universidade federal fluminense faculdade de turismo … - higor carvalho.pdf · renovação urbana...

67
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA CURSO DE TURISMO HIGOR CARVALHO CINELÂNDIA: UMA POSSIBILIDADE DE TURISMO CINEMATOGRÁFICO PARA A CIDADE DO RIO DE JANEIRO (RJ) NITERÓI 2016

Upload: others

Post on 17-Jun-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA

CURSO DE TURISMO

HIGOR CARVALHO

CINELÂNDIA: UMA POSSIBILIDADE DE TURISMO CINEMATOGRÁFICO PARA

A CIDADE DO RIO DE JANEIRO (RJ)

NITERÓI 2016

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA

CURSO DE TURISMO

HIGOR CARVALHO

CINELÂNDIA: UMA POSSIBILIDADE DE TURISMO CINEMATOGRÁFICO PARA

A CIDADE DO RIO DE JANEIRO (RJ)

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito final de avaliação para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientador: Prof. Dr. Ari da S. Fonseca Filho

NITERÓI

2016

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento
Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas estiveram envolvidas na realização deste trabalho, direta e

indiretamente. Seria impossível não mencionar aqueles que contribuíram de muitas

formas ao longo de minha vida acadêmica para que o curso atual se concretizasse.

Tenho um carinho especial por todos os que aqui menciono.

Às minhas queridas mães Maria Suely e Marly e ao meu pai Gelson por me

apoiarem em todas as minhas decisões, mesmo quando um pouco distante do seu

entendimento. Obrigado por participarem de minha vida. Espero que tenham orgulho

do homem que me tornei.

A todos os meus professores que compõem o corpo docente do curso de

Turismo e Hotelaria da UFF, com quem tanto aprendi. Em especial, ao meu querido

e estimado orientador Prof. Dr. Ari da S. Fonseca Filho, por toda paciência e

dedicação nas trocas de informação. Não conseguiria sem você, muito obrigado; À

Prof. Drª. Karla Estelita Godoy, de quem tanto gosto, por todo carinho e

preocupação; À querida Prof. Drª Erly Maria de Carvalho e Silva por todo apoio e por

me fazer compreender o sentido de educação; À sempre amada e querida Prof. Drª

Valéria de Lima Guimarães, que se fez muito importante ao longo de minha trajetória

acadêmica. À Prof. Drª Carolina Lescura por me motivar na busca pelos projetos

futuros. Obrigado a todos vocês por terem passado em minha vida.

As minhas queridas amigas de graduação Iasmim Leite, Bruna Miranda,

Mariana Carneiro, Lisandra Quintanilha, Anne Gaspar, Nathalie Operti, Letícia

Santos e Beatriz Soares, por sempre acreditarem em mim e me encorajarem. Vocês

foram os meus presentes da UFF.

Aos meus grandes amigos, Raphael Freitas e Pamela Cardoso, com quem sei

que sempre posso contar. Amo vocês!

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade identificar a Cinelândia como um espaço de memória, pautado no seu relevante patrimônio cultural construído com a funcionalidade de abrigar salas de cinema. Assim, diante dessa premissa, busca-se refletir a possibilidade do desenvolvimento do turismo cinematográfico na região, não apenas para destacar o patrimônio edificado e o legado cultural da localidade, mas também na apropriação de produções cinematográficas que utilizaram como locação a Praça Floriano e seu entorno. O estudo ainda visa contextualizar o período histórico que compreende o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, época do planejamento da Cinelândia; identificar os edifícios que foram construídos com a intenção inicial de serem utilizados como cinemas; compor o imaginário turístico a partir das percepções dos turistas e dos moradores do município e Região Metropolitana do Rio de Janeiro sobre a Cinelândia. Os resultados obtidos consistiram na análise dos dados com base na aplicação de formulários de demanda turística e opinião pública, e ainda, a utilização de três produções cinematográficas gravadas na localidade; Interlúdio (1946), Rio, Eu Te Amo (2014) e Terra Em Transe (1967), como parâmetro de comparação, pela relevância que as cenas apresentam, aproximando-se da ideia de turismo induzido por filmes apresentada por Beeton (2005). A metodologia do estudo apoiou-se na pesquisa de natureza quantitativa exploratória e qualitativa descritiva.

Palavras chave: Turismo cinematográfico. Cinelândia. Cinema. Locação. Patrimônio cultural. Turismo.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

ABSTRACT

This study aims to identify the Cinelandia as a memory space, based on the relevant cultural heritage built with the functionality of house movie theaters. Thus, on this premise, we try to reflect the possibility of the film induced tourism in the region, not only for identifying these built heritage and cultural legacy but also the appropriation of film productions that used as a location Floriano Square and its surroundings. The study also aims to contextualize the historical period from the late nineteenth century and the first three decades of the twentieth century, when planning Cinelândia; identify buildings that were built with the initial intention of being used as cinemas; compose the tourist imaginary from the perceptions of tourists and residents of the municipality and the metropolitan area of Rio de Janeiro on Cinelândia. The results consisted of analyzing data based on application forms of tourism demand and public opinion, and also the use of three film productions recorded in the locality; Interlude (1946), Rio, I Love You (2014) and Land in Anguish (1967) as a comparison, given that the relevance of the scenes feature approaching the idea of film induced tourism by Beeton (2005). The methodology of the study relied on the exploratory quantitative research and qualitative descriptive.

Keywords: Film induced tourism. Cinelândia. Cinema. Location. Cultural heritage. Tourism.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: ............................................................................................................ 31

FIGURA 2: .............................................................................................................44

FIGURA 3: .............................................................................................................45

FIGURA 4: .............................................................................................................46

FIGURA 5: .............................................................................................................46

FIGURA 6: .............................................................................................................47

FIGURA 7: ..............................................................................................................51

FIGURA 8: .............................................................................................................53

FIGURA 9: .............................................................................................................54

FIGURA 10: ...........................................................................................................58

FIGURA 11: ............................................................................................................60

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................9

1 CINELÂNDIA, ESPAÇO PÚBLICO DOS CINEMAS: PASSADO E PRESENTE .......................................................................................................................................14

1.1 O RIO DE JANEIRO DE PEREIRA PASSOS: O CENÁRIO DESTINADO AOS ESPAÇOS DE LAZER ..................................................................................................19

1.2 A CINELÂNDIA DE 1925: O ESPAÇO MODERNO COMO CONVITE PARA O LAZER ...........................................................................................................................25

1.3 A PÓS-CINELÂNDIA ..............................................................................................29

2 IMAGEM E TURISMO ...............................................................................................35

2.1 TURISMO CINEMATOGRÁFICO: O CINEMA COMO ATRATIVO PARA O TURISMO NA CINELÂNDIA .........................................................................................39

2.2 A CINELÂNDIA DOS FILMES: CENÁRIOS PARA O TURISMO ...........................42

3 PESQUISA DE CAMPO REALIZADA NA REGIÃO DA CINELÂNDIA ........................................................................................................................................49

3.1 PERCEPÇÕES DOS MORADORES DA REGIÃO METROPOLITANA E MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO ...............................................................................51

3.2 PERCEPÇÕES DOS TURISTAS .....................................................................56

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................63

REFERÊNCIAS ............................................................................................................66

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

9

INTRODUÇÃO

No século XIX, cidades na França e Inglaterra reestruturam-se a partir da

modernização imposta pela revolução industrial, fazendo com que outros países

adotassem como modelo, práticas de restauração do tecido urbano nas cidades. A

urbanização surgiu como necessidade da nova realidade moderna, na medida que

contribuía para melhoria de tal processo (CHOAY, 2001).

A arquitetura moderna de Paris, reformada pelo Barão Haussman, foi a

inspiração para Pereira Passos traçar um plano de desenvolvimento urbanístico na

cidade do Rio de Janeiro, abrindo largas avenidas e substituindo a malha urbana

insalubre. Tal iniciativa contribuiu para deixar a cidade mais bonita, tornando-a

atrativa e incrementando o turismo. As manutenções ocorridas na cidade trouxeram

inovações não só na arquitetura e na urbanização, mas também espaços de lazer

que se alinhavam aos ares modernos (MACHADO, 2008).

É nesse contexto de reformas urbanas que o cinema surge na sociedade

burguesa carioca do final do século XIX e início do século XX, evidenciando o

progresso da civilização capitalista, transcendendo o período imperial e se

apropriando dos efeitos positivos do desenvolvimento. As edificações construídas no

Rio de Janeiro, em prol do embelezamento e progresso destacaram um novo

cenário na capital. A modernização e as mudanças viriam a potencializar o

desenvolvimento de espaços próprios ao entretenimento da elite carioca,

contribuindo para o lazer e divertimento.

Ao refletir sobre a importância do lazer no século XIX, entende-se que a

renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de

divertimento adentrassem no cotidiano da população, remodelando os hábitos

sociais e reforçando a criação de novos espaços para o usufruto de homens e

mulheres. Frente a isso, o cenário de mudanças no Rio de Janeiro continuou a se

intensificar, sendo mais tarde contemplado pelo projeto do empresário e imigrante

espanhol Francisco Serrador, que tinha o propósito de construir uma série de

edificações no entorno da Praça Floriano, visando garantir diferentes possibilidades

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

10

de lazer a população, dando ênfase aos cineteatros. A região futuramente ficaria

conhecida como Cinelândia, pela grande concentração de cinemas na localidade

(CARVALHO, 2008).

A Cinelândia foi construída no antigo terreno do Convento da ajuda, que não

resistiu à chegada dos ares modernos com a construção da Avenida Central e os

novos edifícios no seu entorno, sendo demolido em 1920. Os prédios dos cinemas

da Cinelândia iriam adquirir o mesmo aspecto suntuoso dos que já estavam erguidos

ao redor da Avenida, chamando a atenção pela elegância, exuberância e

despertando a curiosidade das pessoas. A representatividade cultural, no final da

Avenida Central, já era marcada pelo Teatro Municipal que, em 1909, foi uma das

contribuições mais emblemáticas durante o governo de Pereira Passos, reforçando o

individualismo marcado pela erudição da classe alta que se fazia pertencente ao

espaço (LIMA, 2000).

