainda é orientado a escrever o seu

nome no mesmo teste, o que totaliza 35 pontos para esta tarefa;

3ºpasso: Teste de Desempenho Escolar – Leitura (STEIN, 1994) – Este teste é

constituído da leitura de 70 palavras levando em consideração os critérios de:

gradação dos fonemas segundo as relações fonológico-ortográficas

(agrupamento dos fonemas, conforme a complexidade da língua oral e escrita);

número de sílabas; grau de familiaridade do vocabulário e padrões silábicos

(fonemas).

Os dados coletados foram analisados com auxílio do programa computacional

(software) SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 18.0.

5 RESULTADOS

A Figura 1 abaixo ilustra a distribuição da amostra por categoria nosológica.

Observa-se que o grupo clínico de TDAH atendeu a proporcionalidade da amostra

de acordo com as estimativas do DSM-IV, segundo o qual, a prevalência do

Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é de 6-9% entre as crianças em

idade escolar. O grupo de Dislexia representou 5% da amostra, portanto dentro da

estimativa preconizada no Manual Classificatório.

222

1630

271

0

50

100

150

200

250

300

Controle TDAH Dislexia

Grupos estudados

Qu

an

tid

ad

e d

e s

uje

ito

s

Figura 1 - Distribuição da amostra por grupos nosológicos.

A distribuição da amostra por faixa etária pode ser vista na Figura 2.

53

57

35

58

68

8 5 7 64

1 3 4 5 3

0

10

20

30

40

50

60

70

80

8 9 10 11 12

Idades

Qu

anti

dad

e d

e su

jeit

os

Controle

TDAH

Dislexia

Figura 2- Distribuição da amostra por faixa etária

No grupo controle, observou-se maior concentração na faixa de 10 anos de

idade, enquanto, no grupo de TDAH, a maior concentração ocorreu na faixa etária

de 8 e 10 anos de idade. Finalmente, no grupo de Dislexia, a maioria dos

participantes esteve na faixa etária de 10 e 11 anos de idade.

A Figura 3 abaixo ilustra a distribuição da amostra por categoria tipos de

escola. Observa-se que no grupo controle a maioria dos sujeitos avaliados vieram de

escolas privadas. No grupo de TDAH e Dislexia a prevalência é de escola pública.

223

1019

126

611

145

1630

271

0

50

100

150

200

250

300

Controle TDAH Dislexia

Grupos estudados

Qu

anti

dad

e d

e su

jeit

os

Publica

Privada

Total

Figura 3- Distribuição da amostra por tipo de escola

Em consideração à ausência de normalidade das variáveis estudadas,

demonstrada pelo uso do Teste de Kolmogorov-Smirnov (p < 0.001), utilizou-se

testes não paramétricos. Assim, o Teste de Mann-Whitney foi escolhido para avaliar

as hipóteses levantadas em relação ao desempenho de escrita e leitura dos grupos

experimentais (de TDAH e Dislexia) quando comparados ao grupo controle. O teste

demonstrou (p < 0.001) que as diferenças são estatisticamente significativas,

corroborando as hipóteses levantadas, ou seja, desempenho inferior em leitura e

escrita dos grupos experimentais em relação ao grupo controle.

A Tabela 1 ilustra os resultados no subteste de escrita dos grupos estudados:

média, desvio padrão, nível de significância, mínimo, máximo e intervalo de

confiança.

Tabela 1 - Desempenho no Subteste de escrita dos escolares dos grupos controle, TDAH e Dislexia.

Grupo controle Grupo TDAH Grupo Dislexia

Média 28,73 19,70 13,44 IC 95% - Limite Inferior 28,16 28,16 8,33 IC 95% - Limite Superior 29,30 22,78 18,54 Desvio Padrão 4,803 8,259 9,584 Mínimo 14,00 3,00 1,00 Máximo 35,00 35,00 27,00 Significância (p bicaudal) < 0.001 < 0.001

Fonte: Raquel Borges de Pádua e Sousa Magalhães

Observou-se que a amostra apresenta evidência positiva da hipótese

experimental, pois a média do grupo controle foi maior que as médias dos grupos

clínicos, TDAH e Dislexia. Segundo Teste de Mann-Whitney, as diferenças

224

analisadas são altamente significativas (p < 0.001), justificando-se a inferência para

toda a população.

A Tabela 2 ilustra os resultados no subteste de leitura dos grupos estudados:

média, desvio padrão, nível de significância, mínimo, máximo e intervalo de

confiança.

Tabela 2 – Desempenho no Subteste de Leitura dos escolares dos grupos controle, TDAH e Dislexia.

Grupo controle Grupo TDAH Grupo Dislexia

Média (pontos) 64,62 51,27 30,63 IC 95%- Limite Inferior 63,78 44,79 19,56 IC 95%- Limite Superior 65,46 57,75 41,69 Desvio Padrão 7,02 17,35 20,77 Mínimo 25,00 1,00 3,00 Máximo 70,00 70,00 56,00 Significância (p bicaudal) < 0.001 < 0.001

Fonte: Raquel Borges de Pádua e Sousa Magalhães

Observou-se que a amostra apresenta evidência positiva da hipótese

experimental, pois a média do grupo controle foi maior que as médias dos grupos

clínicos, TDAH e Dislexia. Segundo Teste de Mann-Whitney, as diferenças

analisadas são altamente significativas (p < 0.001), justificando-se a inferência para

toda a população.

A tabela 3 ilustra os resultados no subteste de leitura (tempo em segundos)

dos grupos estudados: média, desvio padrão, nível de significância, mínimo, máximo

e intervalo de confiança.

Tabela 3 – Desempenho no Subteste de Leitura (tempo em segundos) dos escolares dos grupos

controle, TDAH e Dislexia.

Grupo controle Grupo TDAH Grupo Dislexia

Média – tempo (s) 122,91 234,67 357,31 IC 95%- Limite Inferior 116,92 176,71 255,23 IC 95%- Limite Superior 128,90 292,62 459,40 Desvio Padrão 50,09 155,20 191,58 Mínimo 54,00 83,00 87,00 Máximo 342,00 575,00 584,00 Significância (p bicaudal) <0.001 <0.001

Fonte: Raquel Borges de Pádua e Sousa Magalhães

Observou-se que a amostra apresenta evidência positiva da hipótese

experimental, pois a média do grupo controle foi maior que as médias dos grupos

clínicos, TDAH e Dislexia. Segundo Teste de Mann-Whitney, as diferenças

225

analisadas são altamente significativas (p < 0.001), justificando-se a inferência para

toda a população.

6 DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi investigar o desempenho de escrita e leitura

de crianças com TDAH e Dislexia em relação a crianças sem queixa escolar.

Os resultados apontaram que os escolares do grupo controle, sem queixa

escolar, apresentaram melhor desempenho nos subtestes de escrita, leitura e tempo

de leitura em relação ao desempenho dos escolares do grupo de TDAH e do grupo

de Dislexia traduzindo-se em diferenças estatisticamente significativas. Acolhendo a

hipótese inicial de que haveria melhor rendimento no grupo controle

comparativamente aos grupos TDAH e Dislexia.

Alterações nas habilidades escolares não são incomuns no TDAH e na

Dislexia (DSM-IV, 2002).

Verificou-se que as diferenças no desempenho de escrita não foram somente

entre grupo controle e grupo clínico, mas entre grupo TDAH e Dislexia, sendo este

último o grupo com pior desempenho. Os resultados corroboram os achados de

Fawcett & Nicolson (1994) que afirmam que na Dislexia é esperado baixo

desempenho em provas de leitura e escrita. No TDAH, os principais erros esperados

são de intrusão e omissão na produção gráfica (FERREIRA, 2011).

Quanto ao desempenho de leitura e tempo de leitura foi possível observar que

tanto o grupo de TDAH como o grupo de Dislexia obtiveram desempenho inferior em

relação ao grupo controle. Houve ainda diferença de desempenho entre os grupos

clínicos, tendo o grupo de Dislexia o pior desempenho. Esse dado pode ser

justificado pelo déficit no processamento fonológico, ou seja, na capacidade de

decodificar sons da fala e relacioná-los a sua forma ortográfica, que é uma

característica da Dislexia conforme Shaywitz (2006).

Segundo Oliveira et al (2011, p. 345), no TDAH, essas alterações podem ser

justificadas por prejuízo na função executiva, no comprometimento da interação

entre os processamentos visual, lingüístico, atencional e auditivo e

consequentemente a dificuldades no aspecto fonológico, nos processos de leitura e

226

escrita. Na Dislexia, essas alterações são em decorrência de falha no processo de

mediação fonológica, que depende da utilização do conhecimento das regras de

conversão grafema-fonema para a construção da leitura da palavra. Essas

alterações comprometem a realização da leitura e a compreensão do material lido.

Na Dislexia, conforme Rotta e Pedroso (2006, p.161) a produção textual da

criança normalmente apresenta vários erros como: leitura e escrita

incompreensíveis; confusões de letras com diferente orientação espacial; inversões

silábicas ou palavras; substituições de palavras com estrutura semelhante;

supressão ou adição de letras ou de sílabas; repetição de sílabas ou palavras;

fragmentação incorreta.

Sendo assim, os achados desta pesquisa permitem concluir que os escolares

de TDAH e de Dislexia apresentam desempenho inferior nos subtestes de escrita,

leitura (tempo de leitura) quando comparadas a crianças sem queixas escolares.

No entanto, são necessários novos estudos que investiguem melhor os

padrões de erros encontrados nos grupos experimentais

Embora no TDAH, dificuldade na fluência de leitura não seja um padrão de

erro esperado, no presente estudo foi um dado estatisticamente significativo. Fato

que pode ser justificado pela desatenção e impulsividade no momento da leitura,

que faz com que o escolar cometa mais autocorreções. Entretanto, isso deve ser

melhor investigado com estudos futuros.

227

REFERÊNCIAS

ALVES, Luciana M.; SIQUEIRA, Claudia M; LODI, Débora F. e col. Introdução a Dislexia do Desenvolvimento. In: ALVES, Luciana M.; MOUSINHO, Renata; CAPELLINI, Simone A. (org). Dislexia Novos temas, novas perspectivas. Rio de

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(TDAH):um guia completo para pais, professores e profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed, 2002. CIASCA, S. M. & Moura-Ribeiro, M. V. Avaliação e manejo neuropsicológico da dislexia. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da Aprendizagem Porto Alegre: Artmed, 2006. 181-193. COHEN, A. R, SALLLOWAY, S., ZAWACKI, T. Aspectos neuropsiquiátricos dos transtornos de atenção. In:YUDOFSKY, S. C.; & Hales, R. E. Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 417 e 444. FAWCETT A. J., & Nicolson R. I. (1994). Maning speed in children with dyslexia.

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interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.

229

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO GOIÁS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA

LAÍZE PEREIRA DE OLIVEIRA

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDA/H

GOIÂNIA

2011

230

LAÍZE PEREIRA DE OLIVEIRA

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA EM CRIANÇAS COM TDA/H

Artigo apresentado à Coordenação de Pós-graduação Lato Sensu da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Neuropsicologia.

Orientadores: Prof. PhD Weber Martins Prof..ª Ms. Sandra de F. Barboza Ferreira

GOIÂNIA

2011

231

LAÍZE PEREIRA DE OLIVEIRA

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA DE CRIANÇAS COM TDA/H

Artigo apresentado ao curso de pós-graduação em Neuropsicologia da Universidade Católica

de Goiás, como requisito à obtenção do título de especialista.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. PhD Weber Martins

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

_________________________________________________

Prof. Ms. Sandra de F. Barboza Ferreira

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Goiânia, 10 de dezembro de 2011.

232

COMPETÊNCIA DE LEITURA E ESCRITA DE CRIANÇAS COM TDA/H

POWERS OF READING AND WRITING FOR CHILDREN WITH TDA/H 1

Laíze Pereira de Oliveira2

Resumo:

O TDA/H é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais presentes na infância que pode persistir também na vida adulta, sendo constituído por três sintomas principais: desatenção, hiperatividade e impulsividade. As crianças com esse transtorno geralmente apresentam comportamentos que quase sempre interferem negativamente no processo de aprendizagem escolar. O objetivo deste estudo foi investigar se há diferença na competência de leitura e escrita entre crianças sem queixa escolar e crianças com TDA/H. Participaram deste estudo 301 crianças, sendo que 30 tem TDA/H e representam 9,96% da amostra total, advindas das redes de ensino pública e particular e de serviços especializados, abrangendo os Estados de Goiás e Mato Grosso. O sexo masculino se mostrou prevalente no grupo clínico corroborando com a literatura especializada na área. Com relação à escola frequentada a amostra evidenciou equilíbrio; a distribuição do grupo clínico por gênero reafirmou a prevalência do sexo masculino com TDA/H. A média revelou desempenho do grupo clínico (com TDA/H) abaixo da média do grupo controle. Palavras-chave: Transtorno Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H); Leitura; Escrita. Abstract:

The TDA/H is one of the more prevalent neuropsychiatric disorders in childhood and can persist well into adulthood, consisting of three main symptoms: inattention, hyperactivity and impulsivity. Children with this disorder usually exhibit behaviors that often interfere negatively in the learning process at school. The objective of this study was to investigate whether there are differences in reading and writing skills among school children without abuse and children with TDA/H. The study included 301 children, of which 30 have TDA/H and represent 9.96% of the total sample, coming from the networks of public and private education and specialized services, covering the states of Goiás and Mato Grosso. The male sex is prevalent among the patients showed corroborating with the literature in the area. Regarding the school attended the sample showed balance, the distribution by gender of the medical group reaffirmed the prevalence of males with TDA/H. The average performance of the medical group revealed (with TDA/H) below the mean of the control group.

Key-words: Attention Deficit Disorder / Hyperactivity Disorder (TDA /H), Reading, Writing.

1 Este trabalho é parte do projeto de pesquisa “Avaliação Neuropsicológica de crianças e Adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Dislexia”, conduzido pelo Prof. PhD Weber Martins e pela Prof.ª Ms. Sandra de Fátima Barboza Ferreira.

2 Acadêmica do Curso de Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected]

233

INTRODUÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H) apresenta-se como um

dos mais frequentes transtornos neuropsiquiátricos da infância, podendo persistir também na

vida adulta.

O TDA/H se distingue pelo estado comportamental de uma tríade sintomática:

desatenção, hiperatividade e impulsividade. Características estas manifestadas em diferentes

contextos sociais que costumam chamar muita atenção por se tratar de manifestações

comportamentais extremas, ou muito quieto ou muito agitado. Segundo Barkley:

“Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDA/H) é o atual rótulo diagnosticado

usado para denominar os significativos problemas apresentados por crianças quanto à atenção, tipicamente

com impulsividade e atividade excessiva.”

Apesar da maioria das crianças apresentarem esses sintomas, a hiperatividade pode

variar de acordo com a idade e o nível de desenvolvimento, sendo raro o indivíduo apresentar

o mesmo comportamento em todos os contextos ou dentro do mesmo contexto em todos os

momentos.

Para serem diagnosticados com TDA/H alguns fatores devem ser considerados, pois

podem causar comprometimento a longo prazo se não forem devidamente identificados e

tratados. Estima-se que 5 a 13% das crianças em idade escolar possam ter o transtorno (DSM-

IV-TR, 2002) sendo 10,1% de meninos e 3,3% de meninas.

O primeiro fator é a existência de alguns sintomas antes dos 7 anos de idade; o

segundo fator é a manifestação desses sintomas em pelo menos dois contextos diferentes; o

terceiro fator é alteração nos diversos contextos social, escolar e no próprio nível de

desenvolvimento da criança. O DSM-IV (2002) estipula o prazo de no mínimo seis meses

com persistência dos sintomas para ser considerado como TDA/H.

A ocorrência simultânea de dois ou mais transtornos em um mesmo indivíduo integra

o quadro do TDA/H que implica num tratamento específico para o diagnóstico apresentado.

Em alguns indivíduos pode ocorrer o predomínio de um padrão sintomático ou de outro,

classificado pelo DSM-IV em subtipos dos quais:

“314.01 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Combinado;

314.00 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Predominantemente Desatento;

314.01 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Predominantemente Hiperativo-

Impulsivo.”

234

O TDA/H é uma síndrome neurológica resultante de inúmeras manifestações

comportamentais presentes tanto no tipo desatento quanto no tipo hiperativo-impulsivo.

O TDA/H do tipo predominantemente hiperativo-impulsivo evidencia

comportamentos onde o indivíduo parece não se preocupar com as consequências de suas

atitudes, agem com total desinibição, tem pouco autocontrole para falar e agir. Além de uma

tendência maior do que a média das pessoas a dizer ou a fazer o que quer que venha a mente

(impulsividade) e uma predileção por situações de grande intensidade.

Já o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) é caracterizado por certa facilidade para

a distração e ao aborrecimento, cujo sintoma predominante é a desatenção que aponta para

indivíduos com comportamento dito “alheio”, onde tarefas que exigem atenção concentrada

por tempo determinado tornam-se grandes problemas interpretados no cotidiano como

pessoas desatentas, distraídas, preguiçosas.

Segundo Capovilla (2009) o TDA/H é um transtorno de difícil diagnóstico

frequentemente descrito de maneira não objetiva onde grande parte do conhecimento foi

adquirido através de estudos feitos com crianças de idade escolar do ensino fundamental.

Na década de 1970 as pesquisas genéticas apontaram para uma possível contribuição

genética para o TDA/H, ao mesmo tempo em que apareciam evidências da influencia

ambiental para o desenvolvimento do transtorno.

Conforme ressalta Barkeley (2008), podemos dizer que ainda não há um consenso

científico sobre as causas do TDA/H. Entretanto a influência de fatores genéticos e ambientais

é amplamente aceita na literatura.

Estima-se que 5 a 13% das crianças em idade escolar possam ter o transtorno (DSM-

IV) sendo 10,1% de meninos e 3,3% de meninas. A baixa taxa de prevalência em meninas

explica-se pelo comportamento agressivo/impulsivo ser mais característico em meninos.

A prevalência do TDA/H varia em diferentes países, bem como dentro de um mesmo

país. No Brasil, parece não haver diferenças significativas entre as taxas de prevalência do

TDA/H. Guardiola (1994) avaliou 484 crianças, usando duas taxas. O DSM-III-R apontou

para 18% e utilizando de outros critérios como avaliações comportamentais, psicométrica e

exames neurológicos apontou para 3,5%. Brown (2001) mostrou que é alta a taxa de

prevalência em meninos, em torno de 9,2% enquanto em meninas a taxa é de 3%. A maior

parte, cerca de 60% das crianças com TDA/H continuam a apresentar os sintomas na

adolescência e na vida adulta (Rohde e Mattos, 2003).

235

As variações epidemiológicas encontradas decorrem precisamente nos critérios

distintos utilizados como a metodologia empregada, dos instrumentos específicos e requerem

informações clínicas sobre o comportamento do indivíduo nos diversos contextos sociais.

A verificação acerca da origem do transtorno ainda é recente. Apenas identificou-se

que portadores de TDA/H têm alterações na região frontal e as suas conexões com o resto do

cérebro.

De acordo com Mario Neto (2010), ao longo da história é possível encontrar relatos

literários e textos médicos explicitando o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade sem

denominar a doença. A comédia O Distraído (Le Distrait, 1697) do dramaturgo Jean François

Regnard (1655-1709) caracterizou um personagem como um homem sábio e distraído

ironizando essas características.

Os textos médicos como o de Alexander Crichton (1763-1856) descrevem como

“estado mental incapaz de prestar atenção como o grau necessário de inconstância a qualquer

objeto.” Mas a primeira descrição médica detalhada do TDA/H foi publicado em 1902 pelo

pediatra George Frederick Still (1868-1941) sobre condições psíquicas anormais em crianças

que apresentavam um “defeito permanente ou temporário do controle moral”. Associando

esse “defeito” a algum distúrbio cerebral (Mario Neto, 2010).

Similaridades entre os sintomas do TDA/H e os produzidos por lesões nos lobos

frontais, especialmente no córtex pré-frontal causaram tanto em crianças quanto em adultos

déficits na atenção prolongada, inibição, regulação da emoção e motivação, e na capacidade

de organizar o comportamento ao longo do tempo. Essas correlações levaram alguns

pesquisadores (Fuster, 1997; Grattante, Eslinger (1991) a associar pelo menos em parte, as

anormalidades estruturais e/ou funcionais aos lobos frontais (in Mario Neto, 2010).

Os estudos neuropsicológicos sobre as funções dos lobos frontais encontraram déficits

que evidenciam a desinibição de respostas comportamentais, além de dificuldades com a

memória de trabalho, planejamento, fluência verbal, coordenação motora e outras funções

frontais-estriatais-cerebelares.

A etiologia do TDA/H é bastante heterogênea, além de envolver aspectos

neurológicos e neuropsicológicos acredita-se que fatores ambientais como por exemplo, saúde

gestacional, transtornos mentais dos pais, ambiente familiar, uso de cigarros e drogas durante

a gravidez, situação econômica, possam contribuir para o desenvolvimento do transtorno

(Mattos & Rohde, 2003).

Outro fator que vem sendo estudado é a genética que segue duas linhas de

investigação: os estudos clássicos e os estudos moleculares. Nos estudos clássicos confirmam

236

a existência de um componente genético determinando ou influenciando na característica do

transtorno apontando para uma alta herdabilidade que poderia ser transmitida geneticamente

aumentando a probabilidade de desenvolver o transtorno (Mattos & Rohde, 2003).

Os estudos moleculares salientam a existência de genes mutantes através de uma

combinação de alelos que sugerem o envolvimento de processos biológicos específicos e de

rotas bioquímicas dos sistemas dopaminérgicos, noradrenérgicos e serotominérgicos que

poderiam transmitir o gene causador do TDA/H (Rotta, 2006).

Por se tratar de um transtorno bastante heterogêneo, o diagnóstico clínico requer um

programa específico e detalhado sendo necessário grande conhecimento dos estágios do

desenvolvimento para que possa auxiliar na identificação, detecção e tratamento.

Um importante instrumento de auxílio ao diagnóstico é a avaliação neuropsicológica.

Nela é possível identificar dificuldades e potencialidades cognitivas (Daniel Fuentes, 2008).

Na infância, os sintomas de TDA/H podem ser confundidos com comportamentos

próprios da idade (DSM-IV). Por isso o diagnóstico diferencial é de suma importância na

realização do processo.

2. METODOLOGIA

2.1 Amostra

Participaram da pesquisa 301 crianças e adolescentes, de ambos os sexos, entre 8 e 12

anos de idade devidamente matriculadas em escolas públicas, privadas e conveniadas dos

estados de Goiás e Mato Grosso, advindo de clínicas particulares, serviços públicos e

especializados.

Os participantes foram distribuídos em dois grupos: 1- Grupo Controle, com 271

sujeitos sem queixa escolar; 2- Grupo Clínico, com 30 sujeitos com diagnóstico clínico de

TDA/H.

A amostra do grupo clínico foi significativa e atendeu aos critérios de incidência do

Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H) conforme preconizado no Manual

Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM – IV (APA, 2002).

Para selecionar os participantes foram adotados alguns critérios de inclusão e exclusão

aplicados para ambos os grupos. Sendo critério de inclusão comum entre os grupos: estar na

faixa etária de 8 a 12 anos e regularmente matriculados na rede de ensino escolar (pública,

privada e/ou conveniada), concordar em participar da pesquisa e apresentar o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido devidamente assinado pelo responsável.

237

Para o Grupo Controle o principal critério de inclusão era o histórico escolar do aluno,

sem repetência e total ausência de queixas escolares. Já no Grupo Clínico com TDA/H, o

principal critério de inclusão era possuir laudo médico e/ou psicológico com diagnóstico

clínico.

Como critérios de exclusão foram adotados para os dois grupos: estar com menos de 8 e

mais que 12 anos de idade e/ou apresentar no momento da coleta de dados desconforto

psicológico.

Para o Grupo Controle era apresentar histórico de repetência e queixas escolares. Para o

Grupo Clínico com TDA/H, o critério de exclusão era não possuir o diagnóstico com laudo

médico ou psicológico formalizado.

2.2 Materiais Utilizados

Para a realização da pesquisa foram utilizados os seguintes instrumentos: termo de

consentimento, folha de registro, protocolo do teste de desempenho escolar (TDE)

respectivamente:

- Termo de Consentimento Livre, contendo dados de identificação do sujeito e

explanação ampla dos objetivos da pesquisa, finalidade e uso.

- Folha de Registro, com informações relativas à escolaridade, questão

socioeconômica, demográfica, uso de medicamentos, condições gerais de saúde e lateralidade.

- Protocolo do Teste de Desempenho Escolar (TDE) incluso manual, crivo e folha de

registro dos subtestes de Leitura e Escrita (Stein, 1994). Nesta pesquisa não foi utilizado

prova de aritmética que compõe o instrumento.

2.3 Procedimento

A pesquisa foi desenvolvida com 301 crianças e adolescentes divididos em dois

grupos: o Grupo Clínico, com 30 participantes, e o Grupo Controle com 271 participantes,

contatados em clínicas particulares, serviços públicos especializados, escolas públicas,

particulares e/ou conveniadas nos estados de Mato Grosso e Goiás.

A primeira etapa consistiu na apresentação da pesquisa, esclarecendo objetivos e

finalidade para o responsável pela(s) criança(s) e na assinatura do Termo de Consentimento

Livre contendo dados de identificação do sujeito.

Após assinatura do respectivo termo, passou-se a segunda etapa da coleta de dados

individual. Informações sobre condições sociodemográfica, escolaridade, saúde e lateralidade

ficaram documentadas na Folha de Registro.

238

A terceira etapa consistiu em esclarecer as crianças participantes os objetivos da

pesquisa, sendo consultadas acerca da disponibilidade para colaborar. Foi orientado que o

tempo médio para aplicação dos testes seria de aproximadamente 20 minutos com a presença

de um adulto durante todo o procedimento caso fosse solicitado.

Na quarta etapa houve aplicação dos testes, obedecendo à seguinte ordem: 1- Subteste

de ditado do TDE (duração aproximada de 10 minutos); 2- Subteste de leitura (duração

aproximada de cinco minutos) que foi gravada em arquivo áudio.

O subteste de escrita do TDE consiste em uma prova de ditado com 34 palavras

incluindo o nome do sujeito escrito. O subteste de leitura contém 70 palavras para serem lidas

pelo sujeito seguindo ordem da linha horizontal.

Na quinta etapa, corrigiram-se os testes e lançaram-se os dados no programa Statistical

Package for Social Science, – SPSS versão 18.0 para o tratamento estatístico e, em seguida,

realizou-se análise descritiva (média, desvio-padrão) e inferencial (teste de comparação entre

as médias obtidas pelo grupo controle e clínico (TDA/H).

3. RESULTADOS

Os dados foram ponderados de forma descritiva (média, desvio-padrão) e inferencial

(teste de comparação entre médias), utilizando-se o software Statistical Package for Social

Science – SPSS – Versão 18.0.

Tabela 1. Média, Intervalo de Confiança, Desvio-Padrão e Teste de Significância

Estatísticas

Média 28.73 19.70 64.62 51.27 122.91 234.67

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

Significância (p_unicaudal) < 0, 001 < 0, 001 < 0, 001

Pontos do TDE subteste de escrita

Cont. Clin.

Pontos do TDE subteste de leitura

Cont. Clin.

Tempo do TDE subteste de leitura

Cont. Clin.

Intervalo de

Confiança a 95%

Limite Inferior Limite

Superior

28.16

29.30

4.803

14

35

16.62

22.78

8.259

3

35

63.78

65.46

7.02

25

126

44.79

57.75

17.35

1

70

116.92

128.90

50.09

54.00

342.00

176.71

292.62

155.20

83.00

575.00

239

Com aplicação da análise quantitativa foi verificada estatisticamente significativa

diferença de resultados na média entre o Grupo Controle e Grupo Clínico (TDA/H).

Destaca-se ainda que obedeceu aos critérios de proporcionalidade preconizados pelo

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM – IV (APA, 2002).

A tabela apresenta dados segundo distribuição por gênero e tipo de escola:

Tabela 2. Distribuição por gênero e escola

Amostra

G. Controle 120 151 126 145

G. Clínico 20 10 19 11

Total 140 161 145 156

Observou-se que os 30 participantes do grupo clínico com TDA/H representam em

porcentagem 9,96% da amostra total pesquisada de 301 participantes.

Nota-se uma predominância do sexo feminino na amostra do público pesquisado, tanto

no grupo controle quanto no grupo clínico, correspondendo à ocorrência natural da população.

Os dados revelaram no grupo clínico com TDA/H prevalência do sexo masculino que

correspondem em porcentagem 6,64% sobre amostra total.

É importante ressaltar que as crianças do grupo clínico N=30, encontram-se

matriculadas em sua maioria nas escolas públicas, correspondem a 15,07% ou seja, N=19

crianças; apenas 7,58% estão matriculadas na rede privada de ensino.

4. DISCUSSÃO

Objetivo do presente trabalho foi verificar comparativamente as diferenças de

resultados no desempenho de leitura e escrita dos grupos controle e clínico de crianças e

adolescentes entre 8 e 12 anos de idade.

No estudo verificou-se a ocorrência da proporcionalidade da amostra onde o

número de participantes com TDA/H (N=30) representam 5,57% da amostra total levantada

(N=301), atendendo assim aos critérios de proporcionalidade de incidência para o TDA/H

previstos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - IV (2002) de 5 a 13%

das crianças em idade escolar.

Gênero

Masc. Fem.

Escolas

Pública Privada

240

Na distribuição por gênero, observou-se uma pequena prevalência do sexo

feminino sobre o sexo masculino para a população geral, entretanto para a incidência do

TDA/H a prevalência foi do sexo masculino como consta no DSM-IV sendo 10,1% de

meninos e 3,3% de meninas.

Ainda segundo os autores Mattos & Rohde (2003), “a baixa probabilidade de as

meninas apresentarem desordens psiquiátricas, cognitivas e comprometimentos funcionais em

relação aos meninos poderia resultar do gênero.”

Sabe-se que comportamentos mais agressivos são mais observados em meninos

do que em meninas, brigas na escola fazem parte principalmente do universo masculino e

infantil, ocasionando maior número de encaminhamentos para avaliação.

Portanto, os resultados confirmaram a hipótese de que haveria diferenças significativas

entre os grupos estudados corroborando dados da literatura. Este estudo evidencia a

importância do conhecimento das variáveis que possam cursar junto com o TDA/H, sendo

este conhecimento um fator de atenção no processo de escolarização.

Amostra nos permitiu observar que crianças com TDA/H apresentaram desempenho

inferior nos subtestes de leitura e escrita do TDE quando comparados às crianças sem queixa

escolar. Também foram apontados que as crianças com TDA/H levaram mais tempo para

concluir subteste de leitura, em média o dobro de tempo das crianças sem queixa escolar.

Este estudo evidenciou dificuldade de leitura e escrita das crianças com TDA/H, que

ocorre devido a necessidade de atenção para o processamento visual dos sinais gráficos para

conseguir concentrar e realizar leitura de um texto podendo refletir em dificuldade no

processamento fonológico. A escrita pode ser explicada pela falta de coordenação motora,

dificuldade de planejamento e certa ausência de organização espacial (Rohde & Mattos,

2003).

Como considerações finais sugere-se que haja outros estudos mais específicos que

possam subsidiar novas metodologias de ensino para crianças com esse transtorno.

Ampliando e investigando variáveis importantes como gênero, tipo de escola e idade.

241

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Porto Alegre: Editora Artmed.

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STEIN, L.M. (1994). Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e

interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo.

242

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA

MARINELLE FERNANDES DOS SANTOS

DESEMPENHO DE DISLÉXICOS E ESCOLARES BONS

LEITORES NO TESTE DE NOMEAÇÃO POR CONFRONTO

VISUAL

GOIÂNIA

2011

243

MARINELLE FERNANDES DOS SANTOS

DESEMPENHO DE DISLÉXICOS E ESCOLARES BONS

LEITORES NO TESTE DE NOMEAÇÃO POR CONFRONTO

VISUAL

Artigo apresentado à Coordenação de Pós-

Graduação LATO SENSU – CPGLS da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como

requisito à obtenção do título de especialista em

Neuropsicologia.

Orientador: Prof. PhD. Weber Martins

Co-orientador: Prof.ª Ms. Sandra de Fátima

Barboza Ferreira.

GOIÂNIA

2011

244

MARINELLE FERNANDES DOS SANTOS

DESEMPENHO DE DISLÉXICOS E ESCOLARES BONS LEITORES NO

TESTE DE NOMEAÇÃO POR CONFRONTO VISUAL

Artigo apresentado à Coordenação de Pós-Graduação Lato Sensu – CPGLS da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito à obtenção do título de

especialista em Neuropsicologia.

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. PhD. Weber Martins

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

__________________________________________

Prof.ª Ms. Sandra de Fátima Barboza Ferreira

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Goiânia, _______ de ________ de 2011.

245

Desempenho de disléxicos e escolares bons leitores no Teste de

Nomeação por Confronto Visual1

Performance of good readers and student dyslexics on Naming Test for

Visual Confrontation

Marinelle Fernandes dos Santos2

RESUMO:

Objetivo: Descrever e analisar comparativamente o desempenho em nomeação no

Teste de Nomeação por Confronto Visual, em crianças e adolescentes sem queixas

escolares e aquelas diagnosticadas com dislexia, e predizer se tal instrumento é sensível

para a discriminação da competência de nomeação de ambos os grupos. Método:

Participaram deste estudo 287 crianças, sendo 127 do sexo masculino e 160 do sexo

feminino, com idades entre 8 a 12 anos, regularmente matriculados nas redes pública,

conveniada ou particular. Foram divididos em dois grupos: Grupo Controle composto

por 271 crianças, e o Grupo Dislexia, formalizado por laudo médico ou psicológico,

composto por 16 crianças. Resultados: Os estudos demonstraram diferenças

estatisticamente significativas quanto aos dois grupos independentes, ou seja,

desempenho do grupo de Disléxicos foi inferior, comparado ao Grupo Controle.

Discussão: Escolares disléxicos apresentaram desempenho inferior, comparados a seus

controles, e assim a hipótese do presente estudo foi então confirmada, ou seja, crianças

disléxicas respondem pior a tarefas que envolvem habilidades de nomeação, quando

comparadas a seus pares.

Palavras-chave: Dislexia, Nomeação.

ABSTRACT:

Objective: To describe and analyze comparatively assess the performance in naming of

the Test of Nomination of Visual Confrontation in children and adolescents without

learning complaints and those who were diagnosed with dyslexia, and predict whether

such an instrument is sensitive of the discrimination power of nomination of both

groups. Method: The study included 287 children, 127 males and 160 females, aged 8-

12 years enrolled in public schools, convening or private. They were divided into two

groups: Control Group composed of 271 children, and the Dyslexia Group, formalized

by medical of psychological report, consisting of 16 children. Results: The studies

showed statistically significant differences in the two independent groups, in other

words, performance of the Dyslexic Group was lower compared to the Control Group.

Discussion: Dyslexic students showed inferior performance compared to their controls,

thefore the hypothesis of this current study was confirmed, however, dyslexic children

respond worst to tasks involving naming skills when compared to their pairs.

Key words: Dyslexia, Naming.

1 Este trabalho é parte do Projeto de Pesquisa Avaliação Neuropsicológica de crianças e Adolescentes

com Transtorno de Déficit de Atenção e Dislexia, conduzido pelo orientador PhD. Weber Martins e co-

orientadora Ms. Sandra de Fátima Barboza Ferreira. 2 Pós graduanda do curso de especialização de Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de

Goiás. E-mail: [email protected].

246

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais

(DSM-IV-TR), os Transtornos de Aprendizagem englobam várias dificuldades, tais

como: dificuldades em leitura, matemática ou expressão escrita. Para ser considerado

Transtorno de Aprendizagem, dados obtidos de testes padronizados aplicados

individualmente devem-se encontrar substancialmente abaixo do esperado para a idade,

escolarização e nível de inteligência, e devem interferir significativamente, no

rendimento escolar ou em atividades de vida diária. Tais dificuldades podem persistir

até a idade adulta. No Transtorno de Leitura, também conhecido como Dislexia, a

criança ao fazer uma leitura oral, seja em voz alta ou silenciosa, manifesta inúmeros

erros, sejam de distorções, substituições e omissões (APA, 2002, p. 80, 82).

Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, no

Transtorno Específico de Leitura, as “habilidades de compreensão da leitura, o

reconhecimento de palavras na leitura, a habilidade de leitura oral e o desempenho de

tarefas que requerem leitura podem estar todos afetados”. Estão presentes, ainda, baixa

velocidade de leitura, falsas partidas, hesitações longas ou ‘perdas de lugar’ no texto,

fraseologia incorreta, incapacidade de tirar conclusões ou inferências baseadas na

matéria lida e uso de conhecimento geral como informação de fundo para responder

questões sobre uma história lida. (CID-10, 1993, p. 240)

Crianças que apresentam alguma perturbação – como, por exemplo, em

processar relações entre letras e seus respectivos sons – são diagnosticadas como

portadoras de dificuldades específicas na leitura, conhecidas como Dislexia. Cardoso-

Martins et al. (2010, p. 134, 135) afirmam que a dificuldade na recodificação fonológica

está relacionada com as dificuldades na consciência fonológica, significando prestar

atenção consciente aos sons da fala, desempenhar e montar rimas.

Shaywitz (2006, p. 45, 52) destaca que crianças e adultos disléxicos apresentam

dificuldades com a composição das palavras, e não percebe-se são compostas por

fonemas ou blocos sonoros. Estudos demonstram que, com 4 a 6 anos, as crianças já

percebem que as palavras podem ser fragmentadas ou segmentadas em unidades, e, que

após essa idade, a criança já sabe contar o número de fonemas de palavras curtas.

