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MARIA DE LURDES HENRIQUES GUERRA
A MEDIAO DE CONFLITOS NOS JULGADOS DE PAZ
A PERCEO DOS ATORES DA JUSTIA
UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA
PORTO
FACULDADE DE CINCIAS SOCAIS E HUMANAS
PORTO 2012
MARIA DE LURDES HENRIQUES GUERRA
A MEDIAO DE CONFLITOS NOS JULGADOS DE PAZ
A PERCEO DOS ATORES DA JUSTIA
UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA
PORTO
FACULDADE DE CINCIAS SOCAIS E HUMANAS
PORTO 2012
MARIA DE LURDES HENRIQUES GUERRA
A MEDIAO DE CONFLITOS NOS JULGADOS DE PAZ
A PERCEO DOS ATORES DA JUSTIA
Trabalho apresentado Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para
a obteno do grau de mestre em Mediao e Interculturalidade,
sob a orientao do Professor Doutor Pedro Cunha.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo procurar conhecer melhor a realidade portuguesa
dos meios alternativos de gesto de conflitos, muito particularmente a mediao que
realizada nos Julgados de Paz (JP), do ponto de vista de quem ali tem interveno
profissional. Os Julgados de Paz so tribunais com caratersticas especiais, existindo
neste momento 25 estruturas em funcionamento, volvidos que esto dez anos sobre a
instalao dos quatro primeiros.
Nesse sentido, na presente investigao procurou aferir-se at que ponto os atores da
justia que ali intervm juzes de paz, mediadores e advogados reconhecem (ou no)
que os Julgados de Paz cumprem os seus objetivos fundamentais, podendo
inclusivamente alargar as competncias que lhes esto adstritas, em termos estruturais e
operacionais. Mais concretamente em relao mediao, enquanto servio
disponibilizado por aquelas estruturas, procurou-se analisar as percees dos referidos
profissionais, quanto a algumas dimenses que nos pareceram pertinentes relativamente
a esse processo de gesto construtiva de conflitos.
Tendo-se seguido uma metodologia essencialmente quantitativa, os principais
resultados provenientes da aplicao de um questionrio, especificamente apontam para
que os JP deveriam possuir uma competncia superior em razo do valor e um
alargamento relativamente competncia material significando que na prtica, um
maior nmero de aes poderiam ser-lhes submetidas levando, por um lado, a um maior
descongestionamento processual dos tribunais judiciais e, por outro, a uma justia mais
clere para o cidado. J quanto mediao, verificou-se uma tendncia francamente
positiva quanto ao desempenho dos mediadores na perceo dos juzes de paz e dos
advogados.
ABSTRACT
The following study has the main purpose of seeking a better knowledge of the
Portuguese reality concerning the alternative means of conflict management, specially
the mediation that takes place in the Justice of Peace (JP), taking in consideration the
point of view of those who are professional in this field.The Justice of Peace is a court
with specific characteristics and after ten years of the establishment of the first four,
there are now 25 of these structures in full operation.
In the present research we tried to evaluate up to what level, the actors of justice that
work there peace judges, mediators and lawyers acknowledge (or not) that the
Justice of Peace fulfill their fundamental purposes, and often go further, reaching other
functions, both structural and operational. Specifically to mediation, regarded as a
service maintained by those structures, we tried to analyze the perceptions of the
referred professionals, concerning some dimensions that we thought pertinent towards
that constructive management of conflicts process.
Having followed a methodology mainly quantitative, the most important results coming
from the use of a survey, point toward the conclusion that the JP should have a larger
reach, according to the value and a growth of the material capacity, i.e. in reality, a
larger number of actions could be submitted, resulting, on one hand, to the efficiency
and process speed of the lawsuits on the judicial courts, and on the other hand to a
justice more swift to the citizen. In what concerns the mediation we could verify a quite
positive tendency regarding the mediators performance in the perception of the peace
judges and lawyers.
minha famlia e a todos os que me so queridos
AGRADECIMENTOS
Quem passa por um trabalho de investigao, sente como importante todo o apoio e
ajuda recebidos ao longo da mesma, sem os quais a tarefa a que nos propomos no
obteria xito.
Eu senti isso, especialmente porque este trabalho foi transversal a um conjunto de
acontecimentos a nvel pessoal, que se traduziram na incerteza quanto ao futuro e no
desnimo face ao presente! Quando o sentido da vida posto em causa, cada passo que
damos facilmente questionvel e o caminhar em frente torna-se penoso.
Felizmente, tudo se conseguiu superar com coragem, esperana e o apoio dos que nos
querem bem!
, pois, importante salientar com um especial agradecimento a todos aqueles que
tornaram este projeto possvel, contribuindo para a construo do mesmo com a sua
sabedoria e disponibilidade, mas tambm a todos os que me deram afeto, compreenso e
apoio moral, sendo este meu manifesto de gratido insuficiente, perante tudo aquilo que
recebi.
Desde logo, ao Professor Doutor Pedro Cunha, meu orientador, pela Sua
disponibilidade e por contribuir com o seu vasto saber para o meu crescimento a nvel
cientfico, levando-me reflexo madura, conduzindo-me nesta viagem para mim to
nova e ao mesmo tempo to fascinante.
Igualmente, estendo os meus agradecimentos Universidade Fernando Pessoa, onde
este estudo foi possvel de concretizar, na pessoa do seu magnfico Reitor,
excelentssimo Senhor Professor Doutor Salvato Trigo.
Ao GRAL (Gabinete Para a Resoluo Alternativa de Litgios), do Ministrio da
Justia, pela prontido na disponibilizao das informaes consideradas pertinentes
para a presente investigao, bem como do prvio contacto aos mediadores dos
Julgados de Paz.
Aos Colegas Mediadores, Juzes dos Julgados de Paz e Advogados que demonstraram
interesse e prontamente se disponibilizaram em participar no estudo, sem os quais o
mesmo no teria sido possvel.
Um agradecimento aos meus amigos, os quais cada um sua maneira foi caminhando a
meu lado:
Filipa, Mila e Ana, pelo carinho e palavras sempre de fora, f e esperana; Maria
Joo e ao Nuno, amigos de uma vida, pelo incentivo constante que me deram,
acreditando sempre com otimismo no xito deste trabalho;
Ao Joo Crte-Real, pelo apoio, amizade e absoluta disponibilidade na partilha dos seus
conhecimentos.
Carla Lopes, pelo incessante incentivo neste desafio e preciosa ajuda, tanto com o seu
saber, como moralmente, apoiando-me nas alturas de maior desnimo, uma vez mais
revelando uma presena e amizade incondicionais.
minha famlia do corao, meus filhos Joana e Diogo, meu marido e companheiro
Pedro, pelo amor, confiana, otimismo e pacincia nas horas mais difceis. E tambm
aos meus queridos pais pelo integral apoio que me deram, colocando as minhas
prioridades como sendo as suas prioridades!
Sem vocs, esta viagem no teria sido possvel.
A todos Vs, uma vez mais, um grande BEM-HAJA!
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
ix
NDICE
ndice de figuras
ndice de grficos
ndice de quadros
ndice de siglas
INTRODUO ... 1
PARTE TERICA ..... 5
Captulo I - O Conflito: um fenmeno complexo de definir e de gerir .. 6
1.1. Breve abordagem ao fenmeno conflitual . 6
1.2. A gesto construtiva do conflito 10
1.3. A importncia dos meios alternativos como forma de resoluo de conflitos. 14
1.3.1. Meios adversariais . 17
1.3.1.1. Via judicial 17
1.3.1.2. Arbitragem . 18
1.3.2. Meios no adversariais .. 19
1.3.2.1. Negociao 19
1.3.2.2. Conciliao 20
1.3.2.3. Mediao ... 21
CAPTULO II - A Mediao de Conflitos: uma via pacfica .. 22
2.1. Breve aluso histria da Mediao .. 22
2.2. Caractersticas da Mediao ... 24
2.2.1. Os princpios da Mediao. 26
2.2.2. As vantagens da Mediao 28
2.3. Principais reas de atuao da Mediao Pblica em Portugal . 30
2.3.1. SMF Sistema de Mediao Familiar .. 30
2.3.2. SML Sistema de Mediao Laboral ... 31
2.3.3. SMP Sistema de Mediao Penal ... 32
2.3.4. A Mediao nos Julgados de Paz .. 33
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
x
CAPTULO III - Os Julgados de Paz em Portugal: uma instncia legal
pacificadora ... 34
3.1. Breve sntese sobre a histria dos Julgados de Paz em Portugal . 34
3.2. Razo de ser dos Julgados de Paz 38
3.3. O modus operandi dos Julgados de Paz ... 40
3.4. A Mediao e os Julgados de Paz 43
CAPTULO IV - Os atores da justia: agentes e relaes de pacificao
social ... 46
4.1. Os Juzes de Paz . 46
4.2. Os Mediadores 49
4.3. Os Advogados .. 51
PARTE EMPRICA . 53
CAPTULO V Mtodo .. 54
5.1. Introduo 54
5.2. Objetivos do estudo . 56
5.2.1. Objetivo Geral . 56
5.2.2. Objetivos Especficos .. 56
5.3. Instrumento e procedimentos ... 57
5.4. Formulao de hipteses e operacionalizao das variveis ... 61
5.5. Caraterizao da amostra . 63
CAPTULO VI - Anlise estatstica e discusso de resultados . 69
6.1. Introduo 69
6.2. Anlise da consistncia interna do instrumento utilizado. 69
6.3. Resultados relativos opinio sobre os JP .. 71
6.3.1. Caratersticas estruturais e modo de funcionamento dos JP 71
6.3.2. A Mediao nos JP . 81
6.3.2.1. Mediadores 91
6.3.2.2. Juzes de paz .. 97
6.3.2.3. Advogados . 101
6.4. Questes Pertinentes 105
CONCLUSES . 108
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xi
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................... 114
WEBGRAFIA ... 118
ANEXOS 121
Anexo A - Listagem dos Julgados de Paz e o n dos respetivos Juzes .. 122
Anexo B - Estatsticas dos Julgados de Paz ... 124
Anexo C - Questionrio de elaborao prpria administrado aos atores da justia 126
