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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA TESE TRÊS ENSAIOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E ESTADO A PARTIR DE KEYNES Alcino Ferreira Camara Neto 2007

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

TESE

TRÊS ENSAIOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E ESTADO A PARTIR DE KEYNES

Alcino Ferreira Camara Neto

2007

2

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

ALCINO FERREIRA CAMARA NETO

TRÊS ENSAIOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E ESTADO A PARTIR DE KEYNES

Sob Orientação da Professora Carmen Aparecida Feijó

Co-orientação da Professora Célia Lessa Kerstenetzky

Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Economia.

Rio de Janeiro, RJ Novembro de 2007

3

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

ALCINO FERREIRA CAMARA NETO Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia, como requisito para obtenção do grau de Doutor em Economia. TESE APROVADA EM ______/_______/_______

__________________________________ Professora Carmem Aparecida Feijó (Dra.)

(Orientadora)

__________________________________ Prof.Gilberto Tadeu Lima (Dr.)

USP

__________________________________ Prof.Celia Lessa Kerstenetzky (Dra)

UFF

__________________________________ Prof.Carlos Pinkusfeld Monteiro (Dr.)

UFF

__________________________________ Prof.André Villela (Dr.)

FGV

________________________________ Prof. José Carlos Braga (Dr.)

UNICANP

__________________________________ Prof. Aloísio Teixeira (Dr.)

UFRJ

4

Camara Neto, Alcino Ferreira. Três Ensaios Sobre as Relações Entre Economia e Estado a Partir de Keynes / Alcino Ferreira Camara Neto. 147f. Orientador: Prof.ª Carmen Aparecida Feijó Tese – Universidade Federal Fluminense, Centro de Estudos Sociais Aplicados do Programa de Pós-Graduação em Economia. Bibliografia: f. 138- 147. 1. Keynes – Tese – 2. Estado – Tese. 3. História – Tese. 4. Alemanha – Tese. 5. Hiperinflação – Tese. I. Feijó, Carmen. II. Universidade Federal Fluminense, Centro de Estudos Sociais Aplicados do Programa de Pós-Graduação em Economia. III. Título.

5

Aos que tombaram sem se curvar e aos que

persistem sem esmorecer. Vinte anos depois ainda são os mesmos.

6

AGRADECIMENTOS

Toda tese é um trabalho coletivo, como todos sabemos. Esta tese se beneficiou de ajuda de muita gente e tenho receio de esquecer alguém, mas não posso deixar de agradecer. Farei este agradecimento por grupos. Inicialmente, gostaria de agradecer um conjunto de pessoas sem as quais esta defesa não estaria ocorrendo. Trata-se de pessoas que, conhecendo minha produção cientifica, confiaram em meu potencial e me aceitaram como aluno e orientado de doutorado. Estou falando das Professoras Carmem Feijó e Célia L. Kerstenetzky. Ainda neste grupo, gostaria de agradecer meu ex-aluno e ex-coordenador da pós-graduação Jorge Britto pelo apoio que sempre me manifestou e ao Professor Carlos Pinkusfeld Monteiro Bastos por me honrar com sua presença como terceiro membro interno da banca. Gostaria também de agradecer o inestimável apoio de meu amigo e ex-aluno Matias Vernengo que foi incansável em todos os momentos desta jornada. Sem o material bibliográfico que ele me forneceu, esta tese não seria a mesma. Sem a confiança férrea que me motivou, tudo teria sido mais difícil. A vitória é nossa! Gostaria de agradecer à Professora Victoria Chick, minha primeira orientadora de doutorado há muitos anos atrás. Além disso, quero agradecer aos colegas servidores e docentes da decania que me socorreram em vários momentos, cobrindo eventuais falhas. Entre eles gostaria de destacar o superintendente Agnaldo Fernandes, que foi incansável, e o vice-decano Professor Manoel Alcino Ribeiro da Fonseca e os alunos que estagiaram comigo ao longo deste período, o Guarino (que foi para Coppead), os dois Pedros, o Marques, que foi fazer mestrado na UNICAMP e o Garrido que veio fazer mestrado na UFF e, recentemente o Bernardo. Quero agradecer ao Magnífico Reitor da UFRJ, Professor Aloísio Teixeira e sua equipe pelo apoio e torcida. Por fim, quero agradecer aos meus, minha família, que mesmo não podendo deixar de me pressionar, reivindicar apoio, atenção e soluções deram a alegria o afeto e a torcida que me fizeram seguir adiante.

7

RESUMO CAMARA NETO, Alcino Ferreira. Três Ensaios Sobre as Relações Entre Economia e Estado a Partir de Keynes. 2007. 147 p. Tese (Doutorado em Economia). Curso de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2007. A tese discute no primeiro ensaio a existência de uma concepção de Estado e de uma visão de História em Keynes e entre os pós-keynesianos. No segundo ensaio são analisadas as origens do estado imperial alemão, seu desenvolvimento econômico, político e social e sua crise. O terceiro ensaio trata do fenômeno da hiperinflação dos anos vinte na Alemanha, descrevendo-o e discutindo as várias interpretações teóricas, especialmente a da Escola do Balanço de Pagamentos Alemã.

Palavras-chaves: Keynes, Estado, História, Alemanha, Hiperinflação.

8

ABSTRACT CAMARA NETO, Alcino Ferreira. Three Essays on the Relations between Economics and State in the Keynesian Tradition. 2007. 147 p. Tese (Doctor in Economy). Curso de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2007. The first essay discusses if there is one conception of state and history in Keynes and in the Post Keynesian. The second essay discusses the origins of German Empire, its social, political and economical development and crisis. The third essays describes and analyses the hyperinflation happened in the twenties in Germany, including the different theoretical interpretations, specially The German School of Balance of Payments.

Key words: Keynes, States, History, Germany, Hyperinflation.

9

PREFÁCIO

Sempre busquei como historiador econômico e macroeconomista, integrar estas duas

disciplinas e lembrar a importância da História para qualquer análise do humano e das

sociedades por ele constituídas ao longo destes milênios de existência.

Assim, sempre me interessaram os estudos que não se restringiam aos formalismos

teóricos e tentavam integrar a história do objeto examinado em sua análise1.

Este foi um dos pontos que me atraiu em Keynes. O tempo para ele não era uma

abstração mecânica.

Ainda mais, ousaria dizer que, para ele, o tempo histórico não era apenas um elemento

marcante pelo acúmulo de experiências, de fatos, de riqueza e renda, de diferenças e de

restrições, mas um fluxo contínuo em que, até o que não se deu, influencia o que ainda está se

passando.

O futuro, especialmente (mas não somente) em sociedades organizadas como

economias monetárias de produção, influencia o presente, muitas vezes quase tanto quanto o

passado. Como Keynes aprendeu em uma de suas múltiplas interlocuções interdisciplinares,

os humanos (e suas instituições) não eram apenas seres-em-si, mas também seres-para-si.

Tinham consciência de si e buscavam preservá-la. Tinham consciência de serem entre muitos

e, portanto, necessitavam de estratégias e instrumentos para agir.

Se a sociedade fosse um sistema atomístico de efeito agregado igual à simples soma

das ações individuais separadas seria fácil delimitar o impacto agregado de possíveis ações

individuais. Keynes, entretanto, sugere que as sociedades humanas não exibem uniformidade

atômica2. Ao contrário parecem constituir o que ele chama de sistemas orgânicos, nos quais a

interação complexa entre os membros impede ou, ao menos dificulta que se delimitem os

possíveis efeitos agregados de uma ação individual3. Daí a necessidade de conferir a algumas

de suas principais instituições um estatuto em separado na criação de uma teoria pós-

1 Vide, a este respeito, o excelente livro do Hodgson (2001) 2 Keynes, J.M. Treatise on Probability p.291-292 3 Keynes op.cit pp.276-77 e Carabelli (1991)

10

keynesiana completa, integrando Estado, sistema econômico e político internacional e moeda

dentro da análise macroeconômica.

Assim, a história é essencial para a análise keynesiana e sem ela Keynes se torna

incompreensível, não apenas por ele ter sempre claro a necessidade de entendimento dos

condicionantes históricos específicos para a construção de qualquer análise econômica

relevante, mas, como escrevi a pouco, porque a história penetra no âmago mesmo da teoria,

ao se fazer do tempo histórico e do tempo histórico expectacional tempos presentes à análise.

Esta presença do fluir do tempo histórico, pela via da História e pela via das

expectativas, com sua irrevogabilidade e imprevisibilidade irredutível faz com que o

Keynesianismo necessite, tanto quanto ter uma teoria do Estado, ter uma teoria da história das

relações entre estados. Este consciência Keynes adquiriu, na teoria, ao tratar de mundos sem

repetições previsíveis, e na prática ao ver desmoronar o mundo a que tinha se adaptado tão

bem em Bloomsbury e, em vários momentos de sua vida, esboçou uma visão de Estado como

algo além dos interesses imediatos e atomísticos de seus componentes e uma visão de História

em que certos traços, como a presença de grandes fases históricas são citadas, algumas vezes

tomadas emprestadas a institucionalistas americanos como Commons.

A Europa, sua organicidade estrutural, econômica e cultural também se faz presente

desde seus primeiros escritos.

“The Economic Consequences of the Peace” trata desta Europa que ele espera não ver

em ruínas, mas tudo indica que poderia ver em face do que entendia como Estado moderno à

época e em face do que sabia das repetidas guerras civis européias.

Vê na Alemanha, uma capacidade articuladora e integradora para a Europa que será

após o massacre do nazismo e de mais uma guerra mundial, profética.

Previu sua ruína e a de toda Europa se os aliados insistissem em destruí-la, mas não

previu que os alemães acabassem se salvando através de um mecanismo inusitado: a

hiperinflação, que, quando termina seu papel econômico4 queimando dívidas impagáveis e

permitindo a continuidade da atividade econômica e começa a paralisar toda a economia, seja

porque destrói todas as funções da moeda, seja porque a adoção por todos os agentes

econômicos dos mesmos mecanismos de indexação gera uma convergência de reajustes que a

tornam inócua, acaba por perder a coligação de interesses que inicialmente a sustentou.

Esta história passada, que nos lembra tanto uma que ainda não passou num outro

continente, permite ver ainda o papel que Keynes reservava para si e para seus colegas de

4 Apontado por Keynes em “A Tract on Monetary Reform”

11

profissão e cuja responsabilidade, ele não cansava de apontar ao afirmar que somos pouco

mais do que as idéias de economistas e filósofos sociais defuntos: o papel que Skidelky

denominou “the economist as a savior”.

Ele exerceu o tempo todo este papel, no período entre guerras e, particularmente com a

Alemanha. Foi assim em “The Economic Consequences of the Peace”, em “A Revision of

The Treat”, em‘A Tract on Monetary Reform” e em tantos outros textos.

Mesmo na discussão da hiperinflação em que certos elementos ortodoxos ainda

permaneciam em sua análise estritamente monetária, eles não se faziam presente em sua

análise mais ampla que apontava a inconsistência distributiva de uma situação em que

recursos tão vultosos eram carreados ou estavam ameaçados de sê-lo da Alemanha e na

sugestão de soluções em que o “capital levy” despontava como a principal.

Esta é a linha de raciocínio que une estes ensaios: uma visão de economia e sociedade,

já que a primeira é impossível sem a segunda como nos lembrava o outro grande economista

do período analisado Joseph Schumpeter.

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 01

1 A HISTÓRIA E O ESTADO EM KEYNES.................................................................. 04

1.1 Introdução...................................................................................................................... 04 1.2 O Marco Teórico........................................................................................................... 06 1.3 A Visão Convencional................................................................................................... 09 1.4 Existe uma Teoria de Keynes ou Pós-keynesiana do Estado?....................................... 12

1.4.1 A Visão Histórica de Keynes.................................................................................. 17 1.4.2 Uma breve digressão histórica com vistas ao entendimento da visão de Estado

em Keynes: o caso do debate sobre a política econômica britânica nos anos vinte........................................................................................................................ 24

1.4.3 Uma breve digressão histórica com vistas ao entendimento da visão de política econômica em Keynes e nos Pós-Keynesianos: a política econômica no período da Golden Age........................................................................................................ 26

1.5 Crises e Convenções..................................................................................................... 27 1.6 Conclusões..................................................................................................................... 28

2 A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA ECONOMIA ALEMÃ: UMA RELEITURA.. 30

2.1 Introdução..................................................................................................................... 30 2.2 As Origens da “criação” a Alemanha............................................................................ 31

2.2.1 Os atores sociais e seus interesses.......................................................................... 33 2.2.1.1 Os Junkers...................................................................................................... 33 2.2.1.2 Os camponeses............................................................................................... 35 2.2.1.3 A Indústria..................................................................................................... 36 2.2.1.4 A classe operária alemã.................................................................................. 39 2.2.1.5 A Burocracia e o Estado: da Prússia ao Império Alemão.............................. 43

2.2.1.5.1 O Estado Prussiano............................................................................... 43 2.2.1.5.2 O Estado Alemão.................................................................................. 46

2.3 Os Atores Sociais e a política econômica na Alemanha antes da Primeira Guerra............................................................................................................................ 48

2.4 A Economia Alemã durante a Guerra........................................................................... 62 2.5 Conclusões..................................................................................................................... 64

3 VERSAILLES, WEIMAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS: A HIPERINFLAÇÃO.... 66

1ª Parte – VERSAILLES.................................................................................................... 66 1.2 O Imediato Pós-Guerra. A Criação de Weimar e a Paz de Versailles.......................... 69

1.2.1 O Quadro Geral........................................................................................................ 69 1.2.2. O Front Externo: A Paz “Cartegiana”: Versailles................................................. 70

1.2.2.1 Introdução....................................................................................................... 70 1.2.2.2 Os Quatorze Pontos de Wilson ...................................................................... 70 1.2.2.3 O Tratado de Versailles.................................................................................. 72 1.2.2.4 As Reparações............................................................................................... 79

13

2ª Parte – WEIMAR............................................................................................................ 86 2.1 A divisão na esquerda.................................................................................................... 86 2.2 A raízes do fracasso...................................................................................................... 88

3ª Parte A HIPERINFLAÇÃO........................................................................................... 99

3.1 Introdução....................................................................................................................... 99 3.2 A Hiperinflação Alemã: Aspectos Históricos................................................................ 100

3.2.1 Introdução................................................................................................................ 100 3.2.2 O Processo Inflacionário. As variações do Meio circulante, dos preços, da taxa

de câmbio e da divida flutuante............................................................................. 101 3.2.3 Os impactos da Hiperinflação sobre a distribuição de renda e da riqueza............. 107 3.2.4 O Rentenmark.......................................................................................................... 110

3.3 As Causas do Processo. Uma Discussão Teórico-Histórica...................................... 113 3.3.1 Introdução................................................................................................................ 113 3.3.2 A visão monetarista................................................................................................. 114 3.3.3 Algumas Posições Intermediárias........................................................................... 124 3.3.4 A Escola de Balanço de Pagamentos Alemã.......................................................... 126 3.3.5 A Alternativa Pós-keynesiana.................................................................................. 129

3.4. Conclusão: Hiperinflação e o Estado........................................................................... 132

RESULTADOS OBTIDOS.................................................................................................. 135 A GUISA DA CONCLUSÃO............................................................................................. 137 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 141

1

INTRODUÇÃO

Esta tese começa com um ensaio teórico em que são tratados elementos importantes

para a construção de uma teoria ou concepção pós-keynesiana do Estado e da História5.

Para tanto, apresenta-se, em primeiro lugar, a descrição daquilo que as teorias

ortodoxas denominaram visão ingênua de Estado por parte de Keynes.

Para o “buchanianista”, o Estado, expresso em sua burocracia agiria dentro dos

mesmos princípios dos outros agentes econômicos no mercado. Mais que isto, ele não

passaria do somatório dos indivíduos envolvidos em seu manejo, não tendo lógica

institucional própria.

Logo, seriam jogadores perigosos ou “unfair” por deter monopólios legais em áreas

estratégicas sem que seu comportamento fosse diferenciado de outros jogadores que também

quereriam maximizar seus ganhos.

Defender o legado de Keynes da desconstrução sofrida nas ultimas décadas significa

também resgatar sua visão de Estado e sua interpretação do papel dele e de sua burocracia,

mostrando que não era uma visão meramente benthamista e ainda baseada num déspota

esclarecido de há muito perdido no passado.

Para resgatar esta visão, especialmente no que diz respeito à burocracia, tem que se

conhecer não somente seus pressupostos metodológicos e filosóficos expostos num grande

número de textos, mas o seu ativo papel na vida pública, seja como consultor, seja como

negociador, ou ainda como policy-maker ao longo de quase toda a sua vida adulta.

Sua experiência e sua reflexão teórica o levam a atribuir um papel estratégico ao

Estado, (especialmente num mundo dividido entre eles – Estados - na condução da vida

econômica e social) nos moldes da concepção realista do papel do Estado na ciência política.

As convenções acerca deste papel variam sobremaneira no tempo. Não existe modelo

único nem política acertada que valham para qualquer contexto geo-histórico.

Keynes foi acusado por Schumpeter (1946), no epitáfio que este lhe dedicou, de

acreditar que a sua teoria econômica era a mais geral, quando a única mais geral teria sido

aquela desenvolvida por Walras6. De fato, a despeito do título de sua obra magna e das

colocações feitas no primeiro capítulo da mesma, ele tinha uma aguda consciência da

5 Dois excelentes artigos que desenvolvem pontos diferentes dos analisados aqui, mas igualmente pertinentes a temática são Dow e Dow (2002) e Hodgson (2002.)

2

historicidade das ciências sociais, expressa, seja em sua definição de economista7, seja por ter

visto ruir o mundo que conhecia e em que se sentia perfeitamente à vontade8.

Esta noção de historicidade que, junto com sua noção de Estado, será descrita no

primeiro ensaio, foi se metamorfoseando ao longo do período entre - guerras, inicialmente na

forma de uma idealização do passado vitoriano, a seguir tomando emprestada a teoria de

História de Commons. Adiante, foi sofisticando esta teoria, baseada, como veremos na

subdivisão da historia do Ocidente em várias Eras Históricas, até com elementos retirados da

Psicanálise Social, para, finalmente, desenvolver uma teoria centrada na dicotomia

acumulação e entesouramento realçando, entre outros fatores, a forma que tomam as

expectativas em relação ao futuro e o “espírito empreendedor e aventureiro” (animal spirit).

No interior desta construção teórica têm um papel decisivo às relações entre os

Estados e sua institucionalidade, recolocando-se a questão do passado vitoriano, já não mais

entendido como idílico. Neste período vitoriano e no conturbado período entre - guerras, uma

questão se colocava entre outras: a chamada questão alemã.

Na verdade, um dos primeiros a colocar esta questão foi o próprio Keynes em “The

Economic Consequences of the Peace” onde proclama a impossibilidade de pagamento das

reparações de guerra impostas à Alemanha pelo Tratado de Versailles.

A constatação desta impossibilidade é feita neste tratado profundo sobre as relações

econômicas, políticas e demográficas no interior da Europa e desta com a América (e também

com o restante da periferia) em que se destaca o papel fundamental da Alemanha e se avança

explicações para seu desenvolvimento no meio século anterior com base nestas relações.

Os erros de Versailles, Keynes adverte, se farão sentir não apenas sobre a Alemanha,

mas também sobre a ordem econômica internacional eurocêntrica.

No entanto, o entendimento profundo desta questão remete a períodos históricos

anteriores, à discussão do Estado Alemão e ao seu caráter autoritário e ao papel das classes

trabalhadoras alemãs na defesa da democracia.

Nesta discussão, certamente o nome mais relevante é Alexander Gerschenkron, cuja

análise do Estado alemão e do papel dos junkers nos ajudou na construção deste texto.

6 O que, de fato, não é verdade, como atestam insuspeitos walrasianos como Hahn (1980) e Arrow (1986). 7 Vide carta para Harrod datada de 4 de julho de 1938 (Keynes 1938[1973]: 296) em que diz: “Economics is the science of thinking in terms of models joined to the art of choosing models which are relevant to the contemporary world. It is compelled to do this, because, unlike the typical natural science, the material to which it is applied is, in too many respects, not homogeneous through the time” 8 Ver Skidelsky (1983)

3

De fato, a fusão das duas análises (de Keynes e de Gerschenkron) no caso alemão e no

entendimento do papel do Estado são extremamente esclarecedoras do processo vivido pela

Alemanha e Europa no período entre - guerras.

Assim, começaremos com o ensaio teórico, em que a concepção do Estado e de

História baseada em Keynes é esboçada.

A seguir, no ensaio seguinte, será analisada a constituição do Estado Alemão e o

rápido processo de desenvolvimento por ele capitaneado à luz dos conceitos desenvolvidos no

primeiro capítulo. Analisaremos ainda, rapidamente, a expansão econômica alemã, suas lutas

políticas, o financiamento da guerra, e a derrota.

O terceiro ensaio trata da crise em que mergulhou a Alemanha com a derrota, a

revolução incompleta e as imposições aliadas e sua conseqüência mais imediata, a

hiperinflação.

O ensaio começa com a revolução que levou a República de Weimar, o Tratado de

Versailles, a questão das reparações e a instabilidade política decorrente deste processo.

Subseqüentemente, no mesmo ensaio será descrito o mergulho na hiperinflação,

analisando alguns pontos em particular, como as conseqüências distributivas do processo, o

papel do Estado neste mergulho, às inovações monetárias ensaiadas, até a estabilização,

através do chamado Milagre do Rentenmark em novembro de 1923. Far-se-á alusão a solução

do problema das reparações com o Plano Dawes quando se inicia o grande fluxo de capitais

para a Alemanha.

Neste mesmo ensaio, em sua terceira parte, nos deteremos na discussão das causas da

hiperinflação alemã. Será resgatada a história da Escola do Balanço de Pagamentos Alemã e

de seus antagonistas locais, os monetaristas alemães.

A seguir, exporemos suas diferentes interpretações do processo hiperinflacionário,

sendo que, no caso dos monetaristas, não nos restringindo apenas a interpretação local alemã.

No ponto subseqüente tentaremos avançar uma formalização do processo

hiperinflacionário que integra a interpretação da Escola do Balanço de Pagamentos Alemã

com os elementos teóricos do pensamento pós-keynesiano sobre inflação.

4

ENSAIO 1

HISTORIA E ESTADO EM KEYNES

1.1 Introdução

A corrente principal da teoria econômica avança hoje, após reduzir a heterodoxia à

bastiões isolados, sobre as outras ciências sociais e até sobre a biologia (Becker 1976). No

entanto, seu objeto se torna cada vez mais abstrato. Seguindo a trilha traçada em meados do

século passado por autores como Robbins (1932), ela se restringiu a ser uma teoria da escolha

(alocação de recursos escassos entre fins alternativos). As sete décadas que se seguiram

assistiram, com os desenvolvimentos na teoria da utilidade e do modelo de equilíbrio geral, à

sofisticação dos seus instrumentos de análise e o refino da formalização a tal ponto que, hoje,

temos uma teoria não-falseável, que pode, sempre, explicar quaisquer processos de escolha,

na contramão da visão popperiana de ciência9. Aí reside tanto a sua força quanto sua

fraqueza. Será hoje a economia neoclássica uma ciência ou uma linguagem da escolha?10

Certamente, esta é uma pergunta polêmica, mas não totalmente impertinente.

Esta breve digressão, que já feita dezenas de vezes das mais diversas formas pelos

mais diferentes autores11, nos serve aqui para lembrarmos das armadilhas da adoção de

metodologias baseadas na analogia ao mundo físico na análise do mundo social.

O grau de constância revelado pelas leis da física (desde o big bang) não é o mesmo

das leis que governam o mundo social. Logo, as pretensões de generalidade na análise dos

fenômenos sociais, devem ser bem menores, sem, no entanto, cair no “cada caso é um caso”.

Ainda que isto não queira dizer que devamos renunciar a construção de teorias mais gerais

devemos entender que a análise de fenômenos específicos em dados contextos geográficos

e/ou históricos requer a construção de hipóteses adicionais.

9 Para uma discussão concisa sobre as razões da não falseabilidade da teoria econômica neoclássica vide (Hodgson, 2001), especialmente capítulo 16. Lá também pode ser encontrada uma extensa bibliografia sobre o tema. 10 Não ignoro o fato de que a teoria neoclássica é um imenso edifício teórico agregando diferentes tradições (como, por exemplo, a marshalliana e a walrasiana) e com variados graus de “pureza”, além de, muitas vezes, um tratamento não homogêneo de temas como intervenção do estado, que trataremos adiante, e expectativas. Optamos, no entanto, por uma versão estilizada e reconheço talvez, simplificada, da teoria neoclássica a partir da tradição da escolha racional. 11 De novo, uma boa referencia para discussão sobre o status cientifico da escola neoclássica é Hodgson (2001).

5

Assim, a busca de uma unidade básica de análise, a partir da qual possamos deduzir

todo um corpo teórico, como quer a teoria neoclássica, inviabiliza a construção de uma teoria

relevante. De fato, para a análise da sociedade humana, faz-se mister não apenas a análise do

individuo e de suas motivações, mas também do seu contexto social, nele implícito o conjunto

de instituições, o meio cultural, o meio físico e as relações sociais de produção. Não cabe

aqui retomar a velha discussão sobre, em que medida, indivíduo e sociedade se determinam.

Vamos aceitar, seguindo a tradição heterodoxa em economia, exceto pelo marxismo ortodoxo,

que indivíduo e seu meio social se co-determinam12.

Obviamente, nem sempre a relação entre indivíduos ou entre eles e algum grupo

especifico de instituições fornece os elementos necessários para o entendimento de um dado

fenômeno. Algumas vezes, faz-se necessário trabalhar num nível mais agregado de análise,

como, por exemplo, quando temos de analisar problemas de Balanço de Pagamentos, o que

nos demanda trabalhar com a relação entre instituições específicas, tais como Estados

Nacionais, organismos internacionais e empresas13. Além disso, em várias situações temos

que trabalhar com agregados que não passam de construções teóricas que somam

preferências, indivíduos, decisões e/ou instituições, mas que incorporam em si um efeito

sinérgico que torna a sua redução às partes constitutivas um equívoco analítico e

interpretativo grave14.

Como analisar, portanto, temas extremamente concretos, como a natureza e o papel do

Estado, em economias monetárias de produção modernas, especialmente em episódios como a

superação de situações extremamente críticas, como a hiperinflação nos países da Europa

Central no período entre as duas grandes guerras mundiais?

É disto que tratarei inicialmente neste ensaio: de minha escolha teórica, por um

conjunto de autores (Keynes e os pós-keynesianos) que apresentam uma análise geral de

aspectos importantes do desenvolvimento capitalista, em particular do papel do Estado e das

políticas econômicas, e da relação entre o contexto econômico internacional e as trajetórias

particulares das economias nacionais, mantendo a sensibilidade em relação ao problema da

especificidade histórica e geográfica das sucessivas ordens (e desordens) econômicas por que

passou o capitalismo e como isto gerou fenômenos singulares, como, por exemplo,

12 Isto significa ainda a refutação de hipóteses tais como as de Buchanam e da “Public Choice theory”, que, consideram todas as instituições mero agrupamento de indivíduos, e lhes atribuem as mesmas motivações que os indivíduos isolados teriam. Ver Buchanam (1960) e Buchanam (1991) 13 Dependendo do tipo de problemas que queiramos analisar, seja ele, uma questão teórica, seja um problema concreto, teremos ainda de contextualizar a analise histórica e/ ou geograficamente. 14 Vide, para uma discussão da falácia da composição e como Keynes representa uma revolução metodológica no assunto, Feijó (2002) e Dow (1985)

6

Depressão, Hiperinflação, e a Crise da Dívida15. Para isto, como sempre, faz-se necessário à

volta a Keynes16, como ponto de partida no interior da heterodoxia, em especial, da Escola

Pós-keynesiana, para nossa análise.

No restante deste ensaio pretendemos, em primeiro lugar, discutir a noção de Estado

em Keynes, para adiante, tratarmos de sua visão de História.

1.2 O Marco Teórico

Como já foi dito anteriormente, existe um elemento quase ausente no desenvolvimento

do paradigma dominante em teoria econômica, a saber, o Estado17 18. Os economistas, grosso

modo, sempre assumiram que seu objeto de estudo é o funcionamento do mercado, dando

pouca atenção ao papel do “Príncipe” 19. A análise do sistema capitalista no interior do

paradigma dominante tem sido como Hamlet sem o Príncipe da Dinamarca20. Dentro deste

paradigma, seguido pela esmagadora maioria da profissão, prevalece a idéia de que os

mercados são (ou tendem a ser) auto-regulados. No entanto, existem aqueles para os quais os

mercados nem sempre são auto-regulados. Este segundo grupo, que Keynes chamou de

heréticos, deixou aberta a possibilidade de que a intervenção governamental é uma possível

alternativa (ou complemento) aos mercados, quando estes não provêem uma solução eficiente

para problemas como, por exemplo, o desemprego.

15 Vide Bresser Pereira L.C. (1992), Camara Neto e Vernengo (2002-3), Camara Neto e Vernengo (2004-5), Teixeira (1994), Taylor (200), Vernengo e Rochon (2000), Pivetti (1993) 16 Keynes e os pós-keynesianos em geral, diferentemente da maioria dos autores da tradição institucionalista, conseguem trabalhar em um alto grau de abstração sem deixar de considerar, quando pertinente, o arcabouço institucional e o contexto histórico, o que justifica nossa escolha teórica. 17 Na verdade, até mesmo no interior das heterodoxias existe a lacuna do Estado, cuja origem prende-se a própria constituição do objeto da economia política por Adam Smith. Vide Carvalho (1999). 18 O Estado ainda que tenha, para Smith, importância de manter a lei e a ordem necessárias ao funcionamento de uma economia de mercado e, via provisão de bens públicos, indiretamente alocativa e redistributiva – ver Kerstenetzky (2006) e Winch (1996) - não é incorporado no interior da análise, como objeto. 19 De fato, como veremos adiante a Escola da Public Choice tenta teorizar sobre o assunto reduzindo o estado a mero conglomerado de “homos economicus” (Vide Carvalho, 1999). Por outro lado, os neo-institucionalistas (se é que podem ser considerados estritamente falando ortodoxos), ao partirem de um “estado da natureza” livre de instituições e constituído por indivíduos, para daí deduzirem a necessidade das instituições sociais (que eles definem em termos de regras) vêem falhar seu projeto de explicar o surgimento de instituições (Hodgson, 2001). 20 De fato, há uma enorme dificuldade por parte do chamado paradigma dominante de empreender a análise de todas as instituições relevantes no interior do sistema capitalista em função de toda a sua construção teórica ser voltada para a criação de um modelo a-histórico aplicável a qualquer situação. Para uma análise acurada de quão falha e limitada é a análise das instituições mercado e firma pela teoria neoclássica vide Hodgson (2001).

7

Ainda assim, as motivações e as razões que levam a estas intervenções do Estado

permanecem, muitas vezes, distantes do questionamento destes economistas.

Ironicamente, o consenso que permeou o período após a Segunda Guerra Mundial

aceitava a proposição keynesiana (herética) que as políticas de manejo de demanda eram

adequadas para eliminar o desemprego no curto-prazo. Por outro lado, considerava que o

crescimento econômico era o resultado de forças exógenas, tais como o crescimento da

produtividade, que não podiam ser afetadas pelas políticas governamentais, pelo menos não

por políticas macroeconômicas de manejo de demanda21.

Por razões que não cabe explicar detalhadamente neste texto, mas sobre as quais há

vasta bibliografia disponível22, depois da queda do sistema de Bretton Woods, no inicio dos

anos setenta, e da revolução conservadora do final dos mesmos setenta, as políticas de

administração da demanda foram descartadas como instrumentos úteis de política

econômica23. Voltou-se, portanto, a visão pré-keynesiana de que o laissez-faire é o melhor

mundo possível.

A partir daí, os arautos da revolução conservadora argumentam que "the influence of

Keynesianism on public policy has been regrettable" (Ture, 1985, p. 52). Para eles, "good

public policy calls for reducing the government's presence in the private market-place, for

correcting the relative price and cost distortions that government actions and policies entail” 24

De acordo com esta visão, a crise fiscal do Estado nos anos setenta foi o resultado inevitável

da licenciosidade fiscal estimulada pela ideologia keynesiana.

21 É interessante observar que, no interior do paradigma dominante, nenhum papel importante era atribuído ao chamado Sistema de Bretton Woods com suas instituições e regras entre as quais, como veremos adiante, cabe destacar o uso generalizado de controle dos fluxos de capitais no interior dos países e entre eles. 22 Vide , por exemplo, Smithin (1996), Eatwell (1996) e Eatwell e Taylor (2000). 23 Como lembrado por Eatwell e Taylor (2000): “Nonetheless, in the 1960s growing speculative capital flows and the consequent pressure on fixed parities, notably the dollar price of gold, played a large part in the demise of the Bretton Woods system. Once Bretton Woods collapsed a significant fluctuating exchange rates became commonplace, opportunities for profit proliferated, regulatory structures inhibiting flows of capital were challenged as “inefficient” and “against the national interest,” and the modern machinery of speculation was constructed”. 24 (ibid., p. 53).

8

Esta seção terá dois objetivos principais. O primeiro será mostrar que a visão

convencional sobre o papel do Estado na teoria macroeconômica é mal concebida e que,

Keynes, a despeito de não ter empreendido um esforço sistemático no sentido de construção

de uma teoria completa e coerente do Estado, tem elementos que permitem ajudar a sua

construção25. As limitações que serão apontadas estão irrevogavelmente associadas à visão de

economia apresentada pela escola neoclássica. A noção de estruturas de Estado (SKOCPOL

E WEIR, 1985) será usada para clarificar a interação entre as instituições capitalistas e a

política pública. A noção de que as instituições são cruciais para o funcionamento das

economias capitalistas está como será visto, estreitamente interligado a visão de Keynes e

pós-keynesiana de Estado26.

O segundo objetivo é discutir o papel da ordem econômica internacional, (aqui

entendida como o conjunto de instituições que moldam, a cada período histórico, as relações

econômicas entre os Estados) em estabelecer limites ao espectro de políticas econômicas

possíveis de serem desenvolvidas por cada um dos países inseridos dentro dela27.

Para isto, teríamos, em primeiro lugar, de discutir como elas aparecem e desaparecem

e como se organizam. A discussão das formas de organização passa, certamente, pela

discussão da questão do “hegemon”28, essencial em certas escolas de pensamento das relações

internacionais. A discussão de todos estes aspectos, ainda que relevantes, nos distanciaria

sobremaneira do objeto deste capitulo.29

Portanto, nos ateremos aqui a assumir que, pelo menos no período histórico

correspondente a prevalência do capitalismo, a cada ordem econômica internacional

correspondeu um hegemon cujas tarefas consistiam em: “(a) maintaining relatively open

market for distress goods; (b) providing counter-cyclical long term lending and (c)

discounting in crisis” (KINDLEBERGER, C.1973). Estas ordens econômicas internacionais

faziam parte de Eras Históricas presentes na visão de Keynes em que, também, o papel das

ordens econômicas se constitui parte da análise histórica do capitalismo.

25 Aliás, a discussão mais recorrente talvez não seja se Keynes tinha ou não uma teoria do estado, mas se ela é ou não ingênua. Pra um discussão deste e de outros aspectos vide Crabtree, D. e Thirlwall, A.P. (1991) 26 Vide, p.ex. Nell, E. (1983) e Kregel, J. A. (1994-1995). 27 Esta analise baseia-se, portanto, na definição de Charles Kindleberger de ordem econômica internacional (Kindleberger 1973). 28 Usamos aqui o conceito de hegemon, ou potência hegemônica, largamente utilizado na literatura de relações internacionais por autores como Kindleberger (1973,1988), Wallerstein (2002), Gilpin(1997) e José Luis Fiori (2004). 29 A Teoria das Relações Internacionais tem constituído um novo campo de análise e neste vários autores se destacam como Wallerstein, Arrighi, Gilpin e Braudel, cujas visões mais se aproximariam do approach Keynesiano. Klinderberger, no entanto, é o autor que compartilha o maior número de pontos de vista comuns a Keynes e autores pós-keynesianos.

9

O restante da primeira parte deste capítulo será dedicado a descrever a visão

neoclássica, de Keynes e pós-keynesiana do Estado. A próxima seção tratará do conceito

neoclássico de Estado na teoria macroeconômica. Será visto que os monetaristas, os neo-

keynesianos30 da síntese neoclássica do keynesianismo e os novos keynesianos partilham a

mesma concepção de Estado, ainda que o primeiro grupo advogue uma política de não

intervenção e os dois últimos aceitem um escopo limitado para a intervenção. A terceira

seção desenvolve preliminarmente a concepção de Keynes e a pós-keynesiana de Estado e de

história. Ela não pretende propor uma teoria do Estado – uma aventura que nos levaria ao

reino da Ciência Política.31. A última seção sumariza os capítulos que se seguirão.

1.3 A Visão Convencional

A visão convencional a respeito do papel do Estado está diretamente relacionada32 à

noção de que o interesse individual levaria, através dos mecanismos de mercado, ao bem-estar

da sociedade como um todo. Interesses privados podem ser benéficos para o publico em

geral, uma idéia defendida por Adam Smith (Hirschman, 1977).

Ademais, o liberalismo inicia-se com um importante pressuposto ontológico. Nas

palavras de Peacock (1991):

“There is no society which is independent of the individuals who compose it. Individuals have tastes and preferences and endeavour to ‘better their condition’, as Adam Smith put it, within the limitations imposed by lack of resources and knowledge and by the uncertainties of life” (pp9-10).

Adiante Peacock, descrevendo os liberais afirma:

30 Os termos neoclássico e neokeynesiano aqui são usados para descrever as escolas tradicionais de pensamento neoclássico. 31 Existem, pelo menos, três teorias tradicionalmente aceitas do estado, a saber: a liberal, a realista e a marxista (Hall e lkenberry, 1989, pp. 3-12). De maneira geral, a economia neoclássica pode ser relacionada com a visão liberal de que o estado é o arbitro político entre os interesses concorrentes de indivíduos racionais. De acordo com a visão marxista, o estado reflete os interesses da classe dominante. O “approach” pós-keynesiano não negaria inteiramente a visão marxista, ainda que esteja mais próximo a visão realista que acredita que o estado é capaz de atuar propositivamente no atendimento de metas geopolíticas que não estão necessariamente associadas a interesses de classes. 32 Vide Carvalho (1999).

10

“In defining the role of state, the task is to identify those circumstances in which the actions of individuals conflict and to devise laws which resolve such conflicts but still give individuals equal rights to pursue their own interests.”(p.12).

Os resultados centrais de boa parte destas idéias foram desenvolvidos por Pigou

(1932) e são bem conhecidos de qualquer estudante da economia do bem-estar. A idéia está

implícita nos dois teoremas da economia do bem-estar. O primeiro teorema diz que, sob

certas condições, mercados competitivos levam a uma alocação de recursos que é ótima, em

termos de Pareto, isto é, ninguém pode melhorar sem que algum outro piore. Adicionalmente,

de acordo com o segundo teorema, toda alocação ótima no sentido de Pareto pode ser

alcançada por meio de mecanismos descentralizados de mercado.

Ainda que os mercados sejam eficientes no interior do paradigma neoclássico, há

escolas que defendem a intervenção do Estado em alguns casos, especialmente na presença de

falhas de mercado33. Falhas de informação, precificação monopolística ou oligopolística,

mercados incompletos e a existência de bens públicos e de externalidades são algumas das

justificativas mais comuns para a intervenção34.

A idéia de que os mercados são eficientes é de importância central para a análise do

mercado de trabalho. Desde que se assuma que o mercado de trabalho é eficiente, não se

pode aceitar a possibilidade de desemprego involuntário. O desemprego resultaria da

existência de imperfeições no mercado de trabalho que impediriam que o salário real se

ajustasse ao nível de equilíbrio. O equilíbrio no mercado de trabalho tem sido chamado por

Friedman (1968) de taxa natural de desemprego.

Se a economia tende a mover-se na direção da taxa natural de desemprego no longo-

prazo- ou mesmo no curto-prazo, como defendido por Lucas (1972) – seria impossível ao

governo empreender com êxito políticas de pleno emprego. O pleno emprego seria o

resultado da atuação de mecanismo de mercado. A única política que os governos podem

perseguir é a estabilidade de preços. Como Friedman (1956) defendeu no seu clássico

“restatement” da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), a inflação seria o único efeito de

longo prazo da adoção de políticas fiscais expansionistas. Friedman, no entanto, estava

33 A única exceção relevante é a assim chamada Escola Novo Clássica, para quem os mercados são sempre eficientes, não havendo espaço para a intervenção do estado. 34 Para um excelente resumo das escolas de pensamento macroeconômico moderno vide Snowdon, Vane e Wynorczyk (1994).

11

pronto a admitir que, no curto prazo, se a economia estivesse numa recessão, a política fiscal

poderia ser relevante.

Por outro lado, para Barro (1974), a política fiscal não teria qualquer efeito, mesmo no

curto prazo, sobre o produto. Em sua visão, se os agentes são racionais, conhecem o modelo

correto de funcionamento da economia (a Teoria Quantitativa da Moeda, presumidamente), e

existe perfeita informação, então, um crescimento do gasto público hoje levará ao aumento

dos impostos no futuro. Conseqüentemente, os agentes econômicos aumentarão suas

poupanças hoje de maneira a poder pagar os impostos no futuro. O efeito positivo do

incremento do gasto público será erodido pela redução do gasto privado. De fato, este

argumento, conhecido como equivalência ricardiana, é tão somente uma reintrodução radical

do famoso “Treasury View” que Keynes atacou nos anos trinta35.

Portanto, o consenso teórico atualmente prevalecente nos ensina que, com expectativas

racionais, informação perfeita e preços flexíveis não existe papel econômico para o Estado. A

visão liberal do Estado Mínimo é o resultado inevitável desta Tese. De fato, não é

surpreendente que o fim do consenso Keynesiano do pós-Segunda Guerra Mundial levou ao

retorno do ideário liberal (SMITHIN, 1996).

Neste sentido, a taxonomia das teorias macroeconômicas proposta por Sheila Dow

(1985) com base na visão de cada escola de pensamento macroeconômico acerca do conceito

de tempo, da noção de equilíbrio, do modelo de expectativas e da teoria monetária poderia ser

complementada com a introdução do papel do Estado para cada uma das escolas. Num

mundo de tempo mecânico reversível, onde as expectativas são racionais, a moeda é neutra e

o sistema tende a um equilíbrio ótimo, é necessariamente verdadeiro que o Estado deveria se

ater ao papel de provedor de bens públicos.

Ademais, acreditando como Tocqueville, que previu que a adoção do sufrágio

universal somado as grandes diferenças na distribuição de renda entre poucos ricos e muitos

pobres, levaria a uma rápida expansão do setor público, permitindo a maioria pobre transferir

recursos dos ricos para ela36, alguns autores liberais, especialmente os economistas da “Public

Choice School”, como James Buchanam, buscaram “desenhar” salvaguardas constitucionais

que restringiriam a democracia majoritária, mas seriam por ela aceitas como “regras do jogo

razoáveis”. Estas salvaguardas incluiriam, obviamente, a manutenção de um papel econômico

mínimo para o Estado.

35 Vide para uma excelente descrição do “Treasury View”, contextualizada historicamente Clarke, P. (1988). 36 Estes autores chamaram este fenômeno de propensão a “rent-seeking” dos eleitores

12

1.4 Existe uma Teoria de Keynes ou Pós-Keynesiana do Estado?

Em contraste com a visão neoclássica descrita acima, o pensamento de Keynes e dos

pós-keynesiano admite que o Estado possa afetar positivamente as variáveis

macroeconômicas. O fato de que o Estado possa controlar as variáveis macroeconômicas no

longo-prazo e não apenas no curto-prazo como sugerido por autores neoclássicos, através da

manipulação dos gastos, taxação e fixação da taxa de juros é somente parte da questão. A

principal diferença entre os “approachs” neoclássico e pós-keynesiano do Estado é que, para o

último, o sistema econômico requer um estabilizador para trabalhar apropriadamente.