Segundo o modelo de leitura conhecido como Múltiplos Processamentos, a

leitura ocorre por duas rotas, semântico-lexical e fonológica. Na rota fonológica, a

247

criança ao ler palavras novas, converte os grafemas em fonemas, ampliando seu

vocabulário e armazenando-as em seu arquivo lexical. Na rota lexical a criança ao ler

um texto recupera as palavras armazenadas neste arquivo lexical, tanto pronúncias

quanto seus significados. (STIVANIN, SCHEUER, 2005, p. 428). Quanto ao

processamento lexical, Parente e Fonseca (2007, p. 198) destacam que a leitura depende

da decodificação de um conjunto de letras, cujas formas foram aprendidas e

memorizadas no início da alfabetização.

O modelo fonológico é destacado ainda por Shaywitz (2006, p. 43, 44, 51), onde

afirma que, para seu entendimento, é necessário compreender o processamento da

linguagem no cérebro. O sistema linguístico é hierárquico e formado por quatro

componentes responsáveis por diferentes aspectos da linguagem. Na base do sistema

lingüístico está a fonologia, dedicada à decodificação das palavras, ou seja, ao

processamento dos elementos sonoros da linguagem. Nos níveis superiores, estão os

componentes da semântica, sintaxe e discurso, dedicados à compreensão da linguagem.

Na Dislexia, o componente afetado é especificamente o componente da fonologia, e não

remetendo a um defeito generalizado na linguagem.

Alguns autores apontam que a Dislexia é considerada como transtorno da

linguagem, por ser um déficit no processamento verbal, e uma das teorias relacionadas à

Dislexia afirma que as dificuldades de leitura originam-se de problemas de

processamento fonológico, nas representações fonológicas deficientes e pouco

especificadas. (SNOWLING, 2007, p. 11, 19; CARDOSO-MARTINS, CORRÊA,

MAGALHÃES, 2010, p. 134; JURADO 2006, p. 88).

São numerosas as características da Dislexia, existindo vários aspectos a serem

avaliados para seu diagnóstico. Lyon et al. (2003, apud CARDOSO-MARTINS,

CORRÊA, MAGALHÃES, 2010, p. 134) destacam que diagnóstico da Dislexia requer

o cuidado de observar e excluir fatores como: “condições inapropriadas de instrução e

presença de déficits sensoriais, emocionais e/ou intelectuais”. Shaywitz (2006, p. 115)

destaca que exames de imagem não são indicados para a avaliação da Dislexia, mas

necessita, sim, da investigação dos processos fonológicos e outros componentes da

linguagem, bem como aspectos cognitivos.

Bishop (1992, apud CAPOVILLA et al., 2007, p. 24) afirma que “as crianças

com transtornos específicos da linguagem podem ter dificuldades em aprender aspectos

semânticos e sintáticos da linguagem, bem como apresentar falhas em habilidades

morfológicas e cometer maior número de erros gramaticais”.

248

Existem diversos sinais que podem ser observados na primeira infância e nas

fases seguintes, tais como um atraso na fala, dificuldades na pronúncia das palavras,

dificuldades em rimas, e na busca de palavras apropriadas. O que pode ser observado no

histórico familiar de crianças com predisposição à Dislexia é a não pronúncia das

primeiras palavras antes de um ano e três meses, e também de frases antes dos dois

anos. Espera-se que a pronúncia ocorra em torno de um ano de idade. (SHAYWITZ,

2006, p. 83, 84, 85).

Bee (1996 apud STIVANIN, SCHEUER, 2005, p. 427) aponta para aspectos da

ampliação do vocabulário da criança. Segundo a autora, as crianças aprendem de cinco

a dez palavras diferentes por dia, por prestar atenção às palavras como grupos de

significado ou categorias semânticas. Pedroso e Rotta (2006, p. 138) destacam que, dos

doze aos dezoito meses da criança, há uma ‘explosão do vocabulário’, e as crianças

usam aproximadamente cinqüenta palavras. Aos doze meses, já compreendem de

cinqüenta a cem palavras.

Uma das características da criança com dislexia é apresentar problemas

exatamente na recuperação de informações fonológicas da memória de longo prazo.

Apresenta mais erros de nomeação do que as crianças da mesma idade, e de vocabulário

similar. Outra dificuldade é a repetição de não-palavras (SNOWLING, 2007, p. 16, 17).

Quanto à classificação da Dislexia, pode-se fazer três subdivisões: disfonética,

diseidética, e mista. Esta classificação é descrita por Boder (ROTTA, PEDROSO, 2006

P. 155, 161), explicando as dificuldades de natureza específica, sendo a disfonética um

déficit na análise e síntese fonológica de palavras; a diseidética um déficit na percepção

visual tanto de letras como de palavras como gestaltes visuais, e na mista um déficit

mais grave em ambas as formas.

ASPECTOS ETIOLÓGICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DA DISLEXIA

Rotta e Pedroso (2006, p. 154, 155, 156) explicam a etiologia da Dislexia como

tendo causas genéticas e adquiridas. A Dislexia é considerada transtorno de origem

neurobiológica, tendo aspectos hereditários. (ALVES, et al., CARDOSO-MARTINS,

CORRÊA, MAGALHÃES, 2010, p. 134). Quanto à relação de causas adquiridas,

podem-se atribuir a fatores de malformação do Sistema Nervoso Central, problemas

perinatais, danos SNC pós-natal, privação ambiental ou oportunidade educacional

inadequada.

249

Pesquisas realizadas por Grigorenko e colaboradores (2000, 2001, apud

ROTTA, PEDROSO, p. 156) analisaram múltiplos cromossomos, e os relacionaram a

tal patologia. Dentre os estudados relacionados à Dislexia destacam-se cromossomos 3,

6, 7 e 15.

A probabilidade de meninos de pais disléxicos apresentarem Dislexia é de 50%.

Se a mãe for disléxica a probabilidade é de 40%. Há poucas diferenças de probabilidade

no caso de serem meninas (SNOWLING, p. 13). Estudos demonstram que característica

familiar não precisa passar para gerações seguintes por meio de mecanismos genéticos.

A exposição ambiental também colabora para tal, e por isso a dislexia depende da

interação entre a genética e ambiente. (SWAYWITZ, 2006 p. 87).

Dados epidemiológicos evidenciam a dislexia como transtorno bastante

frequente. Cerca de 5 a 10 % da população em idade escolar é afetado pelo transtorno.

(Ciasca, apud CARDOSO-MARTINS, CORRÊA, MAGALHÃES, p. 134, 154). Quanto

ao sexo, estudos evidenciam predominância no sexo masculino.

ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DA DISLEXIA

Parente e Fonseca (2007, p. 190) relatam que as bases neurais da linguagem

humana começaram com os trabalhos de Paul Broca, no ano de 1865, com seus estudos

post-mortem de um paciente com dificuldades na emissão das palavras, e

posteriormente, no ano de 1874, com os estudos de Carl Wernicke, com pacientes com

dificuldades na compreensão da linguagem falada por outras pessoas.

Segundo Shaywitz (2006, p. 62, 63), há diversas sequências de acontecimentos

possíveis para o desenvolvimento da dislexia. Durante a formação inicial do cérebro há

oportunidades de ocorrerem conexões erradas ou falsas, o que poderia acarretar em

desequilíbrio dos circuitos da linguagem, e ter como consequência as dificuldades no

processo de análise fonológica. Para lermos precisamos entrar em contato com circuitos

cerebrais já preparados para a linguagem, e estes circuitos no disléxico podem não ter

sido bem estabelecidos durante a vida intra-uterina.

Pedroso e Rotta (2006, p. 139) afirmam que funções como atenção e memória

são fundamentais para que o circuito da linguagem seja completo. Dificuldades nos

aspectos da noção de esquema corporal podem acarretar confusões na escrita, podendo

ser observadas escritas em espelho.

250

Estudos com neuroimagem funcional demonstraram maior ativação de áreas

anteriores do cérebro durante o processo de leitura de pacientes disléxicos no sentido de

compensar as falhas, como a área de Broca e o giro frontal inferior do hemisfério

contralateral. Em bons leitores acontece exatamente o contrário, ou seja, há maior

ativação da parte posterior do cérebro, e também pouca ativação da parte anterior. É

justamente a falha nos sistemas posteriores que impedem o reconhecimento rápido e

automático das palavras. Existem evidências de que as ativações cerebrais mudam com

a idade (SHAYWITZ, 2006 p. 72; ROTTA, PEDROSO, 2006, p. 157)

Estudos demonstram que há certa diferença estrutural da simetria no plano

temporal dos disléxicos, tálamo, cerebelo e suas vias, explicados por alguma

intercorrência nos primeiros estágios do desenvolvimento intra-uterino. Tais alterações

anatômicas do tálamo e córtex temporal são responsáveis por processamento mais lento

dos sons (ROTTA, PEDROSO, 2006, p. 159, 186).

DISLEXIA E NOMEAÇÃO DE FIGURAS

Crianças de 2 e 3 anos já são capazes de nomear e explicar a função de objetos

conhecidos (2006, ROTTA, PEDROSO, p. 138). Segundo Locke (1980, apud Capovilla

et al., 2007, p. 26) a habilidade de nomear figuras pode ser verificada a partir do

momento em que a criança começa a falar.

Vários estudos vêm sendo realizados na investigação da capacidade de

nomeação em disléxicos e outros. O que tem sido observado é que os disléxicos

apresentam muitas dificuldades para encontrar as palavras adequadas, o que recebe o

nome de circunlóquio (SHAYWITZ, 2006 p. 85). Em trabalho realizado por Katz

(1976, apud SNOWLING, 2004, p. 16) com Boston Naming Test (Kaplan,

Goodglass1983), foi observada menor capacidade de crianças disléxicas em rotular os

objetos do teste, e dificuldades maiores com palavras de baixa frequência e palavras

polissílabas.

Stivanin e Scheuer (2005, p. 425-436) estudaram o tempo de latência e o número

de acertos para estímulos em nomeação de figuras e leitura de palavras isoladas em voz

alta em escolares de 2ª a 4ª série. Observou-se que palavras pouco frequentes e de maior

extensão foram acessadas mais lentamente por todas as crianças e que, com a idade e

escolarização há maior rapidez para nomeação e leitura de palavras isoladas. Segundo

Nelson (1996, apud STIVANIN, SCHEUER, 2005, p. 427), reconhecer e nomear

251

figuras depende de desenvolvimento contínuo, desde idades mais precoces até os anos

escolares. A nomeação de figuras envolve pelo menos três estágios essenciais, que são:

identificar o objeto; ativar o nome no léxico mental e generalizar a resposta.

Reconhecer o significado da figura e nomear cada uma delas requer experiências sociais

e diversos processamentos de linguagem complexos.

Acosta e cols., (2003 apud CAPOVILLA et al., 2007, p. 24, 25) afirmam que as

dificuldades em teste de nomeação de figuras são associadas com problemas de

alfabetização, e crianças disléxicas tendem a maior lentidão e maior número de erros em

suas respostas.

Albuquerque e Simões (2009, p. 66) destacam que déficits na nomeação rápida

são características importantes de crianças disléxicas. A nomeação rápida se

correlaciona com a leitura, exerce uma influência no desenvolvimento das competências

de leitura, e prediz o desempenho subsequente em leitura.

De acordo com Capellini et al. (2007, p. 114, 115) a nomeação rápida é também

descrita na literatura com os nomes de nomeação rápida automática, recodificação

fonológica de acesso ao léxico, nomeação automática rápida, recuperação lexical e

velocidade de nomeação. A nomeação rápida inclui habilidades do processamento

fonológico, também composta pela consciência fonológica, memória fonológica e

processamento auditivo ligado ao domínio da leitura e escrita. Diversos estudos sobre o

tema divergem quanto à sua vinculação ao processamento fonológico. Wolf e Bowers

entendem que a nomeação rápida faz parte da velocidade no processamento da

informação.

Capellini et al. (2007, 114-119), estudaram crianças com Transtorno de Déficit

de Atenção e Hiperatividade (GI) e disléxicos (GII), com o objetivo de levantar o

desempenho em nomeação automática rápida, e comparar com o desempenho de

escolares que lêem conforme o esperado (GIII). O resultado do estudo demonstrou que

crianças disléxicas obtiveram desempenho inferior aos demais grupos.

Cardoso-Martins e Pennington (2001, p. 388) afirmam que o desempenho em

tarefas de nomeação rápida correlaciona-se também com o desempenho em medidas de

leitura fluente de textos. Assim, a rapidez é fator importante para leitura textual fluente.

A habilidade em formar representações ortográficas de palavras é importante para o

reconhecimento correto e rápido.

252

ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO

A intervenção precoce, os ensinos intensivos e de alta qualidade e com duração

suficiente precisam estar presentes para a eficácia do tratamento. Ensinar a criança

disléxica a ler tem como princípio as mesmas habilidades para ensinar qualquer outra

criança a ler. O objetivo principal consiste em tornar o leitor independente e com as

construções neurais estabelecidas (SHAYWITS, 2006, p. 192, 193).

A fluência é de suma importância para a adequação da leitura, vindo da prática

repetida da mesma palavra, por volta de quatro vezes, para que as redes neurais se

fortaleçam. Segundo a autora Shaywitz (2006, p. 202), a prática da fluência pode

começar no início da alfabetização. Existem diversas estratégias para melhorar a

fluência, tais como a utilização de leituras dramáticas, ler e reler músicas ou poemas

simples, com duração aproximada entre cinco e seis minutos. Com o treino adequado os

alunos lêem de forma mais fluente e precisa.

O Objetivo do estudo é descrever e analisar comparativamente o desempenho em

nomeação no Teste de Nomeação por Confronto Visual, de crianças e adolescentes sem

queixas escolares e aquelas diagnosticadas com dislexia, e predizer se tal instrumento é

sensível para a discriminação da competência de nomeação de ambos os grupos.

2 MÉTODO

PARTICIPANTES

Participaram deste estudo 287 crianças, sendo 127 do sexo masculino e 160 do

sexo feminino, com idades entre 8 a 12 anos, tendo como critério de inclusão estar

regularmente matriculados nas redes pública, conveniada ou particular. Foram divididos

em dois grupos: Grupo Controle composto por 271 crianças sem queixas escolares e

sem histórico de repetência; e o Grupo Dislexia, composto por 16 crianças com

diagnóstico de Dislexia, formalizado por laudo médico ou psicológico.

253

INSTRUMENTOS

Utilizou-se o Protocolo do Teste de Nomeação por Confronto Visual (Ferreira,

Nalini & Pasquali, 2011). O Teste consiste em 78 figuras as quais o examinando precisa

nomear de forma espontânea cada uma delas. Caso o examinando não consiga de forma

espontânea, o experimentador fornece uma pista semântica sobre tal figura. Se o

examinando emitir uma resposta incorreta ou não souber, uma pista fonética é fornecida

no final. A pontuação do teste é a soma das respostas espontâneas e as respostas com

pista semântica.

PROCEDIMENTOS

O presente estudo é parte dos resultados do Projeto de Pesquisa de nome “A

Avaliação Neuropsicológica de Crianças e Adolescentes com Transtorno de Déficit

de Atenção e Dislexia”, o qual foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Os participantes foram selecionados em escolas particulares, públicas e/ou

conveniadas em cidades de Goiás e Mato Grosso. A direção e coordenação das escolas

foram informadas sobre o objetivo da presente pesquisa com o ‘Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido’ (TCLE). Após a autorização da coleta de dados, a

direção assinou para cada aluno o ‘Termo de Consentimento do Responsável pelo

Participante da Pesquisa’, e selecionou os alunos de acordo com os critérios de inclusão

descritos anteriormente. Os dados do grupo clínico foram coletados em instituições que

oferecem serviços especializados em Goiânia.

Cada aluno foi informado do objetivo da pesquisa e passou por avaliação

individual, com duração de aproximadamente 30 minutos, composta por entrevista para

levantamento de dados de identificação e dados gerais de saúde e histórico clínico; e

pela aplicação do Teste de Nomeação por Confronto Visual (Ferreira, Nalini &

Pasquali, 2011).

O presente estudo concentra-se no problema de investigar se existe um

desempenho característico no Teste de Nomeação em crianças disléxicas, quando

comparadas a seus controles. Baseado na teoria apresentada anteriormente, a hipótese

básica acredita no desempenho inferior das crianças com Dislexia.

254

3 RESULTADOS

A Tabela 1 (ver abaixo) apresenta a distribuição dos participantes de

acordo com a idade e tipo de grupo, e a Tabela 2 (ver abaixo) apresenta a distribuição

dos participantes de acordo com o tipo de Escola.

Tabela 1. Distribuição dos escolares segundo a faixa etária e tipo de grupo

Tipo no Grupo Experimental

Grupo Controle Grupo Dislexia Total

Idade do Participante 8 53 1 54

9 57 3 60

10 68 4 72

11 58 5 63

12 35 3 38

Total 271 16 287

Tabela 2. Distribuição de escolares segundo o tipo de Escola

Tipo no Grupo Experimental

Total Grupo Controle Dislexia

Tipo de Escola Pública 126 10 136

Particular 145 6 151

Total 271 16 287

Para a análise estatística dos dados, utilizou-se o programa computacional SPSS

versão 18.0. Com o teste não-paramétrico Kolmogorov-Smirnov, ver Tabela 3 buscou-

se analisar a normalidade da variável Pontos de Nomeação nos grupos de crianças sem

queixas escolares (controle) e de crianças diagnosticadas com Dislexia, como dois

grupos independentes.

Tabela 3. Teste de Kolmogorov-Smirnov de Normalidade

Pontos no Teste de Nomeação

N 271

Parâmetros Normais Média 73,06

Desvio Padrão 3,633

Kolmogorov-Smirnov Z 2,097

Significância Bicaudal < 0,001

255

Devido à falta de normalidade da referida variável (p < 0,001), nos dois grupos

inclusive, utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney para comparar a

posição média (ranking médio) dos grupos e avaliar a significância das diferenças entre

os dois grupos independentes. Tal teste, conforme mostrado na Tabela 4 (ver abaixo)

indicou que as diferenças são estatisticamente significativas (p < 0.001), corroborando a

hipótese levantada, ou seja, observou-se em crianças disléxicas desempenho inferior no

Teste de Nomeação (ranking médio igual a 35,00) quando comparadas ao Grupo

Controle (ranking médio igual a 150,44).

Tabela 4. Resultado do Teste de Mann-Whitney comparando as posições médias

demonstrando a posição média de desempenho nos dois grupos no Teste de

Nomeação

Grupo N Posição Média

Pontos no Teste de

Nomeação

Controle 271 150,44

Dislexia 16 35,00

Total 287

Mann-Whitney 424,00

Significância Bicaudal < 0,001

A Tabela 5 apresenta outras estatísticas do desempenho dos grupos quanto aos

pontos no Teste de Nomeação. Pode-se ver que a média obtida no Grupo Controle

(73,06) é superior à média ocorrida no Grupo Dislexia (60,19), configurando-se em

evidência positiva da hipótese testada neste trabalho. Percebe-se, inclusive, que a

ausência de interseção nos intervalos de confiança de 95% das médias populacionais,

por um extenso intervalo (maior que os outros dois intervalos juntos), apóia novamente

o fortalecimento da hipótese de que o desempenho no grupo de crianças disléxicas é

realmente inferior ao de seus controles.

Tabela 5. Desempenho dos Grupos Controle e Dislexia quanto a pontos no Teste de

Nomeação.

Grupo Controle

Média 73,06

95% Intervalo de Confiança

Limite Inferior 72,63

Limite Superior 73,50

Desvio Padrão 3,633

Grupo Dislexia

Média 60,19

95% Intervalo de Confiança

Limite Inferior 55,72

Limite Superior 64,66

Desvio Padrão 8,384

256

4 DISCUSSÃO

O objetivo do presente trabalho foi estudar comparativamente o desempenho em

nomeação no Teste de Nomeação por Confronto Visual, de crianças e adolescentes sem

queixas escolares e aquelas diagnosticadas com Dislexia, sendo que foi possível

verificar estas diferenças e também apoiar o uso do instrumento utilizado na

investigação de nomeação.

Conforme anteriormente descrito na literatura (Nelson, 1996, apud STIVANIN,

SCHEUER, 2005, p. 427), a nomeação de figuras depende de idades mais precoces, e

envolve identificar o objeto, ativar o nome do objeto no arquivo lexical, e generalizar a

resposta. A nomeação rápida também inclui habilidades do processamento fonológico,

como a consciência fonológica, memória fonológica e o processamento auditivo.

(CAPELLINI et al., 2007, p. 114, 115).

Os escolares do grupo controle não encontraram problemas em nomear as

figuras do Teste de Nomeação por Confronto Visual. Já os escolares com Dislexia

apresentaram baixa pontuação em tarefas de nomeação das figuras no teste. Como a

nomeação depende de habilidades do processamento fonológico, estes resultados são

justificados pelas dificuldades presentes no transtorno, mais precisamente nas

habilidades de consciência e memória fonológica para a ativação do nome do objeto no

arquivo lexical (CAPOVILLA et al. 2007).

Escolares disléxicos apresentaram desempenho inferior, comparados a seus

controles, e assim a hipótese do presente estudo foi então confirmada, ou seja, crianças

disléxicas respondem pior a tarefas que envolvem habilidades de nomeação, quando

comparadas a seus pares. Portanto o Teste de Nomeação por Confronto Visual é

sensível para auxiliar no diagnóstico do transtorno.

Os achados deste estudo foram de encontro a estudos já realizados da literatura

sobre nomeação em crianças disléxicas, nos quais respondem com dificuldades tarefas

de nomeação e apresentam desempenho inferior quando comparadas a seus controles.

(CAPELLINI et al., 2007; STIVANIN, SCHEUER, 2005).

Como considerações finais mencionam-se a importância de que programas

educacionais incluam como atividade preparatória à alfabetização a exposição e

incentivo a aquisição de habilidades de nomeação. Programas remediativos de

alfabetização também devem utilizar este conhecimento na proposta de atividades.

257

Sugere-se ainda um estudo dos itens do teste considerando- se diferentes

categorias, no intuito de especificar do ponto de vista neuropsicológico a natureza dos

déficits apresentados na produção de nomeação e se estes estão relacionados a

categorias de seres vivos e não-vivos.

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261

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA

ADRIANE AIRES CRUVINEL MACHADO

DESEMPENHO DE LEITURA E ESCRITA EM ESCOLARES SEM QUEIXA E

COM CO-MORBIDADE DISLEXIA-TDA/H

GOIÂNIA

2011

262

ADRIANE AIRES CRUVINEL MACHADO

DESEMPENHO DE LEITURA E ESCRITA EM ESCOLARES SEM QUEIXA E

COM CO-MORBIDADE DISLEXIA-TDA/H

GOIÂNIA

2011

Artigo apresentado à coordenação de pós graduação

Lato Senso da Pontifícia Universidade Católica de

Goiás como requisito parcial para a obtenção do

título de Especialista em Neuropsicologia sob

orientação dos professores: Weber Martins, PhD e

Sandra Barboza, MS.

263

ADRIANE AIRES CRUVINEL MACHADO

DESEMPENHO DE LEITURA E ESCRITA EM ESCOLARES SEM QUEIXA E

COM CO-MORBIDADE DISLEXIA-TDA/H

Artigo apresentado ao Curso de Pós-graduação em Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em neuropsicologia.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. PhD. Weber Martins

Orientador-Presidente

______________________________________

Prof. Sandra de Fátima Barboza Ferreira

Membro Convidado

Goiânia, ___ de _____________ de 2011.

264

Desempenho em leitura e escrita em escolares sem queixa e

com co-morbidade Dislexia-TDA/H 1

Performance of reading and writing in school without complaint and

with co-morbidity dyslexia TDA/H

Adriane Aires Cruvinel Machado 2

Resumo

Caracterizar o desempenho de escolares com co-morbidade dislexia-TDA/H em leitura e escrita e compará-los com o desempenho de escolares sem queixa. Participaram deste estudo 279 escolares na faixa etária de oito a doze anos de idade de escolas públicas e particulares, divididos em dois grupos: Dislexia-TDA/H e um grupo de crianças com bom desempenho escolar. Os resultados revelaram diferenças estatisticamente significantes, evidenciando desempenho superior do grupo controle em relação ao grupo com co-morbidade Dislexia-TDA/H. Os resultados corroboram estudos anteriores e evidencia a necessidade de programas de atenção especial a leitura e a escrita voltada para o grupo com co-morbidade.

Palavras-chave: Dislexia; TDA/H, Desempenho Escolar.

Abstract

Characterize the performance of students with dyslexia co-morbidity ADD/H in reading

and writing and compare them with the performance of children without complaint. The

study included 279 schoolchildren aged from eight to twelve years of public and private

schools, divided into two groups: Dyslexia, ADD/H and a group of children with good

school performance. The results revealed statistically significant differences,

evidencing superior performance from the control group to those with co-morbidity. The

results corroborate previous studies and evidence the need of programs of special

attention for reading and writing focused on the group with co-morbidity.

Key-words: Dyslexia, TDA/H, Academic Performance.

1 Este trabalho é parte do projeto de pesquisa “Avaliação Neuropsicológica de crianças e Adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Dislexia”, conduzido pelos professores Weber Martins, PhD e Sandra de Fátima Barboza Ferreira, Ms. 2 Pós-graduanda do curso de Neuropsicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Goiânia/Goiás.

265

1 INTRODUÇÃO

Leitura e escrita são formas mais elevadas de linguagem, e exigem um

processo lingüístico, anatômico e neuropsicológico altamente complexo.

Vygotsky e seus colaboradores realizaram diversos experimentos para estudar

funções psicológicos superiores ou processos mentais superiores. Inclusive a

apropriação da linguagem depende do desenvolvimento das funções

psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1988).

Para Vygotsky o cérebro não é um sistema de funções fixas e imutáveis,

mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de

funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do

desenvolvimento individual. A linguagem é o sistema simbólico básico de todos

os grupos humanos (OLIVEIRA, 1991).

A questão do desenvolvimento da linguagem e suas relações com o

pensamento é um dos temas centrais das suas investigações. Para Vygotsky

(1989) é por meio da relação com os outros que o sujeito estabelece relações

com objetos de conhecimento. Aponta para o signo como mediador social. A

linguagem assume ao mesmo tempo os papeis de integrar os processos

mentais e mediá-los com o mundo social (MASSI, 2007).

Gil (2005) em outras palavras reforça a conceituação de Vygotsky ao

dizer que a linguagem é um instrumento privilegiado dos seres humanos,

sendo um veículo privilegiado do pensamento. É concebida como instituições

sociais construídas por um sistema estruturado de signos que exprimem idéias,

das quais a fala é a manifestação.

A avaliação de Luria segue essa mesma linha de reflexão. Fala sobre a

compreensão das funções mentais enquanto sistemas funcionais, sem

localização específica no cérebro de grande plasticidade. Na avaliação da

interação entre o cérebro e os processos mentais humanos, Luria identificou

três sistemas funcionais, cuja participação se torna necessária para qualquer

tipo de atividade mental (VYGOTSKY, 1989).

A neuroplasticidade das funções nervosas está entre as principais

contribuições à neurociência. Luria trouxe essa nova perspectiva ao estudar o

trabalho cerebral nos processos mentais: fala, memória, percepção,

266

pensamento, organização do movimento e ação. Nasce a neuropsicologia cujo

objetivo é investigar o papel individual de sistemas cerebrais nas formas

complexas de atividade mental (LEFÈVRE, 1989).

Para Luria nenhuma área do cérebro pode assumir total responsabilidade

por qualquer comportamento humano voluntário ou superior, como por

exemplo, a aprendizagem da leitura. Esta se fundamenta em uma interação

dinâmica e sistêmica de muitas áreas do cérebro. É o produto final da interação

das áreas cerebrais coordenadas pelos sistemas funcionais (LURIA, 1990).

Segundo Fonseca (2001) a leitura é um processo complexo que envolve

inúmeros sistemas funcionais neuropsicologicamente integrados. Para ler e

escrever o sistema funcional complexo entra em ação através de seus

subsistemas: visuais, auditivos, tátil-cinestésicos e motores, subléxicos, léxicos,

cognitivos e metacognitivos, interagindo seqüencialmente. Assim é possível

verificar disfunções em um ou mais desses subsistemas, sinalizando uma

dislexia. Qualquer área do cérebro pode participar em vários sistemas

funcionais ao mesmo tempo, reforçando aqui a plasticidade do órgão da

aprendizagem.

A organização para a leitura e escrita varia muito, pois não depende

apenas de um fator. As principais áreas corticais de controle da linguagem (fala

e escrita) estão situadas no hemisfério esquerdo. Para realizar a leitura é

necessária a participação da conexão existente entre o córtex visual (lobo

occipital) onde são identificados os grafemas e a área de Wernicke (lobo

temporal) onde os símbolos gráficos da escrita são reconhecidos e

compreendidos. O início do movimento para a escrita parte do córtex da área

de Broca, organizando os atos motores no momento do ditado, cópia e geração

endógena. Esta área recebe informações visuais e auditivas, facilitando o

planejamento do controle da mão (ROCHA, 1999).

A leitura e a escrita envolvem habilidades cognitivas complexas, além da

capacidade de reflexão sobre a linguagem no que se refere aos aspectos

fonológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. O processamento lingüístico

da leitura através da via não lexical e por meio da via lexical acontece em áreas

associativas do cérebro. É necessária a conscientização da estrutura fonêmica

267

da linguagem e das unidades auditivas, que são representadas por diferentes

grafemas, além de envolver diversas áreas cerebrais (SANTOS, 1998).

Assim fica mais fácil entender que a leitura de um texto é feita pelo

cérebro como um todo e não somente pelo reconhecimento do significado de

cada grafema. É possível encontrar uma criança com o lobo occipital perfeito e

com capacidade em decodificar e reconhecer grafemas e ao mesmo tempo não

saber ler. É possível ter um aluno com o lobo temporal funcionando sendo

também capaz de reconhecer e decodificar cada fonema apresentado e não

saber escrever. O cérebro a partir de algumas informações visuais é capaz de

fornecer o contexto de um texto lido (ROCHA, 1999).

A produção da linguagem seria feita pela ativação da área de broca a

partir da idealização das frases na área de Wernicke, da seguinte forma: a

ativação da área de Wernicke leva a compreensão da linguagem a partir da

recepção dos fonemas na área auditiva localizada no lobo temporal, enquanto

que a compreensão da linguagem escrita dependeria da ativação da mesma

área de Wernicke, a partir de estímulos visuais decodificados no córtex do lobo

occipital (WEINER, GOETZ, 2003).

Na região occipital, o córtex visual primário é o responsável pelo

processamento dos símbolos gráficos, e as áreas do lobo parietal são

responsáveis pelas questões viso-espaciais da grafia e da leitura. As

informações processadas nessas áreas são reconhecidas e decodificadas na

área de wernicke, responsável pela compreensão da linguagem, e a expressão

da linguagem escrita envolve a ativação de áreas do córtex motor primário e da

área de Broca (WEINER, GOETZ, 2003).

A dislexia é neurobiológica que afeta a aquisição leitura e escrita. Os

disléxicos têm dificuldades na decodificação, ou seja, na conversão

fonema/grafema, ou ainda, compreender que aquela letra faz aquele som e que

para ser lida um som se une ao outro, formando sílabas, palavras, frases, e

assim por diante. Estes cometem trocas de letras, inversões, substituições,

equívocos, tanto na leitura como na escrita. Enquanto que crianças com TDA/H

lêem bem no quesito decodificação, mas se perdem nas questões atencionais,

não se atendo ao conteúdo da mensagem, perdendo o fio da meada e, muitas

vezes, sendo ineficientes. Muitos confundem essas duas patologias que

268

também podem se apresentar juntas, no mesmo indivíduo (CALLARI E

JARDINI, 2010).

A co-morbidade Dislexia-TDA/H é mais do que uma simples associação

de transtornos. A presença de ambos representa fatores de risco para o mau

rendimento escolar. Diagnosticar não é fácil, ambos estão associados a

múltiplos déficits neuropsicológicos, inclusive a um comprometimento das

funções executivas. Deve ser levado em consideração à superposição de

sintomas comportamentais que podem existir entre dislexia e o TDA/H, e

também, as influências que pode sofrer do ambiente levando a se modificar ao

longo do desenvolvimento (SOUZA, PINHEIRO, FORTES, PINNA, 2007).

A presença da co-morbidade Dislexia-TDA/H leva crianças a

apresentarem mais problemas comportamentais, emocionais, mais abandono

escolar e um pior prognóstico quando comparadas a um grupo com TDA/H ou

com dislexia isoladamente. A co-morbidade aumenta o comprometimento do

processamento de leitura que depende da atenção uma função

neuropsicológica que está diretamente ligada a outras funções, além de

selecionar informações relevantes e ignorar estímulos menos importantes

(SOUZA, PINHEIRO, FORTES, PINNA, 2007).

Dislexia e TDA/H são duas coisas diferentes, embora crianças possam tê-

las. Os aspectos mais comuns do TDA/H são distração, impulsividade e

hiperatividade. Causado por fatores neurobiológicos que influenciam a

atividade neurotransmissora em certas áreas do cérebro, como na dislexia

freqüentemente existe uma ligação genética. Pode-se lidar satisfatoriamente

com o TDA/H com uma combinação de terapia comportamental, cognitiva e

medicação. Crianças com TDA/H podem ser diagnosticadas mais cedo do que

as com dislexia pela excessiva desorganização. É necessária uma avaliação

completa, para o diagnóstico da co-morbidAde (FRANK, 2003).

Segundo a American Psyctric Association através do manual diagnóstico

e estatístico de transtornos mentais - DSM-IV-TRTM (2002) indivíduos disléxicos

apresentam leitura oral caracterizada por distorções, substituições ou

omissões, e isso ocorre tanto na leitura quanto na escrita, com erros inclusive

de compreensão.

269

A co-morbidade Dislexia-TDA/H são duas condições diferentes, embora

algumas crianças possam tê-las. Os aspectos mais comuns do TDA/H são

distração, impulsividade e hiperatividade. A criança com TDA/H apresenta

pouca atenção às tarefas, controle deficiente dos impulsos, atividade excessiva

e agitação psicomotora. Se uma criança tem Dislexia-TDA/H é mais provável

que o TDA/H seja diagnosticado primeiro (FRANK, 2003).

Inúmeros trabalhos relataram as dificuldades cognitivas e

comportamentais associadas ao TDA/H, mesmo que em alguns estudos seja

difícil distinguir se os déficits estão associados ao TDAH, exclusivamente, ou

com outras alterações comorbidas com o transtorno de aprendizagem. Ha

alterações das funções executivas na zona em que sobrepõem ou entrelaça

ambos os transtornos. A alteração das funções executivas afeta a capacidade

para atender de forma seletiva os estímulos, para manter a atenção e o esforço

na tarefa, para inibir as respostas, para selecionar e memorizar estímulos e

para organizar, controlar e planejar o comportamento (MESSINA, TICDEMAN,

2004).

A dislexia é o transtorno de aprendizagem mais comum, ocorrendo em

cerca de 8% das crianças em idade escolar. Estimativas utilizando critérios

mais elásticos apontam para a prevalência de transtorno de aprendizagem em

25% das crianças com TDA/H. Não são incomuns a co-morbidade com a

dislexia e a estes estão associados múltiplos déficits neuropsicológicos, e em

particular, um comprometimento das funções executivas (MESSINA,

TICDEMAN, 2004).

O objetivo do estudo foi comparar o desempenho de leitura e escrita em

escolares com co-morbidade Dislexia/TDAH e controles de uma amostra. Com

base nos achados da literatura, a hipótese foi de que o grupo experimental

apresentaria desempenho inferior ao grupo controle.

2 MÉTODO

2.1 Participantes

Esse estudo contou com 271 crianças (121 meninos e 150 meninas) do

Grupo Controle sem histórico de repetência ou queixas escolares. Os outros 8

270

participantes (4 meninos e 4 meninas) constituíram o Grupo Experimental,

possuíam diagnóstico de co-morbidade Dislexia/TDAH com laudo formalizado

por Médico ou psicólogo.

2.1.1 Critérios de inclusão do grupo controle (sem queixas escolares):

• Crianças com idade de 8 a 12 anos;

• Não possuírem: queixas escolares, histórico de repetência;

• Estarem regularmente matriculadas em escolas públicas e privadas do

Estado de Goiás e Mato Grosso que autorizasse formalmente a coleta

de dados figurando como instituições co-participantes;

• Aceitarem o convite para participar da pesquisa;

• Assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) por

pais ou responsáveis.

2.1.2 Critério de inclusão do grupo clínico (Dislexia/TDA/H):

• Crianças com idade de 8 a 12 anos;

• Estarem regularmente matriculadas em escolas públicas e privadas do

Estado de Goiás e Mato Grosso e ter vínculo com instituições de

atendimento especializado;

• Possuírem diagnóstico de Dislexia/TDA/H formalizado com laudo médico

ou psicológico;

• Aceitarem o convite para participar da pesquisa;

• Assinatura do TCLE por pais ou responsáveis.

2.2 Instrumentos

A pesquisa utilizou os seguintes instrumentos:

• Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo dados

de identificação do sujeito, bem como explicação dos objetivos da

pesquisa.

• Folha de registro contendo entrevista exploratória sócio-demográfica

com questões relativas à escolaridade, ocupação, uso de

medicamentos, condições gerais de saúde e lateralidade.

Protocolo (Manual / Crivo / Folha de Registro) do Teste de Desempenho

Escolar – TDE, subteste de escrita (Stein, 1994), O TDE “é um instrumento

psicométrico que busca oferecer de forma objetiva uma avaliação das

271

capacidades fundamentais para o desempenho escolar, mais especificamente

da escrita, aritmética e leitura”. Para esta amostra usou o subteste escrita e

leitura (STEIN, 1994).

Caneta, lápis, borracha e gravador.