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xii
NDICE DE FIGURAS
Figura 1.1. Organograma do GRAL ........ 24
Figura 3.1. Organizao Judiciria .. 37
Figura 3.2. Sequncia dos Processos nos Julgados de Paz .. 42
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xiii
NDICE DE GRFICOS
Grfico n 5.1. Distribuio por sexo do total dos sujeitos da amostra 64
Grfico n 5.2. Julgados de Paz mais conhecidos 67
Grfico n 6.1. Isolamento acstico das salas... 74
Grfico n 6.2. A utilidade do servio de mediao 75
Grfico n. 6.3. Competncia dos JP em razo do valor. 80
Grfico n 6.4. Carcter obrigatrio da Pr-mediao. 84
Grfico n 6.5. Advogado como mais-valia na mediao 86
Grfico n 6.6. Mediao alargada a outros Tribunais. 90
Grfico n 6.7. Mais acordos em conciliao quando as partes passaram
previamente pela mediao ..... 100
Grfico n 6.8. Caratersticas reconhecidas aos mediadores 104
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xiv
NDICE DE QUADROS
Quadro 1.1. Vrios nveis de conflitos 8
Quadro 1.2. Caraterizao sumria dos estilos de gesto do conflito . 11
Quadro 1.3. Formas contenciosas e no contenciosas de resoluo de conflitos. 16
Quadro 1.4. Caractersticas das formas contenciosas e no contenciosas de
resoluo de conflitos . 16
Quadro 1.5. Caratersticas da negociao distributiva e integrao 19
Quadro 2.1. Vantagens da mediao ... 29
Quadro 5.1. Participao no Estudo. 64
Quadro 5.2. Distribuio da amostra em termos de idade 65
Quadro 5.3. Distribuio da amostra relativamente ao estado marital 65
Quadro 5.4. Distribuio da amostra relativamente s habilitaes acadmicas. 66
Quadro 5.5. Distribuio da amostra relativamente profisso... 66
Quadro 5.6. Distribuio das reas de formao, exceto Psicologia e Direito. 66
Quadro 5.7. Anos de experincia ao nvel dos Julgados de Paz.. 67
Quadro 6.1. Coeficientes Alpha de Cronbach e de Spearman. 70
Quadro 6.2. Acessibilidade dos JP em termos de localizao. 72
Quadro 6.3. Perceo de acessibilidade em funo da atividade dos inquiridos. 72
Quadro 6.4. Instalaes dos JP em termos de conforto para os utentes... 73
Quadro 6.5. Perceo de conforto em funo da atividade dos inquiridos.. 73
Quadro 6.6. Opinio acerca da utilidade da mediao em funo da experincia... 76
Quadro 6.7. Opinio acerca da utilidade do servio de mediao em funo da
atividade exercida. 77
Quadro 6.8. Competncia material dos JP... 78
Quadro 6.9. Dimenso matrias a submeter aos Julgados de Paz.. 78
Quadro 6.10. Dimenso valores considerados adequados 80
Quadro 6.11. Designao dos mediadores atravs de contacto telefnico.. 81
Quadro 6.12. Concordncia com o modo de designao dos mediadores de
acordo com a atividade exercida.. 81
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xv
Quadro 6.13. Teste Pos-Hoc para a concordncia com o modo de designao dos
mediadores de acordo com a atividade exercida . 82
Quadro 6.14. Perceo sobre as condies de trabalho oferecidas.. 83
Quadro 6.15. Compreenso das regras e princpios da mediao pelas partes.... 85
Quadro 6.16. Auxlio do advogado na obteno do acordo. 85
Quadro 6.17. Presena do advogado como apoio a uma parte mais vulnervel.. 86
Quadro 6.18. Correlao entre a satisfao com a mediao e o auxlio do
advogado na obteno do acordo. 87
Quadro 6.19. Correlao entre a satisfao com a mediao e o apoio do
advogado parte mais vulnervel 87
Quadro 6.20. Correlao entre a satisfao com a mediao e o advogado como
mais-valia no processo 88
Quadro 6.21. Domnio de outra forma de gesto de conflitos: Negociao 89
Quadro 6.22. Domnio de outra forma de gesto de conflitos: Conciliao 89
Quadro 6.23. Mediao nos Julgados de Paz exercida somente por juristas... 90
Quadro 6.24. Compreenso dos limites de atuao por parte dos advogados.. 91
Quadro 6.25. Partes mais cooperativas na presena de advogados.. 91
Quadro 6.26. Dificuldades na elaborao de acordos..... 92
Quadro 6.27. Dimenso transpor dificuldades decorrentes da elaborao de
acordos 92
Quadro 6.28. Dificuldades na redao dos acordos e a formao de base... 93
Quadro 6.29. Dimenso dificuldades decorrentes do exerccio da atividade... 94
Quadro 6.30. Dimenso mais-valia do exerccio da mediao. 96
Quadro 6.31. Perceo dos juzes de paz acerca do desempenho dos mediadores.. 97
Quadro 6.32. Perceo dos juzes relativamente aos acordos que lhes so
submetidos decorrentes da mediao... 97
Quadro 6.33. Diferenas nos acordos com base na formao dos mediadores 98
Quadro 6.34. Maior cooperao entre as partes na conciliao, aps mediao.. 99
Quadro 6.35. Associao entre maior cooperao e os acordos realizados, aps as
Partes passarem pela mediao 100
Quadro 6.36. Adeso mediao. 101
Quadro 6.37. Preparao de casos para mediao 102
Quadro 6.38. Prevalncia da sua perspetiva de soluo... 102
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xvi
Quadro 6.39. Diferena entre a mediao e a conciliao... 103
Quadro 6.40. Diferena entre a mediao e a negociao 103
Quadro 6.41. Reconhecimento das competncias dos mediadores.. 104
Quadro 6.42. Perceo dos advogados acerca do grau de satisfao dos clientes... 104
Quadro 6.43- Dimenso melhoria dos Julgados de Paz 106
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
xvii
NDICE DE SIGLAS
(AAA) American Arbitration Association
(ADR) Alternative Dispute Resolution
(AR) Assembleia da Repblica
(Art.) Artigo
(CPC) Cdigo do Processo Civil
(CRP) Constituio da Republica Portuguesa
(CTJ) Conselho Superior de Magistratura
(DL) Decreto-Lei
(EMJ) Estatuto dos Magistrados Judiciais
(GRAL) Gabinete de Resoluo Alternativa de Litgios
(JAI) Justia e Assuntos Internos do Conselho da Unio Europeia
(JP) Julgados de Paz
(LJP) Lei dos Julgados de Paz
(MJ) Ministrio da Justia
(RAL) Resoluo Alternativa de Litgios
(SMF) Sistema Mediao Familiar
(SML) Sistema Mediao Laboral
(SMP) Sistema Mediao Penal
(STJ) Supremo Tribunal de Justia
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
1
INTRODUO
O presente estudo tem como pano de fundo motivador procurar conhecer melhor a
realidade portuguesa dos meios alternativos de gesto de conflitos, muito
particularmente a mediao que realizada nos Julgados de Paz (JP), volvidos que
esto dez anos sobre a instalao dos quatro primeiros (Lisboa, Oliveira do Bairro,
Seixal e Vila Nova de Gaia), sendo que a rede conta neste momento com 25 Julgados de
Paz.
Espera-se, assim, do estudo terico e emprico realizado, um conhecimento mais
aprofundado sobre esta realidade portuguesa, ainda bastante recente, por forma a
aclarar-se os benefcios da mediao como meio alternativo na resoluo de litgios e a
perceo daqueles que com ela contactam, tanto direta (advogados e mediadores) como
indiretamente (juzes de paz), pois na nossa perspetiva o papel do mediador vem
assumindo um novo destaque no universo da gesto construtiva dos conflitos, j que
pode desenvolver um importante papel na pacificao social, uma vez que o grande
objetivo resolver os conflitos, preservando-se as relaes interpessoais.
Citando Serrano (1996), vivemos tempos de supremacia da cultura do dilogo, pois
existe cada vez mais a convico de que a melhor maneira dos conflitos sociais serem
resolvidos atravs do acordo, o pacto e a negociao nas suas mltiplas formas, sendo
uma delas a mediao.
Os Julgados de Paz tm vindo a assumir-se como uma nova referncia na resoluo das
contendas em Portugal. Para tal tem contribudo o descrdito na justia que tem levado
busca de novas formas, mais rpidas e menos dispendiosas de fazer Justia. Este
movimento assente nos meios alternativos de resoluo de litgios, de descentralizao
do poder de administrar a justia por parte dos tribunais, tem por sua vez como
resultado o descongestionamento do sistema judicial. E todos sabemos como isso pode
ser de grande importncia atendendo realidade da justia em Portugal, onde a
dignidade da defesa para um cidado muitas vezes tardia a chegar. O Estado j vai
assumindo, assim, por vezes, um papel claramente subsidirio na resoluo dos
conflitos, constituindo, por isso, os meios alternativos, um importante instrumento na
desjudicializao de certas questes.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
2
Os Julgados de Paz veiculam, por conseguinte, a transio de uma cultura litigante, para
uma cultura dialogante quanto ao modo como tratar o cidado e o prprio conflito,
vindo a dar destaque mediao que a assume um papel essencial. J por outro lado,
assume tambm o juiz de paz um papel fundamental, na medida em que, ao contrrio do
juiz do Tribunal Comum, assume uma postura muito mais informal ao sentar-se ao
mesmo nvel das partes, com elas dialogando diretamente, procurando em primeira
linha a conciliao e s depois julgando a causa se aquela no for conseguida, visando
sempre a pacificao, sem que isso seja sinnimo de perda de autoridade (Ferreira,
2011).
Uma caracterstica fundamental destes tribunais, assim, a existncia do servio de
mediao, pois cada Julgado de Paz possui um servio de acesso totalmente voluntrio.
Os JP constituem, assim, estruturas de mediao e conciliao, em alternativa aos
tribunais comuns e cujo principal objetivo consiste em permitir a participao cvica dos
interessados e estimular a justa composio dos litgios por acordo das partes, cujos
procedimentos esto concebidos e so orientados por princpios de simplicidade,
adequao, informalidade, oralidade e absoluta economia processual, conforme dispe o
art. 2 da Lei n. 78/2001, de 13 de Julho Lei dos Julgados de Paz (LJP).
A ideia , por conseguinte, um melhor e maior acesso justia, bem como a sua
humanizao, em que dada voz ao cidado, pois quantas vezes a justia
institucionalizada, tal como a conhecemos, com o excessivo formalismo, burocracia,
onerosidade e acesso restrito ao apoio judicirio, funcionam como fatores dissuasores
para o cidado, quando pensa a ela recorrer.