Esta diferença nasce do próprio Keynes que, como veremos, resumidamente, tem uma

visão sistêmica e histórica que envolve a Sociedade, o Estado e a Economia37 38.

É fato que, para os autores neoclássicos e liberais modernos, esta visão é tida como

ingênua e tem uma base moral e de visão do governo equivocada.

Para Buchanam, Keynes e outros economistas ingleses sofreriam influência do

utilitarismo benthamista que “provided idealized objectives for government policy to the

neglect of institutional structure...and put up barriers against realistic examination of

politics”39.

Ademais os economistas britânicos, especialmente Keynes “continued to proffer

advice as if they were talking to a benevolent despot who stood at their beck and call... British

and American economists throughout most of this century continue to seem blind to what now

appears to be so simple to us, that benevolent despots do not exist and that government policy

emerges from a highly complex and intricate institutional structure peopled by ordinary men

and women, very little different from the rest of us”40.

Este tipo de ataque à interpretação de Keynes sobre o papel do Estado vem se somar

aquele anteriormente descrito, acerca da instabilidade intrínseca ou não da economia

capitalista. Assim, não só a economia prescindiria de intervenção ativa do Estado por dispor

37 Para alguns autores como Athol Fitzgibbons (1988) esta visão única teria como base a ética e a filosofia moral e os economistas, ao não perceberem ou ao não levarem em consideração tal fato, não só estariam negligenciando aspectos importantes do trabalho de Keynes, mas interpretando incorretamente suas intenções como economista e sua economia. Ainda, dentro da discussão sobre o papel de sua filosofia no desenvolvimento de seu pensamento econômico e sobre sua metodologia ver Lawson e Pesaran, eds. (1989), Davis (1994) e Bateman e Davis, eds.(1991). 38 Há vários autores Keynesianos que identificam em Keynes esta visão sistêmica ou que tentam desenvolve-la por si próprios (Joan Robinson). Vide Robinson, J. (1974), Robinson, J. (1980), Chick, V. (1985), Crotty, J. (1983)e Dillard, D. (1984). 39 Buchanam, pag.30 (1991). 40 Buchanam ibid idem.

13

de mecanismos endógenos de ajuste ao equilíbrio, como o Estado não seria capaz de prover a

redução da instabilidade por não ser formado por um déspota ingênuo, mas por indivíduos

maximizadores e, provavelmente, pressionados por rent-seekings.

Ora, uma das tarefas teóricas mais importantes dos pós-keynesianos, nos mais

diferentes áreas de estudo onde se debruçam é exatamente resgatar a visão da instabilidade

intrínseca descrita em vários dos textos de Keynes. Para Keynes, a economia monetária de

produção era eminentemente instável41. Portanto, era necessária a presença do Estado, seja

para superar estas deficiências, seja para encurtar o período necessário para a criação (ou

advento) de uma nova era em que a economia não seria de novo, relevante. Porque, para

Keynes a economia monetária de produção era eminente instável? A resposta a esta pergunta

envolve a discussão de dois tipos de questões como veremos adiante.

No momento, há que se discutir a visão de Keynes sobre a natureza e funcionamento

do sistema capitalista, exposta em grande número de artigos e livros pelo próprio autor e

discutida por um sem número de artigos e livros após sua morte. (e até antes dela). Vamos

considerar como interpretação correta de seu ponto de vista aquela apresentada pelos autores

pós-keynesianos.

Em contraste com a teoria neoclássica, os pós-keynesianos argumentam que o mundo

é não-ergódigo (Davidson, 1992), isto é, que os eventos são não- repetitivos. Neste caso, os

agentes econômicos são contrastados com incerteza verdadeira ou absoluta, qual seja, o futuro

é desconhecido e não pode ser reduzido ao calculo probabilístico de risco (Carabelli, 1991).42

O tempo histórico importa, já que os eventos são irreversíveis. A noção de equilíbrio, em

contraste, não é útil para entender o funcionamento do sistema capitalista que é

intrinsecamente dinâmico e instável (Possas, 1987; Vercelli, 1991).

41 Adotamos aqui a interpretação de Feijó para o conceito de economia monetária de produção nos pós-keynesianos e em Keynes. De acordo com esta autora “o conceito de economia monetária de produção é definido para descrever uma visão particular das regras de funcionamento de um sistema capitalista moderno. Uma de suas características centrais é o destaque dado ao processo de tomada de decisão num ambiente de incerteza não-probabilística. Nesta economia, decisões tomadas em ambiente de incerteza são a causa de mudanças e não apenas meios passivos de transmissão, transportando comandos do ambiente para agentes individuais. Uma economia monetária de produção não é apenas onde economia onde a moeda é usada” (Feijó, pág.1), mas onde os empresários empregam os fatores de produção por dinheiro sem que exista um mecanismo de algum tipo “que assegura que o valor de troca da renda monetária dos fatores é sempre igual no agregado à proporção de produção corrente a qual corresponderia a parcela do produto numa economia cooperativa” (Keynes, 1979 ,vol. 29, pág.78., traduzido e citado em Feijó, pág.1).Estas economias estariam sujeitas a sofrer flutuações na demanda efetiva já que os agentes econômicos poderiam decidir reter moeda ao invés de adquirir bens (razão pela qual a economia monetária de produção seria eminentemente instável). 42 De fato, pretendo argumentar adiante que, dentro da visão de Keynes, a questão não seria apenas a natureza não-ergodica do mundo, mas também a presença da (e a consciência) da morte que impossibilitaria, de forma absoluta, a repetição, geraria incerteza e inviabilizaria no limite (dependendo da velocidade e da atratibilidade de) o equilíbrio. Daí ser correto, em termos do equilíbrio do sistema capitalista, a sua mais famosa e cotejada frase “no longo-prazo estaremos todos mortos” (Vide Keynes (1923), pp.61).

14

De fato, de acordo com Vercelli (1991, pp. 228-229) Keynes desenvolveu uma noção

de instabilidade que poderia ser chamada de estrutural.43 Se o sistema capitalista é

estruturalmente instável cabe a pergunta por que o sistema "whilst it is subject to severe

fluctuations in respect of output and employment, it is not violently unstable"? (KEYNES,

1936, p. 249). A existência de convenções e instituições é a resposta apropriada.

Convenções podem ser definidas de forma abrangente de modo a incluir não apenas o

comportamento corriqueiro dos mercados a que os agentes estão acostumados, mas também

as instituições do Estado que regulam tais mercados. O governo pode reduzir a incerteza, não

apenas através de políticas anticíclicas, mas também guiando as expectativas. Atuando como

emprestador de última instância ou controlando movimento de capitais – algo que não é muito

popular nos dias de hoje – o governo acaba reduzindo a instabilidade financeira. Igualmente,

ao promover Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) o governo pode reduzir a incerteza

tecnológica (DOSI, 1988). Finalmente, ao usar a política monetária e fiscal para suavizar o

ciclo econômico, os governos podem reduzir a incerteza das firmas e dos trabalhadores,

indicando que o pleno emprego será mantido.

Esta é a razão porque Minsky (1986, p. 10) sustentava que nós podemos estabilizar a

instabilidade e que as convenções e instituições atuam como estabilizadores num ambiente

instável, complexo e não-ergodico.

Portanto, as razões que levam a instabilidade sistêmica são, para os pós-keynesianos,

de um lado, a natureza da vida (caráter não-ergodico e incerteza) e do outro, a natureza do

sistema propriamente dito (presença de moeda-que, por outro lado, reduz a incerteza-,

dinamismo, múltiplas unidades decisórias descoordenadas etc.).

A questão que ainda restaria responder é que Estado seria este que buscaria atender a

tais demandas e quais são suas motivações e/ou condicionantes.

Para Cardim (2007):

“Keynes’s political views, in the widest sense, are in fact difficult to classify. He publicly identified himself as an elitist but he also strongly believed in the powers of persuasion to convince voters to support the best policies within a democratic regime. He was a reformer by temperament concocting continuously new schemes to address and to solve the most important problems of his time. He was friendly to social change, the improvement of living conditions for all and for active intervention of State in the economy...”

43 Estrutural no sentido de inerente ao sistema, não apenas fruto de uma dinâmica qualquer particular.

15

Ainda nesta linha, temos o argumento de Joan Robinson,44:

“(Keynes) thought that when people could understand his theory, could understand how the capitalistic system actually works, they would then behave in a reasonable manner and operate the system in such a way as to produce favorable results...”

Estas colocações levam a vários autores, inclusive Keynesianos, a cair na armadilha da

crença na ingenuidade política de Keynes.

Na verdade, do ponto de vista de Keynes (e, certamente, também, dos pós-

keynesianos) não se colocava a questão da natureza dos formuladores da política econômica e

do Estado que operariam esta nova política, cuja necessidade foi vista em parágrafos

anteriores. Esta é uma não questão, formulada no bojo de uma visão reducionista de ciência,

divorciada da concepção metodológica destes autores. Deve-se lembrar que, para Keynes, a

economia era uma ciência moral, ou seja, apresentava as conseqüências de cursos de atuação

distintos a serem submetidos ao crivo dos atores econômicos e, em particular, os “policy-

makers”.

Para ele sequer a única ou mais potente motivação humana era a maximização do

ganho de curto-prazo, e ademais, ainda que o fosse na esfera do mercado, não

necessariamente o seria na esfera pública. O que muitos chamam, com certo tom pejorativo,

de ”idealismo” de Keynes, de fato, é uma interpretação sofisticada da ação humana que leva

em conta motivações conscientes e inconscientes, além de percepção e consideração da

existência do futuro irredutível ao calculo probabilístico quantificavel45.

Neste contexto, tendo em conta o desejo comum de redução da incerteza e acréscimo

do grau de estabilidade, o Estado, instituição comum que tem, entre outros objetivos, a

promoção mesma desta estabilidade, perpassa ou atua sobre a mentalidade dos seus agentes (e

aí, numa concessão tardia ao seu aristocratismo anterior trata-se de uma elite educada, uma

espécie de mandarinato) visando atender estas metas.

Portanto, as questões que deveriam se colocar são, como já vimos, que tipo de política

é necessária para redução da instabilidade e se o Estado é capaz de prover este tipo de política

ou não. A resposta à primeira destas perguntas envolve a consciência que o seu escopo (da

resposta) será sempre limitado a determinados contextos geográficos e históricos, ou seja,

jamais será possível uma espécie de “receita de bolo” aplicável a toda e qualquer

44 Citada por Kahn, pág.203 (1984) 45 Esta é, em termos rigorosos, a definição Keynesiana de incerteza.

16

circunstância. Creio que esta consciência é generalizada entre os pós-keynesianos. Isto não

quer dizer que não haja espaço para discussões mais gerais sobre o papel do Estado,

particularmente seu papel econômico.

Certamente, Keynes tem presente, em alguma de suas obras, elementos para esta

reflexão, particularmente sobre o papel do Estado na superação das crises, em boa parte dos

casos, proveniente do próprio caráter instável do sistema. Assim, em “A Tract on Monetary

Reform” 46 vamos encontrá-lo defendendo a possibilidade de atuação do Estado além da

estrutura institucional de contratos quando afirma: “Nothing can preserve the integrity of

contract between individuals, except a discretionary authority in the State to revise what has

become intolerable”.

Adiante, no mesmo texto, ele deixa ainda mais claro a crença na possibilidade e na

necessidade de autonomia de certas decisões nos moldes da escola realista já mencionada:

“...when great decisions are to be made, the State is a sovereign body to which the purpose is to promote the greatest good of the whole. When, therefore, we enter the realm of State action, everything is to be considered and weighed on its merits”47.

De fato, a idéia de que o Estado, entendido como uma organização compulsória que

clama o controle sobre dado território e sobre os seus habitantes48 pode formular e perseguir

metas que não são simplesmente reflexos das demandas e dos interesses dos grupos sociais e

classes, certamente, faz parte, ainda que implicitamente do pensamento de Keynes como se

depreende da citação acima. Esta autonomia do Estado, operada por coletivos de agentes

públicos, é condicionada a sua capacidade de atingir suas metas e estas, por sua vez, são

determinadas pelos recursos estatais.

As razões que levariam os Estados a formular e perseguir suas próprias metas são de

natureza variada49.

Em primeiro lugar, a presença de outros Estados, os fluxos internacionais de

informação e as estruturas internacionais podem estimular a cúpula da burocracia estatal a

buscar estratégias de transformação em face da indiferença ou da resistência dos grupos

sociais mais fortes.

46 Keynes, J., (1971)CW IV- A Tract to Monetary Reform, pág. 56. 47 Ibid pág.56-7. 48 Vide Weber,M (1998) caps. 9 e 10-13. 49 Os próximos parágrafos estão baseados na visão de Skocpol, T.(1985).

17

Em segundo lugar, a necessidade básica do Estado de manter o controle e a ordem

pode deflagrar reformas iniciadas por ele (ou também simples repressão).

Por fim, em tempos de crise 50, coletivos organizados de agentes públicos,

especialmente se isolados dos laços que os ligam aos interesses socioeconômicos dominantes

poderão deslanchar novas estratégias de Estado. Desta maneira, como veremos nas próximas

seções, estas estruturas burocráticas poderão reelaborar políticas públicas já estabelecidas,

mantendo-as por longo período de tempo.

1.4.1 A Visão histórica de Keynes

Como visto anteriormente, para Keynes e os pós-keynesianos, a economia monetária

de produção (capitalista) é intrinsecamente instável.

O fato de o sistema capitalista ampliar as instabilidades já existentes, decorrentes da

natureza da vida, e da natureza humana, coloca a questão do surgimento do sistema. Como e

porque surgiria um sistema que ampliaria esta instabilidade?

Esta pergunta não chegou a ser formulada nem por Keynes, nem pelos pós-

keynesianos, mas certamente estava presente nas preocupações do primeiro51.

Sua resposta poderia nos revelar a visão de História implícita no pensamento de

Keynes. Para chegarmos a ela, obviamente, devemos resgatar o desenvolvimento de suas

reflexões sobre o assunto.

É importante, primeiramente, observar que, no inicio de sua reflexão econômica,

Keynes acreditava ter havido, dentro do período histórico de existência do capitalismo, uma

época de relatividade estabilidade, qual seja, o período em que teve vigência o padrão-ouro.

Esta crença está expressa em vários trechos do “The Economic Consequences of The Peace” 52 como o que se segue:

“Europe was so organized socially and economically as to secure the maximum of capital accumulation {with} some continuous improvement in the daily conditions of life of the mass of the population”

50 E será sobre estes tempos que concentraremos a analise do próximo capitulo onde também, será detalhada a discussão dos razões e dos instrumentos do estado. 51 Vide, por exemplo, seus vários escritos e estudos sobre a origem da moeda e da monetização da Europa Ocidental. 52(KEYNES 1919) pág. 18.

18

Deve-se ressaltar o fato de que, em nenhum momento, Keynes atribuiu esta

estabilidade (e o progresso subjacente) a fatores naturais, mas, sim, a conjugação excepcional

de várias circunstâncias, tais como a rápida introdução de progresso técnico, a inexistência de

separação entre propriedade e controle das firmas, as características institucionais dos

poupadores e a presença de uma primeira geração de empresários53 54.

De fato, no capitulo 3 do referido livro, Keynes definiu como problema econômico

central da espécie humana estabelecer o equilíbrio entre a população e os meios de sua

reprodução55. A despeito do forte crescimento populacional do século XIX, o livre comércio,

a ética capitalista e as demais características institucionais permitiram afastar o fantasma

malthusiano da fome.

Na Europa, em particular “the interference of frontiers and tariffs was reduced to a

minimum; there was an almost absolute security of property and person” (KEYNES, 1919).

Este sistema tinha a Alemanha como coração de uma vasta rede de transporte, carvão,

distribuição e comercio exterior. O livre comércio, aliado a exportação de capitais, também

permitia o equilíbrio entre a Europa e o mundo, em geral, e o Novo e o Velho Mundo. Este

equilíbrio fazia-se com a troca de produtos manufaturados por produtos agrícolas e matérias-

primas além dos resultados da aplicação dos capitais europeus excedentes que lhes permitiam

retirar um “annual tribute”.

De acordo com Skidelsky, para Keynes “this global system, which sustained a

growing population at increasing standard of life, depended in turn on a shared morality,

which emphasized above all the virtues of abstinence, prudence, calculation and foresight- the

basis of accumulation of capital” (Skidelsky, 1983-page 385).

Ainda antes da Primeira Guerra Mundial, Keynes via este sistema que permitia a

Europa, em seu entender, viver além de seus recursos, ameaçado pela parcela decrescente dos

recursos do Novo Mundo em mãos européias e pela instabilidade das condições psicológicas

subjacentes.

Ao longo dos anos vinte, Keynes, ainda mantendo a idéia do “Eldorado Vitoriano”, vai

paulatinamente abandonando sua interpretação original de como ele se constituiu e,

simultaneamente, ampliando o seu interesse sobre períodos anteriores a este. No entanto, ele

53 Keynes atribuía um papel deletério à instituição da herança dentro da sociedade capitalista, gerando o fenômeno que ele denominava de terceira geração, que já não teria o mesmo “animal spirit” dos seus antecessores e se tornaria rentista. 54 Para uma excelente exposição da visão de Keynes sobre o século XIX vide Crotty (1990). 55 Mesmo que implicitamente, Keynes estabelece, com esta suposição, uma hipótese sobre as razões da existência da vida social, ainda que não necessariamente uma teoria da História, se a entendermos com uma

19

jamais abandonará a idéia de que o século XIX foi um período de muito maior estabilidade

que o século XX (SKIDELSKY, 1983).

Em meados dos anos vinte, ele abraçou a visão sobre as etapas de desenvolvimento

histórico de John Rogers Commons, economista institucionalista americano, que acreditava

que a humanidade teria passado por duas fases históricas e estaria, à época, a caminho de uma

terceira.

A primeira fase histórica, que iria até os séculos XV e XVI, seria a Era da escassez e

se caracterizaria pelo controle comunitário, feudal ou governamental através da coerção física.

A segunda Era seria a da abundância e marcaria a predominância do individualismo. A

terceira Era, a da estabilização, se caracterizaria pela diminuição da liberdade individual

(SKIDELSKY 1983, pág.229). Esta seria “enforced in part by governmental sanctions, but

mainly by economic sanctions through concerted action, whether secret, semi-open, open, or

arbitrational, of associations, corporations, unions, and others collective movements of

manufactures, merchants, laboures, farmers, and bankers.”(KEYNES, CW, XIX, 441).

A Inglaterra, no entender de Keynes, estaria entrando nesta terceira Era nos anos vinte,

o que justificaria, entre outros, a necessidade de ampliação do papel do Estado. A existência

destes estágios de desenvolvimento vai permanecer em certos escritos de Keynes por longa

data, embora, como é sempre verdade para ele, sofrendo uma reinterpretação.

Em primeiro lugar, para ele, o aparecimento da era individualista, estaria ligado ao

“amor ao dinheiro”, por ele definido como patológico. Para tentar explicar este desejo e a

gênese do capitalismo, ele vai, inicialmente, fazer uso das reflexões de Freud sobre a

patologia do dinheiro56.

Ele viu, num primeiro momento, esta neurose ou patologia como algo positivo já que,

por um lado, teria provocado a eclosão da era da abundancia, e por, outro lado, determinaria,

no futuro, uma abundancia que permitiria “beyond Commons’s epoch of stabilization

stretches a new age of abundance when individualism can flourish again” (SKIDELSKY,

1992, pág. 236).

Historicamente, Keynes vai buscar a origem desta neurose na entrada maciça de

metais preciosos da América que teria monetizado as relações econômicas na Europa,

seguindo a tese de Earl J.Hamilton um destacado historiador americano. De fato, Keynes

acreditava que uma parte da história monetária do mundo poderia ser explicada pela

teoria que permita explicar a evolução da vida social e a ocorrência e sucessão de várias formas de organização social em vários pontos do planeta. 56 Para uma excelente análise da utilização por Keynes de conceitos freudianos vide Winslow (1990).

20

ocorrência de periódicas redistribuições de metais preciosos entre os continentes.

(SKIDELSKY, 1992).

A mais famosa aplicação destas teses foi feita no capitulo 30 de seu livro “Treatise on

Money”, onde ele interpreta a Revolução Comercial Européia dos Séculos XVI e XVII.

Como escreveu Skidelsky:

“to Keynes, ‘the origins of capitalism’ are to be found pure and simple in Spanish treasure, specifically in the influx into Western Europe of precious metals from Spanish America: an idea that links economic progress to the animal spirits of buccaneers and pirates rather than to the abstinence of secular monks”(1992, 333).

De fato, para Keynes:

“Never in the annals of the modern world has there existed so prolonged and rich an opportunity for the businessman, the speculator and the profiteer. In these golden years modern capitalism was born. It is unthinkable that the difference between the amount of wealth in France and England in 1700 and the amount in 1500 could ever have been built up by thrift alone.”(KEYNES, CW, vi, 141, 154)”.

Está claro, neste trecho, que Keynes já tinha abandonado a concepção de que a

expansão econômica da história estava ligada à parcimônia. Ao contrario, é desta época, em

fins dos anos 20, que ele atribui a diferença de performance econômica entre a Ásia e a

Europa, a partir do século XVII, à tendência da primeira ao entesouramento da riqueza. Era,

portanto, o gasto o motor da expansão econômica da Europa57.

Neste momento, a visão keynesiana já tinha se afastado bastante da de Commons

adquirindo estatura própria. A História da Humanidade, e em particular, da Europa,

especialmente no período capitalista, estaria marcada pela luta entre o impulso ao gasto, à

acumulação, e o medo do futuro, que levaria ao entesouramento.

Apenas em breves períodos (marcadamente o século XIX), o medo, produzido pela

incerteza, e que conduzia ao entesouramento e a paralisia econômica, foi superado pela

acumulação decorrente da expectativa de ganho, alimentada por um ou mais dos seguintes

fatores: 1) a presença de instituições como o Estado arbitrando políticas que fossem

57 É importante observar que, apesar das notórias diferenças entre Keynes e Marx, há aqui alguns pontos de aproximação. Por um lado, a descrição sobre piratas e outros, feita acima, nada mais é que, em outras palavras, a

21

favoráveis à acumulação, como ele defendia; 2) determinada ordem econômica internacional,

como no período do padrão-ouro, que reduzisse as incertezas, ou 3) pelo descortinar de novas

oportunidades de investimento em períodos de descobertas e inovações.

Keynes não teve oportunidade de desenvolver esta sua visão de história que

permaneceu incompleta. Eu vou sustentar, nas linhas que se seguem, que se pode deduzir dos

fragmentos que ele deixou uma visão completa de História que poderia ser preliminarmente

apresentada da seguinte forma, seguindo as chamadas Eras de Commons.

A primeira Era, que teria continuado além do século XVII na Ásia, corresponderia,

grosso modo aquele tipo de organização social descrita por autores marxistas como os modos

de produção tribal, escravista, feudal e asiático em que o problema econômico de resolver as

necessidades básicas da população se faria a partir do ajuste da demanda às condições de

oferta vigentes.

Estas condições de oferta vigentes quase não variariam58 ou se o fizessem seria a taxas

inapropriadas para o ajuste à demanda, que sequer existiria no sentido de gostos e preferências

individuais como pensado após o aparecimento do capitalismo. Assim, a expansão da

população e a subseqüente expansão da demanda básica que ela traz, seria resolvida pela

fome, pela pilhagem ou pela expansão territorial via colonização. Neste último caso

reproduzir-se-iam, como na Antiguidade Grega ou na expansão feudal via Cruzadas, as

mesmas estruturas produtivas59.

As segunda e terceira Eras corresponderiam, grosso modo, ao período de existência

histórica do capitalismo, e seriam governadas pela acumulação. A acumulação, ao

revolucionar as estruturas produtivas periodicamente, num ritmo ditado pelas expectativas

concernentes às condições de demanda, traria certo grau de instabilidade maior ou menor,

dependendo do arcabouço institucional em que se moveria e das condições de demanda.

descrição da acumulação primitiva ainda que, em termos rigorosos, faltem vários elementos como a constituição de um mercado de trabalho para o capital. 58 Dito de outra maneira, a transformação da estrutura produtiva a partir, por exemplo, da introdução de progresso técnico, só ocorreria fortuitamente, obra do acaso e não da dinâmica interna daquela sociedade, em contraste com o que se dará depois no próprio capitalismo em que a acumulação é a própria razão de ser do sistema. 59 De certa maneira, era esta uma das principais críticas formuladas por Keynes ao socialismo real soviético, ou seja, a de que era um sistema similar aos da primeira era, subordinados a uma estrutura de oferta rígida e, portanto, sem fontes endógenas de dinamismo. Ao criar um sistema que tenta adequar a demanda à estrutura de oferta criada, ele igualmente perde o dinamismo decorrente da continua variação e expansão da demanda, que não teria limites, exceto os ditados pela incerteza e, pelo seu corolário, a tendência ao entesouramento. O desejado objetivo de promover a justiça social, que teria gerado a busca da alternativa socialista, e que ele achava meritório, seria melhor alcançável através do controle do investimento, sem necessidade de extensiva propriedade estatal dos meios de produção.

22

A segunda Era, como já observado anteriormente, continuaria a ser, no entender de

Keynes, uma época de relativa estabilidade. As razões para tanto ainda eram as mesmas que

Keynes já apontava antes60. A terceira Era seria caracterizada por um grau de instabilidade

bem maior. Este maior grau de instabilidade estaria associado primordialmente a algumas

mudanças estruturais ocorridas no capitalismo. Entre elas destacam-se61:

(1) a separação da propriedade do controle na empresa capitalista, que tiraria de cena

a “heróica” classe empreendedora para quem o investimento de longo-prazo era

quase um meio de vida, mas do que objeto de um cálculo estrito de custo-

benefício62;

(2) a mudança no caráter da classe rentista, decorrente inicialmente do processo

inflacionário surgido com a guerra, que inviabiliza a figura do rentista vitoriano

que via sua aplicação como um ‘investimento’ de longo-prazo com o qual se

sentia compromissado. Este novo rentista tende a ser extremante especulativo e

instável, o que levaria Keynes a comparar o sistema financeiro desta época com

um cassino;

(3) a dominação da classe empresarial pelos rentistas, subordinando-se a sua lógica.

As características desta nova era que levou no entendimento de Keynes ao

incremento da incerteza, somadas a outros fatores63, demandavam a adoção de

políticas publicas para a manutenção do dinamismo do sistema.

Dito de outra forma, a presença de rendimentos decrescentes de escala, a

transformação de uma elite que rapidamente abandonava sua condição de empresariado para

assumir o papel de rentista e a inexistência de focos de dinamismo externos, faziam com que a

única forma de garantir a expansão econômica, até o ponto em que todos abandonassem a fase

da necessidade (ou seja, que se chegasse à quarta Era), fosse a socialização do investimento,

financeiramente possível apenas, do ponto de vista das finanças públicas, através da eutanásia

do rentista.

60 Para um bom resumo da visão de Keynes sobre a segunda Era ver Crotty (1990). 61 Os parágrafos que se seguem baseiam-se, principalmente nos Essays in Persuasion. 62 Para usar uma expressão popular entre keynesianos de vários matizes, deixa a cena uma classe empresarial dotada de alto “animal spirit”. 63 Como, por exemplo, os equívocos de política econômica, entre os quais, o pior deles, ou seja, o restabelecimento da paridade-ouro de pré-guerra da libra.

23

Portanto, nesta terceira Era, seriam estas as questões que deveriam estar presentes na

agenda econômica: a necessidade de superar a crescente instabilidade sistêmica que trazia o

incremento da incerteza e do entesouramento e, portanto, do desemprego, ameaçando a vida

social.

Para isto, fazia-se mister uma forte presença do Estado, através de políticas

econômicas mais ativas.

A eutanásia do rentista pode ser interpretada como um dos objetivos que o Estado

deveria buscar, para levar a sociedade, como um todo, à prosperidade, isto é, manter a

economia próxima ao seu nível de pleno emprego.

Taxas de juros baixas são importantes para políticas de pleno emprego por duas

razões. Em primeiro lugar, as taxas de juros baixas permitem a expansão do gasto privado.

Em segundo lugar, elas têm um efeito positivo sobre as finanças públicas. Uma taxa de juros

menor que a taxa de crescimento da economia implica que a relação dívida/PIB é estável

dinamicamente. Este resultado combinado à noção keynesiana do Princípio da Demanda

Efetiva permite entender a relação existente entre taxas de juros baixas e pleno emprego.

O pleno emprego é possível sob um regime que promova a eutanásia do rentista desde

que altos níveis de gasto público, e, portanto, déficits fiscais permanentes, possam ser

mantidos sem levar ao aumento da carga da dívida pública.

É importante notar que, no ultimo capitulo da Teoria Geral, onde a assim-chamada

socialização do investimento é discutida, Keynes discute ainda a importância da eutanásia do

rentista. Embora Keynes não assuma explicitamente, é razoável supor que uma das razões

principais para que ocorra a eutanásia do rentista é que ela proveria um ambiente melhor para

a socialização do investimento. Em outras palavras, Keynes considerava a minimização dos

custos do serviço da dívida pública uma pré-condição para políticas de pleno-emprego.

Se a sustentabilidade da dívida pública era a principal razão para manter a taxas de

juros baixas, o principal obstáculo a isto era o sistema monetário internacional, ou seja, às

vezes, a ação do Estado é insuficiente, seja para reduzir, no grau desejado, a instabilidade,

seja para promover, no grau esperado, o desenvolvimento, em face da pressão por ou da

existência concreta de livre mobilidade de capitais.

Keynes tinha esta consciência, desde quando se envolveu, como representante do

tesouro britânico, nas discussões que precederam o Tratado de Versailles. Esta problemática

está presente em quase todos os seus textos desde “The Economic Consequences of the

Peace” até em seus últimos relatórios, propostas e cartas, bem como quando da discussão

sobre a nova ordem econômica internacional em Bretton Woods.

24

A ação do Estado é condicionada pela ordem econômica mundial subjacente e, em

certo grau, a condiciona. O grau em que isto se dá é uma das fronteiras de pesquisa mais

promissoras no interior da Escola Pós-Keynesiana.

Outra questão extremamente polêmica que acirra as divisões no interior do

pensamento pós-keynesiano e heterodoxo em geral é o papel estabilizador ou não do

“hegemon” sobre a ordem econômica internacional. Enquanto Kindleberger, com certa razão,

atribui um papel importante pela Grande Depressão à inexistência de uma potência

hegemônica64 65 outros autores e o próprio Keynes parecem notar que a potência hegemônica,

pode muitas vezes desestabilizar a ordem econômica internacional ou ser prescindível.

Não se deve esquecer a proposta de Keynes, nos debates de Bretton Woods de

introduzir uma moeda escritural internacional, o bancor, dado o efeito desestabilizador,

inclusive para o país hegemônico na adoção de sua moeda como moeda internacional (fora as

vantagens desproporcionais que também lhe daria).

Outra menção digna de nota é a advertência de Fiori (1999) de que a “hiper” potência

americana, mais que estabilizando, seria um dos principais fatores de instabilidade sistêmica

contemporânea.

1.4.2 Uma breve digressão histórica com vistas ao entendimento da visão de Estado em

Keynes: o caso do debate sobre a política econômica britânica nos anos vinte

Vamos nesta seção analisar, preliminarmente, o papel do Estado e da política

econômica através de alguns episódios bastante conhecidos.

De 1925 a 1931, por exemplo, a causa fundamental da manutenção de altas taxas de

juros na Inglaterra era a defesa do padrão-ouro, o que corrobora a afirmação feita a alguns

parágrafos acima sobre o papel instabilizador, muitas vezes desempenhado pelo sistema

financeiro internacional. As altas taxas de juros eram destinadas a impedir a fuga de capitais.

Neste sentido, a culpa das altas taxas de desemprego e baixas taxas de crescimento econômico

na Grã-Bretanha no final dos anos vinte e inicio dos anos trinta podem ser debitadas ao

Padrão-Ouro.

64 Vide Kindleberger (1973). 65 Outros autores que apóiam estas teses do papel estabilizador da potencia hegemônica são Gilpin (1987) e Carr (1939).

25

Inequivocamente, o retorno ao padrão-ouro favoreceu o setor financeiro e penalizou o

trabalho. É necessário, portanto, explicar porque o governo trabalhista eleito em 1929 e

capitaneado por Ramsey MacDonald, não adotou políticas públicas para reduzir o

desemprego, solução proposta pelos liberais sob a liderança de Lloyd George, com o endosso

intelectual de Keynes66. Weir e Skocpol (1985) argumentam convincentemente que a

principal razão repousa naquilo que eles chamaram estrutura ou capacidade do Estado.

Weir e Skocpol (1985, pp. 117-119) argumentam que a ação do Estado não é

facilmente reduzível as preferências e pressões de qualquer grupo social. Se a estrutura do

Estado, entendida como os arranjos jurídicos, coercitivos e administrativos não disponibiliza

os instrumentos políticos para implementação de certa linha de ação, os agentes públicos não

poderão, então, implementar esta linha. A incapacidade do governo trabalhista britânico em

implementar políticas fiscais expansionistas é explicada, então como o resultado do fato de

que os políticos trabalhistas estavam prisioneiros do debate sobre os benefícios-desemprego.

Em outras palavras, as políticas pré-existentes dominaram o debate e inibiram o

desenvolvimento de soluções alternativas67.

Winch (1989, p. 119), ainda que concordando com a tese de Weir e Skocpol, qualifica

o argumento ao notar que as políticas fiscais expansionistas tornaram-se muito mais fáceis e

prováveis após a débâcle do Padrão-Ouro em setembro de 1931. Eu adicionaria mais uma

qualificação. A incapacidade do governo trabalhista de implementar políticas de pleno-

emprego é mais bem entendida quando passamos a considerar os regimes políticos como parte

da estrutura do Estado. O regime da taxa de câmbio fixa e a livre mobilidade de capitais eram

parte inerente do regime político68 que o governo trabalhista herdou. Só o governo trabalhista

seguinte- de Clement Attlee – que chegou ao poder ao final da Segunda Guerra Mundial, foi

capaz de implementar políticas de pleno-emprego, mas, à época, o regime de controle de

capitais associado à nova ordem econômica internacional erguida em Bretton Woods, já

estava em vigor.

66 Mais uma vez, uma excelente resenha para entender todo o debate de política econômica no período é Clarke (1988). 67 De fato, no texto supracitado de Weir e Skocpol, é feita uma comparação entre o êxito do governo social-democrata sueco em implementar uma política de bem-estar social num contexto em que elas eram virtualmente inexistentes anteriormente e no caso inglês, onde já havia previamente um tipo de seguro-desemprego. 68 O regime político está associado ao predomínio de determinada classe ou grupo social que faz com que seu ideário passe a ser assumido como o ideário de toda a sociedade. Assim, no período pós anos setenta, o ideário dos rentistas que, inclui, entre outros pontos, a nível de objetivo central de política econômica, a defesa intransigente da estabilidade de preços, leva ao abandono da meta central do regime político anterior, qual seja, o pleno-emprego.

26

1.4.3 Uma breve digressão histórica com vistas ao entendimento da visão de Política

Econômica em Keynes e nos Pós-Keynesianos: a política econômica no período da

Golden Age

De fato, Keynes (CW, vol. xxvi, 276) foi enfático na defesa dos controles subjacentes

ao regime político (inclusive controle dos fluxos internacionais de capitais) estabelecido em

Bretton Woods ao afirmar que um país "cannot hope to control rates of interest at home, if

movements of capital moneys out of the country are unrestricted”. Restrições ao movimento

de capitais significam que o país pode fixar domesticamente sua taxa de juros a qualquer nível

que considere adequado por razões domésticas, sem a necessidade de se preocupar em evitar

problemas no Balanço de Pagamento (Crotty, 1983). Se isso é verdade pode-se, então,

concluir que, de forma a implementar políticas de pleno-emprego, o Estado tem de estar apto

e desejando controlar fluxo de capitais. Portanto, não é surpreendente que o regime de

Bretton Woods esteja associado ao período de maior prosperidade do sistema capitalista, a

assim-chamada “Golden Age” ou Era de Ouro do Capitalismo (Glyn et al., 1990).

Neste sentido, as políticas keynesianas adotadas após o termino da Segunda Guerra

Mundial e que compreendiam, entre outros, estritos controles de capitais, expansão continua

do gasto publico como parcela do PIB e programas de bem-estar social de crescente espectro

de cobertura em quase todos os paises capitalistas mais avançados, foi um retumbante

sucesso. As taxas de crescimento econômico eram mais altas do que jamais haviam sido, o

desemprego apresentava-se em patamares menores do que em qualquer outro momento da

história do capitalismo e a inflação permanecia relativamente sob controle. A muita discutida

crise do Estado de Bem-Estar Social veio muito menos dos excessos do sistema, como

argumentam autores mais conservadores, do que das mudanças do regime político depois do

colapso do sistema de Bretton Woods.

A mudança no regime é claramente marcada pelo crescimento na taxa real de juros

pelo Sistema da Reserva Federal (Federal Reserve) sob Paul Vocker em 1979. Isto levou a

situação brilhantemente denominada por Smithin (1996) de revanche dos rentistas. Esta

situação caracteriza-se por uma política explícita do Estado em favor do capital financeiro em

detrimento dos interesses do resto da comunidade (Vernengo e Rochon, 2000). É importante

notar que, quando isto aconteceu, os controles de capitais da Era Bretton Woods já haviam

sido cortados pela Administração Nixon e o processo de desregulamentação e liberalização

financeira que veio a dominar os mercados financeiros mundiais já tinha avançado

27

significativamente. Sob estas circunstâncias, é inteiramente correto argumentar que a

capacidade do Estado de perseguir políticas de pleno emprego, ficou seriamente atingida.

1.5 Crises e Convenções

Na seção anterior argumentamos que políticas de pleno-emprego requerem o desejo e

a habilidade do Estado69 para restringir os excessos do capital financeiro. Isto, no entanto,

não significa que exista apenas uma única, simples e imutável concepção do que faz um

Estado capaz. Várias mudanças nos últimos trinta anos afetaram a capacidade do Estado de

manter políticas de pleno-emprego.

A emergência das corporações multinacionais, que estão além do controle de um único

Estado nacional, dos anos cinqüenta em diante, é um dos fatores cruciais dos novos mercados

globais. Do mesmo modo, o desenvolvimento do mercado de eurodólares no final dos anos

cinqüenta começou o longo processo de criação de um mercado financeiro global. Todavia, a

principal razão é que, com a quebra do Sistema de Bretton Woods, passaram a existir mais

oportunidades de obter lucros oriundos da especulação em mercados cambiais estrangeiros70.

Estes desenvolvimentos levaram muitos autores a concluir que o Estado Nacional é uma

instituição obsoleta que eventualmente virá a desaparecer dando lugar a organizações

supranacionais. O fato de que a capacidade dos Estados tem diminuído face ao aparecimento

de instituições supranacionais é inegável, mas, como corretamente apontado por Hobsbawm

(1996, p. 274) não se deve subestimar as contínuas funções e poderes do Estado. Mesmo

depois das revoluções conservadoras, no final dos anos setenta e inicio dos anos oitenta,

associadas à Thatcher e Reagan, o papel do Estado na economia continuou a crescer. Isto é, o

desejo do Estado de controlar o capital é que mudou e não sua habilidade em fazê-lo. A crise

do Estado significa que novas formas adicionais de lidar com a instabilidade intrínseca do

sistema capitalista terão de ser encontradas. Novas convenções, novas instituições, novas

formas de regulação terão de ser desenvolvidas.

69 Definimos desejo do estado como vontade política definida e expressa por existência de grupo político dominante e capacidade política, nos termos postos por Evans (2004), como a existência dos instrumentos de política e de uma burocracia capaz de operar estes instrumentos. 70 Vide Eatwell e Taylor(2000)

28

1.6. Conclusões

Este ensaio apontou os seguintes pontos:

(1) A teoria econômica desde seu nascedouro, ao optar pela análise de mercado,

apartada da análise do Estado que, para alguns autores como Polanyi, é

fundamental para entendimento da gênese do mesmo, limitou sua capacidade de

entendimento dos fenômenos econômicos concretos.

(2) A Análise keynesiana do Estado não se limita a apontar medidas de política

econômica a serem implementadas para o desenvolvimento pleno do sistema

capitalista, mas dispõe de elementos explicativos do Estado em si mesmo, que

ainda que não constituam um todo homogêneo, lembram a teoria realista de

ciência política. Assim, conceitos como regime político e suas convenções, entre

outros, são perfeitamente compatíveis com o pensamento de Keynes.

(3) A análise histórica de Keynes, ainda que incompleta, foi evoluindo ao longo do

tempo e dispõe de insights interessantes como a separação das sociedades de

maior dinamismo e instabilidade centradas no atendimento da demanda e aquelas

que se estruturam a partir da oferta e onde o progresso tecnológico é residual,

cabendo a demanda se adequar a oferta.

(4) A percepção de que o momento histórico vivido por Keynes correspondia a um

momento de transição em que aumentaria o grau de incerteza e a necessidade da

presença do Estado.

Todos estes pontos conduzem a outros tantos, que não pretendemos esgotar aqui.

Usaremos a História para, de um lado, aplicarmos as concepções teóricas

desenvolvidas no ensaio teórico, em particular, a relação entre as sucessivas ordens

econômicas internacionais e os graus de liberdade dos Estados nacionais na confecção e

execução de suas políticas econômicas. Os próximos ensaios discutirão uma situação que

parece relevante por que:

(1) trata-se de um Estado nacional cujo comportamento vai em direção daquilo que

Keynes definiu como decisivo no sentido de criação de convenções que permitam

o avanço capitalista,

29

(2) Seu avanço e sua crise posterior coincidem e contribuem para a destruição da

ordem econômica internacional sob hegemonia inglesa e para o fim da Segunda

Era a que aludiam Keynes e Commons.

(3) Esta crise expõe as dificuldades de reconstituição de um Estado, sua burocracia e

suas convenções e é a expressão da mesma.

Como será visto as principais explicações para a crise (e para a sua solução) estão

relacionadas ao papel do Estado.

O Estado Imperial Alemão, sua constituição, sua estratégia e seu desenvolvimento

serão analisados de sua constituição até sua crise final com a derrota na Primeira Guerra

Mundial no próximo ensaio.

Esta análise se beneficiará da leitura de dois grandes analistas deste processo: Keynes,

e sua análise do desenvolvimento econômico da Alemanha e sua importância para a economia

européia do período e prospectivamente, e Gerschenkron, cuja interpretação do

desenvolvimento do Estado e da sociedade alemã, além da análise da política econômica,

tomando como centro os interesses das elites agrárias é iluminador.

A hiperinflação alemã será objeto do terceiro ensaio. Aí debateremos os limites

impostos a um Estado nacional com burocracia relativamente coesa, por uma ordem

(desordem) econômica internacional que resolve destruir o papel econômico internacional até

então exercido por ela na Europa e no mundo. Leremos a política definida pelo Banco

Central e o próprio processo hiperinflacionário como estratégia desesperada de manter a

economia alemã funcionando e inibir as tentativas de pulverizá-la, como havia sido antes da

segunda metade do século XIX. Ademais, será mais uma vez resgatada à interpretação via

câmbio da hiperinflação por parte da Escola do Balanço de Pagamento Alemã e será

demonstrado como esta, ao contrário da percepção de Keynes naquele momento e, em

consonância com o que intuiu Joan Robinson, é a verdadeira interpretação keynesiana (ou

pós-keynesiana) do processo.