2.3 Procedimento

A coleta de dados para a pesquisa seguiu a seguinte seqüência:

2.3.1 - A pesquisa foi iniciada após a autorização pelos pais, responsáveis

ou diretores das escolas, através do Termo e Consentimento Livre e

Esclarecido. Foi fornecida a informação prévia de que a aplicação do protocolo

teria duração aproximada de 20 minutos (cinco minutos de entrevista, a prova

de ditado com duração aproximada de dez minutos, a prova de leitura com

duração aproximada de cinco minutos);

2.3.2 - Utilizou-se folha de registro contendo entrevista exploratória sócio-

demográfica feita com os pais da criança para o levantamento de dados para a

pesquisa. Constando: á escolaridade, ocupação, uso de medicamentos,

condições gerais de saúde e lateralidade do nome do aluno, data de

nascimento, idade, escolaridade, tipo de escola, ocupação dos pais, renda

familiar, nº de pessoas que residem na mesma casa, algum acidente e cirurgia

já realizadas.

2.3.3 - Após o consentimento da escola e assinatura do TCLE pelos pais

ou responsáveis, a coordenação da escola selecionou as crianças obedecendo

aos critérios de inclusão (sem queixas escolares, sem repetência, de 8 a 12

anos);

2.3.4 - Após o experimentador estabelecer um contato com os sujeitos e

explicar os objetivos das atividades, solicitava ao sujeito que se posicionasse

nos lugares estabelecidos.

2.3.5 - foram submetidos à aplicação do subteste Desempenho Escolar

TDE utilizado para medir a leitura dos escolares, composto por 70 palavras

lidas pelos escolares e gravadas. Foi orientado que seria registrado o tempo

através de um cronômetro.

272

2.3.6 - realizou-se aplicação do subteste escrita de forma individual, em

sala apropriada indicada pela direção da escola. Segue a instrução dada às

crianças que sofreu pequena adaptação comparada à instrução original:

“vamos fazer agora uma tarefa de ditado. Primeiro você escreve o seu nome

completo aqui (indicava o local na folha de registro do teste), e depois eu vou

ler a palavra para você escrevê-la aqui (indicava o local na folha de registro do

teste). Compreendeu? Alguma dúvida?” Se não manifestava dúvida, iniciava o

ditado. Durante a aplicação quando a criança solicitava que a palavra fosse

repetida, isso lhe era concedido.

2.3.7 - Realizada a correção do subteste escrita que constitui de ditado de

34 palavras. Cada palavra escrita corretamente atribuía-se um ponto, inclusive,

para a grafia correta do nome do participante conforme orientação do manual

do TDE (STEIN, 1994). Assim, o sujeito poderia alcançar o número máximo de

35 pontos.

2.3.8 - Aplicação do Subteste de Leitura do TDE (STEIN, 1994) composto

por 70 palavras que foram lidas pelo aluno. A leitura do aluno foi gravada em

áudio.

2.3.9 - Análise estatística: Nesta etapa registrou-se no banco de dados a

pontuação obtida pelos sujeitos utilizando software Statistical Package for

Social Science – SPSS - versão 18.0, Os dados foram analisados de forma

descritiva (média, Desvio-padrão) e inferencial (teste de comparação entre

médias). E, posteriormente, realizada análise estatística dos dados optando-se

pelo Teste não-paramétrico Mann Whitney para comparação entre médias.

3 RESULTADOS

Os dados da amostra foram analisados estatisticamente pela aplicação do

programa computacional SPSS - versão 18,0, formada por grupo controle (271

participantes) e grupo experimental (8 participantes), crianças e adolescentes

de escola pública e particular. Realizou-se tratamento estatístico usando o

Teste de Desempenho Escolar - TDE (STEIN, 1994) nas comparações

envolvendo participantes de ambos os grupos.

Observa-se na figura 1, que no grupo controle há prevalência de

participantes de 10 anos e representação equilibrada dos participantes de 9 e

11 anos. Nota-se, ainda, índice menor de participantes de 8 e 12 anos. No

273

grupo experimental, há predomínio de Dislexia-TDA/H em participantes de 10

anos, apesar da pequena amostra, e menor predomínio em escolares de 12

anos.

0

20

40

60

80

8 9 10 11 12

idade (anos)

freq

. abs

olut

a

01122334

8 9 10 11 12

idade (anos)

freq

. abs

olut

a

(a) (b)

Figura 1 – Distribuição de freqüência (a) grupo controle, (b) grupo experimental.

Para a avaliação dos dados, em consideração à ausência de normalidade

das variáveis estudadas, demonstrada pelo uso do teste de Kolmogovov–

Smirnov (p<0.001), utilizou-se de testes não-paramétricos. O teste escolhido foi

Mann-Whitney, indicando diferenças estatisticamente significativas (p<0.001) e

corroborando a hipótese considerada, ou seja, o desempenho dos participantes

do grupo clínico (Dislexia/TDA/H) na leitura e escrita como inferior quando

comparado ao grupo controle (sem queixas escolares).

A Tabela 1 destaca os resultados obtidos pelos participantes do grupo

controle (sem queixas escolares) e clínico (Dislexia-TDA/H) nos subtestes de

leitura e escrita do Teste de Desempenho Escolar - TDE (STEIN, 1994).

Tabela 1 – Estatísticas dos grupos controle e experimental.

Pontos do TDE Pontos do TDE Tempo do TDE

subteste de escrita subteste de leitura subteste de leitura

Estatística Cont. Exp. Cont. Exp. Cont. Exp.

Média 28.73 12.63 64.62 29.75 122.91 604.50

Limite Inferior 28.16 2.56 63.78 9.01 116.92 270.84 Intervalo de Confiança de

95% Limite Superior 29.30 22.69 65.46 50.49 128.90 938.16

Desvio-padrão 4.80 12.03 7.02 24.81 50.09 399.10

Mínimo 14 1 25 3 54 130

Máximo 35 33 126 67 342 974

Significância (p_unicaudal) <0,001 <0,001 <0,001

Verifica-se que, na avaliação da escrita, os grupos apresentam diferença

significativa ao nível de 0,1%, confirmando a hipótese de inferioridade do grupo

274

experimental. A significância efetiva menor que 0,001 indica muito baixa

probabilidade das diferenças observadas serem apenas produto do acaso (erro

amostral).

Analisando os dados apresentados, constata-se que estatisticamente o

grupo experimental se mostra inferior ao grupo controle na variável tempo. O

grupo experimental apresenta alta discrepância em relação ao grupo controle.

A avaliação da leitura e escrita foi realizada por meio da pontuação da

idade das crianças segundo critérios propostos por (STEIN, 1994). Outro

aspecto a ser mencionado em relação ao grupo experimental além de

apresentarem dificuldade na escrita, inclusive demonstrou dificuldade em

relação à leitura. O desempenho dos participantes registrou abaixo do

esperado para a idade cronológica.

4. DISCUSSÃO

O objetivo do estudo foi comparar o desempenho de leitura e escrita em

escolares com co-morbidade Dislexia-TDAH e controles de uma amostra. Com

base nos achados da literatura, a hipótese foi de que o grupo experimental

apresentaria desempenho inferior ao grupo controle.

Os resultados encontrados neste estudo acataram a hipótese levantada,

ou seja, o rendimento do grupo experimental foi inferior ao grupo controle.

Conforme destacado não são incomuns a co-morbidade com a dislexia e

TDA/H observando-se alterações na leitura em particular e comprometimento

das funções executivas (MESSINA, TICDEMAN, 2004).

Conforme Frank (2003) crianças com co-morbidade Dislexia-TDA/H

experimentam dificuldades no processamento da linguagem escrita e leitura.

Acham difícil aprender a ler, escrever ou expressar os pensamentos no papel,

escrevem menos palavras. Dispensam menos atenção nas tarefas e no

domínio da caligrafia nos primeiros estágios da escrita.

As dificuldades apresentadas pelo grupo experimental mostraram-se

presentes tanto na pontuação da prova de leitura como no tempo de leitura e

pontuação escrita/ditado, evidenciando a necessidade de programas de

atenção especializada a crianças com TDA/H e Dislexia.

275

.

Como considerações finais sugere uma investigação detalhada do tipo de

erros cometidos pelas crianças, com vistas a oferecer subsídios ao programa

de intervenções pedagógicas.

A neuropsicologia se direciona para a busca de analisar questões que

continuam abertas a novas investigações. Este estudo foi relevante para

confirmar dados pré-existentes na literatura bem como ampliar o conhecimento

sobre o tema.

276

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278

A DISCRIMINAÇÃO SOCIAL SOFRIDA PELOS OBESOS QUE FAZEM TRATAMENTO NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DO ACRE

MIRCLEIDE TAVARES MOTA

Bacharela em Serviço Social pelo IESACRE

Pós-graduada em Políticas Públicas pela PUC-Goiás

Pós-graduanda em Gerenciamento de Projetos pela PUC-Goiás

E-mail: [email protected]

Orientadora: Érica Vasconcelos das Neves - Pós-graduada em Gestão Escolar

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é analisar as comorbidades e problemas psicossociais decorrentes da obesidade, uma questão de saúde pública em evidência no Brasil e no mundo, dando-se ênfase ao programa de atendimento aos portadores de obesidade, instituído pelo Hospital das Clínicas do Acre, onde os pacientes obesos recebem acompanhamento psicológico, nutricional e de condicionamento físico na tentativa de controle da enfermidade e, como último recurso a cirurgia bariátrica. Procuramos levantar não somente o número de obesos atendidos, como também a forma como estes se apresentam perante a sociedade, com a finalidade de compreensão da atual situação de exclusão social destes indivíduos no Município de Rio Branco.

Palavras-chave: Obesidade. Saúde. Preconceito. Exclusão Social.

ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze comorbidity and psychosocial problems arising from obesity, a public health issue in evidence in Brazil and abroad, giving emphasis to the program of care for patients with obesity, established by the Clinical Hospital of Acre, where obese patients receive psychological, nutritional and physical fitness in an attempt to control the disease and as last resort to bariatric surgery. We seek to raise not only the number of obese patients treated, but also how they present themselves to society, in order to understand the current situation of social exclusion of these individuals in the city of Rio Branco.

Keywords: Obesity. Health. Prejudice. Social Exclusion.

INTRODUÇÃO

O presente artigo surgiu da necessidade de traduzir em palavras as dificuldades

geradas pela obesidade, através de situações vivenciadas. O preconceito, a discriminação,

os problemas de saúde físicos e psíquicos, são fatores presentes na vida de todo portador de

279

obesidade e o estudo destes almeja levar a compreensão e o acolhimento destes indivíduos

como parte ativa de nossa sociedade.

É inegável a posição excludente exercida por um grande número de pessoas em

relação aos obesos que são tratados como “seres bizarros”, necessitando de adequação aos

arquétipos impostos. Esquecem-se de que são humanos, portadores de uma enfermidade

severa, que gera uma série de outras doenças, sendo as mais cruéis as de cunho psicológico

agravadas ainda mais pela exclusão social.

Este artigo visa trazer à superfície a questão da exclusão e suas consequências,

numa tentativa de alertar a sociedade sobre o papel que esta desempenha junto à

problemática, ao tempo em que espera aportar de forma positiva com informações

relevantes aos portadores de obesidade.

1. HISTÓRICO DA OBESIDADE

Há pelo menos 5 ou 6 milhões de anos, os nossos ancestrais tinham acesso à

alimentação através da caça, andando horas e horas à procura de árvores frutíferas e

disputavam com outros carnívoros a posse das carcaças de animais e, ainda tinham o

sacrifício de carregar as provisões nas costas para dar de comer à família nas cavernas.

Isso mostra que nessa época o ato de comer era uma tarefa muito difícil, exigindo

planejamento para garantir que a energia despendida na busca seria compensada pelo

número de calorias conferidas pela refeição obtida.

No decorrer da história, a obesidade foi vista de diferentes formas. Em algumas

civilizações na antiguidade ser gordo era considerado sinal de sucesso. Em outras, como no

Japão medieval era considerado um deslize moral cometido pelo indivíduo. O preconceito

contra o obeso é conhecido desde a Grécia de Aristóteles, quando se achava que os gordos

tinham mau caráter. Na Idade Média, dizia-se que as pessoas gordas eram dominadas pela

gula e preguiça, dois dos sete pecados capitais.

Já no início do século XX, as mulheres ocidentais procuravam ter um corpo

esbelto, reconhecendo que o corpo, que antes era sinônimo de beleza e sucesso, agora

representa um mal à saúde. Portanto, a valorização exagerada da aparência física passou a

depender mais do corpo, dando início aos rigorosos regimes, cirurgias plásticas e

consequentemente os distúrbios alimentares.

280

O contexto sócio-histórico em que vivemos interfere nas formas de significado

social e a questão de gênero também passa por este processo. O corpo da mulher é, em si,

uma situação social, e não resultado de um determinismo biológico individual. Pensamos

que a obesidade, bem como a magreza feminina, deve ser entendida da mesma forma, sob

a lente das relações sociais e dos sistemas de gênero, dentro de um contexto sociocultural.

Pesquisas divulgadas pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da

Síndrome Metabólica (ABESO) revelam que “na América Latina 200 mil pessoas em

média morrem em decorrência das comorbidades1 relacionadas com a obesidade, essa

preocupação se torna ainda maior devido ao número crescente da doença”. (GARRIDO,

2002, p.327).

Com relação ao Brasil, na atualidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2010), em parceria com o Ministério da Saúde, realizou uma pesquisa

em 2010, que possibilitou uma análise nutricional da população brasileira. Os resultados

mostraram que no Brasil, o excesso de peso já constitui um problema maior do que a

desnutrição.

A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo IBGE entre 2008 e 2009,

constatou que 48,1% dos adultos brasileiros estão acima do peso e 15% são obesos.

1.1 CONCEITO DE OBESIDADE

Obesidade é o acúmulo de gordura corporal ou um distúrbio metabólico e

nutricional frequente que se traduz pelo excesso de peso corporal. É uma doença crônica

não transmissível caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no tecido adiposo. Tem

múltiplas causas, dentre as quais destacamos os fatores biológicos, psicológicos,

ambientais, culturais e sociais.

A obesidade é atualmente assunto de interesse universal, com grande preocupação

por parte dos governos, representados através da Organização Mundial de Saúde (OMS),

órgão subordinado a Organização das Nações Unidas (ONU), se tornando uma questão de

saúde pública mundial, atingindo homens e mulheres de todas as etnias e idades, crescendo

a níveis de epidemia, sendo um problema de saúde dos mais importantes devido às

complicações que a acompanham. É fator de risco para patologias graves, como a diabetes,

doenças cardiovasculares, hipertensão, distúrbios reprodutivos em mulheres, alguns tipos

1Estado patológico ou doença.

281

de câncer e problemas respiratórios. A obesidade pode ser causa de sofrimento e

depressão, por provocar comportamentos de esquiva social, que prejudicam a qualidade de

vida.

O ser gordo ou magro na sociedade atual é veiculado pela mídia, que estimula o

culto ao padrão estético magro sem que se levem em conta diferenças genéticas, usando de

discriminação com o “gordo”, em propagandas e programações que reforçam a idéia de

que ser gordo pode também significar falta de controle, de impulsos e preguiça, o “ser

relaxado”, reforçando assim a baixo-estima, levando o sobrepeso a ser um fator de maior

sofrimento para aqueles que não alcançaram um corpo perfeito. A massificação, através da

mídia, desses preconceitos de conotação negativa tem deixado de lado os aspectos que

tratam a obesidade como doença.

Nota-se também que, como a obesidade é fator de risco para várias doenças,

aumentam as indicações médicas para controle de peso e inclusive a procura de produtos

saudáveis ou que controlem colesterol e açúcar.

De uma maneira mais ampla a obesidade é definida como uma síndrome marcada

por alterações fisiológicas, bioquímicas, metabólicas, anatômicas, psicológicas e sociais,

caracterizada por constante aumento da quantidade de tecido adiposo e consequente

aumento do peso corporal (DÂMASO, 1994, p. 98).

1.2 ASPECTOS SOCIAIS DA OBESIDADE

Uma das explicações que podem justificar a existência do grande contingente de

pessoas acima do peso no Brasil configura-se hoje, como uma problemática social,

podendo ainda ser entendida como uma expressão das mudanças ocorridas no mundo do

trabalho, exigindo do trabalhador mais rapidez e flexibilidade inclusive nos horários e nos

modos de se alimentar, das apelações exacerbadas ao consumo que leva os indivíduos a

comerem e não necessariamente a se alimentarem devidamente (SANTOS, 2003). A

indústria alimentícia sai vitoriosa desta ofensiva que instaura, não apenas modos de vida,

mas modos de consumir e de se alimentar em consonância com os interesses da sociedade

capitalista.

Na maioria dos casos, o excesso de peso está relacionado ao excesso de comida e

tem se agravado por conta do modo de se alimentar: a pressa, o sedentarismo, o estresse da

282

vida nos grandes centros urbanos têm se revelado fatores que agravam a obesidade e suas

consequências.

Para MOTTA,

Estas mudanças – sejam em termos de ajustes sejam em termos de reestruturação industrial – determinam novas formas de domínio do capital sobre o trabalho, realizando uma verdadeira reforma intelectual e moral, visando à construção de outra cultura do trabalho e de uma nova racionalidade política e ética compatível com a sociabilidade requerida pelo atual projeto do capital. (MOTTA, 1998, p. 29).

A sociedade capitalista é a grande responsável pelo problema da obesidade. A

cultura de massas é altamente difundida, onde a todo o momento a mídia globalizada diz o

que comer, “experimente aquilo”, “novo sabor”, e ao mesmo tempo exige que você tenha a

silhueta de um ator famoso com seu corpo atlético ou o físico esquelético de uma modelo

de passarelas. A mídia burguesa que em um programa televisivo ensina a fazer o prato

calórico para o jantar, ensina no mesmo programa a desdobrar-se para perder calorias.

Extrapola-se na valorização do poder econômico deixando de lado as

necessidades e interesses pessoais de cada um. Ganhar e consumir são os ditames da

sociedade moderna globalizada, ou seja, compre, coma, engorde, e não se encaixando nos

padrões da sociedade, consuma produtos para emagrecer, num ciclo sem fim onde o obeso

é um simples instrumento de consumo.

“Em uma estimativa de gastos no Brasil, a Força Tarefa Latina Americana de

Obesidade, revelou que as doenças relacionadas à obesidade consomem 7% das despesas

com internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS)” 2.

Para além desses índices, convém ressaltar que os prejuízos causados pela

obesidade não se limitam somente aos aspectos biológicos e econômicos, afetando também

a psique dos indivíduos e a convivência social. A compreensão da doença do ponto de vista

sociocultural reveste-se de grande importância, justificando o crescente interesse de

equipes multidisciplinares por essa temática. Assim, nas últimas décadas, a inclusão de

assistentes sociais em equipes multidisciplinares que tratem da problemática da obesidade

tem se revelado uma nova demanda para a atuação profissional.

A representação social da obesidade é responsável por estigmatizar o obeso como

alguém feio e relaxado. Essa imagem desencadeia sentimentos de solidão, insatisfação e

reclusão, caracterizando-se como novas formas de não inclusão.

2Dra. Maria Edna de Melo, responsável científica pelo site da ABESO.

283

De acordo com MARTINS,

A exclusão é apenas um momento da percepção que cada um e todos podem ter daquilo que corretamente se traduz em privação. Diante disso, ressaltamos as privações vivenciadas cotidianamente pelos portadores de obesidade, seja no mercado de trabalho onde os portadores de obesidade têm dificuldades de inserção devido aos padrões estéticos, seja na participação no mercado de consumo, que propõe majoritariamente roupas e objetos fabricados de acordo com os padrões vigentes, que priorizam a estética do magro, esbelto, oferecendo tamanhos pequenos e/ou inadequados a pessoas que não correspondam a este padrão. (MARTINS, 1997, p. 18).

A obesidade é causadora de muitas doenças que podem levar a consequências

graves, mas o pior problema enfrentado por um obeso é o preconceito. Por que o

preconceito? O preconceito leva o obeso a ser alvo de críticas e chacotas, gerando

inúmeros problemas psicossociais. Estes, por sua vez, geram ansiedade e sentimento de

culpa, levando o portador de obesidade a um círculo vicioso, ele come exageradamente

para saciar a ansiedade e o sentimento de culpa pelo exagero o deixa mais ansioso.

Na infância, os problemas relacionados à obesidade se iniciam na escola, sejam

pelos apelidos maldosos impostos pelas crianças, sejam nas dificuldades em participar de

atividades físicas e/ou brincadeiras, gerando ainda mais frustração.

A moléstia tem reflexo na adolescência, talvez a fase mais difícil, em termos

psicológicos, para um portador de obesidade. Atrelado às dificuldades inerentes a fase,

estão os aspectos emocionais decorrentes da obesidade, tornando a vida do adolescente

obeso uma constante luta por se adequar a um ambiente que o considera um ser “estranho”.

Ele não se encaixa nos padrões e os sentimentos de tristeza, irritabilidade e agressividade,

decorrentes desse sentimento de inferioridade podem ser indícios de quadros depressivos.

Na idade adulta, a cultura do corpo esbelto, a magreza imposta pelas grifes de

moda massificada por jornais, revistas e mídia televisiva levam o adulto a uma busca

frenética por um suposto bem estar que só é possível ao indivíduo que é magro, numa

alusão errônea de que magreza é sinônimo de saúde.

Do outro lado da história está a indústria da obesidade pronta para faturar com as

dietas da moda, lipoaspiração, ginástica passiva e muito mais. Todos esses métodos têm

funções bem específicas, porém, o enfoque a eles atribuído é que em muitos casos chegam

a ser uma propaganda enganosa, levando o obeso a mais e mais frustração por não

conseguir emagrecer com os métodos alardeados.

284

A privação do bem-estar também é muito comum, tendo em vista que em geral, o

estigma da obesidade favorece uma compreensão do fenômeno como “algo não estético”,

fora dos padrões de beleza, de responsabilidade individual e não como uma doença. Para

Martins (1997, p.18), “a privação hoje é mais do que privação econômica, nela se incluem

também todas as formas de preconceito e discriminação”.

Entendemos que a problemática da obesidade só pode ser compreendida em sua

totalidade se forem considerados seus vários aspectos, e como estes se desenvolvem em

meio a transformações societárias, que produzem um novo estilo de vida baseado no

sedentarismo, no estresse e no excesso de consumo dos alimentos industrializados.

2. AS FORMAS DE ENFRENTAMENTO DA EXCLUSÃO DOS PORTADORES

DE OBESIDADE NO ESTADO DO ACRE

No Brasil, e no mundo, a cada dia observa-se mais a preocupação com os danos

causados pela obesidade. A OMS estimou em 2005, 1,6 bilhão de adultos tinha sobrepeso e

400 milhões eram obesos, e segundo cálculos, o número deve chegar em 2015, a 2,3

bilhões e 700 milhões respectivamente.

A incidência cada vez maior de indivíduos com dificuldades em controlar o peso

vem sendo alvo de programas que visam à prevenção e controle da doença.

Em Rio Branco existem alguns programas de atendimento aos obesos, entre os

quais podemos citar o da Associação dos Portadores de Obesidade do Acre (APOAC) que

coordena diversas atividades físicas propondo o combate e prevenção da obesidade,

buscando a minoração da incidência das enfermidades dela advindas.

Com relação ao direito do obeso, sabemos que a maioria dos planos de saúde tem

em seus contratos cláusulas que retiram da sua cobertura algumas cirurgias utilizadas para

combater a obesidade, como as de redução do estômago entre outras, a título de “cirurgias

estéticas”, levando muitos segurados a terem que recorrer a Justiça para garantir o seu

direito, o que tem sido decidido favoravelmente pelos tribunais que consideram a cirurgia

necessária para tratamento da patologia que compromete a saúde do segurado. Também se

podem observar diversas legislações municipais e estaduais que objetivam a

regulamentação dos direitos dos obesos.

285

No Acre, não diferente do que tem acontecido nos outros estados da Federação, a

obesidade é um fator que preocupa as autoridades, já que o IBGE mostra que a capital Rio

Branco tem o maior índice de sobrepeso, 55% da população está acima do peso.

Na intenção de melhorar não só esse quadro de obesidade, como também a

discriminação vivida pelos obesos no Estado do Acre é que o Deputado Estadual José Luís

Tchê apresentou dois projetos de lei, de sua autoria que visa melhorar as condições de

tratamento aos obesos do Estado. O Projeto de Lei nº 085/07 dispõe sobre a adaptação dos

veículos de transporte público, urbano e intermunicipal do Estado, com dispositivos de

acesso às pessoas portadoras de deficiência física, obesos e gestantes, aguardando

tramitação desde 25 de outubro de 2007.

O segundo projeto, que já foi aprovado pela Assembléia Legislativa e aguarda

para ser sancionado pelo Governador do Estado do Acre, desde 27 de novembro de 2007, é

o Projeto de Lei n° 084/07, estabelece a obrigatoriedade de criação de áreas e instalação de

assentos para pessoas portadoras de deficiência e para pessoas obesas nas casas de

diversões públicas, instaladas no território acreano.

Em sua justificativa, o Deputado, explica que,

Às pessoas obesas, também é negado o direito a cidadania plena. Apesar das leis existentes, verificam-se apenas algumas ações isoladas que facilitam a vida dos integrantes desses dois segmentos sociais. São poucos os cinemas e teatros, por exemplo, que garantem o direito de ir e vir dos Portadores de Deficiência e o conforto dos obesos3.

Para o autor da lei, os obesos também sofrem discriminações e passam por

situações vergonhosas, como é o caso de viagem em coletivos e assistindo espetáculos em

casas de diversão, portanto, há necessidade de se colocar em prática as normas da lei com

certa urgência.

Em seu Artigo 3º, o projeto de lei dispõe que,

Art. 3 – Para efeito de aplicação do que dispõe a presente lei, as áreas e os assentos definidos no art. 1 destinam-se a facilitar a locomoção e a permanência dos seus beneficiários nos locais de que trata.§1 – As áreas de acesso e permanência do portador de deficiência nas casas de diversão públicas respeitarão a legislação específica vigente.§2 – As poltronas ou cadeiras adaptadas ou instaladas nas casas de diversão públicas para uso das pessoas obesas devem respeitar as medidas definidas pelo Índice de Massa Corporal – IMC da Organização Mundial de Saúde.§3 – [...] (Projeto de Lei nº 084/07).

3José Luís Tchê, extraído do Projeto de Lei nº 084/07.

286

Como se pode perceber esses projetos públicos estão voltados para a inclusão dos

obesos na sociedade, levando a estas pessoas lazer e diversão sem discriminação por parte

da sociedade.

A nível nacional foi aprovado a Lei nº 11.721, de 23 de junho de 2008, de autoria

do Senador Acreano Tião Viana, que institui o Dia Nacional de Prevenção da Obesidade, a

ser celebrado anualmente no dia 11 de outubro, com o objetivo de conscientizar a

população sobre a importância de prevenir a obesidade.

De acordo com o Senador Tião Viana,

A obesidade é uma doença crônica e complexa que pode ser provocada por múltiplos fatores, entre eles os genéticos, enzimáticos, endócrinos, familiares, dietéticos e psicológicos. A doença apresenta graves dimensões sociais e afeta praticamente todas as faixas etárias e grupos socioeconômicos4.

Este dia, de acordo com o Senador Tião Viana, é uma forma de informar e chamar

a atenção da sociedade brasileira sobre a importância de prevenção como fator de melhoria

da qualidade de vida e da adoção de hábitos alimentares saudáveis que evitem o

aparecimento de doenças.

Já no âmbito do Poder Público Municipal, a Lei nº 1.583, de 22 de dezembro de

2005, versa sobre a acessibilidade no transporte público coletivo e, em seu Artigo 5º, diz

que,

Art. 5º. As crianças de que trata o inciso VII, do artigo 1º desta Lei, pessoas obesas e mulheres visivelmente gestantes, embarcarão pela porta de saída dos veículos de transporte coletivo. § 2º - O deslocamento do veículo do local de embarque far-se-á somente após a criança, o obeso e a gestante acomodarem-se convenientemente em seu interior.§ 3º - As pessoas obesas e mulheres gestantes, de que trata o caput do presente artigo, efetuarão o pagamento da passagem ao motorista ou, na hipótese de não possuírem o valor exato da tarifa, ao cobrador.§ 4º - Para efeito desta Lei, considera-se obesa a pessoa que tem dificuldade em passar pela catraca em razão de seu peso. (Lei n° 1.583/05).

A lei tem o objetivo de regulamentar o uso do transporte coletivo pelos portadores

de obesidade, dando-lhes o direito de embarcar pela porta traseira num esforço para

minimizar as situações de constrangimento pelo qual estes passam ao utilizar o serviço.

4Senador Tião Viana, extraído da Lei nº 11.721/08.

287

No ano de 2004, o Hospital das Clínicas do Acre, objeto deste estudo, implantou

um programa diferenciado aos portadores de obesidade. No início este programa era

voltado para pacientes do hospital com necessidade de se submeter à cirurgia bariátrica

como último recurso no combate a obesidade, estes eram atendidos por uma equipe

multidisciplinar composta por clínicos, cirurgiões, nutricionistas e o assistente social do

hospital (não exclusivo do programa) fazendo um acompanhamento individual dos

pacientes.

Impulsionado pelo crescente número de obesos que procuravam os serviços

oferecidos pelo hospital, houve uma mudança na forma de proporcionar esse

acompanhamento, passando do atendimento individual aos operandos5 para o atendimento

grupal.

Com o crescimento da demanda, os médicos perceberam a necessidade de

também oferecer aos pacientes algum tipo de tratamento psicológico, visto que boa parte

dos pacientes chegava ao hospital com problemas de relacionamento e desestruturação

familiar decorrentes do preconceito à obesidade, nascendo ai o grupo terapêutico,

agregando à equipe a participação do psicólogo.

Hoje, o programa conta com um ambulatório que atende, semanalmente, cerca de

20 indivíduos, sendo que o paciente vai a um posto de saúde mais próximo de sua

residência que o encaminha ao ambulatório do Hospital das Clínicas do Acre, onde é

conduzido imediatamente a um clínico geral. O clínico geral irá verificar os problemas de

saúde do paciente, como pressão alta, problema de circulação etc. sendo que através deste

diagnóstico o paciente é encaminhado para outros especialistas.

O programa de obesidade do Hospital das Clinicas do Acre possui em sua

composição estrutural, 02 psicólogas que dão apoio psicológico a todos os pacientes e a

seus familiares; 02 nutricionistas que acompanham a alimentação dos pacientes; 02

endocrinologistas e 02 cirurgiões gerais, sendo que 01 deles é especialista em cirurgia

bariátrica.

O tratamento se inicia com consultas médicas com clínico geral e

endocrinologistas para fazerem uma avaliação sobre o seu estado de saúde. Alguns

também são encaminhados para realizarem atividades físicas no Círculo Militar, tais como

hidroginástica e caminhada no programa dirigido pela APOAC.

5Aquele que está prestes a ser operado.

288

3. OBESIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL

Wanderley (1994) destaca que os excluídos não são simplesmente aqueles

rejeitados pela física, geográfica ou materialmente alijados6 do mercado de trabalho, que

não têm acesso a bens e serviços, mas os que não têm seus valores reconhecidos, ou seja,

aqueles que são culturalmente excluídos. Além disso, ele salienta que se trata da questão da

apartação social, isto é, do processo de separar o outro não apenas como um desigual, mas

como um não-semelhante.

Na sociedade atual, onde o máximo da valoração social não reside na realização

das ideologias, mas na realização dos projetos individuais, nada então mais antipático e

que desperte menos solidariedade do que um indivíduo incapaz de empenhar-se no projeto

social da boa aparência.

Os preconceitos, as submissões mostram que é nas relações cotidianas que se

encontram as relações de poderes e de saberes. Portanto, são esses espaços que precisam

ser trabalhados ao alcance da consciência coletiva como mediação de processo de

autoconhecimento e autodesenvolvimento, enquanto dominado no contexto da exploração

capitalista.

Segundo Faleiros,

As discriminações são formas de exercício de poderes para excluir pessoas do acesso a certos benefícios ou vantagens ou do próprio convívio social da maioria através da rotulação dos ou etiquetagem de estereótipos socialmente fabricados. Esses rótulos perpassam as relações cotidianas de dominação produzindo a identificação social das pessoas (FALEIROS, 1995, p.124).

Na construção da identidade social do dominado, pressupõe-se o enfrentamento

do dominante, que se constitui na articulação de sua hegemonia através da manifestação de

si mesmo como superior, pelo convencimento, pela coerção, pelo marketing ou pelo uso do

simbólico.

O intelectual que trabalha a mediação da representação articulada à reprodução é

o assistente social. É uma de suas tarefas desafiar e retraduzir a representação do dominado

na visibilidade do dominante, pois o mesmo é um dos profissionais a chegar mais perto das

lutas pelas desigualdades sociais.

6Eliminados

289

A valorização do corpo, de acordo com o padrão estético estabelecido e

disseminado pelos meios de comunicação, gera uma percepção negativa: a

responsabilidade de tornar-se grande e volumoso, afetando a sua harmonia, obstaculizando

a conquista afetiva/sexual e desencadeando o rechaço por sua imagem corporal. Além

disso, este reflexo vem potencialmente prejudicando a inserção dos obesos na disputa ou

concorrência no mercado de trabalho, o que concretiza uma desigualdade social.

De acordo com Stenzel,

O gênero é visto como uma construção histórica, social e cultural. O contexto histórico em que vivemos interfere nas formas de significado social e a questão do gênero passa por este processo. O corpo da mulher é, em si, uma situação social, e não resultado de um determinismo biológico individual. Pensamos que a obesidade, bem como a magreza feminina, deve ser entendida da mesma forma, sob a lente das relações sociais e dos sistemas de gênero, dentro de um contexto sociocultural. (STENZEL, 2003, p. 124).

Se a obesidade é uma doença de descontrole e se a pressão social, o apelo ao

emagrecimento e a oferta de bens e serviços, tais como diversas terapias, estão na mídia,

podemos pensar que há um “interesse” na manutenção deste problema social, bem como na

permanência de indivíduos vulneráveis a este controle. Não parece que os meios de

comunicação estejam contribuindo satisfatoriamente para o fortalecimento destes sujeitos,

fragilizados e adoecidos, e, muito menos, para a prevenção do aumento de peso na

população.

No mundo globalizado não há espaço para a individualidade, todos precisam se

adaptar às regras da modernidade nos tornando apenas peças ínfimas, com nossos

pensamentos, sentimentos e gostos manipulados pelo governo, pela indústria e pelas

comunicações de massa, que controlam tudo.

Ao estudarmos o assunto da obesidade, é notório que o tema mais cruel e que

deveria ganhar mais destaque nas discussões, é a questão da exclusão social. Levando-se

em conta que se trata de um problema de saúde pública, direito social previsto no artigo 6º

da nossa Constituição Federal, é necessário haver um maior interesse nas diversas esferas

governamentais, não só em criar ações eficazes e acessíveis de prevenção e tratamento da

enfermidade, no aspecto físico e psicológico, mas, principalmente, criar mecanismos de

proteção com a finalidade de garantir aos cidadãos dela portadores, o seu direito a

informação, a acessibilidade, visando contribuir diretamente para o seu bem estar enquanto

cidadão.

290

Em nossa sociedade, viciada pelos moldes midiáticos, grande parte dos indivíduos

trata a obesidade como um causador de males, e não de fato como a doença em si. Para

essas pessoas, “é o gordo que não se cuida e acaba adoecendo”, isso gera preconceito e

frustração, levando o obeso ao ciclo de insatisfação e ansiedade. A insatisfação faz com

que este passe a se submeter a métodos e promessas cada vez mais bizarras em busca da

propagada e desejada silhueta perfeita e, ao mesmo tempo, essa busca o leva a uma

ansiedade cruel em alcançar seu objetivo o mais rápido possível, o que dificulta seu

sucesso, pois a ansiedade o fará “escorregar” no seu objetivo. Afinal, “é preciso estar

magro e bonito”, pois somente “um corpo perfeito”, aos olhos da sociedade, pode ser

considerado saudável.

É muito mais comum e desumano do que se pensa o preconceito e desrespeito ao

obeso e, muitas vezes é ceifado a ele os seus direitos mais simples. Na grande maioria do

território brasileiro, não há leis que regulamentem seu direito à facilidade e qualidade no

acesso a diversos serviços públicos essenciais. É comum vê-lo em dificuldades ao tentar se

utilizar de transportes ou espaços públicos. E, se levarmos em conta o transtorno

psicológico sofrido, poderemos ter uma vaga ideia do quanto isso só agrava seu problema.

O “gordo” é vítima de chacota, seja na hora de passar na roleta do ônibus ou de diversos

locais de acesso, seja na hora de se utilizar de assentos inapropriados nestes transportes ou

em bares e restaurantes. É ridicularizado ao entrar numa loja e tentar comprar algum traje,

pois além da dificuldade em encontrar sua numeração, geralmente por desinteresse de

fabricantes, salvo algumas lojas especializadas, o obeso comumente se depara com o

despreparo de atendentes que não estão aptos para lidar com naturalidade frente às

diferenças.

A ferocidade com que o ser humano trata seu “semelhante” é gritante e

incompreensível. No mundo globalizado de hoje, onde tanto se apregoa o respeito à

diversidade, a impressão que se tem é que esta se confunde e entrelaça com a segregação, e

a intolerância aparece cada vez mais clara e forte, não há respeito pelo próximo e a

festejada liberdade de expressão é utilizada muito mais para massacrar e excluir do que

para acatar e defender as diferenças, sejam elas quais forem.

Para os detentores do poder econômico é importante que sejamos todos iguais, nos

comportando como robôs obedientes que consumam seus inúmeros produtos, para

engordar e depois emagrecer, num vai e vem sem fim, através de uma busca insensata e

291

desenfreada por um ideal imposto, pouco se importando a que custo humano e quais

consequências isso pode acarretar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado buscou enriquecer o conhecimento da questão da

obesidade, através do qual se pôde constatar a urgência em se combater sua disseminação,

o preconceito e discriminação dela derivados como forma de melhorar a qualidade de vida

dos envolvidos.