O presente trabalho apresenta-se dividido em duas partes principais: uma terica,
composta por quatro captulos dedicados reviso de literatura considerada pertinente
para incluso na investigao, e uma parte emprica, composta por dois captulos onde
explanado o estudo a que nos propusemos.
Assim, inicimos o nosso estudo no Captulo I com uma breve abordagem ao fenmeno
conflitual, uma vez que o conflito que est na gnese da mediao, passando depois
pela gesto construtiva do conflito de modo a compreenderem-se as vantagens que da
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
3
advm, finalizando-se com a importncia dos meios alternativos como forma de
resoluo; de salientar que aqui fizemos a distino entre os meios adversariais dos no
adversariais, caraterizando cada uma das formas existentes de RAL (Resoluo
Alternativa de Litgios).
No Captulo II o enfoque na Mediao de Conflitos, com uma breve aluso sua
histria, caraterizao e reas de atuao em Portugal, pois neste momento a mesma
opera, a nvel pblico, em quatro reas fundamentais: familiar, laboral, penal e civil.
O Captulo III dedicado aos Julgados de Paz em Portugal, procedendo-se ao respetivo
enquadramento conceptual, o qual incide sobre a histria, a caraterizao e o modus
operandi destas instncias no nosso pas.
Segue-se o Captulo IV onde a incidncia sobre os profissionais que diretamente se
encontram ligados mediao nos Julgados de Paz, a saber: os advogados cujo
conhecimento advenha do acompanhamento dos seus clientes mediao, os
mediadores que faam parte das listas dos Julgados de Paz e os prprios juzes de paz.
A segunda parte do nosso trabalho, est mais dedicada parte emprica, a se referindo
o tema e a justificao das motivaes para este estudo, as questes de investigao e os
objetivos gerais e especficos, bem como os principais constrangimentos inerentes
mesma. Apresenta-se tambm o mtodo utilizado e a razo de ser das opes tomadas
quanto escolha do mtodo de investigao social, assim como as hipteses
formuladas, os instrumentos concebidos e os procedimentos que esto a ser seguidos.
Por fim, refere-se a amostra selecionada e as suas caratersticas sociodemogrficas.
De salientar, desde j, que a investigao social realizada assentou essencialmente no
mtodo quantitativo, com recurso tcnica do inqurito por questionrio. Desse modo,
procedeu-se elaborao de um questionrio para os diversos atores sociais que
constituem a amostra do estudo efetuado. Atendendo s caratersticas da populao-alvo
da pesquisa, optou-se por administrar o mesmo de forma direta.
Os inquritos por questionrio foram dirigidos aos vinte e seis juzes de paz portugueses
e aos 123 mediadores inscritos nas listas oficiais do Ministrio da Justia.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
4
Relativamente aos advogados e face aos constrangimentos sentidos no decorrer do
trabalho de campo, optou-se pela recolha de uma amostra de convenincia.
No Captulo VI feita a anlise dos resultados decorrentes do tratamento estatstico do
estudo emprico empreendido, bem como a sua discusso, onde sumariamente se
invocam as principais concluses a que foi possvel chegar.
Por ltimo, realiza-se uma breve reflexo final sobre o estudo ora apresentado
permitindo-nos aferir em que medida se cumpriram os objetivos antes propostos, pelo
que se espera que o presente trabalho constitua num contributo para o conhecimento
sobre as estruturas dos Julgados de Paz, e muito particularmente no papel da mediao
no seio destas instncias.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
5
PARTE TERICA
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
6
CAPTULO I - O CONFLITO: UM FENMENO COMPLEXO DE DEFINIR E
DE GERIR
1.1. Breve abordagem ao fenmeno conflitual
Em primeiro lugar, o conflito est em ns, mas como
no aprendemos a olhar-nos antes de olhar para os
outros, conservamos tal imperfeio e atribumos
facilmente aos outros os pensamentos que esto em
ns.
Lascoux (2009, p. 55)
O conflito tem vindo a ser estudado por diversas cincias do conhecimento, constituindo
um fenmeno complexo, abundando perspetivas e modelos explicativos do mesmo.
Assim, no constitui objetivo do presente trabalho o estudo aprofundado do fenmeno
conflitual, mas to s uma breve abordagem do mesmo com vista ao enquadramento do
estudo pretendido, uma vez que o conflito que est na gnese da mediao.
Comeando, ento, a nossa abordagem, apercebemo-nos que, em termos gerais, quando
se pensa em conflito, h um sentimento associado a algo desagradvel, que transporta
uma carga negativa sobre aqueles que o vivem. A prpria definio dada pelo dicionrio
encerra uma viso negativa do mesmo: () luta, disputa, desentendimento, confuso,
tumulto, desordem (). Por outro lado usual perguntar-se quem tem culpa, ou
razo, quem ir ganhar, ou se se vai fazer justia. Procura-se assim a culpa ou a razo,
com a projeo dos nossos juzos de valor, experincias e vivncias (Lascoux, 2009).
Face a um conflito, muitos indivduos tm por isso uma reao natural de evitamento ou
de o ultrapassar rapidamente; contudo, essas reaes podem no ser a melhor opo
para a sua resoluo, constituindo por vezes um erro, pois nem sempre resultam em
benefcios para os interesses dos indivduos e grupos em causa (De Dreu, 1997, cit. in
Cunha, Rego, Cardoso e Cunha, 2007)
Quando procuramos a abordagem cientfica do fenmeno conflitual, verificamos que
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
7
generalizada a ideia de que o conflito inerente ao ser humano, uma vez que
consideram que impossvel viver sem conflitos. Dando alguns exemplos, como refere
Friedberg (1995), "() o universo complexo das relaes humanas e da interao
social sempre potencialmente instvel e conflitual.
Parkinson (2008) aponta que a vida sem conflito seria esttica, concluindo que o
conflito, em si, no nem positivo nem negativo, mas sim uma fora natural necessria
para crescer e mudar.
O estudo do fenmeno conflitual tem, pois, entusiasmado inmeros autores, sendo que
Jandt, (1973, cit. in Folberg & Taylor, 1992) apontava que o estudo sobre o conflito e a
respetiva resoluo, fosse em que situao fosse, poderia constituir o laboratrio de
investigao mais satisfatrio e importante daquela dcada (dos anos 70).
Partindo para a definio do conceito de conflito e a sua razo de existir, para Serrano &
Rodrguez (cit. in Cunha & Leito, 2011), ele definido como "(...) quando duas ou
mais partes se enfrentam entre si para alcanar objetivos percebidos como
incompatveis". Trata-se aqui de uma situao social de confronto, podendo estar
subjacentes estados emocionais entre os envolvidos, como hostilidade ou tenso,
estados cognitivos como a perceo de antagonismo e comportamentos de recusa, como
inimizade e violncia; podero existir tambm, de perceo de incompatibilidade parcial
ou total de objetivos, metas, desejos ou valores.
Na viso de Cunha et al. (2007), os indivduos litigam devido discordncia de ideias,
divergncia de pontos de vista, diferentes desejos, contrastes na interpretao dos factos,
valores opostos, etc., podendo tais conflitos serem mais ou menos exacerbados ou
duradouros em termos temporais.
Nesta simples abordagem, notrio quanto o fenmeno pode ser complexo, to
complexo e diverso que podemos categorizar de diferentes modos os vrios tipos de
conflitos. Uma das categorizaes mais simples aponta para a sua diferenciao entre
intrapessoais e interpessoais (Folberg & Taylor, 1992).
Cunha et al. (2007) vo, no entanto, mais longe quando os categoriza de acordo com o
nvel em que ocorrem: intrapessoais, interpessoais, intragrupais, intergrupais, intra-
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
8
organizacionais e inter-organizacionais, conforme o quadro seguinte.
Quadro 1.1. Vrios nveis de conflitos
Nvel
Intrapessoal
O conflito ocorre dentro do indivduo, podendo incidir no
conflito de ideias, pensamentos, emoes, valores,
predisposies;
Interpessoal O conflito ocorre entre indivduos (e.g., colegas de trabalho);
Intragrupal
O conflito ocorre dentro de um pequeno grupo (e.g., os
membros de um comit colidem sobre a questo de se saber
como reduzir custos: despedindo ou mudando de instalaes;
Intergrupal O conflito ocorre entre grupos (e.g., equipa A vs. Equipa B);
Intra-organizacional O conflito abrange a generalidade das partes da organizao
(e.g. conflito generalizado entre chefias e subordinados);
Inter-organizacional
O conflito ocorre entre organizaes (e.g., uma associao
ambiental e uma empresa colidem por razes ambientais -
poluio);
(Adaptado de Cunha et al., 2007)
Diferente classificao das anteriores apontada por Thomas (1992, cit. in Cunha et al.,
2007) e assenta na matria constituinte do conflito, diferenciando entre os conflitos de
objetivos/interesses, os cognitivos (ou de julgamento) e os normativos embora, de
acordo com o autor, o mesmo conflito possa incorporar as trs formas referidas.
Podemos, assim, estar perante conflitos objetivos ou de interesses quando pelo menos
uma das partes se sente ameaada na medida em que perceciona que os seus fins,
interesses, objetivos ou satisfao de necessidades so incompatveis com as da outra
parte procurando, ento, alcanar os seus objetivos, obstruir o esforo da outra parte ou
tentar obter uma soluo compatvel para ambas.
J os conflitos cognitivos, ou de julgamento, expressam-se em controvrsias, pois
resultam da divergncia na avaliao cognitiva de dados empricos ou factuais. Por sua
vez, as controvrsias podem ser construtivas ou destrutivas, sendo que, no primeiro
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
9
caso, as partes ouvem-se mutuamente conseguindo trocar informao, confiar e
incorporar perspetivas, ao passo que nas destrutivas, ocultam informao relevante, no
se escutam mutuamente e procuram dominar a outra parte.
Por ltimo, os conflitos normativos resultam de divergncias na aplicao das normas,
no grau de adeso dos comportamentos s normas e nas sanes a aplicar em caso de
violao das mesmas. Nestes casos, podem derivar de critrios de ordem tica, de
justia, de hierarquia social, ou outros existentes no sistema social.
Da anlise resulta, por conseguinte dizer, que o conflito enquanto fenmeno inerente ao
ser humano, no obstante poder transportar uma carga negativa sobre quem o vive, pode
constituir uma oportunidade de crescimento pessoal e interpessoal, assumindo a sua
gesto um papel crucial nessa mudana. Se o conflito for gerido construtivamente, a
energia que produzida pode ser canalizada de uma forma edificante ao invs de
destrutiva. Significa isto que, quando os conflitos so geridos de uma forma integradora,
em vez da opo pela via da disputa, as relaes podem ser mantidas e at reforadas
(Parkinson, 2008); e referindo Serrano (cit. in Cunha & Leito, 2011), () os conflitos
so consequncia da prpria interao social e () medida que esta vai sendo mais
complexa, presenciaremos obrigatoriamente um maior nmero de situaes conflituais.