Pensando na relação entre o espaço e o meio social, este estudo visa estudar

as relações de pertencimento existentes entre a população e o local popularmente

conhecido como Cinelândia que, nos anos 30, tornou-se um espaço de lazer

usualmente frequentado pela elite carioca e que hoje possui edifícios de grande

valor histórico, com usos diferentes da época de suas construções, tendo em vista a

falta de políticas públicas destinadas à cultura, em especial ao cinema, temática esta

que justifica o próprio nome da região da Praça Floriano, a Cinelândia.

A região é um espaço de memória, pois possui um legado a ser preservado,

com um patrimônio cultural relevante, composto de edificações que remetem as três

primeiras décadas do século XX, época em que seu uso era comum e os cariocas

se apropriavam do espaço, identificando a praça como lugar de sociabilidade e da

cultura. Hoje, algumas edificações que foram construídas como cinemas no auge da

modernidade, perderam a sua função no cenário pós-moderno.

Um dos propósitos deste trabalho é mapear os bens culturais que foram

edificados para a exibição de filmes e hoje tiveram sua função alterada, bem como

entender como o visitante e os moradores se apropriam do espaço, por meio de

pesquisa de demanda turística e opinião pública para então traçar um diagnóstico a

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

11

ser utilizado para averiguar a possibilidade do desenvolvimento do turismo

cinematográfico no local.

Diante da observação empírica acerca da região da Cinelândia, afirma-se que

somente o Cinema Odeon é espaço de resistência, no sentido de ser ainda um

cinema aberto ao público, contudo, existem prédios de alto valor histórico que no

passado funcionavam como cinema e que hoje estão com sua finalidade alterada ou

extinta. O levantamento dos bens culturais edificados é de grande contribuição

social, bem como um alicerce para se pensar no desenvolvimento do turismo

cinematográfico na região.

É válido destacar que o desenvolvimento do turismo cinematográfico está

pautado no entendimento do segmento como um novo fenômeno no setor de

turismo e que seu planejamento se traça especialmente no reconhecimento e

identificação de paisagens apresentadas em produções cinematográficas. Assim, a

identificação de produções cinematográficas ambientadas na região da Cinelândia

será de grande valia para a pesquisa, no sentido de ressignificar os patrimônios e

atrativos turísticos presentes na localidade por meio de filmes que utilizaram a região

como locação. E essa visitação a locações reais é atividade que configura essa nova

tipologia turística (BEETON, 2005).

Tendo em vista que a utilização da Cinelândia como locação em filmes pode

estimular o fluxo turístico da região, busca-se com este trabalho responder a

seguinte questão problema: Em que medida o turismo cinematográfico pode

contribuir para a valoração dos bens culturais e do legado dos cinemas da primeira

metade do século XX instalados na região conhecida como Cinelândia?

Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é refletir a possibilidade do

desenvolvimento do turismo cinematográfico para a região, não apenas para

identificação do patrimônio edificado e o legado cultural da localidade, mas também

na apropriação de produções cinematográficas que utilizaram como locação a Praça

Floriano e seu entorno. Os objetivos específicos destinam-se a integrar o trabalho,

de forma a contextualizar o período histórico, que compreende o final do século XIX

e as três primeiras décadas do século XX, com a intenção de conhecer o

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

12

planejamento urbano inicial da região conhecida como Cinelândia, bem como as

transformações locais ocorridas ao longo do século XX, mapeando as edificações

existentes que foram construídas com a funcionalidade de cinema; Realizar

levantamento de produções cinematográficas que utilizaram a Praça Floriano e seu

entorno como locação; Analisar a construção do imaginário turístico a partir das

percepções dos turistas, dos moradores do município e Região Metropolitana do Rio

de Janeiro sobre a Cinelândia, com vistas a refletir na possibilidade de turismo

cinematográfico.

O trabalho está fundamentado na pesquisa quantitativa e qualitativa, tendo

caráter descritivo (GIL, 2006). A primeira etapa foi pautada no levantamento de

pesquisa bibliográfica, fornecendo fundamentação teórica na construção do

arcabouço da pesquisa, a fim de buscar a contextualização histórica, desde os

processos de renovação urbana que ocorreram na primeira metade do século XX na

cidade do Rio de Janeiro, até a consolidação da região conhecida como Cinelândia.

Destacou-se, ainda nessa etapa de pesquisa, o levantamento do conteúdo sobre a

temática do turismo cinematográfico, inventariação dos bens culturais edificados na

região e levantamento das produções cinematográficas filmadas na Cinelândia.

A etapa seguinte cumpriu-se por meio de uma pesquisa de campo para

aplicação de formulários de opinião pública e demanda turística com os respectivos

sujeitos que frequentam o local investigado. Frente a tais condições, a pesquisa

focou na interpretação que os próprios participantes têm do fenômeno de estudo, ou

seja, a subjetividade relevante, pois a partir dela foram coletadas as perspectivas

dos sujeitos participantes, constituindo os fenômenos com base nas impressões de

cada um dos envolvidos. A análise quantitativa ocorreu pelo resultado dos dados

obtidos durante a pesquisa.

É importante destacar que os aspectos da pesquisa qualitativa foram

considerados nos momentos de realização da pesquisa de campo, especialmente no

que tange às observações sistemáticas para o entendimento da dinâmica do local e

a interação de seus sujeitos, na complementação dos dados quantitativos que foram

registrados pelo pesquisador durante a aplicação dos formulários, ocorrendo

também entrevistas informais que foram complementares às questões presentes nos

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

13

formulários das pesquisas, sendo estes dados anotados no caderno de campo e

considerados relevantes para a análise final deste trabalho.

Optou-se por dividir o trabalho em três partes. O primeiro capítulo dedica-se a

contextualizar a reforma urbana que compreende o final do século XIX, salientando

a sua contribuição para a chegada dos cinemas como atividade hedonística no

cenário moderno e criação da região Cinelândia.

O segundo capítulo visa descrever a importância da imagem para o fenômeno

turístico. Buscou-se apresentar os cenários utilizados como locação de filmes,

evidenciando as interfaces entre o turismo e o cinema. Apresentou-se o segmento

turístico que se relaciona à imagem como forma de indução, o turismo

cinematográfico. Finalizou-se o capítulo apresentando os cenários que foram

utilizados como locações de filmes na Cinelândia.

Por fim, no terceiro capítulo, foram analisados os dados da pesquisa de

demanda realizada na Cinelândia, tendo em vista a importância de dar vozes aos

sujeitos que frequentam o espaço para compreensão do imaginário turístico.

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

14

1 CINELÂNDIA, ESPAÇO PÚBLICO DOS CINEMAS: PASSADO E

PRESENTE

A praça é provavelmente um dos ícones mais marcantes da modernidade no

Rio de Janeiro. É na praça onde os movimentos acontecem, lugar de simbolismos,

das relações sociais, onde as pessoas procuram por um mesmo objetivo em comum,

o lazer. Foi na praça onde tudo começou, as pessoas deixaram suas casas em

busca da sociabilidade, para verem e serem vistas, com a finalidade de circular em

volta do novo elemento ornamentado que representaria o espaço moderno,

afastando da cidade do Rio de Janeiro a imagem do atraso colonial.

O espaço público traçado no período republicano se configurou como o

ambiente próprio aos prazeres da sociedade carioca, sobretudo por reforçar o ideal

de progresso. O traçado das praças e os prédios da arquitetura moderna edificados

ao seu redor, no início do século XX, motivaram os cidadãos a contemplá-la. Em

meio às rodas sociais que se fariam presentes, a praça se firmaria como local de

encontro, conversas e exibição de trajes elegantes. A elite ocuparia as ruas, o

espaço moderno e as praças seriam adaptados para o lazer. Lima (2000, p. 98)

refere-se à praça como um instrumento importante para o convívio social:

Desde os tempos mais remotos, a praça sempre foi o microcosmo da vida urbana, oferecendo à população das cidades possibilidade de lazer e de convivência. Um espaço aberto, envolvido por edificações contíguas ou afastadas, onde acontecem o comércio, os espetáculos, as manifestações públicas, políticas ou religiosas.

Gomes (2004) descreve o lazer como o tempo de folga para si, livre de

ocupação, em que atividades diversas de caráter liberal, relativas a escolhas

individuais poderiam ser postas em prática. A praça foi propriamente criada para

esse propósito, uma vez que a busca pelo espaço público afastou as pessoas de

suas casas, não necessariamente com o intuito de fazer da praça um espaço de

contemplação, todavia, com a finalidade de atender uma necessidade que se

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

15

intensificou no início do século XX, direcionada a um público ávido por preencher um

espaço restante no dia a dia, o tempo livre.

O ambiente iluminado com edificações imponentes ao redor, que destacavam

o brilho do período republicano, penetrou na esfera social como uma escolha

individual de divertimento. A novidade moderna trouxe a promessa do

embelezamento, atribuindo importância ao espaço por questões estéticas. O Morro

do Castelo, local de fundação da cidade do Rio de Janeiro e importante símbolo do

período colonial, seria destruído na busca pela beleza homogeneizada, na tentativa

de assemelhar os arredores da capital ao cenário europeu.

Tratar do uso do espaço público no período moderno como questão social é,

logicamente, pensar em práticas que se desenvolveram no contexto em que tal

época emerge. É ainda, problematizar os valores de um cenário consumado, em

detrimento de um estilo europeu que encanta e atrai, sobretudo, o turismo. Nesse

caso, é preciso discutir o uso dos espaços a partir da ótica contemporânea do

fenômeno turístico como possibilidade de lazer e diversão.