30

ENSAIO 2

A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA ECONOMIA ALEMÃ: UMA

RELEITURA

1.1 Introdução

No ensaio anterior foi analisada a visão de Estado e de História em Keynes, sendo que

no ultimo caso, levou-se em consideração os ordenamentos que as formas em que se

organizam as relações entre Estados tomaram na construção histórica do Capitalismo.

Vimos também que pensar o Estado para Keynes, não se resume apenas a uma visão

idealizada de um Rei benevolente Platônico.

Esta percepção já estava presente em Keynes pelo menos desde o período

imediatamente posterior a Primeira Guerra Mundial, como demonstra o livro “Economic

Consequences of the Peace”, escrito logo após sua renúncia à condição de membro da missão

inglesa nas negociações de paz em Versailles. Neste texto, como veremos com mais detalhes

adiante, Keynes aponta as conveniências, para os países europeus, da divisão internacional do

trabalho existente no século XIX, associada ao padrão-ouro e à hegemonia inglesa, e o

equívoco incorrido em tentar destroçar a indústria alemã e submeter sua economia a uma

carga incompatível com suas possibilidades e apresenta, pela primeira vez, uma espécie de

esboço de uma proposta de integração européia.

O livro teve um impacto bastante forte, especialmente na opinião pública americana e,

de acordo, com alguns autores, foi importante para fortalecer o espírito isolacionista

americano e as resistências alemãs ao Tratado de Versailles.

Os três próximos capítulos se debruçarão sobre a trajetória econômica alemã desde

seus primórdios, sendo que este analisará o período até o final da Primeira Guerra Mundial e

os seguintes desde o final da Primeira Guerra Mundial, as políticas econômicas

desenvolvidas, além de analisar os limites ditados pela derrota e pela estrutura interna do

Estado e da Sociedade alemães da época..

31

Esta análise permitirá entender a trajetória do grande desafiante da ordem britânica,

tão idolatrada por Keynes no inicio de sua vida adulta71, que continuou seu papel

instabilizador até ser derrotado na Segunda Guerra Mundial, de que só veio a se recuperar

depois que o desafio oriundo de um seu antigo aliado e, algumas vezes, adversário (a antiga

Rússia, então já União Soviética). Submetido a um modelo econômico urdido pela vanguarda

gestada no interior do movimento de lutas políticas de seu proletariado, constituísse uma

ameaça ainda maior ao novo hegemon “anglo-saxão” e fosse necessário o seu soerguimento

para criar uma barreira ao crescimento do socialismo soviético no coração da Europa.

Trágica história em que a direita pré-capitalista adota as propostas de Keynes de

administração do capitalismo e a esquerda, dividida entre reformistas e revolucionários, não o

faz, adotando, nas vezes que chegou ao poder no período, políticas conservadoras que

acabaram fortalecendo a direita autoritária, minando a democracia e permitindo sua volta.

1.2 As Origens da “Criação” da Alemanha

A construção ou unificação da Alemanha foi um processo longo, realizado

primordialmente a partir da Prússia, um dos mais de 350 Estados em que se dividia a

Alemanha, à época do colapso do Sacro Império Romano Germânico em 1806, submetido por

Napoleão72.

Em torno ao século XIV, a Prússia se assemelhava a Europa Ocidental ainda que os

caminhos percorridos tivessem sido diferentes. Os camponeses eram prósperos e

relativamente livres, como no resto da Alemanha do Nordeste, em função da necessidade de

oferecer condições favoráveis aos colonos alemães, da existência de uma “autoridade central”

na forma da Ordem Teutônica e da forte vida urbana. Os camponeses podiam dispor de suas

terras bem como vender seus produtos nas cidades próximas. Os seus deveres para com os

senhores eram limitados e a autoridade dos mesmos sobre a vida aldeã pequena73.

71 Vide Skidelsky, R., (1983) John Maynard Keynes Hopes Betrayed 1883-1920, New York, Penguin Books. 72 O Sacro Império Romano Germânico (fundado por Oto o Grande, em 962) foi dissolvido por Napoleão, em 1806. Os seus 300 e tantos Estados foram reduzidos a 40. E destes, 16 Estados formaram a Confederação do Reno, sob a autoridade de Napoleão. O Congresso de Viena (1815) criou uma Confederação Germânica de 38 Estados, com a capital em Frankfurt. O presidente era o imperador da Áustria; o vice-presidente, o rei da Prússia. 73 Vide Barrington Moore (1978) As origens Sociais da Ditadura e da Democracia, Liv. Martins Fontes Ed., Lisboa.

32

A partir do século XV, começa a decadência das cidades e da autoridade central na

região. Ademais, a Prússia vivenciou, a exemplo da Inglaterra, um processo de expansão

agrícola decorrente do incremento da exportação de cereais, a partir do século XVI74.

Diferentemente do caso inglês, onde o processo de cercamento dos campos levou a expansão

dos pastos para a produção de lã e a expulsão da mão-de-obra na direção das cidades, no caso

prussiano, a expansão da produção de cereais gerou um recrudescimento da servidão e não

significou, nem se fez acompanhar, de um processo de melhoria das técnicas produtivas,

tendo se dado através da intensificação de mão-de-obra e expansão da área cultivada.

Por isto, os senhores deixaram de se interessar pelo recolhimento de impostos em

dinheiro e buscaram ampliar seus domínios, abolindo os direitos de venda e transmissão da

terra dos camponeses e os amarrando à terra de varias formas. Para tanto, a aristocracia não

precisou do auxilio de um governo central poderoso.

Este recrudescimento da servidão, portanto, veio acompanhado do fortalecimento

político desta aristocracia agrária, os chamados Junkers. No bojo deste mesmo processo, a

nobreza submeteu as cidades à dependência, processo oposto ao que vai se dar na parte

ocidental da Alemanha, onde houve certo florescimento das cidades e um avanço do poder

dos príncipes territoriais, que começavam a exercer controle sobre a própria nobreza e fixar

uma administração uniforme e moderna, ainda que de forma limitada, face às sucessivas

guerras religiosas e entre os imperadores e o papado que se deram no período.

Nos séculos XVII e XVIII, no entanto, a dinastia Hohenzollern na Prússia conseguiu

diminuir a independência da nobreza e esmagar os Estados, jogando os nobres e os habitantes

das cidades uns contra os outros e controlando assim os componentes aristocráticos no seu

caminho para o governo parlamentar. “O resultado foi a “Esparta do Norte”, uma fusão

militarizada de burocracia real e aristocracia proprietária” (Barrington Moore, pag. 502, 1975) 75.

A Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas estimularam, em boa parte da

Europa Continental, movimentos revolucionários democráticos envolvendo burgueses e

outras camadas da população contra as antigas ordens monárquicas autoritárias, o que gerou a

reação da Santa Aliança, coordenada por Metternich, chanceler austríaco e integrada pela

Áustria, Prússia e Rússia para sufocar movimentos revolucionários no Continente Europeu.

74 Vide o clássico trabalho de Alexander Gerschenkron “Bread and Democracy in Germany”, New York, Howard Fertig, 1966. 75 Vide ainda Rosenberg. V (1958) e Carsten. F.L(1954).

33

Simultaneamente, com o fim da Guerra Civil Americana e a difusão dos navios a

vapor o trigo americano passou a chegar à Europa gerando uma depressão na agricultura que

passou a corroer gravemente a base econômica dos proprietários agrícolas.

Como veremos cada desastre iminente, que parecia fazer soçobrar a aristocracia

agrícola, foi respondido com medidas que a permitiram até, algumas vezes, sair fortalecida.

De fato, é a dinâmica dos interesses dos junkers, que muito vezes conseguiam articular

o Estado, de quem constituíam a maior parte da elite burocrático-militar, dos camponeses, por

razões que explicaremos adiante, e dos industriais, cuja atrofia política em seus primórdios os

levavam a dependência política de uma aliança com os junkers, e a resistência das camadas

urbanas, fundamentalmente formadas por trabalhadores, que constituíam a maior força de

resistência desde o inicio do Império, que vai explicar boa parte da lógica da política

econômica e dos desenvolvimentos peculiares (inclusive a vocação militarista-expansionista)

sofridos pela sociedade e a economia alemã em todo o período analisado.

Dado a importância destes fatos, deve-se analisá-los brevemente um a um.

1.2.1 Os Atores Sociais e seus interesses

1.2.1.1 Os Junkers

A região que, posteriormente, veio a constituir a Alemanha, dispunha de uma

agricultura diversificada com distintas estruturas de propriedade e cultivo em cada região.

No entanto, na Prússia, a agricultura tendia a ser concentrada em grandes

propriedades.

Os grandes proprietários cujas terras se encontravam a Leste do Rio Elba, região que

atualmente, não faz parte do território alemão, é que receberam a denominação de junker. A

aristocracia junker, como a agricultura do Oeste Americano76, se fortaleceu e criou sua

identidade a partir de sua condição de região de fronteira. Diferentemente do Oeste

americano, esta conquista se deu ainda, na maior parte do tempo, antes do advento do

Capitalismo, realçando o caráter autoritário dos senhores da terra77 .

76 Vide Frederick J. Turner, “The significance of the Frontier in American History”, Annual Report of the American Association for the Year 1893 (Washington, 1894), pp. 197-227. 77 Para uma crítica da tese da fronteira Turneriana ver Hofstader, R. (1968) The Progressive Historians: Turner, Beard, Parrington, New York, Viking Press, pp. 84-164.

34

Segundo Gerschenkron:

“It gave rise to a group of feudal lords closed linked by bonds of kinship, neighborly traditions, and common economic and social interests. The disintegration of the medieval economy enhanced rather than reduced their power. The price revolution of the sixteenth century increased the profitability of their estates; in the seventeenth century the Thirty Years’ War augmented their political power.....The German feudal class was immensely strengthened after the French Revolution had destroyed the feudal rights in France”78.

Gerschenkron não cita, mas certamente não desconhecia a importância das três guerras

de conquista da Polônia, empreendidas ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, em

conjunto com outros dois Estados autocráticos da Europa Centro-Oriental (Áustria e Rússia).

Estas guerras converteram o povo polonês, de detentor, junto com os lituanos, de um dos

maiores Estados europeus num povo submetido aos três mais conservadores Estados da

Europa.

É importante notar que este permanente Estado de guerra na fronteira leste, que

acentua o traço militar do Estado prussiano79, cria uma massa importante de camponeses

“estrangeiros” (e, portanto, potencialmente, expropriáveis), além de incorporar, dentro do

território prussiano, uma classe de comerciantes, fundamentalmente judeus, igualmente

encarados com desconfiança.

Certamente, estes fatos, ajudam a explicar o avanço rápido dos territórios controlados

pelos junkers no período traçado, bem como o caráter nacionalista e discriminatório do Estado

prussiano, depois herdado pelo Estado alemão.

Cabe ressaltar que, ao longo do século XIX, como já vimos, a guerra continuou a fazer

parte da realidade prussiana, seja por conta das Guerras Napoleônicas do inicio do século, seja

ainda das três guerras em que a Prússia se envolveu ao longo do processo de criação do

Estado Alemão (contra a Dinamarca, contra a Áustria e contra a França).

Outro fator de extraordinária importância para entender os junkers e seu projeto

político é o fato de sua produção agrícola ser fundamentalmente voltada para os cereais, tendo

predominância entre eles, o centeio, e, em segundo lugar, o trigo. Tal fato tem várias

implicações importantes.

Em primeiro lugar, os avanços da industrialização e da urbanização em toda a Europa

Ocidental e alhures não ampliaram inicialmente os mercados externos para os cereais alemães

78 Gerschenkron A. (1966) op cit, pp. 23-24. 79 E confere certa autonomia aos mesmos pelo espaço longínquo e disperso em que a guerra se dá, acentuando o caráter de unidade entre os junkers e sua relativa autonomia produzida pelo isolamento.

35

como o tinha feito em séculos anteriores. Dada a qualidade do solo e a antiguidade de cultivo

(além do arcaísmo das técnicas produtivas ao longo de séculos e seu caráter destrutivo em

relação ao solo), a agricultura alemã tinha poucas condições de competição com as novas

áreas agrícolas abertas, especialmente a partir do século XIX, nas Américas, na Australásia e

na Europa Oriental (marcadamente Ucrânia e Rússia). A proteção produzida pelo custo de

transportes foi rapidamente definhando ao longo do século. A revolução do transporte

ferroviário e o fim da Guerra Civil americana foram particularmente importantes.

Em segundo lugar, neste período começam a se modificar hábitos alimentares

importantes na Europa. Além do aumento dos hortifrutigranjeiros e das proteínas em sua

alimentação, a principal fonte de carboidratos passa a ser, crescentemente, o trigo, que, até a

Revolução Francesa, era considerado um alimento da elite, sendo que a massa camponesa

usava primordialmente o centeio, considerado, um alimento mais pobre.

Além do consumo humano, marcadamente das camadas mais pobres da população, o

centeio tinha um papel importante como insumo agrícola para a produção animal,

especialmente a suinocultura. A produção animal, além de se encontrar primordialmente no

Oeste da Alemanha (em menor escala no caso da suinocultura) era geralmente desenvolvida

em propriedades menores, camponesas.

Portanto, o principal cultivo junker tinha, em condições de “liberdade econômica”,

uma “elasticidade-renda da demanda” menor que um e tendendo a baixar. Em certos

momentos, como entre 1895 e 1905, o consumo per capita chegou a baixar.

Para que este quadro não conduzisse a débâcle econômica da classe junker era

necessário uma política de alianças e forte intervenção do Estado. Esta intervenção deveria

permitir o desenvolvimento de um sofisticado sistema protecionista que protegesse

diferenciadamente os vários segmentos da agricultura. De fato, como veremos adiante, esta

proteção nunca deixou de existir, acentuando-se no decorrer do período.

1.2.1.2 Os Camponeses

Como já vimos os camponeses alemães, particularmente, os camponeses prussianos

sofreram a partir do século XV uma redução de suas liberdades e de suas terras disponíveis.

A abolição da servidão, no período das Guerras Napoleônicas, não melhorou sua

posição relativa. Embora no sul e no oeste da Alemanha a abolição da servidão tivesse

produzido ou fortalecido um grupo de pequenos proprietários ou arrendadores, as técnicas de

liberação no Leste permitiram aos junkers, no período entre 1800 e 1860 apropriar-se de algo

36

em torno a dois milhões e meio de acres dos camponeses e converter os mesmos em

trabalhadores agrícolas sem terra, logrando aumentar o seu poder num período caracterizado,

no restante da Europa, pela destruição dos resquícios feudais80. Nas áreas onde não foram

subjugados pelos Junkers, os camponeses concentraram-se primordialmente em criação

animal81.

A despeito de, em função de seu lugar na cadeia produtiva na agricultura, os

interesses dos camponeses parecerem contraditórios com os dos junkers, já que demandariam

cereais mais baratos82, para poderem baratear seus custos, por razões que serão explicadas

adiante, os camponeses acabam por embarcar no projeto “autárquico” dos junkers.

1.2.1.3 A Indústria

O processo de industrialização na Prússia, embora não em todo o território que

posteriormente se converterá no Reich alemão, se fez com forte concurso do Estado prussiano

e foi bastante impulsionado pelo processo de unificação alemã e o subjacente processo de

criação de um mercado nacional.

Como veremos adiante, o Estado prussiano e sua ideologia de ação marcaram todo o

processo de industrialização e os avanços econômicos se deram a partir dos interesses

materiais do Estado.

É importante ressaltar que este processo se iniciou ainda na segunda metade do século

XVIII, a despeito do forte atraso da Alemanha de então apontado por Veblen83, e de fato, foi

mais exitoso que os similares conduzidos na França e na Áustria84. Parte do impulso advinha

do forte incremento populacional85 além dos chamados convites formulados pela coroa para

homens de negócios, nobres e até mesmo governos locais para desenvolverem fábricas

especialmente nas áreas têxtil, de vidros, produtos químicos, metais não-ferrosos e metais

80 Como notam Weber e Knapp, no século XVII a coroa prussiana tentou proteger os camponeses através de uma série de medidas administrativas o que deixa de ocorrer depois das Guerras Napoleônicas, seja em função do enfraquecimento, seja pelo receio do que ocorreu na França. A partir daí vai se consolidar ainda mais a aliança com os Junkers. 81 Ainda que metade da produção de grãos viesse de propriedades médias e a produção camponesa de vinho fosse importante no Sul. 82 O que levou vários autores a qualificar de irracional e não-econômica a coalizão que uniu os interesses agrícolas. 83 Veblen T. (1942) Imperial Germany and the Industrial Revolution. The Viking Press. New York.pp.64-65 84 Vide Landes,D., (1972) The Unbound Pormetheus, Cambridge University Press, Cambridge, 1972. 85 A população prussiana sobe de 2,38 milhões para 5,75 milhões e a berlinense de 29 mil para 141 mil habitantes no reinado de Frederico, O Grande. Vide Henderson.W.O. (1975) p.23 The Rise of German Industrial Power (1834-1914), Temple Smith, Londres, 1975 e Braga, J.C.S.(1999) Alemanha: Império, Barbárie e

37

ferrosos. Como nos lembra Landes, tais convites correspondiam a uma ordem especialmente

para aquela parte dos homens de negócios (comerciantes e fornecedores da corte) de origem

judia, e demonstram o forte sentimento anti-semita a que já nos referimos anteriormente86.

Ademais destas empresas privadas, empresas estatais foram criadas para a produção de

ferro e carvão, chumbo, zinco e prata.

A produção industrial foi bastante impactada pela criação da Zollverein (União

Aduaneira criada em 1 de janeiro de 1834 por 18 dos 39 Estados que constituíam a

Confederação alemã) sob a liderança da Prússia, inclusive com a adoção da tarifa da Prússia

como tarifa externa comum e com a suspensão de tarifas internas avançando na criação de um

mercado interno comum 87 88.

A partir dos anos 1840, criou-se o Banco da Prússia, a partir do Banco Real de Berlim,

e se iniciou aceleradamente a construção de ferrovias, que levaram a que, em 1850, a malha

ferroviária alemã fosse o dobro da francesa. O boom ferroviário impactou a área da infra-

estrutura com a construção de estações, pontes e outros equipamentos, a indústria, em

particular material ferroviário, carvão e ferro e a área de serviços como empresas de

engenharia.

Nas décadas de 1860 e 1870 operaram-se (e não apenas na Alemanha, mas também

em outras partes da Europa Ocidental) uma série de mudanças institucionais que ajudaram

estes países a reduzir o “gap” que os separava da Grã-Bretanha.

Neste mesmo período esboçaram-se ou se acentuaram algumas características que

iriam fazer parte de todo o desenvolvimento industrial alemão e iriam ser importantes para

explicar as características e escolhas que tomaram esta burguesia no período analisado.

A unificação trouxe consigo, além de uma ampliação ainda maior do mercado interno

com a incorporação dos Estados do sul, a criação do marco, lastreado em ouro com o

abandono do antigo táler e do padrão-prata e a criação do Reichbank que incorpora o Banco

da Prússia e suas reservas de ouro, fruto, em larga medida das indenizações pagas pelos

franceses em função de sua derrota na Guerra Franco-Prussiana.

Capitalismo Avançado in Fiori,J.L.(org) (1999) Estado e Moedas no Desenvolvimento das Nações, Editora Vozes, Petrópolis. 86 Landes op cit p.135-136. 87 É interessante notar, como nos lembra Braga (op cit) que List já propunha uma tarifa básica comum desde 1819. Sobre a relevância das idéias de List ver Chang, H-J (2002), Chutando a Escada, São Paulo: Unesp, 2002. 88 “A administração de uma tarifa externa comum acabou levando à cooperação em outras áreas: taxa fixa entre as moedas da Prússia e dos estados do sul da Alemanha; código sobre letras de câmbio; administração ferroviária; acordos postais”. Braga (1999) p.196.

38

Ao contrário do que poderia parecer isto não significou a subordinação das políticas

monetária e econômica alemã aos automatismos do padrão-ouro89. A articulação desenvolvida

sob os auspícios do Estado prussiano e, depois, alemão, entre os grandes bancos e a indústria

pesada permitia ampliar o raio de manobra monetário-financeiro e creditício.

Como escreveu Braga:

“O sistema bancário, altamente concentrado, movia-se a partir dos quatro bancos líderes – Deutsche, Dresden, Discount, Darmstadt – seguido pelo Schaaffhausen, pela Companhia Comercial de Berlim, e por alguns bancos estatais federais. Através deste sistema bancário configurou-se o padrão dinheiro-de-crédito, que comandava a oferta monetária e o crédito sem a necessária obediência aos automatismos pressupostos no padrão-ouro” 90.

Por outro lado, a estrutura educacional alemã, organizada pelo Estado, ajudou a

Alemanha a se lançar na ponta nas indústrias química e elétrica no último quartel do século

XIX.

Nestes setores, bem como na indústria naval, onde rapidamente aumentou a

participação alemã na produção mundial de navios, uma das características mais marcantes foi

a contínua introdução de desenvolvimento tecnológico, seja na forma de novos produtos, seja

em termos de aperfeiçoamento contínuo dos métodos de produção.

Esta industrialização, bem como o papel reservado à elite industrial, foi bem diferente

do modelo inglês. Não só a força política condutora foi muito mais o Estado que a classe de

industriais, bem como esta abriu mão de tentar exercer o poder e governar, se subordinando à

aristocracia junker e à burocracia real, trocando o direito de governar pelo direito de ganhar

dinheiro, embora houvesse retido poder suficiente para inviabilizar políticas que atingissem

seus interesses91 92.

Ademais a própria natureza do processo de acumulação e a estrutura de propriedade

industrial foram inteiramente distintas do inglês, seja pela articulação estreita com os bancos,

89 Contudo, alguns autores argumentam que certos setores industriais veriam o padrão-ouro com bons olhos. Ver Eunaidi, L. (2001) Money and Politics: European Monetary Unification and the International Gold Standard, 1865-1873, Oxford: Oxford University Press. 90 Vide Braga (1999), op, cit p.200. 91 Vide Marx, K (1987) Selected Works. 2 vols. C.P.Dutt, New York. 92 Os liberais burgueses ainda tentaram ser protagonistas especialmente no processo de unificação tanto que, sem consultar os respectivos soberanos nem lhes dar satisfação alguma, convocaram uma Assembléia Constituinte em Frankfurt que redigiu uma declaração de direitos, escolheu o regime monárquico e ofereceu a coroa imperial ao rei da Prússia, Frederico Guilherme IV, que a recusou. Por sua vez, a Áustria forçou a dissolução da Assembléia e a abolição das reformas liberais, que haviam sido concedidas em diversos Estados alemães.

39

seja pela rápida cartelização que, em alguns setores, foi até forçada pelo Estado ou pelos

bancos que eram detentores de muitas ações industriais93.

Tudo isto não impediu, ao contrário, contribuiu, para que a Alemanha rapidamente, se

tornasse uma das principais potências industriais e exportadoras de produtos industriais do

planeta antes mesmo da eclosão da Primeira Guerra Mundial. Estas conquistas, no entanto, se

fizeram com forte presença de Estado e com apoio de uma política tipicamente protecionista

que foi articulada, como veremos pelo Estado alemão e pelos junkers, com apoio da indústria

e dos camponeses e que fazia parte de um projeto autárquico que, contrariava alguns

interesses industriais.

1.2.1.4 A Classe Operária Alemã

O movimento operário alemão nasceu antes do Estado alemão e contribuiu para sua

construção.

Os movimentos revolucionários (majoritariamente de cunho burguês e liberal, mas não

somente) que sacudiram a Europa em 1848 coincidiram com a publicação do Manifesto do

Partido Comunista por dois membros exilados da Liga Comunista Alemã, Karl Marx e

Friedrich Engels. A partir daí, o movimento operário europeu teve como um dos seus centros

de referencia o movimento operário alemão.

De fato, por volta de 1863 o único movimento socialista de massa trabalhadora era

aquele que havia se desenvolvido na Alemanha sob a liderança de Ferdinand Lassale: A

Associação Geral dos Trabalhadores Alemães. A “Allgmeiner Deutscher Arbeiterverein” era

oficialmente radical-democrata e não socialista e lutava pelo sufrágio universal, mas era

dotada de grande consciência de classe e sentimento anti-burguês e, com o passar do tempo

deixou de ser uma associação pequena para se converter num grande partido de massas.

Inicialmente, ela não contou com a simpatia de Marx que preferiu apoiar uma organização

rival comandada por August Bebel e Wilhelm Liebknecht. Esta organização, baseada na

Alemanha Central, a despeito de considerar-se mais “socialista” defendia aliança com a

esquerda democrática oriunda do movimento de 1848. Os lassalleanos eram

fundamentalmente prussianos. Em 1869 os marxistas formaram um Partido Social

Democrático (que contava com apoio de uma dissidência dos lassalleanos). A fusão deste

partido, em 1875, com os lassalleanos criou o Partido Social Democrata da Alemanha (SPD).

93 Vide Hilferding, R. (1963), El Capital Financiero. Ed Tecnos, Madrid, 1963.

40

Antes mesmo da fusão, ambos os movimentos conseguiram forte penetração eleitoral

após a concessão do sufrágio universal por Bismarck (no norte da Alemanha, em 1866, e em

toda ela em 1871) conseguindo eleger vários de seus líderes e obtendo, em alguns lugares, a

maioria dos votos.

Este avanço que, no dizer de Bebel, faria com que no espaço de sua geração os social-

democratas devessem assumir o poder na Alemanha acabou levando a uma reação

conservadora com a aprovação pelo Reichtag, em 1878, de lei que lançava o Partido Social

Democrata na clandestinidade.

Ironicamente94, no período que vai da decretação da clandestinidade à nova decretação

de legalidade do SPD em 1890, a Alemanha monta o mais completo sistema de seguro social

até então existente na Europa. Foram votados pelo Reichtag, por encaminhamento de

Bismarck, esquemas socialmente abrangentes de seguro estatal compulsório nas áreas de

saúde95, de acidentes96 e de velhice97.

A volta à legalidade acentuou algumas características simbióticas com o Estado

alemão.

Em primeiro lugar, o SPD via a si mesmo como um Estado alternativo e, enquanto tal

se espelhava no velho Estado que se propunha destruir, acabando por se envolver com o

mesmo. A influência e o prestígio do SPD cresciam quando a indústria alemã crescia e a

influência da Alemanha aumentava.

Em segundo lugar, o SPD acabou por incorporar alguns valores do Estado e da

sociedade alemães como, por exemplo, o medo dos “bárbaros do Leste”. Nas palavras de

Sasson (2000, p.29):

“The fear of Rússia, of being engulfed by Asian barbarism was common among all shades of the political spectrum and was particularly pronounced among liberals and socialists. Throughout the nineteenth century Tzarist absolutism had been the bête noire of the progressive movements. Marx and

94 Como apontou Donald Sasson (2000): “The Reich had enfranchised the people, thus enabling the SPD flourish even when the very same Reich had attempted to weaken it with anti-socialist legislation”. 95 Lei do Seguro-Saúde de 1883 beneficiando operários, mineiros e, posteriormente, trabalhadores agrícolas, artesãos, aprendizes e trabalhadores temporários, totalizando 10% da população alemã em 1885 (4,6 milhões) e 21,5% da população em 1910 (14 milhões). Os demais trabalhadores eram cobertos por outros esquemas do próprio Reich, dos estados federados e das municipalidades. 96 Lei de Seguro-Acidente de 1884, abrangendo as mesmas categorias de trabalhadores listadas na nota anterior e estabelecendo que os empregadores deveriam arcar com o custo total do seguro o que levou a uma enorme melhoria das condições de trabalho, em termos de seguranças em todos estes setores da economia alemã. 97 Lei de Pensões por Velhice e Invalidez de 1889, com o mesmo espectro de abrangidos estabeleceu um esquema tripartite de contribuições, sendo a dos empregados e empregadores iguais e a do Reich no valor de 50 marcos anuais por segurado.

41

Engels themselves considered the Russian empire to be the principal threat to Western civilization. Enmity towards Rússia was thus a common factor which linked the SPD with the German military establishment”

Em terceiro lugar, a própria utilização da via parlamentar começou a lançar dúvidas

sobre a adequação do caminho revolucionário para a situação alemã por parte da esquerda

alemã, o que levou mais tarde a desagregação da mesma.

De qualquer forma, no início do século XX já eram visíveis as diferenças de posições

no interior do partido acerca do protecionismo, da monopolização da economia alemã e, em

menor grau da questão agrária. A discussão destes três pontos é vital para entender a

incapacidade da classe trabalhadora alemã de forjar um pacto democrático com parcelas do

setor agrário como feito na Suécia e na Suíça.

Em relação ao livre comércio as posições dos elementos mais radicais coincidiam com

as de Marx quando declarava o caráter revolucionário do mesmo já que acelerava a

competição, induzia a industrialização por todo o mundo, ampliando a construção de exércitos

industriais de reserva em todos os países. Cabe ressaltar que não foi esta, todo o tempo, a

posição de Engels, que chegou a ser influenciado pelo argumento da indústria nascente de

Friederich List embora depois, tenha tendido a ser alinhar a posição de Marx98. O próprio

Marx, no entanto, admitiu a necessidade de proteção à indústria nascente como elemento

necessário para a construção de uma economia industrial moderna.

Não foi apenas esta discussão de ordem teórica que levou o SPD ao apoio ao livre

comércio99. Um ponto importante foi o impacto que o protecionismo agrícola, espalhado por

vários ramos, inclusive de agricultura camponesa, como parte da coligação de apoio montada

pelos junkers, tinha sobre o custo de vida das classes urbanas, em particular dos trabalhadores.

Ainda assim, tanto radicais no interior do movimento trabalhista alemão passaram a

considerar as políticas de livre competição atrasadas e que o sistema de protecionismo

inaugurava a ultima fase de desenvolvimento capitalista100, quanto moderados, ligados a

sindicatos incrustados em indústrias sob ameaça de competição, também defendiam o

protecionismo receosos de uma queda de seus salários ou da importação de trabalhadores

estrangeiros (o chamado problema “collie”).

98 Para um resumo desta discussão no interior da esquerda alemã e das posições de Marx e Engels. Ver, p.ex. Gerschenkron (1966). Op cit 99 Cabe observar que esta nunca foi uma posição unânime, tendo sido alvo de debates nos congressos de 1898 e 1900. 100 Vide Hilferding, op cit, pp472-474.

42

Apenas no final dos anos vinte, com o receio crescente da expansão fascista é que o

SPD como um todo se dispôs a apoiar a adoção de políticas protecionistas.

As questões da monopolização e cartelização da economia alemã também causaram

um intenso debate teórico. Inicialmente, boa parte do SPD apoiava a tese da necessidade de

controlar os monopólios e cartéis em beneficio dos consumidores urbanos. A partir de 1915,

Hilferding começa a introduzir um conceito que ele denomina de “capitalismo organizado”.

Este termo definiria o estágio então existente do desenvolvimento capitalista que teria

superado a etapa do livre-comércio substituída por uma economia dominada e regulada por

cartéis e trustes organizada internacionalmente por grandes monopólios.

Em suas palavras, no congresso do SPD, em Kiel, em 1927:

“Organised capitalism thus means in effect the replacement of the capitalist principle of free competition by the socialist principle of planned production. This planned, deliberately managed form of economy is much more susceptible to the conscious influence of society, which means to the influence of the sole institution capable of conscious, compulsory organization of the whole society”.

O problema remanescente neste caso seria tomar o controle deste Estado das mãos dos

capitalistas, onde ainda se encontrava. A instalação do Estado no centro da economia e a

conseqüente definição de metas políticas e sociais na gerência da economia pavimentariam o

caminho para a transição para o socialismo. A percepção de que a concentração e

centralização da produção introduziriam regras mais racionais à produção estava clara desde o

inicio e tendia a favorecer, no caso da agricultura, a defesa de grandes propriedades pelas

economias de escala e a racionalidade econômica que pretensamente traziam. Essa

constatação alijava ainda mais a possibilidade de um pacto com os camponeses e, afora as

condições objetivas específicas que impediram de fato a reforma agrária na Alemanha no

imediato pós-guerra como aconteceu em tantos outros Estados europeus, e que veremos

adiante. Foi um elemento adicional para arrefecer os ânimos reformistas da esquerda e, com

isto, ajudou também a preservar a estrutura agrária alemã quase intacta no período

supracitado.

Quanto à questão agrária, além do ponto já levantado no parágrafo anterior, vários

lideres importantes da esquerda alemã, tais como Engels e Kautsky, levantaram suas vozes

contra a possibilidade de aliança entre trabalhadores e camponeses em torno à reforma

43

agrária101. A constatação de que os camponeses constituíam uma classe pré-capitalista,

conservadora e bastante arraigada ao conceito de propriedade individual ou familiar fazia com

que estes autores considerassem equivocadas e perigosas alianças deste tipo. Mesmo assim,

vagarosamente a posição do partido foi mudando em relação aos camponeses, mas esta

mudança demorou muito tempo para acontecer e não encontrou receptividade da parte destes

que se mantinham temerosos e desconfiados contra tudo que era urbano, em particular,

aqueles indivíduos que “queriam lhes tomar as terras” e que, além do mais, eram anti-

religiosos (o que, para eles, era um aspecto importante).

1.2.1.5 A Burocracia e o Estado: da Prússia ao Império Alemão

1.2.1.5.1 O Estado Prussiano

A criação do Estado alemão, suas características e princípios organizativos, metas

estratégicas, regime político e burocracia constituinte foram inteiramente distintos dos países

anglo-saxões.

Em primeiro lugar, a criação do Estado alemão se deu após um longo processo que, no

final, foi dramaticamente acelerado.

No inicio da Era Feudal, ao final do reinado de Carlos Magno e de sua tentativa de

reconstituição do Império Romano, três reinos foram constituídos e divididos entre seus

filhos, um dos quais ocupando, grosso modo, a maior parte do território hoje ocupado pela

Alemanha.

A partir de 962 (DC), se constitui sob o comando de Otto o Grande, o chamado Sacro

Império Romano Germânico que passou a ocupar os territórios hoje correspondentes a

Alemanha, parte leste da França (especialmente Alsácia e Lorena), Holanda, Bélgica,

Luxemburgo, Áustria, República Tcheca, Suíça e Norte da Itália. O poder temporal do

Imperador foi, durante toda a Idade Média, contestado pelos nobres e seus trezentos e tantos

Estados e, principalmente, pelo Papado.

Nos tempos modernos, o trono do Império foi ocupado pelos soberanos espanhóis – a

partir de Carlos V e até a Guerra de sucessão espanhola - e foi o principal palco das guerras

religiosas e dinásticas da Europa, reduzindo-se a uma inexpressividade política que vai

receber seu golpe de misericórdia de Napoleão Bonaparte em 1806.

101 Vide Gerschenkron (1966) op cit, cap. 2.

44

A Prússia vai se constituir na fronteira oriental deste Império, na confluência com uma

série de Estados e outros entes similares, como a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, a

Lituânia e a Polônia. Na verdade, sua situação de fronteira é de dupla natureza: fronteira dos

germanos e eslavos e fronteira dos protestantes e católicos (poloneses). Tal condição molda o

caráter da nobreza agrária que se formou como já vimos, bem como de seu Estado: a

Monarquia Hohenzollern.

É importante salientar que, quase que desde as suas origens, o Estado Prussiano

apresentou algumas das características que vão acompanhá-lo e serão repassadas ao Estado

Alemão a partir de 1871.

Entre estas características estão a ideologia de forte intervenção, os propósitos

autárquicos e expansionistas, a preocupação com a defesa, a tentativa de tutela de todas as

classes sociais e a preocupação com a preservação do status quo social.

Para entendermos isto, temos de entender, além da característica geográfica de

fronteira, a ideologia dominante no Estado alemão em seus primórdios.

Entre fins do século XVI e fins do século XVII exercia forte influência em toda a

Alemanha e, em particular na Prússia, a chamada visão cameralista do Estado que buscava

construir uma verdadeira ciência do Estado, que levasse ao seu aparelhamento institucional,

de forma a permitir o inicio de uma ação centralizadora e racionalizante com vistas à

construção de um “Estado total”. A criação do Diretório Geral, que fundiu várias atividades

estatais na Prússia, em 1723, foi de fundamental importância na consolidação desta

construção102.

Ademais, este tipo de visão de Estado enfatiza o caráter estratégico da educação 103.

Aliás, desde o século XVI, a educação básica era compulsória em boa parte da

Alemanha, permitindo a mesma, cinco anos após sua unificação, em 1895 ser o segundo país

em termos de alfabetização masculina do mundo, após a Suécia104.

Além disso, o sistema de educação técnica, iniciado por Frederico, o Grande, ainda no

século XVIII, passou a ser um dos melhores do mundo, sendo uma das pontas de um sistema

educacional integrado ao que modernamente se chamaria “sistema nacional de inovações” 105.

102 A descrição do cameralismo na Prússia se baseia em Braga (1999) op cit. 103 Segundo Braga (1999) p.199 ”a educação se apresenta como determinante originário da existência de uma classe trabalhadora altamente qualificada e promotora de uma elevada produtividade social do trabalho” 104 Vide Hobsbawn (1988) op.cit O país pioneiro nos gastos sociais, entretanto, foi a Dinamarca. Ver Lindert, P. (2004) Growing Public: Social Spending and Economic Growth since the Eighteen Century, Cambridge: Cambridge University Press. 105 Ver Nelson, R. (1993) National Innovation Systems. A Comparative Analysis", New York: Oxford University Press.

45

É assim que, entre meados do século XVII e final do século XVIII, a Prússia ergue-se

como um dos principais Estados europeus, baseada numa forma particular de Estado baseado

no binômio segurança e bem-estar. A promoção deste bem-estar implicava, em termos

econômicos, “orientar a economia, praticar o mercantilismo, gerir eficientemente os impostos,

intervir com os instrumentos apropriados, técnicos, administradores e experts setoriais”106, e,

em termos políticos, dominar e integrar a aristocracia junkers e proteger as camadas baixas,

inclusive os camponeses, sem lhes conferir instrumentos de poder107.

Para os cameralistas, bem como seus sucessores, os nacionalistas ou historicistas do

século XIX, a construção do poder nacional demandava um Estado dinástico organizado para

defesa e ataque e proteção zelosa das fronteiras108.

Certamente este Estado, prematuramente envolvido na construção do que hoje é

chamado de capitalismo organizado, é um dos fatores primordiais para o êxito da experiência

prussiana vis-à-vis outras experiências de desenvolvimento industrial promovidas por países

europeus continentais nos séculos XVII e XVIII109.

É importante observar que a situação prussiana, e a seguir, alemã, nada tem de

semelhante a dos chamados países em desenvolvimento. A Prússia já era um dos países

centrais no sentido de Wallerstein110 desde o século XVIII, ocupando uma posição importante

no sistema europeu de poder, vale dizer, àquele tempo, sistema mundial, ainda que tivesse,

como outros países da Europa Continental, atrasada, em termos de desenvolvimento

industrial, em relação à Inglaterra, atraso que tinha papel definidor em sua estratégia de ação

econômica e política.

Cabe por fim ressaltar que a visão técnica sobre a atuação do Estado, tal como posta

pelo cameralismo, como vimos anteriormente, não evitava o fato de que a burocracia de

Estado, especialmente a militar, mesmo depois da determinação do serviço militar

obrigatório, continuou dominada por elementos oriundos da aristocracia junker.

As características do Estado Prussiano, descritas nos parágrafos anteriores permitem

entender seu papel de relevo na unificação alemã.

106 Braga op cit p.195. 107 Tanto Barrington Moore (1978) como Gerschenkron (1966), mostram, em algumas passagens, as iniciativas da monarquia e da burocracia de tentar subjugar ou, pelo menos, controlar os junkers, como a iniciativa de proteger os camponeses, traço, aliás, característicos em algumas monarquias européias no período, como os Tudors, na Inglaterra (vide Polanyi (2000)). 108 Vide Veblen (1942) op cit. 109 Esta posição contradiz os Novos Institucionalistas que sugerem que a instituição central no processo de desenvolvimento é a propriedade privada. Ver North, D. (1990), Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge: Cambridge University Press. 110 Vide Wallerstein, I. (1979) The Capitalist World Economy, New York, 1979.

46

1.2.1.5.2 O Estado Alemão

Conforme apontado acima, o Estado prussiano, já se constituía um dos Estados

centrais do sistema de poder europeu, tendo sido um dos grandes beneficiários da derrota

napoleônica, que produziu ainda, no Congresso de Viena (1815) uma Confederação

Germânica de 38 Estados, com a capital em Frankfurt. O presidente era o imperador da

Áustria; o vice-presidente, o rei da Prússia.

Era considerada uma organização imperial de pouca eficiência, pois, apesar de reunir

os numerosos soberanos alemães também dava acento a soberanos estrangeiros com

possessões na Confederação, como o rei da Dinamarca e o rei da Holanda. . Fora dos limites

da Confederação, soberanos alemães possuíam, por sua vez, territórios extensos que não

faziam parte da Confederação.

Os partidários da Áustria desejavam a junção de todas as populações germânicas numa

Grande Alemanha. Os partidários da Prússia preferiam uma Pequena Alemanha – com

exclusão da Áustria.

A Prússia tinha várias vantagens na luta pelo controle deste processo que iam

crescendo à medida que o tempo passava. Por um lado, tinha a fronteira oriental consolidada

com a repartição final da Polônia entre ela mesma, Rússia e a própria Áustria. Por outro lado,

não dispunha de fortes contingentes populacionais não germânicos como a Áustria, que era

um Império multinacional formado por várias nacionalidades, sendo algumas com pretensões

autonomistas.

Ademais, dispunha de um Estado modernizante, com forte burocracia e

desenvolvimento industrial mais avançado. No entanto, a população austríaca era superior a

prussiana.

O primeiro passo concreto para unificação ocorreu com a união aduaneira: o

Zollferein em 1834. Por iniciativa da Prússia, começaram a abolirem-se as taxas alfandegárias

entre os países alemães, o que lhes trouxe grandes vantagens econômicas e a conseqüente

prosperidade. Em 1836, todos os Estados da Confederação já faziam parte do Zollferein,

exceto a Áustria.

Em 1848, os movimentos liberais da Europa repercutiram na Alemanha. Líderes

políticos alemães – liberais e nacionalistas – convocaram uma Assembléia Constituinte em

Frankfurt.

47

A Assembléia redigiu uma declaração de direitos, escolheu o regime monárquico e

ofereceu a coroa imperial ao rei da Prússia, Frederico Guilherme IV que rejeitou o

oferecimento.

Por sua vez, a Áustria forçou a dissolução da Assembléia e a abolição das reformas

liberais, que haviam sido concedidas em diversos Estados alemães.

Dissolvida a Assembléia, Frederico Guilherme tentou organizar uma Pequena

Alemanha unificada e obteve a adesão de alguns soberanos.

Em vista disso, o imperador austríaco convocou uma Dieta Federal (representantes dos

diversos Estados), que anulou essas decisões e exigiu a dissolução da incipiente União.

Frederico Guilherme parecia disposto a resistir. A Áustria, então, ameaçou com a guerra

levando o rei da Prússia, na conferência de Olmütz (1850), a submeter-se à imposição

austríaca.

Em 1850 já estava em operação 3.660 milhas ferroviárias, o dobro da existente na

França. De 1860 a 1870, distritos industriais e centros urbanos surgiram em várias regiões,

especialmente Renânia, Westphalia, Silésia e Saxônia; as estradas de ferro passaram para

11000 quilômetros; as minas de carvão e ferro permitiram o crescimento das indústrias

siderúrgicas, metalúrgicas e mecânicas.