O objetivo consistir em possuir instrumentos adequados para lhes fazer frente de
maneira positiva.
Em concluso, para o nosso estudo interessa reter que o conflito visto, de uma maneira
geral, como um processo dinmico de interao humana sendo que estar em conflito
apenas uma das possveis formas de relacionamento entre indivduos, grupos ou
organizaes, tal como o , por exemplo, a cooperao, da que o conflito no seja visto
como algo desagradvel ou negativo uma vez que constitui um meio de evoluo social.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
10
1.2. A gesto construtiva do conflito
o problema no est no conflito em si, mas
na sua m gesto.
Amado & Freire (2002, p. 23)
Tal como vimos anteriormente, uma vez que o conflito, enquanto processo dinmico e
potenciador de oportunidades de mudar e crescer, ir transformar os indivduos que o
vivenciam, seja nas suas relaes com os outros, seja na relao consigo mesmos,
importante a forma como o mesmo gerido, pois dela depende o xito ou o fracasso de
todo o processo.
Na tica de Schnitman & Littejohn (1999), a nossa cultura tem privilegiado o
paradigma ganhar-perder e, com isso, limitado outras possveis opes de resolver os
conflitos. A discusso e o litgio, onde em regra uma parte sai a ganhar e outra a perder,
vem no s dificultar o relacionamento entre os sujeitos, bem como gerar custos
econmicos. Inversamente, os contextos de resoluo alternativos proporcionam s
partes a possibilidade de um ganho conjunto, resolvendo as respetivas contendas de uma
forma cooperativa e com reconhecimento da singularidade de cada uma.
Isto importante, na medida em que a cultura contempornea assume diversos
contextos, atendendo diversidade cultural, religiosa, racial, econmica e geogrfica,
que determinam o modo como cada sujeito constri e d sentido sua realidade.
por isso que as novas metodologias para a resoluo alternativa de conflitos
proporcionam opes no litigantes, constituindo prticas transversais aos diversos
contextos sociais. Elas so estruturadas para capacitarem os indivduos a aprenderem a
aprender, permitindo assim uma avaliao tanto das divergncias como das
convergncias (Schnitman & Littejohn, 1999).
De acordo com diversos autores (Schnitman & Littejohn, 1999 e Cunha, 2008) medida
que as divergncias vo sendo ultrapassadas, verifica-se a reduo da escalada do
conflito, o que por sua vez potencia a habilidade por parte dos sujeitos, de
compreenderem aos pontos de vista do outro, abrindo caminho para novas e prticas
maneiras de resolver as diferenas.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
11
Neste sentido importa fazer referncia a alguns autores cujos estudos versaram sobre a
utilizao de estratgias com vista a ultrapassarem os obstculos na gesto dos conflitos.
Cunha et al. (2007) apresentam um esquema figurativo de Resposta ao conflito,
conforme o Quadro 1.2. a seguir apresentado:
Quadro 1.2. Caraterizao sumria dos estilos de gesto do conflito
Estilos Caraterizao Posicionamento tpico
Evitamento
Ignorar ou negligenciar os interesses de ambas as
partes, evitando envolvimento no assunto,
permitindo-se que os acontecimentos sigam o seu
curso, sem tentar que eles confluam para a
satisfao de interesses de uma ou outra parte;
"Deixemos que o
problema se resolva por
si prprio.;
prefervel no me
envolver neste
diferendo".
Acomodao
Disponibilidade para satisfazer os interesses do
outro negligenciando os prprios. Existe desejo de
alcanar os objetivos mesmo custa dos prprios.
Apoio de opinies contrrias mesmo que sobre elas
se tenham reservas; ou o esquecimento da
transgresso praticada pelo outro;
"Eu aceito que a tua
vontade prevalea.";
"Eu subjugo-me tua
argumentao.
Competio
/
dominao
Tentativa de satisfazer os interesses prprios, sem
considerao pelos do outro. Tenta-se alcanar os
prprios objetivos sacrificando os do outro, ou
tenta-se convencer o outro de que o seu julgamento
correto e o dela incorreto; ou tenta-se induzi-la a
aceitar a culpa p/ alguma transgresso e assumir as
consequentes responsabilidades;
"Eu no cedo."; "No
dou o brao a torcer.";
"Para eu ganhar tenho
de faz-lo perder.
Compromisso
Tentativa de satisfazer moderada mas
incompletamente os interesses de ambas as partes.
Da pode resultar uma busca parcial de uma
meta/objetivo, a procura de um acordo parcial para
um julgamento/ideia/opinio, ou a aceitao parcial
da culpa;
"Vamos dividir isto a
meio?"; "Eu dou-te isto,
tu ds-me isso, em
troca".
Colaborao
Tentativa de satisfazer completamente os interesses
de ambas as partes. Isso pode significar a tentativa
de obteno de uma soluo "ganha-ganha" que
permite a ambas as partes o alcance completo dos
seus objetivos; ou a busca de uma nova
concluso/ideia que incorpore os aspetos vlidos
dos julgamentos de ambas as partes ou a tentativa
de chegar a um conjunto partilhado de expetativas
e a uma interpretao da transgresso que permita
estabelecer padres consensuais acerca do que
aceitvel numa dada situao;
"Estes so os meus
interesses. Queres
dizer-me quais so os
teus?"; "Como
podemos obter ganhos
mtuos?".
Adaptado de Cunha et al. (2007)
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
12
Partindo da observao do esquema figurativo supra, verificamos que os autores
apontam cinco formas de resposta perante o conflito, de onde derivam os vrios
comportamentos assinalados.
De acordo com os autores resulta que gerindo o conflito de uma forma cooperante e
integradora poder chegar-se melhor soluo e sua resoluo sendo que tambm a
longo prazo esta postura parece demonstrar a que melhores resultados produz. As
partes, ao adotarem estratgias de comunicao, partilhando ideias, ouvindo o ponto de
vista do outro e sem ataques mtuos, conseguem dar resposta ao conflito mediante a
escolha conjunta da melhor opo. Isto traduz-se no acordo justo, com menores
probabilidades de incumprimento futuro.
Tambm Chabot (1995) alude para a escolha, por parte dos indivduos, de trs
estratgias perante o conflito: evitar; desativar ou enfrentar. Quando os indivduos
optam por se enfrentar, encontram-se por sua vez trs abordagens distintas: ganhar
perder, que implica tticas de poder, nomeadamente o uso de autoridade ou da fora;
perder-perder, em que as partes preferem perder do que ver o outro ganhar; ou ganhar-
ganhar. Nesta ltima abordagem, Myers & Myers, (1984, cit in Chabot, 1995) apontam
o conflito como um sintoma do problema que deve ser resolvido, no como uma batalha
a ganhar, mas sim com criatividade e vontade procurar-se uma soluo integradora das
duas vises em oposio.
J na viso de Deutsch (1990, cit. in Cunha & Leito, 2011) so necessrias vrias
competncias para se poder construtivamente gerir um conflito, nomeadamente:
Reconhecer o tipo de conflito em que se est envolvido;
Respeito mtuo pelos prprios interesses e da outra parte;
Interesses e posies devero ser distinguidos;
Atravs da explorao dos interesses de todos os envolvidos, devero ser
identificados os que sejam comuns e compatveis de modo a serem partilhados;
Atravs da explorao dos interesses de todos os envolvidos, identificar os
interesses divergentes, encarando-os como um problema comum a ser resolvido
de forma cooperativa;
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
13
Comunicar de forma aberta e que todos entendam, mantendo simultaneamente
uma escuta ativa;
Estar alerta para situaes de enviesamento, distores percetivas, juzos
errneos e pensamento estereotipado, que podero ocorre com alguma
frequncia;
Desenvolver competncias de modo a lidar com situaes conflituais difceis;
Autoconhecimento de forma a saber dar resposta perante os diversos tipos de
conflito.
No mesmo sentido Ury (1983, cit. in Folberg, 1992), aponta um mtodo com vista a
uma negociao com xito baseado em quatro pressupostos:
- Separar as pessoas dos problemas;
- Centrar-se nos interesses e no nas posies;
- Criar opes tendo em vista o benefcio mtuo;
- Insistir em critrios objetivos.
Importa ainda assinalar que o conflito produz consequncias construtivas ou negativas
que variam em funo das partes percecionarem interdependncia positiva ou negativa
relativamente ao alcanar dos respetivos objetivos. Uma conexo positiva entre os
sujeitos produz a cooperao e acompanhada de consequncias benficas para ambas
as partes, ao passo que uma conexo negativa entre os objetivos dos sujeitos leva
competio, com consequncias prejudiciais (De Dreu & Van Lange, 1995, cit in Cunha
& Leito, 2011).
J no entendimento de Putnam e Wilson (1982, cit. in Cunha & Leito, 2011), so
apontados trs estilos de gesto de conflito: a no confrontao, a orientao para a
soluo e o controle.
A no confrontao prende-se com o evitar o conflito ou com a cedncia unilateral
perante os interesses da outra parte.
Quanto orientao para a soluo, reflete a busca num acordo que seja aceitvel para
ambas as partes, ou a cedncia bilateral com o objetivo de se atingir um compromisso.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
14
Relativamente ao controle, reflete a busca por um acordo que satisfaa os interesses
pessoais, sem considerar os desejos ou as necessidades dos oponentes.
Esta abordagem conduz-nos assim, necessariamente, aos vrios meios de resoluo dos
conflitos: por um lado, os adversariais, onde se incluem a arbitragem e a via judicial,
por contraposio aos no adversariais, ou seja, negociao, conciliao e mediao,
vistos como meios de resoluo alternativa de litgios (RAL).
1.3. A importncia dos meios alternativos como forma de resoluo de conflitos
Atualmente vive-se num mundo em que a fase aguda de conflito e violncia quase
generalizada verificando-se fortes tenses sociais decorrentes de conflitos econmicos,
religiosos ou tnicos entre os pases.