Ao tomar ciência de que mais de 25% da população mundial está acima do peso, e

deste contingente um em cada quatro sofre de obesidade e enfermidades co-relacionadas a

esta, podemos identificar em nosso meio como isto se processa, levando em conta a

tendência ao agravamento do quadro, o que nos convida, como partes integrantes da

sociedade, a buscar novos métodos de prevenção e principalmente o combate a exclusão

social decorrentes do problema.

A pesquisa mostrou que a obesidade causa várias formas de exclusão e que esses

indivíduos, especialmente os que procuram o grupo de obesidade do Hospital das Clínicas

do Acre, em grande parte, já passaram por algum constrangimento relacionado ao seu peso,

fator este que interfere na vida social e psicológica do obeso.

Observou-se também que apesar de ser constituída por poucos profissionais, a

equipe terapêutica de combate a obesidade vem conseguindo levantar a auto-estima

perdida por estes indivíduos, vencendo barreiras e obstáculos, conseguindo enfrentar o

problema de forma serena.

Após o ingresso no grupo, muitos desses sujeitos transformaram seus hábitos

alimentares e passaram a praticar atividades físicas, obtendo um ritmo diferenciado, com

mais saúde, lazer e levando uma vida social igualitária aos demais indivíduos da sociedade.

A obesidade acarreta não somente a redução da qualidade de vida das pessoas,

como também o enfraquecimento de sua determinação, segurança, auto-estima, gerando

efetivamente discriminação e exclusão para os sujeitos em suas relações sociais, familiares

e profissionais.

292

REFERÊNCIAS

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WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. In: SAWAIA, B., op.cit., 2001.

293

INTERLOCUÇÕES COM A FILOSOFIA EDUCACIONAL DE PAULO FREIRE: A

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA

Salete Flôres Castanheira

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

[email protected]

RESUMO

Este texto trata da formação do professor pesquisador, como uma via de qualificação teórico-

científica visando à qualidade do trabalho pedagógico, em sala de aula. Os estudos de Habermas

(1983), sobre a Teoria da Ação Comunicativa, Dell Hymes (1962), sobre a Etnografia da

Comunicação são tomados em análises com a filosofia educacional de Paulo Freire, focando a

etnografia de base sociolinguistica e a pesquisa participante como metodologias promissoras na

formação do educador e na inclusão dos alunos populares em sala de aula. O texto está estruturado em

três seções: Pesquisa e formação de professores trata das diferentes perspectivas sobre o tema,

especialmente a etnografia. A filosofia educacional de Paulo Freire na formação do professor: um

encontro com a etnografia de base sociolinguistica analisa o pensamento freiriano em corroboração

como as teorias de Habermas e Dell Hymes, a favor de uma pedagogia inclusiva do aluno popular.

Finalmente algumas reflexões sobre os avanços e desafios para a formação do professor pesquisador,

dentro das concepções abordadas. PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores, Etnografia, Democratização da escola, Inclusão.

Introdução

O enfoque dado à formação de professores neste texto distancia da perspectiva da

educação de jovens e adultos, como é referência nos trabalhos que se fundamentam nas obras

Paulo Freire. Trata-se da formação inicial e continuada de professores, compreendida como

uma via de qualificação teórico-científica para o trabalho pedagógico do professor do ensino

fundamental. Acreditamos que os processos de formação e desenvolvimento profissional

quando inseridos em projetos que associam a formação à pesquisa contribuem mais

eficazmente para integrar a teoria e prática, com a autonomia profissional.

Algumas metodologias de pesquisa, como a etnografia, estudo de caso, pesquisa

participativa, pesquisa de cunho construtivo-colaborativo, vêm se destacando pelos resultados

positivos obtidos tanto na formação inicial como continuada.

Neste artigo pretende-se discutir muito particularmente a etnografia de base

sociolinguística em sala de aula. Entendendo a sala de aula como ambiente interacional

favorável ao encontro de cultura e diversidades, onde se desenvolvem padrões de participação

social, rotinas comunicativas presentes na cultura dos alunos, um ambiente de aprendizagem,

de inclusão, respeitoso e acolhedor dessas “diversidades”.

294

Com este foco tomaremos os estudos de Habermas (1983), sobre a Teoria da Ação

Comunicativa, os trabalhos de Dell Hymes (1962), sociolinguísta que construiu as bases da

pesquisa denominada Etnografia da Comunicação estabelecendo relações pertinentes com a

filosofia educacional de Paulo Freire. Do ponto de vista epistemológico, considerando as suas

especificidades, elas corroboram projetos de pesquisa e formação de professores.

O texto está estruturado em três seções: Pesquisa e formação de professores trata das

investigações que remetem a formação de professores à pesquisa, especialmente a etnografia.

Embora com abordagens teórico-metodológicas distintas destacaremos na literatura nacional:

Fazenda (2002), Mizukami (2003), Rios (2010) os trabalhos da etnógrafa e sociolinguísta

Bortoni-Ricardo (2008); no âmbito internacional Sacristán (2007), Schõn (2007), Erickson

(1987) Smith (2007), dentre outros.

A filosofia educacional de Paulo Freire na formação do professor: um encontro com a

etnografia de base sociolinguistica dirige-se ao encontro do pensamento de Habermas, Dell

Hymes e Paulo Freire, a favor de uma pedagogia da comunicação, de uma pedagogia

inclusiva do aluno popular em sala de aula, ganhando espaço o diálogo e análises a partir da

metodologia etnográfica de base sociolinguística.

Conclui-se o artigo com algumas reflexões sobre os avanços e desafios para a formação

do professor pesquisador, dentro das concepções abordadas.

1. Pesquisa e formação de professores

A formação de professores tem sido objeto de investigação de vários estudiosos. Gómez

& Sacristán (2007), distinguem quatro perspectivas de formação de professores, são elas:

acadêmica, técnica, prática e a perspectiva de reconstrução social.

Os autores apresentam sérias limitações nas duas primeiras, consideradas tradicionais.

Elas pressupõem um modelo fechado e mecânico para a formação de professores, cujo

propósito é o treiná-los, nas técnicas e habilidades consideradas suficientes para produzir na

prática os resultados almejados.

As perspectivas prática e de reconstrução social são modelos avançados que pretendem

desenvolver um conhecimento prático-reflexivo no professor. Propõe evitar o caráter

reprodutor, acrítico e conservador dos enfoques anteriores. Nessa formação, o professor não

pode ser um técnico que aplica as estratégias aprendidas nos anos de sua formação acadêmica,

mas “necessariamente se transformar num investigador, no âmbito natural em que se

desenvolve a prática, onde aparecem os problemas de maneira singular e onde devem ser

295

experimentadas estratégias de intervenção também singulares e adequadas ao contexto”

(SACRISTÁN & PÉREZ, 2007, p.376).

Mizukami (2003), ao tratar da formação inicial e continuada centra suas análises nos

estudos de Gómez & Sacristán (2007), e Schõn (2007). Destaca duas concepções por eles

contempladas: a racionalidade técnica e a racionalidade prática. Para a autora a formação

inicial pode ser encarada por um desses dois modelos. Quanto à perspectiva técnica, mantém

as críticas segundo a qual a formação do professor vista pelo ângulo da racionalidade técnica

reduz a sua formação a uma mera aplicação da teoria de forma mecânica.

Neste sentido, especialmente a formação inicial é um momento de apropriação de

conhecimentos a ser aplicado à futura atuação. Reforça as posições de Gómez & Sacristán

(2007), quanto ao treinamento do professor, nas técnicas e habilidades consideradas

suficientes para produzir na prática os resultados almejados.

Nessa concepção a prática pedagógica fica comprometida, pois no cotidiano da sala de

aula o professor defronta-se com múltiplas situações divergentes, com as quais não aprendeu

a lidar durante o curso de formação. Assim, a autora apresenta a ideia de formação como um

continuum que supere essa concepção, amparando-se no paradigma da racionalidade prática.

Agora se exige do professor que lide com um conhecimento em construção – e não

mais imutável – e que analise a educação como um compromisso político, carregado

de valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa e a

colaboração entre os iguais e que seja capaz de conviver com a mudança e com a

incerteza (MIZUKAMI, 2003, p. 12).

Nesse paradigma o professor é capaz de incorporar e transcender o conhecimento

advindo da racionalidade técnica. É nessa direção que Gómez & Sacristán (2007) e também

Schõn (2007) inserem a formação do professor.

Eles partem do modelo do professor prático-reflexivo para a construção de uma nova

perspectiva: a reflexão na prática para a reconstrução social. No conjunto das reflexões os

autores propõem um modelo de formação de professor, prático-reflexivo, e insistem na

pesquisa para que esse se perceba como um investigador da sua própria prática.

Fazenda (2002), também ao tratar de políticas de educação e formação de professores,

contribui com a ideia de que:

[...] a reordenação dos saberes (científico e social) exige uma formação

interdisciplinar. Contudo essa formação é mais que uma metodologia de trabalho, esse

tipo de formação interdisciplinar exige uma atitude de pesquisa em que a observação,

o registro, a análise e a síntese são contempladas. A reconstrução teórica dos saberes

nascerá dos embates singulares vividos (FAZENDA, Ivani In: ROSA, Dalva &

SOUZA, Vanilton, 2002, p.206).

296

Portanto, existem diferentes abordagens que tratam da formação do professor, e embora

haja uma vasta literatura, permeada de conflitos e dilemas, neste trabalho, estamos

considerando as perspectivas teóricas que apontam pesquisa e formação como uma

possibilidade de conectar a teoria a prática, a ação a reflexão, viabilizando a práxis

pedagógica.

1.1 Pesquisa etnográfica na formação de professores

Nesta linha de pensamento a etnografia de base sociolinguística vem se sobressaindo

como uma das metodologias na formação do professor pesquisador. Não se trata aqui, de uma

mera opção pedagógica, mas encontramos nela meios e instrumentos que estão inseridos

dentro das diferentes perspectivas de formação, desse novo perfil de profissionais mais

críticos e autônomos.

O termo etnografia foi cunhado por antropólogos no final do século XIX para se

referirem as monografias escritas sobre os modos de vida de povos até então desconhecidos

na cultura ocidental. A palavra compõe-se de dois radicais do grego antigo: ethnoi, que

significa "os outros, os não gregos" e graphos, que quer dizer "escrita" ou "registro"

(BORTONI-RICARDO, 2006, p. 5). Então quando ouvimos menção “pesquisas etnográficas

em sala de aula devemos entender que se trata de pesquisa qualitativa, interpretativista, que

fez uso de métodos desenvolvidos na tradição etnográfica, como a observação, especialmente,

para a geração e análise dos dados” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 38).

A etnografia de base sociolinguística teve sua origem com os registros de Margareth

Mead, da Universidade de Columbia, em 1928. Ela foi pioneira na produção de uma

monografia etnográfica. Seus estudos influenciaram vários pesquisadores da época, mas, entre

as décadas de 1960 e 1970, os estudos etnográficos cresceram, sobretudo entre os

pesquisadores da área de educação, uma vez que entre os antropólogos e sociólogos já eram

bastante utilizados.

Spradley (1979) descreve a etnografia como um sistema de significados culturais de um

determinado grupo. Já Wolcott (1975) adverte que a etnografia em Educação, “deve

preocupar-se em conceber o ensino e a aprendizagem em um contexto cultural amplo,

compreendendo assim que as pesquisas sobre a escola não se devem restringir ao limite do

espaço escolar, mas relacionar o que é aprendido dentro e fora da escola” (LUDKE e

ANDRÉ, 1986, p. 14).

297

Erickson (1987), um dos principais representantes da etnografia de cunho

sociolinguístico explica a tarefa do pesquisador é desvendar o problema como ele se

manifesta nas atividades e, neste caso, no cotidiano da escola, mais especificamente na sala de

aula sendo capaz de produzir análises fundamentadas em teorias e princípios éticos. É tarefa

de o etnográfico desvendar o modo específico como padrões de organização social e de

cultura, relaciona-se às atividades de pessoas quando elas escolhem como vão conduzir sua

ação social. Assim, as pesquisas etnográficas vão estudar com detalhes uma situação

específica para analisá-las a outras situações. Dessa forma conclui que a tarefa da etnografia

de sala de aula é construir e aperfeiçoar teorias sobre a organização social e cognitiva da vida

em sala de aula, que é o contexto por excelência para a aprendizagem dos alunos

(BORTONI-RICARDO, 2008, p. 42).

Especialmente voltada para estudar as questões relacionadas à escola, a prática

pedagógica e, sobretudo às salas de aula, exige do etnógrafo análises nas dimensões macro e

microssociolinguísticai. Em outras palavras, o pesquisador reconhece que os problemas

identificados em sala de aula são subjacentes aos problemas sócio-educacionais, influenciados

e determinados por esses. A etnográfica construída com base na observação, no registro, na

análise desses contextos tem-se revelado um paradigma bastante apropriado para a construção

da competência científica, ética e política presentes nas atuais perspectivas de formação

profissional.

Dentre os vários estudiosos que sustentaram teoricamente o desenvolvimento dessa

pesquisa, destacam-se Dell Hymes (1962), e Erickson (1987). Hymes, sociolinguísta de

formação antropológica construiu as bases da pesquisa denominada etnografia da

comunicação, ao formular um conceito essencial na área da sociolinguística, o conceito de

competência comunicativa, compreendido como a capacidade de adequar a fala às mais

distintas situações. Essa competência permite ao falante saber o que falar e como falar, com

quaisquer interlocutores e em quaisquer circunstancias. Nesse sentido, não existe uma forma

certa ou errada de falar, mas sim formas adequadas de saber falar.

Outro aspecto abordado por Hymes (1962), e de fundamental importância para o

pesquisador etnográfico, é que as diferenças culturais nos modos de falar, de ouvir, de seguir

instruções entre a rede social do professor e a dos alunos devem ser consideradas e analisadas,

pois levam as sistemáticas dificuldades de entendimento na sala de aula. Para o autor, é

preciso considerar uma diferença básica entre o que não é dito por que o falante não tem

298

ocasião de dizê-lo e o que não é dito por que o falante não tem ou não encontra uma forma de

dizê-lo (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 62).

Se diferenças culturais geram essas dificuldades, se é necessário dar oportunidades de

fala para o falante, então é fundamental organizar a sala de aula para que elas sejam

asseguradas, o que pode acontecer por meio de interação entre os sujeitos, relações de

confiança, de respeito às diferenças. Essa sala de aula pode ser construída por uma pedagogia

culturalmente sensível, como a proposta por Erickson (1987):

Uma pedagogia culturalmente sensível é um tipo de esforço especialmente

empreendido pela escola, a fim de reduzir os problemas de comunicação entre

professores e alunos, de desenvolver a confiança e impedir a gênese de conflito que se

move rapidamente para além das dificuldades de comunicação, transformando-se em

lutas amargas de trocas de identidade negativas entre alunos e seus professores

(BORTONI-RICARDO, 2005, p. 118).

Para que este tipo de pesquisa possa efetivamente contribuir com a formação de

professores, é preciso construir ações embasadas em reflexões, em conversas reflexivas, sobre

a rotina da sala de aula, em resultados de pesquisas, enfim, reflexões que constituem o próprio

foco da pesquisa. O diálogo merece destaque, com base nele os professores pesquisadores

avaliam suas ações sobre a rotina da sala de aula, sobre o ensino e os resultados, objetivando

desencadear o processo de ação-reflexão-ação, de superação de suas próprias deficiências. É

necessário ratificar o grifo inicial de Erickson, ao referir-se aos detalhes. Compreende-se que

os detalhes são construídos na interação, na interlocução entre os participantes, argumentos e

contra-argumentos, reflexões, superações. Acrescente-se, que a transformação da sala de aula,

é antes a transformação dos próprios participantes que se dá mediante a auto-reflexão.

Avançando no campo da epistemologia, a ciência trava um debate crítico e reflexivo

entre várias correntes filosóficas na tentativa de descerrar a verdade do conhecimento. Neste

longo percurso encontra-se o discurso moderno empirista de Ciência, fundado por Francis

Bacon (1979) e evoluindo para o campo das Ciências Sociais (1923), chegamos à escola de

Frankfurt. Inspirada na teoria crítica destaque para Theodor Wiesengrund-Adorno, Max

Horkheimer, Jürgen Habermas. Neste trabalho, tomaremos os estudos de Jürgen Habermas

(1983) sobre a Teoria da Ação Comunicativa.

Habermas (1983) defende que a validade das asserções de uma pesquisa é alcançada

pela resolução discursiva, advinda de um consenso fundado na razão. A verdade existe, mas o

conhecimento da verdade exige investigação. Toda ciência supõe uma relação com os

interesses humanos e nenhum conhecimento é neutro, sempre há interesses e este é uma

construção que ocorre por meio da linguagem.

299

Habermas publicou em 1981, sua obra: Teoria da Ação Comunicativa, nela ele defende

que as teorias só podem ser elaboradas por condições de argumentação. Destaca que a

intersubjetividade, a contra-argumentação levam ao consenso, a verdade, atos de fala.

Ressalta que numa situação ideal de falaii, estão presentes às condições necessárias para o

diálogo, isto é, todos os participantes devem ter a mesma oportunidade de empregar atos de

fala. O consenso é o critério da verdade, mas não se reduz a isso, pois sempre se pode gerar

um consenso numa nova situação de discurso. O processo de formação de consenso é

infinito, um regulador que nunca pode ser definitivo.

A Teoria da Ação Comunicativa (1981) proposta por Habermas traz elementos

epistemológicos próximos com o que propôs Hymes na teoria da Competência Comunicativa

(1962). Ambos encontram no diálogo a base para a análise e reflexão das asserções para

chegarem num consenso. Há de se considerar que para Habermas a prova da verdade não será

evidentemente o diálogo, mas a consequência dele, o consenso. O que valida à verdade não é

o discurso, mas a ação. Para Habermas, as asserções postadas no início da investigação só

poderão tornar verdadeiras quando os pesquisadores chegarem a evidências, quando

colocadas em ação, desencadeando novos diálogos que resultarão em novas reflexões e

essas em novas ações.

O diálogo permite que os pesquisadores possam validar a pesquisa, calcado na crítica,

nos argumentos, contra-argumentos, nas oportunidades de atos fala dos participantes, na

capacidade de avançar no diálogo, até que não havendo mais argumentos, haja consenso.

Mediante o exposto, a próxima seção tem como objetivo estabelecer relações pertinentes

entre o pensamento freiriano sobre formação permanente de professores com a Etnografia da

Comunicação, – de vertente sociolinguística e sua aproximação com a Teoria da Ação

Comunicativa. Serão apontadas algumas peculiaridades desse tipo de pesquisa para se

instalar em sala de aula uma pedagogia inclusiva dos meninos e meninas popularesiii

.

2. A filosofia educacional de Paulo Freire na formação de professor: um encontro com

a etnografia de base sociolinguística

Paulo Reglus Neves Freire, nascido em setembro de 1921, Recife/PE, teve uma infância

pobre. Sua mãe, com extremas dificuldades financeiras se empenhou para conseguir uma

bolsa de estudos, pois aos 16 anos, ele ainda iria cursar o que corresponde em 2011 ao sétimo

ano. Oportunidade concedida pelo diretor do Colégio Oswaldo Cruz, Recife/PE.

300

Ingressou na Faculdade de Direito em 1943. Neste período não havia, no Brasil, cursos

de formação de professores em nível superior, nem ele pensava em ser um educador, mas

tinha consciência de sua tendência humanista, de olhar pela causa daqueles que como sua

família sofriam dificuldades impostas pela condição social.

Concluído o curso de direito, sua carreira como advogado foi breve, uma única

experiência. Ao receber uma ordem de execução a um devedor sem recursos, concluiu que

não queria ser advogado, ali encerrou sua carreira, nem iniciada (FREIRE, 2006, p. 16-18).

Neste contexto iniciou sua trajetória de educador. Ingressou na Divisão de Educação e

Cultura, do SESI/PE (Serviço Social da Indústria). Trabalhou por dez anos (1947-1957) nesta

instituição, período por ele denominado de Tempo Fundante. Tempo que iniciou sua

compreensão do pensamento, da linguagem e aprendizagem dos grupos populares tempo e

campo de experiência, tempo de estudo, de reflexão, de prática. Alguns fragmentos da obra

Pedagogia da Esperança (2006) podem revelar o que significou o tempo fundante:

[...] Foi lá convivendo com pais diretores, professores de escolas “primárias” e

preocupado com as relações entre escolas e famílias, iniciou pesquisas envolvendo a

relação pais-filhos. [...] Refleti que as agressões sofridas pelas crianças demonstravam

o peso do autoritarismo na cultura brasileira, a refleti sobre as consequências políticas

que um relacionamento de tal tipo poderia causar num projeto de democracia, mais

especialmente este relacionamento se estendia depois para professores-alunos [...]

Escola e família reproduzindo a ideologia autoritária (pp.20-28).

Tempo fundante, onde elaborava progressivamente sua filosofia de educação, a favor do

oprimido, contra o elitismo e o autoritarismo na educação brasileira. Foi lá, que constatou a

urgência da democracia na escola pública e propôs pela primeira vez a formação permanente

e competente de professores, científica, e que não faltasse sobre tudo o gosto pelas práticas

democráticas. Criou o Círculo de Pais e Mestres, visando à integração entre professores e pais

sustentada no diálogo. Na verdade, nesses círculos, discursando para os pais, aprendeu o

quanto é diferente falar com alguém e falar para alguém, foi lá o “ponto culminante do meu

aprendizado – o de que o educador progressista, ainda quando, às vezes, tenha de falar ao

povo, deve ir transformando o ao em com o povoiv

”.

Tempo fundante que inspirou a sua principal obra: A “Pedagogia do Oprimido não

poderia ter sido gestada em mim só por causa de minha passagem pelo SESI, mas a minha

passagem pelo SESI foi fundamental. Diria até que indispensável à sua elaboração” (FREIRE,

2006, p.18).

Em 1960, cria no Recife o MCP – Movimento da Cultura Popular – inicia o seu método

de alfabetização de adultos. Sua trajetória é marcada pelo Golpe de Estado e em 1964 o seu

301

método foi considerado subversivo, então é encarcerado como traidor e exilado. No exílio

viveu por períodos irregulares em vários países, mas foi na Austrália e na Suíça, em Genebra,

na década de 1970, é que veio o seu contato mais próximo com a abordagem frankfurteana,

com as obras de Marx, Gramsci, Habermas e outros marxistas.

Recebeu inúmeras críticas por não se considerar um marxista, o que não poderia sê-lo,

pois a sua utopiav “crítica” é um dos seus grandes legados, e o utopismo é negado pelos

marxistas. As críticas por não compreender a luta de classes como determinista, o único motor

da história. Freire (2006), responde aos leitores,

[...] Não há quem leu a Pedagogia do Oprimido que não chegasse à conclusão de que

o sonho é motor da história, [...] a utopia é motor da história [...] a esperança é motor

da história [...] a consciência crítica é o motor da história [...] a educação é o motor da

história. [...] Nunca entendi que as classes sociais, a luta entre elas pudessem explicar

tudo, daí jamais tenha dito que a luta de classes, no mundo moderno, era ou é o motor

da história. Não é possível entender a história sem as classes sociais, sem seus

interesses em choque. A luta de classes não é o motor da história, mas certamente é

um deles (pp.89-100).

Esses estudos inspiraram Freire a fundamentar-se nas ciências da educação,

principalmente na psicologia e na sociologia; bem como tomar a metodologia das ciências

sociais com capital importância [...] A sua “teoria do conhecimento”, caminhou passo a passo

com o desenvolvimento da pesquisa participante. [...] Seus estudos de caráter sociológico se

baseiam na teoria das comunicações (GADOTTI, 1996, pp.78 - 79).

De volta ao Brasil (1980) depois de 16 anos no exílio, assume (1989) a Secretaria de

Educação do município de São Paulo. A democratização da escola pública viria então

fundamentar o seu trabalho como secretário de educação, de 1989 a 1991. A grande coerência

epistemológica e política do seu pensamento são os oprimidos, os grupos proibidos de “ser

mais” [...] nossa vocação ontológica é a de ser mais, de transgredir, de fazer rupturas, de

movimentar a História. “Esse oprimido tem muitos rostos: é o explorado econômico, é o

condenado à ignorância, é o negro, o índio, o mestiço, a mulher, o portador de qualquer marca

produtora de discriminação” (BOFF, 2006, p.6).

Se olharmos o século XX – e há belíssimas heranças da educação do século XX –

veremos esse humanismo em Dewey, nos Estados Unidos; Freinet, na Europa; do

ponto de vista educativo-conceitual, sobretudo, Piaget e Vigotsky e, quando olhamos

o Brasil, vemos esse humanismo em Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Darcy

Ribeiro. Paulo Freire encorpa, de maneira muito particular e forte, essa visão

educacional (MENEZES, s/d. p.70).

302

Nesta Secretaria, ele resgata a utopia da escola democrática, de lutar contra o elitismo da

educação brasileira, renova a esperança daquele tempo fundante (1947-1957). Vejamos parte

do seu discurso consciente, político, humano com os professores, Freire (1990):

“Pois bem!... como diminuir a vida dessas duas ideologias que se entrecruzam,

sempre: o autoritarismo e elitismo? Lembro-nos agora daquele exemplo que usei,

mencionando uma formulação: - o “nós cheguemu”; lembro-me que isso me valeu

alguns ataques por parte da imprensa. Ao mencionar esse exemplo, eu enfatizava o

respeito que pode a professora praticar com a cultura das famílias e dos meninos “nós

cheguemu”. Claro que eu não excluo esse mesmo menino de saber usar o “nós

chegamos” (da formulação cultural erudita). Posiciono-me favorável a que esse

menino ou menina popular seja favorecido com o acesso a gramática erudita. Pois é

nesse sentido, é com essas ideias que nos posicionamos para buscar na formação

competente e superação do elitismo, a superação do autoritarismo. Claro que não

iremos eliminar o uso da autoridade do educador quando ela se fizer necessária; e esse

uso não necessita ser autoritário” (p.50).

Na filosofia educacional de Paulo Freire localizamos os dois propósitos dessa seção: a

formação competente de professores necessária para se instalar em sala de aula uma

pedagogia inclusiva do menino e da menina popular. Iniciaremos pela proposta avançada de

Hymes (1962), sobre a Teoria da Competência Comunicativa, para em seguida aproximá-la

da Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas (1983).

Hymes (1962) sugere “começar a trabalhar a partir de condições socioculturais e

sociolinguísticas das crianças”

[...] as crianças podem de fato ser “linguísticamente deficientes” se a linguagem de

sua competência natural não é a da escola; se os contextos que estimulam ou permitem

o uso desta competência estiverem ausentes da escola; se os propósitos com que se

usam a língua e as formas como fazem estão ausentes ou proibidas na escola. A

situação das crianças, sem dúvida, é muito pior do que uma situação de deficiência se

sua “competência normal” é punida na escola. Podemos falar mais apropriadamente

de “repressão”. Continuando Hymes,... a descontinuidade entre normas culturais

características dos lares e das redes sociais das crianças e as da escola seria

responsável por seu desajustamento e consequente fracasso escolar (BORTONI-

RICARDO, 2005, p.206).

Erickson (1987), ao propor a etnografia para analisar o ambiente da sala de aula, avalia

como podem ser amenizados os problemas de comunicação mencionados por Hymes

utilizando de uma pedagogia culturalmente sensível. Esta pedagogia concebe a sala de aula

como um ambiente acolhedor e respeitoso das “diferenças”, onde se estabelecem relações de

confiança entre seus atores, possibilitando que os alunos populares sintam-se seguros,

inclusos, e não humilhados, excluídos por sua linguagem, por sua “competência natural”.

O exemplo fornecido por Bortoni-Ricardo (2004), sinaliza o papel do professor na

“identificação da diferença” e na produção de “assistências respeitosas” para o menino e a

303

menina popular avançarem com maior competência no uso da língua o que se identifica

plenamente com a filosofia de Paulo Freire:

(1) Professor - Reinaldo + por que você num vei ontem?

(2) Aluno - Num deu tempo.

(3) Professor - Num deu tempo por quê?

(4) Aluno - Tava trabaianu.

(5) Professor - O Reinaldo estava trabalhando ontem e por isso não veio à aula.

Vejam esta palavrinha "trabalhando". Ela é uma daquelas palavrinhas que podemos

usar de dois jeitos. Quando falamos com nossos amigos, podemos dizer "trabaianu";

quando falamos com pessoa as que não conhecemos bem, empregamos a palavrinha

como a escrevemos, assim: "trabalhando". Peguem o seu caderno e vamos escrever

uma frase que começa assim: "ontem eu estava trabalhando...” (BORTONI-

RICARDO, 2004, p. 43).

A professora, nesse caso, usou da sua competência para identificar a “diferença” entre as

formas padrão e não padrão de linguagens usadas pelo aluno e forneceu “ajudas” para que ele

se conscientize da diferença. Mais precisamente, o aluno precisa aprender a monitorarvi

o uso

adequado da língua.

A etnografia pode colaborar para que o professor aprenda a diagnosticar as diferenças

entre a variedade da língua usada no ambiente sociolinguístico do aluno e as culturas de

letramento fornecidas pela escola. Essas diferenças não podem ser concebidas como “erros”,

mas como diferenças entre duas variedades, cabendo ao professor respeitá-las, jamais

descriminar os alunos populares. Isto é o que Freire desejou conversar com os professores e, é

isto, que ele vai propor para a formação permanente e competente de professores, por meio de

uma pesquisa participante, com foco no tema: aprender a confrontar Freire (1990).

Defendia que o professor precisava estar preparado para refletir criticamente sobre o

“aprendizado que coloca os pedagogos em posição de conviver com a diferença. Temos visto

que é difícil, às vezes impossível, que as pessoas (pedagogos, no caso) saibam viver, saibam

conviver, com o diferente, e que saibam trabalhar com o conflito” (FREIRE, 1990, p.40).

No exemplo de Bortoni-Ricardo (2004) está presente os elementos da Politicidade da

Educação da qual Freire (1990) se referia. “A educação como ato político implica opções

diárias: seu estudante, seu aluno é capaz de aprender, mesmo quando miseravelmente pobre”

(p.45). Além da natureza política e cognitiva observamos também, no exemplo, a natureza

ética e estética, decência e boniteza, paixão e emoção,vii

que transformaram a sala de aula em

um ambiente formador e de assunção da identidade cultural dos alunos populares. A natureza

complexa da educação, a moralidade inerente à relação pedagógica.

Contudo, esta prática necessita de formação, pois ensinar exige reflexão crítica sobre a

prática. A formação de professores precisa ser científica, com rigorosidade metódica,

304

associada à pesquisa, possibilitando que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão

sobre a prática, a curiosidade ingênua, vá se tornando crítica (FREIRE, 2005, p.38).

Dentro do processo de pesquisa participante (como na etnografia), “o professor tem um

desafio em descrever as situações de sala de aula; refletir posturas mediante as quais ocorriam

suas práticas. Um momento reflexivo: que é que ele já tentou e que não deu certo? Que será

que causa isso?... Anote sua hipótese; em seguida, anote o que for tentando, que anote o que

der e o que não der certo. ELE VAI RESGISTRANDOviii

” (FREIRE, 1990, p.42).

Portanto, essa “concepção de formação permanente não se insere dentro de cursos de

treinamento, repasse de teorias ou propostas, trata-se de adubar paixões criativas. Mas é

imprescindível que haja sujeitos, resgatados, refletindo-se, apropriando-se de sua profissão”

(FREIRE,1990, p.61).

Ela é considerada como um espaço de interlocuções, de trocas, de tomada de

consciência, conversas reflexivas, diálogo. Para Freire (2010), “o adentramento no diálogo

como fenômeno humano, encontra a palavra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis”.

Isto significa dizer que a palavra deve ser analisada em seus elementos constitutivos: ação e

reflexão. A palavra reduzida na ação, automaticamente, a reflexão se transforma em

palavreria, blábláblá, mas ao contrário se, se exclusiva a ação, com sacrifício da reflexão, a

palavra se converterá em ativismo, negando a práxis verdadeira e impossibilitando o diálogo.

A partir do diálogo ocorre a análise crítico-reflexiva. Uma vez que a reflexão demonstre

a inviabilidade de uma ação, esta deve ser adiada ou substituída por outra. Ação e reflexão se

dão simultaneamente. “O quefazer é teoria e prática. É reflexão e ação” (FREIRE, 2010,

p.141).

Madalena Freire (1990) assessorando este trabalho afirma o professor em processo de

formação junto a outros educadores vê romper a cultura do silêncio, vai discutindo

coletivamente aquilo que é feito, vai aprendendo a crer em si próprio como construtor de

processos. É nessa compreensão que foi pensada a formação permanente do professor, como

práxis. Romper-se com a cultura do silêncio, significa oportunizar o diálogo entre os atores,

com base na ação-reflexão e na autorreflexão.

O diálogo é uma exigência existencial. O encontro em que se solidarizam o refletir e o

agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformando e humanizado, não

pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco

tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. Não é

também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a compreender-

se com a pronuncia do mundo, nem a buscar a verdade, mas a impor a sua (FREIRE,

2010, p.91).

305

Continuando sua afirmação acerca do diálogo (Freire, 2010) acrescenta:

Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. Como posso dialogar, se alieno

a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar,

se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros,

meros “isto”, em quem não reconheço “outros eu”? Como posso dialogar, se me sinto

participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber para quem

todos os que estão fora são “nativos inferiores”? Como posso dialogar, se me fecho à

contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até mesmo me sinto ofendido com

ela? A autossuficiência é incompatível com o diálogo (FREIRE, 2010, p. 93).

Sem esgotar as afirmações de Freire (2010) acerca do diálogo, “somente o diálogo, que

implica um pensar crítico, é capaz, também de gerá-lo. Sem ele não há comunicação e sem

esta, não há verdadeira educação”. “O diálogo é uma relação horizontal, nutre-se de amor,

humildade, esperança, fé e confiança” (GADOTTI, 1996, p. 84).

Ainda Freire (2010), o diálogo solicita de nós o aprendizado da escuta, o que só é

possível fazer quando reconheço o outro como sujeito, quando não discrimino, quando estou

aberto a aprender com ele; somente escutando é que aprendemos a falar com o outro e não

para o outro.

Geuss (1998) explica que Habermas, na sua Teoria da Ação Comunicativa, defende que

o exercício da racionalidade humana constitui em não aceitar condições que destruam a

realização ideal de fala. Vimos anteriormente que uma situação ideal de fala, implica que

todos os participantes devem ter a mesma oportunidade de empregar atos de fala

comunicativos, liberdade de expressão, falar e serem ouvidos. O diálogo é a base para a

reflexão e análise da realidade e a escuta é condição necessária para o diálogo. Habermas

(1998) enfatiza que uma situação ideal de fala só pode ser assegurada pela liberdade, isto é,

quando os agentes usam da consciência autônoma em benefício de interesses

emancipatóriosix

. Isto significa agentes racionais em condições de liberdade, de empregar atos

de fala sem estarem sob a influência de nenhuma forma de coerção.

Entretanto, Habermas adverte que uma situação ideal de fala, é apenas a condição para

o desenvolvimento e exercício da racionalidade humana; pois existem condições que

destroem a realização ideal de fala, que impossibilitam a sua efetivação, como a coerção.

Quando não há uma situação ideal de fala, é porque existe coerção. A primeira forma de

coerção consiste em empregar a fala para emitir opiniões para um consenso já “fadado” a

concordar. A segunda forma de coerção Habermas (1988), denominou de compulsão peculiar

do melhor argumento, a “força do melhor argumento” levará ao consenso. Nesses casos há

ausência de diálogo, em benefício de interesses estratégicosx.

306

Neste sentido, as asserções validadas seriam frutos da objetividade. Em situação ideal de

fala, a objetividade seria dissolvida, uma vez que o “conhecimento objetivo” não pode ser

aceito pelos agentes racionais, pois fazem parte de uma ideologia. Em situação ideal de fala,

os agentes por meio da consciência autônoma validam as asserções em situação ideal de

intercomunicação e intersubjetividade.

Para Habermas (1988), a coerção é auto-imposta, os agentes acreditam na

impossibilidade de superá-las e só a reflexão pode produzir esclarecimento. Isto fez Habermas

afirmar que no início, a reflexão e a “autorreflexão” podem gerar frustrações por acreditar que

não podem superá-las. Mas a reflexão lhes mostrará que isso é possível (GEUSS, 1988, p.

122). As instituições sociais repressivas estarão resguardadas, não simplesmente pela inércia

dos agentes, mas porque cabe a elas a coerção e serão resistentes em abrir mão da opressão.

Geuss (1988) afirma que a “deslegitimação da opressão” pode ser a pré-condição necessária

da ação política.

Habermas (1988), ao tratar das formas de coerção, bem como a consciência autônoma

na validade das asserções, contribui para a análise de uma das principais categorias da teoria

freiriana: o inédito-viável. Para Ana Freire (2006), essa categoria é “pouco comentada e

pouco estudada, nele encerra toda uma crença no sonho possível e na utopia que virá”(p.205).

Ora, quando Freire assume a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo, ele estava

resgatando a utopia da escola democrática, de lutar contra o elitismo da educação brasileira,

colocando esperança na formação permanente e competente do professor, cuja resposta seria a

construção de uma prática educativa inclusiva do menino e da menina popular. Ele estava

renovando a esperança do tempo fundante do SESI/PE (1947-1957), da construção da

democratização da escola pública, na verdade, estava vivendo o inédito-viável.

Para compreender o inédito-viável é preciso antes conhecer outra categoria denominada

por Freire de situações-limites. Elas significam formas de opressões impostas ao oprimido

como barreiras insuperáveis, obstáculos arbitrários, realidades e ideologias objetivas para

desacreditar o oprimido de qualquer possibilidade de ser mais, uma forma de instalar a

desesperança, além dela nada pode ser feito.