Na Prússia, a burguesia tentou controlar o Estado e as despesas reais, criando um

conflito político que durou até 1861, quando o rei Guilherme I, convidou Bismarck para

ministro. Ele era antiliberal, pró-monarquia e contra o poder da burguesia, mas devotado à

causa da unificação.

Bismarck achava que a unidade alemã deveria ser obtida pela força, através de uma

luta contra a Áustria. Por isso, organizou militarmente o Reino da Prússia. Neste período o

exército prussiano dobrou, alcançando 400 mil homens. Os burgueses (através da Câmara

Baixa do Parlamento Prussiano) se negaram a aprovar o aumento do tempo de serviço militar

obrigatório e a elevação dos impostos, para financiarem mais contingentes militares. Com

aprovação apenas da Câmara Alta, Bismarck passou a governar despoticamente e transformou

o exército em instrumento da unificação alemã vencendo, por etapas, a Dinamarca, a Áustria

e, finalmente, a França.

A Guerra dos Ducados foi vencida com o apoio da Áustria e levou a integração de

Schleswig e Holstein, de população germânica predominante que vivia sob domínio da

Dinamarca. Em 1866, com o apoio dos italianos (do reino de Piemonte), enfrenta e derrota a

Áustria e outros Estados da Confederação, expulsando os austríacos da Confederação

Germânica do Norte, criada em substituição à Confederação Germânica.

48

Em 1870, derrota a França, anexando a maior parte da Alsácia e da Lorena, além de

obter uma indenização. Finalmente, em 1871, se integram ao Império unificado os Estados da

Bavária, Wurttemberg e Baden.

O Estado Alemão, conquistado pela estratégia de Bismarck, vai refletir o Estado

Prussiano que constituiu a sua base.

É este Estado paternalista, autoritário, “autarquista”, expansionista, militarista,

provedor, disciplinado, desenvolvimentista, constituidor de um modelo diferenciado de

capitalismo organizado administrado por uma burocracia que reflete suas características, que

tentará ser o grande desafiante das duas ordens anglo-saxões, a primeira, que ele ao guerrear

contra os quase um século de alianças, ajudará a destruir, e a outra, que sua derrota permitirá

finalmente formar. Como veremos este Estado não será destruído com a Primeira Guerra

Mundial, pois sua burocracia continuará intacta, incrustada em várias instituições do Estado,

como as Forças Armadas e o Banco Central, e sua principal base de sustentação permanecerá

relativamente intacta (os Junkers) só vindo a ser destroçados com a derrota e destruição na

Segunda Guerra Mundial.

Será também desta sociedade, em que a educação pública começou a ser desenvolvida

ainda no século XVI, que se erguerá o maior desafio político e teórico à ordem capitalista

mundial, o marxismo, surgido a partir das lutas de uma classe trabalhadora que conseguiu

organizar o maior partido socialista de massas até a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

1.3 Os Atores Sociais e a política econômica na Alemanha antes da Primeira Guerra

Nesta seção faremos um breve resumo das características do processo de expansão

ocorrido no período 1871-1913, os setores beneficiados e o tipo de política econômica

desenvolvida.

Nem a constituição da Alemanha, nem a adoção do sufrágio universal masculino

reduziram a influência dos junkers e o poder da burocracia de Estado alemã (e inicialmente de

Bismarck) sobre a sociedade e o Estado Alemão e a condução da política econômica111.

111 A Lei monetária de maio de 1873, é bem verdade cria o marco atrelado ao ouro, eliminando a moeda prussiana, o táler, bem como todas as outras. Em 1875, no entanto, é criado o Banco Central Alemão, o Reichbank, que absorve o Banco da Prússia e que se beneficia das reservas de ouro francesas transferidas em decorrência das indenizações de guerra.

49

Isto ocorria porque a constituição do Reich Alemão criada por Bismarck fez o governo

imperial funcionar como uma espécie de extensão do governo da Prússia.

O Rei da Prússia era o Imperador da Alemanha e o Chanceler do Reich era o Primeiro

Ministro da Prússia. Era a Prússia que controlava o Reich e eram os Junkers que eram

hegemônicos na Prússia, onde viviam dois terços dos alemães. De acordo com Gerschenkron:

“This was due not alone to their position in the civil service and local government and to their influence at the emperor’s court. They were of course omnipotent in the Upper Chamber of the Prussian Diet, but the Lower Chamber also was a strong bastion of the Junkers. This was the result of a grossly unequal and indirect franchise, the so-called “three-class system,” and of an open ballot which made it possible to subject a recalcitrant voter to administrative and economic pressures. It was also the result of a development in which middle-class liberalism, once powerful in the Diet, disintegrated, large sections of it becoming subservient to the Conservative Party. Thus, the Conservative Party, the party of the Junkers, exerted strong ascendancy over the Prussian government and with it over the Federal Council (Bundesrat) of the Reich, in which Prussia was in the position to block any bill before its submission to the Reichtag as any private bill originating in the latter. Therefore, in practice, the Reich governments were driven to agreement with the state ministry of Prussia before submitting their bills to the Reichtag, lest they be later thwarted by Junker opposition in the Federal Council”112.

A política protecionista que caracterizou a Alemanha ao longo de todo o período que

antecede a Primeira Guerra Mundial não era unanimidade no início do Império. De fato, os

junkers eram ardorosos defensores do livre-comércio e, entre 1865 e 1879, não havia barreiras

tarifárias em relação à importação de grãos.

Por isto mesmo, havia forte pressão para redução das barreiras tarifárias na indústria

de ferro. Esta pressão pela abolição, obtida em 1873, também era decorrência de um cálculo

político. A Áustria, cuja indústria pesada era fraca e altamente protegida, não poderia manter-

se numa união aduaneira que não tivesse fortes barreiras defensivas para estes setores.

Por mais que se diga que a Grande Depressão não tenha afetado tão substancialmente

a Alemanha quanto a outros países, e que o período da grande expansão industrial alemã seja

aquele ocorrido entre 1871-73 e 1914113, não é verdade que ela tenha passado por ela

incólume. Segundo Braga, a expansão se dá a partir de uma política de auto-suficiência e de

112 Gerschenkron (1966) op cit p.25. 113 Vide Braga (1999) pág.198. Segundo ele, citando Henderson (1975, pág.173) entre 1873 e 1914 a renda nacional subiu de 15,1 milhões de marcos para 49,5 milhões; a renda nacional per capita crescia 21,6% por década e sua participação no produto manufatureiro mundial passa de 13% em 1870 para 16% em 1900, enquanto a inglesa desce de 32% para 18%.

50

protecionismo, mas combinada com a busca de conquista dos mercados mundiais. Assim,

entre 1875 e 1895, as exportações alemãs cresceram 30% em valor e mais ainda em volume,

sendo que a participação dos produtos industriais passou de 44% em 1872 para 62% em

1900114.

Mesmo assim, a queda vertiginosa dos preços dos produtos industriais a partir de 1873

passou a ameaçar a indústria, inclusive no mercado doméstico, o que levou a constituição da

“Central Union of German Industry”. A pressão por barreiras tarifárias ainda contou, naquele

momento, com a oposição do setor agrário, especialmente os junkers, mas, doze meses

depois, a “Union for Fiscal and Economic Reform”, associação voltada para a defesa dos

interesses do setor agrário vai negociar com a sua correlata industrial uma plataforma comum.

Esta mudança de postura foi conseqüência da competição externa a preços rapidamente

declinantes tanto no mercado externo, quanto no crescente mercado alemão, onde a

industrialização e o incremento da renda fizeram aumentar consideravelmente a demanda

interna.

A partir deste momento ficou patente que a Alemanha com seus solos pobres e

desgastados tinha se tornado uma área de alto custo para a produção de grãos. De fato, mesmo

as terras negras da Ucrânia encontravam dificuldade de competir com as novas áreas surgidas

fora da Europa com população bem mais rarefeita.

Ademais, considerações de custo de transporte que, por exemplo, tornavam mais

barato o cereal prussiano na Escandinávia que no Oeste do país, onde a produção russa e

romena embarcada no Porto de Odessa sairia mais barata em termos de fretes que a do este

Alemão, levaram a constatação que seria necessária à construção de um sistema de produção

que não fosse constituído meramente de tarifas.

Bismarck vislumbrou estas demandas como uma forma de ampliar as receitas do

Estado e sua base de apoio.

A base política-parlamentar que o tinha ajudado a montar o Reich era baseada

principalmente no Partido Nacional Liberal, grupo de classe média liberal. Para ampliá-la,

além deste Partido e do Conservador, dos junkers, ele montou a coligação azul-preta,

abandonando suas velhas rixas com os católicos, cujo partido, o Católico do Centro, junto

com o Partido Conservador, acima mencionado, passarão a ser o centro da coligação. O

114 Note-se que o protecionismo é generalizado. O período de 1879 a 1892 pode ser caracterizado como o do retorno gradual do protecionismo na Europa após o interlúdio liberal iniciado nos anos 60. De 1892 a 1914 há um profundo recrudescimento do protecionismo continental, com abertura no Reino Unido. Vide Bairoch, P. (1993) Economics and World History: Myths and Paradoxes, Chicago: University of Chicago Press, pp. 21-29.

51

Partido Nacional Liberal, ao longo dos anos oitenta do século XIX, abandona seu liberalismo

e se torna o porta-voz da indústria pesada tornando-se mais um instrumento de controle de

Bismarck.

Foi sob a égide de Bismarck que se criou o protecionista “Bloco de Solidariedade”

integrando todo o setor agrário (junker e camponeses) e a indústria. Seu primeiro desafio,

vencido com sucesso, foi o Ato Tarifário de 1879, cujas tarifas, ainda que inicialmente

modestas, foram sendo aumentadas em atos subseqüentes em 1885 e 1887 e protegiam vários

setores da indústria e da agricultura, em particular o centeio e o ferro.

De fato, foram estes dois setores os principais beneficiários do protecionismo. Este

pacto protecionista repousava sobre dois pilares.

Em primeiro lugar, o compromisso tinha de ser aceitável para os outros setores já que

os aumentos de preços no ferro e no centeio impactam seja a nível de custos, seja a nível de

demanda, os outros setores agrícolas e industriais. Assim, o compromisso entre os dois setores

tem de ser suplementado por outros, entre a indústria do ferro e as de máquinas e entre a

produção de centeio e os criadores de animais, especialmente, o grupo mais forte entre eles, a

suinocultura115.

Ademais, o conjunto destas tarifas afetava a própria política tarifaria alemã que tinha

limites determinados por outras considerações também como as relações internacionais.

Além disso, os equilíbrios gerados, já que podiam sofrer influência de vários fatores

externos a ele, como acordos internacionais, mudando as alíquotas e a relação entre elas, eram

sempre equilíbrios precários, que tinham de ser periodicamente repactuados.

Durante certo tempo, os efeitos da política do bloco de solidariedade mantiveram-se

em limites aceitáveis. A recessão na indústria alemã se estendeu até 1886, tendo havido certo

relaxamento entre 1879 e 1882.

Em 1886, os produtos ingleses vendidos a preços muito baratos já não mais

ameaçavam os mercados alemães. Além disso, vários acordos tarifários internacionais

(aproximadamente quinze) deveriam expirar até fevereiro de 1892, levando vários países, face

às altas tarifas alemãs, a manifestarem a intenção de também aumentarem as suas. Tais fatos

punham o governo alemão diante de uma encruzilhada: ou ampliava sua proteção mantendo

uma guerra tarifária contra o resto do mundo, ou buscava acordos bilaterais específicos. A

volta da recessão na primeira metade dos anos noventa do século XIX, após a expansão entre

115 Vide Gerschenkron (1966) op cit

52

1888 e 1890 fez com que a indústria passasse a apoiar o segundo caminho, com receio de que

a continuidade da política de 1879 poderia impedi-la de beneficiar-se da expansão mundial.

Por outro lado, os produtores de centeio encontravam-se em péssima situação, com

preços internacionais muito baixos e pouca competitividade, o que levou a que as exportações

desabassem. Eles não esperavam que os acordos tarifários os beneficiassem. Por isto,

esperavam receber mais proteção.

Nas eleições de 1890 os nacional-liberais e conservadores foram derrotados, sociais

democratas e progressistas avançaram e o Partido de Centro teve mais votos que nunca, quase

duplicando seu número de cadeiras. O General Caprivi foi então nomeado chanceler e

negociou com êxito vários acordos tarifários116. Em todos os casos os países com quem eram

feitos os acordos concordavam em reduzir suas tarifas para os produtos industriais alemães

que, em troca, reduzia suas tarifas de importação de seus produtos agrícolas.

O primeiro lote de acordos foi aprovado por esmagadora maioria no Reichtag em 1891

e1892, beneficiado pela sensação corrente de que a política bismarckiana tinha levado o país a

um impasse. Ainda assim, face aos avanços da SPD (Partido Social Democrata Alemão), 117havia forte preocupação entre as lideranças da indústria em não isolar os junkers.

A política de Caprivi levou a uma queda dos preços dos grãos em quase 70%. Em

resposta a isto os junkers criam, em aliança com outros proprietários agrícolas, a União dos

Agriculturistas (Union of Agriculturists). Todos os partidos, à exceção do SPD, perderam

acentos nas novas eleições que foram convocadas. No entanto, a Union conseguiu eleger

parlamentares em vários partidos e não apenas no Partido Conservador (tradicional partido

junker).

A despeito disto, Caprivi conseguiu manter sua política e assinou em 1894 um acordo

com a Rússia. Em resposta a esta política, os junkers começaram a tentar obstruir o governo e

para tanto contaram com apoio, inclusive, no interior do serviço público civil, onde ocupavam

varias posições importantes. Além disso, com forte apoio na imprensa e em outros segmentos

de opinião, inclusive camponeses tentaram passar a Moção Kanitz (kanitz motion), que

proibiria a importação de cereais. Esta moção acabou derrotada no Parlamento.

Caprivi acabou saindo e foi substituído pelo Príncipe Hohenlohe, oriundo do Sul da

Alemanha que seguiu sua política econômica.

116 Os acordos foram assinados com Austria-Hungria, Itália, Bélgica, Suíça, Suécia, Romênia, Servia, Espanha e Rússia. 117 Já que havia expirado a lei Anti-Socialista.

53

Ao longo dos anos noventa, por varias razões, como a necessidade de manutenção de

auto-suficiência e o temor de apropriação de suas terras pelos socialistas, os camponeses

acabaram sendo convertidos à idéia de que era importante para a Alemanha a proteção de sua

produção de cereais. Isto levou a que, já em 1895, os junkers e seus aliados tentassem

reintroduzir o bimetalismo (sem apoio dos bancos e da indústria), na esperança de

desvalorizar o marco, inflacionar os preços domésticos e prover proteção para a área de

agricultura interna de alto custo.

A primeira vitória dos segmentos agrários ocorreu em 1896, com a aprovação da Lei

contra o Comércio Futuro em grãos.

Na eleição de 1898, a despeito do recuo eleitoral dos conservadores, que perderam 16

cadeiras, o Partido Nacional Liberal e o Católico de Centro assumiram a causa dos

agricultores e votaram contra o novo Acordo com a Romênia e a Rússia. Até mesmo o Partido

do Povo, que representava os camponeses liberais do sul, sustentou que a proteção prevista no

acordo não era suficiente.

A partir deste momento, a “Union” assumiu a liderança de todo o setor agrícola.

Mesmo os médios e pequenos criadores da suinocultura e os produtores de laticínios acabam

persuadidos de que defender os altos preços dos grãos era importante para eles num contexto

em que a cada eleição os socialistas avançavam mais.

Face a estes acontecimentos, Hohenlohe renuncia e assume Von Bullow, que vai fazer

a soldagem dos interesses dos junkers da burocracia de Estado e dos industriais a partir de

uma política expansionista e autárquica.

Além das colônias adquiridas na África (Camarões, África do Sudoeste Alemã,

Tanganica e Togo), na Oceania (parte da Nova Guiné, Ilhas Salomão, Samoa Oeste e

Micronésia) e na China, são debatidos no Reichtag, e no interior do Estado Alemão, planos

expansionistas em relação à América do Sul, à África e ao Oriente Próximo. Além disso,

procura-se consolidar uma área de influência na Europa Central.

Persegue-se ser um ator poderoso independente na política mundial com o propósito

de criar e dominar uma área econômica auto-suficiente sob domínio alemão (autarchy). 118Para tanto, seria necessário um alto grau de auto-suficiência interno (autarky), dadas as

condições geopolíticas da Alemanha, incrustada no coração da Europa e com grandes chances

118 De acordo com Gerschenkron (1966), citando Schmoller, a busca de proteção agrícola e a constituição de um bloco na Europa Central, e a criação de vasto império colonial e de uma rede de estados vassalos na América do Sul passaram a ser os objetivos estratégicos da política externa alemã.

54

de ter de combater em duas frentes. Este objetivo (o de não combater em duas frentes) passa a

ser também uma das prioridades da política externa alemã.

Ademais, visando poder tentar ter acesso às matérias-primas e outros insumos

estratégicos além-mar, busca-se organizar uma forte Marinha Comercial e de Guerra.

Por isto mesmo, a “Union” votou favoravelmente ao “Navy Bill” patrocinado pelo

governo e pela indústria119.

Em troca recebeu a promessa de aumento das tarifas de importação agrícola.

De fato, Bullow passou a alimentar a idéia da aliança entre a indústria e a agricultura

sustentada por um tripé: proteção agrícola e políticas de poder e econômica expansionistas.

A política agrícola de proteção foi baseada no binômio: altas tarifas de importação e os

chamados “certificados de importação”.

O aumento de tarifas é iniciado quando a coligação dos centristas católicos,

conservadores e nacional liberais passa o Ato Tarifário de 14/12/1902 abarcando os quatro

principais grãos produzidos na Alemanha (trigo, centeio, cevada e aveia), que tem suas tarifas

dobradas. As tarifas passaram a ter, no entanto, alíquotas máximas e mínimas de forma a

acalmar os junkers e, ao mesmo tempo, dar margem de manobra as negociações

internacionais que expiravam 1906. Estes aumentos, que fizeram a produção de grãos na

Alemanha, passar a ser uma das mais protegidas do mundo, vieram depois acompanhados de

outras elevações na importação de gado, carne e manteiga (ovos e frutas permaneceram com

baixa proteção e leite sem nenhuma), garantindo o apoio dos camponeses ao pacto

protecionista.

Cabe observar, no entanto, que os produtores de grãos eram muito mais beneficiados

que os camponeses, em vários aspectos da política agrícola, como, por exemplo, em relação à

importação de maquinas agrícolas, usadas pelos grandes agricultores de grãos, cujos preços

caíram muito entre 1860 e 1890, e fertilizantes que foram isentos de taxação de importação.

Enquanto isto, vários insumos importados pelos camponeses sofriam taxação.

Dado o impacto que estas medidas trariam aos consumidores urbanos, os social-

democratas, junto com os progressistas (partido que era ligado aos comerciantes urbanos),

obstruíram a pauta do Parlamento, o que levou a maioria a quebra do Regimento Interno por

parte dos partidos de suporte aos junkers para aprovar estas medidas, numa demonstração de

seu pouco apreço as regras democráticas.

119 Como veremos adiante a indústria naval foi um das maiores beneficiárias da expansão industrial do período anterior a Primeira Guerra Mundial.

55

Na verdade, a questão da “ameaça socialista” era usada todo o tempo para a promoção

e consolidação do pacto conservador120.

A outra medida de apoio à agricultura foi o chamado certificado de importação, criado

por conta da existência de um grande trânsito de grãos russos pelos portos do leste prussiano.

A natureza deste comércio requeria operações de mistura antes de serem reembarcados. Por

estas razões, a lei de 1879 providenciou o repagamento das taxas alfandegárias quando as

identidades do proprietário e do atacadista pudessem ser estabelecidas. Não era permitido o

intercâmbio de certificados dentro de cada categoria de grão.

Após a reintrodução das tarifas, ficou claro que a proteção dos grãos da Prússia

Oriental não estava sendo obtida por estas medidas por razões de frete que tornavam mais

barato a produção graneira do leste na Escandinávia que nas áreas industriais da Alemanha

Ocidental. A tentativa de introdução de fretes diferenciados para os produtores do Leste levou

a protestos dos agricultores do Oeste e do Sul, que consideraram tais medidas

discriminatórias. Assim, decidiu-se usar, em 1894, o sistema de certificados (“drawback

system”) como instrumento de equalização dos preços dos grãos na Alemanha, através da

abolição da chamada “prova de identidade”. Assim:

“The grain exporter obtained an “import certificate” to the amount of the export duty levied on the exported category of grain and then sold the certificate on the free market to any importer, who could then use it for payment of duties on imported goods.... After the introduction of the Bulow tariff, the stipulations were revised and the free interchangeability of individual grains categories was established...At the same time other commodities than grains, coffee and petroleum were excluded from the procedure”121 .

Os efeitos eram óbvios. Se o preço que os produtores do Leste conseguiam obter

dentro do país fosse menor que o preço do mercado mundial mais a tarifa, ele continuaria a

exportar seu grão até que o preço doméstico crescesse a um nível que incluísse a tarifa de

importação menos a margem de desconto necessária para induzir os importadores a comprar

certificados de importação em vez de pagar as tarifas diretamente.

Assim, o caráter original da medida, que visava suprir as necessidades do comércio de

trânsito, mudou radicalmente, tornando-se um prêmio à exportação.

120 De fato, aquela altura, o SPD tinha perdido muito de seu caráter revolucionário, caracterizando muito mais como o partido de defesa radical dos princípios democráticos o que ameaçava de qualquer maneira os privilégios dos junkers. 121 Vide Gerschenkron op cit p. 69.

56

Quanto à indústria, a proteção, a política industrial e a política de compras, além da

articulação especialmente existente entre indústria e o sistema bancário nos quadros de um

capitalismo organizado estão entre as causas da rápida expansão.

Cabe observar que o desenvolvimento industrial, até então bastante concentrado nas

indústrias de ferro e siderúrgica (associados à expansão ferroviária), se estende à química122, à

indústria elétrica123 e à indústria naval124, setores em que a Alemanha, beneficiária de um

avançado sistema endógeno de inovações decorrente da qualidade de seu sistema de ensino,

da articulação do mesmo com o setor produtivo, de pesados investimentos em capital social

pelo Estado, do suporte financeiro dos grandes bancos, além de proteção tarifária em boa

parte do período, obtém extraordinário sucesso.

No ramo químico, ademais, alguns autores apontam a relevância da disponibilidade de

acesso a certas matérias-primas como uma das causas do sucesso.

Deve-se destacar ainda que a adesão da Alemanha ao padrão-ouro não a colocaram

diante da necessidade da subordinação ao livre-cambismo e à ortodoxia monetária, já que a

articulação entre bancos e indústrias ampliava seu raio de manobra monetário e creditício.

Nas palavras de Braga:

“O sistema bancário altamente concentrado movia-se a partir dos quatro grandes bancos líderes – Deutsche, Dresden, Discount, Darmstadt – seguido pelo Schaaffhausen, pela Companhia Comercial de Berlim, e por alguns bancos estatais federais. Através desse sistema bancário configurou-se o padrão dinheiro-de-crédito, que comandava a oferta monetária e o crédito sem a necessária obediência aos automatismos pressupostos no padrão-ouro”125.

Ademais, a estrutura concorrencial da indústria alemã era regulada pelo Reich, pelos Estados

federados e pelos bancos, que detinham boa parte das ações de várias empresas importantes em todos

os ramos da indústria. Todos favoreciam a formação de cartéis, que avançaram após a Depressão dos

anos setenta e do crescimento do protecionismo a tal ponto que chega a ser votada uma lei em 1910,

estabelecendo um cartel compulsório na indústria de otassa que enfrentava um processo concorrencial

122 “Nos produtos químicos pesados surgem os álcalis para sabão e vidro: nos químicos leves, os corantes sintéticos para aplicação na indústria têxtil; na farmacêutica, perfumes, cosméticos: materiais fotográficos, plásticos” vide Braga (1999, p. 199). 123 “Suas invenções mais destacadas foram o dínamo e a lâmpada elétrica de filamento branco” vide Braga (1999, p. 200). 124 A participação da Alemanha na produção mundial de navios, especialmente após o Navy Bill aumentou bastante. Entre 1892 e 1907 o país a participação subiu de 7,3% para 13,8%; a tonelagem construída vai de 240 mil em 1899 para quase 391 mil em 1906, sendo que a capacidade instalada alcançou nas vésperas da guerra o patamar de 400 mil toneladas. Vide Henderson (1975, págs. 198 e 201). 125 Braga (1999) op cit p. 200.

57

suicida. Os cartéis permitiam uma capacidade maior de expansão e asseguravam as margens de lucro e

a capacidade de investimento dentro da indústria.

Por fim, na área de transportes e comunicações, consideradas como seções civis do

exército, segundo Henderson, avançou o processo de estatização, de forma que, às vésperas da

Guerra, mais de 90% da malha ferroviária estão nas mãos do Reich.

A política protecionista que se viu, abarcou boa parte da indústria e da agricultura

acabou levando a uma crescente insatisfação popular por conta de seu impacto sobre o custo

de vida.

Em 1909, Bulow é sucedido por Bethmenn-Hollweg, que tentou reformar a Dieta

Prussiana, mas foi derrotado. Esta tentativa faz com que alguns autores acreditassem que,

quando a guerra estourou, a Alemanha estava na rota da democratização126.

1.3.1 A Economia, A Política Econômica e os Atores Sociais durante a Primeira Guerra

Mundial

1.3.1.1 A questão do financiamento do esforço de guerra e suas conseqüências posteriores

A Guerra foi custosa. As estimativas da renda nacional no ultimo ano antes da guerra

eram próximas a 50 bilhões de marcos enquanto as despesas com a guerra em preços de 1913

teriam sido de acordo com Hardach (1997)127, 100 bilhões de marcos. Em preços correntes do

tempo da guerra, os gastos foram de 200 bilhões de marcos, o que mostra a perda de poder de

compra do marco, que custava em mercados neutros (Escandinávia, Holanda e Suíça) metade

de seu valor de antes da guerra.

Diferentemente do governo britânico que, se baseou fortemente em impostos para o

financiamento do esforço de guerra128, o Estado alemão financiou sua ação bélica

principalmente endividando-se junto ao público e ao Reichbank, que por sua vez descontava

os títulos do tesouro para o governo, ao mesmo tempo em que os usava como lastro pra

emissão monetária. O meio circulante aumentou, ao longo da guerra, cerca de seis vezes129.

126 Vide Stolper,G (1940) German Economy, 1870-1940, New York, 1940 127 Vide Hardach, K.,(1997) The Political Economy of Germany in the Twentieth Century, University of Califórnia Press 128 Há dados dispares sobre o montante do esforço de guerra britânico financiado por impostos. Kindleberger. C., (1988) História Financeira da Europa, Editorial Critica, Barcelona, calcula que a Inglaterra financiou ½ de seus gastos com impostos a Alemanha e a França financiaram respectivamente 13 e 14%. 129 Há divergências entre os vários autores. Kindleberger fala em seis vezes e Hardach em cinco vezes.

58

De acordo com Hardach, 70% dos gastos foram financiados por empréstimos internos

(a maioria através de bônus de guerra de 5% e letras do tesouro compradas pelo público)

sendo o restante dividido igualmente entre aumento de impostos e aumento da oferta

monetária. Os impostos só aumentaram, e mesmo assim timidamente, após meados de 1916.

Já em 1890, as autoridades alemãs elaboraram documentos internos que permitiriam

ao Reichsbank a emissão de dois bilhões de marcos em títulos acima das limitações

estatutárias, em tempos de guerra, e que fizeram possível, como será visto adiante, a criação

dos Darlebnskassen, um novo grupo de intermediários sob a forma de bancos de empréstimos

que emitiriam dinheiro e que se constituíam uma Darlebnskassenscheine.

A despeito de alguma preparação prévia, a Alemanha, como os outros países

beligerantes, sofreu com fortes oscilações de mercado no imediato deflagrar da guerra.

No dia 30 de julho todas as bolsas de valores dos países europeus beligerantes foram

fechadas exceto em Paris. Em Berlim se difundiu o pânico, preços dos títulos caíram

drasticamente, ocorreu uma avalancha de saques sobre os bancos, que reduziram os depósitos

em 20%130. Foi, então, sugerida a moratória de todas as dívidas, contra a qual se opuseram o

governo e boa parte dos banqueiros capitaneados por Max Warburg, banqueiro hamburguês.

Em resposta a esta situação, Karl Helfferich, o conservador ministro da fazenda da

14/08/1914 aprovou legislação que: 1) proibia a conversão de marcos em ouro; 2) abolia o

imposto sobre circulação de títulos em valores superiores a 55 milhões de marcos; 3)

organizava os Darlebnskassen131, e 4) dava poderes ao Reichsbank para incluir os bônus do

tesouro de três meses em suas reservas, contra títulos de banco em circulação e para

acrescentar aos seus efetivos os Darlebnskassenscheine.

Os economistas do Ministério da Fazenda acreditavam que a oferta monetária,

especialmente no inicio da guerra poderia se expandir sem causar inflação, dado o grau de

arrefecimento da conversão da economia para economia de guerra. Ademais Helfferich e a

maioria dos economistas alemães eram partidários da Escola Bancária132 e não acreditavam na

Teoria Quantitativa da Moeda.

130 Vide Holtfrerich, Carl–Ludwig,(1980, p.61).Die deutsche Inflation,1914-1923, Walter de Gruyter, Berlin,1980. 131 Bancos para créditos de guerra a fim de prover liquidez aquelas empresas com dificuldades. Vide Rosenbaum, Edward e Sherman, A.J., (1976) M.M.Warburg & Co., Merchant Bankers of Hamburg, Holmes & Meyer, New York. 132 Particularmente a crença de que os aumentos de preços se deviam à deterioração do Balanço de Pagamentos e a depreciação cambial.

59

Em função das medidas tomadas, a crise não durou muito. Em meados de agosto as

coisas começaram a melhorar. O Reichsbank aumentou a taxa de desconto de 5 pra 6% em

princípios de agosto, mas voltou ao patamar de 5% em dezembro.

O primeiro empréstimo de guerra alemão se realizou em setembro de 1914, o quarto

em maio de 1916. Neste ultimo, 227.000 grandes subscritores compraram 57% do total e

3.000.000 de pequenos tomaram 4% do total, sugerindo que lucros e rendas cresciam em

detrimento dos salários e soldos133.

Os preços subiram do índice de 100 em 1913 para 152 em 1916, 187 em 1917 e 213

em 1919. Portanto, o aumento de preços foi de 113% durante o período da guerra contra

aumento de circulação monetária de seis vezes e um aumento da circulação de notas bancárias

por quase 13 vezes.

Também neste período observaram-se grandes déficits orçamentários.

A incapacidade e a falta de desejo de aumentar a taxação e a adoção da “linha de

menor resistência”, a saber, a tomada de empréstimos em volumes vultosos e a expansão

monetária, refletem a própria estrutura do Estado Alemão, o forte poder de barganha dos

junkers e da coligação conservadora e sua recusa em participar no esforço da guerra que

ajudaram a detonar.

Em face destes condicionantes, o problema do financiamento acabou trazendo

conseqüências perversas no pós-guerra. Em síntese, poderíamos apontar os seguintes

problemas no financiamento de guerra alemão:

a) As autoridades alemãs , bem como as francesas, achavam que a guerra ia ser curta

e que o inimigo iria pagá-la. Portanto, não importava o mecanismo adotado para

seu financiamento, em curto período de tempo, o ônus seria transferido ao

adversário.

b) a crença de que o financiamento da guerra, a base de empréstimos, era uma boa

idéia, dando por garantido que os juros e o principal poderiam ser incluídos no

orçamento ordinário, coberto pela arrecadação tributaria corrente, através de uma

mera extrapolação da arrecadação e dos gastos do período imediatamente anterior

e não consideraram as conseqüências que a guerra traria sobre os gastos e sobre as

receitas do governo.

133 Na Alemanha se emitiam também bônus do tesouro de seis meses com juros de 5% que eram convertidos periodicamente em empréstimos de guerra.

60

c) a Alemanha entrou na guerra com uma estrutura tributária federativa, incapaz de

dar conta de um grande esforço nacional. Desde os tempos da união aduaneira, a

administração central ficava apenas com as receitas alfandegárias e alguns

impostos indiretos, junto a alguns aportes de organismos federais. Após 1871, a

estes recursos se somaram as receitas dos correios, telefones e telégrafos, e das

ferrovias federais especialmente da Alsácia-Lorena.

Em 1913, por exemplo, as receitas prussianas eram maiores que as do Reich em 100

milhões de marcos (4200 milhões) e os outros Estados tinham receitas superiores a 2500

milhões134. A dívida do Reich no mesmo ano era de 4900 milhões de marcos, a da Prússia

9900 milhões e dos outros Estados 6400 milhões.

Os impostos diretos eram, pela constituição do Reich, de alçada dos Estados. Em 1906

o Reich conseguiu que ficasse em sua alçada de arrecadação uma parcela do imposto sobre

sucessão e em 1913 exigiu dos Estados uma contribuição para a defesa de 1000 milhões de

marcos, repetida em 1914 e 1915.

No entanto, os impostos sobre renda e lucros que propunham os socialistas estavam

além do poder do Reich, pois para isto, teriam de ser introduzidas mudanças constitucionais.

Karl Helfferich tinha a convicção de que os empréstimos não eram inflacionários já

que o orçamento ordinário estava balanceado. Além disso, ele alimentava preconceitos

conservadores que o colocavam, em principio, contra a taxação de rendas e lucros mais

elevados.

Em finais de 1915, face às necessidades crescentes de recursos, convenceu-se da

necessidade de aumentos de impostos, que foram aplicados a artigos de consumo que não de

primeira necessidade, como tabaco, cerveja, licores, passagens de trem de primeira classe e

tarifas postais.

No entanto, Helfferich acreditou a maior parte do tempo que o problema da dívida

seria resolvido com a vitória. Ao final, ao se confirmar a derrota, assinalou que este seria o

maior dos problemas econômicos a ser enfrentado pelo governo subseqüente, mas se opôs as

tentativas dos socialistas de estabelecer impostos sobre as rendas, hipotecas sobre as

134 Vide Stolper,G., Hauser,K., & Borchardt,K., (1964, p. 397) Deutsche Wirtschaft seit 1870, J.C.B.Mohr (Paul Siebeck) Tubingen e John Williamson (1971, p. 398) Karl Helfferich 1872-1924: Economist, Financier, Politician, Princeton University Press, Princeton, N.J., 1971.

61

propriedades imobiliárias e pôr nas mãos do Estado uma parte das ações das empresas

industriais existentes135.

A despeito das resistências, foi posto em vigor em 1917, o imposto sobre ganhos

patrimoniais que tinha sido criado em 1913. As propostas de impostos sobre o aumento das

rendas (já que as rendas não podiam ser taxadas) e sobre os lucros extraordinários oriundos da

guerra foram diluídas até se tornarem inócuas. O imposto sobre volume de vendas era

geralmente evadido.

Também foram feitas tentativas de obtenção de recursos no exterior. Max Warburg

colocou um empréstimo de 3 milhões de dólares do tesouro da cidade de Hamburgo na

Escandinávia.

Conseguiram-se ainda recursos nas áreas ocupadas, especialmente a Bélgica, e através

do tratado de paz de Brest-Litovisk com a Rússia, 6 milhões de rublos de indenização pelas

propriedades alemãs confiscadas. Este volume de recursos pouco contribuiu para sanar os

problemas de financiamento do Estado.

Helfferich não fez, ao longo de seu comando no ministério da Fazenda, qualquer

esforço para fazer reforma geral da estrutura de financiamento do Estado, feita por Erzberger,

que assumiu seu posto, com a chegada ao poder do SPD, após a guerra.

Erzberger estabeleceu a soberania fiscal do Reich sobre os Estados reduzindo-os a

pouco mais que províncias. Um gravame sobre o capital, o sacrifício por emergência

(Notopfer), instaurado por ele ao final da guerra foi parte deste esforço, mas não logrou êxito

e acabou por estimular a saída de capitais e a depreciação acelerada do câmbio.

Em março de 1919 o débito total do Reich de curto e longo prazo tinha crescido para

cerca de 150 bilhões de marcos. Os controles de preços impediram o público alemão de

reconhecer esta inflação encoberta. Além disso, o mercado de capitais estava fechado desde

os primeiros dias de guerra e as taxas de câmbio não eram publicadas, mas o mercado negro

providenciava certos indicadores e os círculos bancários sabiam quanto o marco e outras

moedas dos contendores tinham se desvalorizado.

135 Vide Williamson, 1971.

62

1.4 A Economia Alemã durante a Guerra

A despeito de não ser palco de guerra, a produção alemã foi duramente atingida.

A retirada da força de trabalho, a falta e depreciação do equipamento e o

redirecionamento da indústria de nitratos para munição em vez de fertilizantes fez com que a

produção de grãos ao final da guerra fosse metade do nível do período de pré-guerra. A

produção industrial sofreu baque similar, alcançando, em 1919, 42% do nível de 1913.

Enquanto os aliados tinham acesso a recursos de todo o mundo, os poderes centrais

(Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano e Bulgária) estavam cercados e as fontes de

suprimentos de além-mar estavam cortadas.

A Alemanha, que estava solidamente integrada na divisão internacional do trabalho

tinha de confiar em suas próprias e limitadas fontes de matérias primas e alimentos, um pouco

acrescidas pelos de seus aliados que eram países semi-industriais. As conquistas obtidas no

front russo e do Bálcãs permitiu o acesso à produção graneeira da Ucrânia e ao óleo romeno,

enquanto o comércio com as neutras Holanda e Suíça e os países escandinavos ajudava a

minorar o peso do bloqueio naval que se tornava crescentemente efetivo, mas existiam

gargalos no suprimento de produtos como borracha, petróleo e certos metais.

A preparação para guerra se circunscreveu aos planos sobre financiamento e alguma

noção da necessidade de controles no comercio exterior. A preparação para economia de

guerra, em termos de mobilização do parque produtivo, só começou cinco ou seis meses

depois da declaração da mesma, quando os requerimentos materiais e humanos numa guerra

com grande sofisticação industrial e tecnológica se tornaram aparentes e a escassez de

matérias-primas, força de trabalho e alimento ficou patente.

Tal situação forçou a adoção do planejamento econômico. Já que o Estado Alemão

jamais tinha sucumbido ao laissez-faire e tinha sempre mantido um alto grau de intervenção e

funções regulatórias (e outras já apontadas nas páginas anteriores), ele teve “vantagens

comparativas” na construção de um aparato de planejamento de tempo de guerra. Além disso,

a indústria alemã, particularmente desde os fins do século XIX, tinha organizado a

concorrência, através de uma multiplicidade de cartéis sob o olhar beneplácito e, às vezes

indutor, do Estado.

A despeito disto, em razão do cerco já assinalado, foi necessário o racionamento.

Inicialmente, associações comunitárias administravam o racionamento, mas logo uma

centralização maior foi necessária criando-se o War Food Office em maio de 1916. O controle

63

do Estado na área de matérias primas seguiu o modelo organizacional do sistema de

racionamento para alimentos. O funcionalismo civil não dispunha das qualificações

profissionais necessárias e, por isto, as novas empresas de guerra construídas, embora

formalmente privadas, foram investidas com poderes para tomar e alocar matérias-primas e

insumos industriais.

O Programa Hindenburg de agosto de 1916, apontado muitas vezes como um

momento de reformulação da política econômica de guerra alemã, objetivou reorganizar este

sistema misto privado-estatal. Para aumentar a produção de armamentos e resolver o

problema de falta de mão de obra agrícola e industrial, a partir de dezembro de 1916, todos os

homens entre 17 e 60 foram escalados como parte do Serviço Patriótico de Emergência

(Patriotic Emergency Service) e podiam ser alocados a quaisquer indústrias consideradas

essenciais ao esforço de guerra, perdendo parcialmente sua liberdade de movimento. Esta

“mobilização total do trabalho” ocorreu paralelamente a militarização da industria privada. O

War Office, que praticamente seguia as diretrizes do Alto Comando, foi dotado de poderes de

longo alcance no processo de produção e na estrutura industrial. As plantas industriais e os

seus equipamentos insuficientemente usados devido à falta de matéria-prima ou de mão-obra

podiam ser realocados para as indústrias de importância militar, enquanto indústrias de baixa

prioridade, segundo o mesmo critério, podiam ser desativadas parcialmente ou integralmente.

A penetração do Estado na economia alemã, que sempre foi forte, se espalhou e ele passou

virtualmente a dominar toda a economia.

A redução do papel e do peso do Estado ao nível de pré-guerra jamais ocorreu.

A escassez de mão-de-obra fortaleceu ainda mais os sindicatos que estavam hesitantes

em usar o poder em termos salariais. Em função desta postura, condenada por parte do SPD,

foi estabelecida a paz industrial até fim da guerra e foi criado um comitê de conciliação para

barganha e conselhos de trabalhadores para salvaguardar seus interesses. Os sindicatos

ficaram poderosos no nível da gerência das empresas e da burocracia de Estado.

Por outro lado, os junkers tinham perdido poder e prestigio.

A estratégia desenvolvida pelo SPD em relação à guerra e o renovado poder de

barganha dos trabalhadores revelavam a crescente fragmentação do movimento operário, não

só na Alemanha, como na Europa.

Como já foi visto anterior, o desenvolvimento do SPD teve momentos de

convergência e de divergências com os grupos marxistas mais a esquerda.

64

Logo em sua fundação, lassaleanos e marxistas como Bebel e Liebknecht discutiram o

processo de integração alemã e o papel que teria dentro dele o Estado Prussiano. A partir daí,

varias dissensões teóricas e de caminho político foram produzidas136.

Desde1912 estava crescentemente envolvido com práticas legislativas. Em Baden,

Hesse, Bavária e Wurttemberg, o SPD desenvolvia oposição construtiva, votando o

orçamento e entrando em pactos eleitorais e na “cidade livre” de Hamburgo os social-

democratas se identificavam com a ideologia de livre-comércio dominante.

A guerra, no entanto, dividiu o SPD. Num primeiro momento, o SPD disse que não

teria acordo com a burguesia e seu Estado, mas em 3 de agosto de 1914, votou a favor dos

créditos de guerra no Reichstag. Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Franz Mehring, que não

estavam no parlamento se opuseram à guerra. Um grupo dissidente (dezesseis parlamentares

em setenta e oito) resolveu então, se desligar do partido, sem, por um lado, perder os vínculos

com a política parlamentar e, por outro, mantendo a oposição a guerra, criando o USPD

(Partido Social-Democrata Independente). Pela primeira vez, desde o ultimo quartel do século

XIX, o SPD não era mais o único partido no Parlamento em defesa dos interesses dos

trabalhadores. Estes, por sua vez, apoiarão a Revolução que ocorreu em 1918, mas se

dividirão sobre os rumos a seguir.

1.5. Conclusões

Conforme vimos, a despeito do espaço geográfico formado pelo que depois veio a ser

chamado de Império Alemão ter sido interligado através de vários mecanismos como o Sacro

Império Romano-Germânico, desde a Idade Média, a sua unificação só veio a ocorrer no

século XIX a partir de uma estratégia diplomática-militar de uma potência germânica em

expansão, a Prússia. Este processo se fez em detrimento de outro grande Estado multinacional

sob domínio germânico que se encontrava, então, em decadência o Império Austro Húngaro.

136 Vide, por exemplo, Marx,K. & Engels, F.(1974), “Crítica dos Programas Socialistas de Gotha e Erfut”, Porto, 1974, Martins Fontes.

65

A Prússia era um Estado centralizado aristocrático, autoritário, militarizado e

fortemente influenciado por sua aristocracia rural, formada no embate fronteiriço que

periodicamente reaparecia.