Neste sentido, temos de olhar para cada sociedade e para cada cultura, cujas relaes
sociais se tecem tambm no conflito e aos mais diversos nveis, fruto de uma sociedade
altamente competitiva e acelerada. Assiste-se globalizao da economia, variedade
cultural cada vez mais marcante em Portugal, fruto da imigrao de pessoas oriundas
dos mais variados pases, portadoras da sua cultura prpria; assiste-se evoluo
informtica que a cada minuto se supera a si prpria, etc., tudo dando origem a novas
formas de conflito. A resoluo dos conflitos uma realidade que at h bem pouco
tempo estava exclusivamente nas mos do sistema judicial, mas, gradualmente, foi-se
verificando que este sistema se mostrava desadequado face ao aparecimento de novas
formas de conflito e tambm ao seu aumento exponencial. Neste sentido a necessidade
de mudana tornou-se quase imperativa, acompanhando os ventos internacionais que
j h muito tempo se faziam sentir e que apontavam para novos caminhos, para uma
nova forma de resoluo de conflitos (Lopes & Cunha, 2011).
Esta mudana trs consigo uma viso totalmente distinta da tradicional e sem a carga de
litigncia a que a sociedade se habituou, procurando a preservao das relaes entre os
sujeitos: possibilita o dilogo e promove uma mudana de paradigma. Essas prticas
levam em conta o indivduo como ser nico, focalizando o trabalho no ganho conjunto
de uma forma cooperante e consensual.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
15
As formas alternativas de resoluo de conflitos comeam, ento, a delinear-se como
uma resposta e a definir-se, com o passar do tempo, como uma alternativa eficaz aos
meios judiciais tradicionais. Ora, a via judicial centra-se na figura do juiz, no seu papel
de julgador; por seu turno, a advocacia tem na litigncia um marco referencial: a
oposio dos ideais, a disputa/contenda, a transferncia para o advogado no tratamento
do problema. Ao invs, os meios alternativos, no adversariais, no se centram na
litigncia, nem o protagonismo na resoluo das contendas se centra na figura de
terceiros, como advogados ou juzes, mas sim, nas partes, como abordaremos mais
adiante (Lopes & Cunha, 2011).
Os meios alternativos, como teremos mais frente oportunidade de melhor explanar,
tiveram origem nos EUA sob a designao de Alternative Dispute Resolution (ADR)1,
expresso usada para designar todos os procedimentos de resoluo de contendas sem a
interveno de uma autoridade judicial. Estas prticas tm sido apontadas como
possuidoras de inmeras vantagens, nomeadamente:
- Descongestionamento dos tribunais;
- Facilitao do acesso justia;
- Incentivo das comunidades no tratamento de conflitos e disputas.
Estes procedimentos permitem aumentar a compreenso mtua enquanto indivduos,
dos participantes, possibilitando a criao de opes que conjuntamente levaro
escolha da melhor soluo numa perspetiva de ganho mtuo, preservao das relaes
entre os intervenientes: ataca-se o problema e no as pessoas.
Contudo, antes de se proceder escolha mais adequada para resoluo de um conflito,
necessrio conhecer o que os diferencia de modo a que essa escolha seja adequada.
Assim sendo podemos comear por distinguir de entre os meios de resoluo de litgios,
as formas adversariais e as no adversariais, conforme quadros a seguir apresentados.
1 Em Frana por Mediation, Arbitrage, Conciliation (MAC) e em Portugal por Meios de Resoluo
Alternativa de Litgios ou simplesmente Resoluo Alternativa de Litgios (RAL), embora segundo
Almeida (2010) em Portugal seja duvidoso falar de um movimento, porque s muito recentemente se
valorizam estes meios.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
16
Quadro 1.3. Formas contenciosas e no contenciosas de resoluo de conflitos
CONTENCIOSAS NO CONTENCIOSAS
Processo judicial Negociao
Arbitragem Conciliao
Mediao
Adaptado de Vezzulla (2001)
Quadro 1.4. Caratersticas das formas contenciosas e no contenciosas de resoluo de
conflitos
CARATERSTICAS
Contenciosas No Contenciosas
As partes enfrentam-se As partes cooperam
O procedimento controlado por terceiros
Na arbitragem misto: o controlo comea pelas
partes e depois pelo rbitro
As partes controlam o processo
Um terceiro decide As partes decidem
Centra-se no passado Centra-se no presente e no futuro
Trabalha sobre a realidade formal Trabalha sobre a realidade real
No pode ser interrompido
(Na arbitragem, a partir do Compromisso) Pode ser interrompido
O seu resultado no satisfaz plenamente O acordo satisfaz plenamente
(exceto na conciliao)
O seu resultado pode no resolver o conflito O seu resultado pode resolver o conflito
(exceto na conciliao)
Adaptado de Vezzulla (2001)
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
17
Numa primeira anlise, podemos distinguir entre tcnicas privadas e pblicas, sendo
pblicos os processos judiciais e a conciliao (quando realizada dentro do sistema
judicial), e privadas a negociao, a arbitragem, a mediao e tambm a conciliao
(quando) realizada fora do sistema judicial.
Como formas contenciosas, tambm denominadas de meios adversariais, temos o
processo judicial e a arbitragem, por oposio s no contenciosas (no adversariais)
que so a negociao, a conciliao e a mediao.
1.3.1. Meios adversariais
1.3.1.1. Via judicial
A via judicial a forma tradicional de resoluo de conflitos, em que as partes
entregam a deciso do caso a um terceiro investido de autoridade o Juiz. As partes
so geralmente representadas por advogados e no tm qualquer participao ativa no
desenrolar do processo, sendo um meio formal e dispendioso.
Devido ao exponencial aumento da conflitualidade privada originada por fatores de
ordem demogrfica, econmica, cultural e at poltica (Almeida, 2010), temos vindo a
assistir a uma crise no funcionamento da justia o que tem conduzido a outras formas
alternativas de resoluo de litgios. No obstante, para o referido autor, esta crise no
pe em causa a jurisdio como funo exclusiva dos tribunais, pois o monoplio da
funo jurisdicional cabe sempre aos tribunais.
Os tribunais so rgos de soberania com competncia para administrar a justia em
nome do povo (art. 202 da CRP), incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidados, reprimir a violao da legalidade
democrtica e dirimir conflitos de interesses pblicos e privados. Os tribunais so
independentes e apenas esto sujeitos lei (art. 203 da CRP), sendo que as suas
decises so obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas, prevalecendo
sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 205, n 2 da CRP).
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
18
1.3.1.2. Arbitragem
a forma que mais se assemelha ao sistema judicial, sendo uma tcnica privada pois
cabe aos interessados a escolha de um ou mais rbitros, que sero pessoas que lhes
meream confiana, para que decidam o litgio. Este um meio informal, voluntrio e
confidencial funcionando o rbitro como um juiz, sem estar, no entanto, como este,
obrigado ao cumprimento normativo.
Importa referir que foram criados centros de arbitragem institucionalizada por
autorizao do Ministro da Justia regulamentados pelo Decreto-Lei n. 425/86 de 27 de
Dezembro. Assim, dando dois exemplos, a Ordem dos advogados criou um tribunal
arbitral com competncia para assuntos respeitantes s profisses liberais, assim como o
fez a Liga Portuguesa de Futebol. O recurso a este meio possvel desde que o litgio
no seja respeitante a direitos indisponveis ou que por lei deva estar submetido,
exclusivamente, a determinado tribunal judicial, ou no seja caso de arbitragem
necessria.
Quando o tribunal arbitral apenas e exclusivamente se cria para a resoluo de
determinado litgio, logo que resolvido, o mesmo extinto. Em caso de incumprimento
da deciso arbitral ou acordo homologado, pode a parte lesada propor ao executiva na
comarca competente, art. 90 do Cdigo de Processo Civil (Sevivas, 2007).
Na opinio de Vezzula (2001) tratando-se de conflitos eminentemente tcnicos e
relativos a patrimnio, em que as partes podem dispor livremente dos seus direitos sem
necessidade da interveno do poder judicial, a arbitragem constitui a melhor tcnica
privada de resoluo de conflitos.
No nosso pas a arbitragem atualmente regulada pela Lei n. 63/2011 de 14 de
Dezembro.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
19
1.3.2. Meios no adversariais
1.3.2.1. Negociao
um processo de resoluo de conflitos entre duas ou mais partes opostas, mediante o
qual ambas ou todas alteram as suas exigncias de modo a alcanarem um compromisso
conveniente para todas (Kennedy, 1997, 1998; Kennedy et al. 1990, cit. in Cunha &
Leito, 2011).
Na tica de Parkinson (2008), a negociao pode ser direta ou indireta. Na primeira o
processo bilateral, ou seja, as partes negoceiam diretamente entre si sem interveno
de terceiros; na negociao indireta, as partes utilizam representantes como por
exemplo, os advogados, com vista a auxiliarem-nas a conduzir ou acompanhar as suas
negociaes quando se verificam dificuldades de comunicao ou de relacionamento.
Como tipos de negociao, podemos distinguir entre a distributiva, a integrativa e a de
motivos mistos, conforme o quadro a seguir apresentado.
Quadro 1.5. Caratersticas da negociao distributiva e integrativa
Tipos de negociao
Caratersticas da negociao
Negociao Distributiva Negociao Integrativa
Interao competitiva Interao cooperativa
Recursos A quantidade de recursos
fixa
A quantidade de recursos
varivel
Motivaes de base Ganho/Perda Ganho/Ganho
Interesses essenciais Oposio de interesses Convergncia de interesses
Foco das relaes Curto prazo Mdio/longo prazo
Adaptado de Cunha & Leito, 2011
Estamos perante a negociao distributiva quando cada parte tenta maximizar os seus
ganhos, numa perspetiva de ganhar-perder, podendo falar de um verdadeiro conflito
de interesses (Raiffa, 1982; Walton & McKersie, 1965 cit. in Cunha & Leito, 2011).
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
20
Quanto negociao integrativa (ou integradora) passa por um processo em que as
partes procuram explorar opes, visando o ganho mtuo procurando a soluo dos
problemas e o benefcio de todos os envolvidos (Follett, 1940; Raiffa, 1982; Walton &
McKersie, 1965 cit. in Cunha & Leito, 2011).
Como referem Lax & Sebenius (1986, cit. in Cunha & Leito, 2011), na negociao
distributiva os sujeitos reclamam valor, ao passo que na negociao integrativa os
sujeitos criam valor.