No momento em que se instaura a crítica-reflexiva, o diálogo com base na reflexão da

própria situação-limite em que os sujeitos possam quebrar a cultura do silêncio, possam ter

voz e dar voz, por meio da escuta, da liberdade de expressão, então perceberão as situações-

limites como forças coercivas, impostas para manter os interesses “estratégicos”, portanto,

“resistentes em abrir mão da opressão”. Passarão a compreendê-las como obstáculos a serem

307

superados e empenharão no que Freire chama de atos limites, isto é, ações conscientes,

carregadas de politicidade, posturas necessárias para a “deslegitimação da opressão”.

Somente quando os oprimidos tomarem consciência daquilo que nega a sua identidade, sua

cultura, das formas de coerção que estão submetidos poderão sair de estado de “frustração” de

ser menos e alcançar o inédito-viável. Como explica Ana Maria Araújo Freire (2006)

O inédito-viável é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e

vivida, mas sonhada e quando se torna um percebido destacado pelos que pensam

utopicamente, esse sabem então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode

se tornar realidade [...] Assim, quando os seres conscientes querem, refletem e agem

para derrubar as situações limites que os e as deixaram a se e a quase todos limitados a

ser menos; o inédito-viável não é mais ele mesmo, mas a concretização dele no que

ele tinha antes de inviável (p.206).

E neste sentido a formação competente do professor é condição imprescindível para que

ele possa conscientizar das situações-limites e se empenhar em atos limites que resultarão no

inédito-viável. Defendemos uma formação do professor enquanto pesquisador da sua prática,

na perspectiva de sujeito participativo, como apresenta as metodologias etnográfica e

participante. Formação onde os professores sejam interlocutores, que possam dialogar com

seus pares, contribuindo com a formação de outros colegas, e que lhes sejam asseguradas as

condições de liberdade de empregar atos de fala, sem estarem submetidos a nenhuma forma

de coerção, de interesses “estratégicos”, mas tenham liberdade de empregar argumentos e

contra-argumentos, enfim possam usar da sua consciência autônoma.

Negamos qualquer concepção de treinamento cuja cultura do silêncio é imposta por

condições que destroem a realização ideal de fala, onde se pregam teorias desarticuladas com

a realidade dos sujeitos, palavras desarticuladas da ação e reflexão, como insiste Freire (2010)

não constituem práxis. Negamos qualquer forma de coerção de que nos fala Habermas, como

os “modismos” que aparecem como “receitas eficientes”, cuja avaliação já foi realizada em

outros contextos. Nelas os sujeitos-professores estão submetidos pela força da coerção, da

compulsão do melhor argumento, que lhes tira as forças para emitir opiniões, a concordar

com o já estava “fadado” ao consenso. Consenso, cujo objetivo é atender interesses

“estratégicos”, de instituições e administrações de determinados governos, nacionais e

internacionais.

Ora a situação-limite, como realidade concreta, encontra-se também no discurso

autoritário da sala de aula, embutidos nos conteúdos escolares que pouco ou nada tem a ver

com os anseios dos meninos e meninas populares, como afirma Freire (2010), “conteúdos

que, às vezes, aumentam os temores. Temores da consciência oprimida.” No discurso

308

verbalista da professora para os alunos, não ao aluno popular, como afirma Freire (2010)

“pregar no deserto. Sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante”. Na linguagem não

sintonizada com a realidade dos alunos populares, como afirma Freire (2010) “é preciso que o

educador seja capaz de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do

povo, dialeticamente, se constituem”.

Advogamos a favor da docência e pesquisa, condição básica para formação competente

do professor. Por meio dela ele poderá construir atos limites, autônomas, para uma prática de

inclusão do aluno popular, atos pedagógicos de respeito às diferenças sociolinguísticas

presentes na fala do aluno popular, atos de interação entre si próprios e o aluno popular, atos

de autoridade comprometidos com o grau de aprendizagem do aluno popular, atos de

conhecimento para ensinar, oficio próprio da sua profissão, ensinar o menino e a menina

popular, sujeitos que exigem um trabalho amplo de atos limites. Professores competentes

estarão em condições de romper com a situação-limite, para construírem com autonomia atos

limites, só então transformarão sua prática em algo inédito-viável.

O inédito-viável significa o quefazer de um professor em diálogo com a filosofia de

Freire (1990), competente para identificar “erros de leitura” do aluno popular e distinguir

entre as diferenças dialetais e erros de decodificação, e será competente para atos limites de

intervenção; será competente para perceber regras não padrão usado pelo aluno popular, e ao

escutá-lo será competente para empregar atos limites para ampliar a sua competência

comunicativa; será inédito-viável empregar atos de conhecimento e autoridade que lhes foram

conferidos em sua formação competente.

Assim poderemos então dizer que o inédito-viável sonhado por Freire naquele tempo

fundante do SESI/PE (1947-1957) fecundou na utopia da esperança. O professor venceu as

barreiras da situação-limite da sua alienação, da sua ingenuidade política, que lhe convenceu

de ser-menos. O inédito-viável, em situação concreta, ocorre quando a escola, a sala de aula,

os professores concretizarem o que antes era inviável.

A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Os professores e,

por meio deles, os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas ou mais

maneiras de dizer a mesma coisa [...] Os alunos que chegam à escola falando “nós

cheguemu, abrido e ele drome”, por exemplo, têm que ser respeitados e ver a suas

peculiaridades lingüístico-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender as

variantes do prestígio dessas expressões. Não se lhes pode negar esse conhecimento,

sob pena de se fecharem para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O

caminho para uma democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a

língua é o mais importante (BORTNI-RICARDO, 2005, p15).

309

O inédito-viável significa que filosofia educacional de Freire conseguiu relevar práticas

educativas contra autoritarismo e elitismo na educação brasileira, conseguiu demonstrar que a

democracia da escola pública é possível, e que o professor competente tem papel

preponderante neste processo e com autoridade, ser mais, humano para humanizar, para

transformar sua prática alienada e alienante em práticas de inclusão do menino e da menina

popular, é inédito, é novo, é necessário, é possível, é utopia, é esperança, é viável.

Conclusão

Sem dúvida a pesquisa é de grande relevância na formação de professores. A partir do

momento que o educador vê possibilidades de investigar a sua própria ação pedagógica, e

refletir criticamente sobre ela, poderá encontrar detalhes que favorecerão a análise daquilo

que contribuiu satisfatoriamente ou não, para a efetivação da aprendizagem, para superar suas

próprias situações-limites uma vez que a sala de aula é o contexto por excelência para a

aprendizagem dos educandos.

Dentre as diversas metodologias que sugiram com ênfase na figura do professor

pesquisador, destacamos neste texto, a etnografia e a pesquisa participante por ambas

apresentarem meios e instrumentos pertinentes à qualidade do ensino, especialmente para a

inclusão dos meninos e meninas populares na sala de aula.

São esses, com suas diferenças linguísticas, os discriminados em sala de aula e, por

conseguinte socialmente. A sala de aula a serviço de uma elite autoritária tem contribuído

para excluir “brasileirinhos” falantes das variedades linguísticas do nosso imenso país a se

apropriarem da cultura letrada. Sem esta estarão privados de emancipar-se, de participarem

amplamente das decisões socioeconômicas e política da nação. A sala de aula, a única via de

acolhida desses alunos, como diria Freire, desumanamente exclui.

As pesquisas, com base científica, podem ser decisivas na formação do professor para

assumir uma postura política frente a essas questões, convencer-se que no português não

existem “erros” e sim variação linguística.

Habermas (1988) nos leva a uma reflexão crítica quando afirma que “ser um agente

humano é participar ao menos “potencialmente” de uma comunidade de fala, e ser algo que

nós possamos reconhecer como um agente humano significa participar ao menos

“potencialmente” da nossa comunidade de fala”. Para o menino e menina popular a sala de

aula é “potencialmente” a sua comunidade de fala e legítima instituição para promover a sua

“competência comunicativa”, portanto tem o dever de acolher a sua participação livre.

310

As pesquisas especialmente voltadas para a observação, registro e análise das rotinas de

sala de aula podem contribuir com resultados mais significativos na aprendizagem, na

inclusão desses alunos, mas inseridas nas perspectivas de formação competente de

professores existem outros desafios.

Essas discussões remetem-nos a imensos desafios, um deles é o isolamento do professor

no seu quefazer. Não lhe é assegurado tempo e nem espaço para grupos de pesquisa ou

mesmo o diálogo com os seus pares. A qualidade de ensino caminha junto às condições de

trabalho, plano de carreira, salário justo, dignidade. Formação de professores insere-se numa

categoria profissional, o que significa lutar por direitos básicos de trabalho e de valorização

profissional. Conforme SILVA (2011),

a profissionalização do magistério exige piso salarial, carreira e formação

continuada. E mais: condições de trabalho adequadas, acesso às tecnologias e

mídias e conhecimento para manipulá-las, profissionalização e

reconhecimento de sua importância social são alguns elementos essenciais

para uma mudança de cultura política em direção de uma educação pública e

de qualidade para todos. Essa é uma alternativa para os governos nos anos

vindouros! (p.342).

Só assim poderemos pensar em pesquisa e formação competente do professor como

inédito, a boa nova, “qualidade de ensino”; o viável, o necessário, “democratização da escola

pública, contra o elitismo e autoritarismo”. Mas, essa é uma situação-limite que nos impõem a

sermos sujeitos da história, construir um novo legado, com bases no sólido legado de Freire: o

inédito-viável. O inédito virá! Viável e urgente!

Notas

i Macrossociolinguística abriga o processo de comunicação humana que, refletindo as relações de poder, está

permanentemente construindo e perpetuando as instituições sociais. Microssociolinguística a que se ocupa prioritariamente

do estudo da variação e mudança (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 150). ii A situação ideal de fala é a condição ideal para o desenvolvimento e exercício da racionalidade humana (GEUSS, 1988,

p.114). iii São Paulo (1990) existe cerca de 200 mil meninos e meninas excluídos. Tenho denominado a eles meninos e meninas

populares porque, entre esses 200 mil não há crianças filhos de banqueiros ou industriais (FREIRE, 1990, p.60). iv Ver mais a esse respeito em FREIRE, Pedagogia da Esperança. São Paulo. Paz e Terra, 2006, p.28. v Sonhar não é não apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de

mulheres e homens. Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos, virando seres da inserção no

mundo, e não da pura adaptação ao mundo, terminaram por ter no sonho também um motor da história. Não há mudança sem

sonho, com não há sonho sem esperança (FREIRE, 2006, p. 91). vi O aluno precisa estar atento a sua forma de comunicar em atos de fala. “Quando e onde se espera que os participantes da

interação usem linguagem formal (monitorada)” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 20). vii Ver mais a esse respeito em FREIRE, Pedagogia da Autonomia. São Paulo. Paz e Terra, 2005. viii Formato maiúsculo conforme fonte original. ix Construção horizontal, intersubjetiva, realizada de baixo para cima, em benefício do coletivo, da sociedade. Há

diversidade, existem contradições, argumentos e contra-argumentos, diálogo. x Construção vertical, objetiva, realizada de cima para baixo, para atender interesses de um determinado grupo ou instituição

em detrimento aos interesses da sociedade.

311

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313

LENDAS E CONTOS DE FADAS:TRABALHANDO COM LITERATURA INFANTIL PARA

ROMPER OS PARADIGMA DA ESCOLARIZAÇÃO

Deylla Nara Garcia Manjela

PUC/GO

[email protected]

RESUMO

Para romperem-se os paradigmas da escolarização foi utilizado em uma sala de aula de

uma escola pública da periferia de Goiânia contos de fadas e lendas. Unindo o conhecimento de

mundo dos alunos, com o que essas histórias tinham para contar, procurando discutir sobre

assuntos do cotidiano, familiarizando o aluno com o conteúdo aprendido. A escolha das lendas

foi pela intenção de aproximar o estudante da família, uma vez que o professor não deve

sozinho ficar com a responsabilidade total do aprendizado da criança. Já os contos de fadas

foram escolhidos com o intuito de buscar saber se os alunos conseguem ver além do que sempre

foi contado a eles quando crianças, assim descobrir se eles conseguem enxergar detalhes que às

vezes passam despercebidos, tal como acrescentar outro olhar a respeito dessas histórias, o qual

não deve ser imposto e sim uma troca de opiniões. Assim, com os resultados perceber o quanto

são capazes de usar a imaginação na escrita, uma vez que também escreveram histórias durante as aulas.

PALAVRAS – CHAVE: Escolarização, literatura infantil, conhecimento de mundo.

Introdução

Quebrar os paradigmas da escolarização da literatura infantil se dá por meio da

ajuda do professor aos alunos, que em sala de aula consegue ir além do que está escrito

nos livros literários e didáticos, não excluindo o aprendizado que há neles e sim os

completando, havendo assim uma troca saudável e natural. Conforme PIMENTEL

(1991):

o livro infantil deve atender as necessidades das crianças para que

elas possam integrar social e cultural no mundo do adulto.

Os contos de fadas foram escolhidos, com o intuito de despertar nas crianças o

anseio de discussão de vários temas e buscar esclarecer dúvidas, ‘contos de fadas tem

um efeito terapêutico na medida em que a criança encontra uma solução para as suas

dúvidas através da contemplação do que a história parece implicar acerca dos seus

314

conflitos pessoais no seu momento da vida ’ (BETTELHEM, 1980), cabe a eles a ajuda

do educador.

Já a escolha das lendas foi para ajudar na interação entre os pais e a criança, uma

vez que se supõe que aquele conhece muitas histórias e pode contá-las a estes. Assim

quando o estudante for à procura de informações, o responsável perceberá o interesse

dele e juntos poderão descobrir muitas coisas, já que não só a escola educa como mostra

o site pedagogia do amor, ‘Mais do que métodos e técnicas de motivação para ler, são

necessárias providências que se relacionem à história do aluno na sociedade,

principalmente em sua família. Não se pode separar a prática da leitura da vida em

família e na comunidade. Não é uma questão a ser resolvida apenas na escola e pela

escola ’. Dessa forma, pais e filhos se aproximarão e se entenderão mais, evitando, por

exemplo, brigas que podem afastá-los além de criar o hábito de troca de informações

entre eles.

Utilizar-se do conhecimento de mundo do aluno teve como intuito despertar

maior interesse no estudante, que perceberá que o que se passa do lado de fora da escola

também é importante, tudo que este conhece não é irrelevante para se discutir em sala

de aula, ele tem que se sentir participativo juntamente com o professor, o qual deve

saber definir o que é proveitoso ou não, sem menosprezar nenhum educando. Com isso,

o professor muitas das vezes impedirá muitos alunos de se deixarem abater pelos seus

problemas, principalmente nessa onda de bullying, não que o educador seja responsável

totalmente pelo educando, o fato é que ele pode não ter em casa esse auxilio, uma vez

que hoje em dia, infelizmente, os pais depositam na escola a responsabilidade de

educação de seus filhos, a escola não deve possuir um sistema de ditadura, ela tem que

acima de tudo humanizar.

Enfim, a proposta desse artigo, não foi de mudar a realidade da escola da pesquisa

de uma hora para outra e sim mostrar que tem como fazer diferente. E também levar

para a docência as experiências adquiridas.

1. Rompendo paradigmas da escolarização da literatura infantil

Segundo SOARES, em seu livro Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social:

a escola tem se constituído, cada vez mais, como a principal

instituição responsável por promover o contato dos alunos com os

livros e de contribuir para que se tornem leitores autônomos e

capazes de fazer leituras voluntárias. Por isso, toda vez que se

identifica em crianças ou adultos uma dificuldade no uso da escrita

315

ou um desinteresse pela leitura, é atribuído à escola o fracasso no

desenvolvimento de habilidades de usos social da leitura e da escrita e na promoção de atitudes positivas em relação à leitura.

Sempre que uma leitura é obrigatória os alunos automaticamente perdem o

prazer na leitura, pois nada que é nos forçado, nos possibilita de fazermos bem,

geralmente não leem ou leem resumos.

Isso se dá também, pelo fato de os responsáveis não possuírem tempo de

contribuir junto com a escola no interesse de suas crianças para a leitura (de acordo com

o questionário aplicado em sala de aula, muitas das vezes não possuem exemplos dos

pais em casa), hoje em dia essa responsabilidade é da escola.

Isto é um problema, pois para que haja efeito deve-se haver contribuição de

ambos os lados: de casa e da escola, para que haja uma educação continuada. Se

comportando mais na sala de aula, por causa da colaboração dos pais, o estudante terá

mais chances de se concentrar e trocar com o educador experiências do exterior da

escola, uma vez que a maioria dos indisciplinados possuem problemas familiares. O

fato de o professor se importar também com que o aluno tem a dizer faz com que ele

tenha maior interesse para aprender, uma vez que se sente importante e corajoso para

expressar aquilo que pensa e sente.

Porém, algumas vezes isso não ocorre e o professor acaba por ter que sozinho

fazer o papel dos pais e da escola, uma vez que alguns pais não possuem tempo e

colocam a responsabilidade inteira na escola, muitos até colocam os filhos

integralmente na escola, o que faz com que o vínculo importante que teriam com suas

crianças se percam, havendo um desgaste muito grande da parte do educador, fazendo-o

quase sempre, utilizar-se apenas do livro didático ou não possuir interesse de preparar

uma aula criativa e não monótona.

Deve haver uma paciência muito grande do professor, que não deve esquecer

que dentro da sala de aula há crianças que precisam de um futuro digno, acima de tudo

deve-se ter o sentido de humanização, mesmo que os fatores externos não contribuem

para isso, como salário, condições de educá-los e etc. É por meio da educação que

muitas crianças não entrarão, por exemplo, no mundo da violência. Segundo

TIETZMAN (2006):

a escola que a literatura apresenta hoje ao leitor propõe se a

constituir um espaço de aprendizagem completa, onde se estudam

os conteúdos curriculares, onde se tem a preocupação a memória

316

cultural, onde se cultivam os valores humanísticos - onde se

aprende a ser um verdadeiro .

Pra que isso ocorra de uma maneira diferente do que os alunos estavam acostumados,

houve um estudo de contos de fadas e lendas. Os alunos gostaram mais das lendas, pelo

fato de serem mais curtas e mais interessantes para a idade deles.

Por meio de conversas com eles, se soube que julgaram as histórias de contos de

fadas muito infantis, mesmo sabendo, por meio de nossas conversas que por detrás

delas, há muito mais do que se imagina, detalhes que passam despercebidos, como por

exemplo, o papel do lobo mau na história da Chapeuzinho Vermelho, fatos que só uma

boa pesquisa mostraria, porém a impressão que se teve é que o mais fácil convinha lhes

mais.

O intuito de tudo isso, foi fazer com que as aulas se tornassem interessantes para

cada um dos integrantes da sala de aula e que não ficasse maçante como a maioria das

aulas que eles possuem. E o principal, não impedir que eles usassem de suas

experiências e falassem o que pensavam sobre os assuntos, não dando a eles respostas

prontas como faz a escolarização da literatura infantil, mesmo que difícil, o professor

deve tentar escutar a cada aluno, cabe a ele peneirar as falar e não menosprezá-las.

2. Contos de fadas na sala de aula

A literatura para a criança hoje abrange diferentes tipos de contos, entre os

tradicionais e os modernos. Os contos tradicionais (contos de fadas, contos

maravilhosos e etc.), foram os trabalhados pois:

tocam aspectos muito importantes de nossa natureza e de nossa

história, pois o conto constrói/estabelece o ser humano como um

ser de linguagem e de cultura, para o qual todas as atividades de

sobrevivência (alimentos, roupas, relacionamentos com animais e

plantas) adquirem dimensões imaginárias e simbólicas (FARIA, 2006).

A interação entre a criança e o seu responsável é importante nessas descobertas,

uma vez que aquela é altamente influenciável, cabe aqui uma conversa e um

direcionamento. A escola tem o papel de continuar essa educação, em sala de aula, o

professor deve estar atento a usar também o conhecimento de mundo do aluno, pois

assim ele vai adquirindo o prazer da leitura e das discussões em sala de forma natural e

prazerosa, além do fato de aumentar o seu conhecimento, como por exemplo, o de

317

gramática e interpretação de texto, através de atividades diferentes da do livro didático.

Pensando nisso, decidiu-se começar trabalhando com eles contos de fadas, o primeiro a

ser utilizado foi o da Chapeuzinho Vermelho.

No começo, não foi bem recebido, pois os alunos disseram que eram histórias de

criança. Por causa disso, conversaram muito em sala de aula, enquanto poucos

discutiram, além disso, por ser a primeira aula ainda não estávamos familiarizados uns

com os outros.

Dentre esses poucos, alguns não acreditaram como os contos de fadas possuem,

fatos que não são perceptíveis com a leitura sem análise. Por causa disso, a discussão

ficou um pouco melhor, foi explicado a eles que através de pesquisas, soube-se que

antes de serem para as crianças, os contos de fadas eram para adultos. Hoje em dia, eles

foram modelados, a fim de atingir os menores, sem deixar de possuírem cenas que

tinham anteriormente, porém amenizadas.

Tentou-se estimular com isso, a procura de novos conhecimentos, incentivando

os a fazer pesquisas, pois o que mais se presa aqui é o desenvolvimento cognitivo do

aluno, e não somente decorar o que o professor tem a lhe ensinar, a escola e o mundo

não precisam de alunos copistas. Além disso, saber como está o amadurecimento da

criança de quando liam as histórias antigamente para hoje, que estão um pouco mais

velhos.

Dando continuação, em outra atividade, percebeu-se que a maioria dos

estudantes prefere escrever a discutir oralmente, sendo assim, pediu-se que eles

escolhessem um conto de fadas e o colocasse na realidade em que vivem, aprimorando

dessa maneira a escrita deles e a capacidade de criar sem o auxilio do professor.

Ao ler as redações prontas, viu-se que diversos são os fatores que eles têm

contato, ou veem de alguém próximo, no cotidiano deles, como drogas; ‘E o outro

porquinho era pobre, muito preguiçoso, roubava e usava drogas, porque era viciado e

não dava conta de parar’(A1., 8ºA).

Depois de ler alguns dos contos de fadas que eles escreveram, foram

selecionados os chamaram mais a atenção, como os que falavam de homossexualidade,

no caso de a princesa se preocupar mais com os estudos e trabalho do que viver feliz

para sempre com o príncipe, sendo dona de casa e o fato de escolherem outros lugares

para o casal morar que não fosse o Brasil, além das drogas já citado.

Levando em conta a vida do príncipe e da princesa depois de se casarem,

percebeu-se nas redações da minoria dos estudantes que a princesa dos contos de fadas

casou e teve muitos filhos, ‘Quando ela se casou, passou-se seis meses, ela engravidou e

318

teve seu primeiro filho, após isso teve seus outros dois filhos’ (I., 8ºA). Enquanto uma

maioria se preocupou com os estudos e o trabalho dela, para depois ter filhos, ‘A Bela

adorava flores, então estudou bastante e hoje, já formada, trabalha no Jardim Botânico,

um paraíso para quem gosta de natureza. O príncipe também se formou e hoje é um dos

advogados mais conceituados do país’. (A2., 8ºA)

Isso é bastante interessante, já que se pararmos para pensar, pouquíssimos dos

contos de fadas conscientizam as crianças que além de casar e ter filhos deve-se estudar

para ser alguém na vida, a maioria deles, ou o príncipe é rico, ou quem tem dinheiro é a

princesa (que cuidará do castelo). Segundo PIMENTEL (1991) são:

Imagem defasada da oposição e dos direitos das mulheres: sempre caseiras, domésticas, em situação subalterna.

Vê se então, que o aluno tem sim a noção de que deve estudar para ser alguém

na vida, os estudantes são mais espertos do que podemos imaginar, a capacidade deles

de assimilar é muito grande, o fato da indisciplina é que alguns mesmo sabendo o certo

e o errado na hora de se comportar, não tendo exemplos daqueles que moram com eles,

não conseguem fazer o mesmo, uma vez que na maioria das vezes o professor não é

mais importante que os pais. Além disso, eles devem estar sofrendo com alguma coisa e

não se comportam dessa maneira para chamar a atenção, cabe ao professor não

menosprezar todos os fatores que rodeiam os alunos.

Em outras histórias se percebeu fatos como, homossexualidade e mais uma vez

drogas, como em, ‘ Com esses conflitos, os seus filhos, Belo virou gay e a Fera Junior

virou um traficante ‘ (A., 8º A). Esses assuntos podem estar presentes na vida deles,

porém pode ser também influência da mídia, pois estão bem na ‘moda’.

Este é um exemplo de conhecimento de mundo que não se deve ser deixado de

lado pelo professor, que deve esclarecer a eles para os prós e contras de determinados

assuntos, sem influenciá-los ou indicar o que é certo ou errado, pois vivemos em um

país de livre escolha, essa escolha pode ser diferente (como não entra no mundo das

drogas as drogas), com os conselhos e aulas expositivas que o professor pode dar a seus

alunos.

Além desse, há também exemplos em que os alunos falaram que o casal foi para

outro país, nenhum deles mencionou o Brasil, ‘Ela foi morar em Londres com seus

filhos, exercer a profissão de professora ’ (I., 8ºA).

319

Para melhores resultados, houve uma conversa individual com os alunos dos

exemplos dados e perguntamos do porquê de cada frase escrita. As alunas A1 e A

disseram que não sabiam o porquê de colocar drogas e homossexualidade em seus

textos, ficaram com vergonha de dizer quando lhes foi perguntado, nenhum dos alunos

foram forçados, pois o foco não era obrigar ninguém a se expressar e sim deixar que

fluísse naturalmente. Pode ser que nesse caso, elas estejam apenas escrevendo o que

escutam por ai. Percebe-se aqui o quanto é importante esclarecer aos alunos os fatos,

uma vez que às vezes nem sabem bem o que estão falando ou escrevendo, apenas

internalizam algo imposto pela mídia por exemplo.

A estudante A1 disse que colocou em seu texto que a princesa e o príncipe se

casaram, estudaram e trabalharam, pois esse é o objetivo de vida dela e não casar, ter

filho e ser dona de casa somente. Já outra aluna, falou que colocou Londres na história,

porque ela tem vontade de conhecer outros lugares que dão mais oportunidades para ela.

Escolheu Londres, pois lá é um lugar bonito onde vivem príncipes e princesas.

Nota-se então, que ao ler as redações dos alunos e discutir em sala de aula,

percebeu-se que alguns não concordam com o jeito que os contos de fadas foram

escritos, talvez seja por isso que não gostaram tanto assim de trabalhar com eles, visto

que a maioria as modificou, escrevendo o que realmente teria que acontecer nas

histórias na opinião deles.

Além desses exemplos, que já foram mencionados, alguns outros mostram

reconciliação dos personagens, embora outros preferissem vingar daqueles que fizeram

mal ao príncipe e a princesa. Cada qual no seu próprio universo real.

Os resultados dessa parte da pesquisa, foram muito proveitosos, concluiu-se o

que já era sabido, que os alunos sabem usar a imaginação, utilizar da escrita e da

oralidade e estão a par de muitos assuntos, que os puxões de orelhas do professor em

sala de aula estão surtem efeitos, mesmo que desgastantes, pois sabem que o mais

importante hoje é estudar.

Além desses assuntos, o professor pode utilizar de vários outros que estão no

contexto de mundo dele próprio, de seus alunos e do mundo em si, em sua sala de aula,

possibilitando assim trocam de experiências, opiniões e fazendo com que a escola não

se torne um lugar de tormentas e sim de prazer, se todos os alunos, ou a grande maioria

se sentir bem em sala de aula, a probabilidade de se comportarem e prestarem atenção

nas aulas são muito maiores, sendo assim a aula será muito proveitosa.

3. Lendas na sala de aula

320

Após solicitar aos alunos que respondessem um questionário, percebeu-se que a

maioria deles preferiu as lendas, haja vista que disseram que os contos de fadas eram

infantis, ‘Contos de fadas são infantis, gostei mais das lendas’ (R. 8ºA). Os dados

revelam que eles preferem mais histórias de ação, suspense e terror. E mesmo que os

contos de fadas tenham às vezes essas características, sempre terá um final feliz,

diferente das lendas, pois algumas terminam até sem solução. ‘Contos de fadas não, mas

eu gostei de lendas, porque tem certo suspense que contos de fadas não têm’ (L. 8º A).

Com o intuito de interação com as lendas, pediu-se que as trouxesse de casa.

Para que isso ocorresse, teriam que perguntar aquele que tem o dever de cuidado (pai,

mãe, tio, avô, vizinho). Porém o plano de fazer com que os alunos interagissem com a

pessoa responsável, infelizmente, não teve um bom progresso, em virtude da maioria

dos pais não terem tempo de conversar com as suas crianças, uma vez que trabalham

muito e não sabem administrar o seu tempo, ou não tinham interesse mesmo, ‘Não

consegui, pois eles não tinham tempo’ (L. 8º A). Perde se assim, a valiosa oportunidade

de troca de experiências e de carinhos de um para com o outro, valorizando o verdadeiro

sentido da família. A vida não é fácil para ninguém, mas deve-se saber que quando se

tem um filho, ele não precisa somente de bens matérias.

Mesmo com esse acontecimento, alguns alunos trouxeram lendas pesquisadas da

internet, mas isso não foi de todo ruim. Tivemos várias discussões mesmo assim e pelos

questionários, alguns continuaram procurando por lendas além das dada em sala de aula.

Percebe-se aqui que a internet não deve ser somente para bate papo e jogos, ela deve

também ser uma ferramenta que auxilie o aluno a pesquisar mais sobre vários assuntos

além dos supérfluos, sem claro, menosprezar esses também, que podem possibilitar

atividades interessantes, mas não somente.

Discutimos também, algumas lendas indígenas, as crenças e costumes desse

povo, de uma forma a deixá-los conscientes de alguns acontecimentos do dia a dia,

como Belo Monte. Gostaram bastante, duas alunas até citaram lendas indígenas que já

leram.

Essa atividade foi muito interessante, por causa da percepção que se obteve do

resultado de uma boa didática, pode-se ensinar aos alunos diversos outros assuntos, às

vezes em uma discussão calorosa se aprende mais do que resolvendo os exercícios do

livro didático que acaba dando aos alunos respostas prontas.

Por causa do grande interesse dos alunos, fizemos outra atividade sobre lendas,

dessa vez escrita, foi pedido que eles continuassem uma lenda (a lenda indígena da

Lua), e colocasse dentro da história algo que tinha acontecido com eles. Uma das alunas

321

aproveitou que o texto era sobre dois irmãos, para contar um fato que aconteceu na

família dela, quando lhe foi perguntado o porquê a ela, disse que não tinha uma boa

relação com o irmão dela e por isso se expressou assim.

Casos como esses nos faz pensar, em que momento a escola está

conscientizando o aluno de que se deve ter uma boa relação com seus familiares? A

escola às vezes rotula os educandos indisciplinados e quietos demais e acaba por não

perceber que eles precisam de ajuda. É complicado sabemos de todos com os mínimos

detalhes, pois são muitos alunos e não dá tempo de sentar com cada um deles para

descobrir sobre a vida deles, porém a maioria dessas crianças fica na escola por muitos

anos, por isso dá para saber algumas coisas. O professor pode fazer diversas atividades

para descobrir o que se passa no universo deles, sem ter que perder aula programada na

ementa para tal. O professor deve ter o olhar atento, deve buscar fazer com que seus

alunos usem seu senso crítico.

Não cabe somente ao educador, mas também à escola inteira, diretor, faxineira,

coordenadora entre outros, todos devem buscar trabalharem juntos e encontrar meios

diferenciados para fazer com que esse aluno cresça a cada dia e não caiam em

monotonias como, por exemplo, apenas a leitura dos livros didáticos. Cada um ali

dentro da escola tem um papel muito importante na vida deles. Mas é de fundamental

importância a ajuda dos pais, haja vista que a escola não consegue estar 24 horas com

cada aluno.

Esses meios diferenciados são, por exemplo, esse trabalho que foi desenvolvido,

como mostra esse artigo, uma vez que a escola tem que ter em conta que é mais

importante o aluno aprender do que decorar, não precisamos de alunos mecânicos e sim

que se conscientizem do que fazem ou podem fazer para crescer na vida. Tudo é

importante aprender, mesmo que mais pra frente eles não venham a usar em seus

trabalhos quando adultos. Uma aula bem dada pode ajudar os estudantes a saberem o

que realmente querem para o seu futuro. Como eles podem saber se querem ser

professores se não tem um exemplo do que é ser um bom?

Finalmente, vê-se que há várias maneiras de poder fazer com que a aula não se

torne maçante, como diz uma aluna, ‘Sim, porque é ruim ficar sempre nas mesmas

coisas’ (A. 8ºA), e a lenda é uma delas, uma vez que ela desperta a criatividade dos

alunos.

Conclusão

322

Foi bom trabalhar com os dois gêneros literários, mesmo que a maioria gostou

mais das lendas, o que não foi muito bom de tudo isso é que a maior parte deles ficou

apenas com as leituras em sala de aula, e não utilizou da internet, por exemplo, como

forma de pesquisar sobre mais histórias, uma vez que esse era um dos intuitos. Porém,

se sabe que a mudança não é de uma hora para outra, as aulas dessa pesquisa foram

muito poucas.

Outra coisa que pode ser observada é que esses gêneros podem não ter sido tão

interessantes, para alguns, mas se descobriu através deles muita novidade e

principalmente que com certeza os alunos são capazes de usar muito bem a imaginação,

uma vez que foi pedido que eles fizessem algumas redações e falassem um pouco sobre

as histórias, nossa função como professores é não deixar que isso se perca.

É tentando, errando e acertando que se chega a algum lugar. Não podemos

deixar que a literatura seja esquecida, e é desde crianças que devemos incentivá-los a

leitura. Lembrando que não se aprende a gostar da leitura de hora para outra. Deve

haver um processo gradual, evitando assim possíveis traumas.

Vê- se por tudo isso que é possível sim trabalhar com os alunos outros tipos de

aulas. Existe sim a possibilidade de não ficar somente nos livros didáticos e tornar a

aula maçante.

Mesmo pelo tempo curto da prática desse projeto, através dos questionários e

mesmo comentários em sala de aula percebeu-se que os alunos gostaram bastante de

aprender coisas novas. Foi muito estimulante alguns deles relatarem que as aulas foram

diferentes, o que já vale o esforço de buscar novos métodos de ensinar os alunos de uma

maneira mais humana, sem pressão.

Enfim, termina-se esse trabalho com as palavras de FAUNDEZ (1989), em a

‘Oralidade e a escrita’, que é muito importante para os educadores terem em mente, ‘Os

professores devem aprender a ser a ponte privilegiada dos diversos diálogos que devem

ser estabelecidos entre os diferentes agentes sociais para que cada um contribua, a partir

de uma perspectiva individual, para a formação e criação de uma nova sociedade’, ou

seja, professor, responsável, escola e aluno precisam junto saber que cada um tem uma

participação fundamental na educação e devem fazer com que essa participação seja

feita de uma maneira prazerosa e humana.

Referências

323

BETTELHEIM, B. Psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

DIAS, Dalva. Pedagogia do amor. Virtual Books, 2006. Disponível em:

http://pedagogia.loveblog.com.br/129345/A-pratica-da-leitura-comeca-em-casa/.

Acesso em 15 de novembro, 2011, 15:00

FAUNDEZ, A. Oralidade e escrita. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989.

FARIA M. A. Alfabetização e letramento. Artigo, 2004.

FREIRE, P. Educação e mudança. São Paulo, Paz e Terra, 1999.

PIMENTEL, L.G. Introdução à literatura infantil e juvenil. São Paulo, Pioneira, 1991.

SOARES, M. Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social. São Paulo, Ática, 1986

TIETZMAN, V.M.S. Literatura infantil brasileira: um guia para professores e

promotores de leitura. Goiânia, Canone, 2008.

324

UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

O DESABROCHAR DE UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A

APRENDIZAGEM DE IDIOMAS

MARA NATÉRCIA NOGUEIRA

Goiânia, dezembro de 2011

325

UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

O DESABROCHAR DE UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A

APRENDIZAGEM DE IDIOMAS

MARA NATÉRCIA NOGUEIRA

Artigo apresentado à Universidade Holística Internacional da Paz como requisito Parcial

para obtenção do grau de Especialista em Relações Humanas, curso chancelado pela PUC

GOIÁS, sob a orientação da Profª Msª Hélyda di Oliveira.

Goiânia, dezembro de 2011

326

UNIVERSIDADE HOLÍSTICA INTERNACIONAL DA PAZ

Folha de Avaliação

Autor: Mara Natércia Nogueira

Título: O Desabrochar de uma Nova Perspectiva para a Aprendizagem de Idiomas

Data de avaliação: 06 de dezembro de 2011.

Banca Examinadora

_______________________________________________________________

Profa. Ms. Hélyda Di Oliveira

(orientadora)

_______________________________________________________________

Prof. Esp.

(professor convidado)

_______________________________________________________________

Prof. Esp.

(professor convidado)

Nota final: ______________

Local: Unipaz Goiás, Goiânia, 06 de dezembro de 2011.

Goiânia, 06 de dezembro de 2011.

327

Dedico esse trabalho à minha mãe Lázara

Paulina Nogueira (in memóriam).

328

Agradecimentos

À Profa. Ms. Hélyda di Oliveira, minha orientadora, pela preciosa orientação e,

sobretudo pela sua infinita paciência, cuidado, apoio e incentivo dedicados a

mim durante todo o percurso desta pós-graduação.

A Todos os Facilitadores que nos acompanharam no decorrer deste curso, pelo

cuidado, atenção e disposição em fazer com que todo o aprendizado fosse

oriundo de vivências e de práticas para o desenvolvimento humano.

Ao Dr. Fausto Jaime pela contribuição teórica e pela disposição em fazer parte

da Banca Examinadora deste Artigo.

Aos Colegas Aprendizes desta turma, pela espontaneidade, pelo cuidado e pela

alegria na troca de experiências e de informações, numa demonstração rara de

amizade e solidariedade.