A Alemanha Imperial unificada herdou os traços da Prússia. Era um Estado

organizado, autoritário, paternalista, aristocrático, expansionista, com uma forte burocracia e

militarizado.

O Estado cumpria as tarefas de coordenar expectativas, induzir, articular e/ou avançar

o investimento, criar infra-estrutura inclusive social e convenções que permitiam o

investimento privado, além de promover a centralização do capital numa extensão até então

desconhecida. Neste sentido aproximava-se do que Keynes dizia ser o papel do Estado,

especialmente no que ele chamou de transição da Segunda Era de Expansão para a Terceira

Era de Estabilidade. A resposta a este acúmulo prematuro de funções pode ser encontrada, por

um lado, nas características da formação do Estado Prussiano e, por outro, nas necessidades

de vencer o gap econômico e tecnológico que o separava do hegemon do período, o Império

Britânico.

É esta vontade política que explica a estratégia do Estado Imperial Alemã ao longo de

sua história. Esta mesma vontade somada a arbitragem dos conflitos entre as várias classes

sociais e o atendimento de interesses da aristocracia junker, o capital financeiro, o

campesinato e as camadas urbanas que explica boa parte da política econômica do período,

especialmente a política comercial.

A tensão entre a estratégia de longo-prazo e os interesses e conflitos sociais explica as

mudanças na política de curto-prazo, especialmente a “liberalização agrícola” dos períodos

Caprivi e Hohenlohe e também é elemento importante para o entendimento do expansionismo

militar que acaba levando o Império Alemão ao ocaso.

66

ENSAIO 3

VERSAILLES, WEIMAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A HIPERINFLAÇÃO

1ª Parte - Versailles

1.1 Introdução

O colapso do Reich precedeu a derrota na Primeira Guerra Mundial.

O Reich foi derrubado por uma revolução socialista que ocorreu pouco depois da

Revolução Bolchevique137.

Esta sucessão de revoluções e a desintegração dos velhos Impérios da Europa Central

e Oriental (Russo, Alemão, Austro-Húngaro e Otomano) com o aparecimento de um grande

numero de novos estados (como Letônia, Lituânia, Estônia, Polônia, Tchecoslováquia,

Áustria, Hungria e Iugoslávia) foram apenas parte das transformações sofridas.

Como apontou Keynes, o próprio sistema econômico internacional sofreu mudanças

irreversíveis com a Guerra. De fato, a hegemonia britânica, com todos os elementos que a

caracterizavam, tais como o padrão-ouro, o liberalismo do século XIX, a divisão internacional

do trabalho então vigente ruíram com o conflito.

No texto a que já aludimos no ensaio anterior e que vai torná-lo pela primeira vez um

economista de renome internacional “The Economic Consequences of the Peace”, ele analisa

o sistema econômico até então vigente e o papel dos derrotados nele em suas páginas iniciais.

Segundo Keynes, este sistema europeu, que permitia as populações européias viverem

além de suas possibilidades já sofria uma instabilidade latente antes mesmo da eclosão da

Guerra. Tal fato era conseqüência de suas características.

Ele (o sistema) caracterizava-se pelos seguintes elementos:

137 Uma das teses dos nazistas e do resto da direita alemã é de que os socialistas apunhalaram a Alemanha ao aceitar os termos de paz impostos em Versailles. Vide, por exemplo, Gerschenkron (1966).

67

1. População crescente

a) A Alemanha tinha pulado, a despeito da imigração, de 40 milhões em 1890 para

68 milhões as vésperas da guerra, crescendo em torno de 850 mil por ano. Para dar

conta deste incremento, segundo Keynes, construiu uma sofisticada máquina

industrial dependente de fatores internos (como suprimento de certas matérias-

primas e um sistema de transportes bastante desenvolvido) e externos (mercados,

fontes de certas matérias-primas etc.).

b) A Áustria-Hungria cresceu de 40 milhões para 50 milhões no mesmo período com

crescimento anual em torno de 500 mil, e uma emigração de 250 mil. O sistema

industrial centro-europeu baseado na Alemanha tinha forte articulação com este

Império e os dois Impérios somados tinham uma população correspondente a de

toda América do Norte.

c) A Rússia Européia crescia a uma velocidade ainda maior, cerca de 2 milhões ao

ano, tendo saltado de 100 milhões em 1890 para 150 milhões em 1914138.

2. Organização

A delicada organização através da qual se vivia dependia parcialmente de fatores

internos ao sistema que desenvolveu uma sofisticada divisão do trabalho.

O sistema baseava-se no livre comércio, no padrão-ouro e na dependência mútua que

era puxada e tinha como eixo organizacional a forte expansão alemã que “empurrava os

vizinhos”.

A Alemanha era o maior importador da Rússia, Noruega, Holanda, Bélgica, Suíça,

Itália e Áustria-Hungria, a segunda maior da Grã-Bretanha, Suécia e Dinamarca e a terceira

da França139.

Ela era o maior exportador para Rússia, Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Suíça,

Itália, Áustria-Hungria, Romênia e Bulgária. Era o segundo maior exportador para Grã-

Bretanha, França e Bélgica.

Além de ser responsável por quase um quarto do comercio dos países da Europa

Centro-Oriental, tinha cerca de £31,250 milhões em investimentos no exterior.

138 Keynes chega a insinuar que o “bolchevismo” seria uma conseqüência deste processo 139 Vide Keynes (1919) op cit pag.8

68

3. A chamada Psicologia da Sociedade.

Para Keynes, apenas a extrema desigualdade da distribuição da riqueza permitia tal

acumulação e só se justificava por isto. De um lado, a classe trabalhadora aceitava seja

persuadida, seja por ignorância, costume, convenção ou compelida, receber uma parte do

“bolo” menor. Do outro lado, os capitalistas recebiam a maior parte do “bolo”, mas sabiam

que não deveriam consumi-lo imediatamente, devotando sua maior parte para a acumulação.

É importante notar que, naquele momento, ainda não estão presentes no pensamento de

Keynes as noções associadas ao principio da demanda efetiva, acreditando no papel essencial

da poupança como motor do crescimento econômico e na ética da poupança como seu

elemento psicológico e social fundamental.

4. A Relação entre o Velho e o Novo Mundo

Os países europeus tinham investido uma boa parte do que exportaram fora de seu

território, particularmente no Novo Mundo. Este investimento permitiu a construção de uma

infra-estrutura e o desenvolvimento de novos recursos em alimentação, materiais e transporte,

ao mesmo tempo em que permitia a Europa ter um exigível sobre a riqueza natural e as

potencialidades virgens do Novo Mundo e de outros continentes. Houve reinversão de boa

parte dos juros das aplicações como uma reserva para o futuro. No entanto, o aumento da

população americana e a lei dos rendimentos decrescentes, estavam levando a que a Europa

tivesse de oferecer uma quantidade crescente de bens para obter o mesmo montante de

alimentos140.

Assim, este sistema já teria um potencial de instabilidade mesmo antes da eclosão da

guerra que foi agravado por ela e por outras fontes, decorrentes do Tratado de Versailles, que

Keynes criticou, após ter participado da delegação britânica.

Entre as transformações que antecederam o Tratado e se relacionavam com a guerra e

com um longo acumulo de forças por parte das organizações ligadas ao movimento operário

local, está a Revolução ocorrida na Alemanha.

O governo socialista optou por uma linha reformista e convocou uma Assembléia

Constituinte que produziu a chamada Constituição de Weimar.

140 Este ponto, qual seja, a da existência de rendimentos decrescentes na agricultura e crescentes na indústria que levariam uma deterioração dos termos de troca contra os europeus industrializados mostrou ser o ponto mais fraco e mais equivocado do argumento.

69

As razões que levaram a diferença de cursos em relação à Revolução Bolchevique

serão analisadas na próxima seção, bem como o ambiente econômico e político criado pela

derrota e pelo tratado de paz que se seguiu.

O Tratado de Paz de Versailles será detalhado por sua importância nos acontecimentos

subseqüentes.

É importante assinalar, antes mesmo de tocar nestas questões, que o Estado interventor

e promotor da expansão econômica, articulador do pacto conservador-modernizante,

autoritário e herdeiro do Estado Prussiano cuja criação e desempenho foram vistos no capítulo

anterior, não foi eliminado pela Revolução, na medida em que suas bases de sustentação, os

junkers e a burocracia de Estado, não foram atingidos.

Na terceira parte será tratada aquela que é apontada, pelos autores da Escola do

Balanço de Pagamentos Alemã, como uma das mais importantes conseqüências do Tratado,

qual seja a hiperinflação. Nesta mesma seção serão tratados vários aspectos do fenômeno,

como seus impactos sobre a estrutura produtiva e sobre a distribuição de renda, 141 os

mecanismos de indexação que geraram as “moedas” que circularam paralelamente para dar

conta da escassez de meio circulante.

A seguir, serão tratadas as duas principais interpretações do processo inflacionário,

como evoluíram ao longo do tempo e como uma delas, a da Escola de Balanço de Pagamentos

Alemã é perfeitamente compatível com o pensamento pós-keynesiano.

Também será tratado o processo de estabilização conhecido como o “milagre” do

rentenmark.

A preocupação subjacente a toda descrição e análise que se fará neste capitulo é buscar

integrá-las as teses desenvolvidas no primeiro ensaio.

1.2 O Imediato pós-guerra, a criação de Weimar e a paz de Versailles

1.2.1 O Quadro Geral

Nem mesmo os socialistas acreditavam, no início da guerra, que a Alemanha perderia

e que a derrota traria tão amargas conseqüências. Por isto mesmo o padrão de financiamento,

como já vimos, foi aquele que se observou. Talvez também por isto, os planos de

141 Que explicam, parcialmente, a demora na adoção de medidas para sua eliminação, em contraste com outros casos que também ocorreram no mesmo período.

70

indenizações e anexações animassem todos os partidos. Assim, Erzberger, que se tornará um

dos expoentes das negociações de paz entre os socialistas, em 1914 defendia a anexão da

Bélgica e de toda região entre o Canal da Mancha e a Borgonha, além de áreas da Rússia e um

aumento do Império alemão na África Central, fora a exigência de 10 bilhões de marcos de

indenização e compensação pela devastação causada pela Rússia na Prússia Oriental. 142.

O banqueiro M.M.Warburg, cujo sócio Carl Melchior foi o grande interlocutor de

Keynes durante as negociações de Versailles143, achava que a indenização deveria ser de 50

bilhões de marcos.

Hellferich queria rodear a Alemanha de estados satélites, anexar a Áustria-Hungria e

cobrar forte indenização da Bélgica.

A opinião dos socialistas mudou ao longo do período. Em julho de 1917 Erzberger

apresentou uma proposta de resolução em que apelava ao Reichstag para que pedisse a paz.

Quando o cerco tornou-se mais forte, os aliados tiveram a adesão dos EUA, que mais

que compensava a saída dos russos, e a revolução eclodiu tornou-se patente que seria

necessário negociar a paz.

1.2.2. O Front Externo: A Paz “Cartegiana”: Versailles

1.2.2.1. Introdução

Nesta seção detalharemos o tipo de armistício que se intencionou fazer a partir dos

Quatorze Pontos do Presidente americano W. Wilson, o acordo afinal negociado e as criticas

de Keynes a ele.

1.2.2.2. Os Quatorze Pontos de Wilson

Em janeiro de 1918, antes do término da guerra e como forma de abreviá-la, o

presidente dos EUA, W. Wilson, propôs os famosos Quatorze Pontos.

Eles correspondiam, por um lado, aos termos em que deveria se dar o armistício e, por

outro, a um conjunto de princípios ordenadores econômicos e políticos das relações

internacionais após o mesmo.

Entre eles se encontravam:

142 Vide Kindleberger (1988), op cit, pag. 403. 143 Vide Skidelsky (1983), pp. 358-359.

71

1. “A Remoção, tanto quanto possível de todas as barreiras econômicas e o

estabelecimento de igualdade de condições de comercio entre todas as nações” 144.

Não deveria haver qualquer tipo de acordo econômico exclusivo nem qualquer

forma de boicote econômico com exclusão de mercados exceto aqueles

determinados pela Liga das Nações como meio de sanção;

2. “A garantia de segurança para todas as nações e redução dos armamentos nacionais

ao ponto mais baixo consistente com a segurança doméstica”;

3. “Um ajuste livre e imparcial de todas as exigências coloniais”;

4, 5 e 6. “A evacuação e a restauração de todo território invadido especialmente

belga. A isto deve ser acrescentada a demanda dos aliados por compensações por

todos os prejuízos infringidos aos civis em sua propriedade por terra, mar e ar”;

7. “O acerto do mal feito pela Prússia pela França em 1871, no caso da Alsácia-

Lorena”;

8. Seria criada “uma Polônia independente incluindo todos os territórios habitados

indiscutivelmente por poloneses e assegurado um acesso seguro e livre para o

mar”;

9. A criação da Liga das Nações;

10. “Não haverá anexações nem contribuições nem prejuízos punitivos” 145. Os ajustes

que ocorressem deveriam levar em conta o principio da autodeterminação. Todo

deslocamento territorial no pós-guerra deveria ser feito em beneficio da população

envolvida;

11. “A justiça deve ser imparcial com aqueles com que quero ser justo e com os que

não quero”;

12. “Nenhum interesse especial ou particular de uma nação ou de um grupo de nações

pode servir de base a uma colocação que não esteja de acordo ao interesse de

todas”;

13. “Não deverá haver nenhuma liga, aliança ou entendimentos ou acordos especiais

no interior da família de membros da Liga das Nações”;

14. “Todos os acordos e tratados internacionais de qualquer espécie devem ser

conhecidos do resto do mundo”, não havendo mais lugar para a diplomacia

secreta.

144 Vide Keynes (1919), op cit. 145 Vide Keynes (1919), op cit

72

Nos meses subseqüentes os pontos foram desenvolvidos pelo Presidente Wilson como

expressão de uma paz em que não deveria haver vencedores nem vencidos e nem anexações

ou indenizações injustas, e em que se deveria buscar a igualdade jurídica entre os povos146.

O governo alemão aceitou os Quatorze Pontos em 5 de outubro de 1918 e pediu ao

presidente americano que tomasse os passos necessários a restauração da paz. Em 14 de

outubro, o presidente dos EUA estabeleceu três condições adicionais para a continuidade das

negociações, a saber: 1) que os detalhes do armistício fossem deixados aos chefes militares; 2)

que a guerra dos submarinos cessasse inteiramente e 3) que o governo alemão dêsse garantias

do seu caráter representativo.

Em 5 de novembro, o presidente americano informou ao governo alemão que os

poderes aliados tinham aceitado o seu programa, com exceção da cláusula referente a

liberdade dos mares, adicionando que a Alemanha deveria compensar todo o prejuízo

infligido a população civil dos aliados bem como as suas propriedades147. Estas condições

foram aceitas pela Alemanha.

1.2.2.3 O Tratado de Versailles

Para Keynes e para vários outros autores, 148, o Tratado de Versailles, além de não ter

sido uma paz justa e adequada aos termos da negociação de rendição acabou por prejudicar,

ou mesmo, inviabilizar a reconstrução da economia européia seja pelos problemas criados a

Alemanha, que era o coração industrial da Europa Centro-Oriental, como apontado

anteriormente, seja por ter desarticulado todo aquele espaço econômico a partir da

constituição não-planejada de uma serie de novos estados que não tinham viabilidade

econômica ou tinham forte interdependência econômica que acabou desarticulando suas

economias.

No que diz respeito à Alemanha ele significou uma serie de restrições que,

antecipando, poderíamos resumir em:

(1) A internacionalização dos principais rios da Alemanha;

146 Vide Schacht (1931) 147 Segundo Keynes os Quatorze Pontos só cobriam perdas em território invadido - Bélgica, França, Romênia, Sérvia e Montenegro – excluindo as áreas vitimas de bombardeio por submarinos ou ataques aéreos. Foi para resolver estas omissões que o Supremo Conselho dos Aliados propôs as qualificações ao Presidente Wilson anunciadas na Nota Presidencial de 5 de novembro. 148 Vide Schacht(1931) op cit

73

(2) A inclusão de vantagens de comércio não recíprocas tais como a isenção de tarifas

para exportações da Alsácia Lorena para a Alemanha por cinco anos e a proibição

de restrições a importações de certos artigos franceses como vinho por três anos;

(3) Perda de 13% do território de pré-guerra, 10% da população, 15% de toda terra

arável, 75% de todos os depósitos de ferro e todas as colônias;

(4) Redução de 44% da capacidade de produção de manufaturados de ferro, 38% de

produtos siderúrgicos e 26% da produção de carvão.

Como já tinha sido assinalado acima, não tinha sido este o espírito da rendição

negociada.

É bem verdade que na convenção de armistício se acordou que a Alemanha deveria

pagar indenizações aos aliados, ainda que em Versailles não se chegasse a um acordo sobre o

montante a ser pago. A Alemanha foi obrigada a firmar um acordo em que assumia a

responsabilidade pela guerra, mas havia, então, o acordo de que a Alemanha deveria pagar de

acordo com sua capacidade de pagamento.

Keynes, que era um dos especialistas financeiros ingleses, discordou das cláusulas do

acordo e escreveu, como já visto The Economic Consequences of the Peace.

Para ele, o acordo inviabilizaria o prosseguimento do funcionamento da economia

européia nos moldes em que se dava antes da Guerra, poderia trazer a miséria em escala sem

precedente e o avanço do bolchevismo. Ademais, segundo sua interpretação, o acordo visava

insensatamente destruir as bases econômicas da Alemanha. A intenção de alguns aliados,

especialmente, franceses era prevenir a possibilidade de outro ataque destruindo a base

industrial da economia alemã e, se possível, desagregando-a em mais estados como feito com

a Áustria-Hungria. Para atingir estes alvos, o ataque centrou-se em sua base industrial, e não

sobre o poderio dos junkers.

O sistema econômico alemão era baseado, no entender de Keynes, em três fatores

principais:

1) O comércio e finanças internacionais representados por sua marinha mercante,

suas colônias, seus investimentos externos, suas exportações e as conexões

internacionais de seus comerciantes;

2) A exploração de seu carvão e seu ferro e a indústria erguida sobre eles e;

74

3) Seu sistema de transporte e tarifário. O Tratado objetivou a destruição sistemática

dos três, especialmente os dois primeiros149.

Em relação à destruição de suas relações econômicas internacionais, as seguintes

cláusulas faziam parte do acordo:

1) Frota Naval:

A Alemanha teve de ceder aos aliados todos os navios de sua marinha mercante acima

de 1600 toneladas, metade daquelas embarcações entre 1000 e 1600 toneladas e um quarto

das de menor tonelagem. A cessão incluía não só navios sob bandeira alemã, mas os

possuídos pela Alemanha e navegando sob outras bandeiras, bem como os em construção e os

que não estavam em operação.

Além disso, a Alemanha se comprometia a construir para os aliados se requerida até

200 toneladas anuais, em embarcações de todos os tipos a ser descontado das reparações,

quando sua capacidade produtiva anual era de 300 toneladas150.

2) Sistema colonial:

A Alemanha deveria ceder todos os direitos e títulos sobre suas colônias que se

estendiam pela África (Camarões, Tanganica, África do Sudoeste Alemã e Togo), Ásia (um

porto livre na China) e Oceania (Ilhas Salomão, Samoa Alemã e Parte da Nova-Guiné). As

propriedades estatais deveriam ser cedidas ainda que os passivos decorrentes da compra ou

construção destas propriedades continuariam alemães. Os países que ficassem responsáveis

pelas ex-colônias alemães poderiam fazer provisões relacionadas aos gastos que viessem a ter

utilizando-se de propriedades privadas alemães e decidir se os cidadãos alemães deveriam ser

repatriados, bem como as condições em que lhes seria permitido permanecer. Todos os

contratos e acordos em favor de cidadãos alemães para construção e exploração de infra-

estrutura pública poderiam ser cancelados ou tomados como parte do pagamento devido por

reparações.

149 Curiosamente, em relação ao segundo as regras não foram tão draconianas, especialmente quanto a agricultura, demonstrando a incapacidade dos aliados de compreender a verdadeira estrutura de poder no interior do Reich Alemão. É importante acrescentar que a estrutura cartelizada da indústria alemã, ao contrario de ao final da Segunda Guerra Mundial, não foi atacada. 150 Vide Keynes (1919), op cit pág. 32.

75

Ademais, os Aliados e Associados se reservavam o direito de reter e liquidar toda

propriedade, direitos e interesses pertencentes a cidadãos ou empresas alemães até a data da

entrada em vigor do tratado no interior das ex-colônias alemães. Esta expropriação não seria

compensada por indenização por parte dos aliados. Tais procedimentos seriam adotados

primeiro para compensar débitos privados devidos a cidadãos aliados por cidadãos alemães e,

a seguir, para dívidas de cidadãos austríacos, húngaros, búlgaros e turcos.

“Em suma, não apenas se buscou extirpar a soberania e a influência alemã sobre suas

ex-colônias, mas as pessoas de cidadania alemã e suas propriedades foram desprovidas de

amparo legal”151.

3) Propriedades nos territórios devolvidos da Alsácia-Lorena:

O mesmo tratamento dado à propriedade de cidadãos alemães nas colônias foi adotado

pelo tratado em relação à propriedade privada alemã na Alsácia-Lorena, embora se

conservasse a possibilidade do governo francês, desde o inicio, conceder excepcionalidade e

permitir a manutenção tanto dos cidadãos quanto de suas propriedades.

4) Propriedades em outros lugares no exterior.

A expropriação de propriedade privada alemã não se limitou a Alsácia-Lorena e as ex-

colônias. Elas se aplicavam também nos seguintes casos: a) cobrir dívidas de cidadãos

alemães e, em segundo lugar, dividas dos aliados alemães. Nestes casos, os aliados se

reservavam o direito de reter ou liquidar toda propriedade, direitos e interesses pertencentes

até a data de vigência do inicio do acordo a nacionais alemães e suas companhias no interior

de seus territórios, de suas colônias, possessões e protetorados, inclusive territórios cedidos

pelo tratado; b) Por deliberação da Comissão de Reparação que poderia demandar que o

governo alemão expropriasse seus cidadãos e enviasse a ela quaisquer direitos e interesses de

nacionais alemães em qualquer serviço de utilidade pública ou em qualquer concessão em

operação na Rússia, China, Turquia, Áustria, Hungria e Bulgária ou em suas possessões e

dependências ou em qualquer território pertencente à Alemanha ou seus aliados a ser cedido

por ela ou seus aliados a qualquer outro poder ou para ser administrado como um mandato.

Isto incluía, obviamente, todos os novos estados surgidos do desmembramento dos Impérios

151 Vide Keynes (1919).

76

Russo, Austro-Húngaro e Otomano. Também por deliberação do Tratado, a comissão de

reparações tinha poderes para demandar pagamentos até 1 de maio de 1921 de até 31000

milhões de libras da forma que ela fixar seja em ouro, mercadorias, navios, títulos ou outros.

A comissão poderia, por este artigo, ter poderes ditatoriais, pelo período em questão sobre

toda a propriedade alemã, onde quer que ela se encontre e seja lá de que natureza fosse.

Ademais a Alemanha teve de ceder seus direitos e propriedades na China, Sião,

Libéria, Marrocos e Egito.

Em relação à destruição da produção de carvão e ferro, bases da indústria pesada

alemã houve várias medidas além da entrega para França e para Polônia de importantes áreas

produtivas.

Para Keynes, a exploração proficiente dos grandes campos de carvão 152do Ruhr, Alta

Silésia e do Sarre tornou possível o desenvolvimento das indústrias elétrica, química e

siderúrgica que estabeleceram a Alemanha como a principal nação industrial do continente

Europeu. Um terço da população alemã vivia em cidades com mais de 20 mil habitantes, uma

concentração industrial que só teria sido possível por conta do carvão e do ferro.

O Tratado prejudicou a oferta de carvão da Alemanha de quatro formas:

1) A cessão, a titulo de compensação pela destruição das minas de carvão do Norte da

França, das minas da Base do Sarre. A cessão do território para a administração da

Liga das Nações foi feita por quinze anos, a das minas não. Se, ao final dos 15

anos, os habitantes do Sarre quisessem voltar a se reintegrar a Alemanha, esta teria

de readquirir as minas a preço estipulado em ouro.

2) A possibilidade de cessão da Alta Silésia, um distrito sem cidades grandes, à

Polônia dependente de um plebiscito. Nesta região encontravam-se alguns dos

maiores campos de carvão da Alemanha, responsáveis por 23% de sua produção

total. A Alta Silésia jamais fez parte da Polônia histórica, segundo Keynes, mas

sua população era composta por poloneses, alemães e tchecos em partes quase

iguais. Do ponto de vista econômico, a região era intensamente articulada com a

Alemanha e a indústria do Leste Alemão dependia deste carvão.

Caso confirmada a perda dos campos do Sarre e da Alta Silésia, a Alemanha

perderia um terço de seu suprimento de carvão.

152 Vide Keynes (1919,p.39)

77

(3) A Alemanha teria ainda, do carvão que lhe sobraria, de fazer, ano após ano, a

estimativa do que a França perdeu pela destruição e prejuízo de seus campos de

carvão do Norte do país e de Calais e enviar para ela por um período não superior

a 10 anos, um montante de carvão equivalente a diferença entre a produção

anterior à guerra, do Norte e de Calais e a produção das minas na mesma área no

ano em questão. Este envio não poderia exceder 20 milhões de toneladas nos

primeiros cinco anos e 8 milhões nos cinco anos subseqüentes.

(4) Como parte do pagamento de reparações, a Alemanha teria ainda de enviar os

seguintes montantes de carvão ou coque (os da França não incluem as remessas já

apontadas anteriormente): a) França, 7 milhões de toneladas anualmente por dez

anos; b) Bélgica, 8 milhões de toneladas anualmente por dez anos; c) Itália, um

montante anual de 4,5 milhões de toneladas nos primeiros quatro anos e de 8,5

milhões em cada um dos seis anos entre 1923-24 e 1928-29; d) Luxemburgo, se

requerido, uma quantidade equivalente ao que consumia anualmente da Alemanha

antes da guerra.

Segundo os cálculos de Keynes, em face da queda da produção anual da Alemanha

(seja em função da queda da produtividade das minas, seja pela perda de territórios

produtores, seja pela falta de investimentos adequados em sua manutenção) a produção

interna deveria cair para 100 milhões de toneladas, dos quais 40 milhões teriam de ser

transferidos para os aliados. No entanto, o seu consumo interno, descontado os territórios

perdidos e o que era gasto nas próprias minas deveria ser de 110 milhões de toneladas. Assim,

a Alemanha teria de importar, o que seria quase impossível já que a produção de vários outros

países foi afetada pela guerra, ou deixar de ser uma nação industrial.

Por outro lado, a produção de ferro, em função do tratado sofreria uma séria

descontinuidade. Quase 75% do minério de ferro produzido na Alemanha antes de 1913

vinham da Alsácia-Lorena153.

Em relação à destruição do sistema de transporte e as tarifas, muitas das cláusulas

propostas estariam de acordo com o espírito do ponto três dos Quatorze Pontos se fossem

baseadas no principio de reciprocidade. Os principais pontos do tratado, quanto a estes itens

foram:

153 Segundo Keynes,os alemães tentaram trocar o carvão pelo minério no acordo com a França já que boa parte dos fornos onde este minério era trabalhado não estava em território francês ou sob seu domínio (Alsácia-Lorena e Sarre), e , portanto, seria mais interessante economicamente continuar exportando-o para Alemanha.

78

(a) A Alemanha foi obrigada a conceder tratamento de nação mais favorecida por

cinco anos a aliados e associados.

Por cinco anos, a Alsácia Lorena poderia exportar sem tarifas o equivalente a

média do que exportava entre 1911 e 1913. Por três anos, as exportações

polonesas teriam o mesmo privilegio e as de Luxemburgo por cinco anos. Por seis

meses, a Alemanha não poderia impor taxas às importações dos aliados e

associados maiores que as mais favoráveis vigentes antes da guerra. Esta

proibição continuaria a se aplicar por mais dois anos e meio, especialmente

aquelas para as quais existia algum acordo especial antes da guerra e mais outras

como vinho, óleos vegetais e seda artificial.

Além disso, os aliados se reservavam o direito de instituir um regime tarifário

especial para a área ocupada a oeste do Rio Reno, caso fosse necessário para

salvaguardar os interesses econômicos da população destas áreas154.

(b) As cláusulas relativas a transporte por ferrovias que, de inicio, penalizavam

fortemente a Alemanha foram substancialmente modificadas na versão final se

reduzindo a decisão de que bens vindos dos aliados para a Alemanha ou cruzando

suas ferrovias deveriam receber o tratamento mais favorecido.

A cessão de material ferroviário foi bem mais pesada. Segundo o parágrafo 7 das

condições de armistício a Alemanha deveria ceder 5000 locomotivas e 150000

vagões em bom estado de conservação e todas as peças necessárias. Ademais, a

rede ferroviária no território cedido deveria estar em boas condições.

c) Os rios alemães foram internacionalizados, mesmo aqueles em que quase todo o

percurso era feito em território alemão como o Oder e o Elba. O tratado previa

instrumentos contra discriminação e interferência coma liberdade de navegação e

entregava a administração dos Rios Elba, Oder, Danúbio e Reno a comissões

internacionais cujos poderes seriam determinados por uma convenção geral dos

países aliados e associados e aprovados pela Liga das Nações. Tais comissões

foram montadas de forma a que, mesmo nos rios quase que exclusivamente

alemães, a Alemanha ficasse em minoria155. Elas ficariam responsáveis, até as

convenções serem assinadas, pela execução de trabalhos de manutenção, controle

154 Para Keynes, tratava-se de um plano arquitetado pela Igreja francesa para criar uma república independente na Renânia. 155 Vide Keynes,(1919, pagina 52).

79

e melhoramento do sistema hidroviário, o regime financeiro, a fixação e a coleta

de taxas e a regulação da navegação.

1.2.2.4 As Reparações

Além de todas as cláusulas punitivas e restritivas citadas acima que, por si só,

poderiam gerar o desmantelamento do parque industrial alemão, da divisão de trabalho inter-

européia decorrente dele e a rede de comercio e finanças construída a partir daí, houve o

problema das reparações de guerra propriamente ditas, que acabou sendo um dos mais

importantes temas de todo o período de entre - guerras.

Ele estava obviamente ligado a outro tema, que era o das dívidas inter-aliadas que, em

se tratando de países que tiveram fortes perdas materiais e humanas, certamente onerariam,

dificultariam e postergariam a sua recuperação a menos que se conseguisse que o inimigo

pagasse por elas e pela reconstrução. O que Keynes tenta provar é que este não é um caminho

possível nos termos em que foi posto o acordo.

Na visão britânica, compartilhada pelos belgas e, em larga medida pelos franceses os

seguintes itens deveriam ser cobertos: (a) prejuízos a vidas e propriedades civis causados por

atos do inimigo como ataques aéreos, guerra submarina, bombardeio por mar e minas; (b)

compensação por tratamento inapropriado a civis presos; (c) Prejuízos feitos a propriedade e

pessoa de civis na área de guerra e por atos de guerra por trás das linhas inimigas; (d)

Compensação por perda ou utilização de matérias-primas, gado, maquinaria, aparelhos

domésticos,madeira e outros por governos inimigos ou seus cidadãos em território por eles

ocupados; (e) repagamento de multas e requisições devidas pelos governos inimigos ou seus

oficiais a municipalidades ou nacionais franceses; (f) Compensação a nacionais franceses

deportados ou compelidos ao trabalho forçado; (g) Os gastos da comissão de ajuda com

alimentos e roupas para manter a população civil francesa em território ocupado pelo inimigo.

As exigências belgas específicas incluíam algo mais pela infração das leis internacionais por

conta da invasão de país neutro.

Um dos problemas é que os outros co-beligerantes, especialmente a Áustria-Hungria

que foi extinta, não tinham como pagar quaisquer indenizações referentes aos itens acima

demandados pelos romenos, sérvios e montenegrinos. Os Quatorze Pontos não davam

resposta explícita para isto, ainda que o Ponto II fale do prejuízo infringido a estes países sem

apontar a nacionalidade das tropas. Como seria um ato não razoável a França e Grã-Bretanha

arrecadarem o que pudessem da Alemanha e deixar a Itália e a Servia à mercê do que

80

conseguissem com os países remanescentes da Áustria-Hungria, o que se fez foi tentar

organizar um pool dos recursos arrecadados.

No entanto, a Alemanha não tinha condições de pagar por seus co-beligerantes.

No caso dos aliados, Keynes fez cálculos das perdas de cada um que seriam £ 1,2

bilhões para a Bélgica, £ 1,28 bilhões para a França156, £ 1,19 bilhões para o Reino Unido e £

1,09 bilhões para os outros aliados, dando um total de £ 4,7 bilhões157.

Pelo Tratado, os aliados afirmavam e a Alemanha assumia no artigo 231 do Tratado,

toda a responsabilidade pelos prejuízos e perdas infringidas por ela e seus aliados, mas, por

outro lado, os aliados reconheciam que, até por outras cláusulas do mesmo tratado, a

Alemanha não teria condições de fazer uma reparação completa de toda perda e prejuízo158.

O cálculo feito não incluía pensões e assemelhados. A sua inclusão leva a problemas

de mensuração por conta das diferenças de valores entre EUA, Império Britânico, França e

Itália. A estimativa de Keynes era de £1,4 bilhões para o Império Britânico, £2,4 bilhões para

a França, £500 milhões para a Itália e £700 milhões para os outros, dando um total de £5

bilhões a mais. Adicionando este montante as estimativas sobre outros compromissos, haveria

um total de exigíveis em torno de £9,7 bilhões.

Neste caso a Alemanha teria de pagar $480-780 milhões ao ano, algo incompatível

com sua capacidade de pagamento por ele estimada em £100 milhões ao ano. A solução

proposta por Keynes envolvia a redução dos pagamentos alemães a £ 2 bilhões, mas também

outros elementos freqüentemente esquecidos, como o cancelamento das dívidas inter-aliadas

que envolveria perdas líquidas de £2 bilhões para os EUA e £ 900 milhões para a Inglaterra e

ganhos de £700 milhões para a França e £800 milhões da Itália. Deve-se lembrar que da

contribuição britânica £570 milhões eram empréstimos para a Rússia que já podiam ser dados

como perdidos. Keynes também propunha que a Grã-Bretanha renunciasse as reparações em

beneficio da Bélgica e França e ainda um grande empréstimo de reconstrução e a

flexibilização de cláusulas relativas ao suprimento de carvão alemão a França e as minas do

Sarre.

A imposição de uma paz cartaginesa levaria à ruína a Alemanha e a Europa à crise.

Por fim, sugeria a criação, sob os auspícios da Liga das Nações de uma zona de livre

156 Keynes contestou acertadamente as avaliações de danos causados apresentadas pelos franceses e que correspondiam a cinco ou seis vezes o número real. Vide Abreu (2002) pág. 10. 157 Para estas estimativas, são utilizadas as taxas de câmbio do período pré-1914: US$ 4,86/£ e 20,40 marcos/£. 158 Pagamentos totais de £2 bilhões equivaliam grosso modo a 1,2 vezes a renda nacional alemã em 1921. O custo total da guerra como base do cálculo de reparações foi abandonado no início das negociações inter-aliadas em 1919, pois implicaria pagamentos astronômicos por parte da Alemanha.

81

comercio européia englobando em torno da Alemanha as nações que surgiram do

esfacelamento da Rússia e da Áustria-Hungria e depois nações da Europa Ocidental. A

inclusão da França e da Itália seria o antídoto mais eficaz para a recorrência do sonho alemão

da Mittel-Europa. A proposta era de “estimular e ajudar a Alemanha a assumir seu lugar na

Europa como fonte de criação e ordenação de riqueza de seus vizinhos orientais e

meridionais”159.

A proposta de Keynes, de £2 bilhões ou quase US$ 10 bilhões contrastava com a cifra

acordada em Versailles, que foi quatro vezes maior, com os US$ 20 bilhões propostos por

Melchior e Warburg (embora em valores nominais e sem juros) e com o US$ 1 bilhão pago

pela França na Guerra de 1871/73. Ele, no entanto, considerava os US$ 10 bilhões o máximo

cobrável e, mesmo assim, seria muito difícil que pudesse ser pago160.

A Alemanha transferiu 8 bilhões de marcos ouro (£400 milhões) até maio de 1921,

equivalentes a 20% da renda nacional alemã em 1921, mas muito abaixo do valor de £ 1

bilhão de pagamentos interinos estabelecidos na conferência de Versalhes161.

Em abril de 1921, negociações em Londres resultaram na fixação de reparações de 132

bilhões de marcos (£6,4 bilhões) e o imposto sobre exportações em 26% a ser recolhido por

42 anos, divididas em duas partes, sendo que o serviço da primeira (de 50 bilhões) seria

iniciado imediatamente enquanto uma definição sobre a segunda parte era adiada até que se

esclarecesse a capacidade de pagamento alemã. Mesmo assim, os pagamentos anuais fixados

correspondiam a 10% da renda nacional alemã e exigiriam, para possibilitar a transferência,

um saldo comercial equivalente a 80% das exportações em 1920-1921, enfrentando

competição direta com as exportações dos antigos inimigos. Os negociadores alemães

resistiram, mas após o ultimato dos aliados aceitaram os termos em maio de 1921. A vontade

de pagar de boa parte das forças políticas na Alemanha era débil. A polêmica pública entre

Erzberger, que admitia pagamentos por conta do armistício e da invasão não provocada da

Bélgica, e Helfferich, acabou com a saída do primeiro do governo. Por fim, Erzberger foi

assassinado em 26/08/1921. Era o símbolo do homem que desejava a paz negociada e que era

amado pelos trabalhadores e odiado pelas elites.

Pretendendo renegociar a questão das reparações, os alemães solicitaram uma

conferencia em janeiro de 1922 para a discussão de uma moratória. A Grã-Bretanha esperava

159 Keynes (1919). 160 Kindleberger (1983). 161 Ver Collect Writings, vol. XVIII, para os textos de Keynes relativos a reparações entre 1922 e 1932. Para um sumário da história das reparações ver Eichengreen (1992).

82

e trabalhava por um plano reduzido e possivelmente por um empréstimo internacional para

ajudar o marco que afundava. O novo governo francês capitaneado por Poincaré insistia na

manutenção do plano de Londres. A situação ficou ainda mais complexa após a proibição pelo

Congresso à delegação americana, criada em fevereiro de 1922 para negociar os pagamentos

das dividas de guerra e reduzir o montante de capital. Os britânicos queriam fazer uma

conferência em Genova em maio para substituir o padrão-ouro por um padrão-ouro-divisa.

Neste ínterim foi firmado o acordo de Rapallo entre União Soviética e Alemanha que foi

considerado uma violação ao Tratado de Versalhes e que supunha ou o cancelamento mútuo

de dívidas financeiras de guerra ou o reconhecimento das dívidas comerciais por parte dos

que sucederam o governo tzarista.

Em principio de abril, a comissão nomeou um comitê de banqueiros para verificar a

possibilidade de concessão de empréstimos internacionais aos alemães. Em 10 de junho o

comitê decidiu que, dado o programa de reparações, o crédito da Alemanha não era

suficientemente alto para justificar um empréstimo internacional. Em 22 de junho, Walter

Rathenau, ministro de Assuntos Exteriores da Alemanha que estava negociando com os

aliados uma solução para o problema das reparações, é assassinado. Todos estes fatos

pioraram as expectativas quanto ao valor do marco. No verão e outono de 1922 os

pagamentos em espécie alemães, especialmente carvão e postes de telegrafo cessaram. Na

medida em que a situação piorava e já que a Alemanha tinha pago apenas 75% das reparações

devidas no ano a partir de maio de 1921 e continuou pagando muito aquém dos níveis fixados

em janeiro de 1922, tropas belgas e francesas cruzaram a fronteira em janeiro de 1923 e

ocuparam o Ruhr. Os mineiros e trabalhadores do Ruhr se declararam em greve. Com

objetivo de ajudar os grevistas, o governo alemão aumenta a impressão de dinheiro. A

inflação que tinha começado a se acelerar em junho de 1922 assume níveis

hiperinflacionários. Os britânicos tentaram arbitrar entre franceses e alemães sem êxito em

maio de 1923. Em novembro o marco foi substituído por uma moeda completamente nova o

rentenmark, que foi substituído na primavera de 1924 pelo reichsmark quando o Plano Dawes

entrou em vigor.

Depois de uma negociação longa e tensa, o Plano Dawes foi aprovado e tornado

público. As reparações foram muito reduzidas através de um esquema que começava com 1

bilhão de marcos-ouro no primeiro ano e chegava a 2,5 bilhões no quinto ano, com certa

margem de até 10% para se o preço do ouro variasse.

Foi criada em Berlim uma agência para as reparações que supervisionaria as finanças

do governo alemão. O Reichbank foi reorganizado para que apoiasse a nova moeda, o

83

reichsmark, que substituía o rentenmark, com um limite obrigatório de 40% de cobertura

contra a liquidação de obrigações, três quartos em ouro e o restante em divisas.

Além disso, foi concedido um importante empréstimo de 800 milhões de reichsmark a

ser posto em diferentes mercados. Os britânicos insistiram que os banqueiros internacionais

não seriam capazes de colocar o empréstimo a menos que a França e a Bélgica se retirassem

do Vale do Ruhr, o que finalmente foi feito.

Além disso, o representante do Morgan Bank insistiu que os aplicadores franceses

deveriam subscrever uma parte do empréstimo Dawes para inspirar confiança nos aplicadores

americanos. Para que isto ocorresse foi necessária a intervenção dos primeiros ministros belga

e francês junto aos banqueiros, com fortes pressões.

O Plano Dawes não havia sido concebido para reciclar a totalidade das reparações

alemãs, como os franceses desejavam, mas como uma válvula de escape. No entanto, teve

êxito muito além das expectativas.

A “tranche” nova-iorquina, de cerca de metade do total, teve um êxito estupendo e os

pedidos de subscrição multiplicaram este total em 11 vezes e marcou uma descontinuidade na

política americana de empréstimos ao exterior. A ele se seguiu uma onda de empréstimos ao

exterior, começando com a Alemanha e as empresas industriais alemães e, daí em diante, a

Europa, América Latina e Austrália162.

De fato, entre 1925 e 1928, os empréstimos dos EUA aos tomadores alemães

superaram folgadamente os pagamentos de reparações por parte da Alemanha. De uma forma

indireta tornou-se concreta a idéia de Keynes que, de alguma forma, os EUA pagariam a

conta163. Quando o governo alemão coletou o equivalente ao pagamento das reparações, em

reichsmarks, no mercado interno de capitais e através de superávit orçamentário, elevou as

taxas de juros, o que levou as empresas. Os estados e os municípios a se afastarem do

mercado de capitais interno e buscar empréstimos no exterior, especialmente Nova York, com

o que compensaram os esforços fiscais deflacionistas do governo central e de reunir as divisas

necessárias ao pagamento das reparações.

A destinação dada a estes empréstimos foi duramente criticada pelo Presidente do

Reichsbank, Hjalmar Schacht:

162 Vide Kindleberger (1988) pág. 411. 163 Vide Schuker, Stephen, The End of French Predominance in Europe. The FinancialCrisis of 1924 and the Adaption of the Dawes Plan, University of North Carolina. Press, Chapel Hill, 1976. p.24.