Urry (2001, p. 19) afirma que “[...] ser turista é uma das características da

experiência ‘moderna’”. O movimento moderno proporcionou estímulo ao

crescimento da atividade turística, tendo a aparente busca pelo lazer atraído olhares

ao espaço urbano. De um lado tem-se o espaço urbano como atrativo e, do outro, os

turistas que dispõem de tempo para o divertimento. Em outras palavras, a relação

direta entre o turismo e o espaço resultou no espetáculo de bens fortalecidos como

símbolos turísticos.

No turismo de massa resultante da modernidade, como observa Urry (2001),

os turistas são motivados a buscar o seu próprio prazer. Entretanto, tal desejo é

moldado pela ótica comercial, o que leva a questionar a autenticidade de paisagens

construídas na era das massas para atrair turistas. Segundo Urry (2001), o turista

que se desloca ao destino, depara-se com um mundo que não é real, marcado pela

inautenticidade. Cabe aos planejadores do turismo determinar o que seria

interessante para a experiência do visitante, pois no mundo moderno diversos

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

16

elementos que compõem o cenário tornam-se objeto do olhar turístico, o que

fortalece a ideia de inautenticidade.

A preocupação em utilizar elementos novos, capazes de aguçar a experiência

do visitante nos espaços, reforça a ideia de exótico, diferente, o que implica muitas

vezes na sua reconfiguração, deixando evidente que o embelezamento dará

condições para torná-lo objeto do olhar turístico.

Ao discutir as relações entre espaço, lazer e modernidade, depara-se com

algumas questões no centro do Rio de Janeiro, principalmente no recorte do tempo

de transição entre o período colonial para o período moderno, mais precisamente na

área destinada a ser o cartão postal da cidade, no final da Avenida Rio Branco,

popularmente conhecida como Cinelândia e distinguida das demais pela construção

de prédios de grande imponência, que voluntariamente, fazem alusão à arquitetura

europeia (GONZAGA, 1998). A ideia central para essa transição partiu de reformas

urbanas que dariam vida aos “ares” modernos, dignos de uma capital. A proposta,

como se verá mais à frente, foi totalmente influenciada pelo contexto europeu.

Para fomentar essa questão deve-se voltar ao início do século XX, no Rio de

Janeiro, no momento em que a modernidade iria possibilitar que as reformas

urbanas criassem espaços em prol do divertimento. Naquela época, edifícios

próprios à prática do lazer seriam construídos como um convite. Os espaços

“encenados” sugeriam o desenvolvimento da capital, preconizado pelo poder público

e a elite, como tentativa de acompanhar o desenvolvimento das nações europeias.

Para Lima (2000, p. 98):

[...] a nova imagem desejada pelo poder construiu-se em torno da reforma urbana, de uma civilidade e de uma rotina que conduzia classes privilegiadas a procurarem os espaços públicos, em especial aqueles destinados ao lazer.

A atmosfera que se constituiu no Rio de Janeiro está relativamente próxima

do que Urry (2001) denomina como moderno e inautêntico. Por se tratarem de

espaços que sugerem o espetáculo e o progresso, construídos intencionalmente

para reforçar tal ideia, as praças e os teatros e cinemas instalados ao seu redor

atraiam fluxo de pessoas ansiosas para presenciar a novidade. A praça era um

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

17

instrumento de concentração social onde as pessoas poderiam ver e serem vistas.

Lima (2000, p. 105) caracteriza os atores sociais que representavam a região:

Até metade do século XX, o teatro, a música e, principalmente, as belas mulheres que por ali circulavam integravam o espetáculo encenado naquela área urbana pela própria população. Uma personagem que, como o flâneur de Baudelaire, deambulasse à noite pelas imediações da Praça defrontar-se-ia com uma sucessão de fachadas iluminadas, cenário do teatro urbano, imagem perfeita de uma cidade onde tipos humanos entravam e saíam dos teatros e bares.

Se a novidade moderna tornou-se rapidamente o anseio da população

carioca no início do século XX, resta imaginar que a atmosfera do antigo Rio de

Janeiro carecia de espaços de lazer. Não muito distante da realidade apresentada,

Machado (2008) mostra que existiam ocorrências de atividades de lazer na

sociedade carioca do século XIX. A população se apropriava do Passeio Público1

como possibilidade de entretenimento. De acordo com o autor, os cariocas visitavam

o jardim a fim de contemplar as obras e a paisagem como uma novidade para a

época, considerando que a cidade não dispunha de alternativas. Um aspecto

importante a ser considerado é que o autor já menciona o uso turístico do jardim

como um “[...] lugar de visita constante de viajantes que se encontravam na cidade,

sendo considerado este o primeiro atrativo cultural da cidade do Rio de Janeiro”

(MACHADO, 2008, p.48).

Futuramente, com o surgimento do cinema, a modernidade cumpriria o seu

papel de potencializar o desenvolvimento de espaços próprios ao entretenimento da

elite carioca na região central do município, contribuindo para o lazer e divertimento,

dando origem ao quarteirão de cinemas projetado pelo empresário espanhol

Francisco Serrador, no final da Avenida Rio Branco, especificamente no lado par da

Praça Floriano. Gonzaga, (1998, p. 25) afirma que “[...] segundo a maioria dos

relatos do cotidiano carioca no século XIX, o Rio de Janeiro não possuía muitos

divertimentos, quer para o espírito, quer para o corpo”. O surgimento dos cinemas

1 Vale destacar que já nos séculos XVIII, período de sua criação, o Passeio Público já era utilizado

para fins culturais, recreativos e de contemplação, tendo em vista que foi o primeiro parque ajardinado do Brasil, com espécies da flora brasileira e obras de Mestre Valentim. Disponível em: http://www.passeiopublico.com/. Acesso em: 30 jan. 2016.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

18

como símbolo de progresso proporcionou uma nova opção de lazer com grande

aceitação do público e, mais tarde, com o envolvimento de mulheres e crianças que

possuíam mais tempo disponível que os homens de negócios, o cinema se

intensificou como produto hedonístico, instalando-se principalmente nos ambientes

elegantes da cidade, frutos dos processos de modernização (GONZAGA, 1998).

Não se pode afirmar que a ausência de atividades de lazer na sociedade

carioca, antecedentes ao período moderno, contribuiu para renegar o passado

colonial. Contudo, a chegada de atividades que reforçam a prática no século XX,

sobretudo os cinemas, vieram para deleite do povo. De acordo com Gonzaga (1998,

p. 85) “[...] pelo cinema se conseguiria não só divertir, informar e educar a

população, como atrai-la para ambientes que ilustrariam o refinamento e a cultura

necessários ao avanço da sociedade”. Muito além do espaço restrito do centro do

município do Rio de Janeiro, os cinemas iriam se alojar em ambientes elegantes,

atraindo cidadãos em busca de diversão e entretenimento.

Ainda que não se possa atribuir as razões para o embelezamento da cidade

ao turismo, se reconhece que os esforços contribuíram para que o Rio de Janeiro,

no final no século XX, se transformasse em um espaço de confluência turística,

conhecido pela busca por lazer e cultura na nobre área, construída em torno da

Avenida central, atual Avenida Rio Branco. A Avenida Central, fruto da modernidade,

não tardou em alojar prédios imponentes ao derredor. De acordo com Gonzaga

(1998) os prédios de grande valor arquitetônico, construídos ao redor da Avenida –

Teatro Municipal, escola de Belas-Artes e Biblioteca Nacional – eram popularmente

conhecidos como triângulo da “alta cultura”. Lima (2000, p. 184) destaca ainda que

“[...] a vocação desse espaço urbano foi definida, após a proclamação da República,

pela cultura, pela política e pelo lazer”.

A julgar pelo contexto em que os espaços de lazer no século XX adentraram

no cotidiano carioca e o impacto social que causaram na vida da população, sente-

se necessidade de uma reflexão mais aprofundada para não cair em clichês, uma

vez que a criação de lugares destinados ao divertimento se deu por diversos

motivos. Para o estudo em questão, interessam os desdobramentos que se

relacionam com o lazer frente à modernidade, bem como o potencial turístico da

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

19

região, justificado pela concentração de transeuntes que se interessam pela Praça

Floriano e as edificações ao seu redor.

Com o apoio da literatura, far-se-á uma abordagem sobre o espaço que

permeia a essência do trabalho, a Cinelândia de Francisco Serrador, procurando

direcionar intencionalmente a importância da sua utilização para o turismo, a partir

de diferentes concepções. Assim, a discussão será em torno das transformações

urbanas que resultaram na criação do espaço, atentando sempre em ressaltar o

ambicioso plano as razões para a construção de um espaço moderno próprio para o

turismo.

1.1 O RIO DE JANEIRO DE PEREIRA PASSOS: O CENÁRIO DESTINADO AOS

ESPAÇOS DE LAZER

A busca pela modernidade pode ser entendida como um conflito, ou renúncia

do homem ao passado e, enquanto processo, emerge uma série de questões sociais

complexas. De acordo com Le Goff (2003, p. 179) “[...] o novo é mais do que uma

ruptura com o passado, ‘novo’ significa um esquecimento, uma ausência de

passado”. Ao discutir a reforma urbanística de Pereira Passos, a criação da

Cinelândia e de outros espaços construídos após a reforma, entende-se que esse,

foi o primeiro passo para estimular a busca de uma estética genuinamente moderna,

desvinculando-se do cenário rudimentar nos arredores da antiga cidade do Rio de

Janeiro.

Tendo em vista o processo de revitalização urbana iniciado por Pereira

Passos na capital, cabe destacar o estímulo ao desenvolvimento de novos espaços

de lazer que foram ambientalizados no tecido urbano, atendendo à expectativa da

elite carioca. Nesse contexto, seria criada mais tarde, no entorno da Praça Floriano,

a Cinelândia de Francisco Serrador.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

20

A modernidade iniciada nos países europeus ressignificou a estrutura

urbana, bem como as edificações, trazendo uma nova perspectiva, com espaços de

lazer que proporcionavam o hedonismo da elite do século XX. O Rio de Janeiro, no

final do século XIX, caracterizava-se como um espaço insalubre, tendo em vista a

necessidade de obras (CARVALHO, 2008). A construção de um novo espaço

urbano como cenário para o Rio de Janeiro moderno resultou em processos de

desapropriações e construções de novas edificações, que modificaram a estrutura

antiga, em prol de uma nova malha urbana, condenando a existência e a memória

de referências que remetem ao passado colonial.