1.3.2.2. Conciliao
Antes de mais h que distinguir entre a conciliao tcnica no contenciosa e a
conciliao usada nas audincias em tribunal. Assim, nesta ltima, os juzes utilizam o
seu bom senso e critrio com vista aproximao dos litigantes na convergncia de
interesses visando chegar a um acordo. Na primeira conciliao tcnica exige-se a
interveno tcnica de um profissional que domine a investigao, a escuta e mantenha
a sua imparcialidade de modo a que, no forando vontades, convena as partes das
vantagens de alcanar um acordo, mesmo que este no seja cem por cento satisfatrio,
mas que as livrar de futuras complicaes com perdas de tempo e dinheiro (Vezzula,
2001).
A conciliao por vezes pode confundir-se com a mediao, devendo ser distinguidas na
medida em que a conciliao adequada quando se est perante simples
relacionamentos circunstanciais sem desejo de continuao ou aprofundamento, uma
vez que o conflito tratado de forma superficial (exemplos: acidentes de viao, compra
e venda de artigos, etc.); na mediao exige-se um tratamento mais aprofundado do
conflito, sendo adequada nos relacionamentos duradouros entre as partes, como nas
relaes familiares, laborais, de vizinhana, ou outras em que as partes desejem a
continuao desse relacionamento (Vezzula, 2001).
Segundo Sevivas (2007), uma outra caracterstica da conciliao o facto do
conciliador poder apresentar solues.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
21
A conciliao tem longa tradio em Portugal, referncia que feita mais frente no
captulo destinado ao enquadramento histrico dos JP no nosso pas.
1.3.2.3. Mediao
tambm um dos meios de RAL, que, pelo seu lugar central na presente investigao,
tem desenvolvimento no captulo seguinte, que lhe inteiramente dedicado.
guisa de concluso, ao longo deste primeiro captulo analisou-se o fenmeno
conflitual, destacando-se a grande complexidade que o mesmo envolve e apontando-se
algumas das estratgias de gesto do conflito, sendo que, para os autores referenciados,
a busca de solues integradoras decorrentes de uma postura cooperativa por parte dos
sujeitos, conduzir ao melhor resultado em comparao com qualquer outro tipo de
postura perante um conflito.
Daqui decorre a importncia da sua gesto construtiva, apontando-se as caratersticas
das diversas formas de resoluo de litgios adversariais e no adversariais, com
destaque para os meios alternativos.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
22
CAPTULO II - A MEDIAO DE CONFLITOS: UMA VIA PACFICA
2.1. Breve aluso histria da Mediao
Mediao: Resoluo de conflitos sem litgio.
Folberg e Taylor (1992)
A mediao vista como uma alternativa na resoluo de conflitos em que uma ou vrias
pessoas ajudam outras a tomar as suas prprias decises, provavelmente to antiga
como a humanidade. No uma criao atual, mas sim uma adaptao moderna baseada
em culturas antigas, sociologicamente diferentes umas das outras, em distintos perodos
histricos (Gonzalz-Capitel, 2001).
Confcio (Cohen, 1966, cit. in Folberg & Taylor, 1992) falava de uma harmonia natural
nas relaes humanas que no devia interromper-se: a melhor soluo para um conflito
devia fazer-se atravs da persuaso moral e num acordo no baseado na coao. Se
olharmos para a China e o Japo, vemos que tm uma larga tradio em mediao desde
a antiguidade e tambm em certas regies da frica, continua a convocar-se uma
assembleia em que algum que detm o respeito da comunidade, atuando como
mediador, ajuda dois ou mais interessados a resolver o seu problema de forma
colaborativa e sem coaes Folberg e Taylor (1992).
Ainda os mesmos autores consideram que se tem assistido ao longo dos tempos dentro
das vrias comunidades religiosas, que tanto sacerdotes, como rabinos, como imanes,
tm ajudado e continuam a ajudar os seus fiis a conseguir acordos que beneficiem
ambas as partes. E verifica-se que praticamente em todos os grupos tnicos tm existido
sistemas de soluo de conflitos. Citando um exemplo, a comunidade cigana dirime as
suas desavenas atravs dos seus ancies.
A mediao tal como hoje entendida e foi j aflorado no anterior ponto 1.3.2.3,
apareceu nos EUA no final da dcada de 60 e princpio da de 70, como resposta
procura social por formas alternativas de resoluo de conflitos. Os motivos foram
vrios no contexto da poca: protestos estudantis, raciais, luta pelos direitos cvicos, o
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
23
movimento da libertao da mulher, de defesa das minorias, a guerra do Vietname, entre
outros.
Verificou-se a intolerncia face s injustias, conduzindo ao aumento de casos levados a
tribunal e a consequente incapacidade de resposta destes (Ribeiro, 1999).
Conforme refere a autora, uma srie de organizaes comearam, assim, a formar
servios de mediao para dar resposta insatisfao popular. Esta procura por solues
alternativas consubstanciou um movimento no seio da sociedade americana denominado
de Movement Towards Alternatives Dispute Resolution (ADR). Na Europa foi pioneira
a Inglaterra na dcada de 70. Mais tarde os Pases Nrdicos e passado pouco tempo, a
Itlia. Na Amrica Latina ps-se recentemente em marcha, embora s em Buenos Aires,
capital federal da Argentina, seja obrigatria: ou seja, antes de se recorrer aos tribunais
deve primeiro passar-se obrigatoriamente por lei, pela mediao (Ribeiro, 1999).
Relativamente a Portugal, como mais adiante se explanar, para alm da existncia de
gabinetes e organizaes privadas, a mediao pblica funciona hoje, nomeadamente,
ao nvel dos Sistemas de Mediao Familiar (SMF), Laboral (SML) e Penal (SMP),
dispondo tambm os Julgados de Paz, enquanto tribunais extrajudiciais, de um servio
de mediao civil.
A tutela destes servios cabe ao Ministrio da Justia, atravs do GRAL Gabinete para
a Resoluo Alternativa de Litgios, que de acordo com informao constante do
respetivo site (www.gral.mj.pt), este gabinete da Administrao Pblica, integrado no
Ministrio da Justia, a quem compete planear e executar as polticas e os servios de
resoluo alternativa de litgios.
O GRAL atua nas seguintes reas especficas: Julgados de Paz, Mediao Pblica (ao
nvel dos sistemas atrs mencionados) e Arbitragem Institucionalizada, sendo que, a
cada rea corresponde uma unidade orgnica prpria Diviso ou Equipa
Multidisciplinar com uma capacidade estratgica adaptada. Por outro lado, quer as
matrias partilhadas pelas diversas reas funcionais, quer a matria transversal
respeitante ao Acesso Justia, so orientadas por uma unidade orgnica especfica de
topo, a Direo de Servio de Apoio aos Meios de Resoluo Alternativa de Litgios.
http://www.gral.mj.pt/
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
24
Com este modo de atuao o GRAL pretende consolidar a respetiva atividade externa,
apostando numa maior e melhor divulgao dos servios de resoluo alternativa de
litgios e tambm no aumento da sua qualidade visando a satisfao de todos aqueles
que pretendam recorrer a estes mecanismos para soluo dos seus problemas.
O Quadro a seguir apresentado ilustra a orgnica do GRAL descrita.
Figura 1.1. Organograma do GRAL
2.2. Caratersticas da mediao
Dispe o art. 35 Lei n. 78/2001 de 13 de Julho (Lei dos Julgados de Paz LJP) que a
mediao uma modalidade extrajudicial de resoluo de litgios, de carcter
privado, informal, confidencial, voluntrio e natureza no contenciosa, em que as
partes, com a sua participao ativa e direta, so auxiliadas por um mediador, a
encontrar, por si prprias, uma soluo negociada e amigvel para o conflito que as
ope. E acrescenta o n. 2 daquele normativo, que o mediador um terceiro neutro,
independente e imparcial, desprovido de poderes de imposio aos mediados de uma
Direo
Direo de servios de apoio
aos meios de RAL
(DSAMRAL)
Equipa multidisciplinar
da Arbitragem (EMA)
Diviso dos JP
(DJP)
Diviso de
mediao Pblica
(DMP)
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
25
deciso vinculativa. Compete por isso ao mediador organizar e dirigir a mediao,
colocando a sua preparao terica e o seu conhecimento prtico ao servio das pessoas
que escolheram voluntariamente a sua interveno, procurando conseguir o melhor e
mais justo resultado til na obteno de um acordo que as satisfaa (cf. n 3 da citada
norma).
Como se pode aferir, decorre da definio supra, que a mediao tem como principal
objetivo proporcionar s partes a possibilidade de resolverem as suas divergncias de
forma amigvel e concertada, sendo o papel do mediador o de conduzir a mediao em
cooperao com as partes. A mediao deve concluir-se em prazo adequado natureza e
complexidade do litgio em causa. Esta interveno realizada com recurso a tcnicas
especficas prprias da mediao.
Como refere Lascoux (2009), a escolha da mediao favorecer a exteriorizao de
cada um dos intervenientes no processo.
A mediao pauta-se, pois, por critrios integradores, em que as partes assumem o papel
de protagonistas na construo da sua realidade, promovendo-se uma atitude de
cooperao entre as partes e a busca dos seus interesses e/ou necessidades.
Ela assume-se como uma modalidade extrajudicial de resoluo de conflitos surgidos
nos mais variados campos, desenvolvendo-se atravs de um processo informal, flexvel,
voluntrio e confidencial, conduzido por um terceiro - o mediador - que promove a
aproximao entre as partes em litgio e as apoia na tentativa de encontrarem um acordo
que permita pr termo ao conflito.
As definies apresentadas encerram alguns dos princpios fundamentais da mediao,
nomeadamente: a voluntariedade, a confidencialidade, a imparcialidade, a neutralidade,
a informalidade e a flexibilidade a seguir explanados.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
26
2.2.1. Os princpios da Mediao
A mediao , antes de mais, um processo totalmente voluntrio, ou seja, os
participantes tm sempre a liberdade de estar em mediao se assim e enquanto o
entenderem. Deles deve partir a deciso em escolher este mtodo para lidar com o
conflito em que esto envolvidos e de o considerarem como terminado, se essa for a sua
opo (Cunha & Leito, 2011).
tambm um processo confidencial (art. 52 da LJP), ou seja, ter de existir o
comprometimento por parte de todos os intervenientes na mediao no sentido da no
divulgao do contedo das sesses, sendo advertidos que o mediador no poder ser
arrolado como testemunha de nenhum deles na fase do julgamento. Com este
procedimento, tal como sublinham Cunha e Leito (2011) visa-se assegurar um clima de
confiana, fundamental para a existncia de um dilogo franco e aberto.