84

“Throughout my service as President of the Reichsbank I continually sought to call attention to the relation between foreign loans and the Transfer Problem164....My opponents, most of them belonged to the Socialist camp, constantly urged the most generous acceptance of foreign credits, and since they conttrolled or effectivey influence the political machinery of the new Germany, they constantly succeeded in carring out their program. They were, at bottom, motivated by a desire to secure profitable employment for the masses of indutrial workers who formed the bulk of their electoral following. Since systematic increase of industrial export and agricultural production can be achieved only slowly and painfully, they reached their goal by handing out building contracts which did not and cannot in future yield an economic return. I said in a speech made at Bochum in November, 1927, that, even then, careful investigations by the Reichsbank revealed the fact that if the cities had not undertaken a series of luxury, or at least not urgently necessary, expenditures, they would, in all probability, have needed no foreign loans. Among these luxury, or not urgently necessary, expenditures I included the building by German cities of stadiums, swimming pools, parks, public squares, dinig halls, hotels, offices, planetariums, airports, theatres, museums etc., and the purchase of land.”165 166.

A retração de capitais norte-americanos já em 1928, que se voltou para a compra de

ações em seu mercado interno, levou a que o agente geral das reparações recomendasse em

seu informe habitual de junho a reconsideração dos acordos das reparações, inclusive com o

fechamento do escritório em Berlim e a devolução da autonomia fiscal do governo alemão.

Também foram abordados temas como a necessidade de fixar um montante total para as

reparações e iniciar o processo de retirada da Renânia.

Em setembro se acordou nomear outro comitê de especialistas, que se reuniu em

fevereiro de 1929. De novo as negociações foram difíceis. Schacht, por um lado, pedia a

restauração das colônias alemãs e o desmantelamento do corredor polonês167e a França, por

outro, ameaçava retirar da Alemanha seus saldos de curto-prazo. Em abril de 1930, o Plano

Young finalmente entrou em vigor.

164A discussão do problema da transferência foi uma das mais conhecidas discussões teóricas do período entre-guerras e contrapôs Bertil Ohlin e John Keynes. Vide Keynes.J. “The German Transfer Problem” (1929) in American Economic Association, Readings on the Theory of International Trade, 1947, pp161-169 e Ohlin, Bertil. “The reparation problem: a discussion” in American Economic Association, Readings on the Theory of International Trade, 1947, pp. 170-178. 165 Vide Schacht (1931), op cit, pp. 32-33. 166 É interessante notar que o período tratado por Schacht é um período de política monetária restritiva, conduzida por ele mesmo, a frente do Reichsbank, e que teve como contrapeso justamente a política de gastos públicos de várias esferas do Estado. Este ponto torna-se ainda mais revelador das fundas divisões existentes no seio da sociedade alemã no período entre guerras, quando lembramos que, poucos anos depois, o mesmo Schacht vai integrar o governo nazista que incrementa fortemente os gastos públicos. 167 Vide Schacht (1931)op cit.

85

O Plano Young se diferenciava do Plano Dawes e se caracterizava pelos seguintes

aspectos:

a) A fatura das compensações, cujo valor inicial seria de 1,650 bilhões de marcos-

ouro e subiria a 2,5 bilhões no quinto ano, correspondia em valores presentes

descontados a 37 bilhões ou 121 bilhões em 59 anos.

b) Os pagamentos anuais se dividiriam em duas partes, uma irrevogável e a outra

negociável em caso de problemas para sua transferência.

c) Foi negociado o empréstimo Young de 300 milhões de dólares, em que dois terços

das entradas seriam repartidos entre os credores alemães e o terço restante seria

pago a Alemanha.

d) Foi criada uma nova instituição para ajudar a fazer o primeiro pagamento anual em

reichsmarks, o Banco de Pagamentos Internacional (B.I.S) sediado em Basiléia na

Suíça. O pagamento alemão seria investido na Alemanha pelo B.I.S; os recursos

dos paises credores se constituiriam em depósitos bancários, entendendo-se que

seriam considerados como ativos , mas não poderiam ser gastos ou convertidos em

efetivo. A Alemanha continuou pagando juros sobre as aplicações do B.I.S. em

divisas totalmente conversíveis tanto durante a moratória Hoover, como durante o

período inativo que se seguiu, quando outros pagamentos estrangeiros foram

bloqueados. Estes recursos constituíram-se no principal ativo nas aplicações do

B.I.S. que serviu de espaço de encontro e troca de informações entre os banqueiros

centrais dois países europeus. Em junho de 1930, quando chegou o momento da

emissão do empréstimo Young, os mercados internacionais não se comportaram

em função da Grande Depressão, como tinham se comportado no Empréstimo

Dawes seis anos antes. A “tranche” nova-iorquina foi apenas coberta. O

empréstimo teve de ser emitido com desconto.

A partir da moratória Hoover de 1931, que afetava tanto reparações quanto

empréstimos inter-aliados, os pagamentos seriam interrompidos. Uma conferência em

Lausanne no verão de 1932 terminou de enterrar o assunto. Os pagamentos totais da

Alemanha entre 1918 e 1931, somando valores correntes, totalizariam 22,9 bilhões de marcos

(pouco mais de £ 1,2 bilhão), 17,3% das reparações fixadas inicialmente. No entanto, os

pagamentos de reparações, somados à exploração pela direita na Alemanha de que a derrota

86

de 1918 deveu-se à “facada nas costas”, isto é, à traição da esquerda na frente doméstica,

alimentariam a sede por novo acerto de contas em 1939.

2ª Parte – WEIMAR

2.1 A divisão na esquerda

O movimento socialista europeu foi impactado pela Guerra por pelo menos dois

fatores, a saber: 1) a divisão que ela significou no interior do movimento socialista que se

dividiu entre os que resolveram apoiar seus países em guerra, os que mantiveram uma atitude

pacifista e os que eram radicalmente contra a guerra e 2) a revolução soviética, que

obviamente foi ajudada pela Guerra e demonstrou a possibilidade de tomada do poder por

movimentos revolucionários comandados por partidos socialistas levando a que todos os

partidos e facções tivessem que ser definir em relação aquele modelo existente.

A partir daquele momento, revolucionários e reformistas tinham um modelo diante de

si que, para os primeiros, era positivo e, para os últimos, era negativo168.

A decisão soviética de formar a Terceira Internacional em 1919 forçou todos os

partidos socialistas a tomar uma posição. Lênin criou as 21 condições para fazer parte da

Terceira Internacional. Em resumo, as regras eram: expulsar os reformistas e centristas,

aceitar a disciplina que a nova internacional demandava apoiar a Republica Soviética, estar

preparado para o trabalho político ilegal e denominar-se comunista. Pode-se dizer que o

período entre 1918 e 1920 foi um dos em que o Ocidente esteve mais perto de uma situação

revolucionária global, mas os partidos criados não conseguiram fazer nenhuma na Europa.

Entre 1918 e 1921, os partidos socialistas que não aderiram a Terceira Internacional

viveram uma crise, seja por terem apoiado a guerra, seja porque a posição maximalista tinha

provado que era possível fazer a revolução.

Na Alemanha, havia dois fatores complicadores da situação:

168 Sobre esta discussão é muito ilustrativo um texto de Max Weber intitulado Conferencia sobre o Socialismo proferido diante do alto oficialato austríaco em 1918 em que ele põe as diferenças entre os dois grupos e se posiciona. Vide Weber, M. “Conferencia sobre Socialismo” in Fridman, L. C. (org), “Socialismo Émile Durkheim Max Weber”,1993, Relume-Dumará, Rio de Janeiro

87

A) Os socialistas emergiram já divididos da guerra, como só ocorreu no restante da

Europa um pouco depois.

Além do antigo Partido Social Democrata, dividido entre o Partido Social

Democrata Majoritário (MSPD), mais à direita, e o Partido Social Democrata

Independente (USPD), mais à esquerda, havia a Liga Espartacus, dominada por

Rosa Luxemburgo e Liebknecht que tinha uma perspectiva parecida ao dos

bolcheviques na Rússia e pregava a revolução.

B) Eles tinham em 1918 uma situação revolucionária em suas mãos. O Estado

Imperial estava em ruínas. Os socialistas podiam lutar por uma das duas

alternativas: uma república parlamentar ou um estado baseado em conselhos

diretamente eleitos: o novo modelo soviético de democracia direta. A Liga

Espartaquista apoiava esta última solução. O governo era exercido pelo Conselho

de Representantes do Povo, constituído por dois socialistas Ebert e Scheidemann e

dois independentes Haase e Dittmann. Estes tendiam para os espartaquistas.

.Em novembro de 1918 o MSPD, partido de fato no controle, tinha implementado

algumas das principais demandas do velho Programa de Erfurt – voto feminino, representação

proporcional, liberdade de expressão e jornada de trabalho de oito horas – e prometeu uma

assembléia constituinte, reafirmando seu compromisso com a forma parlamentar de estado.

Em 25/11/1918 o Conselho decidiu convocar uma Assembléia Nacional Constituinte e com

isto preparar terreno para uma democracia parlamentar. Entre os dias 16 e 20 de dezembro a

resolução foi confirmada pelo Congresso Geral dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados.

Poucos dias depois os espartaquistas formaram o KPD. No Natal, a Divisão de

Marinheiros do Povo se revoltou em Berlim e no Ano Novo, novos combates sangrentos

ocorreram entre comunistas e socialistas.

Em conseqüência, o USPD se dividiu e sua ala esquerda se uniu a Liga na formação

do Partido Comunista Alemão (KPD) em 1/01/1919. Pouco antes, em 19 de janeiro de 1919 o

MSPD não conseguiu maioria absoluta e fez governo de coalizão com o Partido Democrata

que fez 74 deputados que fez 2 ministros um dos quais co-responsável importante pela

elaboração da Constituição de Weimar (o outro foi Walter Rathenau, a quem nos referimos

acima). Nesta legislatura Constituinte de 1919, os junkers foram representados por quarenta e

quatro membros do Partido Nacionalista Alemão (antigo Partido Conservador). O Partido do

Povo Alemão, que continuava as tradições direitistas do Partido Nacional Liberal e era ligado

88

à grande indústria pesada fez apenas 18 membros. O Partido do Centro apresentava-se

dividido e sua ala direita participava do grupo agrário e tendia a apoiar os junkers, mas a ala

hegemônica era a moderada que compartilhou o governo com os socialistas e acabou

prevalecendo. Assim os junkers e seus aliados detinham apenas sessenta e três assentos num

total de quatrocentos e vinte e um.

Estas eleições marcaram uma clara vitória do MSPD (37,9%) sobre o USPD, que

recebeu 7,4% dos votos. Assim, quando o Comintern foi formado e os 21 pontos de Lênin

anunciados já havia na Alemanha um partido comunista compromissado com eles e um

Partido Social Democrata não apenas com uma linha claramente reformista, mas claramente

odiado por ter permitido o assassinato dos lideres comunistas Rosa Luxemburgo e Karl

Liebknecht.

Como desdobramento destes conflitos, o que restou do USPD que não tinha se unido

ao KPD se fundiu com o MSPD para restabelecer o antigo SPD. 169

2.2. As raízes do fracasso170

De qualquer forma, este avanço da esquerda e as mudanças institucionais que causou,

levaram alguns autores a considerar que uma nova Alemanha emergiu da guerra171.

O Império fora extinto e com ele os 20 príncipes. Governos parlamentares eram agora

responsáveis diante do Reichstag e Dietas estaduais, eleitas por sufrágio universal foram

estabelecidas. Mais notável e simbolicamente importante, a Camara Alta e a “three-class

franchise” da Dieta Prussiana, o centro do poder dos junkers na Alemanha foram abolidos

imediatamente.

O SPD, desde 1912 era o partido mais forte no Reichstag, mas detinha antes destas

transformações, apenas 10 em 443 acentos da Dieta Prussiana. Depois das reformas, tornou-se

também o partido mais forte na Dieta Prussiana e, em coligação com o Partido Democrático e

o Centro, formou na Prússia a contrapartida regional da assim chamada coligação de Weimar

no Reich.

169 Durante os anos vinte, o KPD foi o partido comunista com maior base eleitoral na Europa Ocidental. Embora sua força eleitoral jamais fosse utilizada para ação política apropriada já que ele oscilava entre o putschismo e a preparação para ele A Lei de Proteção da República de 1921 foi usada mais contra eles que contra a direita, conquanto ambos tenham votado contra ela. Depois de 1923, durante os anos de estabilização capitalista o KPD fez reivindicações muito parecidas com o SPD. Em 1921 após fusão com parte do USPD seus afiliados foram a meio milhão, mas baixaram para 121 mil em 1924. Vide Sasson (2000), op cit 170 Este item é fortemente inspirado em Gerschenkron (1966). 171 Vide Gerschenkron (1966).

89

Havia, então, na opinião de Gerschenkron172, duas tarefas urgentes: em primeiro lugar,

consolidar e ampliar a democracia173 e, em segundo lugar, tentar impedir que as condições do

armistício fossem tais que destruíssem a economia alemã.

A necessidade de estabilizar e consolidar a democracia demandava que fossem

tomadas medidas no sentido de quebrar o poder econômico dos junkers bem como sua

posição política de tal maneira a tornar impossível a sua manutenção como um grupo social.

Para isto, seria necessário atuar em três direções.

Em primeiro lugar, dever-se-ia substituir o exército anterior, com seus velhos generais

e alto oficialato, que eram junkers ou ligados a eles, por um exército democrático, sob o

comando de democratas174.

Em segundo lugar, dever-se-ia empreender a reforma da burocracia com a criação de

um serviço civil democrático, de tal forma que as novas leis pudessem encontrar uma

administração pronta a executá-la e não obstruí-la. Isso envolveria a demissão de todo o alto

comando burocrático prussiano, que também era estreitamente articulado com os junkers. Isto

também envolveria a demissão de muitos juízes que aplicavam as leis republicanas com

espírito anti-republicano.

Em terceiro lugar, dever-se-ia proceder a uma reforma agrária radical, que, tomando as

terras dos junkers, destruísse a base de seu poder social, político e econômico, ao mesmo

tempo em que permitisse a solução do problema agrícola alemão. Ademais, esta reforma

também estava sendo empreendida em vários outros países da Europa.

O primeiro governo revolucionário foi formado exclusivamente por representantes dos

trabalhadores. Três meses depois, o primeiro governo de Weimar foi formado ainda

encabeçado pelos socialistas. O desenvolvimento na Prússia foi paralelo.

Estes homens tinham pleno conhecimento do caráter antidemocrático do domínio

junker e sabiam o que ele tinha significado, por conta do protecionismo e de outras medidas,

no padrão de vida das classes trabalhadoras urbanas. As lutas dos trabalhadores nas ultimas

quatro décadas havia sido por alimentos mais baratos e, portanto, contra o protecionismo

agrícola. O governo certamente tinha consciência de que a preservação dos junkers não só

172 Vide Gerschenkron (1966). 173 De fato, como vimos no ensaio anterior, esta tinha sido uma das principais preocupações do SPD desde que deixou deser um partido revolucionário, adotando um caráter crescentemente eformista. 174 É importante assinalar que, antes da vitória da revolução, houve um golpe “branco” militar que só não se consolidou de vez, em função da derrota iminente que levou-os a decidir recuar. Vide Wehler, Hans-Ulrich (1985) The German Empire 1871-1918, Berg Publishers, Providence, USA, que faz uma analise detalhada das marchas e contra-marchas dos militares pouco antes do armistício de 1918.

90

prejudicaria qualquer tentativa de reversão deste quadro, mas poria sob ameaça a recém-

conquistada democracia.

Por outro lado, um ano antes, como foi visto nos parágrafos acima, não apenas a

Rússia havia feito sua reforma agrária como países com governos não-comunistas e, em

alguns casos sequer socialistas, em outros países do Leste, do Sudeste e do Centro da Europa

estavam iniciando também programas de reforma agrária.

No entanto, na Alemanha, nada ou muito pouco foi feito em quaisquer das direções

acima apontadas.

O exercito, reduzido a 100 mil homens, por determinação do Tratado foi deixado sob

responsabilidade da aristocracia junker, além de se permitir que se tornasse um estado dentro

de um estado.

A reforma do serviço civil prussiano foi apenas parcial e oscilante. Na verdade apenas

após oito anos Weimar tomou medidas enérgicas neste sentido. Os juízes reacionários

continuaram a aplicar as leis republicanas com espírito anti-republicano. Acima de tudo, os

junkers foram deixados com sua terra.

De fato, a questão da reforma agrária não fazia parte da agenda política do período não

sendo tratada nos jornais, entre os políticos ou na opinião pública, exceto por grupos radicais

e pequenos. Mesmo entre os grupos radicais não parecia ser central no bojo de suas

reivindicações.

A despeito do aparente enfraquecimento dos junkers com a perda de territórios para a

Polônia, que parecia tornar viável a reforma agrária, ela não foi possível.

Gerschenkron tenta explicar a ausência de reforma agrária a partir dos seguintes

fatores:

1. A inexistência de uma superpopulação agrária como no resto dos países do Sul e

do Leste da Europa. Os territórios de maior densidade demográfica ficavam em

áreas cedidas a Polônia. Nos distritos do Leste de baixa densidade demográfica

não havia urgência na redistribuição de terras. Em tempos de paz uma boa parte do

trabalho era feita por trabalhadores sazonais poloneses. Os camponeses do Oeste

sofriam de escassez de terras e dariam boas vindas a uma reforma agrária, mas não

no solo inferior da Massovia. Desta forma nenhum movimento espontâneo por

terras parecia fadado a surgir na Alemanha.

2. Diferentemente dos países onde a reforma agrária foi rápida e abrangente, não

havia a questão do antagonismo nacional. Nos países bálticos, os barões alemães

91

foram expropriados; na Lituânia, a aristocracia polonesa; na Iugoslávia e

Romênia, os magnatas húngaros; na Tchecoslováquia, a nobreza austríaca. Neste

ultimo país quatro príncipes austríacos detinham mais de 11% da área total da

Boemia.

3. Uma parte da explicação também deve ser buscada nas características peculiares

do SPD. Ele tinha algumas idéias dogmáticas acerca da superioridade de

empreendimentos de larga escala, sejam industriais, ou ainda agrícolas que o

faziam acreditar que a idéia de desmembrar grandes propriedades não era racional.

Por isto mesmo, nenhum plano para estatização das grandes propriedades estava

pronto. Havia discussões no sentido de adotar um approach mais realista na

agricultura, mas ainda não estava suficientemente claro que approach seria este. O

SPD continuava sendo primordialmente uma organização dos operários urbanos,

voltada para o interesse dos sindicatos cujos lideres não davam muita importância

aos problemas oriundos de fora da esfera das relações de trabalho na indústria.

Outro ponto importante é que a passagem do SPD de um partido revolucionário

para um reformista começou muito cedo. Sua existência com uma organização

reformista levou a certa aproximação entre as lideranças do mundo do trabalho e

os poderes da Monarquia Hohenzollern. Isto foi particularmente verdadeiro entre

1914 e 1918 quando a escassez de alimentos levou a uma cooperação estreita entre

os sindicatos e o partido, por um lado e com o governo, por outro. O SPD,

portanto, perdeu parte do impulso revolucionário que seria necessário para

implantação das reformas. O fato de um grande grupo ter deixado o partido

durante a guerra por não apoiar a política desenvolvida e criou o USPD acabou

por agravar a situação. Os chamados independentes, que ficavam á esquerda do

SPD só apoiaram o governo em seu inicio permanecendo na oposição a partir daí.

Assim, nos anos decisivos que se seguiram, apenas a ala direita do velho Partido

fez parte do governo. Desta forma, o caráter revisionista das políticas do governo

foi, provavelmente, maior do que teria sido se o partido tivesse permanecido junto.

4. O medo de levantes bolcheviques, como no inicio da republica, levou os social-

democratas a uma política de cooperação com o oficialato do Exercito. Esta

cooperação com grupos articulados aos junkers constituiu-se num obstáculo

político adicional a reforma agrária. Quando o Tratado de Versailles estava para

92

ser assinado, buscou-se a anuência prévia das lideranças militares. Nestas

circunstâncias, seu veto teria forças suficientes para inviabilizar a reforma agrária.

5. Outro importante motivo que pode ter sido o principal na interpretação de

Gerschenkron está associado às condições econômicas. Ao final da guerra a

agricultura alemã encontrava-se num estado de completa exaustão e

desorganização.

A área total cultivada caiu comparada à área cultivada do período imediatamente

anterior a guerra. A produtividade de grãos por acre também caiu, sendo, em 1919, 21% mais

baixa que a da média do período 1910-1914.

A agricultura alemã era altamente intensiva, e, portanto, dependente da oferta de

nitrogênio puro e de acido fosfórico, produzidos anteriormente pela indústria local que, com a

guerra reduziu a oferta a menos da metade nos anos imediatamente subseqüentes a guerra.

A escassez de mão-de-obra adequada também causou problemas. Em 1918, oitocentos

mil prisioneiros de guerra, majoritariamente russos trabalhavam nos campos alemães, mas sua

produtividade era baixa e não estavam familiarizados com técnicas modernas de produção

agrícola. Isto levou a queda da produtividade do trabalho agrícola alemão.

Outros insumos também tiveram sua produção afetada. Cerca de um milhão de cavalos

foram requisitados para a guerra. A produção de máquinas também agrícolas sofreu graves e

freqüentes descontinuidades e os reparos tornaram-se difíceis.

O resultado foi uma colheita 55% menor em 1918 do que em 1913.

A criação de animais nas pequenas e médias propriedades foi ainda mais gravemente

afetada. A política governamental era diminuir a produção de proteínas animais em favor da

produção de carboidratos. O uso de grãos para alimentação animal foi proibido. Em função

disto e das descontinuidades nas importações, em 1921 o numero de vacas tinha se reduzido a

80% do numero de 1913 e o de porcos menos de 60%. O peso dos animais e a produtividade

das vacas leiteiras também declinaram consideravelmente.

Não há duvidas de que a guerra levou a agricultura alemã a uma grave crise de

produção. Obviamente isto afetava gravemente as fontes domesticas de alimentos. Este fato

foi agravado pelo retorno do exercito do front ocidental e pela perda de províncias orientais

para a Polônia (algumas das quais foram ocupadas antes da assinatura do Tratado). Estas

províncias, com exceção da Alta Silésia, eram primordialmente produtoras de centeio, trigo e

batatas.

93

Esta perda deteriorou ainda mais a oferta interna de alimentos.

Esta escassez de alimentos fazia com que o consumo de carne tivesse se reduzido em

82% e de gorduras 88% dos níveis de pré-guerra. Os cereais, inclusive pães, foram

racionados.

Certamente esta escassez junto aos outros fatores listados acima, foi fundamental para

impedir que se fizesse a reforma agrária. Se esta reforma tivesse tomado a forma de

nacionalização das grandes propriedades ou sua repartição entre os trabalhadores agrícolas e

pequenos e médios produtores, ou um misto das duas soluções, levaria a produção de cereais,

pelo menos no curto-prazo, a uma fração do que era comercializado pelos junkers. Na medida

em que, como já visto, ainda havia convulsão social nas áreas industriais alemães, e que as

organizações encarregadas da oferta de alimentos pressionavam, no limite, camponeses e

junkers para extrair o máximo possível de alimentos, uma reforma agrária provavelmente

aumentaria o grau de revolta nas cidades e traria a fome generalizada no curto-prazo.

Por outro lado, um ponto importante a salientar é que, com a guerra, havia sido criado

um sofisticado e complexo aparato de controle de preços agrícolas e da distribuição de

alimentos. A desmontagem deste esquema no imediato pós-guerra parecia impensável e isto

significava manter a agricultura sob forte intervenção estatal desagradando camponeses e

junkers que se aliaram na defesa da restauração do livre-comércio. Esta aproximação tornava

mais difícil a possibilidade de contar com a ajuda dos camponeses na expropriação dos

junkers.

Assim, a realização da reforma agrária só teria sido viável se tivesse sido possível

importar largos montantes de grãos, mas isto não foi possível por várias razões.

Em primeiro lugar, o período entre o armistício e a discussão e assinatura do Tratado

de Versailles foi muito longo. Até a paz ser formalizada, os aliados continuaram o bloqueio à

Alemanha para prevenir qualquer recusa de aceitação das cláusulas do Tratado. O artigo

XXVI da Convenção de Armistício de 11 de novembro estipulava que os navios alemães

poderiam ser capturados durante este período, comprometendo-se os aliados, se necessário, a

fornecer as provisões necessárias.

No entanto, enquanto o bloqueio naval foi cumprido e até ampliado, o fornecimento de

provisões não o foi. Ademais, por força do armistício, a Alemanha teve de ceder um volume

expressivo de sua malha ferroviária o que levou ao colapso o sistema ferroviário alemão.

Durante boa parte dos anos de guerra o suprimento de trigo da Europa já tinha se

mostrado insuficiente, especialmente após a queda da colheita de 1917 nos EUA e do colapso

94

da Rússia. Além disso, problemas de transporte dificultavam o escoamento da produção

australiana, indiana e argentina.

Portanto, para aumentar o suprimento alemão de forma a contrabalançar os efeitos de

uma reforma agrária teria sido necessário reduzir os embarques para os aliados de trigo e

farinha de trigo. Como o provimento de aliados e áreas liberadas era considerado a tarefa

prioritária e mais urgente, dificilmente tais demandas seriam atendidas.

Nestas circunstancias, o governo alemão concentrou seus esforços em obter trigo

suficiente para cobrir o déficit mínimo e aumentar a esquálida ração diária das populações

urbanas o que se mostrou muito difícil, até porque não havia planejamento. A despeito de ter

sido criada a Agencia Americana de Ajuda e o Conselho Econômico Supremo para tratar da

questão do abastecimento da Alemanha, não havia acordo sobre a contrapartida e durante o

inverno de 1918-1919 não foi despachado nenhum carregamento de alimentos para o país. Os

aliados queriam tomar a frota mercantil alemã em contrapartida aos alimentos, mas a

quantidade que ofereciam era muito inferior a que os alemães consideravam aceitável e não se

chegou a um acordo na Conferencia de Spa no começo de março de 1919.

Quando a primavera aproximou-se a situação tornou-se desesperadora. Finalmente em

meados de março, na Conferencia de Bruxelas, a Alemanha aceitou as imposições aliadas de

entregar 3,5 milhões de toneladas de navios e recebeu em troca permissão para importar 270

mil toneladas de trigo imediatamente e 300 mil por mês, além de 70 mil toneladas de gorduras

até agosto de 1919. Os pagamentos deveriam ser em ouro. Quando o acordo estava sendo

assinado, estourou uma revolta da esquerda em Berlim. Os primeiros carregamentos só

chegaram em 25 de março e durante o período até agosto de 1919 as compras alemãs ficaram

bem abaixo do estipulado pelo Tratado, demonstrando a falta de visão dos aliados, que não

percebiam ou não se importavam com a gravidade da situação.

Em função da instabilidade causada pela questão dos suprimentos e das outras

circunstancias anteriormente assinaladas os junkers conseguiram preservar seu poder após

1918. O novo governo alemão (e o prussiano) considerou essencial garantir aos grandes

proprietários que nada se faria contra eles em termos de expropriação. Seus temores eram com

a possibilidade da perda da safra, cujo plantio e preparação do solo se dariam na própria

primavera de 1919. Também deveriam ser mantidos sobre controle os salários dos

trabalhadores agrícolas de tal maneira que não houvesse grandes aumentos salariais. Quando,

algum tempo depois, o abastecimento de alimentos se normalizou, a situação política também

havia mudado em favor dos junkers, inviabilizando qualquer reforma agrária de larga escala.

95

Por isto, a única ação concreta do governo de Weimar na área fundiária agrícola foi

continuar e acelerar as políticas de assentamento, também conhecidas como colonização

interna, que vinham do tempo de Bismarck. Estas políticas tinham visado prevenir a

“polonização” da região ao Leste do Rio Elba e fornecer mão-de-obra para os junkers já que o

tamanho dos lotes, via de regra, não permitia o sustento de uma família, tornando-se

necessário complementar a renda através do trabalho nas grandes propriedades. 175

A base legal para a política de assentamento após a Primeira Guerra Mundial foi

provida por um decreto do governo e pelo Ato de Assentamento do Reich, aprovado pela

Assembléia Constituinte em julho de 1919. Todos os partidos, até os ligados aos junkers

apoiaram esta medida176 177. Foi explicitado na Assembléia que o propósito do ato era criar

uma estrutura de propriedade mista na agricultura alemã com pequenas, médias e grandes

propriedades.

O Ato de Assentamento demonstrava que a Alemanha tinha preferido tomar um

caminho diferente do caminho de outros países europeus em que a aristocracia agrária tinha

sido liquidada com uma Revolução Agrária.

Politicamente a posição dos junkers se fortaleceu e eles começaram a organizar

pequenos exércitos de vigilantes para, no futuro, atacar a republica e defende-los de

movimentos trabalhistas. Já em setembro de 1919 eles desafiaram as tentativas do governo

prussiano de regulamentar as condições de trabalho na agricultura com uma greve de colheita.

A esta altura já estavam sendo reconstituídas as organizações de proteção dos junkers

que incorporavam camponeses e outros segmentos agrários.

Assim a partir de uma nova organização chamada Liga Agrária, criada na Pomerânia,

que gradualmente absorve similares no país inteiro se cria em junho de 1919 a Liga Agrária

Alemã. Menos de dois anos depois ela se fundiu com a União dos Agricultores para tornar-se

a Liga Agrária do Reich. Ainda que herdasse da antiga União dos Agricultores, o caráter, a

ideologia178 e a liderança junker, ela tinha sido formada a partir de formações militares ilegais

175 É interessante observar que quando Bullow, seguindo a política de Bismarck faz passar na Dieta prussiana um ato que confisca setenta mil hectares de propriedade polonesa para distribuir entre camponeses alemães, para prevenir a desnacionalização da área, os junkers, sentindo-se ameaçados em seu poder fazem de tudo para tornar letra morta esta lei. Aí, o discurso nacionalista é totalmente esquecido. Vide Gerschenkron (1966 pág. 102). 176 A coligação de Weimar tinha acordado no seu Programa de Trabalho, apresentado em fevereiro apoiar a Reforma Agrária, usando as grandes propriedades, mas enfatizando que os princípios econômicos deveriam prevalecer. 177 O USPD demandava a socialização das grandes propriedades e, de fato, de toda agricultura, com o propósito de fazer a Alemanha independente de importações, o que, paradoxal e ironicamente era o argumento autárquico das elites agrárias antes da guerra para demandar protecionismo. 178 De acordo com seu programa oficial a Liga demandava uma Alemanha organizada como um estado Cristão, Nacionalista e corporativo.

96

e chegou a congregar 5,5 milhões de membros. A envergadura dessa Liga mostra que a

Republica não conseguiu acabar com a ascendência junker sobre o campesinato e sobre os

trabalhadores agrícolas.

Por outro lado, a extrema direita, incrustada no aparelho do estado e nas forças

armadas continuava atuante. Em março de 1920, Wolfgang Kapp, radical oponente da política

de assentamento e que, durante a guerra, havia criado junto com o Almirante Tirpitz o partido

anexionista Partido da Terra-Mãe179, marchou sobre Berlim, ocupando a cidade e se

declarando chanceler do Reich. Os generais se recusaram a abrir fogo contra os rebeldes e a

Parte Oriental da Alemanha declarou-se do lado de Kapp. Apenas a desarticulação dos

golpistas e uma greve geral dos trabalhadores detiveram o final precoce da experiência

democrática.

Do ponto de vista econômico, o período subseqüente ao término da guerra também

não foi desfavorável aos junkers a despeito de algumas cláusulas do Tratado de Versailles,

como a isenção nos três anos iniciais de produtos oriundos das ex-provincias alemãs,

anexadas a Polônia e a França, a proibição de que as tarifas sobre produtos agrícolas

excedessem, pelos três anos subseqüentes, aquelas em vigor antes da eclosão da guerra e a

imposição de cláusula de nação mais favorecida unilateralmente.

Por cerca de sete anos após o termino do conflito não foram adotadas tarifas sobre

produtos agrícolas importados e foram proibidas as exportações de grãos.

Nos primeiros vinte meses após o armistício os preços internacionais dos grãos

permaneceram extremamente altos e fora do alcance do poder de compra da empobrecida

população urbana. Para sanar este problema o governo alemão estabeleceu o monopólio da

importação de grãos, mantendo e mesmo ampliando as políticas de controle que vinham da

guerra, e determinou preços menores para os produtores internos que deveriam fazer entregas

compulsórias, além de ter subsidiado os preços dos grãos para os consumidores. A luta contra

e a favor do controle governamental foi uma das principais disputas dos cinco primeiros anos

da república e tomou a forma de uma disputa entre os consumidores urbanos de baixa renda e

os produtores agrícolas, o que permitiu a reaproximação de camponeses e junkers que voltam

a atuar como porta-vozes da população agrícola. Em 1921, foi abolido o sistema de controle

governamental embora tivesse sido mantida por mais dois anos uma taxa sobre o pão e os

produtores de grãos ainda estavam obrigados a entregar determinada quantidade por unidade

de terra a preços reduzidos, sendo as fazendas menores isentas da mesma.

179 É importante salientar que o Partido da Patria-Mãe quase se instalou permanentemente durante a guerra e tinha um programa extremamente parecido com o que apresentará depois o Partido Nacional Socialista.

97

No entanto, aquela altura, estas medidas (e mesmo a restauração do livre-comércio

com o exterior) já não afetavam os junkers, pois a inflação galopante passou a beneficiá-los.

O processo hiperinflacionário os favoreceu de duas maneiras.

Em primeiro lugar, desde setembro de 1920, a curva de preços no atacado em marco-

papel tinha sido cruzada pela curva do valor de marcos-ouro em marcos-papel. Depois de

maio de 1921, este “lag” só fez aumentar e só voltou a diminuir quando no auge da aceleração

hiperinflacionária, como sempre acontece, os aumentos de preços tenderam a convergir entre

si e com a taxa de câmbio.

Em segundo lugar, além de servir como proteção contra importações, a hiperinflação

liberou a agricultura alemã do peso das dívidas. Antes da guerra, o serviço da dívida equivalia

a 40% da produção de centeio180. Em julho de 1921 já correspondia a apenas 2%, sendo

praticamente liquidada com a aceleração inflacionaria.

Ademais, em termos de preços relativos, após a abolição dos controles de preços os

produtos agrícolas tenderam a crescer mais que os industriais. No interior do setor, os preços

dos grãos cresceram mais que os de outros produtos entre 1913 e 1923.

O final do processo inflacionário, acompanhado de liberação do comércio (nunca

desde 1879 a agricultura ficou com tão pouca proteção) levou a reversão destas tendências.

Em 1924 o preço do centeio era equivalente aquele de 1913 e o da batata era 4% maior e os

do ferro, do carvão, dos fosfatos e das maquinas agrícolas, cresceram respectivamente, 38%,

33%, 25% e 41%.

Estas mudanças de preços relativos não só refletiam mudanças na evolução dos preços

internacionais, mas era o resultado de uma política que protegia a indústria altamente

cartelizada através de altas tarifas e proibição de importações, mantendo a agricultura sem

proteção.

Por outro lado, a relação entre os preços no interior da agricultura também sofria

alterações contra os preços dos grãos e a favor dos preços dos produtos animais tais como

derivados do leite, carne e gorduras. A retomada do crescimento industrial que acompanhou a

conclusão do Plano Dawes aumentou os salários e com eles a demanda por produtos de

origem animal.

Esta situação levou a reação política dos junkers. As eleições seguintes às da

Assembléia Constituinte marcaram forte crescimento dos junkers e seus aliados. O Partido

180 Vide Gerschenkron (1966) pág. 108.

98

Nacionalista Alemão saltou para cento e três cadeiras; o Partido Popular para cinqüenta e um

e o Nacional Socialista (nazista) para quatorze. Por outro lado, o Partido do Centro perdeu

25% de seus assentos e a influencia de sua ala direita cresceu consideravelmente. Sua seção

bávara tornou-se um partido independente e passou a apoiar os partidos de direita. O Partido

Social-Democrata perdeu cadeiras e deixou o governo que passou a ser formado pelo Partido

do Centro, Partido do Povo e o Partido Nacionalista Alemão. Começava a ser construída a

rota que levaria a Segunda Guerra Mundial.

99

3ª Parte: A HIPERINFLAÇÃO ALEMÃ

3.1. Introdução

Este capítulo tentará dar conta do que aconteceu com a Alemanha, em termos

econômicos, em face ao pesado ônus herdado da guerra e da Paz de Versailles.

As conseqüências políticas imediatas já foram tratadas no ensaio anterior.

As circunstâncias do armistício, a demora na consecução do acordo de paz, as

vacilações ou incapacidade do governo socialista de desmontar o antigo estado e a cúpula das

antigas forças armadas, além do caos provocado pelos sufocantes compromissos impostos

pelos aliados, levaram a que os avanços obtidos pela Constituição de Weimar passassem a

sofrer constante ataque de fora e de dentro do aparelho do estado e que, em pouco tempo, em

face da inviabilidade da reforma agrária e dos estreitos limites impostos e auto-impostos ao

governo socialista de Weimar, os junkers recuperassem seu poder na sociedade alemã.

Em termos econômicos, as reparações e as perdas territoriais foram extremamente

desarticuladoras.

Inflação e pesadas reparações contribuíram para o caos no imediato pós-guerra.

Este capítulo se dedicará à análise deste caos original buscando discutir suas causas,

uma discussão que será travada fundamentalmente no âmbito da teoria econômica, e sobre

suas conseqüências, o que demandará uma análise de seus efeitos sob a produção industrial e

agrícola, sob a distribuição de renda e sobre o nível de atividades, além de uma descrição de

como a virulência do processo acaba gerando uma série de soluções surpreendentes como as

moedas privadas. Não podemos, no entanto, nos esquecer que, por maior que tenha sido o

caos, a hiperinflação impediu o colapso previsto por Keynes, em “The Economic

Consequences of the Peace”.

Começaremos pela descrição do processo e suas conseqüências, para, a seguir, tratar

da causalidade. Para tanto o ensaio será dividido em duas partes que podem ser encaradas

como distintos capítulos ou ensaios.

100

3.2. A Hiperinflação Alemã: Aspectos Históricos

3.2.1. Introdução

A perda do poder aquisitivo do marco do tempo de guerra, substancial, mas ainda

manejável, converteu-se numa inflação incontrolável atribuída, dependendo do grupo de

autores que escolhermos, como se verá adiante, aos contínuos déficits orçamentários, aos

balanços de pagamentos deficitários e as crescentes demandas salariais.

O governo republicano ficou impossibilitado de aumentar impostos em função da

situação de tumulto social e de tentativas secessionistas e revolucionárias.

O império tinha relutado em financiar a guerra por taxação para não minar o espírito

de luta das massas. O novo governo manteve-se em caminho similar temeroso de revelar a

terrível e desesperadora situação econômica alemã e a necessidade de apertar o cinto.

Todavia, um levantamento da economia alemã naquele momento teria encontrado

poucos elementos desfavoráveis: 1) seu território não foi campo de batalha, 2) sua dívida de

guerra era interna e 3) as restrições de armamentos determinadas pelo Tratado de Versailles,

provavelmente, canalizariam energias para a reabilitação industrial.

Estas perdas - devido à separação da Alta Silésia, da Alsácia Lorena, a separação até

1935 do Sarre e a cessão das colônias – tiveram como conseqüência o incremento da

dependência em relação a alimentos e matérias-primas. Elas representavam um ônus adicional

sobre o Balanço de Pagamentos que se somou a tomada de quase toda a marinha mercante e

ao confisco de seus investimentos estrangeiros (incluindo patentes e licenças) nos países

aliados que afetavam o Balanço de Serviços negativamente. Dada a ausência de empréstimos

estrangeiros, o equacionamento do Balanço de Pagamentos parecia altamente improvável,

mesmo sem as obrigações decorrentes das reparações. Adicionalmente, as novas fronteiras

interrompiam relações econômicas estabelecidas e redes de transportes e fazia com que

reorganizações custosas fossem necessárias.

O governo central começou a reconstrução geral fazendo tentativas de promover uma

reforma nas finanças públicas em bases sólidas. Já em dezembro de 1919 a Contribuição de

Emergência do Reich demandava um “capital levy” de acima de 65% pagável em certo

número de anos. Em 1920 foram tomadas várias medidas de reforma e reorganização

tributária e que converteram a Alemanha de um estado federativo em um estado centralizado

do ponto de vista fiscal. Estas tentativas de aumentar as receitas tributárias essencialmente

101

falharam devida a oposição do Reichstag e dos mesmos grupos que a elas se opunham antes e

durante a guerra e a fraqueza intrínseca de um sistema fiscal baseado principalmente em

impostos diretos numa situação inflacionária e a própria situação inflacionária.

Os devedores tentavam adiar os pagamentos dos impostos já que os mesmos estavam

nominados em marcos-papel e/ou eram referidos a períodos anteriores em termos nominais,

em rápida valorização, e não em marcos-ouro.

O poder de compra declinante das receitas públicas contrastava com os gastos

crescentes com os serviços da dívida de guerra e pensões para os veteranos de guerra, viúvas e

órfãos. Além destas responsabilidades mais duradouras, havia outras temporárias, como as

compensações por prejuízos civis, a reconstrução das poucas áreas devastadas, e, acima de

tudo, a desmobilização das forças armadas e da indústria de guerra. A magnitude deste último

problema pode ser percebida pela constatação que, ao final da guerra havia seis milhões de

alemães nas forças armadas, fora o grande número de civis nas indústrias de armamentos. A

condução dos planos detalhados que a Alemanha tinha feito para a reconversão, como outros

beligerantes, foi ameaçada ou postergada pelos termos do armistício e pelo colapso do antigo

sistema político e da economia.

3.2.2 O Processo Inflacionário. As variações do Meio circulante, dos preços, da taxa de

câmbio e da divida flutuante

Um dos aspectos mais marcantes do processo hiperinflacionário alemão é a

divergência, até sua aceleração final encontrada por vários autores entre a expansão dos meios

de pagamentos, do nível de preços e da taxa de câmbio.

Este processo foi muito bem descrito por Bresciani-Turroni e pelos vários outros

autores que se debruçaram sobre o tema. Vamos seguir basicamente este autor na descrição

das fases do processo e apresentação das estatísticas, exceto quando outro seja explicitamente

citado.

Segundo Bresciani-Turroni, o processo inflacionário alemão poderia ser dividido em

seis fases, a saber:

a) De 1914 até o armistício

Neste período, que dificilmente, é comparável aos subseqüentes, seja pela existência

de um estado de guerra, seja porque o próprio estado alemão era outro, sua estrutura tributária

102

e de gastos, como vimos acima, distinta, a expansão da moeda em circulação excedeu em

muito a expansão de preços, a dos preços de produtos importados e a desvalorização do marco

frente ao dólar.

Enquanto a moeda em circulação aumentou 4,4 vezes entre 1913 e outubro de 1918,

ou seja, tomando-se por base 1913=100, em outubro de 1918, o número índice seria 440, a

expansão dos preços domésticos foi de 2,39 vezes, passando de 100 para 239, a dos preços no

atacado foi de 2,34 vezes, e a dos bens importados de 2,14. Ademais, o marco-ouro, expresso

em papel-moeda, em outubro de 1918 valia 1,57.

“A divida flutuante do Reich aumentou sobremaneira, elevando-se de 300 milhões de marcos em julho de 1914 a 55,2 bilhões em dezembro de 1918. Quase no final de 1918, as letras do tesouro representavam quase todo o portfólio do Reichsbank, e existiam também fora do Reichsbank, especialmente nos grandes bancos que tinham parte de seus depósitos investidos nessas letras.

O ouro em reserva do Reichsbank montava a 1,253 bilhões de marcos em 31 de julho de 1914. No final de 1918 o Reichsbank tinha 2,262 bilhões de marcos em ouro” (Bresciani-Turroni, 1989, pp.2-3).