O fenômeno urbano traz consigo uma série de consequências sociais ditas

irreversíveis, criando processos de gentrificação que, como resultado, exclui a

população residente para dar espaço ao novo, com um caráter elitista que não se

preocupa em fornecer subsídios às mazelas que originaram esses aglomerados

urbanos e, que no contexto do final do século XIX e início do século XX, não se

enquadravam nas políticas públicas do governo.

O espaço alterado como justificativa de sua obsolescência e insalubridade

mascarou as condições sociais e urgência de melhoria de vida dos habitantes do

Morro do Castelo, colocando em voga preocupações como a diminuição da

criminalidade e pestilências, sempre enfatizando mudanças que melhorassem a vida

da elite (SEVCENKO, 1993). Para Sevcenko (1993, p.55), a reforma urbana

caracterizou-se como um processo feroz de segregação.

É claro que essa efervescência tumultuária latente, eventualmente explícita e alarmante, vinha comprometer os melhores planos da elite governamental. Por um lado, era o aumento da insegurança pessoal que desassossegava quem quer que tivesse algo a perder. A imprensa trovejava reprimendas ao governo pela sua inépcia diante do aumento da criminalidade urbana. A crônica policial ganhava espaços cada vez maiores com a descrição enraivecida do aumento escalonado dos roubos, assaltos, arrombamentos, homicídios, assim como da vadiagem, da prostituição, da mendicância e do alcoolismo. Mas muito pior era a insegurança social que essa situação engendrava, visto que era essa população miúda e turbulenta quem dominava efetivamente o centro da cidade.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

21

Ao analisar o plano de reforma urbana proposto por Francisco Pereira Passos

sob a perspectiva de Sevcenko (1993), constata-se a exclusão das classes

minoritárias nesses espaços como objetivo implícito, visto que a elitização da área

trouxe como consequência a segregação. Nota-se, a partir do esclarecimento de

Sevcenko (1993), que as mudanças ocorridas foram usadas como estratégia para

diminuir a insegurança social que assolava os governantes e homens nobres do Rio

de Janeiro no início do século XX, construindo uma estrutura que assegurasse o

pleno convívio e bem-estar das classes dominantes.

O contexto da reforma urbana de Paris, que inspirou a mudança no

planejamento urbano do Rio de Janeiro, deu-se de forma similar, conforme mostra

Sevcenko (1993, p. 58):

Foi basicamente essa a razão que levou o governo francês a propor o replanejamento urbano de Paris, encarregando o Barão Haussman de abrir amplos boulevards e avenidas, que impedissem a população de tomar a cidade de assalto, protegendo-se por trás de um cinturão de barricadas e enfrentando violentamente a polícia.

Esses entendimentos aqui explicitados ratificam o sentido de reforma urbana

imposto pelo governo, elucidando que além dos objetivos de melhorias, existiam

interesses políticos e aristocráticos em estruturar os moldes da cidade a fim de

conter qualquer revolta ou manifestação popular.

A reforma urbana de Paris, iniciada pelo prefeito Georges-Eugène

Haussmann, foi a inspiração de restruturações urbanas em diversos países e o

estímulo de suas ideias deu-se por recomendação do imperador Napoleão III que,

na época de seu exílio em Londres, encantou-se com os jardins construídos ao

redor da cidade, acreditando que iniciativas semelhantes em Paris poderiam ter uma

utilidade social de civilização das massas (DOURADO, 2011). Os ares de

modernidade da capital francesa foram vistos como novidade e, mais adiante, a

nova Paris iria vivenciar a sua Belle Époque.

A política de estruturação urbana adotada por Paris foi o alicerce para

constituir o que viria a ser o início do processo de modernização no Rio de Janeiro, o

novo modelo adotado traria consequências positivas como a criação de espaços

para o desfrute da elite carioca. Pereira Passos foi o precursor das obras no Rio de

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

22

Janeiro, acompanhou o processo de urbanização em Paris e trouxe um recorte de

modernidade parisiense ao município do Rio de Janeiro. No auge das construções,

que dariam um novo pano de fundo à cidade, fez-se necessária a destruição de

espaços considerados insalubres para que a modernidade se instalasse na capital.

Do Rio (1995, p.6) descreve o Rio de Janeiro do início do século XX no processo de

alargamento das ruas que viriam fragmentar a capital, dando início ao cenário

moderno:

Por que nascem elas? Da necessidade de alargamento das grandes colmeias sociais, de interesses comerciais, dizem. Mas ninguém o sabe. Um belo dia, alinha-se um tarrascal, corta-se um trecho de chácara, aterra-se um lameiro, e ai está: nasceu mais uma rua. Nasceu para evoluir, para ensaiar os primeiros passos, para balbuciar, crescer, criar uma individualidade (DO RIO, 1995, p.6).

A partir do ponto de vista do autor Do Rio (1995) as construções que deram

origem ao alargamento das ruas preocuparam-se apenas com uma questão, torná-

las próprias para o deslumbre da alta sociedade. É inegável que a expansão das

ruas veio acompanhada da evolução, mas em um breve questionamento pode-se

examinar a ferocidade e rapidez com que foram tomando forma, seduzindo novos

tipos de comércio e atrações para o público que dispunha de poder e elegância com

seu novo encanto e ornamento, dentre eles, os cinemas, concretizando o

rompimento com o passado.

Ainda que umas das justificativas para o plano de reforma urbana tenha sido a

criação de um espaço próprio ao início do período republicano, deve-se ressaltar

ainda um aspecto mais alarmante para que o cenário viesse a se materializar. De

acordo com Machado (2008) os governantes estavam preocupados em modificar a

imagem do país no exterior, utilizando o Rio de Janeiro para viabilizar o projeto.

Machado (2008) explica ainda que tal projeto tornou-se uma questão de importância

nacional para os governantes, que por meio de reuniões realizaram duas tentativas

para discussão de melhoramentos na cidade, sendo a primeira tentativa por meio da

Comissão de Melhoramentos e o seu relatório em 1875 – elaborado por Pereira

Passos, responsável pela futura reforma – e a segunda tentativa a partir do

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

23

Congresso de Engenharia e Indústria, durante a gestão do prefeito João Felipe, que

teve o início do seu mandato em 1900.

Outro aspecto interessante para traçar o imaginário carioca anterior ao início

das reformas urbanas dá-se pelas antigas casas que compunham a paisagem. Em

um breve retrospecto, Machado (2008, p. 76) caracteriza o cenário:

A população do Rio de Janeiro crescia e para facilitar a possibilidade de ganhos desejava residir nas áreas centrais da cidade, onde estavam instaladas as pensões, casas de cômodos, estalagens, cortiços, cabeças de porco etc. que eram, em muitos casos, antigas casas e casarões de proprietários que se mudaram para as novas áreas da preferência da aristocracia carioca, como Botafogo, Catete e Copacabana e que foram transformadas para receber diversas famílias. Muitas destas casas não apresentavam condições mínimas de higiene e estavam localizadas em ruas estreitas de muita sombra, umidade e pouca ventilação. Tudo isso, juntamente com a falta de água e de esgoto e o comércio sujo e insalubre das ruas, propiciava surtos de epidemia comuns ao Rio de Janeiro, como febre amarela e peste bubônica, além de outras doenças como varíola e febre tifóide. Tais condições tornavam o Rio de Janeiro uma cidade repulsiva, fazendo com que os estrangeiros negassem a presença de capitais, imigrantes e “turistas” para a cidade.

A partir do momento em que Pereira Passos foi nomeado prefeito do Rio de

Janeiro a mando de Rodrigues Alves, presidente na época, a cidade futuramente

estaria mais próxima de fazer jus ao título de “cidade maravilhosa” (MACHADO,

2008). A contribuição de Pereira Passos para o embelezamento dos espaços que

viriam a receber instalações de lazer ocorreria justamente pelos esforços em tornar o

ambiente tal como o das cidades europeias, atraindo a presença de comerciantes e

investidores.

A inauguração da Avenida Central, grande feito de seu governo, possibilitou a

o crescimento dos espaços de lazer. A ideia era de todo eloquente, encantando

multidões que seriam conduzidas ao novo espaço. Mais tarde os arredores da

Avenida seriam designados para abrigar os cinemas que dariam brilho à região.

Lima (2000, p. 196) comenta sobre as mudanças modernas que se desenvolveram a

partir da construção da Avenida:

A Avenida trouxe a eletricidade, o asfalto, o bonde elétrico, o cinema e o automóvel. Mudou a vida da cidade. A família, que antes ficava em casa ou

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

24

nas chácaras, começou a sair em busca de lazer. Frequentava-se o cinema, e, em seguida, as mulheres iam tomar chá ou sorvete nas Confeitarias Alvear ou Colombo. Os homens, por sua vez, preferiam a Galeria Cruzeiro [...].

No lugar das casas insalubres, seriam construídos ao redor da Avenida

Central, prédios que exibiam o brilhantismo da região, construções suntuosas,

dignas de uma capital que se tornou república e que aspirava acompanhar a

modernidade dos países europeus. Era preciso afastar o estigma de atraso e se

igualar às cidades progresso.