Relativamente imparcialidade e neutralidade, dispe o n. 2 do art. 35 da citada LJP
que O mediador um terceiro neutro, independente e imparcial, desprovido de
poderes de imposio aos mediados de uma deciso vinculativa. Neutralidade e
imparcialidade so conceitos distintos e suscetveis de interpretaes diversas, sendo
que, no objetivo deste trabalho o estudo exaustivo destes ou de outros conceitos, mas
sim a compreenso dos conceitos atravs de uma abordagem prtica. Poder assim
dizer-se que o mediador ser imparcial relativamente aos participantes, dado que ele no
parte interessada, sendo neutral relativamente ao desfecho do processo, dado no ter
qualquer interesse pessoal ou material sobre o resultado do processo de mediao. Tal
como refere Lascoux (2009), o mediador deve a todo o momento permanecer neutro
quanto prpria ideia que o conflito seja resolvido, do seu ponto de vista, em desfavor
1de uma ou de outra parte. E ainda para este autor o mediador proporciona um meio e
no uma garantia de resultado. Tambm no mesmo sentido, Cunha e Leito (2011)
apontam que o terceiro imparcial, na figura do mediador, deve manter uma atuao de
equidistncia no processo.
No obstante este entendimento, existem autores discordantes, pois difcil aferir se
algum pode efetivamente ser neutro dentro de um processo. Alis, como sublinha
Ferreira (2011) seguro que o mediador no pode ser neutral, ou seja, o contedo do
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
27
acordo no lhe pode ser indiferente, a modos como Pncio Pilatos, Lavando as mos,
obviamente na medida em que possa aperceber-se da equidade, ou no, do acordo. Para
este autor, seguro que o mediador no juiz e por isso no far julgamentos, no
entanto no se poder alhear da parte final do n. 3 do citado art. 35 onde est
expresso:
Compete ao mediador organizar e dirigir a mediao, colocando a sua preparao
terica e o seu conhecimento prtico ao servio das pessoas que escolheram
voluntariamente a sua interveno, procurando conseguir o melhor e mais justo
resultado til na obteno de um acordo que as satisfaa.
Atento o explanado verifica-se como tais conceitos so passveis de entendimentos to
distintos.
Quanto informalidade, esta assenta na oralidade, ao contrrio do processo judicial
(Cunha, 2008) onde a forma escrita obrigatria.
A mediao, embora sendo um processo extrajudicial e informal, est sujeita a algumas
regras para que possa funcionar plenamente.
Assim, podemos apontar, tal como refere Vezzula (2001) como principais regras da
mediao, nomeadamente as seguintes:
- Boa-f;
- Cada participante dever falar na sua vez, sem interromper o outro;
- Respeito mtuo;
- Escutar com ateno (escuta ativa);
- Igualdade de oportunidades para cada parte nas respetivas intervenes.
Assim, na fase da pr-mediao, que o mediador dever no s apresentar s partes o
que a mediao, como tambm fazer referncia aos princpios e s regras da mesma,
para que, de uma forma livre e esclarecida os intervenientes possam optar sobre a
adoo deste meio alternativo com vista resoluo do seu litgio.
A flexibilidade significa que o processo ter o ritmo que as partes julguem adequado; ou
seja, as sesses so agendadas de acordo com a concordncia e disponibilidade de todos
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
28
os intervenientes, podendo ser abordado tudo o que as partes julguem necessrio para o
bom desenrolar do processo (Folberg & Taylor, 1992).
Para Vezulla (2001) a mediao implica tambm a existncia de confiana, respeito e
cooperao entre as partes. Cooperao, pois no podero existir solues durveis se
estas no levarem em conta ambas as partes; respeito, porque ter de existir
considerao e cuidado entre os participantes, e confiana, na medida em que as partes
tero de acreditar uma na outra.
Outras caratersticas que se consubstanciam em princpios da mediao, so
nomeadamente: a autonomia/auto- composio da tomada de decises, no sentido de
que cabe s partes o atingir do acordo auxiliados pelo mediador, mas sem que este tenha
qualquer poder de deciso sobre o processo (Cunha & Leito, 2011) e no mesmo
sentido Parkinson (2008), quando aponta para a atuao do mediador no sentido da
capacitao das partes para a tomada das suas prprias decises; o respeito pelos
indivduos e pela diversidade cultural; maior enfase nos interesses comuns do que nos
individuais: interessa obter pontos comuns, que sirvam a todos embora no esquecendo
os individuais; a focalizao das partes no futuro e no no passado. Como referem
Folberg e Taylor (1992), a mediao relaciona-se mais com o presente e o futuro, do
que com o passado.
O passado ser trazido na medida do necessrio, de modo a permitir que as partes se
focalizem no futuro, ultrapassando as barreiras do presente.
2.2.2. As vantagens da Mediao
A mediao apontada por diversos autores como um mtodo que apresenta grandes
vantagens, no s a nvel pessoal como tambm a nvel prtico (Cunha & Leito, 2011).
Sob o ponto de vista prtico, desde logo pelo seu custo reduzido, em comparao com
outros tipos de procedimentos, nomeadamente a via judicial. Relativamente a este
ponto, de assinalar que os Julgados de Paz aplicam uma reduo da taxa de justia nos
processos homologados decorrentes de acordos em mediao (art. 7 da Portaria n.
1456/2001 de 28 de Dezembro).
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
29
Ainda comparativamente com outros procedimentos, os processos de mediao so
cleres, confidenciais, informais e flexveis, sendo que, relativamente a estas
caratersticas j tivemos oportunidade de as explanar, tendo-se analisado a a sua
importncia.
Sob o ponto de vista pessoal, a mediao promove o dilogo entre as partes, podendo
obstar deteriorao das relaes, e ao desgaste emocional.
Samper (2002, cit. in Cunha & Leito, 2011) aponta as vantagens da mediao atrs
referidas, conforme quadro n. 2.1 a seguir apresentado.
Quadro 2.1. Vantagens da Mediao
Vantagens da Mediao
Carater voluntrio So as partes que decidem comear e interromper o processo
se assim o desejarem;
Processo econmico Assume custos mais baixos, relativamente a outros meios;
Rapidez Pode ser um processo mais clere face a outros
Solues mais satisfatrias Os interessados participam na tomada de deciso e de chegada
a acordos finais;
Manuteno de relaes Favorece a manuteno de relaes existentes;
Produo de acordos
criativos
Cria solues e alternativas exequveis, como resposta ao
conflito;
Responsabilizao A participao ativa das partes responsabiliza-as pelo produto
final do processo;
Potenciao da comunicao O processo facilita a comunicao entre as partes;
Adaptado de Samper (2002, cit. in Cunha & Leito, 2011)
Tambm Folberg e Taylor (1992) fazem aluso s vantagens da mediao apontando as
seguintes:
- Facilitao da comunicao entre as partes
- Explorao ao mximo de alternativas;
- Ateno s interesses/necessidades de todos os intervenientes;
- Proporcionar um modelo de referncia para a resoluo de problemas futuros.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
30
2.3. Principais reas de atuao da Mediao Pblica em Portugal
Tal como atrs foi mencionado, a mediao opera em Portugal atravs de organismos
privados e desde 1999 a nvel pblico, e de acordo com informao constante do site
oficial do GRAL (cfr. www.gral.mj.pt), destacam-se atualmente os seguintes:
- SMF Sistema de Mediao Familiar;
- SML Sistema de Mediao Laboral;
- SMP Sistema de Mediao Penal;
- Julgados de Paz Funcionam Servios de Mediao.
2.3.1. SMF Sistema de Mediao Familiar
Comeando pelo SMF, que atualmente abrange todo o territrio nacional, iniciou
funes a 16 de Julho de 2007 vocacionado para a resoluo de conflitos em matria
familiar, nomeadamente:
- Regulao, alterao e incumprimento das responsabilidades parentais;
- Divrcio e separao de pessoas e bens;
- Converso da separao de pessoas e bens em divrcio;
- Reconciliao dos cnjuges separados;
- Atribuio e alterao de alimentos provisrios ou definitivos;
- Atribuio da casa de morada de famlia, etc.
As partes que tenham um litgio no mbito das relaes familiares podem,
voluntariamente e atravs de deciso conjunta, submeter o litgio a mediao. Tambm
o Juiz pode, a requerimento das partes ou oficiosamente depois de obtido o
consentimento delas, determinar a interveno da mediao. Sempre que da mediao
resultar um acordo, o Tribunal tem obrigatoriamente de verificar se ele satisfaz o
interesse do menor e, em caso afirmativo, homologa-o. Para que os restantes acordos
obtidos atravs de mediao possam ter valor oficial, necessrio que sejam
homologados pelo Tribunal ou apresentados na Conservatria, consoante a situao.
http://www.gral.mj.pt/
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
31
2.3.2. SML Sistema de Mediao Laboral
Em 19 de Dezembro de 2006 criou-se o Sistema de Mediao Laboral, nas reas
metropolitanas de Lisboa e Porto, resultante de um protocolo entre o Ministrio da
Justia e vrias confederaes nacionais, nomeadamente: a Confederao do Turismo
Portugus (CTP); a Confederao Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical
Nacional (CGTP - IN); a Unio Geral dos Trabalhadores (UGT), entre outras. Com esta
criao pretendeu-se uma dupla finalidade, por um lado resolues de forma clere,
eficaz e justa entre os empregadores e trabalhadores; por outro, o desbloqueamento da
excessiva carga processual nos tribunais de trabalho.
Deste Sistema de Mediao Laboral (SML) ficaram excludos os acidentes de trabalho e
todos os litgios em que estejam em causa direitos indisponveis (Sevivas, 2007), sendo
que, o SML tem competncia para mediar litgios surgidos no mbito do contrato
individual de trabalho, abrangendo, nomeadamente:
- Pagamento de crditos decorrentes da cessao do contrato de trabalho;
- Promoes;
- Mudana do local de trabalho;
- Resciso do contrato de trabalho;
- Marcao de frias;
- Procedimento disciplinar;
- Natureza Jurdica do Contrato de Trabalho.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
32
2.3.3. SMP Sistema de Mediao Penal
Quanto Mediao Penal, foi introduzida no ordenamento portugus atravs da Lei n.
21/2007, de 12 de Junho, decorrente da execuo do disposto no artigo 10. da Deciso
Quadro n. 2001/220/JAI, do Conselho da Unio Europeia, por parte do XVII Governo
Constitucional, relativa ao estatuto da vtima em processo penal, que determina que os
Estados-Membros devem envidar esforos no sentido de promover a mediao, no
mbito de processos de natureza criminal.