À Minha Família especialmente pela incondicional cooperação e atenção

emocional, espiritual e material, dedicados a mim durante todo o percurso desta

especialização.

E, finalmente, a Deus, Divina Sabedoria Cósmica, pela oportunidade e pelo

privilégio de poder vivenciar e compartilhar tamanha experiência de aprendizado

para a vida.

329

Uma canção me guia,

Minha emoção vigia,

E a minha direção

É o instinto do meu coração...

(Paulo Cesar Pinheiro)

330

Sumário

A Desconexão das Partes com o Todo ............................................................................ 8

A Possibilidade de uma Nova Cosmovisão Planetária ....................................................10

Visão Holística - Concepção Sistêmica ...........................................................................12

O Desabrochar de uma Nova Perspectiva para a Aprendizagem ....................................13

O Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas (Open Learning Language System).....16

Se Aprendermos com o Corpo Inteiro a Fluência Acontece............................................ 20

Considerações Finais........................................................................................................ 26

Referências....................................................................................................................... 27

331

O DESABROCHAR DE UMA NOVA PERSPECTIVA PARA

APRENDIZAGEM DE IDIOMAS1

Mara Natércia Nogueira2

Resumo: neste artigo, pretende-se discorrer sobre uma nova

perspectiva no campo da aprendizagem de idiomas, chamada de

Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning

Language System, e sua relação intrínseca com a abordagem

transdisciplinar holística.

Palavras-chave: visão holística, transdisciplinaridade,

aprendizagem, Sistema Aberto de Aprendizagem.

A Desconexão das Partes com o Todo

A dinâmica de o-todo-e-as-partes configura a ação predominante para o

surgimento de uma nova cosmovisão, a qual se apresenta em resposta à deterioração de

um modelo que já não atende mais a sustentação de um planeta que ainda respira, porém,

se encontra em profunda estagnação no que tange à consciência humana. A complexidade

do mundo e o desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual da nossa

espécie evidenciam a vital necessidade de mudanças e transformações. Conforme

CREMA, 1987, p.17:

“Cosmovisão, além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa

também uma atitude frente ao mesmo. Portanto, não é uma mera abstração, já

que a imagem que o homem forma do mundo possui um fator de orientação e

uma qualidade modeladora e transformadora da própria conduta humana”.

A desenfreada busca pela sobrevivência e a necessidade da garantia do domínio e

controle da natureza, fez com que a humanidade caminhasse para um inevitável

precipício: o distanciamento largo em relação à compreensão da própria existência do

sentido da vida humana.

1 Artigo elaborado para fins de avaliação acadêmica no Curso de Pós-graduação em Gestão em Relações

Humanas, sob a orientação da Profa. Ms. Helyda Di Oliveira, UNIPAZ GOIAS – Universidade Holística

Internacional da Paz; 2011. 2 NOGUEIRA, Mara Natércia. Aprendiz do curso de Pós-graduação em Gestão em Relações Humanas.

UNIPAZ GOIAS – Universidade Holística Internacional da Paz; 2009-2011.

332

O Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Portugal,

entre os dias 2 a 7 de novembro de 1994, confere a Carta da Transdisciplinaridade 3, a

qual traz no seu preâmbulo a consideração de que “a ruptura contemporânea entre um

saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à

ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências, no plano individual e social,

são incalculáveis”.

O ser humano passa a ser dominado pelas suas próprias criações e descobertas.

Torna-se refém de si mesmo no caminho do desenvolvimento tecnológico e científico.

Resulta disto, um academicismo clássico o qual concebe a divisão do conhecimento em

diversas disciplinas. Contudo, o que ocorre é que esta fragmentação dos saberes provoca

um efeito que desencadeia um processo de separação e distanciamento do todo.

Quebramos a unidade do conhecimento e distribuímos os pedaços entre os

especialistas. Aos cientistas, demos a natureza; aos filósofos, a mente; aos

artistas, o belo; aos teólogos, a alma. Não satisfeitos, fragmentamos a própria

ciência, espalhando-a pelos domínios da matemática, da física, da química, da

biologia, da medicina e de tantas outras disciplinas. O mesmo ocorreu com a

filosofia, a arte e a religião, cada um desses ramos se subdividindo ao infinito

(WEIL, 1993, p. 26.).

Este artifício onde as partes se desligam do todo desencadeia um processo

permanente e inevitável de distanciamento, que vai ampliando à medida que se busca

cada vez mais a autonomia e a autosuficiência de cada parte isoladamente. Configura-se,

portanto uma profunda desconexão das partes com o todo.

Emergidos neste contexto paradigmático da fragmentação, a humanidade chega à

pós-modernidade numa fragilidade paradoxal jamais vista em todos os tempos. Um

verdadeiro colapso se instaura na existência humana em decorrência desta desconexão. A

humanidade entra numa crise global da consciência humana.

Nesta seara de fragmentações, sem dúvida podemos ressaltar que a que divide o

homem em corpo, emoção, razão e intuição é a mais ameaçadora. Pelo motivo de nos

“impedir de raciocinar com o coração e de sentir com o cérebro” (WEIL, 1993, p.27).

3 A Carta da Transdisciplinaridade é entendida como “o conjunto de princípios fundamentais da

comunidade dos espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário desta carta

faz consigo mesmo, livre de qualquer espécie de pressão jurídica ou institucional” (preâmbulo da Carta).

Sendo o Comitê de Redação desta Carta formado por Lima de Freitas, Edgar Morin e Besarab Nicolescu.

333

No entanto, há que se perceber, que pelo fato da própria ciência moderna já não

conseguir mais resposta às questões provocadas por ela mesma, fez com que físicos

passassem a procurar em áreas demasiadas antagônicas às suas, caminhos para tais

respostas (como na psicologia e em diversas tradições da humanidade). Assim, deu-se

início a um encontro de áreas diversas do conhecimento e, consequentemente também,

um relevante diálogo.

A Declaração de Veneza4 nos traz considerações relevantes e imperativas para a

possibilidade a um novo caminho, com um novo olhar para o destino da humanidade. Ela

nos aponta que:

O conhecimento científico, no seu próprio ímpeto, atingiu o ponto em que ele

pode começar um diálogo com outras formas de conhecimento. Nesse sentido, e

mesmo admitindo as diferenças fundamentais entre Ciência e Tradição,

reconhecemos ambas em complementaridade e não em contradição. Esse novo e

enriquecedor intercâmbio entre ciência e as diferentes tradições do mundo abre

as portas para uma nova visão da humanidade e até, para uma nova perspectiva

metafísica (Item 2).

A Possibilidade de uma Nova Cosmovisão Planetária

O encontro entre a ciência e a consciência torna-se, portanto uma premissa

inevitável e, mais que isso, imprescindível, para trazer de volta a possibilidade da

recomposição de todas as nuances que dão sentido, e que estruturam a complexidade e a

perfeição desse inteiro despedaçado.

Há que se considerar o poder genuíno e equilibrante em se permitir a dinâmica de

o-todo-e-as-partes. Toda a natureza existente no planeta, nos seus diversos reinos:

mineral, vegetal e animal; só dará respostas congruentes ao desenvolvimento e à

evolução, caso a humanidade passe a reconhecer essa nova cosmovisão planetária.

No intuito de transgredir fronteiras entre as disciplinas, já que as mesmas se

encontram em dissonância, na busca de uma resposta a esta crise global da consciência

humana, pesquisadores como Edgar Morin, Basarab Nicolesco e Jean Piaget criam o

termo transdisciplinaridade .

4 Declaração de Veneza: documento que sintetiza as discussões realizadas no Simpósio “Ciência e as

fronteiras do conhecimento: prólogo do nosso passado cultural”, na cidade de Veneza – Itália, promovido e

realizado pela UNESCO – Órgão das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em

cooperação com a Fondazione Giorgi Cini, no ano de 1986.

334

Na profunda visão de Nicolescu, a transdisciplinaridade consiste,

fundamentalmente, no encontro da ciência moderna com a Tradição (do latim tradere:

ato de transmitir ou remeter). É importante ressaltar que a expressão é usada com T

maiúsculo, para diferenciá-la do significado mais usual de tradição, como hábito ou

costume. Nesse segundo sentido, afirma Nicolescu (apud CREMA, 1989, p.95), “a

ciência, é por essência, anti-tradicional, pois se refere à pesquisa do desconhecido, à

invenção, sob a pressão de fatos experimentais de teorias novas, progressivamente mais

adaptadas a descrever a realidade”.

A intenção destes pesquisadores é ultrapassar o limite dos limites estabelecidos

quando das fragmentações. O termo transdisciplinaridade vem nos trazer uma referência

de ampliação nos conceitos anteriormente estabelecidos. Com o prefixo trans temos a

indicação de que é aquilo que está ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das

diferentes disciplinas e além de toda disciplina.

A visão transdisciplinar é completamente aberta, pois ela ultrapassa o domínio

das ciências exatas pelo seu diálogo e sua reconciliação não somente com as

ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência

interior. (Carta da Transdisciplinaridade – Artigo 5, 1994).

Este novo conceito trás como características fundamentais o rigor, a abertura e a

tolerância, conforme Nicolescu, 1994.

O rigor da transdisciplinaridade baseia-se no conhecimento vivo deste conceito,

o qual deverá perpassar o interior e o exterior, sendo simultaneamente um corpus de

pensamento e uma experiência vivida. Estes dois aspectos deverão ser inseparáveis.

Trata-se de estudos científicos que considere tanto os seres como as coisas, e leve em

conta, na mesma proporção de importância, a relação dos seres com outros seres e coisas.

A aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível refere-se ao

aspecto de abertura na transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1994).

Quanto ao aspecto de tolerância da transdisciplinaridade podemos dizer que este

se encontra no reconhecimento do outro em relação às suas idéias e verdades não

condizentes com as nossas (NICOLESCU, 1994).

Este conceito de transdisciplinaridade converge na configuração de uma nova

maneira de ver e de compreender o mundo, onde se considera eminentemente

335

fundamental um intercâmbio permanente entre a ciência, a filosofia, as artes e os saberes

sapienciais existentes em cada cultura e civilização.

Visão Holística - Concepção Sistêmica

Esta nova forma de conceber o mundo, nomeada como visão holística, propicia as

condições necessárias para que o intelecto seja preparado para agir no âmbito da

cooperação, para que uma vivência transdisciplinar venha a florescer no seio da

humanidade como um desabrochar de novas perspectivas para a possibilidade da

reconstituição da dinâmica de o-todo-e-as-partes; eminentemente fundamental para o

equilíbrio e o sentido do existir.

O paradigma holístico desenvolveu-se a partir de uma concepção sistêmica, nele

subjacente. Em suma, essa abordagem consiste na consideração de que todos os

fenômenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma global;

tudo é interdependente. (CREMA, 1989, p. 68)

A visão holística se constrói no âmbito da aceitação de três dimensões de

compreensão expressas através dos estudos da transdisciplinaridade: a complexidade do

ser humano, os diferentes níveis de realidade existentes e a lógica do terceiro incluído.

Valendo-se também da fundamental importância da interação entre estas dimensões.

Quanto à complexidade do ser humano podemos dizer que se encontra na relação

intrínseca com:

Os níveis: físico, emocional, mental e espiritual;

As funções psíquicas: pensamento, sentimento, sensação e intuição;

Os diferentes estados de consciência: vigília, sonho, sono profundo e transpessoal;

O conhecimento recebido e elaborado que percorrem os campos dos saberes da

ciência, da filosofia, das artes e das sapiências culturais e religiosas;

336

As suas relações com os outros e com a natureza: considerando as dimensões

ontonímicas5 da cultura (mítico-simbólica; lógico-epistemológica e mistérica);

A compreensão da complexidade do Universo em que se está inserido.

Realidade relativa e realidade absoluta fazem parte dos diferentes níveis de

realidade, uma das três dimensões de compreensão. Neste âmbito, há que se considerar

que o Ser e o Universo necessitam serem vistos e compreendidos tanto pela experiência

intelectual, no que se apresenta concreto, visível, mensurável, quanto pelas realidades

sutis, onde os sentidos humanos não podem alcançar.

E, a lógica do terceiro incluído, que segundo NICOLESCO refere-se ao

“guardião do nosso irredutível mistério, o qual ancora na possibilidade da tolerância e da

dignidade humana” (apud, SOBRINHO, 2009, p. 2)

Esta trajetória, na perspectiva da construção de uma nova e abrangente visão de

mundo, que nos coloca frente a um novo paradigma, o qual emerge como resposta à crise

global da consciência humana, vivenciada no contexto da pós-modernidade, passa a

configurar uma abordagem transdisciplinar holística, capaz de despertar um sentido

humano voltado para a ética e para a sustentabilidade da humanidade e do planeta.

O Desabrochar de uma Nova Perspectiva para a Aprendizagem

Somos seres muito mais fabulosos do que jamais ousamos sonhar. Até hoje

muito pouco do nosso potencial foi atualizado. Nosso potencial de criatividade é

infinito, pois estamos em conexão com a grande realidade universal – embora

nem sempre reconheçamos isto. Podemos, inclusive, transcender as limitações

de espaço/tempo e operar numa realidade transpessoal. Os limites que

percebemos em nós mesmos são uma dimensão das ilusões e do mundo das

aparências em que operamos no cotidiano. Os limites estão em nossas mentes e

não no ilimitado universo em que estamos conectados. É ilusório pensar que a

nossa consciência está confinada ao nosso cérebro. O universo e a psique

humana não têm fronteiras nem limites. (JAIME, 2001, p.90)

Transcender os limites de tempo/espaço nos pressupõe caminharmos pela seara da

visão transdisciplinar e holística. Visão esta que é responsável por uma mudança nos

5 Relação de sentido estabelecida entre dois lexemas que apresentam significados opostos. A antonímia

continua a significar uma relação semântica de oposição de significado entre duas palavras, no entanto,

nomeia de forma diferente os tipos existentes de antonímia.

Os antónimos são palavras da mesma categoria morfossintática cujos significados se opõem por um sema

ou traço semântico. Por exemplo, entrar/ sair partilham entre si do sema "movimento, deslocação", mas

opõe-se entre si na medida em que entrar implica o traço de "para dentro" enquanto que sair implica o

traço de "para fora".antonímia. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-

05-16]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$antonimia>.

337

aspectos conceituais e paradigmáticos, e se encontra refletida de forma profunda e

determinante também no campo da aprendizagem.

Desde a década de 1960, já era possível perceber as nuances desta nova visão de

mundo – transdisciplinar e holístia, pois que a busca por metodologias mais eficientes e

eficazes de se desenvolver um processo de aprendizagem, perpassava pela capacidade de

se estabelecer relações interconectivas com várias áreas do conhecimento, somando-se a

isto a aceitação das realidades sutis; bem como a interação de corpo, mente e espírito,

neste processo.

Várias são as reflexões na busca de se construir novas metodologias com a

perspectiva de se obter uma maior apreensão de conteúdos, uma vez que nos encontramos

em contexto eminentemente voltado para o volume de informações de toda ordem.

A quantidade de informações disponíveis, surpreendentemente avolumada, exige

cada vez mais do ser humano a capacidade de retenção e apreensão destas informações,

de maneira rápida e eficaz, com vistas à estruturação de conhecimentos.

Transformar informações em conhecimento perpassa pela capacidade de

aprender. E esta capacidade está intrinsecamente ligada à autonomia pessoal, onde a auto-

estima e o auto-respeito são estados psíquicos e emocionais fundamentais para que a

autonomia aflore e seja presente.

Assim, presenciamos um desabrochar de perspectivas para o processo de

aprendizagem que venha a resgatar e, até mesmo construir uma autonomia pessoal que

possibilite abrir caminhos para uma real aprendizagem, respeitando a inteireza de cada

ser humano – uma vez que já dispomos de todos os recursos internos de que necessitamos

– e a sua interconectividade com todos e com tudo que está a sua volta. Sendo necessário

apenas aprendermos como utilizá-los em momentos e contextos apropriados.

Estas novas metodologias de aprendizagem perpassam pela utilização de recursos

não conscientes na aprendizagem, pois “a mente consciente não será mais capaz de lidar,

sozinha, com a crescente complexidade da rede de informações disponível para o ser

humano” (AGUIAR, 1997).

338

Um médico búlgaro, chamado Georgi Lozanov6, na década de 1960, apresenta um

método de aprendizagem, o qual é chamado de Sugestologia – estudo científico da

sugestão. Este método tem como propósito o aproveitamento do potencial do cérebro,

baseado em técnicas de relaxamento e músicas clássicas.

Estas técnicas, segundo JAIME (2005) apresentam uma profunda combinação de

relaxamento com ritmos sincronizados no cérebro e no corpo. Ele também nos esclarece

que:

Fisiologistas já demonstraram que ouvir a essas músicas não somente provoca a

lentificação dos batimentos do coração e do número de incursões respiratórias

por minuto, mas causa também uma diminuição da pressão arterial. As ondas

alfa de baixa freqüência – ondas cerebrais de 8 a 14 ciclos por segundo –

aumentam a sua presença e se tornam dominantes. Para aumentar esta

sincronização mente/corpo, os estudantes são instruídos a respirar ritmicamente.

(JAIME, 2005, p.66)

Posteriormente, com a aplicação desta metodologia no ensino oficial na Bulgária,

passa a chamá-lo de Sugestopedia.

A partir de 1966, a Sugestopedia passa a ser especialmente utilizada no ensino de

línguas estrangeiras.

Este método de LOZANOV muito se aproxima dos princípios da Aprendizagem

Acelerada. Ocorre que o seu método, esta baseado numa sequência de apresentação do

material a ser aprendido, à mente consciente do aluno, de modo a despertar a curiosidade

e o interesse. Em seguida, a apresentação do mesmo material à mente não consciente –

utilizando música e respiração rítmica, visa induzir ao estado de relaxamento; e,

finalmente, a ativação do que foi exposto através de atividades de retorno à consciência.

Já na década de 1970, na Inglaterra, surge outro método de aprendizagem

inovador chamado Mapa Mental - Mind Map. Criado por Tony Buzan7 e definido por ele

6 Georgi Lozanov, psiquiatra búlgaro, fundador do Instituto Sugestológico de Sófia, em 1966. Responsável

pela criação da nova ciência humana da vida psicológica, a Sugestologia, a partir dos estudos que fez sobre

as múltiplas solicitações do meio ambiente que atuam sobre o psiquismo, de forma inconsciente e

irracional, e dos estados alterados de consciência.

7 Tony Buzan, escritor inglês reponsável pela sistematização dos Mapas Mentais. Ele é autoridade mundial

sobre aprendizagem, memória e uso do cérebro. É palestrante e atua como consultor de companhias multi-

nacionais, governos e atletas. Escreve sobre assuntos relacionados com o cérebro: “quociente de gênio

(GQ)”, Inteligência Espiritual, memória, criatividade e leitura rápida. Fundador e presidente da Brain

Foundation e da Brain Trust Charity.

339

como “uma ferramenta definitiva para organizar o pensamento, sendo o Mapa Mental a

maneira mais fácil de introduzir e de extrair informações do seu cérebro – é uma forma

criativa e eficaz de anotar que literalmente „mapeia‟ os seus pensamentos”. (BUZAN,

2005, p.23-24).

BUZAN descobriu com seus estudos sobre o cérebro que, a utilização de resumos

feitos, após o estudo de algum conteúdo, acionava somente o hemisfério esquerdo do

cérebro, ao passo que as cores e as imagens presentes num Mapa Mental conseguiam

sensibilizar o hemisfério direito.

Nos Estados Unidos, através do cientista Paul Scheele8, na década de 1980, surge

a leitura fotográfica: Sistema de Fotoleitura com a Mente integral – PhotoReading Whole

Mind System – uma outra técnica de aprendizagem acelerada de amplitude holística e

sistêmica. Esta consiste na utilização da mente criativa-intuitiva e a mente crítica-lógica

para alcançar seus objetivos. O método percorre por cinco momentos sequênciais:

preparar, prever, FotoLer, ativar e fazer a leitura rápida.

Estes métodos de aprendizagem mencionados acima, os quais estão voltados para

uma maior agilidade na forma de aprender, bem como, no aprofundamento do

conhecimento, através da utilização dos dois hemisférios cerebrais, reconhecendo a

conexão existente entre o que cada ser humano traz dentro de si e as mais variadas

informações existentes no campo externo, se encontram dentro de um sistema aberto de

aprendizagem, chamado Open Learning System.

O Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas (Open Learning

Language System)

“Eis os princípios essenciais a ter em conta o ensino e a aprendizagem de uma

língua estrangeira: a alegria, a ausência de tensão e uma concentração de

atenção, sem esforço.”

Georgi Lozanov

8Paul Scheele, co-fundador do Learning Estrategies. Graduado em biologia, aprendizagem e

comportamento humano. Criador de programas de aprendizagem voltados para o aprimoramento pessoal e

profissional, que permite as pessoas irem além do que a mente lógica e racional pode oferecer, através de

programas tais como PhotoReading, Natural Brillance, Genius Code e Abundance of Life.

340

Mapa Mental: Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano - IDPH9

Este sistema de aprendizagem está fundamentado nas mais modernas descobertas

das neurociências10

e abordagens sobre o comportamento e a aprendizagem, voltados

para os métodos de aprendizado aberto, por isso denominado: Open Learning Language

System11

. Emprega técnicas de desbloqueio para a preparação emocional e mental,

9 Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano – Aprendizagem Dinâmica de Idiomas – Desbloqueio

para Aprender Línguas Estrangeiras – Sistema OLeLaS – Open Learning Language System. Campinas-SP.

10 A Neurociência é e será um poderoso auxiliar na compreensão do que é comum a todos os cérebros e

poderá nos próximos anos dar respostas confiáveis a importantes questões sobre a aprendizagem humana,

pode-se através do conhecimento de novas descobertas da Neurociência, utilizá-la na nossa prática

educativa. A imaginação, os sentidos, o humor, a emoção, o medo, o sono, a memória são alguns dos temas

abordados e relacionados com o aprendizado e a motivação. A aproximação entre as neurociências e a

pedagogia é uma contribuição valiosa para o professor alfabetizador. Por enquanto os conhecimentos das

Neurociências oferecem mais perguntas do que respostas, mas cremos que a Pedagogia Neurocientífica esta

sendo gerada para responder e sugerir caminhos para a educação do futuro. NORONHA, 2011, (s.d).

11 Método desenvolvido por Walter Hermann, ampliando o Sistema Aberto de Aprendizagem – Open

Learning System, para o campo da aprendizagem acelerada de línguas estrangeiras. Sendo o livro intitulado

Domesticando o Dragão - 1999, a obra que em que o autor apresenta esta nova metodologia: Sistema

Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning Language System - OLeLaS.

341

fundamentais a quem deseja aprender um novo idioma e assim, poder alcançar fluência –

verbal e textual - na utilização do idioma escolhido. Utiliza o idioma inglês como cenário

por se tratar de um idioma consagrado como instrumento linguístico de comunicação em

âmbito internacional.

Por meio de experiências e vivências o Open Learning Language System busca

promover o desenvolvimento de percepção em contextos de grande estimulação

sensorial. Assim, minimiza o estresse para o exercício do uso do idioma e desenvolve a

audição, pois promove desinibição no uso da língua.

Mapa Mental: Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano - IDPH

12

Este método tem como objetivo estimular a curiosidade inconsciente para

memorizar experiências cotidianas do idioma inglês. Retomar o sentido e a motivação de

12

Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano – Aprendizagem Dinâmica de Idiomas –

Desbloqueio para Aprender Línguas Estrangeiras – Sistema OLeLaS – Open Learning Language System.

Campinas-SP.

342

se aprender naturalmente, treinando a memória e a mente, para a reformulação e

construção de novas competências e habilidades inerentes ao ser humano.

Proveniente da hiper-estimulação das funções do hemisfério cerebral direito, o

Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning Language System,

apresenta resultados funcionais diretos e indiretos. Há a constatação de um ganho de

discernimento auditivo de 50% a 60%. Redução do estresse associado à transição de

identidade lingüística na média de 70% a 80%. Aumento considerável na concentração e

ampliação de processos criativos. E, aumento do foco de atenção de 60% a 70%, como

também, a constatação de mudanças de estratégias de tomada de decisões.

O Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning Language

System possibilita aos aprendizes a alcançarem um desempenho em aprendizagem de

idiomas capaz de resgatar suas habilidades e competências inatas, bem como de sua

capacidade natural de descobrir com emoção, novos universos do saber, onde a

descontração e a diversão estejam presentes.

Por meio do resgate da autoestima, do autorespeito e da autoconfiança busca-se a

construção de uma nova identidade, a identidade de um bom falante de outros idiomas,

através da reestruturação da memória.

Observando que a autoestima, o autorespeito e a autoconfiança são, também,

condições cinequanon para se efetivar relações interpessoais equilibradas e harmoniosas,

principalmente no mundo do trabalho. Desmistificando a crença de que a língua inglesa é

difícil e a sua aprendizagem é privilégio de poucos. Que somente algumas pessoas, as

mais inteligentes, as que apresentam „facilidade‟ para falar idiomas são capazes de

aprender.

O Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas permite a constatação de que

aprender um idioma é uma questão de escolha. É, portanto, possível para todos.

A estratégia de resgate de línguas já aprendidas passa por um processo de

desbloqueio e de desinibição, utilizando técnicas de ativação de ambos os hemisférios

cerebrais, direito e esquerdo. Sendo a sonoridade o elemento fundamental para a ativação

dos dois lados do cérebro.

343

Segundo BUZAN, a utilização de ambos os hemisférios cerebrais promove uma

aprendizagem integral e de maneira mais acelerada, uma vez que cada hemisfério é

responsável por uma dimensão específica de percepção e compreensão:

In most people the left córtex deals with logic, words, reasoning, number,

linearity, and anlysis, etc, the so-called “academic” activities. While the left

cortex is engaged in these activities, the right cortex is more in the “alpha

wave” or resting state. The right cortex deals with rhythm, images and

imagination, colour, day-dreaming, face recognition, and pattern or map

recognition.13

(BUZAN, 1991, p. 17)

Como recurso didático utiliza-se músicas, filmes, entrevistas e documentários,

desenhos animados, estórias infantis e Jornal de TV, sempre priorizando a língua

escolhida pelo aprendiz – esta língua é utilizada como um cenário para praticar os

exercícios deste processo de aprendizagem.

A prática de uma sequência orientada de exercícios de ampliação auditiva e

resgate de memória, a utilização de Mapas Mentais – Mind Maps e de técnicas de

Fotoleitura – PhotoReading compreendem as ferramentas fundamentais deste método.

Estas ferramentas possibilitam a criação de um campo ampliado de aprendizagem

baseado em interconexões, portanto sistêmico, capaz de proporcionar condições para se

estruturar a percepção para aprender e arquivar a nova língua num “local” propício para a

sua utilização e resgate, quando de interesse do aprendiz; ao tempo em que desestrutura,

momentaneamente, o automatismo verbal da língua materna para colocar, neste ambiente

inconsciente, novas perspectivas de expressão.

Se Aprendermos com o Corpo Inteiro a Fluência Acontece

O caminho percorrido é pouco inteligível inicialmente, porém, efetivo nos

resultados a partir da experiência prática.

O Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning Language

System opera no campo do aprendizado da primeira língua, a língua materna. Neste

13

Na maioria das pessoas o córtex esquerdo lida com a lógica, as palavras, o raciocínio, os números, a

linearidade e a análise; são os chamados „acadêmicos‟. Enquanto o córtex esquerdo está envolvido nestas

atividades, o córtex direito atua mais na „onda alfa‟ ou estado de repouso. O córtex direito lida com o

ritmo, as imagens e a imaginação, as cores, os sonhos diários e os reconhecimentos de padrões e de mapas.

(tradução da autora deste artigo)

344

campo de aprendizado a criança se encontra exposta a todas as nuances do idioma

utilizado pelo seu grupo familiar e, simultaneamente, pela sociedade em que vive. Neste

contexto, ela absorve todas as peculiaridades inerentes a este idioma, principalmente sua

sonoridade, que é a música inata que cada idioma possui e o seu ritmo.

Sonoridade e ritmo representam a base da estruturação identitária de cada idioma,

onde, sentir e pensar neste idioma, se concretiza. É com estes dois elementos, que a

fluência da fala, em qualquer língua, é construída. Daí a importância fundamental de se

iniciar o estudo de uma língua estrangeira criando condições para que o aprendiz possa

entrar em contato primeiramente com o som e o ritmo deste novo idioma, estando com o

campo de aprendizado sistêmico aberto e receptivo. Desta forma, encontraremos

ambiente pessoal de inteireza propício para a construção de uma nova identidade

lingüística.

Vale aqui ressaltar que uma criança, quando exposta ao aprendizado da língua

materna, ela se utiliza de todo o corpo, perpassando pelo corpo físico e mental, e indo

além. Todos os sentidos são estimulados. É necessário um esforço visceral de todo o

corpo para que o código verbal e não verbal desta língua se estruture, de forma

identitária.

O Sistema Aberto de Aprendizagem considera que se faz necessário o resgate da

maneira de aprendizagem da língua materna para que a fluência na fala de um novo

idioma possa ocorrer naturalmente. Aprender a sentir e pensar no novo idioma encontra

possibilidade com este método de aprendizagem aberta e sistêmica.

Na aprendizagem da primeira língua, o que possibilita à criança pensar e sentir

nesta língua está diretamente ligado à hiper-estimulação das funções do hemisfério

cerebral direito, com atitudes lúdicas e de movimentos corporais.

Assim, o Sistema Aberto de Aprendizagem de Idiomas – Open Learning

Language System, conforme já mencionado anteriormente, utiliza como recurso didático

uma sequência orientada de exercícios, voltada para a ampliação auditiva e para a

construção da memória, a qual perpassa pela sonoridade e pelo ritmo.

Ressaltando que a Música da Fala configura o elemento mais importante da nossa

memória. Esta música do idioma é o primeiro registro de memória profunda. Por isso

iniciar esta sequência de exercícios com a sonoridade faz-se necessário.

345

HERMANN ilustra a importância da abertura para o aprendizado da música do

idioma, como premissa para a construção da memória de um novo código lingüístico

baseado nas pesquisas desenvolvidas por um médico otorrinolaringologista, chamado Dr.

Alfred A. Tomatis14

.

TOMATIS (apud, HERMAN, 1999.) considera que precisamos estar sensíveis à

freqüência da música para escutarmos um determinado idioma uma vez que cada idioma

possui a sua própria música. É por meio dos movimentos de ressonância do som nos

ouvidos que são gerados impulsos nervosos, que no cérebro são codificados como

audição. Os sons que entram desencadeiam vibrações sonoras. Assim, TOMATIS

constatou que a música do idioma condiciona a musculatura auditiva, porque mesmo

sendo a audição um processo do cérebro, o ouvido é um equipamento motor mecânico.

Com esta constatação podemos compreender melhor porque uma determinada

pessoa que está acostumada com idioma de poucas frequências, não escuta as outras

frequências antes de descongestionar o ouvido. Quando uma pessoa acessa esta

sonoridade interna encontra uma infinidade de informações registrados numa

determinada música, numa determinada frequência.

O uso das mãos integra a segunda etapa da sequência de exercícios para a

consolidação da construção da memória. Que para HERMANN, se a intenção for

aprender com o cérebro inteiro, então se faz necessário usar sempre as duas mãos.

Nesta fase os exercícios motores provocam maior estimulação nervosa: maior

quantidade de pulsos elétricos e maior quantidade de neurotransmissores, irrigação

sanguínea e oxigenação.

Aumenta a quantidade de estímulos nervosos vinculados à percepção do ambiente

e da audição a serem processados por ambos os hemisférios cerebrais – estímulos

14

Dr. Alfred A. Tomatis, médico e especialista em Otorrinolaringologia (ouvido, nariz e garganta), foi o

primeiro pesquisador a descobrir a importância dos sons de alta freqüência para promover o estado de

alerta, atenção e criatividade. Ele também foi o primeiro a reconhecer a importância de um ouvido

dominante, o ouvido direito, que controla a linguagem e musicalidade. Ele foi também o primeiro a

perceber a relação cibernética entre o ouvido e a voz, hoje conhecida como o Efeito de Tomatis; e a relação

entre o ouvido e o corpo, guiou diretamente para o uso de música e som no tratamento de muitas desordens

da fala. Sua pesquisa, posteriormente, serviu de base para aprofundar a investigação de problemas médicos,

psicológicos, educacionais e de atenção, tais como depressão dislexia e a ansiedade e Déficit de Atenção.

346

sensores e motores. Provocando maior quantidade de sensores táteis dos membros

superiores; e grande enervação motora responsável pela motricidade fina.

Altera os padrões de interferência motora, ou seja, promove uma desestrutura

temporária do automatismo de fala da língua materna.

A sonoridade e o ritmo perpassam pela estratégia completa da sequência de

exercícios propostos como recurso didático deste método de aprendizagem acelerada.

A estratégia completa é composta de quatro dimensões, sendo elas: dimensão

interior (Percepção de ritmos, Ataques Silábicos e Voz Interna), dimensão exterior (Voz

Externa), construção da compreensão (Construção de Cenários e a Coordenação de

Cenários) e a dimensão da Síntese Inconsciente.

Em relação à dimensão interna, temos que, a percepção de ritmos refere ao

primeiro padrão de repetição aprendido pela criança, que é o mais importante registro de

memória do aprendizado da língua falada. E, que, portanto, este é um caminho muito

rápido para ativar as necessárias percepções de ritmos do idioma falado. O que agregará

um grande discernimento de sons da língua para se falar fluentemente.

A sonoridade representa os ataques silábicos, segundo o padrão de repetição

aprendido pela criança, que é a produção iniciada após a percepção da música do idioma.

Há a coordenação de sílabas com palmas e palmas com sílabas. Aqui se exercita a

simulação do processo de aprendizado do encaixe das sílabas na musculatura e sensores

dos membros superiores. Sendo a silabação um importante processo para flexibilizarmos

nossos automatismos verbais e de leitura da língua materna. Ressaltando que essa

desestruturação parcial de automatismos verbais será importante em seções posteriores.

A Voz Interna constitui a evidência do registro profundo de memória da

sonoridade do idioma. Indica a qualidade da compreensão e do vínculo afetivo com a

língua estrangeira. Evidencia que há campos de memória já preparados para a ativação da

fala. E traz à consciência percepções e informações sobre motivações inconscientes em

relação ao idioma a ser aprendido. Constitui um parâmetro de percepção muito rápido e

consciente de referência.

Outro fator importante nesta dimensão, especificamente em relação à voz interna,

é a evidencia de que a comunicação não verbal é também uma importante dimensão do

aprendizado.

347

Na dimensão externa, a utilização da voz como expressão vocal, na construção da

identidade em língua estrangeira, faz-se necessário devido ser este imperativo neste

estágio de articulação do desbloqueio para a estruturação lingüística do novo idioma.

Uma redefinição de automatismos respiratórios e de sustentação corporal. Aqui, a

repetição precisa ser sistematicamente praticada, por isso é chamada de Voz Externa.

Temos como elementos relevantes desta dimensão de aprendizado: a respiração, a

dicção, o ritmo da fala, a coordenação com a velocidade de fluxo de pensamento. Motivo

pelo qual foi identificado que bons falantes de outros idiomas possuem memórias

diferentes em línguas distintas.

Na dimensão da construção da compreensão temos a Construção de Cenários e a

Coordenação de Cenários.

Considera-se que o elemento mais importante do exercício de construção da

estratégia mental, para a diferenciação entre linguagens e representações internas, seja a

Construção de Cenários, porque é nesta etapa que se processa a aceitação de que a

precisão será secundária na comunicação. Ocorre uma conscientização do conteúdo

profundo da linguagem.

Percebe-se que a comunicação é um processo de relacionamento, interação, durante

a qual se constrói a compreensão na mente do interlocutor. E, observa-se que quando

temos algo a comunicar e a intenção de fazer isso, há uma organização automática e

inconsciente que favorece o processo.

Esta etapa se completa com a Coordenação de Cenários, onde se busca promover

a integração no fluxo de memória: pensamentos e sentimentos, juntamente com os sons e

ritmos de expressão na nova língua, são finalmente interconectados.

Segundo HERMANN se não caminharmos através da mente inconsciente nunca

atingiremos os arquivos de memória profunda:

Ao manter o processamento das informações apenas na razão ou consciência, ao

explorar relações diretas entre língua mãe e língua estrangeira, não estarão sendo

estimulados os arquivos de memória profunda, nem construída uma nova

identidade, nem sua sensibilidade e percepção poderão ser posteriormente

integradas na comunicação. (HERMANN, 1999, p. 157)

A figura abaixo representa o caminho percorrido para a aprendizagem de um novo

idioma através da mente inconsciente:

348

O Caminho de aprendizagem através da Mente Inconsciente15.

Assim, quando a coordenação dos cenários acontece não existem dúvidas, pois os

circuitos nervosos são muito distintos e muito sentimento e emoção se apresentam.

A última dimensão, a Síntese Inconsciente, refere a um momento de total

descontração e permissão ao corpo por inteiro de vivenciar esta nova identidade

lingüística construída, para que a sedimentação ocorra no plano da memória profunda.

Segundo HERMANN (1999, p.159), “a aprendizagem inconsciente é constituída

de duas dimensões complementares muito importantes: estimulação e repouso ou, se

preferir, atividade e descanso”.

Nesta etapa não existe prática formal, apenas deve-se seguir o automatismo

construído e a intuição. Todo o comando fica por conta do próprio corpo, que neste

momento já identifica esta nova identidade lingüística. Então, é o momento de deixar a

música a tocar, enquanto se descansa, relaxa ou faz experimentos novos.

E, nas suas conclusões, HERMANN (1999, p.160-161) nos diz que a

possibilidade de se registrar repertórios de vocabulário tão extensos em ambientes de

memórias diferentes, ocorre “através dos ritmos e sonoridades que os acompanham. Ao

cantar uma música, certamente muito de sua letra será lembrada simulando-se os ritmos e

entonações. Esse é o principal segredo de arquivamento e resgate do conhecimento de

outras línguas”.