No plano estético pretendia-se valorizar a Avenida por meio de edificações

luxuosas construídas nos arredores. A arquitetura seria utilizada para despir-se do

passado colonial. Quem perambulasse pela área, após o término das obras do

prefeito Pereira Passos, poderia deslumbrar-se com um dos prédios modernos mais

ilustres da Avenida, defronte para a Praça Floriano, o Teatro Municipal. De acordo

com Machado (2008) não havia naquela época no Rio de Janeiro um teatro

prestigiado para representar a cidade, sendo os esforços evidentes em tornar a

região, que compreende o final da Avenida Rio Branco, reflexo da imagem das

cidades europeias, uma vez que durante as obras do Teatro Municipal foram

utilizados tijolos ingleses e estrutura metálica alemã para compor sua estrutura.

Segundo Lima (2000), o Teatro Municipal foi inaugurado em 14 de julho de

1909. Em sincronia com o Teatro Municipal, edificado para reforçar o esplendor do

período republicano, foi inaugurada a Escola Nacional de Belas Artes. Esses dois

prédios fariam parte do arranjo cultural da Avenida, juntamente com a Biblioteca

Nacional, ao lado da Escola Nacional de Belas Artes. Lima (2000, p. 193)

testemunha na memória bibliográfica o Palácio Monroe “[...] o mais antigo dos

marcos arquiteturais da futura Praça Floriano, extremidade sul da Avenida,

diametralmente oposto ao terreno destinado ao Teatro Municipal [...]”. O

monumento, que abrigou inúmeras conferências e eventos importantes, seria

desmontado, dando vida à Praça Mahatma Gandhi. Lima (2000) relata que foi

construído também ao redor do perímetro denominado Praça Floriano o Palácio

Pedro Ernesto, ou Câmara Municipal, para atender aos vereadores da Capital.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

25

Com o advento moderno do cinema, os espaços destinados ao lazer viriam a

concluir o domínio do território, representando os anseios de uma sociedade ávida

pela novidade que já se fazia presente no cenário europeu. O lado par da Praça iria

compor o que seria futuramente conhecido como Praça dos cinemas. A acomodação

dos cinemas tornou-se propícia após a construção da moderna Avenida Central,

contribuindo para que as salas construídas no início do século XX se instalassem,

sobretudo, em ambientes considerados luxuosos e frequentados pela elite. Assim,

nasceu a Cinelândia.

1.2 A CINELÂNDIA DE 1925: O ESPAÇO MODERNO COMO CONVITE PARA O

LAZER

Quarteirão Serrador, Praça dos Cinemas e Cinelândia, foram alguns dos

nomes populares da região que assim ficou conhecida, pela concentração de

cinemas que dispunha à população. No ano de 1926, com muito alarde e solenidade

a Praça Floriano festejava a abertura de mais um cinema para uso do público. A

experimentação do espaço foi de todo muito aguardada por quem quer que

passasse pela região, deparando-se com curiosos prédios arranha-céus. Os

edifícios estavam destinados a “transformar por completo” aquele território, a saber,

pelo imaginário que se tem de um Rio de Janeiro carente de espaços de

contemplação social, de vida, fulgor e espetáculo, como mostra a revista Cinearte

(1926, [s.p.])

Quasi ao tempo em que se inaugurava o Odeon, festejava o Capitolio o seu primeiro anniversario. São dois dos quatro famosos “elephantes brancos”, como os apellidaram os que com os olhos vesgos de inveja viram brotar nos terrenos da Ajuda, os grandes edificios destinados a transformar por completo no meio carioca a diversão cinematográfica.

De acordo com a reportagem da revista Cinearte (1926), entende-se que a

chegada dos cinemas na última ponta da Avenida Rio Branco foi de todo importante

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

26

para a população carioca. Pode-se perceber que a questão do lazer está em

evidência.

Ao considerar no estudo em questão a Cinelândia, deve-se tratar do

perímetro conhecido como Bairro Serrador ou Praça dos Cinemas, limitando-se à

área que o trabalho pretende investigar. É importante salientar que os quatros

primeiros cinemas construídos por Francisco Serrador impulsionaram a instalação

dos demais. A Cinelândia tornou-se o bairro dos cinemas pela variedade de salas.

Tal variedade não se restringiu ao perímetro inicial de Francisco Serrador, a

Cinelândia cresceu e espaços como o Cine Rex e o Cine Vitória instalaram-se nas

ruas transversais à Praça Floriano.

O antigo Largo da Mãe do Bispo, logradouro do período imperial do Rio de

Janeiro, não resistiu à chegada da modernidade. Em seu lugar seria construída a

Praça Floriano, no final da Avenida Rio Branco, por ocasião do período republicano

que viria a modificar totalmente a área. Lima (2000, p. 178) nos mostra as alterações

que seriam feitas no espaço:

O Largo da Mãe do Bispo, que fora um recanto como tantos outros da malha urbana da cidade até o fim do Período Imperial, quando foi denominado Praça São José (1871), seria bastante modificado no início do Período Republicano, tendo seu nome alterado, em 1888, para Praça Ferreira Viana e, finalmente para Praça Floriano, onde em 1925, no terreno do Convento, surgiria a Cinelândia. A atual designação da Praça data de 1910, quando, após uma modificação de desenho urbano, foi erguido, num dos canteiros, um monumento a Floriano Peixoto, de autoria do escultor Eduardo Sá.

O Convento da Ajuda, antigo casarão de freiras, que ao longo das reformas

urbanas se mostrou um espaço de resistência, ficou desfalcado com a nova Avenida

Rio Branco e os prédios edificados ao seu redor. O casarão ergueu-se ao lado do

Largo da Mãe do Bispo, atual Praça Floriano, em 1750 e foi demolido em 1920

(GONZAGA, 1998). Os quatros cinemas idealizados pelo empresário espanhol

Francisco Serrador seriam construídos no terreno que pertenceu ao Convento da

Ajuda. O grande casarão já não estava em harmonia com aquele espaço urbano

modificado, tampouco nos planos do imaginário carioca para representar o final da

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

27

Avenida. Lima (2000, p. 257) descreve o processo entre a demolição e a compra do

terreno:

A área demolida foi desmembrada em lote A e lote B. O primeiro lote, com 1700 m², correspondente à parte das terras do antigo Convento, permaneceu desocupado até meados da década de 1920. Comprado pela Light & Power, em 1911, para abrigar um complexo hoteleiro, foi posteriormente adquirido pela Companhia Brasil Cinematográfica, fundada por Francisco Serrador, em 1917.

Ao considerar que a área tornou-se prestigiada após as reformas, entende-se

a justificativa de um suposto projeto que daria forma a um complexo hoteleiro. Sua

edificação nunca foi em frente, pois o cinema já estava destinado a permanecer no

perímetro que pertenceu ao Convento da Ajuda. Embora o projeto não tenha feito

parte do cenário, pode refletir o interesse em valorizar a área por meio do fluxo

turístico.

Com o surgimento da Avenida Central, a elite que frequentava a estreita Rua

do Ouvidor, famosa pelos restaurantes especializados em comida francesa e venda

de artigos importados de Paris, migrou aos poucos para o novo bulevar (ENDERS,

2002). O Teatro Municipal já era realidade naquele espaço, contiguo a outros

edifícios que exibiam o luxo da era moderna. O cinema penetrou naquela esfera

como um espaço de luxo, apesar de Gonzaga (1998) relatar que naquela altura a

primeira sala já tinha sido instalada por Cunha Sales, na Rua do Ouvidor, o cinema

não era de todo uma novidade para o povo carioca. O contraste com os edifícios

erguidos na nova Avenida Central foi o que despertou a curiosidade dos

frequentadores.

O projeto original do empresário Francisco Serrador, que era um pouco mais

ambicioso, não foi implantado por completo. Carvalho (2008) salienta que o projeto

originalmente previa a construção de três teatros que não foram inseridos no plano

final, ainda intencionava conter um rink de patinação e parque de diversões. A

robusta estrutura que estava prevista para ser o Quarteirão Serrador limitou-se à

construção de quatro cinemas

Segundo Carvalho (2008), o Capitólio foi a primeira sala de cinema

inaugurada na região, seguido do Glória, Império e Odeon. Os cinemas de Francisco

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

28

Serrador não eram salas simples, a própria configuração dos prédios sugeria que o

visitante permanecesse por mais tempo, como observa Lima (2000), na planta do

Cinema Glória, que dispunha de um luxuoso restaurante, sala de espera e três

pavimentos com apartamentos de um quarto e banheiro.

Segundo a revista Cinearte (1926), o Odeon era “[...] o melhor e mais luxuoso

Cinema do Rio”. Uma reportagem da própria revista, de mesmo ano, utilizando o

título “Odeon”, corrobora o entusiasmo dos olhares curiosos que passavam pela

região:

Os milhares de pessôas que descem diariamente nos bondes da Jardim Botanico, não podiam, calcular nem desconfiar o que seria aquelle grande edifício de esquina na Praça dos Cinemas, e mais surpresas ainda deveriam ter ficado quando viram, de uma noite para um dia, inesperadamente, surgir o novo Odeon acompanhado de todas as suas extraordinarias e confortaveis instalações (CINEARTE, 1926, [s.p.]).

O Capitólio e o cinema Império possuíam a mesma configuração, talvez um

pouco mais modestos que o Odeon. Segundo Lima (2000), o cinema Pathé-Palácio

foi edificado sem que os desenvolvedores Marc Ferrez e Filhos optassem pela

demolição do já existente cinema Pathé, que com a construção do Pathé- Palácio,

ficaria conhecido como Phatezinho. A ideia para o levantamento do projeto deu-se

na época em que os cinemas de Serrador passaram a ser considerados como de

segunda categoria. Contudo, utilizaram o mesmo formato dos prédios para edificar a

sala.

Se a Praça Floriano foi criada como lugar de passagem, os cinemas de

Serrador surgiram para inverter essa ideia. A Praça Floriano não se limitava a um

espaço ornamentado e arborizado para embelezar a paisagem, os cinemas

despertavam a curiosidade do público como um ambiente propício à prática do lazer.