Obviamente, analisar este período como parte do período hiperinflacionário significa

ignorar as especificidades da guerra, com seus controles cambiais, de preços e racionamento e

a coincidência de situação de todos os beligerantes que também sofreram maior ou menor

impacto inflacionário decorrente da própria situação vivida no período. O único fato relevante

no período em termos do futuro processo hiperinflacionário e que já foi apontado em capitulo

anterior, é o crescimento da dívida interna do Reich.

b) Do armistício até julho de 1919

Foi um período caracterizado, como já vimos, por intensa incerteza, seja por conta das

sucessivas tentativas à esquerda e á direita de derrubar a recém-criada República de Weimar e

a coligação em torno ao SPD e o desconhecimento dos termos em que se faria o Tratado de

Paz.

Assim, a taxa de câmbio foi, entre as variáveis que já tratamos no item “a” aquela que

apresentou a maior taxa de crescimento no período, sendo 2,3 vezes maior em julho de 1919

que em novembro de 1918, um aumento de 128,7% em apenas oito meses. Como reflexo

disto o preço dos bens importados foi o segundo em termos de índice de crescimento,

103

aumentando, no mesmo período, cerca de 65,9%, ou seja, considerando-se novembro de 1918

como igual a 100, os preços dos bens importados equivaliam a 165,98 em julho de 1919.

Por outro lado, nestes oito meses, os aumentos da oferta monetária e da dívida

flutuante foram bastante próximos, de 56,9% e 57,9% respectivamente, e os preços dos bens

produzidos internamente sofreram o menor aumento de 42,7%.

A partir deste momento, um dos fatos mais característicos do processo, que será

analisado adiante, é a diferenciação entre as variações das taxas de câmbio, o nível de preços

e a oferta monetária, que cresce bem menos que os outros.

c) De julho de 1919 a fevereiro de 1920

Aumenta neste período, em que a situação externa se deteriora, não só pelas

perspectivas de condições extremamente desfavoráveis para a Alemanha no Tratado de Paz,

como a dificuldade crescente na área de abastecimento, a disparidade entre as taxas de

crescimento do câmbio e dos bens importados e o aumento dos outros índices em análise.

Assim, enquanto o dólar e os preços dos bens importados aumentaram entre agosto de

1919 e fevereiro de 1920, 426,88% e 846,88%, respectivamente, os preços dos bens

produzidos internamente aumentaram 185,4% e a oferta de moeda e a dívida flutuante de

33,09% e 13,81%.

Alguns fatos ocorridos no período devem ser recordados para o entendimento destes

números. Entre estes fatos, deve-se lembrar que, por força dos termos do armistício a

Alemanha continuava sob bloqueio para prevenir qualquer recusa de aceitação das cláusulas

do Tratado. A Convenção de Armistício estipulava que os navios alemães poderiam ser

capturados durante este período, comprometendo-se os aliados, se necessário, a fornecer as

provisões necessárias.

A despeito de ter sido criada a Agência Americana de Ajuda e o Conselho Econômico

Supremo para tratar da questão do abastecimento da Alemanha, não havia acordo sobre a

contrapartida e durante certo período não foi despachado nenhum carregamento de alimentos

para o país.

Por isto mesmo, havia um estrito controle de preços e quantidades entre os cereais

básicos.

104

d) De fevereiro de 1920 até a aceitação do ultimato de Londres em maio de 1921

Este foi um período bastante incomum no processo hiperinflacionário alemão,

havendo queda do preço do dólar e dos bens importados e uma inflação extremamente

moderada dos preços internos.

Enquanto o dólar cai a 62,8% de seu valor no início do período, os preços dos bens

importados sofrem uma deflação ainda maior correspondendo a 37,5% do que eram. Os

preços dos bens produzidos internamente, por sua vez, aumentaram em 4,6%.

Por outro lado, tanto a oferta monetária quanto a dívida flutuante tem expansões mais

acentuadas, de 50,1% e 98,5% respectivamente. Estes números, mais uma vez, acenam para a

tênue relação existente entre a expansão corrente da oferta monetária e o processo

hiperinflacionário vivido pela Alemanha no inicio dos anos vinte.

É importante, no entanto, ressaltar, que na Alemanha, neste momento, diferentemente

da maioria dos outros países que sofreram processos da mesma natureza na Europa Central,

houve um arrefecimento temporário do processo inflacionário. Aparentemente este

arrefecimento está ligado à melhoria das condições políticas internas, com a República de

Weimar parecendo começar a se consolidar, inclusive, derrotando a tentativa de golpe de

Kapp181; ao restabelecimento de um mínimo de atividades econômicas, inclusive a reforma

fiscal e a tentativa de estabilização empreendida por Erzberger, depois da paralisia que se

seguiu ao armistício e a compra de marcos e conseqüente entrada de divisas estrangeiras que,

segundo alguns autores estaria ligada a compra de bens alemães, ou a especulação com uma

possível volta do câmbio pré-guerra182.

e) De maio de 1921 a julho de 1922

Este período vivencia uma forte aceleração do processo hiperinflacionário.

Os preços dos produtos importados e a taxa de câmbio tiveram incremento espetacular

de 809,7% e 692,2% respectivamente. Ademais o nível de preços domésticos subiu 634,6%,

ainda que o custo da alimentação, por conta da política de abastecimento a que aludimos no

ensaio passado, tenha subido menos (417,9%).

O meio circulante subiu 148,6% e a divida flutuante 74,3%. Obviamente, em termos

reais, ambos sofreram forte redução.

181 Vide Schacht (1931). 182 Vide Liga das Nações. Nurkse, R. (1946).

105

Cabe observar ainda que o aumento relativamente mais lento prejudicava os junkers

que, à época ainda não tinham recuperado todo o seu poder político prévio, e, de qualquer

modo, eram beneficiários da queda estrondosa da sua dívida por conta do mesmo processo.

É importante notar a deterioração das condições políticas, seja pelo assassinato de

Erzberger, seja pelo ultimato de Londres. Além disso, na França assumiu o governo de

Poincaré, pouco disposto a fazer concessões.

Ademais, em maio o governo alemão solicita uma moratória no pagamento das

reparações.

Pode-se observar ainda o inicio de convergência de índices que será maior nos

períodos subseqüentes.

f) De julho de 1922 a junho de 1923

Este período inicia-se um pouco depois do assassinato do chanceler Walter Rathenau e

após falharem os planos de um empréstimo internacional capitaneado por J. P. Morgan e,

também por isto, caracteriza-se por dramática aceleração do processo hiperinflacionário. A

rigor, segundo algumas definições, apenas neste momento pode-se considerar o processo

como sendo de hiperinflação.

É também o momento em que a “escassez” de moeda se torna mais presente e

aparecem, em maior número, algumas quase-moedas. Aceleram-se os reajustes gerando uma

convergência maior entre si.

Ainda assim, este é um momento em que continuam ocorrendo disparidades no

processo de reajuste de preços.

Os preços dos bens importados continuaram puxando os preços, crescendo a 22.396%

ao ano, seguidos de perto pelo dólar, que cresceu 22.201% no mesmo período.

Os preços internos cresceram 18.094% , ainda que o custo da alimentação só tivesse

subido 13.573%, repetindo a diferença do período anterior.

Da mesma forma, o meio circulante e a dívida flutuante cresceram menos como nos

períodos anteriores sendo que o primeiro teve uma expansão de 8.457% e a segunda de

7.049%. É importante assinalar que em agosto haviam sido suspensos os pagamentos das

reparações e que em novembro foi publicado o famoso Relatório Keynes/Cassel sobre as

finanças alemãs.

Em janeiro, tropas belgas e francesas invadiram o Ruhr e começou a resistência

pacífica e greve dos mineiros com apoio do governo alemão.

106

Assim, as principais características do período anterior persistiram num grau muito

mais intenso. Não apenas se generalizaram os mecanismos de indexação e a redução dos

prazos de reajuste, como a fuga do marco. Além disso, a situação política externa parecia se

deteriorar.

Um ponto importante a realçar é que é feita uma intervenção por parte do Reichsbank

em março e abril visando manter a taxa de câmbio estável e o primeiro empréstimo ouro é

emitido.

g) De junho de 1923 até a introdução do Rentenmark

Na última fase da hiperinflação alemã os preços internos no atacado aumentaram mais

rapidamente que os preços externos e que o dólar.

Todos eles, no entanto, alcançavam cifras espetaculares. Tomando-se como base o ano

de 1913, no dia 20 de novembro, quando se fixou definitivamente o dólar em 4,2 trilhões de

marcos, o índice de preços internos no atacado era de 1,374 trilhões contra 1 trilhão do dólar.

No período em questão, os preços dos bens importados cresceram 5.478.114,48% e os

preços internos cresceram 8.536.645,96 %.

O custo de vida (em termos de alimentação) cresceu, entre 31 de julho e 20 de

novembro, 5.602.564,1%. No entanto, após a estabilização continuou aumentando até um pico

em 4 de dezembro. Em 27 de dezembro o aumento total do custo de vida, ou seja,

fundamentalmente dos preços dos alimentos, tinha sido de 30.769.230,76%, sendo que a

maior parte deste aumento se deu no mês subseqüente a estabilização!

A oferta monetária e a dívida flutuante cresceram respectivamente, 2.128.440,37% e

3.439.856,37%.

Estes números demonstram a impossibilidade de continuidade deste processo. A

media desaparecia e os pagamentos de salários, por exemplo, eram muitas vezes feitos duas

vezes ao dia. Após duas novas tentativas de emissão de empréstimos ouro, uma em agosto,

sob a direção de Hilferding, então ministro das finanças do governo de coligação capitaneado

ainda pelos socialistas e outra sob Luther, também na condição de ministro das finanças, em

outubro, junto com a proposta de um sistema de salário-ouro, de uma tentativa de indexação

de impostos e de um decreto de redução de salários do serviço público civil. Finalmente em

novembro, com a introdução do rentenmark ocorre a estabilização. Neste mesmo mês Hitler é

derrotado em sua primeira tentativa de tomada violenta do poder e Hajmar Schacht assume a

presidência do Reichsbank e é constituído o Comitê de especialistas apontado pelos aliados

107

para verificar a capacidade de pagamento de reparações por parte da Alemanha (o Comitê

Dawes).

No mês de dezembro o Reichsbank recusa-se a descontar letras do tesouro além do

limite legal, o que monetaristas interpretaram como decisivo para o sucesso do Plano,

juntamente com o racionamento de credito de abril de 1924. Para os adeptos da perspectiva da

Escola de Balanço de Pagamentos Alemã, certamente o a aprovação do Relatório Dawes, o

empréstimo que ele permitiu e o fluxo de capitais americanos que iniciou foram muito mais

importantes por terem sustentado o novo marco alemão e solucionado o problema das

reparações seja por permitir empréstimos para cobri-las, seja por reduzir os seus montantes.

3.2.3. Os impactos da Hiperinflação sobre a distribuição de renda e da riqueza

Como veremos adiante, vários autores, particularmente pós-keynesianos e neo-

estruturalistas, acreditam que a inflação, ou pelo menos sua continuidade por longo período,

tem sua origem em conflitos distributivos que não encontram equacionamento por outros

meios. Muitas vezes estes conflitos distributivos começam após um processo de

redemocratização (como em vários países da América Latina nos anos oitenta em que a

redemocratização teria tragicamente coincidido com a crise da divida externa inviabilizando

qualquer forma de equacionamento possível) ou ao final de uma guerra (como na Alemanha

em que a chegada ao poder da social-democracia que ampliou extraordinariamente o grau de

organização e sindicalização dos trabalhadores183 teve de conviver com circunstancias

dramáticas associadas às condições draconianas184 impostas pelos aliados).

Geralmente, os modelos inflacionários que incorporam a questão do conflito

distributivo, em especial os pós-keynesianos, o fazem considerando o conflito salários-lucros

dentro de um modelo de determinação de preços em que este é tomado no interior da firma e

não no mercado. Os salários aparecem como um dos custos diretos de uma equação de preços

em que, para efeito de simplificação, costuma-se considerar o mark-up constante. A pressão

exercida, dependendo do poder de barganha dos trabalhadores, é um importante instrumento

de transmissão do processo inflacionário.

183 Segundo Franco (1986, p. 240) o numero de trabalhadores sindicalizados na Alemanha cresceu de 2,184 milhões em 1918 para 6,527 milhões em 1919 e 9,163 milhões em 1920. Segundo o autor, esta era uma tendência que se observava em toda Europa. 184 Vide o ensaio anterior.

108

Keynes, no entanto, acreditava que na origem mesma do processo inflacionário

alemão estaria um outro conflito distributivo, entre as chamadas classes produtivas e

trabalhadores, de um lado, e os rentistas de outro. Segundo ele, (Keynes 1922), em A Revision

of the Treaty:

“Una vez se haga frente a este asunto...la lucha será más amarga y violenta, yá que aparecerá, por sí misma, ante cada uno de los intereses contendientes, como una cuestión de vida o muerte. Se verán comprometidos los más poderosos motivos e influencias del propio interés y de la propia conservación. En el conflicto se alinearán las concepciones opuestas en torno a la finalidad y a la naturaleza de la sociedad. Un gobierno que haga un intento serio por cubrir sus obligaciones caerá del poder inevitablemente” (1922, p. 55. citado por Kindleberger 1988).

Em “A Tract on Monetary Reform”, Keynes destacou que a inflação constituía uma

luta entre os elementos ativos e trabalhadores em uma sociedade e os rentistas ou possuidores

de títulos, conflito em que os primeiros, ao final da guerra recusam-se a transferir mais que

certo percentual da renda nacional aos segundos. A restauração da paridade da moeda, como

demandada em vários países europeus após o término da guerra, significaria tornar

insuportáveis os gravames fixos sobre a dívida nacional. As alternativas que restariam seriam

o repúdio (uma violação de um contrato legal aceito durante a guerra), um imposto sobre o

capital ou a depreciação da moeda.

De fato, o imposto sobre capital foi proposto pelo governo socialista após a Primeira

Guerra Mundial em dezembro de 1919. Seu projeto legislativo previa uma taxação de ativos

reais. Uma forma de imposto sobre capital incluía a hipoteca sobre todas as propriedades

imobiliárias, outra a entrega ao Estado de um percentual de ações das empresas existentes. O

Reichstag não aceitou nenhum destas propostas nem mesmo em 1923. (J. Wiliamson, 1971,

pp. 358-360).

Keynes, que considerava o imposto sobre o capital, uma taxação mais eficiente e justa

que a depreciação da moeda, via na sua recusa, enquanto as fortunas médias perdiam a metade

de seu valor na Inglaterra, sete oitavos na França, onze doze avos na Itália e quase a totalidade

de seu valor na Alemanha, uma espécie de ilusão riqueza.

Como nota Kindleberger (1986, pp. 439), a depreciação da moeda, a despeito de

constituir um imposto sobre o capital como afirma Keynes, atingiu de forma diferenciada os

donos de riqueza imobiliária e de ações e os detentores de títulos no caso alemão.

109

Segundo ele: “La depreciación de la moneda destruye a los rentistas, pero deja intactos a los propietarios de inmuebles y de participaciones en las empresas o incluso mejora su situación gracias a la eliminación de sus obligaciones. En un libro clásico, Alexander Gerschenkron (1943) ha mostrado cómo la clase de terrateniente de los Junker sobrevivió durante la guerra, la paz, la deflación, la inflación y todo tipó de tribulaciones (hasta que tuvieron lugar los acuerdos territoriales después de la segunda guerra mundial). En las industrias del hierro y del acero, la inflación se ajustó a los intereses de los Thyssens y los Stinnes, a pesar del aumento de los salarios, a medida que saldaron sus deudas e hicieron fuertes inversiones en plantas nuevas” (Kinbleberger, 1988, p. 439).

Em termos de distribuição de renda entre rentistas e outros segmentos da população

alemã, as rendas procedentes de juros e aluguéis caiu de uma participação de 15% da renda

nacional em 1913 para menos de 3% em 1925.

É importante observar que, a partir de 1923, antes mesmo da estabilização, um

conjunto de sentenças judiciais beneficiou credores com a revalorização de seus créditos. Isto

acabou gerando uma forte pressão que desaguou na edição do decreto de 14 de fevereiro de

1924, em que o governo, já não mais de maioria social-democrata, usou os poderes

excepcionais que lhe foram conferidos para revalorizar em 15% do seu valor original em ouro

os dez tipos mais importantes de credito privado. A continuidade da insatisfação acabou

levando a nova lei de 16 de julho de 1924 em que o valor dos créditos foi majorado em boa

parte dos casos para 25% de seu valor anterior em ouro, foram estabelecidas clausulas que

valiam até para os que já tinham saldado seus débitos e taxas de juros foram outorgadas.

(Bresciani-Turroni, op cit. pp.157-8).

No que diz respeito à participação dos salários na renda nacional e a distribuição no

interior da parcela dos salários durante o período inflacionário, Holtferich (1980, p. 232)

mostra que os extremos de distribuição de renda se aproximaram em vez de se afastarem,

como resultado da inflação. Assim, a relação entre os salários de trabalhadores qualificados e

não qualificados diminuiu de 145% em 1913 para 106% em 1923. Entre os trabalhadores

qualificados mais prejudicados estavam os altos funcionários públicos que perderam 60% de

seus salários (contra 30% dos funcionários menos qualificados). Segundo Holtferich, a

parcela da classe média formada por funcionários públicos e trabalhadores qualificados foi

prejudicada vis-à-vis o proletariado e os grandes empresários, mas o segmento formado por

empresas e explorações agrícolas de tamanho médio foi o que mais se beneficiou.

110

Em termos dos salários como um todo, até meados de 1922, os salários reais dos

trabalhadores caíram, mas houve simultaneamente uma redução do desemprego que

acompanhou a desvalorização do marco.

No período seguinte houve um aumento substancial dos salários nominais que

cresceram ainda mais rapidamente que os preços no atacado e que a taxa de câmbio. Isto se

deveu, em larga medida, aos sindicatos que, preocupados com as perdas do período anterior

tentavam a aplicação de vários sistemas de indexação para prevenir-se quanto a perdas

adicionais.

No verão de 1923 generalizou-se a pratica de usar como índice de indexação o índice

de custo de vida calculado pelo Instituto de Estatística do Reich. A aceleração fez com que

mesmo este índice não protegesse o poder aquisitivo dos trabalhadores levando a sua

substituição pelo dólar do dia do recebimento do salário.

No entanto, a partir do final de agosto de 1923, a aceleração era de tal ordem que os

acordos firmados entre trabalhadores e empregador e incluíram o principio de que os salários

deveriam ser indexados aos preços esperados na semana em que os salários seriam pagos.

Eventuais erros seriam corrigidos no pagamento subseqüente.

Nenhum destes sistemas de indexação impediu a grande oscilação dos salários reais e

o aumento do desemprego na fase final do processo.185

3.2.4 O Rentenmark

A aceleração inflacionária trouxe consigo uma serie de tentativas de se criar unidades

de conta e meios de pagamento indexados, além da moeda estrangeira.

Franco (1989) e Schacht (1927), entre outros autores nos fazem uma descrição

minuciosa destas “moedas alternativas paralelas”, não se fazendo necessário aqui repeti-la.186

É importante, todavia, notar alguns aspectos deste processo.

A moeda substituta mais usada foi a divisa estrangeira (em especial, dólar

americano,franco suíço e florin holandês). No inicio, em boa parte dos casos, até que as

remarcações dos preços passaram a ter uma periodicidade praticamente diária, a moeda

estrangeira servia como unidade de conta, mas não como meio de pagamento.

185 Um estudo detalhado dos mecanismos de indexação disponíveis neste e nos outros processos hiperinflacionários europeus pode ser encontrado em Franco (1989). 186 Vide Franco (1986) pp. 264-278.

111

Depois, passou a ser adotada com todas as funções de moeda. Do total calculado de

U$ 563,9 milhões de dólares de oferta monetária em 15 de novembro de 1923

aproximadamente U$440 milhões eram divisas estrangeiras.

A partir de 1922 passam a serem criados vários tipos de moedas emitidas imprimidas

privada ou semi-oficialmente.

A primeira destas, não por acaso, para quem conhece o poder dos junkers na sociedade

alemã daquele tempo foi uma letra de câmbio denominada em libras de centeio, emitidas por

um banco privado de “rentes” centeio (Roggenrentbank) em dezembro de 1922.

No inicio de 1923, vários entes públicos- como companhias de utilidade pública,

cidades e estados passaram a emitir empréstimos denominados em mercadorias como centeio,

carvão e outras. Estas notas de empréstimo eram feitas em pequenas denominações de forma

que pudessem ser usadas como meio de pagamento.

“The value of these bonds remained stable for no other reason than the fat that holding these notes was equivalent to holding commodities with stable dollar prices often quoted in international markets. But the important was that these notes were not really convertible in the commodities. In fact the commodities served only to provide a price index to which the notes were pegged, the payments being made in depreciated marks at the current quotation of the commodity” (Franco, 1986. p. 270).

O governo, às voltas com os problemas de apoio da resistência pacifica no Ruhr e do

suporte a taxa de câmbio a partir de março, resolveu emitir seu próprio empréstimo

denominado em valor estável, qual seja o dólar. Obviamente, este empréstimo – ouro

representava um avanço sobre os empréstimos denominados em valores materiais. A

indexação ao dólar foi escolhida porque se pretendia que estas notas não só como reserva de

valor e meio de pagamento, mas como unidade de conta. No entanto, a emissão pelo governo

de denominações muito altas fez com que só fosse subscrita a metade dos U$ 50 milhões de

emissão. É importante observar que as reservas, neste momento, giravam em torno de U$ 240

milhões. Logo, uma lei subseqüente permitiu os bancos emitirem suas próprias “moedas”

contra depósitos destes títulos.

Em agosto o governo repetiu a emissão de um empréstimo – ouro, mas, desta feita

com características muito parecidas a da reforma monetária a ser implantada e com

denominações tão baixas quanto10 centavos de dólar. A emissão total foi de U$120 milhões,

seguida, pouco depois por outra do Sistema Ferroviário no valor de U$40 milhões. Assim,

pouco antes da Reforma a oferta monetária se dividia em 15 de novembro de 1923:

112

a) Oferta monetária total: U$563,9 milhões distribuídos em

b) U$41,2 milhões de moeda regular e

c) U$522,7 milhões do total de moedas estáveis que , por sua vez se dividiam em:

c.1) moedas estrangeiras U$440 milhões

c.2) moedas privadas U$14.7 milhões

c.3) notas dos empréstimos – ouro U$65.6 milhões e

c.4) notas de valor estável emitidas pelo sistema ferroviário U$2.4 milhões

Como observou Schacht, depois do empréstimo-ouro de agosto “the Reich may be

said officially to have abandoned the paper-mark”187.

A moeda alemã perdia assim suas funções, substituída pelo dólar e pelas moedas

indexadas que mantinham seu valor estável em relação ao dólar também porque coexistiam

com o marco-papel.

Era, portanto, necessário construir uma nova moeda indexada.

A primeira proposta partiu de Helfferich, foi a do roggenmark (marco-centeio

baseado em quantidade fixa de cereal).

Sobre esta proposta Gerschenkron (1943, p.112) fez a seguinte observação:

“Thus, the National Bank was to be delivered into the hands of the Junkers. In other words, after having derived immense benefits from the collapse of the mark, the Junkers also intended to make its stabilization a profitable affair. Economically, the plan was a monstruosity: the violent fluctuations in the price of the rye would have completely wrecked the stabilization of the currency. Yet it required much effort to make the agrarian acquience in a rejection of this plan”.

O governo alemão, também pretextando a volatilidade das colheitas e dos preços,

descartou a possibilidade de cereais como moeda de reserva.

Em outubro de 1923, Hilferding propôs a criação de um banco de títulos-ouro, ao qual

se dotariam 180 milhões de marcos-ouro e o poder de emitir até duas vezes este valor. Isto era

claramente insatisfatório em face dos 6 bilhões de marcos-ouro de 1914.

Hans Luther que sucedeu a Helfferich e Hilferding como ministro da Fazenda com o

apoio de Hajmar Schacht do Reichsbank “fundiu” as duas propostas e criou o Rentenbank e

os rentenmarks.

187 Schacht, (1927) p. 77.

113

A intenção era criar uma moeda de transição que substituiria o marco-papel totalmente

desacreditado até que as negociações em curso dessem conta do problema das reparações.

Como não havia ouro suficiente para ancorar esta moeda, decidiu-se empregar a terra e os

ativos produtivos da Alemanha como garantia para a nova moeda na forma de uma hipoteca

sobre esta terra no valor de 3,2 bilhões de marcos-ouro. O valor das propriedades industriais e

agropecuárias foi levantado com base num modesto imposto sobre capital estabelecido em

1913. O tomador desta hipoteca foi um novo banco central independente do governo, o

Deutsche Rentenbank. O Reichsbank deixou de emitir dinheiro e o Rentenbank pôs em

circulação 2,4 bilhões de rentenmarks, a metade nas mãos do governo e metade nas mãos do

publico em geral. Posteriormente, esta circulação se elevou até o valor total da hipoteca, ou

seja, 3,2 bilhões. Segundo Kindleberger (1986, p.443) a hipoteca, que se constituía no único

ativo do Rentenbank era uma espécie de imposto sobre o capital, que o Reichstag tinha

rechaçado repetidas vezes.

Se assim for, Keynes teve razão duplamente, seja na afirmativa de que o capital levy

seria a alternativa racional para a depreciação da moeda, seja na afirmativa de que , sem a

resolução do problema das reparações, nenhuma solução era definitiva. Como se sabe a

questão das reparações começou a ser resolvida meses depois com o Plano Dawes e o afluxo

de capitais americanos e foi definitivamente resolvida após a Grande Depressão.

3.3 As Causas do Processo. Uma Discussão Teórico-Histórica

3.3.1 Introdução

Os pós-keynesianos, como, por exemplo, Paul Davidson188, tem alertado para o fato de

que certas variáveis chaves no sistema econômico, tais como a taxa de juros e a taxa de

câmbio, não podem ser deixadas flutuando livremente, já que sua flutuação poderia provocar

rupturas189. Esta posição coincide com a posição de Keynes na Teoria Geral no que concerne

a flutuação dos salários. De fato, Keynes (1936, pág. 264) afirma que a queda dos salários e

dos preços deveria afetar aqueles empresários que estão fortemente endividados e, como

188 Vide Davidson (1991). 189 Não ignoramos o fato de que outros autores pós-keynesianos consideram que taxas de cambio flutuante não necessariamente são fontes de instabilidade como Randall Wray (1998) Understanding Modern Money: The key to Full Employment and Price Stability, Cheltenham,UK and Northampton, MA,USA: Edward Elgar.

114

resultado, ter um impacto negativo no investimento. Isto significa que uma política de salários

flexíveis é incapaz de manter o pleno-emprego.

Na mesma linha, Davidson (1991; 1996) tem defendido um regime de taxas de câmbio

fixas, mas ajustáveis. Sua proposta para a reforma do sistema monetário internacional tem

como um dos eixos de preocupação a necessidade de resolver a incapacidade dos sistemas de

pagamento tradicionais em alimentar, de forma contínua, a expansão da demanda efetiva

quando ocorrem desbalanceamentos persistentes na conta corrente entre parceiros comerciais.

A principal preocupação deste capítulo é recuperara a idéia de que a instabilidade da

taxa de câmbio, decorrente da situação econômica alemã após a guerra e das imposições do

Tratado de Versailles, é a principal razão por trás da hiperinflação alemã.

Esta explicação colide com a explicação convencional baseada em Cagan (1956) e

restabelecida por Sargent (1982).

A primeira seção será dedicada à descrição do modelo monetarista de hiperinflação.

Procuraremos demonstrar nesta seção que os próprios autores monetaristas alemães no

período tinham contribuições interessantes, negligenciadas pela literatura econômica

monetarista anglo-saxã.

A seção subseqüente descreve as críticas desenvolvidas pelos autores da Escola de

Balanço de Pagamentos Alemã. Além disso, será feita uma breve descrição dos principais

autores e colocações deste grupo no que concerne ao processo hiperinflacionário.

Por fim será mostrado que esta visão é compatível com a explicação pós-keynesiana

da hiperinflação.

3.3.2 A visão monetarista

Como se sabe, de acordo com a visão monetarista, inflação é sempre, e em qualquer

lugar, um fenômeno monetário. Essa visão surge da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) e

da Lei de Say, isto é, a afirmação de que o sistema econômico tende ao pleno emprego, pelo

menos no longo prazo. Particularmente, a inflação é o resultado do fato dos governos terem

poder de senhoriagem, isto é, eles poderem imprimir dinheiro.

O modelo monetarista simples pode ser descrito nos termos expostos a seguir190.

Assumamos que o governo somente toma dinheiro emprestado do Banco Central, que emiti

dinheiro com este propósito. Como resultado, os déficits, automaticamente, aumentam a

190 Seguimos, basicamente, a descrição de Heymann e Leijonhufvud (1995).

115

oferta monetária. Isto é conhecido como senhoriagem, o aumento no estoque real de moeda é

igual por definição aos excessos dos gastos governamentais em relação as suas receitas. Daí

tem-se:

d = ∆∆∆∆M/p (1)

Onde d é o déficit público real, ∆M é a variação no estoque nominal de moeda e p é o

nível de preços. Pode-se reescrever (1) como:

d = (∆∆∆∆M/M) (M/p) = µµµµm (2)

Onde µ é a taxa de variação do estoque nominal de moeda e m representa os balanços

reais de moeda.

Por definição a taxa de variação nos balanços reais de moeda é igual à taxa de variação

no estoque nominal de moeda menos a inflação, isto é:

∆∆∆∆m/m = µµµµ - ππππ (3)

Onde ππππ é a taxa de inflação. De (2) e (3) tem-se:

D=∆m+mπ (4)

Isto é, o déficit público é igual à variação no estoque real de moeda mais um

componente que representa a perda de valor do estoque real de moeda. De fato, a inflação age

como um imposto sobre o valor real da moeda. Esta é a razão porque o componente mππππ em

(4) é conhecido como imposto inflacionário.

O modelo monetarista assume que a coleta do imposto inflacionário segue a curva de

Laffer, isto é, inicialmente, o aumento da inflação proporciona rendimentos inflacionários

mais altos para o governo. Contudo, dado que a inflação corroe o valor do dinheiro, as

pessoas tenderiam a reduzir suas reservas em espécie. Sendo assim, com níveis de inflação

ainda mais altos, os rendimentos inflacionários tendem a cair (Heymann e Leijonhufvud,

1995, p. 19).

116

O modelo monetarista nos diz que quando o déficit público real d é mais alto que o

rendimento máximo do imposto inflacionário, mπ , então, o estoque real de moeda deve se

aumentado, isto é, ∆m deve ser positivo. Como resultado, os preços subirão de maneira

explosiva.

A explicação monetarista teria origem, de acordo com Kindleberger191, na escola de

disciplina monetária da Inglaterra do século XIX192, encabeçada inicialmente por Ricardo e

depois por Lord Overstone que culpava a negligencia do Banco da Inglaterra, que teria

emitido dinheiro em demasia, pela especulação sobre o ouro (provocando a depreciação da

libra).

No caso da Hiperinflação alemã, os monetaristas interpretam que o erro inicial teria

sido do Reichsbank ao emitir dinheiro em excesso, ou, de acordo com outras versões, do

governo ao fazer um déficit orçamentário que teve de monetizar através de empréstimos do

Reichsbank. Assim, as políticas irresponsáveis do Reichsbank, do governo, ou de ambos,

fizeram variar desfavoravelmente o Balanço de Pagamentos, o que levou à desvalorização.

Uma variação dessa análise foi desenvolvida por Bresciani-Turroni (1931) para

explicar a hiperinflação alemã. Segundo ele, na ausência de receitas fiscais, o peso da dívida

de guerra interna, o pagamento de pensões aos veteranos de guerra, viúvas e órfãos, a

reconstrução das poucas áreas devastadas e o processo de desmobilização eram muito pesados

para o governo da Republica de Weimar que financiou seus déficits através do imposto

inflacionário, gerando a hiperinflação.

Bresciani foi um membro da delegação italiana na Comissão de Reparações, que tinha

como responsabilidade inspecionar os pagamentos alemães aos países aliados.

Para ele (Bresciani-Turroni 1932, p.398):

“German experiences show us the fundamental importance in the determination of the level of internal prices and of the currency’s external value, of the quantity of money issued by the Government. It was only the continual increase in the issues of legal money which made possible the incessant rise in prices and the continual fall in the external value of the mark”.

191 Vide Kindleberger (1988). 192 De fato a origem da Teoria Quantitativa da Moeda é bem anterior. Vide Vernengo, M., Money and Inflation, in Arestis, P., & Sawyer, M., ‘A Handbook of Alternative Monetary Economics”, 2006, Edward Elgar. Segundo Vernengo, p. 472 “Jean Bodin and the authors of the Salamanca School – Martin de Azpilcueta and Tómas de Mercado more proeminently – are usually credited with formulating the first clear version of the Quantitative Theory of Money”.

117

Adicionalmente, a hiperinflação teria gerado a incrível depressão do Marco alemão, de

acordo com a hipótese da paridade do poder de compra (PPP), desenvolvida por Cassel

(1922). A hipótese absoluta da Paridade do Poder de Compra, afirma que a taxa de câmbio

nominal é a razão entre o nível doméstico de preços e o nível de preços internacional. Isto é:

E=Pd/Pf (5)

Onde E é a taxa nominal de câmbio, definida como o preço doméstico da moeda

estrangeira, P é o nível de preços e d e f se referem ao doméstico e ao internacional193,

respectivamente. Claramente, se os preços domésticos (alemães) aumentam mais que

proporcionalmente aos preços internacionais, então, ocorrerá desvalorização cambial.

No período imediatamente subseqüente ao processo hiperinflacionário, outros autores

monetaristas, de língua alemã ou não desenvolveram explicações monetaristas para a

hiperinflação alemã, buscando responder a problemas postos pela interpretação mais

ortodoxa.

Como foi notado por Merkin (1982, p. 25), entre os defensores da Teoria Quantitativa

da Moeda, havia certo grau de aceitação de que, na realidade, o aumento do nível de preços

precedeu o crescimento na quantidade de moeda.

Ademais, para alguns autores, o aumento nos custos salariais provoca inflação de

forma independente do aumento na oferta monetária. Schumpeter está entre estes autores que

argumenta que “the conviction of the practical men that wage increases drive up the price

level is not so wrong as one might believe” (Merkin, 1982, pp. 25-6)194.

Wicksell (1925, p.202) também critica a Teoria Quantitativa, em particular, a

proposição de que “the velocity of circulation of money at any given time is approximately

constant”. Além do mais, Wicksell é um dos primeiros autores a introduzir a idéia da moeda

endógena. Para ele (ibid, p. 201) “It stands to reason that a general rise in the market prices of

193 Claramente, a PPP, uma extensão da lei do preço único – que estabelece que na ausência de custos de transportes e barreiras comerciais, bens idênticos seriam vendidos a preços iguais em países diferentes – aos níveis de preços dos países como um todo. Um problema comum nos testes empíricos sobre a PPP é determinar quais índices de preços devem ser usados e, em geral, é aceito que os preços dos bens “tradables” devem ser usados. Aqui vamos desenvolver uma crítica teórica, baseada na relação entre PPP, TQM, lei de Say e a ausência de incerteza verdadeira na análise neoclássica. Como resultado, nós simplesmente assumimos que certo índice de preços domésticos e internacionais é considerado adequado pelos defensores da PPP. 194 Segundo Camara e Vernengo (2001) ‘The contributions of Schumpeter, Wicksell and Bortkiewicz stand in the category of their own. They all see velocity of circulation as a important element of hyperinflation, and they all introduce endogenous money. However, they also still believe that hyperinflation is the result of excess demand. In particular, Schumpeter and Wicksell credited excess demand to a low market rate of interest, while Bortkiewicz emphasized the acceleration of consumption caused by expectations pf further monetary expansion’.

118

both goods and services itself creates the purchase power required for meeting the higher

prices”.

Entre os monetaristas alemães destacam-se as contribuições de Ladislaus von

Bortkiewiez, Albert Hahn e Ludwig Von Mises195.

Bortkiewicz, de origem polonesa, mas educado na University of St. Petersburg em

Matemática e Física é lembrado por sua crítica às teorias de capital de Bohm-Bawerk e Marx,

como contribuinte da Teoria marxista dos valores relativos e preços, pela sua análise

ricardiana de Marx, baseada no trabalho de Dmitriev e como estatístico.

Hahn era banqueiro em Frankfurt am Main e tornou-se conhecido uma década depois

do episodio da hiperinflação por sua lúcida exposição do processo de expansão do crédito

bancário e uma análise do papel dos bancos no ciclo econômico. Participou da discussão da

reconstrução do sistema monetário alemão após a Segunda Guerra Mundial.

Von Mises trabalhou na Universidade de Viena e foi economista da Câmara de

Comércio Vienense. Criou o Instituto Austríaco de Pesquisa sobre o Ciclo Econômico em que

seu ex-aluno Friedrich von Hayek foi membro do staff Junior. Estes autores tinham um

entendimento sofisticado do papel das expectativas no processo inflacionário sendo que no

caso de Bortkiewiez, e Von Mises mais próximo de Sargent que de Cagan com sua ênfase em

comportamento a partir das expectativas de futuro e o papel desempenhado pela situação

fiscal.

Diferentemente de Sargent, todavia, eles consideravam seus insights complementares

e não substitutos da Teoria Quantitativa da Moeda.

Todos eles concordavam que havia cinco fatos estilizados a serem explicados: (1) o

declínio da velocidade da moeda durante a guerra; (2) um crescimento dos preços fenomenal,

bem maior que o da oferta monetária de meados de 1921 em diante; (3) uma depreciação

cambial mais veloz que o aumento dos preços domésticos; (4) uma “escassez de moeda”

percebida por todos e (5) um crescimento extremamente expressivo de encaixes reais na

seqüência da estabilização que terminou com o processo inflacionário.

A primeira das questões recebeu explicação que permanece inconteste.

A quebra dos mecanismos de credito, o aumento do território sob o qual a moeda alemã tinha

curso forçado e o crescimento do entesouramento ligado à ansiedade com a guerra seriam os

motivos. A explicação dos outros fenômenos a partir do estabelecimento de uma relação

funcional contínua e estável entre a demanda por encaixes reais monetários e a taxa esperada

195 Vide Camara Neto, A.F. e Vernengo, M. (2001) p. 146.

119

de inflação só veio a ser feita por Cagan (1956) em seu clássico “Monetary Dinamics of

Hyperinflation”.

No entanto, os economistas alemães supracitados já haviam apontado a existência

desta relação. Hahn, diferentemente de Von Mises e de Bortkiewicz considerava a

hiperinflação um fenômeno de equilíbrio.

Todos concordavam, ademais, que a inflação tinha sérios efeitos sobre a economia

real, seja porque erodia as funções da moeda, seja porque fazia os cálculos de investimento

difíceis e até impossíveis, deprimindo, portanto, o investimento e a produção em geral 196.

A questão das expectativas, todavia, concentrava sua atenção. Para os teóricos

monetaristas alemães, a confiança na moeda, ou mais precisamente, as expectativas de

mudanças em seu valor eram centrais para a análise da inflação.

Para Hahn,197 as expectativas de futuros movimentos dos preços têm efeito similar

sobre o desejo de reter moeda que têm as variações da taxa de juros, embora sejam efeitos

mais fortes. A confiança no valor futuro da moeda determinava a demanda por ela e, então, a

sua velocidade de circulação. Quando a demanda por moeda caia, e as pessoas começavam a

economizar em encaixes monetários, os preços, as taxas de câmbio e o multiplicador da oferta

monetária começariam a subir, junto com a velocidade.

Logo, para Hahn, a causa do crescimento na velocidade era a expectativa de uma

queda futura no valor da moeda.

A interpretação de Hahn neste ponto é muito similar a de Cagan e de Bresciani-

Turroni, já que vê no aumento da velocidade uma conseqüência do declínio drástico na

demanda por moeda, quando sua função como estoque de valor (e, depois, meio de troca)

deteriora-se crescentemente com o recrudescimento inflacionário.

A posição tomada por Bortkiewicz e Von Mises foi diferente.

Bortkiewicz não nega a importância da falta da confiança na moeda, mas acredita que

a expectativa de novas emissões de moeda exerce um impacto imediato sobre os preços

correntes.

Para Bortkiewicz (1924a, p. 266):

“I readily admit that such a rise in the velocity of money occurs in reality. In addition I believe that mistrust in the currency plays a role in this; but I envisage the chain of causation in question differently to most authors who

196 Vide Laidler, D.E.W., e StadlerG.W., (1995) Monetary Explanations of the Weimar Republic’s Hyperinflation in Contemporary German Literature: Some Neglected Contribution” mimeo. 197 Vide Laidler &Stadler (1995) op cit, p. 20.

120

have recently approached this question. For I am of the opinion that mistrust in the currency, the expectation of further issues [of money] and the consequent fall in the value of money has an immediate impact on the price level, so directly strengthening the impact of an increased money supply. That in this manner the price level rises proportionally more than the money supply now cause a shortage of money, which one attempts to overcome by changing payments practices accordingly, and thereby, in one way or another, raising the velocity of money. This process of adjustment can eventually lead to a very considerable rise in the velocity of money. According to this, the rise in the velocity of circulation of money is not the cause of the sharper depreciation of money, but a consequence of the latter, a kind of adaptation to changed circumstances. ...From a specific point in the inflation process onward, it is the exchange rate which determines the domestic value of the currency and not vice versa”

Claramente, Bortkiewicz argumenta que o incremento da oferta monetária é o

resultado e não a causa da depreciação do câmbio. Isto é o oposto da causalidade implícita na

Teoria Quantitativa da Moeda e a razão porque Bresciani classificou Botkiewicz como um

defensor da Escola de Balanço de Pagamentos Alemã. 198 Sua teoria é voltada para adiante, já

que são as expectativas de depreciação e não a depreciação passada, a variável relevante.

Todavia, como apontado por Laidler e Stadler (1995,p.22) classificar Bortkiewicz

como defensor da Escola de Balanço de Pagamentos Alemã era um equivoco porque

Bortkiewicz acreditava que as expectativas de depreciação cambial eram causadas pela

própria expansão monetária. Ademais, Bortkiewicz (1925, p.206) argumenta que:

“One need not turn the quantity theory of money on its head in order to explain the disproportional growth of money supply and inflation at a certain stage of the inflationary process. Instead, the theory needs to be re-interpreted in a way that allows for the fact that the price level is not exclusively determined by the money supply but also by the expectation of the level of further emissions. The expectations of people regarding the future development of the currency situation play a crucial role”.

A explicação de Bortkiewicz, no entender de Laidler e Stadler, antecipa o modelo de

expectativas racionais utilizado por Sargent na sua interpretação das quatro hiperinflações do

entre-guerras199.

198 Vide Camara Neto, A.F. e Vernengo, M. (2001) p. 146. 199 Vide Laidler e Stardler (1995) p. 25.

121

Assim, as interpretações de Hahn e Bortkiewicz tinham grande diferença entre si a

despeito de ambos atribuírem à falta de confiança na moeda o movimento ascendente da

velocidade da moeda e dos preços. No entanto, Hahn, como Cagan (1956), via a hiperinflação

como um processo em equilíbrio, onde os preços subiriam depois que a velocidade e, então, a

demanda agregada tivessem subido.

Já Bortkiewicz via a inflação como um fenômeno de desequilíbrio onde as

expectativas de emissões futuras têm impacto imediato sobre o nível de preços, de tal forma

que os preços que prevalecem numa dada economia num dado momento podem não ter

qualquer correspondência com a quantidade de moeda corrente. Esta também era a visão de

Mises, que, no entanto, afirmava que compradores e vendedores queriam transacionar a

preços que dependeriam das condições monetárias correntes e não das reais, o que permitiria

explicar o fenômeno da escassez de moeda no entendimento de Laidler e Stadler.