15

Figura ilustrativa retirada da Apostila: Aprendizagem Dinâmica de Idiomas, 2010, p. 16.

349

Considerações Finais

Diante o exposto, considerando as várias alusões aqui apresentadas quanto à

magnitude de se conceber a existência de um sistema universal cósmico, que nos coloca

como co-participantes, onde o-todo-e-as-partes se interagem numa dança permanente, de

interação e troca, na perspectiva da complementaridade; reconhecendo uma nova visão de

mundo baseada em conexões e associações, nos colocamos frente a uma possibilidade de

alcançarmos formas mais naturais no aprendizado de novos idiomas.

Pensar que ao tomarmos consciência de uma nova cosmovisão, no âmbito de uma

concepção sistêmica, podemos ampliar e transcender a nossa capacidade de

aprendizagem. Lembrando que possamos reconhecer a inter-conectividade de cada ser

humano com todos e com tudo que está a sua volta.

Verificar que decorrente da tomada de consciência deste novo paradigma

sistêmico – transdisciplinar e holístico, muitas perspectivas de aprendizagem têm surgido,

voltadas para a utilização de ferramentas inovadoras que, juntas e complementares,

passam a compor um Sistema Aberto de Aprendizagem – Open Learning System.

Constatar que a concepção de uma aprendizagem de idiomas, pautada no resgate

e/ou na construção da autonomia pessoal, onde a auto-estima e o auto-respeito se fazem

prementes e indispensáveis, nos coloca frente a uma possibilidade real de aprendizagem

de idiomas de maneira descomplicada, entusiástica, repleta de descontração e de bem-

estar – o Open Learning Language System – OLeLaS.

Ao utilizarmos das dimensões da sonoridade e do ritmo para a aprendizagem de

idiomas estamos reconhecendo que estas são as condições naturais de aprendizado. Sendo

que estas duas dimensões perpassam pelo corpo físico, mental e indo muito além, onde

um esforço visceral de todo o corpo se faz necessário para que um código verbal e não

verbal se estruture de forma identitária na memória profunda de um indivíduo.

Sendo esta estruturação identitária priorizada a partir do campo da memória

profunda constata-se uma relação tênue e profunda entre este método de aprendizagem de

idiomas a visão holística, pois que esta, conforme já esclarecido neste trabalho, está

350

ancorada em três dimensões: na complexidade do ser humano, nos diferentes níveis de

realidade existentes e na lógica do terceiro incluído.

Buscar estruturar um novo código lingüístico na memória profunda requer uma

jornada que perpassa por toda a complexidade do ser humano, porque aqui há que se

alcançarem todos os níveis físico, emocional, mental e espiritual; perpassar pelas funções

psíquicas: pensamento, sentimento, sensação e intuição; e utilizar dos diferentes estados

de consciência: vigília, sonho, sono profundo e transpessoal. Assim como também por

diferentes níveis de realidade, pois que toda estratégia estruturada no Sistema Aberto de

Aprenizagem de Idiomas – Open Learning Language System utiliza de experiências

intelectuais, bem como de percepção de realidades sutis.

Assim, ao constatarmos que quando temos algo a comunicar e a intenção de fazer

isso, ocorre uma organização automática e inconsciente que favorece todo o processo,

sendo esta organização oriunda de um sistema interconectado e de complementaridade,

ou seja, transdisciplinar.

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353

O MITO DO BOM SELVAGEM NO ROMANCE O GUARANI

Simeão Pereira Neto ¹

RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a presença do elemento mítico no romance O Guarani. Dentro do propósito romântico de afirmação nacional e exaltação patriótica no romance, o escritor José de Alencar recria o mito do bom selvagem de Rousseau em nosso indígena. Ao criar Peri, o herói nacional, o escritor procurou aproximá-lo do herói europeu, um herói das novelas de cavalaria. José de Alencar deu-lhe características que ele não possui, levando-o a ter identidades e aspectos que fogem aos ditames da identidade nativista e nacionalista do Brasil. O índio adquiriu características especiais: a bravura, a coragem e a determinação, o qual é levado à figura do cavalheiro medieval.

PALAVRAS-CHAVE: Mito – Índio – Bom selvagem - Nacionalismo.

ABSTACT: The objective of this article is to analyze the presence of the mythic element in the novel “O Guarani”. Inside the romantic purpose of national affirmation and patriotic exaltation, in the novel, the author, José de Alencar recreates the myth of Rousseau’s good savage in our indigenous people. By creating Peri, the national hero, the writer aspired to bring him close to the European hero, a hero from the cavalry novels. José de Alencar gave him traits he did not have, forcing him to have characteristics and aspects that do not belong in the standards of the native identity and nationalist of Brazil. The indigenous people acquired special characteristics: bravery, courage and the willpower, which is taken with the figure of the medieval gentleman.

KEYWORDS: Myth – Indian – Good savage – Nationalism.

INTRODUÇÃO

O Romantismo como manifestação artística e literária, abarca formas de

expressão envolvidas em questões sociais, políticas e culturais.

Para entender a estética romântica, é preciso considerá-la como produto de dois

grandes eventos do século XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial que

geraram inúmeras mudanças no estilo de vida das pessoas. O início da industrialização

motivou o surgimento da sociedade urbana e o aparecimento da classe média. Este ponto é

vital para explicar a popularização da literatura, uma vez que a classe média, em busca de

novas formas de entretenimento, é a grande consumidora de livros.

Professor de Língua Portuguesa e Literatura brasileira.354

No Brasil, o Romantismo encontra-se estreitamente ligado ao processo de

independência, já que se trata de um movimento que tenta romper em definitivo com as

tradições de nossos colonizadores portugueses, numa busca de elaboração de uma literatura

genuinamente brasileira.

É bem verdade que tivemos fortes influências do Romantismo europeu, cuja base

estava calçada nos ideais de liberdade, subjetivismo e nacionalismo. Contudo, o Romantismo

brasileiro soube adaptar tais características à realidade local, de forma que, por exemplo, a

valorização da fuga ao passado medieval cedesse lugar à presença do índio e à exaltação da

natureza, enfim aquilo que possua características nacionais, apesar de serem expressos com

certos exageros.

Os românticos possuídos pelo desejo de se evadir para um lugar utópico cederam

lugar à imaginação e ao sentimento, conquistando aos poucos o espaço pela razão. Nesse

clima do uso imaginário e voltado para uma visão construtiva do país que estivesse à altura

de uma literatura européia, os escritores românticos inventaram a sua arte de caráter popular,

que valoriza o nacionalismo e opõe-se aos modelos clássicos. Colocando a propósito de tudo

e como símbolo nacional o índio brasileiro, principiando um período de atividade literária

voltada para os valores nacionais, evidenciando as cores locais enfocando o espaço e o

homem brasileiro em busca de uma cultura nativa, motivos que levaram ao aparecimento da

produção literária indianista.

Nesse sentido, a obra O Guarani de José de Alencar, publicada em 1857, ressalta

as características do personagem “Peri”. Assim este artigo centrar-se-á, principalmente, nos

aspectos que delineiam o perfil do personagem,

O indianismo não era apenas uma saída natural e espontânea para o nosso Romantismo. Era mais do que isso, alguma coisa profundamente nossa, em contraposição a tudo que, em vós era estrangeiro, era estranho, viera de outras fontes (SODRÉ, 2004, p.321).

O indianismo nasceu de um nacionalismo em busca de identidade própria e

encontrou no índio, o elemento de suas criações, representando tudo de bom que o Brasil

possuía naquela época. O indianismo de José de Alencar, desempenhando um papel

fundamental na construção da identidade brasileira, exigência gerada pela ruptura da colônia

com a metrópole. Os índios têm um papel fundamental na moldagem da brasilidade e, como

argumenta Alfredo Bosi, fosse razoável que ele ocupasse, no imaginário pós-colonial, o papel

de rebelde, já que era o habitante originário do território invadido pelo colonizador.

355

A criação do personagem Peri no romance O Guarani é inspirado na teoria do

“bom selvagem” de Rousseau. Nela, o homem primitivo e selvagem é bom e puro por

natureza – o oposto do homem civilizado, que é corrompido e cheio de mazelas. A obra de

Alencar está voltada para a idealização heróica do índio, os valores como o bem, o belo, o

justo e o verdadeiro são destacados no decorrer da narrativa levando o leitor à imaginação

mítica.

Ao longo deste artigo, utilizarei como embasamento teórico os seguintes autores:

Jean Jacques Rousseau (2005), Mircea Eliade (2006), Nelson Werneck Sodré (2004), Renato

Ortiz (1998) assim como outros que darão suporte ao estudo proposto, para que o trabalho

assuma, mesmo que em parte caráter científico. Já que estudar questões literárias é um campo

demasiadamente amplo, no qual podemos encontrar o inesperado, o indesejado e o

surpreendente, mas que dão à literatura novas feições a cada estudo realizado.

1 - O QUE É MITO?

Nos dicionários de verbetes da Língua Portuguesa, encontraremos a seguinte

definição de mito: “O mito é uma narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou

simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião”. O mito procura

explicar os principais acontecimentos da vida, os fenômenos naturais, as origens do mundo

e do homem por meio de deuses; semideuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais).

Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade.

O termo “mito” é, por vezes, de forma pejorativa para se referir às crenças

comuns (consideradas sem fundamento científico, e vistas apenas como histórias de um

universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. No entanto, até acontecimentos

históricos pode transformar em mitos, se adquirirem uma determinada carga simbólica para

uma dada cultura.

Na maioria das vezes, o termo refere-se especificamente aos relatos das

civilizações antigas que, organizados, constituem uma mitologia.

Segundo Eliade (2006, p.11) “o mito é uma realidade cultural extremamente

complexa que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares”.

O mito é uma crença-verdade. A narrativa mítica é considerada verdadeira. Uma

vez criado, o mito passa a ser objeto de crença popular nas sociedades primitivas. E isso

356

porque os mitos tentam explicar as origens das coisas e se referem a realidade da vida

cotidiana. Além de considerado verdadeiro, o mito é vivido através dos atos rituais.

O mito segue uma lógica peculiar. A criação dele é anterior à formação da

consciência reflexiva. Trata-se de uma protofilosofia, pois a resposta à pergunta do homem

sobre o universo e seus fenômenos é dada não pelo pensamento conceptual, mas pela fantasia

criadora de imagens. Daí a relação profunda entre mito e poesia.

O mito é uma concepção cética quando há uma recusa em acreditar-se na

linguagem dos deuses

Os mitos não têm autor: do momento em que são apreendidos como mitos e independentemente de sua origem real, eles só existem encarnados numa tradição. Quando um mito é narrado, os ouvintes individuais recebem uma mensagem que não vem de parte alguma; por essa razão lhe é atribuída uma origem sobrenatural. (BRUNEL, 2005, p.17).

Ao objetivarmos o mythos, como categoria filosófica, literária e histórica, ele se

inscreve e pertence a História principiamos o percurso de um longo caminho, por vezes

obscuro e contraditório, que é o estudo de um “processo de levar o logos para além de seus

limites” (BRUNEL, 2005, p.18) consiste a própria essência do mito. E, neste caso, logos

entendido como discurso estruturado a partir do que o ser humano pensa ser possível

distinguir relativamente ao mythos, isto é, a Razão.

De fato, se mythos e logos partilham de uma raiz semântica semelhante –

relacionando-se ambos com a palavra, o discurso, o pensamento verbalizado, o que mais

nitidamente os distingue é o tipo de estruturação discursiva em torno de algo que foi

necessário projetar através da fronteira entre dois mundos opostos: o das palavras e o das

coisas. Aquilo que decisivamente os afasta é, uma oposição convertida em princípio

fundamental, ou seja, o eixo ‘Verdadeiro/falso’, nem sempre lucidamente aplicável e

aplicado, mas sobre o qual giram os mundos das palavras que constroem idéias sobre as

coisas, que só parecem existir, porque existem palavras que construíram as idéias dessas

coisas e dessas palavras, sobrepondo-as, impondo-as, expondo-as, apresentando-as e

representando-as.

357

2 - A PRESENÇA DO ELEMENTO MÍTICO EM O GUARANI

Com a evolução da sociedade humana marcada pelo pensamento reflexivo e pelo

progresso das ciências, o papel do mito passa a ser exercido por poetas e artistas. A estes

coube lançar mão da fantasia para criar mundos imaginários, onde as aspirações do

inconsciente coletivo pudessem realizar-se.

A leitura do romance O Guarani realizada de uma perspectiva mítica coloca,

como primeiro problema a necessidade de se estabelecer o sentido atribuído a esse conceito.

Segundo, Eliade (2006), um dos principais estudiosos da matéria, não é nada simples, uma

vez que, dada a multiplicidade de tipos e funções do mito, dificilmente poderíamos chegar a

um dominador comum apto a unificá-los. Para Eliade, a definição menos imperfeita, é a que

descreve como uma história sagrada que narra uma ação praticada por entes sobrenaturais

num tempo primordial. Dando origem a alguma coisa (o cosmo, uma ilha, um animal, uma

planta, a morte...) cuja existência é uma realidade passível de ser verificada ainda no

momento da enunciação do mito (ELIADE, 2006, p. 11-12). Por narrar o surgimento de uma

coisa real, o mito é compreendido pelas comunidades que o criam como uma história

verdadeira. Nos casos dos mitos de origem, interpretados pelo pesquisador como um

prolongamento da cosmogonia: teríamos a narração de como algo que existia no momento da

criação do mundo passou a existir: “ os mitos de origem prolongam e completam o mito

cosmogênico: eles contam como o mundo foi modificado, enriquecido ou empobrecido”

(ELIADE, 2006, p. 25).

Nesse sentido, compreender O Guarani como um mito de origem do Brasil

equivale a interpretá-lo como narração do surgimento do país em decorrência de uma ação

grandiosa, realizada num passado distante.

Num passado longínquo que serve de modelo para a reprodução da sociedade atual. Isto significa para a história se situa aquém dela, e, ao descrever um estado anterior, legitima a continuidade do presente.[...] O Guarani partilha desta dimensão mítica, e o autor anuncia, logo no inicio do livro, que a estória se passa num período em que a “civilização não tivera tempo de penetrar o interior”. Isto é, quando o Brasil se encontrava ainda na sua virgindade originária e a terra não havia sido profanada pela irreversibilidade do tempo. (ORTIZ, 1988, p.262).

358

À multiplicidade de definições do mito, parece produtivo procurar identificar a

visão que o próprio Alencar tinha sobre a questão, para, a partir dela, depreender os

procedimentos retóricos empregados pelo autor para dotar suas narrativas de uma dimensão

mítica.

Estimulado pelo espírito nacionalista que se seguiu à Independência, o romantismo

brasileiro demonstrou grande interesse pela epopéia, percebida como a forma mais adequada

para a composição de uma obra em louvor ao jovem país.

2.1 O MITO DO BOM SELVAGEM

O mito do “bom selvagem” isto é do homem que vive em perfeita harmonia com a

natureza.

... O homem que nasceu, embalou-se e cresceu nesse berço perfumado; no meio de cenas tão diversas, entre o eterno contraste do sorriso e da lágrima, da flor e do espinho, do mel e do veneno...... Canta a natureza na mesma linguagem da natureza; ignorante do que se passa nele, vai procurar nas imagens que tem diante dos olhos a expressão do sentimento vago e confuso que lhe agita a alma (ALENCAR, 1999, p. 225).

O pensamento de Rousseau pode ser tomado como uma doutrina individualista ou

uma denúncia de falência da civilização. O mito criado pelo filósofo em torno da figura do

bom selvagem, o ser humano em seu estado natural, não contaminado por constrangimentos

sociais deve ser entendido como uma idealização teórica. Além disso, a obra de Rousseau não

pretende negar os ganhos da civilização para reconduzir a espécie humana à felicidade.

Os poetas e escritores românticos, por outro lado, criaram o mito do bom

selvagem, segundo o qual os “povos primitivos” eram essencialmente bons, porque não

tinham sido corrompidos pela sociedade: este é um mito que apresenta um conceito

idealizado.

O bom selvagem se desdobra em herói regional em que o selo da nobreza é dado

pelas forças do sangue que o autor reconhece e respeita igualmente na estirpe dos

colonizadores brancos. “Ao heroísmo de Peri não deixa de apor a sobranceira de Dom

Antônio de Mariz e sua esposa, os castelões impávidos de O Guarani”(BOSI, 2006, p.138)

359

Bosi (2006), ainda afirma que o espelho era a visão simbólica das forças naturais.

O viço da árvore, o faro do bicho, o ardor do sangue e do instinto, eis os mitos primordiais

que valerão, no código de Alencar, pureza, lealdade e coragem.

A visão de Alencar do mito como um ser que, ao concentrar em si a tradição de

feitos grandiosos praticados por indivíduos cujos nomes foram esquecidos, reveste-se de

uma dimensão simbólica, tornando-se o representante das virtudes mais caras de uma

comunidade.

Na decadência da humanidade, provocada pelo desejo de possuir, pelo solo

demarcado, pela violência e a necessidade de leis, é, que Rousseau vai mostrar ao narrar a

origem da sociedade, focalizando ainda o estado de natureza, mas subordinado então a uma

história:

O exemplo dos selvagens, que foram encontrados quase todos nesse estágio, parece confirmar que o gênero humano fora feito para assim permanecer para sempre. Que esse estado é a verdadeira juventude do mundo, é que todos os progressos anteriores foram em aparência, outros tantos passos para a perfeição do indivíduo, mas, na verdade, para a decrepitude da espécie (ROUSSEAU, 2005, p. 92).

Para fundamentar seu pensamento que segue em direção oposta ao progresso

louvado por grande parte dos filósofos, Rousseau vale se dos mitos como verdade universal e

assinala, insistentemente, o caráter conjetural das explicações positivas sobre o progresso,

baseadas em pesquisas históricas rápidas e superficiais; começando por descartar os fatos

históricos mal conhecidos, “os evocará como mitos, úteis à ilustração de seu raciocínio”.

Eliade (2006) relata que o mito das origens é:

U m acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos “começos”. Noutros termos, o mito conta como, graças aos efeitos dos Seres Sobrenaturais, uma realidade passou a existir. O mito só fala daquilo que realmente aconteceu que se manifestou plenamente (2006, p.12).

O mito do bom selvagem segue sua carreira em todas as utopias e ideologias

ocidentais até Jean-Jacques Rousseau, o que mostra não ter o ocidente renunciado ao antigo

sonho da busca pelo paraíso terrestre, da volta à idade de ouro da humanidade.

Em seus textos literários, que prefiguram os temas maiores do Romantismo, entre

eles o sentimento pela natureza, Rousseau deixa entrever sua nostalgia pela Idade de Ouro,

seu desejo utópico de recriar o Paraíso perdido.

360

No romance O Guarani, o índio, como selvagem de Rousseau, amalgamado à

natureza, é o oposto de D. Antônio de Mariz, “português de antiga têmpera, fidalgo

leal”(ALENCAR, 1999, p.15). Enquanto D. Antônio é senhor em sua casa, chefe de seu clã

e representante da metrópole, guardião das tradições e senhor cultural, Peri é senhor em seu

habitat (a natureza), o herói das florestas brasileiras, guerreiro invencível. Entre os dois se

coloca Ceci, único elemento do mundo cultural a realizar harmoniosamente uma integração

à natureza, movida pela força de atração de Peri.

A terceira etapa do romance apresenta uma confirmação de que a natureza é

superior á cultura, conforme preconizava o ideário do Romantismo. Iniciada dentro de

código que remetia ao substrato medieval, a narrativa caminha para uma posição ideológica

mais romântica: Peri passa a ser o verdadeiro mediador entre a cultura e a natureza,

introduzindo e acompanhando Ceci no conhecimento de si mesma e desse novo mundo. A

Natureza passa, então, a supremacia sobre a cultura, realizando o ideal romântico de

liberdade e pureza: o herói primitivo, Peri, cujo nome significa “junco selvagem”

(ALENCAR, 1999, p.24), é o próprio símbolo da natureza. Essa predominância se acentua à

medida que surge o mítico da narrativa, à medida que a obra vai abandonando seu caráter

histórico e novelesco e identificando-se com o mito. Os dois mitos finais, um de origem

bíblica (Noé) e outro indígena (Tamandaré), indiciam a solução para a história, que já fora

encaminhada ao longo da narrativa e de certa forma predita quando Peri conta a Ceci, a

lenda de Tamandaré. Apoiando-se no mítico, o texto vai-se aproximando do poético.

361

3 - CONTRADIÇÕES INDÍGENAS EM “PERI”

Influenciada pela tendência romântica européia, a literatura brasileira obviamente

não poderia apoiar-se nos heróis medievais para louvar a grandeza e a honra do espírito

nacional. Seria necessário encontrar outro momento histórico e um novo modelo de herói.

Para exaltar o caráter específico do povo brasileiro e as qualidades distintivas desta terra,

elegeu-se, então, a época da colonização do país e idealizou-se o índio como origem mítica

da “raça brasileira”. Foi esse o formato que recebeu, na literatura brasileira, o romance

histórico de origem européia.

Considerado o mais importante romancista indianista do Romantismo brasileiro,

José de Alencar ao cria o herói nacional fruto das novelas de cavalaria. O prosador procurou

pintar o índio, dando características que ele não as possui, levando-o a ter identidades e

aspectos que fogem aos ditames dos nativistas e nacionalistas do Brasil.

Alencar, ao criar o romance, “O Guarani” acreditava que o índio seria um

elemento essencial para o romance histórico. Ele estava situado no quadro histórico e

queria representar poeticamente no plano literário as nossas origens e a nossa formação com

povo e José de Alencar, na verdade, tem esse desejo ideológico de mostrar um Brasil

glorioso e positivo. Por isso, o autor revela um Brasil mais baseado em fatos lendários para

provar nossas raízes. Como observa Coutinho (1999; p.259): “Alencar criou, com base mais

lendária do que histórica, o mundo poético de nossas origens, para afirmar a nossa

nacionalidade, para provar a existência de nossas raízes legitimamente americanas”.

É evidente que o índio tema do romance O Guarani não se vinculava ao índio

real, eventualmente conhecido do público leitor da época. Esse índio aculturado, fragilizado

perante a civilização, não poderia servir de modelo histórico. Por isso, o escritor José de

Alencar tratou de imaginar um índio que pudesse representar o homem brasileiro e a exótica

mata tropical. O espaço, tempo e o personagem que formam esse conjunto coerente na

construção de narrativa em O Guarani, deriva mais da fantasia que da realidade.

Em O Guarani para contrabalancear o ímpeto fantasioso que se nota na narrativa

dos feitos fabulosos do índio “Peri”, José de Alencar inseriu algumas observações no

romance explicando sobre a cultura indígena, sobre os personagens para emprestar certo ar

362

de verossímil à obra. Podemos notar esse fato quando Alencar narra, a passagem onde Peri

descreve a sua lenda indígena, que ocorreu na ocasião do dilúvio.

Tamandaré tomou sua mulher nos braços e subiu com ela ao olho da palmeira; aí esperou que a água viesse; a palmeira dá frutos que o alimentava [...] A água tocou o céu; e o Senhor mandou então que parasse. O sol olhando só viu céu e água e o céu a palmeira que boiava levando Tamandaré e sua companheira. (Alencar, 1999; p.318).

Mesmo Alencar procurando dar um realismo à obra, e sua personagem sendo

construída em torno de modelo direto ou indiretamente conhecido, que é simplesmente um

pretexto para a caracterização, que explora ao máximo as suas virtualidades, por meio da

fantasia. Quando o modelo não convém às características que o autor deseja, ele enfatiza essas

ações no comportamento e nos sentimentos acerca de suas idéias de maneira que a

característica do personagem venha ser real e imaginária. O personagem Peri, que é um ser de

origem real, mas seus feitos não passavam de trunfo da imaginação e da fantasia de Alencar.

Ao usar a imaginação, Alencar revela o selvagem não apenas grandioso, mas

sacralizado e adaptado sob a forma de mito, mostrando um índio, o qual ele desejava:

selvagem, real, verdadeiro e palpável e que o leitor, porém admira e ama tal como Alencar o

idealizou, criou e fez deste personagem um ser imortal. O mito não reproduz a verdade,

conduz o romancista a por em cena a metáfora da realidade e de expressar certas verdades

que escapam à razão.

O personagem Peri é o símbolo nacional de uma idealização poética, e que os

costumes indígenas foram modificados pela fértil imaginação de Alencar e que as grandezas

que Peri realizava estavam longe da verossimilhança. Ao narrar a batalha dos Aimorés contra

a família de D. Antônio Alencar, deixa evidente essa falta de verossimilhança, pois, Peri é

apenas um exagero na idealização ficcional, pois ele sozinho não conseguiria vencer a

batalha.

-Sejam mil; Peri vencerá a todos, aos índios e aos brancos.-Ele pronunciou estas palavras com a expressão de naturalidade e ao mesmo tempo de firmeza que dá a consciência da força e do poder.-Contudo Cecília não podia imaginar o que ouvia; parecia inconcebível que um homem só, embora tivesse a dedicação e heroísmo do índio, pudesse vencer não os aventureiros revoltados, como os duzentos guerreiros aimorés que assaltavam a casa. (ALENCAR, 1999, p.140)

O caráter mítico de Peri, colocado por Alencar neste trecho foi absolutamente

necessário para encarar os guerreiros. De modo respeitoso, o autor contempla o herói, o

363

desenha como o homem primordial saído materialmente de suas mãos divinas, e de uma

imaginação exuberante, plasmado por uma divindade máxima, onisciente e onipotente.

Tentando transpor uma imagem de uma nação forte e religiosa em que o colonizador deveria

acreditar e, até mesmo, espelhar-se.

Alencar, ao construir a imagem do herói brasileiro, aquele homem excepcional

que possuía o segredo da força e da sabedoria, esse herói deveria ser, então, adorado e

seguido. Somando-se a isso, o índio obtém a imagem do mito, não permanecendo em sua

forma primitiva, propaga-se e adapta-se ao meio para onde é transplantado, adquire feições

locais por ser profundamente popular e nacional.

Esse esforço de fincar o pé na realidade, não impede, porém, que o romance seja o

mesmo o resultado de um grande esforço imaginativo que compôs um herói indígena bastante

ambíguo. Peri é, ao mesmo tempo, o selvagem atlético, conhecedor dos segredos da natureza,

ágil, valente, impetuoso. Entretanto, toda a audácia do selvagem brasileiro não pode afrontar o

“branco de bem”, representado pela família de D. Antônio de Mariz. Por outro lado, Peri é, ao

mesmo tempo, o índio dócil, submisso e fiel aos seus “senhores”. O caráter selvagem, tanto

do personagem, quanto da paisagem, reduz-se, então, a um elemento exótico, que seduzia a

curiosidade dos leitores por esse “outro mundo”, criado por José de Alencar.

A tentativa de mitificar o “ancestral” indígena de nossa cultura, não devia se

traduzir em rejeição à cultura européia da classe dominante. Alencar apresenta uma síntese

harmônica, um convívio pacífico entre colonizador e colonizado, o que se verifica claramente

na caracterização de Peri: em nome de sua voluntária obediência a venerada Ceci, filha de D.

Antônio de Mariz, Peri controla toda sua natureza bravia e se domestica. Em contrapartida, os

“maus índios” do romance são os Aimorés, canibais que atacam a família Mariz e que

simboliza uma insubordinação inaceitável.

O velho fidalgo velara uma boa parte da noite; ou escrevendo ou refletindo sobre os perigos que ameaçavam sua família.Peri lhe havia contado todas as particularidades do seu encontro com os Aimorés; e o cavalheiro, que conhecia a ferocidade e espírito vingativo dessa raça selvagem, esperava a cada momento ser atacado. (ALENCAR, 1999, p.111).

Pela descrição feita dos Aimorés, percebemos o quanto Peri foi imaginário, pois a

raça indígena não possuía a bondade em sua essência. Onde Alencar buscando uma nova

ideologia para nossas raízes, concebe ao selvagem essa bondade em seu caráter.

364

O relato de sua gênese através dos feitos de uma personagem grandiosa, desenhada

pelo narrador que, em sua condição de descendente, coloca-se disposto a contar os fatos de

uma personagem. Não exatamente como deu, mas com estilo de uma beleza admirável e de

um lirismo combinado com imaginação, entretanto em contradição com o verdadeiro caráter

do índio brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arte, para o romântico, não pode se limitar à imitação, mas ser a expressão

direta da emoção, da intuição, da inspiração e da espontaneidade vividas por ele na hora da

criação, anulando, por assim dizer, o perfeccionismo tão exaltado pelos clássicos. Não há

retoques após a concepção para comprometer a autenticidade e a qualidade do trabalho. Os

escritores românticos vivem em busca de fortes emoções e aventuras na tentativa de colher

experiências novas e criadoras.

Alencar ao construir o herói de O Guarani, deixa a emoção tomar conta da sua

narração, criando um ser que vai além do real. Apresentando um herói submisso ao

conquistador, mas no papel de herói empreende suas jornadas, enfrentando tigres, os perigos

de uma raça selvagem, os Aimorés, mostrando o tesouro do seu verdadeiro eu, criado pelo

autor.

Peri é um ser quase sobre-humano que simboliza as idéias, formas e as forças que

moldam a nação brasileira, é o herói que a nação brasileira precisava para afirmar

culturalmente e romper com a cultura européia. Passando por grandes dificuldades para

elevar e se afirmar como herói da nação. Como acontece com o herói épico que tem como

sonho fazer sua própria história, que se exaure na sua missão.

A intenção de Alencar era que o leitor, ao ler o romance, fosse criando a imagem de

um herói que não tinha medo de enfrentar as dificuldades. Buscava afirmar que a nação

brasileira havia uma tradição cultural que estava à altura da européia, mostrando que no Brasil

também possuía um herói nacional, mas não deixando de ter influências do herói medieval.

O herói é um ser transitório, uma personalidade que nos fascina, porque

personifica o desejo e a figura ideal do ser humano. Ele defende a nossa causa, por isso

identificamo-nos com ele. A luta heróica possibilita a superação dos medos, compensação.

Nem deus, nem humano, é intermediário entre o mundo da consciência e o

inconsciente, são traços de união entre o mundo divino e o humano. Mesmo que o poeta

365

queira sublinhar os traços comuns entre um deus e um mortal, face a face, um dado parece

incontestável: afirmar a superioridade dos traços divinos oferece-lhe a oportunidade de

reafirmar que homens e deus são comparáveis.

O herói aparece também como produto da união de um deus com o ser humano,

simbolizando a união das forças celestes e terrestres. Neste sentido, o homem encontraria em

seu espelho, na medida de sua origem divina (espírito) e sua origem humana (matéria), sendo

que a tarefa consistiria em unir o céu e a terra, atingindo assim a sua totalidade.

O herói é o precursor da humanidade em geral. Representa, portanto, uma forma

da coletiva, sendo sua trajetória seguida pela humanidade de forma que os estágios do mito

heróico façam parte do desenvolvimento da personalidade de cada individuo.

Peri é considerado um mito por representar o começo da nação brasileira, por ser

apresentado de forma alegórica por Alencar, e ser uma narrativa do passado histórico.

O personagem Peri representava as características fundamentais de que a nação

precisava para dominar o campo cultural e o impacto com a nossa existência. Seu caminho é o

caminho da realização. Esse herói recém-nascido pelas de Alencar significa o sol vigoroso

surgido das águas, ao qual as nuvens se opõem timidamente em seu nascimento e que acaba

por superar todos os obstáculos de maneira vitoriosa. Assim é que o personagem chega aos

olhos dos leitores daquela época.

O selvagem romântico, legítimo representante do bem, é dotado exclusivamente

de qualidades como coragem, honra, inteligência, poder de sedução, tornando-se assim, o

símbolo do herói nacional, expressão de consciência e de valores coletivos. Essas qualidades

são evidenciadas em todo momento por Alencar, deste o início das cenas: domínio do animal

selvagem ao salvar Cecília várias vezes, na batalha contra os inimigos de D. Antônio de

Mariz. Mas a sublimação é comprovada no final do livro, surgindo o heroísmo maior – “um

sublime heroísmo”. Era a vez de lutar contra as forças da natureza e era preciso vencê-las: a

vida de sua senhora corria perigo. Peri tem que lutar com as águas do dilúvio e salvar Cecília.

Houve um esforço hercúleo, supremo. Aos poucos, a palmeira foi-se

desprendendo. Com mais um pouco, seria carregada pela imensidão das águas. Então o índio,

tomando-a nos braços, disse-lhe com um acento de ventura suprema: “Tu viverás!” Alencar

(1999; p.202), Peri mostra poder de um ser transcendental.

Alencar enfatiza o seu personagem como um super-homem que encarna bem as

qualidades que o autor lhe confere como símbolo da terra e da pátria brasileira. Peri foi um

selvagem idealizado, dono de qualidades que fariam inveja aos mais nobres e leais fidalgos

medievais, a exaltação da força, da coragem e da nobreza do indígena brasileiro, é

366

simbolizada na obra O Guarani por Peri, mesmo que seja no plano ideal. Entretanto, a

vontade e o desejo de tornar esse “brasileiro”, mesmo que europeizado, superior às demais

raças, lhe dá um caráter de transfiguração do plano real para um plano transcendental: A

sublimação do ser.

Pode-se considerar o Romantismo como um dos principais movimentos

contestadores do sistema vigente a fim de expressar a liberdade individual do ser humano,

assim como o seu amor e apego à, aspectos regionais.

O personagem o qual deveria ser a expressão do autêntico brasileiro habita em um

país, que tem como pano de fundo a natureza, que se desponta como o que há de mais

legitimamente nacional, caracterizando o Brasil como lugar único dentre todos os outros. As

águas dos rios correm com mais majestade, as florestas são mais vastas, e até mesmo as

montanhas são mais elevadas. A paisagem contada nas obras literárias de árvores e de

bosques, de várzeas e de flores, de céus – sempre anil e invariavelmente rodeada de adjetivos

e de pontos de exclamação. Contudo, o que a habita “vem de fora” da Europa, além do mais

“vestido de armadura de um puro cavaleiro medieval”.

O nosso verdadeiro índio, massacrado, conquistado e considerado como uma

civilização em desenvolvimento – o bom selvagem – como assim classifica os antropólogos,

ficou somente no plano histórico da realidade brasileira.

Mas isso não significa a única possibilidade de interpretação da obra literária, a

proposta é de que este trabalho esteja aberto a críticas literárias e a sugestões de outros

leitores, pois é apenas um ponto de vista que a literatura nos permite observar.

367

Referências:

ALENCAR, José de. O Guarani. 29 ed., Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43 ed., São Paulo: Cultrix, 2006.

BRUNEL, Pierre. Dicionário de Mitos Literários. 4 ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.

CITELLI, Adilson. Romantismo. 3 ed., São Paulo: Ática, 2002.

COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 5 ed., São Paulo: Global, 1999.

ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 6 ed., São Paulo: Perspectiva, 2006.

ORTIZ, Renato. O Guarani: um mito de fundação da brasilidade. In: Ciência e cultura, nº 40, março 1988.

RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830 -1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004 (Coleção Temas Brasileiros).

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Maria Ermantina Galvão. 3 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 6 ed., São Paulo: Ática, 2002.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira. 10 ed., Rio de Janeiro: Graphia, 2004.

368

PROVAS OPERATÓRIAS: CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE

DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO

Luanda Ramos Ruas

Associação De Pais E Amigos Dos Excepcionais De Anápolis

Pontifícia Universidade Católica Goiás – PUC

[email protected]

Profª Dra Magda Ivonete Montagni

1- Introdução

A partir do presente estudo cujo título é “Provas Operatórias: Contribuições no

Processo de Diagnóstico Psicopedagógico” objetivou-se conhecer as provas operatórias

elaboradas pelo epistemólogo Jean Piaget e colaboradores e suas contribuições no processo

de diagnóstico psicopedagógico.

Depreenderam-se deste objetivo geral, os seguintes objetivos específicos:

- Conhecer os princípios básicos da Epistemologia Genética pertinentes à aplicação e

avaliação das provas operatórias;

- Entender o processo da construção do pensamento para compreender as dificuldades de

aprendizagem, objeto de investigação e ação do Psicopedagogo;

- Contribuir com o processo de socialização do saber já construído sobre provas

operatórias e sua significação para a elaboração de diagnóstico psicopedagógico.

No contexto do presente estudo, entende-se por diagnóstico psicopedagógico o

processo que permite investigar, levantar hipóteses provisórias que serão ou não

confirmadas ao longo do processo de investigação das possibilidades e limites cognitivos

dos aprendentes, no caso, o diagnóstico que tem como referência a teoria de Jean Piaget, a

fim de identificar a presença ou não de desvios e obstáculos básicos das suas

aprendizagens.

A questão que norteou esta pesquisa foi: O conhecimento do nível operatório do

aprendente ao aplicar as provas piagetianas é uma ferramenta significativa para o

Picopedagogo avaliar as causas das dificuldades de aprendizagem?

A pesquisa que aqui é apresentada se justifica pelo que se apresenta a continuação.

369

Para Sampaio (2010, p.17), “... o diagnóstico psicopedagógico clínico tem como

objetivo identificar as causas dos bloqueios que se apresentam no sujeito com dificuldade

de aprendizagem”. O psicopedagogo depara com sintomas manifestados pelos aprendentes

(agressividade, impulsividade, falta de atenção e outras diferentes dificuldades), mas não

compreende o verdadeiro problema. O que chega para o profissional é apenas a ponta do

iceberg. As causas aparentes são resultados de diferentes fatores que precisam ser

compreendidos para que sejam superadas. Nesta direção, o diagnóstico do

desenvolvimento mental a partir das provas piagetianas é um forte aliado da ação do

psicopedagogo.

Compreender como ocorre a formação do pensamento é uma busca histórica.