Entretanto, a área que se destinou por muito tempo a ser o templo de divertimento

carioca, estava fadada ao desuso.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

29

1.3 A PÓS-CINELÂNDIA

Aquele que a partir de 1926 visitasse a Praça Floriano, certamente iria

vivenciar a experiência da novidade cinema, tal como descrita por Beth Carvalho, na

música intitulada Cinelândia. A experiência musical como narrativa de um cenário

que se popularizou e aos poucos perdeu o seu espaço nos arredores da região da

Cinelândia carioca, retrata fielmente a realidade em que se encontra a atual Praça

Floriano. Como canta Beth Carvalho, “Meu Deus, que tempo bom! ”.

Havia, pelo Brasil um clima de euforia Vinha das telas toda a alquimia Do Cineac Trianon E o "Rio 40 Graus" de alegria Se derretia e divertia No escurinho do Odeon Quisera, Eu regredisse em cada dia um mês Quem dera ouvir Tarzan falar Pela primeira vez Pudera, Meu povo ria mais bonito Com Grande Otelo e Oscarito Na vesperal das seis Já era, Toda malícia de Ankito Anselmo era o grande mito

Ninguém falava inglês (CARVALHO, 1983).

Ao expressar tamanho saudosismo na exclamação, retratando um tempo que

já foi bom, infere-se tratar de uma época que não existe mais. O Rio de Janeiro já foi

o reino dos cinemas, assim como a Cinelândia já foi Cinelândia. Seria demasiado

reconhecer como extinto o Bairro dos cinemas, pois, o Cinema Odeon ainda

funciona naquele espaço, o Cinema Rex ainda vive da exibição de filmes

pornográficos, e o Cine Palácio está para renascer. E o Capitólio, o Glória, o Cine

Pathé, o Império, o Cine Vitória e o Cinema Orly ficam apenas na memória de quem

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

30

viveu para ver o espetáculo da era dos cinemas de rua. Tantos cinemas, cinemas

que não voltam mais.

O próprio sufixo “lândia”, do inglês “land” atribui a ideia de domínio,

abundância2. Nesse caso, no uso da palavra Cinelândia, a região dominada pelo

cinema, o território pertencente aos cinemas, que por muito tempo, trouxeram fulgor

à vida carioca. “Meu povo ria mais bonito”, assim canta Beth Carvalho e, de fato, o

bairro dos cinemas deixa saudade no coração de quem viveu tal época, das

mulheres que aos poucos deixavam suas casas para fazer uso das praças como um

cômodo de sociabilidade ao ar livre, dos namoricos no escuro do cinema, das

carroças de pipoca e dos letreiros onde eram exibidos os nomes dos filmes.

Passar hoje pela região que se iniciou a partir do projeto de Francisco

Serrador, tornando oportuna a chegada das demais salas que viriam a expandi-la,

fazendo assim jus ao nome popular Cinelândia, agora deve-se limitar a observar o

único edifício que ainda permanece a funcionar no antigo terreno do Convento da

Ajuda, o Cinema Odeon. Inicialmente, o Bairro dos Cinemas resumia-se as quatro

salas construídas pelo empresário espanhol, mas a Cinelândia, a terra dos cinemas,

alastrou-se. Contudo, não há muito a ser dito dos edifícios que outrora funcionavam

como cinemas, motivados a instalarem-se no espaço pelo sucesso do Quarteirão

Serrador, pois deles apenas restou o Cine Rex.

A Cinelândia é hoje o espaço de “euforia”, das manifestações políticas e

artísticas, dos movimentos militantes e dos festivais que lotam o Odeon, último

cinema do Quarteirão Serrador a ser construído e único a permanecer. É também o

lugar do Bar do Amarelinho, do Palácio Pedro Ernesto e do Teatro Municipal. Esse

espaço representativo continua cativando os cariocas, passantes, trabalhadores no

tempo de ócio e turistas.

A Praça Floriano ainda é um lugar de concentração social, dos encontros, dos

filmes alternativos do novo Cinema Odeon (Figura 1), do rush da estação de metrô.

A Cinelândia ou Quarteirão Serrador é um espaço de memória. Memória que se

2 Curiosidade: Sufixos comuns em nomes de lugares. Disponível em:

http://marlivieira.blogspot.pt/2010/10/curiosidade-sufixos-comuns-em-nomes-de.html. Acesso em: 28. Mar. 2016

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

31

constitui a partir de testemunhos, relatos de quem frequentou os famosos cinemas

de rua, das fotos e matérias de jornais salvaguardadas na Biblioteca Nacional e do

saudosismo de quem nunca irá esquecer aquela época.

Figura 1: Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro Odeon.

Fonte: Acervo pessoal.

Beth Carvalho canta: “Quisera, eu regredisse em cada dia um mês”, porque a

Cinelândia rodeada de cinemas e pelo burburinho das pessoas ansiosas pelo início

da sessão, não volta mais. O Cinema Império, parte do Quarteirão Serrador, foi

substituído pelo prédio empresarial nº 19, onde atualmente situa-se o Mc Donald’s.

O antigo Capitólio também foi demolido, é hoje o edifício Paulino Ribeiro, nº 51 da

Cinelândia e o Glória ressurgiu como o prédio que habita a Caixa Econômica

Federal.

O Pathé Palace, que nada tem a ver com o Quarteirão Serrador, mas que foi

construído posteriormente devido ao sucesso dos cinemas, abriga atualmente a

Igreja Universal. A placa da Bomboniére Pathé está intacta, assim como a estrutura

do prédio. Porém, o cinema original não existe mais. Resta o Odeon, único espaço

de resistência a permanecer.

O Cinema Odeon resiste e essa tenacidade comprova a importância do

edifício no cenário carioca. A triste notícia do encerramento de suas atividades, em

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

32

junho de 2014 ainda não era o desfecho do símbolo da Cinelândia, que estava

próximo de completar 90 anos. A população carioca acompanhou a decadência de

outros cinemas importantes no cenário do Rio de Janeiro e o Odeon, tão importante

enquanto espaço cinematográfico, não poderia desaparecer e dar vida a um novo

prédio moderno, descontextualizando toda a história que carregou ao longo de sua

criação. Quase um ano depois, o edifício que abriga o Cinema Odeon passou por

reformas e reabriu como Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro Odeon,

permanecendo a conduzir a Cinelândia como um dos únicos cinemas sobreviventes

do Quarteirão Serrador3.

Dentre os cinemas que nunca fizeram parte do Quarteirão Serrador, mas que

surgiram após a popularização da Cinelândia, estão o Cinema Orly, Cine Rex, Cine

Palácio e o Cine Vitória. Este último, localizado na Rua Senador Dantas e,

atualmente, prédio onde se encontra a Livraria Cultura. A fachada do antigo cinema

ainda permanece, sendo esta usufruída para agregar valor cultural ao

estabelecimento. Há ainda uma placa informativa da Prefeitura Municipal do Rio de

Janeiro, indicando que o cinema funcionou naquele espaço.

O Cine Rex, localizado na Rua Álvaro Alvim nº 37, ao lado do Teatro Rival,

ainda funciona exibindo filmes pornográficos. O Cinema Orly funcionou no edifício

Teatro Regina, localizado na Rua Alcindo Guanabara nº 21. A música de Beth

Carvalho remete ao tempo dos cinemas de rua do Rio de Janeiro, do Bairro dos

Cinemas, época remota em que a Cinelândia fazia-se conhecida pelos cinemas de

rua. Para registro de uma época suprimida da vida carioca, Beth Carvalho canta:

Cinema Tu és a arte comovida O copião da própria vida Meu Deus, que tempo bom! (CARVALHO, 1983).

A época a que Beth Carvalho se refere, hoje não faz parte do cotidiano

carioca. A Cinelândia ainda é conhecida como Cinelândia sem, contudo, dispor de

3 Cine Odeon, na Cinelândia, passa por reforma e reabre como Centro Cultural. Disponível em:

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/05/cine-odeon-na-cinelandia-passa-por-reforma-e-reabre-como-centro-cultural.html. Acesso em: 27. Mar. 2016.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

33

todas as salas que fizeram parte daquele cenário. Entretanto, o título Cinelândia

ainda se aplica à região, apesar de não corresponder à realidade, vive nas

lembranças de muitas pessoas, existindo na memória social.

Halbwacks (2006) afirma que a memória social ou histórica seria a

representação de um fato que não necessariamente se presencia, mas que se pode

recorrer a testemunhos ou relatos na tentativa de estabelecer uma relação com o

passado para assim construir o imaginário do que não foi presenciado. Isso ocorre

porque tais lembranças têm forte significado no contexto social, o que faz com que

permaneçam vivas.

Nesse sentido, o indivíduo que não vivenciou a época do Quarteirão

Serrador, com os quatros cinemas – Império, Capitólio, Glória e Odeon – em

funcionamento, poderia se lembrar de que tais edifícios existiram, não porque esteve

presente, todavia escutou sobre a Praça dos Cinemas, ou leu relatos do que se tem

sobre a história da região e que se repercute no tempo. Isso ocorre porque segundo

Halbwacks (2006), o indivíduo não sente dificuldade para imaginar um fato que não

testemunhou, apenas se utiliza de relatos para reconstruir um contexto no qual não

esteve presente fisicamente. O título Cinelândia estabelece uma relação com o

passado, sendo testemunho imaterial do que a região um dia representou.

O projeto Cine Fantasma4 aproxima-se do que Halbwacks (2006) conceitua

como memória, por realizar o que poderia ser chamado de vídeo intervenções,

projetadas nas paredes externas dos edifícios que pertenceram aos antigos cinemas

de rua. O mapeamento desses espaços estimula o sentido de lembrança, indo um

pouco além ao causar uma reflexão sobre o que se quer preservar e recordar. E

como “fantasmas” nas paredes que pertenceram aos cinemas, as projeções

materializam-se em lembranças de um imaginário urbano extinto.