Segundo Mises:

“There is not enough money available at the moment to pay for prices that correspond to the expected future supply and demand for money. Hence trade begins to suffer from a shortage of notes: there is insufficient currency on hand for the completion of agreed transactions. The market mechanism that brings about equality between aggregate demand and aggregate supply no longer operates to create the exchange relationships that exist between money and other economic goods. One could see this clearly in the late Fall in Austria. The completion of business transactions suffered severely from a shortage of mone”. (Mises, 1923, p.7).

Como se depreende da citação acima, Mises, como Bortkiewicz considerava a

hiperinflação um fenômeno de desequilíbrio e que, em tais circunstancias aumentar a oferta

monetária adicionalmente pioraria a situação e alimentaria a inflação.

Apesar de seu approach monetarista, Mises sugeriu que a hiperinflação era a melhor

resposta disponível para o governo alemão em face das demandas politicamente inaceitáveis

por reparações:

“The German government has no alternative way of covering its reparations obligations. It would have no success if it tried to raise the sums demanded by issuing bonds or raising taxes. Given the way matters currently stand with German people, a policy of compliance could not count on the consent of the majority if its economic consequences were clearly understood and they were not deceived as to its costs. Public opinion would turn with elemental force against any government that were to try to fulfill the obligations undertaken towards the Allied Powers completely”. (Mises, 1923).

122

Da mesma forma, Bortkiewicz também apoiava o ponto de vista de Mises alertando

para o potencial de insurreição social por conta da situação econômica prevalecente na

Alemanha no imediato pós-guerra.

Wicksell, como Schumpeter e Bortkiewicz, via a velocidade de circulação da moeda

como um elemento importante da hiperinflação e creditava (como Schumpeter) a demanda

excessiva que estaria na raiz do processo inflacionário às baixas taxas de juros de mercado.

O fenômeno hiperinflacionário perdeu importância após a Grande Depressão, mas

com o renascimento do monetarismo tem-se o importante estudo de Philip Cagan (1956),

“Monetary Dinamics of Hyperinflation” baseado no postulado de uma relação funcional

estável e contínua entre a demanda por encaixes monetários reais e a taxa de inflação

esperada.

O estudo de Cagan apresenta um modelo simples de oferta e demanda por moeda em

que a quantidade de encaixes nominais é exogenamente determinada e a demanda por

encaixes reais depende do custo de oportunidade de retê-los dada a taxa esperada de inflação.

A ultima variável, por sua vez é medida pela média exponencialmente ponderada das taxas de

inflação passadas. Assim o modelo de Cagan pode ser escrito, como se segue:

mt - pt = α (EtPt+i – pt) + g

EtPt+i - Et-i Pt = β (Et-iPt – Pt).

Onde m é a oferta de moeda, p é o nível de preços e E é o operador de expectativas.

Todas as variáveis estão em logaritmos naturais. Este sistema é dinamicamente estável se αβ

< 1, uma condição que os dados apresentados pela hiperinflação alemã parecem atender.

Cagan, como monetarista, acreditava que a demanda por dinheiro sempre

permaneceria estável, em termos reais, e que o público tentaria manter aqueles saldos que

mantivessem invariável seu poder de compra a partir de suas expectativas em relação a

inflação. Estas expectativas, como já vimos, se construiriam com base na inflação passada.

Neste caso, as causas da inflação seriam os persistentes déficits públicos e a emissão de

dinheiro (Cagan 1956). No entanto, isto não consegue explicar a escassez de moeda apontada

no período que implicaria desigualdade entre a oferta e demanda de encaixes monetários em

termos reais. Ademais, alguns autores afirmaram que, em termos de expectativas racionais, as

expectativas relativas à inflação não haveriam de se formar a partir dos preços do passado,

mas dos aumentos correntes da oferta monetária. Ao contrastar os dados com este critério não

123

foi possível encontrar uma demanda estável por moeda (R.J.Jacobs 1975)200. Cagan e Kincaid

contra-argumentaram que as expectativas do público em relação às variações futuras de

preços se baseavam em seu comportamento concernente às pressões oriundas de qualquer

fonte: criação de dinheiro, déficits orçamentários, depreciação da taxa de câmbio ou das

exportações (Cagan e Kincaid, 1977)201. Ao admitir a presença destes últimos fatores

influenciando a formação futura dos preços, Cagan abandonou um enfoque puramente

monetarista.

No entanto, àquela altura, Sargent e Wallace (1973) e Sargent (1982)202 tentaram

restaurar a explicação monetarista com base no modelo de expectativas racionais.

Sargent e Wallace (1973) tentaram restaurar a explicação monetarista através do

modelo das expectativas racionais, porém, para isto, tinham que descartar um dos

pressupostos monetaristas, qual seja a existência de uma função estável de demanda por

moeda em termos reais. A racionalidade exigia que o público acreditasse que o governo, em

seu intuito de obter mais recursos reais continuaria emitindo dinheiro. À medida que os preços

subissem e o governo emitisse mais dinheiro, o público gastaria o mesmo com mais

rapidez203.

Sargent, em seu livro “The End of Four Big Inflation” estava mais preocupado em

analisar as razões da súbita e quase indolor erradicação da hiperinflação nos casos clássicos

do entre – guerras (Alemanha, Áustria, Hungria e Polônia). Para ele esta erradicação

comprova o modelo de expectativas racionais.

Segundo o autor, a condição necessária para terminar uma inflação é uma reforma

fiscal que torne desnecessário o financiamento inflacionário do governo. Examinando os

casos supra-citados, ele concluiu que não foi meramente a mudança da política monetária,

mas a coordenação das políticas monetária e fiscal que terminaram aquelas inflações.

Segundo ele, em cada um dos países citados, foi estabelecido um Banco Central independente

que tinha limites legais no montante que podia emprestar sem cobertura para o governo e

foram instituídas políticas fiscais “responsáveis”. Em todos os casos, estas medidas foram

acompanhadas por uma redução nas reparações.

200 Vide Jacobs R.L, (1975) “A difficulty with monetarist models of hyperinflation”in Economic Inquiry, vol.13, (1975), pp. 337-360. 201 Vide Cagan, p., & Kincaid G. (1977) “Jacob’s estimates of the hyperinflation model: comment”, Economic Inquiry, vol.14 (1977), pp.111-118. 202 Vide Sargent, T., & Wallace, N., “Rational expectations and dynamics of hyperinflation”, International Economic Review, vol.14 (1973), pp.328-350 e Sargent, T. (1982), “The end of four big inflations” in R.Hall (eds.) “Inflation: Causes and Effects”, Chicago, Chicago University Press. 203 Segundo Kindleberger, neste caso a inflação leva a criação do dinheiro e não o contrário.

124

O argumento de Sargent implicava que o mero compromisso com a estabilidade de

preços do Banco Central não seria crível sem a presença da reforma fiscal. Este receituário,

com ligeiras mudanças, continua sendo recomendado em quaisquer circunstancias, como no

recente episodio das altas inflações na América Latina e Europa Oriental.

3.3.3 Algumas Posições Intermediárias

Depois da quebra do Sistema de Bretton Woods, a volta das taxas de câmbio

flutuantes e a subida da inflação em escala mundial reavivaram o interesse na análise dos

processos de hiperinflação tendo sido objeto de estudos de dois economistas dinamarqueses

Karsten Laursen e Jorgen Pedersen (1964), de economistas interessados em finanças

internacionais como Jacob Frenkel (1977), de historiadores como Gerald Feldman (1977) e

Charles Maier (1975), do historiador alemão da área de história econômica, Carl-Ludwig

Holtferich (1980), além de autores que tentam resgatar a tradição da Escola do Balanço de

Pagamento Alemã associando-a a alguma das escolas de pensamento contemporâneo,

principalmente a estruturalista ou pós-keynesiana como Gerald Merkin (1986), Charles

Kindleberger (1993), Gustavo Franco (1986) e Alcino F.Camara Neto e Matias Vernengo

(2001 e 2004).

Segundo Kindleberger, alguns destes autores tentaram romper com a dicotomia

interpretativa sobre o processo hiperinflacionário entre a Escola de Balanço de Pagamentos

Alemã que aponta o problema das reparações e suas conseqüências sobre a taxa de câmbio e

os monetaristas que responsabilizam a expansão monetária.

O primeiro trabalho nesta direção teria sido feito por Ragnar Nurse a pedido da Liga

das Nações em 1946. Segundo ele, os dois fatores apontados pelas duas escolas de

pensamento econômico intervieram no processo hiperinflacionário. Nurkse aponta a grande

necessidade de recursos dos países recém-saídos da Guerra e a impossibilidade de obtê-lo via

empréstimos internacionais. Cita o caso polonês, onde se necessitava construir outra infra-

estrutura, especialmente ferroviária, para fazer dela uma estrutura unificada e só ter-se-ia

como ponto de partida as peças soltas dos remanescentes das estruturas ferroviárias dos

russos, alemães e austro-húngaros. Havia ainda a necessidade de se criar novas burocracias e

fazer a desmobilização do aparato produtivo e da mão-de-obra.

Para tudo isto, os governos tiveram de emitir, ou seja, na fase inicial a inflação era

monetarista. Os déficits do governo e as compras de títulos públicos feitas pelo Banco Central

125

foram os fatores autônomos que moveram o sistema e conduziram à depreciação das divisas

em todos os quatro casos de hiperinflação.

No entanto, esta depreciação gerou interna e externamente uma demanda especulativa

pela crença (não de todo irracional) de que as moedas, e em especial o marco voltaria a sua

paridade de antes da guerra.

Segundo Schuker,(1976, pág. 67)204 os detentores destas divisas mantiveram-na até o

pânico. Segundo Nurkse, eles mantiveram estas divisas até que a expectativa de uma futura

valorização fosse descartada e então acorreram a vender, desvalorizando adicionalmente a

moeda. A partir daí, o câmbio puxaria a inflação via impacto sobre importações.

Nas palavras de Kindleberger:

“..en el primer estadio en el que el tipo de cambio se está depreciando pero los activos del país están siendo adquiridos por extranjeros, la inflación interior evoluciona más de prisa que la depreciación, el tipo de câmbio está sobrevalorado a pesar de su depreciación, se da un excedente de importaciones financiado a través de las entradas de capital, y la explicación monetarista es válida. Cuando las expectativas se invierten radicalmente y tanto los tenedores extranjeros como los del país venden moneda de este último para adquirir divisas, y el tipo de câmbio cae más de prisa de lo que suben los precios interiores, se genera un excedente de exportaciones como resultado de que el tipo de câmbio esté infravalorado – superávit que permite la salida del país de algunos capitales-, y entonces funciona la explicación de la balanza de pagos”205.

Bernholz (1982), ainda que compartilhe com Nurkse a idéia de que ambas as

explicações são válidas para momentos distintos do processo inverte a seqüência por ele

apresentada.

“En ausencia de la especulación extranjera –una entrada de capital-, es posible que no se diera la sobrevaloración internacional postulada por Nurkse…Con tipos de câmbio flexibles, una salida inicial de capital hará que baje el valor de la moneda del país hasta que o bien se detenga esa salida de capital, por el creciente precio de las divisas, o se produzca un superávit en las exportaciones que permita su transferencia al extranjero. Los precios crecientes de los productos intercambiados con el extranjero se transmiten al nivel de precios como un todo y, si el superávit exportador se mantiene, hará crecer la

204 Schuker, S.( 1976) op cit 205 Kindleberger, C., (1988) “Historia Financeira de Europa”, Editorial Critica, Barcelona, p.428

126

oferta monetaria. En las últimas fases de la inflación con tipos de câmbio flexibles, la inflación interior adelanta y se acelera. Los precios suben, la moneda se ve sobrevalorada hasta el tipo antiguo y la balanza comercial empeora”206.

Ademais o próprio Kindleberger, embora aponte alguns dos períodos do processo

hiperinflacionário alemão como caracteristicamente monetaristas (especialmente o período

desde os princípios de 1920 até a primavera de 1921 e, de novo, na primavera de 1922),

trabalha com a hipótese de conflito distributivo na trilha de Keynes207 e se pergunta, também

com Keynes, se o governo alemão tinha outra alternativa.

3.3.4 A Escola de Balanço de Pagamentos Alemã

A única alternativa à visão monetarista foi desenvolvida pela escola da Teoria de

Inflação do Balanço de Pagamentos. Essa escola se desenvolveu na Alemanha na década de

1920, tendo como principal expoente Karl Helfferich.

Nessa visão a fonte da inflação era a depreciação do Marco, necessária para a criação

dos excedentes para pagar os débitos da guerra, e não o excesso de demanda, causado pelos

excessivos déficits governamentais, conforme argumentado pelos autores que se baseavam na

Teoria Quantitativa da Moeda. A depreciação levava a preços mais altos dos artigos

importados, dando origem à inflação. Isto é, a Escola do Balanço de Pagamentos invertia a

causalidade por trás da PPP (teoria da paridade do poder de compra).

Para entendê-la é mister entender certas características peculiares da ciência

econômica alemã no inicio do Século XX.

Em primeiro lugar, deve-se dizer que a economia era dominada pela Escola Histórica

Alemã que creditava enorme importância às especificidades históricas e institucionais dos

ambientes econômicos analisados e, portanto, encarava com seria desconfiança a idéia de leis

gerais econômicas. Assim, havia certa tendência a que o debate acadêmico se concentrasse

entre os próprios economistas alemães.

O campo monetário, especificamente, era dominado pela visão chartalista de George-

Friedrich Knapp, como estabelecida em seu “State Theory of Money” (1905).

Knapp considerava a moeda uma criação do Estado, fruto de seu poder de emissão.

206 Kindleberger, C.,(1988) op.cit p. 429. 207 Vide Keynes, J.M. (1922) A Revision of the Treaty, Harcourt Brace, New York e Keynes, J.M. (1924) A Tract on Monetary Reform, Harcourt Brace, New York.

127

Ele estava preocupado em entender a base da aceitação generalizada da moeda em

pagamento de débitos e argumentava que esta era derivada da autoridade legal do estado e não

de conseqüências sociais não intencionais do comportamento maximizador dos indivíduos,

como Menger. Como escreveu Goodhart (1998, p.408):

“There has been a continuing debate between those who argue that the use of currency was based essentially on the power of the issuing authority (Cartalists) – i.e. that currency becomes money primarily because the coins (or monetary instruments more widely) are struck with the insignia of sovereignty, and not so much because they happen to be made of gold, silver and copper, (or later of paper) – and those who argue that the value of currency depends primarily, or solely, on the intrinsic value of the backing of that currency, (Metallists)”.

A teoria monetária alemã além de sua ênfase no chartalismo e sua rejeição da Teoria

Quantitativa da Moeda208 apoiava também a doutrina das “needs of trade” ou “real-bills”, que

argumenta que o sistema bancário “which confined itself to discounting only good quality

short-term securities would thereby automatically provide only the money needed to facilitate

the current volume of trade at current prices. It would run to risk of overissue, in the sense of

an excesse of money creation capable of causing prices to increase”209.

Esta discussão foi travada no interior da Escola Bancária Britânica nos 1840’s, e ficou

conhecida como controvérsia bullionista. Posteriormente foi absorvida pelos economistas

alemães como uma espécie de defesa contra os ataques quantitativistas a teorias não-

monetárias da inflação. Um de suas conseqüências centrais é que a expansão monetária é uma

conseqüência passiva endógena do aumento de preços e, de maneira alguma, sua causa.

Assim, os economistas alemães da Escola de Balanço de Pagamentos Alemã,

herdeiros desta tradição, sustentavam que o problema nascia no Balanço de Pagamentos e

com a taxa e tipo de câmbio e, especialmente no caso alemão, com as reparações e a

necessidade, por parte de um país esgotado, de refazer seus estoques de matérias-primas

importadas, uma vez terminada a guerra.

O Balanço de Pagamentos variava desfavoravelmente, a taxa de câmbio caia até níveis

subvalorizados e provocava a subida de preços das importações. As altas de preços se

208 Segundo Altmann (1908, p.49) citado por Laidler & Stadler (1995) descrevendo o ponto de vista alemão: “Nobody today contends that an increase in the money supply has a proportional effect on prices. The concept of changes in the value of money is more and more generally accepted, a process that cannot be elucidated by the mechanical juxtaposition of money and goods, but requires the total, complicated organism of the foundation of society to be properly understood”. 209 Laidler & Stadler(1995) op.cit. p. 7.

128

espalhavam por toda a economia e isto forçava as autoridades monetárias a aumentar a oferta

monetária para evitar o desemprego. A taxa de câmbio causava o processo, a oferta monetária

completava o mesmo. As autoridades alemãs, especialmente Helfferich, eram adeptas destas

idéias e culpavam aliados, via reparações, pela inflação.

No seu livro Des Geld (Moeda), na sexta edição ele faz uma longa exposição sobre seu

ponto de vista acerca da hiperinflação. Ele argumenta que o Balanço de Pagamentos adverso

provocado pela dificuldade de obtenção de créditos externos e a necessidade de importações

de matérias-primas, somados à necessidade de pagar as reparações em espécie a Bélgica e

França, levavam à depreciação do marco. A depreciação, por seu turno, levava a uma pressão

altista sobre preços e salários210, que criava uma escassez de moeda. O Banco Central, então,

para evitar um colapso das relações econômicas era forçado a aumentar o meio circulante para

permitir as transações a preços mais altos.

Em síntese, para Helfferich:

“First came the depreciation of the German currency by the overburdening of Germany with international liabilities and by the French policy of violence. Thence followed a rise in the prices of all imported commodities. This led to a general rise in prices and wages, which in turn led to a greater demand for currency by the public and by the financial authorities of the Reich; and finally, the greater calls upon the Reichsbank from the public and the financial administration of the Reich led to an increase in the note issue. In contrast, therefore, to the widely held view, it is not inflation [of the currency] but the depreciation of the currency which is the first link in this chain of cause and effect. Inflation [of the currency] is not the cause of the rise in prices and of the depreciated currency, but the latter is the cause of the higher prices and of the greater volume in the issue of paper money”211.

Graham (1930) defendeu a visão de Helfferich no que veio a se tornar acima da edição

inglesa do livro de Bresciani-Turroni, a mais influente interpretação da hiperinflação alemã212.

Graham (1930, p.172) argumenta que “the proximate...chain of causation, up to August 1920

at least, and perhaps at other times, ran from exchange rates to prices to volume of circulating

medium rather than in the reverse direction”.

John H. Williams, James W. Angell e Karsten Laursen e Jorgen Pedersen (1964)

seguiram a mesma orientação analítica da Escola de Balanço de Pagamentos Alemã. Laursen

210 Segundo os conservadores e Schacht teria havido uma demanda “desmedida” por salários mais altos, que provocou um aumento geral de preços e da demanda de divisas. Vide Schacht (1927). 211 Helfferich,(1923, trad.1927, p.601). 212 Vide Camara & Vernengo, op cit, p. 147.

129

e Pedersen (1964) acentuam o papel desempenhado pelos salários, ao empurrar os preços e

fechar a conexão entre a depreciação da taxa de câmbio e a expansão monetária.

3.3.5 A Alternativa pós-keynesiana

Joan Robinson (1938, p.74) também percebeu que algo mais era necessário para

explicar a hiperinflação. De acordo com ela:

“neither exchange depreciation nor a budget deficit can account for inflation by itself But if the rise in money wages is brought into the story, the part which each plays can be clearly seen. ... The essence of inflation is a rapid and continuous rise in money wages. Without rising money wages, inflation cannot occur, and whatever starts a violent rise in money wages starts inflation.”

Existe uma relação inversa entre o nível real de preços e a taxa de câmbio de tal forma

que uma depreciação leva a um declínio no salário real. Como apontado por Joan Robinson

(ibid.) se não existe resistência da força de trabalho à queda dos salários, os aumentos dos

preços serão muito pequenos e inteiramente concentrados nos bens comercializáveis

(tradables). Por outro lado, se os trabalhadores resistem à queda nos salários reais, porque, por

exemplo, os bens comercializáveis (tradables) são um componente importante da cesta de

salários, então os custos domésticos irão subir, e com isto os preços.

Que o problema fundamental relativo à PPP e a Escola de Balanço de Pagamentos

Alemã está associado à causalidade pode ser inferido da longa citação de Friedman (1953, pp.

180-181), na sua discussão da relação das taxas de câmbio flexíveis e preços internos:

“The rise in prices of foreign goods will, it is argued, mean a rise in the cost of living and this, in turn, will give rise to a demand for wage increases, setting off what is typically referred to as a 'wage spiral' - a term that is impressive enough to conceal the emptiness of the argument that it generally adorns. In consequence, so the argument continues, prices of domestic goods rise as much as prices of foreign goods, relative prices remain unchanged, there are no market forces working toward the elimination of the deficit that initially caused the decline in the exchange rate, and so further declines in the exchange rate are inevitable until nonmarket forces are brought into play. (...) The argument has little relevance if the decline in exchange rates reflects an open inflationary, movement at home; the depreciation is then an obvious result of inflation rather than a cause”

130

Assim, a questão central é o que determina os preços internos. Caso se aceite a Teoria

Quantitativa da Moeda, ou alguma variação neoclássica, deve-se aceitar também, a PPP. Por

outro lado, se os preços são associados aos custos de produção, teremos uma teoria alternativa

de hiperinflação.

Vários autores pós-keynesianos desde Eichner213, tendem a seguir a análise de

determinação de preços através da aposição de um mark up aos custos diretos, desenvolvida

por Kalecki.. Para estes autores, a inflação é o resultado de um conflito distributivo em torno

da renda. Rowthorn (1977) desenvolveu uma possível formalização da visão pós-keynesiana.

Em seu modelo, a inflação aumenta os lucros ao reduzir o poder de compra dos salários dos

trabalhadores, desde que os últimos não estejam aptos a se proteger contra isto. O modelo

assume que o conflito é uma função direta da demanda efetiva, que, por sua vez, depende da

oferta exógena de moeda. Inflação determinada pela demanda e moeda exógena são ambas

características de modelos monetaristas de inflação. A principal diferença entre o modelo de

Rowthorn e a tradicional modelo monetarista é que o excesso de demanda afeta o balanço de

forças entre trabalhadores e capitalistas e só indiretamente o nível de preços. No modelo

monetarista a demanda efetiva afeta diretamente os preços. Vários autores pós-keynesianos

têm construído modelos de inflação, com base em conflito distributivo, nos quais o excesso de

demanda não é um componente relevante da explicação. Além disso, nestes modelos a oferta

de moeda é endógena. Em outras palavras, a inflação reflete apenas a inconsistência entre o

mark-up desejado pelas firmas e o salário real que os trabalhadores consideram razoável.

Obviamente, estes modelos pós-keynesianos contrastam com a interpretação

convencional de inflação neoclássica. No entanto, como muitos modelos neoclássicos, boa

parte dos modelos pós-keynesianos negligenciam as condições do Balanço de Pagamentos214.

Por isto mesmo, antes de analisar os elementos da teoria de Kalecki vamos voltar,

brevemente, a escola do Balanço de Pagamentos. Os defensores dessa teoria, no que se refere

à inflação, argumentam que a causa principal da hiperinflação alemã repousa nas reparações

impostas pelo Tratado de Versailles. Juntamente de outras medidas econômicas como a

proibição de restrições às importações francesas por três anos, livre exportação da Alsácia e

Lorena para a Alemanha por cinco anos e a completa ausência de empréstimos estrangeiros já

213 Vide Eichner, A., (1979) Megacorp and Oligopoly, Elgar, New York. 214 Vide Camara e Vernengo (2004) p. 173.

131

vistas no ensaio 3, as reparações implicaram que o desequilíbrio no BP só poderia ser

solucionado por desvalorizações continuas do Marco (Bresciani-Turroni, 1931).

A desvalorização implicava que as exportações fossem mais custosas e que os preços

domésticos crescessem rapidamente, e, portanto, devido a considerável força que os

sindicatos de trabalhadores possuíam durante a Republica de Weimar, surgissem pressões por

aumentos de salários. Por outro lado, os aumentos salariais significariam perda na

competitividade e, como resultado, geravam a necessidade de depreciações ainda maiores do

Marco. Ademais, salários e preços maiores no mercado interno implicavam que os gastos do

governo fossem também maiores, de forma que a depreciação da moeda era a causa, e não a

conseqüência do déficit governamental.

A teoria do Balanço de Pagamentos Alemã de inflação nos permite ver duas

características importantes do processo de determinação cambial. A desvalorização do Marco

estava relacionada ao balanço de pagamentos, em particular, nos problemas na conta de

capital, i.e. o pagamento das reparações, que implicaram a necessidade de excedentes

comerciais215. Além disso, mudanças na competitividade, nesse caso, relacionadas a

mudanças nos salários nominais, implicaram na necessidade de desvalorizações adicionais da

moeda. Então, é preciso deixar claro que a determinação da taxa de câmbio está relacionada

ao equilíbrio no Balanço de Pagamento e à formação dos preços domésticos.

O BP é dado pela conta corrente, definida, neste contexto, por simplicidade, como

exportações menos importações, sem transferências nem serviços de fatores; pela conta de

capital, definida como o balanço de portfólio líquido, ou entradas de capital de curto prazo

menos saídas de capital de curto prazo e investimento estrangeiro direto liquido ou capital de

longo prazo,ou , dito de outro forma, entradas de capital de longo prazo menos saídas de

capital de longo e transações com as reservas oficiais. Isto é mostrado na seguinte equação:

∆R=CA+KA (6)

Onde, ∆R é a variação das reservas internacionais em poder da autoridade monetária,

CA é a conta corrente e KA a conta de capital. Se o país não tem reservas internacionais e

enfrenta um problema de transferências, isto é, ter que pagar reparações em moeda

internacional, a única maneira de obtê-la é gerar superávits em conta corrente.

215 Análogo à crise de débitos da América Latina nos anos 1980.

132

No modelo pós-keynesiano os preços do mercado interno são determinados por uma

equação de precificação de mark up, tal como:

Pd=(1+π)[(w/λ)+ePta] (7)

Onde, π é o mark up, que, por simplicidade, será considerado constante, w é taxa de

salário nominal, λ é a produtividade do trabalho e a é a quantidade de bens importados

necessária para a produção interna.

A interação entre as equações (6) e (7) nos permite descrever brevemente o processo

hiperinflacionário numa perspectiva Pós-keynesiana. Se excedentes em CA são necessários, a

forma mais fácil para obtê-los é através de desvalorização cambial. Contudo, ocorreria um

impacto inflacionário devido aos bens importados utilizados na produção doméstica. Além

disso, o aumento dos preços domésticos levaria a uma redução do salário real doméstico.

Numa situação de redemocratização, com o partido social democrata no poder e

sindicatos fortes, como no caso da Republica de Weimar, existia um grande incentivo para

que os trabalhadores demandassem salários nominais maiores. Caso eles consigam um

aumento, o resultado será uma erosão da competitividade e a necessidade de desvalorizações

adicionais para a obtenção de moeda estrangeira e pagamento das reparações. Então, uma

espiral salários – taxa de câmbio ganha força e acaba desembocando numa hiperinflação. Isto

está de acordo com os dados apresentadas no item 3.2., que mostram que os aumentos de

preços seguiam atrás da taxa de câmbio no caso alemão. Bresciani-Turroni,( 1931). Além

disso, o modelo explica porque uma taxa fixa de câmbio era uma precondição para a

estabilização e porque as entradas de moeda estrangeira foram essenciais para que a

Alemanha mantivesse a paridade fixa. Isso ocorreu através de entradas de moeda estrangeiras

obtidas através do Plano Dawes que viabilizou a ocorrência do “miracle of Rentenmark”

(Franco, 1986).

3.4 Conclusão: Hiperinflação e o Estado

As visões monetaristas e pós-keynesianos fornecem interpretações mutuamente

excludentes do papel do Estado no processo de hiperinflação.

133

De acordo com a visão monetarista, o Estado é o único responsável pela catástrofe.

Somente uma reforma fiscal dotada de credibilidade poderia eliminar as necessidades de

financiar o déficit publico através do imposto inflacionário (Sargent, 1982).

Por outro lado, os pós-keynesianos mostram que o Estado é uma vítima da crise do

Balanço de Pagamentos. Essa crise externa, juntamente com a indexação dos salários, isto é,

um mecanismo de propagação, explica porque preços tendem a explodir. Além disso, depois

de certo período, a instabilidade de preços gera expectativas de acréscimos adicionais e a

decisão de precificação ganha autonomia. As expectativas de inflação comandam o processo e

o “feedback” gera uma profecia auto-realizável.

O governo possui alguns instrumentos para estabilizar essa situação inerentemente

instável, mas a eficiência de tais métodos é limitada. Particularmente, o Estado deve ser capaz

de atrair capitais, de forma a eliminar o problema do Balanço de Pagamentos. Além disso, ele

também deve estar apto a promover a desindexação da economia, eliminando a memória

inflacionária e estabilizando as expectativas inflacionárias.

A capacidade do governo de empreender este tipo de política é limitada pela

disponibilidade ou não dos mercados internacionais de prover os financiamentos externos

necessários. Isto, por sua vez, depende da atratividade do mercado interno. Uma outra forma

de atrair capital estrangeiro é aumentar as taxas de juros domésticas. Isto trará capital

especulativo em busca de taxas de retorno mais altas.

A conseqüência não intencional de tal política é o crescimento do déficit fiscal, já que

o peso do serviço do déficit público aumenta com as taxas de juros maiores. Assim, ao

contrário do que muitas vezes é diagnosticado, a crise fiscal do Estado é o resultado e não a

causa das crises de hiperinflação. Além disso, a capacidade do Estado solucionar as crises

depende da existência de estrutura política que seja capaz de atrair capitais, o que, em geral,

tende a ser favorável aos interesses financeiros.

No caso da hiperinflação alemã, a capacidade do Estado de atrair capitais era muito

prejudicada pelas incertezas associadas à mudança no regime político. A República

Democrática de Weimar tinha recentemente ocupado o lugar do tradicional e autoritário Reich

e não parecia consolidada como vimos anteriormente. Tanto a direita alemã, quanto a

esquerda tentaram derrubar a nova república. Weimar foi incapaz de quebrar a espinha dorsal

da direita representada pelos junkers e seus aliados. Ademais, as condições herdadas de

Versailles eram realmente massacrantes. Tanto era assim que até os teóricos alemães que

acreditavam que o mecanismo de criação e transmissão do processo inflacionário era a

expansão monetária, concordavam que o governo alemão não tinha outra saída.

134

Como resultado, o Estado era incapaz de, por assim dizer, estabilizar uma economia

instável.

135

RESULTADOS OBTIDOS

A análise desenvolvida ao longo destes ensaios permitiu a construção de alguns

resultados.

Cremos que foi possível observar que:

1. O tempo histórico é uma ferramenta importante para a análise keynesiana e a

distingue. Enquanto vários autores de outras matizes heterodoxas trabalham o

tempo histórico apenas no sentido dos condicionantes de variadas naturezas

oriundos do passado, esquecendo-se da presença da consciência da incerteza face

ao futuro na ação humana concreta nos vários espaços sociais, as várias matizes

ortodoxas , quando muito, incorporam a ultima dimensão a sua análise quase

sempre estritamente econômica. A acumulação, nos muitos sentidos da palavra, é

de difícil incorporação na teorização ortodoxa. Keynes e os pós-keynesianos têm a

percepção da complexidade teórica criada pela presença do tempo histórico

irrevogável no passado e incerto no futuro.

2. Esta percepção leva a necessidade, por um lado, da construção de hipótese sobre o

processo de construção de expectativas em relação ao futuro e, por outro, um

esforço interpretativo sobre o passado relevante, ou seja, uma teoria da história.

3. Keynes se utiliza de vários empréstimos metodológicos e teóricos, especialmente

(mas não somente) aos institucionalistas americanos, para a construção de sua

visão de História que não se encontra plenamente desenvolvida, mas esboçada em

seus escritos

4. Esta visão de História incorpora elementos econômicos, sociais e psicológicos e

divide a História em várias Eras.

5. As características institucionais presentes em cada Era são de fundamental

importância para defini-la. Entre estas instituições de fundamental importância

estão os Estados e o aparato institucional que regula o conjunto de relações entre

eles a cada etapa.

136

6. A percepção do Estado por Keynes, longe de ser simplesmente ingênua, é realista

(nas duas acepções do termo) e se baseia na sua visão não atomística da vida

social desenvolvida ainda no seu “Treatise on Probability”

7. A análise concreta de Keynes, em vários dos seus escritos, aponta a peculiaridade

e o artificialismo vivido pela Europa na ultima metade do Século XIX e inÍcio do

Século XX, bem como a importância da Alemanha nos arranjos econômicos e

políticos do período

8. A análise concreta da construção do Estado Alemão, a partir do Estado Prussiano,

mostra o papel fundamental do estado para a construção da economia capitalista

alemã.

9. Dentro deste papel, destaca-se sua função de criar as convenções e instituições que

permitiram o chamado “cálculo capitalista”

10. O Estado e a Economia Alemães, a despeito de cumprirem um papel decisivo na

ordem econômica e política européia, viviam as contradições de uma

industrialização retardatária que os levavam a uma estratégia expansionista e

militarista tal como posto por Gerschenkron no seu tratamento do papel dos

junkers na sociedade, na economia e na determinação da política econômica alemã

no período.

11. Como desafiante hegemônico o Estado Imperial Alemão foi derrotado e

substituído por um processo revolucionário truncado que se ressentia das divisões

e vacilações da esquerda alemã e, principalmente, do peso da derrota que acabou

lhe cabendo.

12. Estes dois obstáculos inviabilizaram a finalização da construção de um novo

Estado e lançaram a economia alemã numa crise profunda.

13. Os instrumentos de poder ainda disponíveis pelo antigo Estado Imperial Alemão e

sua burocracia, encastelada no Reichsbank, definiram uma trajetória de resistência

“pacifica” a destruição que parte dos aliados almejava perpetrar. Esta resistência

se traduziu na anuência e justificativa do processo hiperinflacionario em curso,

fruto, em ultima instancia, do peso da restrição externa e da incapacidade do novo

Estado Alemão de desenhar uma estratégia de escape alternativa.

14. A história econômica alemã neste período reafirma a capacidade dos instrumentos

de análise de Keynes e pós-keynesianos.

137

A GUISA DE CONCLUSÃO

Esta tese constituiu-se de três ensaios interligados.

O Primeiro Ensaio tratou das visões sobre o Estado e sobre a História presentes nos

trabalhos de Keynes e de seus sucessores pós-keynesianos.

Trata-se, em primeiro lugar, de abandonar a idéia tão em voga nos anos oitenta e

noventa de que Keynes tinha uma visão meramente Benthamista do Estado.

De fato, há em seus escritos uma clara percepção de que, no interior do Estado,

competem visões concorrentes (na sua visão, baseadas em idéias concorrentes mais do que em

interesses divergentes) sobre as políticas econômicas e as estratégias a serem perseguidas.

Para ele, os interesses de classe divergentes eram conseqüências de estratégias e políticas

equivocadas e da manutenção de privilégios inaceitáveis e não fatos incontornáveis.

A socialização do investimento a partir da eutanásia do rentista permitiria ao Estado

manter políticas que guardariam o nível de atividades sempre próximo ao pleno-emprego.

Ademais o abandono do “resquício feudal” da herança teria efeito benéfico, tanto a nível

microeconômico (sobre o “animal spirit” dos empreendedores), quanto a nível

macroeconômico (sobre a distribuição de renda). Por sinal, a busca permanente de uma

espécie de semi-boom tenderia a melhorar a distribuição de renda e riqueza tornando mais

justificável e palatável a concentração necessária à acumulação de capitais. A racionalidade

destas políticas as justificariam diante de suas alternativas.

Se considerarmos que estas políticas promoveriam o bem-estar e melhorariam a

posição relativa dos Estados que as adotassem no contexto internacional, vemos a

proximidade desta visão com a visão realista do Estado. Esta “ponte”, enunciada no primeiro

ensaio, deve ser objeto de trabalho adicional, já que, na escola realista ela é uma interpretação

do comportamento do Estado e em Keynes, na maioria das vezes, é uma política de longo-

prazo que permitiria a construção da sua utopia.

A visão de História em Keynes é mais perceptível. Baseia-se na existência de Eras

Históricas sucessivas com características próprias.

A Primeira Era reuniria todos os “modos de produção” que antecederam o

Capitalismo, qual sejam os modos de produção tribal, escravista, feudal e asiático em que o

138

problema econômico de resolver as necessidades básicas da população se faria a partir do

ajuste da demanda às condições de oferta vigentes.

A primeira Era teria continuado além do século XVII na Ásia. As condições de oferta

vigentes quase não variariam ou se o fizessem seria a taxas inapropriadas para o ajuste à

demanda, que sequer existiria no sentido de gostos e preferências individuais como pensado

após o aparecimento do capitalismo. Assim,a expansão da população e a subseqüente

expansão da demanda básica que ela traz , seria resolvida pela fome, pela pilhagem ou pela

expansão territorial via colonização.

As segunda e terceira Eras corresponderiam, grosso modo, ao período de existência

histórica do capitalismo, e seriam governadas pela acumulação. A acumulação, ao

revolucionar as estruturas produtivas periodicamente, num ritmo ditado pelas expectativas

concernentes às condições de demanda, traria certo grau de instabilidade maior ou menor,

dependendo do arcabouço institucional em que se moveria e das condições de demanda.

A segunda Era, como já observado anteriormente, continuaria a ser no entender de

Keynes, uma época de relativa estabilidade. A terceira Era seria caracterizada por um grau de

instabilidade bem maior. Este maior grau de instabilidade estaria associado primordialmente

a algumas mudanças estruturais ocorridas no capitalismo. Entre elas destacam-se: (1) a

separação da propriedade do controle na empresa capitalista, que tiraria de cena a “heróica”

classe empreendedora para quem o investimento de longo-prazo era quase um meio de vida,

mas do que objeto de um cálculo estrito de custo-benefício; (2) a mudança no caráter da

classe rentista, decorrente inicialmente do processo inflacionário surgido com a guerra, que

inviabiliza a figura do rentista vitoriano que via sua aplicação como um ‘investimento’ de

longo-prazo com o qual se sentia compromissado. Este novo rentista tende a ser extremante

especulativo e instável, o que levaria Keynes a comparar o sistema financeiro desta época

com um cassino e (3) a dominação da classe empresarial pelos rentistas, subordinando-se a

sua lógica. As características desta nova era que levou no entendimento de Keynes ao

incremento da incerteza, somadas a outros fatores, demandavam a adoção de políticas

publicas para a manutenção do dinamismo do sistema.

Dito de outra forma, a presença de rendimentos decrescentes de escala, a

transformação de uma elite que rapidamente abandonava sua condição de empresariado para

assumir o papel de rentista e a inexistência de focos de dinamismo externos, faziam com que a

única forma de garantir a expansão econômica, até o ponto em que todos abandonassem a fase

da necessidade (ou seja, que se chegasse à quarta Era), fosse a socialização do investimento,

139

financeiramente possível apenas, do ponto de vista das finanças públicas, através da eutanásia

do rentista.

Portanto, nesta terceira Era, seriam estas as questões que deveriam estar presentes na

agenda econômica: a necessidade de superar a crescente instabilidade sistêmica que trazia o

incremento da incerteza e do entesouramento e, portanto, do desemprego, ameaçando a vida

social.

Para isto, fazia-se mister uma forte presença do Estado, através de políticas

econômicas mais ativas.

Esta visão da História, ainda que incompleta, refuta a idéia de que em Keynes, só

houvesse uma teoria de conjuntura. A sua famosa frase “no longo-prazo, estaremos todos

mortos” usada para fundamentar esta hipótese servia apenas para lembrar que o período

necessário para o ajuste é um ponto relevante no desenho de políticas públicas.

A articulação entre a Teoria Macroeconômica de Keynes e a sua visão de História

ajuda a definir a temporalidade dos instrumentos e elementos nela presentes, mas é um

trabalho ainda em construção. Além disso, faz-se necessário um aprofundamento da visão de

História presente em Keynes, sua comparação com outras mega-visões históricas como a

marxista de modo a que certos elementos apontados especialmente na passagem da Segunda

para a Terceira Era possam ser mais bem desenvolvidos, especialmente o papel e a razão de

ser das sucessivas ordens econômicas. Neste ponto, cabe ainda aprofundar a discussão sobre o

caráter estabilizador ou não do hegemon, apontado por alguns autores cuja filiação teorica é

nitidamente Keynesiana.

O Segundo Ensaio é um ensaio eminentemente histórico e tenta revelar as origens do

Império Alemão, que, desde o tempo do Reino da Prússia, seu mais imediato antecessor tem

um Estado que exerce um papel extremamente ativo próximo ao que se convencionou chamar

modernamente de estado desenvolvimentista no capitalismo organizado. Neste ensaio, se

Keynes nos ajuda a entender que impactos tiveram as políticas econômicas adotadas e como o

capitalismo organizado canaliza a acumulação na direção da superação do atraso através da

criação de instrumentos, instituições e convenções que permitem a socialização do

investimento.

No entanto, a noção de atraso, da necessidade de superação do atraso frente ao

hegemon e as conseqüências deste atraso em termos de redução dos graus de liberdade de

ação política não estão presentes na visão de Keynes e, para isto, nos apoiamos na visão de

Gerschenkron. A explicação das concessões feitas aos junkers torna mais clara a política

econômica e de desenvolvimento seguida, além de ajudar a entender o nó político em que o

140

Império irá se amarrar. Lutas de classes e impactos do atraso econômico relativo sobre o

desenvolvimento político e econômico são aspectos que devem ser integrados nesta visão de

história.

Por fim, o terceiro ensaio tenta cobrir o período de nascimento da Republica de

Weimar, tentando entender as razões de sua não consolidação que culminam no explosivo

processo inflacionário vivido pela economia e pela sociedade alemãs.

Estas razões são de duas ordens: internas e externas.

No front externo, Versailles com seu viés punitivo, quase buscando a desintegração da

economia alemã, não atentou para a importância desta economia para expansão e bem-estar

de toda a Europa Continental. Ademais, não percebeu a fragilidade da democracia recém-

conquistada. Manteve o estrangulamento de suprimentos a Alemanha que a tornou refém da

aristocracia junker que, a partir daí pode se reestruturar. Além disso, no front interno, as

divisões na esquerda entre reformistas e revolucionários que fizeram com que os reformistas

mais moderados acabassem tendo que se coligar com o centro, o medo da Revolução

Soviética, a não conversão à democracia da direita dos junkers e parte dos camponeses, a

presença destes grupos na burocracia do Estado, no Poder Judiciário e nas Forças Armadas,

impediram a tomada de medidas para eliminação do poder da velha aristocracia agrária.

A crise econômica decorrente das reparações alimentou o processo inflacionário

justificado pelos economistas alemães como necessário para evitar o mal maior do colapso da

economia alemã. A interpretação proposta por eles do processo hiperinflacionário que aponta

sua origem na deterioração dos termos de troca em face das reparações, do desmonte

industrial e da perda de colônias e mercados, além da instabilidade econômica aproximasse

das teses pós-keynesianas de interpretação dos processos inflacionários via custos. Neste

ensaio, fez-se um esforço de integrar estas duas visões.

O caminho da integração da teoria macroeconômica pós-keynesiana a uma teoria do

Estado e da História que lhe dê fundamentos e permita ampliar a capacidade de entender

limites de sua aplicabilidade é um longo caminho. Esperamos ter contribuído para ajudar a

desbravá-lo. Segundo Crotty (1999), ao construir a Teoria Geral em dois níveis, um mais

geral incorporando características sistêmicas das economias monetárias de produção e outro,

baseado nas características da Terceira Era (ou da Estabilização) já apontava nesta direção.

141

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