Diferentes vertentes investigam como o pensamento se forma e o porquê das dificuldades

de aprendizagem que aparecem no decorrer do desenvolvimento humano. Na busca de

investigar a cognição Piaget (1973) elaborou as provas operatórias com o objetivo de

avaliar a lógica do pensamento. Estas auxiliam na compreensão do desenvolvimento

cognitivo.

Conhecer tais provas e saber como aplicá-las é importante para que o trabalho seja

realizado e os resultados não tenham interpretações equivocadas. O vínculo é a base para a

realização deste trabalho. A relação de confiança entre o aprendente e o psicopedagogo é

de extrema importância durante todo o processo.

E é neste ponto que este artigo se desenvolveu. Conhecer, analisar e compreender a

valiosa contribuição que a Epistemologia Genética, incluindo as provas operatórias

elaboradas por Jean Piaget e seus colaboradores, têm a oferecer no diagnóstico

psicopedagógico.

O referencial teórico básico considerado foi: Flavell, 1975; Piaget, 1973, 1975,

1978; Mac Donell, 1994; Dolle, 2000; Sampaio, 2010, entre outros.

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa. De acordo com Pádua

(2004):

[...] o desenvolvimento das investigações nas ciências humanas, as chamadas pesquisas qualitativas procuram consolidar procedimentos que pudessem superar

os limites das análises meramente quantitativas. A partir de pressupostos

estabelecidos pelo método dialético e também apoiados em bases

fenomenológicas, pode-se dizer que as pesquisas qualitativas têm se preocupado

com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração

as motivações, crenças, valores, representações sociais, que permeiam a rede de

relações sociais. (p.36)

370

Tal pesquisa foi trabalhada no âmbito da pesquisa bibliográfica.

De acordo com Gonçalves (2005, p. 98), esse tipo de pesquisa é adequado para

estudos que visam o entrar em contato com as fontes de coleta de dados, com o intuito de

alcançar maior familiaridade com o problema, a fim de torná-lo mais explícito ou constituir

hipóteses que facilitem seu encaminhamento e realização.

Os resultados encontrados sinalizam a importância das provas piagetianas no

diagnóstico psicopedagógico, porque é um instrumento para identificação dos bloqueios

que aparecem nos aprendente com dificuldades de aprendizagem; o profissional, ao

realizar o diagnóstico, utiliza vários recursos para montar um grande quebra-cabeça,

buscando traduzir os sintomas apresentados; o uso das provas operatórias favorece

compreender como se desenvolve as funções lógicas do sujeito e se há algum obstáculo no

processo de aprendizagem devido à forma que o desenvolvimento mental vem ocorrendo.

Jean Piaget baseou-se na Epistemologia Genética para estudar aquele que nomeou

como sujeito epistêmico. Avaliar como o sujeito age para elaborar suas ideias foi o foco de

análise do autor. Tendo em vista os pressupostos epistemológicos, também investigou os

obstáculos enfrentados para aprendizagem. As provas operatórias, elaboradas pelo autor,

ajudam a perceber se as estruturas mentais acompanham ou não a idade cronológica do

discente auxiliando, assim, o diagnóstico psicopedagógico.

O presente trabalho se encontra assim organizado: 1. Introdução. 2. Desvendando o

desenvolvimento cognitivo através da epistemologia genética. 2.1. Principais perspectivas

sobre a aquisição e a construção do conhecimento. 2.2. Epistemologia genética: conceitos

básicos. 2.2.1 Estágios do desenvolvimento mental. 2.2.2 Estruturas mentais e linguagem.

3. Diagnóstico psicopedagógico. 4. Provas operatórias criadas por Piaget. 4.1Tipos de

provas operatórias. E, por último, Considerações Finais e Referências.

2 Desvendando o Desenvolvimento Cognitivo através da Epistemologia Genética

A Psicopedagogia é uma área do conhecimento que tem como objeto de estudo o

processo de aprendizagem e, mais particularmente, o aprendente e suas relações com o

referido processo. O Psicopedagogo é um profissional da educação e da saúde mental que

utiliza como um de seus instrumentos para realizar diagnóstico dos problemas de

371

aprendizagem as provas de inteligência elaboradas pelo autor da teoria denominada

epistemologia genética ou psicogenética - Jean Piaget (1896-1980).

A seguir, serão apresentadas algumas ideias fundamentais da teoria psicogenética

que fundamentam o presente estudo.

2.1 Principais Perspectivas sobre a Aquisição e a Construção do Conhecimento

Conhecer a construção do pensamento foi uma busca dos grandes filósofos na

antiguidade. Há mais de dois milênios o homem vem se questionando como o ser humano

aprende e quais fatores contribuem para que esse processo ocorra de forma positiva.

Diversos cientistas e psicólogos realizaram e frequentemente realizam estudos mais

aprofundados para melhor compreender este desenvolvimento.

O modo de pensar das pessoas e o conhecer algo varia segundo as associações

mentais e depende sempre do universo cognitivo, psicológico do sujeito cognoscente.

Quem estuda esse conteúdo são os epistemólogos. Epistemologia trata das origens, dos

pressupostos, da natureza, extensão e do conhecimento. Os epistemólogos elaboram teorias

do conhecimento.

As posturas epistemológicas mais significativas são: o empirismo ou positivismo, a

fenomenologia e a dialética. O primeiro grupo afirma que o ser humano quando nasce é

uma tábula rasa, as aprendizagens ocorrem a partir das experiências acumuladas e sua base

é o determinismo ambiental e o postulado que afirma ser todo conhecimento é resultado de

experiências.

De acordo com Montagnini (2010), o viver experiências, no sentido positivista, é o

experimentar concretamente, efetivamente um determinado conteúdo porque sem esta

prática não há como assimilá-lo, aprendê-lo. Significa sofrer a influência do mundo

externo ou da situação estimuladora e reagir frente a ela. E assim o sendo, ir adquirindo o

conhecimento (a razão é adquirida) conforme a experiência que se materializa em função

da situação estimuladora recebida. A observação dos dados da experiência que se vive é

fundamental para desencadear a aprendizagem e a generalização ou transferência da

aprendizagem de um contexto para outro. Aprender a partir do viver experiências é mudar

o comportamento ao acumular informações ou dados na memória após estabelecer a

relação entre estímulo-resposta. É a apreensão de uma verdade (em detrimento da sua

construção) através da experiência.

372

Com relação à fenomenologia, Montagnini (2000) afirma que o construir

conhecimento é um processo elaborado pelo aprendente ao se sentir envolvido

pessoalmente pelo conteúdo a ser aprendido porque ele tem relação com a sua

subjetividade, provocando desenvolvimento pessoal (autorrealização).

Pontua que ao suspender provisoriamente os pré-conceitos, o psicopedagogo

entende o aluno enquanto ser humano e não como objeto de depósito de conhecimentos;

como um sujeito que tem uma essência que não se confunde com a essência dos outros

indivíduos; como um ser subjetivo o que o impede de usar análises objetivas e

quantitativas; como pessoa tanto quanto o professor e as demais pessoas o são. Sobre a

consciência intuitiva do psicopedagogo, orienta-nos que o psicopedagogo-pesquisador

deve guiar-se pela compreensão que tem do aprendente enquanto pessoa a partir das suas

intuições, sem a preocupação de explicações fundamentadas em teorias ou conceitos pré-

estabelecidos, como por exemplo, explicar o comportamento do aluno em função de

fatores políticos e/ou econômicos.

Os estudiosos da fenomenologia acreditam ser o conhecimento inato, defendendo

ser o um fenômeno pré concebido.

O terceiro grupo de teóricos se baseia na compreensão de que a aprendizagem se

conquista na interação do sujeito com o objeto, na interação do sujeito com o meio social,

sendo então conhecido como construtivista. Segundo a dialética, a criança não nasce

pronta, como também não é passiva ao conhecimento oferecido. Ela constrói o seu

conhecimento ao interagir com os estímulos que lhe são oferecidos. Os cientistas Jean

Piaget e Lev Semenovich Vigosti são significativos representantes desta perspectiva

teórica.

Vigotski estudou Marx porque aspirava elaborar uma explicação sobre o processo

de aprendizagem tendo as ideias de Marx como referencial. E conhece o filósofo Hegel,

filósofo este bastante considerado por Marx. Hegel empregou a dialética em seu sentido

mais transcendental em filosofia, denotando o processo que emprega o espírito para o

conhecimento do mundo, conhecida como dialética hegeliana, que consiste em reconhecer

a inseparabilidade dos contraditórios e em descobrir o princípio de sua união em uma

categoria superior. Em outras palavras, a toda tese corresponde uma antítese, completando-

se, ambas, em uma etapa superior chamada síntese. E advogava que o que gera o avanço da

história são as contradições. A partir da negação da realidade o homem a transforma.

Quanto à contradição, Marx, por exemplo, pontuou que os conflitos ou choques de

373

interesses em um plano material, concreto, provocado pelo plano econômico,

desencadeiam mudanças, transformações que vão possibilitando o fazer história como um

processo de superação das contradições. Neste sentido, a história se concretiza em função

dos fatos materiais como efeito das ações das massas trabalhadoras com suas necessidades

materiais básicas não satisfeitas pelas relações de dominação e exploração.

2.2 Epistemologia Genética: Conceitos Básicos

Piaget nasceu na Suíça, formou-se em 1915, em Ciências Naturais, doutorou-se, aos

22 anos em Biologia. Sua preocupação estava em desvendar o processo de evolução do

conhecimento. Piaget (1973) buscou entender a gênese e o desenvolvimento do

conhecimento humano a partir do caminho da pesquisa psicológica dos comportamentos

cognitivos do individuo em sua evolução. Não foi um cientista da ciência aplicada, por

essa razão, não escreveu para a Educação ou para a Pedagogia, como muitos pensam.

Piaget (1973) conduziu seus estudos de forma a contestar o paradigma inatista e o

empirista.

Para o biólogo suíço, a Epistemologia Genética, definindo esta como o estudo da

origem do conhecimento (episteme = conhecimento, logia = estudo e gênese), investigou

sobre o sujeito epistêmico. Foi esta a base para a sua construção teórica resultando em uma

das grandes contribuições que favoreceram e ainda hoje favorecem a Educação, incluindo

o trabalho do Psicopedagogo, devido a transposição que alguns estudiosos fazem,

resguardando as devidas adaptações, dos postulados piagetianos a estas áreas do

conhecimento.

A Epistemologia Genética tem como fundamentos teóricos: a) a proposta

construtivista/ interacionista expressa que é na interação com o objeto que o sujeito vai

estruturando seus conhecimentos. Cada indivíduo é um sujeito ativo, interativo e criativo

ao longo do processo do seu desenvolvimento cognitivo.

Sendo assim, a Epistemologia Genética concebe o conhecimento como um

processo, na qual o sujeito aprende na relação que tem com o objeto. É uma teoria que se

opõe ao inatismo e ao empirismo. Desta forma, o conhecimento é construído a partir da

relação do sujeito com o objeto. b) As estruturas da inteligência se desenvolvem

progressivamente de estruturas mais simples para outras mais complexas; isto é um

374

processo universal no sentido que vale para todos os seres humanos, podendo variar na

idade e cada sujeito tem o seu tempo e forma para elaborá-las. Considera que a mente

possui um alto grau de estruturação e organização. Para que esta estrutura seja

adequadamente preparada, ela passa por estes dois processos que são responsáveis pela

interpretação da realidade. c) Os fatores do desenvolvimento mental são: processo de

maturação neurológica, o contato com o objeto, a interação social e o processo de

equilibração. d) Sobre o método que utilizou para pesquisar, o método clínico, esse se

caracteriza por:

... um método de conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo

interrogador, que acompanha as respostas da criança, que lhe pede que justifique

o que está dizendo, explique, diga o porquê, e que igualmente apresenta contra-

sugestões, etc.” (PIAGET apud DOLLE, 2000, p. 18)

e) Outro fundamento básico é o conceito de esquema mental. Esquema, define

Flavell (1996),

... é uma estrutura cognitiva que se refere a uma classe de sequências de uma ação semelhante, sequências que constituem totalidades potentes e bem

delimitadas nas quais os elementos comportamentais que os constituem estão

estreitamente inter-relacionadas. (p.52)

Estes esquemas são estruturas mentais que gradualmente são reelaboradas,

atingindo estágios mais avançados a partir do momento em que está preparado para isso. f)

As invariantes funcionais são processos psicológicos utilizados no momento da

aprendizagem, sendo elas: assimilação, acomodação, adaptação, organização e

equilibração. Segundo Piaget (1973), a assimilação é a incorporação de um novo objeto ou

ideia ao que já é conhecido, ou seja, a estrutura mental que o indivíduo já tem. A

acomodação, por sua vez, implica na transformação que o organismo sofre para poder lidar

com o ambiente. Assim, diante de um objeto novo ou de uma ideia, o sujeito modifica suas

estruturas tentando adaptar-se à nova situação. A adaptação possibilita ao indivíduo

responder aos desafios do ambiente físico e social. Dois processos compõem a adaptação,

ou seja, a assimilação (uso de uma estrutura mental já formada) e a acomodação (processo

que implica a modificação de estruturas já desenvolvidas para resolver uma nova situação).

Com relação à equilibração, essa é a autorregulação do pensamento à medida que o sujeito

elabora os processos mentais de assimilação, acomodação, adaptação e organização,

simultaneamente.

375

Para o Psicopedagogo, estes conhecimentos são extremamente importantes na

elaboração do diagnóstico psicopedagógico.

2.2.1 Estágios do Desenvolvimento Mental

Segundo Piaget (1973), durante o processo de crescimento, o ser humano passa por

diferentes estágios de desenvolvimento.

Ramozzi-Chiarottino (1998, p.16) coloca ao descrever Piaget, que “... para Piaget

cada estágio da embriologia mental é necessário ao seguinte, ou seja, prepara o próximo,

necessariamente, por tanto, não dá saltos”. Estas estruturas são transformadas

continuamente, num progresso ascendente.

Estes estágios são: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório

formal.

No estágio sensório motor que vai desde o momento do nascimento até

aproximadamente dois anos de idade, a criança apresenta seis fases sendo elas:

1ª fase (0;0-0;1) – Reação circular; reflexos, reações permanente instintivas ou

inatas.

2ª fase (0;1-0;4) – Formação de hábitos elementares sempre relacionados à

utilização e exploração do próprio corpo.

3ª fase (0;4-0;8) – Reação circular secundária: repetir espetáculos interessantes

encontrados ao acaso. Exploração do meio ambiente. Aparece a intencionalidade, porém

esta ainda é muito fraca, pouco resistente.

4ª fase (0;8-1;0) – Combina uma aprendizagem elementar com outra aprendizagem

elementar, e isto possibilitará à criança aplicar o que já aprendeu a situações novas.

O nível de intencionalidade da criança é mais resistente que o da fase anterior. Por

isso, já começa a agir por ensaio e erro e não somente ao acaso. Repete uma mesma ação

sem variá-la.

5ª fase (1;0-1;6) – Reação circular terciária: descobre novos meios para atingir um

fim através de ações efetivas; repete uma mesma ação variando-a.

6ª fase – Aparecem sinais de representação.

Neste estágio a criança tem o desenvolvimento voltado para sua formação sensorial

ou e motora.

376

Durante todo este estágio a criança ainda não consegue representar mentalmente os

objetos.

No segundo estágio, o pré-peratório (de dois a sete anos, aproximadamente), inicia

o desenvolvimento da função de representação e da linguagem. Os objetos começam a

serem representados mentalmente, isto é, a criança é capaz de pensar no objeto mesmo que

este não esteja a sua frente. É capaz de utilizar de símbolos para representar estes objetos.

Também consegue expressar os acontecimentos passados e futuros oralmente,

evidentemente de acordo com as suas possibilidades cognitivas (pensamento transdutivo,

alógico) realizando assim, “... a primeira noção de conservação, que é o esquema de

permanência do objeto, condição necessária para a futura aquisição das noções da

substância” (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1998, p.16). É um período conhecido pelo

egocentrismo: a criança ainda não se mostra capaz de colocar-se na perspectiva do outro;

irreversibilidade: a criança não entende que se fizermos certas transformações, somos

capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original, como por exemplo: a água que

se transforma em gelo e aquecendo-se volta à forma original; transdução: seu pensamento

não é dedutivo nem indutivo e por isto só entende a parte do todo sem jamais chegar à

compreensão do todo. Capta estados momentâneos sem juntá-los em um todo; imitação e

presença do pensamento e jogo simbólico. Para a educação é importante ressaltar o caráter

lúdico do pensamento simbólico.

No terceiro estágio, o operacional concreto (sete aos doze anos), a criança já

apresenta uma estrutura mental organizada. Neste período ela começa a pensar o mundo de

forma lógica, ainda que de forma elementar porque só faz uso da lógica concreta. É nesta

fase que ela descentraliza, gradativamente passando a não mais se sentir como o centro de

tudo. Goulart afirma que,

A descentrarão necessária para se chegar às operações não se baseia apenas num

universo físico, mas também num universo social; isto significa que a criança

passa elaborar seu conhecimento do mundo levando em conta os sujeitos com os

quais convive e que são, ao mesmo tempo, diferentes e semelhantes a ela. (2011,

p. 63)

Neste momento, já realiza pensamentos lógicos matemáticos (operações concretas),

compreendendo noções de tempo, peso, espaço e lógica matemática. Essas noções vão

progressivamente aumentando sua complexidade no decorrer do período sendo elas:

classificação/ seriação, multiplicação lógica/ compensação simples, compensação

complexas/ razão proporção e probabilidade/ indução de leis ou correlação.

377

Neste período ela conquista a reversibilidade, no entanto ainda sem coordenar

totalmente as ideias.

Neste estágio a criança já possui uma organização mental integrada, os sistemas de

ação reúnem-se em todos integrados. Piaget fala em operações de pensamento ao invés de

ações. É capaz de ver a totalidade de diferentes ângulos. Conclui e consolida as

conservações do número, da substância e do peso.

E por último, o quarto estágio, período das operações lógico-formais

(aproximadamente a partir dos 12 anos), ocorre o progresso das operações hipotético

dedutivas. Neste momento a criança já é capaz de distinguir entre o que é real e o que é

possível. Como também se liberta do concreto sendo capaz de estruturar suas estruturas

mentais com elementos abstratos. Realiza pensamento hipotético-dedutivo, proposicional e

análise combinacional. A criança consegue pensar abstratamente e executar a

reversibilidade completa. O adolescente consegue realizar pensamento científico,

conseguindo eliminar hipóteses e acrescentar a suas observações. A criança se liberta

inteiramente do objeto, inclusive o representado, operando agora com a forma (em

contraposição a conteúdo), situando o real em um conjunto de transformações. A grande

novidade do nível das operações formais é que o sujeito torna-se capaz de raciocinar

corretamente sobre proposições em que não acredita, ou que ainda não acredita, que ainda

considera puras hipóteses. É capaz de inferir as consequências.

3. Diagnóstico Psicopedagógico

Entenda-se por diagnóstico psicopedagógico o processo que permite investigar,

levantar hipóteses provisórias que serão ou não confirmadas ao longo do processo de

investigação das possibilidades e limites cognitivos das crianças, no caso do diagnóstico

que tem como referência a teoria de Jean Piaget, a fim de identificar a presença ou não de

desvios e obstáculos básicos das suas aprendizagens.

Conhecer a criança que aprende é um desafio. Respeitar seus estágios de

desenvolvimento mental a partir de Piaget, sem menosprezar as explicações que teóricos

da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem apresentam, criar situações que

proporcionem a transformação do pensamento no momento da aplicação dos recursos

diagnósticos, abandonar a arcaica figura do transmissor do conhecimento, mas assumir o

378

papel de mediador do mesmo no momento da aplicação dos instrumentos próprios para

diagnosticar o desenvolvimento mental através das provas piagetianas é imprescindível.

O diagnóstico psicopedagógico pode inclusive ser realizado na sala aula ao

observar como o aprendente reage frente aos estímulos que recebe. Neste caso, o

Psicopedagogo e o professor investigam, simultaneamente o perfil do discente. Este

dinamismo permite a observação de dificuldades que poderão ser sanadas dentro do

próprio contexto escolar.

No entanto, não é essa realidade que se conhece. Comumente há profissionais da

educação rotulando os alunos que apresentam dificuldades no aprendizado, deixando-os

marginalizados do grupo de alunos resultando no distanciamento aluno-professor, aluno-

psicopedagogo, vínculo extremamente importante para que o processo de ensino-

aprendizagem ocorra. Desta forma, o que muitas vezes poderia ser uma comum dificuldade

durante a apreensão de novas habilidades, passa a ser um problema de dificuldades.

Muitas vezes sem respostas para compreender o aluno, normalmente o professor

encaminha os alunos considerados “aluno problema” para consultórios, no qual ficará a

cargo de profissionais, tais como: psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas e

psicopedagogos, realizarem um diagnóstico do mesmo. Entre estes profissionais, em geral,

o Psicopedagogo é o responsável por realizar o diagnóstico do aprendizado do aluno.

As técnicas para o diagnóstico variam conforme a linha teórica que o profissional

trabalha. As diferenças podem não alterar o diagnóstico, mas o mesmo precisa ter clareza

quanto à linha que optou.

De acordo com Bossa, o resultado das sessões, a partir da “compreensão e a análise

da produção do sujeito nos fornecem dados importantes para o diagnóstico” (1994, p. 37).

Essa investigação busca compreender integralmente a forma como aprende e os desvios

que impossibilitam as novas entradas para aprendizagem.

4 Provas Operatórias Criadas por Piaget

O presente artigo visa ampliar a compreensão sobre as Provas Operatórias, recurso

que contribui na análise do nível cognitivo do sujeito. Foi no Centro de Epistemologia

Genética, Genebra, criado e liderado por Piaget que estes estudos começaram a ser

aplicados. Sampaio (2010) esclarece,

379

Por meio da aplicação das provas operatórias, teremos condições de conhecer o

funcionamento e o desenvolvimento das funções lógicas do sujeito. Sua

aplicação nos permite investigar o nível cognitivo em que a criança se encontra e se há defasagem em relação à idade cronológica, ou seja, um obstáculo

epistêmico. (p.41)

O biólogo suíço realizou suas investigações no século XX na busca de compreensão

de como a criança aprende. Este desenvolveu pesquisas durante um longo tempo que

resultaram na Epistemologia Genética. As indagações realizadas por ele permitiram a

elaboração de uma sólida teoria do desenvolvimento que revolucionou a época e se

perpetuou até os dias de hoje. O autor comprovou a incoerência no pensamento da criança

até aproximadamente 6 e 7 anos. Durante o tempo de investigação notou que muitas

crianças davam uma mesma resposta errada a um determinado problema. Para o

epistemólogo, o caminho para chegar à compreensão das respostas certas, parcialmente

certas ou erradas eram tão importantes como o resultado final. Diante desse pressuposto,

tanto acerto e o erro são alvos de investigação auxiliando no processo para compreensão

das modificações que a criança passa no decorrer de suas aquisições mentais.

Apontar o nível do desenvolvimento mental o indivíduo que se submetia às provas

operatórias era o objetivo de Piaget (1973).

As provas piagetianas têm como objetivo avaliar as noções de tempo, número,

causalidade, conservação, entre outros. Desta forma, complementa MacDonell (1994),

Mediante as provas de Diagnóstico Operatório, podemos chegar a determinar o

grau de aquisição de algumas das noções chaves do desenvolvimento cognitivo

(…), cujo o conteúdo se leva em conta em cada uma delas de um modo muito

especifico. Algumas provas versam sobre a noção de conservação de quantidade,

referindo-se a aspectos numéricos, geométricos ou físicos, e outros indagam as

questões vinculadas às classes e ás relações. (p. 04)

Para aplicação das provas é preciso já ter havido o contato inicial entre o

entrevistado e o entrevistador (Visca, 2008, p.25). Provavelmente este contato já foi

estabelecido nas sessões anteriores, estabelecendo o vínculo. Essa ligação é absolutamente

necessária para que exista um laço de confiança entre ambos. Outro elemento de

fundamental importância apontado pelo autor são as hipóteses do entrevistador. São estas

que mostrarão o ponto de partida de onde começará a investigar.

Durante a realização das mesmas é necessário ter cuidado com as consignas

(instruções). Caso estas sejam direcionadas erroneamente pode-se obter respostas

equivocadas. Quando não houver segurança para apresentar o conteúdo da consigna,

380

Sampaio (2010, p.42) sugere que estas sejam digitadas e lidas. Outro cuidado é a

alternância das provas de classificação, conservação e seriação, prevenindo uma possível

contaminação das respostas. E, segundo Piaget (1975), aplicar, no mínimo, cinco provas

piagetianas avaliando cinco estruturas mentais distintas. Quanto aos resultados, Sampaio

aconselha,

Os resultados serão mais bem compreendidos se anotados detalhadamente todas

as respostas do cliente, inclusive suas reações, postura, fala, inquietações,

reações diante do desconhecido, seus argumentos, sua organização, de que

maneira manipula e organiza o material. (p.42)

Para realização das provas o entrevistador precisa apresentar estratégias para não

haver incerteza da interpretação do nível cognitivo consubstanciado, como expõe Visca

(2008, p.26). A estratégia comum a todas as provas são: apresentação do material, a

indagação de vocabulário e a delimitação da intencionalidade da prova. Durante a

apresentação dos materiais o aprendiz passa a conhecê-lo e como o utilizará. Durante o

primeiro contato o entrevistador já observa as primeiras reações, aprovação ou reprovação

e seu conhecimentos prévios sobre aquele material.

Quanto à indagação do vocabulário, a linguagem é um instrumento para expressar o

pensamento, no entanto, durante as provas, como a avaliação não está relacionada à

avaliação do vocabulário, o entrevistador deve considerar as designações do entrevistado,

como exemplifica a autora: “nada importa se na prova de dicotomia o entrevistado designa

os círculos com esse nome ou os chama de bolas, discos, redondas, bolinhas ou de

qualquer outra forma.” (p.27).

Durante a aplicação das provas piagetianas Sampaio (2010) aponta a teoria de

Visca (2010) exemplificando estratégias no momento de sua realização. Para iniciá-las o

entrevistado deve mostrar compreensão na relação de igualdade dos materiais

apresentados, quando houver, por exemplo: a igualdade inicial das bolinhas de massa ou da

quantidade de líquido nos dois copos. Ao realizar as perguntas, de forma clara e objetiva, o

profissional tem que se atentar a questionar o pensamento apresentado para compreender

os caminhos que o entrevistado passa para elaborar as suas respostas. Antes de realizá-las é

preciso reassegurar se o sujeito “estabeleceu mesmo a igualdade inicial ou a diferença

inicial”, no caso da conservação de massa e ou de líquido (Sampaio, 2010, p.48).

Na fase da realização das provas o entrevistador deve ter como objetivo provocar a

argumentação apresentada pelo entrevistado. Sampaio (2010) afirma, ao descrever Piaget,

381

ser necessário utilizar o retorno empírico, isto é, ao fim de cada prova voltar o material ao

estado inicial. Também a contra-argumentação utilizada para perceber se o entrevistado

mantém sua argumentação após a apresentação do ponto de vista contrário. A contra-

argumentação com terceiro tem o mesmo objetivo da anterior: perceber se o entrevistado

mantém sua argumentação, no entanto, utilizando o exemplo de terceiros, tal como

exemplifica Visca: “Em uma oportunidade, uma criança me disse que a salsicha tinha mais

do que a bola. O que lhe parece: essa criança estava correta ou não?” (2008, p.30). O

argumento tem grande valia durante o processo de avaliação, pois como afirma MacDonell

(1994),

Os interrogatórios que são feitos a cada prova estão destinados não só a conhecer

os juízos da criança, que variam em função da idade e do desenvolvimento,

senão particularmente sobre os argumentos que os acompanham. Por exemplo,

não só nos interessa saber se a criança aceita ou nega a invariância quantitativa

da prova de transvasamento de líquidos, mas antes de tudo, quais os argumentos

que utiliza para justificar seu juízo de conservação ou não conservação. (p. 7)

Assim, no momento da prova de conservação o autor também orienta para pergunta

de coticidade, esta é desenvolvida após tapar com a mão uma das coleções de fichas,

“Conte as fichas. Você pode me dizer quantas têm debaixo de minha mão? Como você

sabe?”. Quando preciso, pode-se buscar comprovar “uma hipótese do entrevistado de

maneira concreta” (SAMPAIO, 2010, p.49).

Ao aplicar as provas é possível observar em que estágio se encontra o pensamento

estruturado tendo a certeza, na visão cognitivista, que a criança só apresentará respostas

conforme as estruturas já formadas. A linguagem, neste momento, é um importante

instrumento mediador entre o profissional e o conhecimento do sujeito. O psicopedagogo

deve acompanhar a formação de conceitos e os diversos elementos periféricos da

linguagem, isto é, as respostas e o comportamento são observados simultaneamente.

Ao fazer as devidas observações o psicopedagogo pode avaliar se a idade cognitiva

acompanha ou não a idade cronológica do aprendiz, frente a isso, oriunda as dificuldades

de aprendizagem apresentadas. É importante frisar que os fatores sócio-culturais

influenciam nos aspectos da idade cronológica do aprendiz.

Ao serem dadas as respostas, estas são avaliadas em três níveis, como organiza

Sampaio (2010, p.42) a partir do exposto por Piaget (1975),

Nível 1: Não há conservação, o sujeito não atinge o nível operatório nesse

domínio.

382

Nível 2 ou intermediário: As respostas apresentadas oscilações, instabilidade ou

não são completas. Em um monto conserva e em outro não.

Nível 3: As respostas demonstram aquisição da noção, sem vacilação.

A classificação expressa que o sujeito não apresentou a compreensão dos conceitos

avaliados. No segundo nível refere-se às respostas invariáveis, incompletas daqueles

sujeitos que apresentaram êxito parcial em suas respostas. E o nível 3, quando as respostas

são dadas com êxito e argumentação clara.

As estratégias utilizadas durante o interrogatório das provas auxiliam na

constatação do nível cognitivo que o aprendente se encontra.

4.1 Tipos de Provas Piagetianas

As provas que o entrevistador aplicará ficarão a critério do mesmo, partindo das

verificações realizadas anteriormente e o que ele percebeu ser necessário. No entanto, as

aquisições de noções seguem uma ordem, conforme mostram algumas pesquisas

piagetianas, podendo variar conforme o contexto que o indivíduo encontra-se. (Weiss,

1992, p. 105). Mac Donell (1994) sugere a seguinte organização:

até 6 anos: provas de conservação:

de pequenos conjuntos diferentes de elementos

da quantidade de líquido

provas de classificação:

de mudança de critério ou dicotomia

provas de seriação

6 e 7 anos: provas de conservação:

de pequenos conjuntos diferentes de elementos

da quantidade de líquido

da quantidade de matéria

da composição da quantidade de líquido

provas de classificação:

de mudança de critério ou dicotomia

intersecção de classes ou quantidade da

inclusão de classes

provas de seriação

8 e 9 anos: provas de conservação:

da quantidade de matéria

da quantidade de largura

da composição da quantidade de líquido

de peso

provas de classificação:

intersecção de classes

quantificação da inclusão de classes

383

prova de seriação

10 a 12 anos: provas de conservação:

de largura

de peso

de volume

provas de classificação:

intersecção de classes

quantificação da inclusão de classes

12 anos ou mais: No caso de se obter êxito na prova de conservação de

volume, administram-se as provas para o pensamento formal.

Para realização das provas o Psicopedagogo precisa organizar seu material

respeitando a idade da criança, a ordem pelas estruturas já adquiridas das noções e/ ou os

problemas apresentados pela mesma. O material deve ser apresentado antes da aplicação

das provas. Dentre os materiais usados, Weiss (1992) exemplifica,

fichas com formas, cores e tamanhos diferentes; bastonetes, duas espécies de

flores e frutas, copinhos plásticos transparentes de diferentes alturas e diâmetros;

massa plástica de duas cores diferentes, fios de lã ou correntinhas, balança,

casinha de madeira, régua, lápis, tabuleiro de papelão. (p.104)

Como descrito anteriormente, as formas de realizar as provas são praticamente a

mesma com perguntas direcionando um diálogo. O entrevistador busca entender a estrutura

do pensamento do seu aprendiz a partir das diversas estratégias mentais utilizadas pelo

entrevistado. Assim, “A postura do terapeuta é de explorar ao máximo as possibilidades da

criança procurando atingir verdadeiramente o seu nível de estrutura de pensamento, e não

se fixando em primeiras respostas que podem ser equívocas.” (Weiss, 1992, p. 104)

O psicopedagogo deve utilizar o método clínico criado por Piaget ao aplicar as

provas. Piaget citado por Dolle assim conceitua o método que criou:

... um método de conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo

interrogador, que acompanha as respostas da criança, que lhe pede que justifique

o que está dizendo, explique, diga o porquê, e que igualmente apresenta contra-

sugestões, etc.” (2000, p. 18)

O registro realizado é um importante instrumento para avaliação e conclusão do

diagnóstico. Tanto a linguagem como as reações externas precisam ser anotadas. Segundo

Weiss (1992), todas as observações são relevantes, já que o importante é o processo não o

resultado, por isso, é necessário atentarem-se as respostas e argumentações apresentadas.

384

Outro fator relevante são as variações emocionais, estas podem variar, caso o sujeito tenha

passado por situações que alteraram o seu comportamento.

Considerações Finais

O presente trabalho possibilitou conhecer parcialmente os postulados piagetianos

uma vez que conhecê-los na sua plenitude exigiria muito mais horas de pesquisa devido à

extensão e complexidade dos princípios da teoria epistemológica e psicológica criadas por

Piaget.

Neste artigo, o foco foi a contribuição que o trabalho do espistemólogo Piaget e

seus colaboradores deixaram para o diagnóstico psicopedagógico. As provas operatórias,

fundamentadas na Escola de Genebra, apresenta-se ainda hoje um instrumento importante

para avaliar o nível cognitivo que o sujeito se encontra, auxiliando assim, o profissional

verificar se há uma defasagem cognitiva, considerando a idade cronológica com relação à

idade cognitiva.

Conforme o Código de Ética, Capítulo I, Artigo1º, o psicopedagogo pode aplicar

“procedimentos próprios e fundamentados em diferentes referenciais teóricos” (p. 8), O

uso de provas, testes ou outros recursos são procedimentos que contribuem para um

diagnóstico psicopedagógico. A seleção dos mesmos é definida conforme as hipóteses

levantadas na entrevista realizada com a família e nas primeiras seções psicopedagógicas

com o sujeito. Ao utilizar estes recursos, o profissional deve se atentar aos aspectos

“afetivos, cognitivos, corporais e pedagógicos” (Weiss, p.101). Desta forma, o diagnóstico

implica pesquisar fatores externos e internos, um desvendar minucioso, na qual a escuta

também será ferramenta importante no decorrer da avaliação.

As provas e testes são elementos de mediação entre o cliente e o profissional

durante o processo de diagnóstico, contribuindo na percepção da elaboração do

pensamento apresentado pelo aprendente. O diálogo favorecerá a interação do aprendiz/

provas / e profissional. Argumentação, contra-argumentação e as colocações, muitas vezes

de forma subjetivas, fornecerão dados importantes para interpretação do sujeito. No

entanto, é válido ressaltar que para aplicação das mesmas deve-se ter estabelecido um

vínculo entre ambos, para que sessão ocorra de forma científica.

385

Logo, tão importante quando todas as etapas de um diagnóstico é o olhar singular e

a escuta sensível do profissional para o aprendente. Este conjunto direcionará para o

diagnóstico e o caminho a percorrer durante a intervenção do aprendiz.

As provas operatórias tomam como parâmetro o sujeito epistêmico, avaliando

estruturas cognitivas comuns a todos os seres humanos. Estas provas abordam

particularidades da área lógico-matemática de classificação, ordenação e seriação. Como

vimos, para Jean Piaget, a organização destas estruturas ocorrem por estágios. A aplicação

das provas permitem investigar em que estágio do desenvolvimento encontra-se o

aprendiz.

Os postulados piagetianos esclarecem que para a concretização dos estágios é

preciso passar pelos processos de assimilação, acomodação, adaptação e equilibração.

Assim, compreender o caminho que se percorre para a elaboração do pensamento

possibilita também identificar os obstáculo epistêmicos apresentadas.

O Psicopedagogo não deve almejar apenas os resultados obtidos ao aplicar as

provas operatórias, mas buscar compreender o percurso levado até chegar nele. Weiss

completa,

Como o objetivo das provas não é ver o produto, mas, sim, descobrir o processo

mental usado pelo paciente para descobrir as respostas torna-se indispensável

analisar cada resposta, justificativa, juízos e argumentos dados (1992 p.107).

Por fim, o profissional deve buscar perceber o aprendente considerando, não só as

repostas orais, mas os diferentes elementos trazidos por ele (o olhar, as hesitações, os

bloqueios, a forma de agir e suas reações diante as situações problemas). As provas

operatórias fazem parte de um processo dinâmico, passíveis de alterações conforme o

sujeito apresenta-se no dia, por isso é fundamental para conclusão do diagnóstico a

interpretação global de todo o processo que o sujeito passou (aspectos subjetivantes e

objetivantes). A autora citada anteriormente completa,

É fundamental não considerar as provas operatórias como um instrumento infalível, absoluto, pois o desenvolvimento operatório, sendo resultante de uma

interação indivíduo-meio, está sujeito a progressos após o momento das provas.

Deve-se considerar sempre o melhor nível de respostas dadas ao longo do

processo. O conhecimento das estruturas cognitivas do paciente permite

hipóteses para compreensão de sua conduta escolar. (WEISS, 1992, p.107)

386

Assim, com um diagnóstico, o profissional traçará o caminho que percorrerá

durante a intervenção, que possibilitará ao sujeito novas formas de pensar sua

aprendizagem, promovendo sua autonomia para solucionar seus problemas, despertando

novamente o anseio para aprender.

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