A região da Cinelândia carrega valores afetivos que se expressam em forma

de lembranças, pelo nome popular concedido à região ou pela existência do Cinema

4 O Projeto Cine-fantasma realiza-se de forma dinâmica por meio de vídeo intervenções nas paredes

dos edifícios que um dia foram destinados a abrigar salas de cinema. Disponível em: https://paoleb.wordpress.com/projects/cine-fantasma-assombracoes-dos-cinemas-de-rua/. Acesso em: 30 jan. 2016.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

34

Odeon como um espaço de resistência pós-moderno. A região ocupa um lugar na

memória dos cariocas, as lembranças projetadas, faladas ou lidas constituem-se um

imaginário urbano que foi perdido fisicamente, mas que perdura na memória,

contribuindo para o sentimento de pertencimento, daquilo que existe sem

necessariamente existir, de um título que estabelece um tipo de ligação com o que

se quer preservar, para sempre.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

35

2 IMAGEM E TURISMO

O turista pode ser representado pela figura transitória que não tem

compromisso nem fidelidade com os locais por onde passa, para o gozo de suas

diversas experiências, procura pelos lugares que diferem em algum aspecto de sua

vida cotidiana. No exercício de seus devaneios busca por elementos que motivem o

seu deslocamento, pois o transitar incute um desejo, que pode ser desenvolvido por

algo com caráter visual, como uma fotografia, por exemplo. Em contrapartida, Urry

(2001) observa que “[...] o turista é uma espécie de peregrino contemporâneo,

procurando autenticidade em outras ‘épocas’ e em outros ‘lugares’[...]”. Esse turista

descrito pelo autor se aproxima do turista cultural, interessado pela cultura e pelo

patrimônio em geral.

O universo particular captado pelas lentes da câmera expande a visão de

espaço idealizada pelo turista, que recorre à fotografia para entender e apreciar o

que lhe é obscuro. A fotografia seria o elemento simbólico que representaria o seu

encontro com os lugares distintos de sua atmosfera habitual. Como comenta

Bernardet (2006), parece fundamental o movimento que produz a impressão da

realidade, componente responsável pela ilusão cinematográfica, que não está

presente na fotografia.

A paisagem sempre foi objeto dos filmes, assim como é para a fotografia. O

cenário descrito na literatura a fim de compor o imaginário do leitor, torna-se objeto

da impressão da realidade, representada pela imagem fílmica. A literatura sempre

explorou esse imaginário, entretanto, a imagem seduz, atrai e encanta, por se tratar

de um elemento visualmente retratado sobre diversas perspectivas.

A questão da imagem sempre esteve presente no retrato feito da cidade do

Rio de Janeiro, e a veracidade ou falsidade do que se retratava conectava-se à

visão do estrangeiro e assim se repercutiu ao longo do tempo. Segundo Freire-

Medeiros (2005) no início do século XX, o imaginário estrangeiro que se tinha dos

países da América Latina era de uma posição de irreversível atraso.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

36

Bignami (2002) enfatiza que os invasores europeus tomavam as terras

brasileiras e, no processo de descoberta, criou-se uma imagem por meio de relatos

e pesquisas, a partir do ponto de vista do estrangeiro que objetivava dominar as

novas terras. Mais especificamente na vinda da Família Real para o Brasil, o

interesse de viajantes ou visitantes tornou-se mais frequente. A partir desse período,

descreveu-se muito sobre as terras brasileiras, as condições urbanas e outros

aspectos denominados importantes sobre as áreas visitadas.

No que diz respeito ao Brasil urbano, Bignami (2002) afirma que se imaginou

o país a partir de representações pictóricas. A vista do Rio de Janeiro para Baia de

Guanabara em uma visão panorâmica de 360º ilustrava o imaginário da cidade.

Essa representação aproximou-se da ideia de paraíso, que já havia sido explorada

pelos primeiros viajantes.

A cidade do Rio de Janeiro, hoje vista pelo ângulo cinematográfico, emerge

como um espaço de imagens simbólicas que se construíram para reforçar o seu lado

turístico. Se a imagem é um atributo tão importante no cenário contemporâneo, faz-

se necessário pensar o Rio nas suas transformações, refletindo como a cidade tem

adquirido e sustentado sua imagem. Ao analisar historicamente os processos

urbanos, percebem-se os esforços para tornar o Rio de Janeiro uma cidade

cosmopolita. A construção dessa imagem surgiu como primeiro registro fílmico

nacional que se tem da metrópole, como menciona Heffner (2015), a partir do filme

“O luto pelo Barão do Rio Branco (1911)”, mostrando então a recém-inaugurada

Avenida Central e seus arredores como foco principal.

As primeiras imagens são projetadas no Brasil por influência de Paris, que em

1896 já contava com sua primeira exibição das imagens em movimento para o

público5. Cinco anos após a descoberta parisiense, registram-se as primeiras

5 Informações obtidas no site referente ao Centro de Pesquisa e Formação do SESC São Paulo, cuja

proposta foi discutir o cinema brasileiro: das primeiras imagens à era transmidiática. Disponível em: https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/atividade/cinema-brasileiro-das-primeiras-imagens-a-era-transmidiatica. Acesso em: 30 jan. 2016.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

37

imagens brasileiras filmadas na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, pelos irmãos

italianos, Segreto6.

A imagem continua sendo um fator recorrente para avaliar o Rio de Janeiro,

sempre o foi. A realidade de uma cidade pestilenta e com péssima qualidade de vida

na época do império cooperou para a repercussão de sua primeira imagem pública

para o mundo. A proposta de reforma urbana veio para mudar a imagem que se

tinha de uma cidade inóspita e mal falada (HEFFNER, 2015).

O primeiro filme hollywoodiano que fez uso de imagens do Rio de Janeiro,

intitulado The Girl From Rio (1927), não convenceu positivamente o público carioca,

justamente por se tratar de uma visão estereotipada da cidade. Naturalmente, o

embaixador responsável por representar o Brasil em Washington, naquele contexto,

queixava-se a despeito da imagem pública internacional que se tinha do Rio,

apresentado como “[...] ‘um vasto hospital’ habitado por perigosos peixes, cobras e

insetos”. (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 7).

Essa imagem caótica propagada por Hollywood modificou-se por interesses

estritamente econômicos, na tentativa de promover de forma elogiosa a cultura da

América Ibérica, com a finalidade de obter a aceitação latino-americana em prol dos

objetivos estadunidenses, denominada política de boa vizinhança (FREIRE-

MEDEIROS, 2005).

De acordo com Castro (2011), pode-se apropriar das imagens reproduzidas

em filmes mais facilmente do que quando se ouve uma história e precisa criar as

próprias imagens mentais para assimilá-la. Isso ocorre porque sua correlação com a

memória possibilita que o espectador entenda e as associe vertiginosamente.

Notadamente por essa condição, seria mais fácil para quem assiste estabelecer

algum tipo de associação, como criar imaginários a partir do que se viu.

Em confronto com o valor mercantil que o produto imagem adquiriu, Gastal

(2005) ressalta que a sociedade contemporânea é objeto da espetacularização da

imagem, a estetização é encarada como elemento fundamental nas experiências

6 A chegada do cinema ao Brasil. Disponível em: http://ocinemabrasil.blogspot.com.br/. Acesso em:

30 jan. 2016.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

38

visuais, o que intensifica o seu uso, principalmente quando se trata da divulgação de

um destino turístico. O cinema também se apoia no estético, o que de certa forma

atrai os olhares, da sociedade contemporânea seduzida pelo visual, do turista e do

próprio trade turístico.

Esse tipo de linguagem fílmica associada à imagem para estabelecer a

capacidade de compreensão emocional e estética entre o público é característica da

indústria cultural a qual Adorno (2002) tanto critica, uma vez que o cinema tornou-se

um instrumento para delimitar comportamentos e tendências. O modelo reprovado

por Adorno (2002) sustenta-se na propaganda, colocando em questão duas

vertentes distintas: o autêntico e o universal. Entretanto, a própria indústria depara-

se com uma contradição em que o espectador é induzido a crer que a universalidade

pode criar algo autêntico, na medida que sua amplitude atinge e torna os

consumidores cada vez mais distraídos.

Retomando a discussão a partir da apropriação da imagem para o turismo,

identifica-se que a ideia de universalização parte de uma perspectiva pós-moderna.

O conceito proposto por Adorno (2002) não se restringe apenas à questão fílmica,

pois considera a universalização para além do padrão estético cinematográfico

quando infere que esse modo de reprodução pode mudar o comportamento do

público.

Analisar a questão da imagem cinematográfica quando se está tratando do

produto turístico é pensar na relação positiva entre esses dois elementos,

justamente porque as propriedades visuais e estéticas reforçam sua divulgação.

Essa abordagem propriamente pós-moderna pode induzir o comportamento do

espectador, especialmente em razão da atividade turística trabalhar com o visual, o

que faz retomar a questão da espetacularização da imagem abordada por Gastal

(2005), o que não seria propriamente uma crítica ao modo de sua produção, mas a

atenção requerida para as exigências do novo consumidor pós-moderno.

Embora Urry (2001) argumente que a ideia de espetáculo sempre esteve

presente na atividade turística como um componente importante a sua

sobrevivência, a espetacularização para o turismo é reprovada, porque a atividade

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

39

atrai massas, comprovando que essa espetacularização da imagem e a própria ideia

de espetáculo exercem um papel fundamental para alçá-la.

É interessante para entender essa colocação no recorte temporal pós-

moderno mencionar uma das características apresentadas por Urry (2001) para

definir o comportamento do pós-turista. Para Urry (2001) a experiência do pós-turista

consiste em ver determinadas cenas importantes para a construção do olhar por

meio da televisão, o que incute na perda de noção do autêntico. A direção conceitual

apresentada por Urry (2001) não leva em consideração a televisão ou o filme como

componentes inerentes ao imaginário, tendo em vista a importância do visual nas

representações turísticas, já citado por Gastal (2005).