Para que a Mediao possa ter lugar nesta instncia necessrio, designadamente:
- Existncia de processo-crime;
- Que estejam em causa crimes que dependam de acusao particular ou crimes
contra as pessoas ou o patrimnio cujo procedimento penal dependa de queixa;
- Que estejam em causa crimes contra as pessoas ou contra o patrimnio;
- Que o tipo de crime em causa preveja pena de priso at 5 anos ou pena de multa;
- Ofendido de idade igual ou superior a 16 anos;
- Que no estejam em causa crimes contra a liberdade ou contra a autodeterminao
sexual;
- Que a forma de processo em causa no seja sumria ou sumarssima.
So exemplos deste tipo de crimes: ofensas integridade fsica simples ou por
negligncia; ameaa; difamao; injria; violao de domiclio ou perturbao da vida
privada; furto; abuso de confiana; dano; alterao de marcos; burla; entre outros.
Durante a fase de inqurito, que a fase do processo em que investigada a prtica do
crime, o arguido e o ofendido podem decidir, voluntria e conjuntamente, requerer ao
Ministrio Pblico a remessa do processo para mediao. Tambm o Ministrio Pblico
pode, durante a mesma fase de inqurito e caso tenha recolhido indcios da prtica do
crime e de quem foi o agente que o praticou, remeter o processo para mediao, se
entender que desse modo se pode responder s exigncias de preveno que no caso se
faam sentir e sempre com a concordncia do arguido e do ofendido. Sempre que da
mediao resulte um acordo, o Ministrio Pblico tem obrigatoriamente de verificar se
ele legal, sendo que, nesse caso o acordo equivale desistncia da queixa por parte do
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
33
ofendido e no oposio do arguido, terminando o processo. Caso o acordo no seja
cumprido no prazo fixado, o ofendido pode renovar a queixa no prazo de um ms e o
inqurito reaberto.
A utilizao do SMP gratuita e a sua rede abrange as comarcas de Barreiro, Braga,
Cascais, Coimbra, Loures, Moita, Montijo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Setbal
e Vila Nova de Gaia e ainda nas comarcas-piloto de Alentejo Litoral, Baixo Vouga e
Grande Lisboa Noroeste.
2.3.4. A Mediao nos Julgados de Paz
A Mediao assumiu maior projeo em Portugal com os julgados de paz, uma vez que
at a pouca expresso tinha, existindo tenuemente ao nvel da mediao familiar
(Ferreira, 2011).
Assim, os JP dispem de um servio de mediao, sendo que, quaisquer litgios
podero ser-lhe submetidos, tanto no mbito de um processo que corra termos nos
Julgados de Paz como nos casos em que o litgio esteja excludo da sua competncia
neste caso estamos perante a chamada mediao extra-competncia; efetivamente, como
dispe o art. 16 da LJP, o servio de mediao competente para mediar quaisquer
litgios, ainda que excludos da competncia dos Julgados de Paz, com exceo dos que
tenham por objeto direitos indisponveis.
A este propsito e pela sua importncia e pertinncia na presente investigao, ser
desenvolvida no captulo seguinte.
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
34
CAPTULO III - OS JULGADOS DE PAZ EM PORTUGAL: UMA INSTNCIA
LEGAL PACIFICADORA
3.1. Breve sntese sobre a histria dos Julgados de Paz em Portugal
No poderamos iniciar a nossa abordagem sobre os Julgados de Paz sem antes
viajarmos um pouco na sua histria em Portugal, percebendo onde comemos e como
chegmos aos tempos de hoje, sem a fustigao dum levantamento exaustivo, mas com
a preocupao do seu enquadramento.
Assim, apontam alguns autores, que as antigas instituies do tipo Julgados de Paz,
embora com outras designaes, tiveram origem popular e remontam ao Cdigo
Visigtico 2. Mais tarde, durante a idade mdia, os juzes de paz (que naqueles tempos
medievais no tinham ainda essa designao) eram eleitos para funes jurisdicionais e
administrativas de entre os chamados homens bons3.
Tempos depois, durante as Ordenaes portuguesas, desde as Afonsinas (sc. XV),
passando pelas Manuelinas (sc. XI), at s Filipinas (sc. XVIII)4 e analisados os
diversos textos antigos constata-se que a conciliao comeou por ser a grande razo de
ser destas antigas instituies, quando ainda se no falava em mediao. A tnica
assentava na concrdia, sendo os juzes de paz vistos como consertadores de demandas
ou de desavindos. Conforme refere Ferreira (s/ data) esta ideia, de um juiz conciliador,
2 Decorrente da Lex Romana Visigothorum ano de 506, Alarino II, cit. in Ferreira (s/ data).
3 Expresso que designava, a partir da Idade mdia, em Portugal, membros da comunidade alde e das
vilas que tinham certa relevncia social, quer por possurem propriedades ou outros bens, quer por
exercerem ofcios no manuais. Esta expresso designava tambm os cavaleiros-vilos durante a
Reconquista, que constituam a elite social do concelho; eram grandes proprietrios rurais ou
comerciantes; tinham privilgios judiciais e fiscais, nomeadamente a iseno do pagamento da julgada
(tributo em cereais, proporcional ao n de junta de bois utilizadas no amanho das terras) e de posadia
(dever de alojar o rei ou o senhor e a respetiva comitiva). Monopolizavam os cargos e as magistraturas
dos concelhos, tendo competncias relacionadas com a administrao da justia e a eleio dos
magistrados e funcionrios. disponvel em:http://www.slideboom.com//presentations/42843/OS-
CONCELHOS-MEDIEVAIS, acedido em 21/01/2012.
4 So estas Ordenaes que constituem a base do Direito portugus at elaborao dos novos cdigos do
Sc. XIX, nomeadamente o cdigo civil de 1847. disponvel em: http://www.infopedia.pt/ordenacoes-
filipinas, acedido em 21/01/2012.
http://www.slideboom.com/presentations/42843/OS-CONCELHOS-MEDIEVAIShttp://www.slideboom.com/presentations/42843/OS-CONCELHOS-MEDIEVAIS
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
35
que remonta aos tempos lusitanos, tomou forma na 1 Constituio Portuguesa, de 1822,
considerada um dos textos constitucionais mais progressistas do tempo e surgida aps a
revoluo liberal, onde se postulava Haver juzos de conciliao, nas causas, e pelo
modo que a lei determinar, exercitados pelos juzes eletivos (art 181)5.
Tempos depois, a Carta Constitucional de 1826 foi mais alm quando plasmou no art.
128 que Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliao, no se
comear processo algum. E no artigo seguinte, 129, dispunha que Para esse efeito
haver juzes de paz ().
E tambm a Constituio Poltica de 1838 aflorava no mesmo sentido quando dispunha
no art. 124 que: Haver tambm juzes de paz que sero efetivos. E no pargrafo
nico constava que: Nenhum processo ser levado a juzo contencioso sem se haver
tentado o meio de conciliao perante o juiz de paz, salvo nos casos que a Lei
excetuar., ou seja, que nenhuma demanda seria apresentada aos juzes de direito sem
passar pelos juzes de paz.
Estes juzes de paz, exerciam tambm as suas funes relativamente a rfos, partilhas,
heranas, divrcios, dvidas, propriedades e salrios, primeiro na rea de cada uma
freguesia de tradio concelhia e mais tarde num crculo de freguesias (Ac. STJ de
24/05/2007 disponvel no site www.dgsi.pt)
Podemos constatar como neste caso a conciliao nas mos dos juzes de paz goza de
tradio no nosso sistema de justia.
Seguiram-se as Constituies de 1911, 1933 e a de 1976 sendo que aps a implantao
da Repblica em 1910, apercebemo-nos da diminuio do papel dos juzes de paz, no
obstante terem perdurado at meados do sculo XX.
Chegados a 1989 com a publicao da Lei Constitucional n 1/89, de 08/07, foi revista a
CRP de 1976 onde se postulou sob a epgrafe Funo Jurisdicional que: a lei poder
institucionalizar instrumentos e formas de composio no jurisdicional de conflitos
(art. 205 n 4).
5 www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/const822.html
A Mediao de Conflitos nos Julgados de Paz
36
Posteriormente, a Lei Constitucional n. 1/97 decorrente de nova reviso constitucional
da CRP de 1976, promove o ressurgimento dos JP pelo enquadramento que foi dado ao
n 2 do art. 209 ao fazer integrar os JP na categoria dos Tribunais em sentido lato,
ainda que diferentes, designadamente, dos judiciais e dos administrativos e Fiscais,
paralelamente aos Tribunais Martimos e Arbitrais. Assim sendo, os JP so um rgo de
soberania (art. 110, n 1 CRP), independente (art. 203. CRP) com competncia para
administrar a justia em nome do povo (art. 202. CRP), sendo as suas decises
obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas, prevalecendo sobre as de
quaisquer outras autoridades (art. 205., n. 2 da CRP).
Dois anos depois da reviso da Constituio de 1997, em 1999, o Governo de ento
inscreveu no seu programa a diligncia de criao de meios extrajudiciais de resoluo
de conflitos e a adoo de meios tendentes mediao e transao judicial, para
superar o desequilbrio entre a oferta e a procura dos servios de justia. A ideia era,
pois, a da promoo de meios preventivos ou alternativos de composio de litgios por
via da mediao, da conciliao e da arbitragem (Ac. STJ de 24/05/2007).
A ideia constitucional dos JP tem, assim, consagrao na LJP (Lei n. 78/2001, de 13 de
Julho), baseada no regime dos juizados especiais brasileiros, na sequncia de Projeto
Lei aprovado pela Assembleia da Repblica por unanimidade, onde foi regulamentada a
organizao e funcionamento dos JP.
Os JP so tribunais de caratersticas prprias, que tm vindo a ser criados segundo uma
parceria pblico pblica, entre o Ministrio da Justia e as Autarquias Locais. Estes
tribunais, contudo, no so impostos s comunidades, na medida em que a sua criao
antecedida por uma avaliao das circunstncias globais, pelo Estado, uma vez que cabe
a este o papel de garantir a prestao da Justia, e tambm por uma avaliao territorial,
local, em que se avaliam os interesses e as necessidades da sua implementao, por
parte das Autarquias, pois so os representantes destas que se encontram mais prximos
dos cidados (Ferreira, 2011).
Neste momento a rede abrange 60 concelhos, distribudos por 25 Julgados de Paz no
Contine