Dir-se-ia que na pós-modernidade a questão da autenticidade não está pré-

determinada. Nesse sentido, a divulgação de paisagens turísticas em filmes não

seria algo autêntico, o que de acordo com Urry (2001), é importante para a

experiência do turista. Entretanto, há de questionar-se que a promoção em si é um

elemento fundamental que faz parte da ideia de espetacularização propriamente

aplicada ao turismo.

2.1 TURISMO CINEMATOGRÁFICO: O CINEMA COMO ATRATIVO PARA O

TURISMO NA CINELÂNDIA

Ao analisar a imagem sobre uma perspectiva mercadológica, o estudo

direciona-se ao entendimento de suas propriedades indutivas quando relacionadas

ao impacto direto no público motivado a deslocar-se após assistir produções

cinematográficas (BRASIL, 2010), na tentativa de ampliar a competitividade dos

destinos brasileiros, reforçando a importância do segmento denominado turismo

cinematográfico.

O turismo cinematográfico, especialmente por se tratar de uma espécie de

segmento que visa destacar o potencial atrativo de países e regiões, é considerado

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

40

um elemento de motivação para o público. Segundo Nascimento (2009) a crescente

difusão midiática pós-moderna fez com que o cinema e a televisão tornassem os

principais meios de divulgação, sendo a paisagem quando relacionada a essa

perspectiva, um objeto da imagem audiovisual.

Garcia (2011, p.18) ao se referir à relação entre cinema e espectador afirma

que “[...] essa viagem sem corpo é prerrogativa do espectador ao consentir o mundo

ficcional proposto pelo cinema. Portanto, trata-se mais do que uma experiência de

prazer, ou, além do princípio do prazer, de uma experiência estética”. Justamente

pela experiência estética que o espectador que ao deparar-se com o novo mundo

frente à tela do cinema, sente-se instigado ao ato de deslocar-se.

Partindo da premissa que os deslocamentos espaciais estão na essência do

fenômeno turístico e que podem ser estimulados a partir do uso de paisagens como

recortes da realidade por meio dos filmes, Beeton (2005) afirma que os meios

midiáticos inserem no cotidiano social uma série de costumes e hábitos não muito

frequentes. Essa mudança de comportamento parte de uma indução impulsionada

pela vontade de conhecer o novo, ocasionada pela dinamicidade do som e imagem

em um conteúdo visualmente atrativo, desenvolvendo-se o imaginário turístico a

partir de recortes de imagens que focam nos atrativos e paisagens.

Com o papel de sensibilizar o trade turístico para tal possibilidade, o Ministério

do Turismo lançou a cartilha “Turismo Cinematográfico Brasileiro”, no ano de 2010.

Objetivou-se com o material divulgar o Brasil como um país promissor no

desenvolvimento do segmento, atraindo-se o público. A divulgação dos destinos

turísticos nos filmes funcionar-se-ia como uma ferramenta de marketing com forte

diferencial estratégico.

Iniciativas como essa, que visam tornar o destino produto da imagem visual,

desenvolvem o que Nascimento (2009) denomina como Set Jetters, os turistas que

se inspiram nos filmes para escolher os destinos de viagem. Partindo do conceito de

Nascimento (2009) comprova-se a capacidade de indução do audiovisual.

Nascimento (2009) aponta ainda que o turismo cinematográfico otimiza o

potencial atrativo como também pode criar um destino turístico. Essa possibilidade

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

41

ocorre devido às propriedades audiovisuais que visam destacar o cenário. Na

perspectiva do campo do turismo, a descoberta de uma paisagem como atrativo

turístico denomina-se turistificação. Beeton (2005) afirma que muitos países utilizam

filmes para atrair turistas, sendo os efeitos positivos do turismo relevantes para a

comunidade. Os filmes podem ser uma estratégia de promoção para o turismo,

fazendo com que lugares antes nunca visitados passem por um processo de

turistificação.

Contrapondo-se à discussão da imagem como produto, Urry (2001)

argumenta que a mídia interfere no comportamento social, pois por meio de sua

reprodução é possível que diferentes agrupamentos sociais entrem em contato com

a representação da vida de outras pessoas, a que ele chama de voyeurismo

institucionalizado. A adoção de um estilo reproduzido pela mídia é algo frequente no

mundo pós-moderno, exercendo-se um forte papel na atividade de consumo. Frente

a essa possibilidade, a influência midiática estaria responsável pela padronização de

costumes e hábitos de quem a acompanha.

A partir desse conceito parte-se para uma indagação no sentido de

problematizar os valores de consumo atuais. Para Bauman (2001), o consumo não

estaria predeterminado, nota-se pouca racionalidade no ato de consumir no

momento histórico presente, por tratar-se de algo induzido, reproduzido, inerente à

vida moderna. Partindo desse princípio, o viajante pós-moderno estaria destinado a

“consumir” o produto turístico a partir do ato de reprodução ou modismo,

especialmente quando o que se deseja consumir está materializado no produto

imagem. A partir disso, o desejo de consumir o que se vê nos filmes não seria uma

vontade racional, parte de uma vontade inconsciente, induzida por mecanismos

trabalhados para tal fim.

Justamente pela rápida captação do público ao associar o destino à imagem é

que o turismo cinematográfico tem o poder de difundir um espaço que não é,

necessariamente, reconhecido como destino ou atrativo. Contudo, Brasil (2010)

afirma que cabe ao trade os esforços de promoção e valorização em explorar a

região ao elaborar pacotes turísticos e souvenires que visam à criação e

fortalecimento de um símbolo.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

42

A questão da imagem remete ao Rio de Janeiro como produto. Cidade

Olímpica, país do carnaval e futebol, cidade do samba. A ideia de estereótipos

também é veiculada na imagem que o cinema cria e diz respeito a imagem que se

quer vender. A questão do estereótipo associado à imagem é importante à medida

que a reforça como símbolo. Parece ser importante para o turista esse tipo de

representação que não é necessariamente factual, até mesmo por tratar-se de algo

encenado para fins mercadológicos.

Muitas foram as aparições do Rio de Janeiro como elemento principal da

imagem na televisão e nos cinemas. Essas cenas da cidade em movimento podem

ter suscitado seu reconhecimento internacional como uma marca, bem como o seu

status de cidade maravilhosa. Apesar de carregar no passado o estigma do atraso

colonial, parece ter sido possível o alcance da imagem desejada desde as primeiras

reformas urbanas. O primeiro espaço carioca a ser objeto das reformas urbanas

ficaria mais tarde conhecido como Broadway brasileira, pela oferta do espetáculo

cinematográfico e teatral. (LIMA, 2000)

A Cinelândia carrega uma identidade social desde o seu surgimento como

espaço destinado aos cinemas. Um dos fatores que a define como um espaço

próprio à locação cinematográfica são os prédios de valor arquitetônico, edificados

ao seu redor. Viu-se que a imagem tem poder indutivo, o que não seria o único fator

a resolver o descaso com o patrimônio existente, entretanto, seria uma saída para

que o próprio trade turístico investisse na região como potencial destino, por meio de

medidas que visam criar políticas públicas para que tal realidade se materialize.

2.2 A CINELÂNDIA DOS FILMES: CENÁRIOS PARA O TURISMO

Entre muitas outras cenas da cidade carioca, a Cinelândia fez-se presente em

filmes como Terra Em Transe (1967) de Glauber Rocha, Interlúdio (1946) do diretor

Alfred Hitchcock e Rio, Eu te amo (2014), apenas para citar alguns como forma de

exemplificação. As imagens dos edifícios que compõem a região, presentes nos

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

43

filmes, chamam atenção por apresentarem cenários específicos reais como locação

nas produções cinematográficas.

Utilizaram-se três filmes como parâmetro de comparação, pela relevância que

as cenas apresentam, aproximando-se da ideia de turismo induzido por filmes

apresentada por Beeton (2005). Os filmes Interlúdio (1946), Terra Em Transe (1967)

e Rio, Eu Te Amo (2014) utilizam a Cinelândia ou a Praça Floriano e arredores como

locação, com cenas que exibem edifícios como o Theatro Municipal, o antigo Palácio

Monroe e por último a Praça Mahatma Gandhi.

Grande parte das cenas externas do filme Interlúdio, de Alfred Hitchcock,

foram captadas no Rio de Janeiro. Entretanto, o diretor e os atores nunca vieram à

cidade, apenas as cenas foram gravadas, utilizadas em sobreposição ao elenco em

estúdio. Assistiu-se ao filme a fim de verificar os momentos em que é possível

identificar os edifícios que compõem a Cinelândia7.

O primeiro edifício da região a ser identificado no filme Interlúdio (1946) é o

Theatro Municipal, em visão panorâmica da Avenida Rio Branco, no momento em

que um voo paira sobre a cidade (Figura 2). Um aspecto fundamental para

compreensão da importância da arquitetura na representação do espaço

cinematográfico, de acordo com Garcia (2011), baseia-se na busca pela significação

do espaço representado a partir da linguagem fílmica para assim compartilhar com o

espectador. A significação, segundo Urry (2001), também é importante para o olhar

do turista, entendendo-se aqui que a representação fílmica seria uma premissa para

a construção de tal olhar.

Nota-se a importância atribuída à Praça Floriano como espaço de lazer do Rio

de Janeiro e ao patrimônio edificado ao derredor. Identificada como triângulo da

cultura após as reformas que romperam com o período colonial, frequentou na

região, a alta sociedade. No momento de produção do filme, o Bairro Serrador já era

uma realidade presente na região. Tratando-se da época em questão, entende-se

que a Cinelândia era um dos espaços mais imponentes da cidade, o que poderia ter

motivado o diretor Alfred Hitchcock a utilizá-lo como locação. 7 Crítica – Interlúdio. Disponível em: http://www.planocritico.com/critica-interludio/. Acesso em: 29 jan.

2016.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

44

Figura 2: Panorâmica da Avenida Rio Branco e do Theatro Municipal, Cinelândia.

Fonte: imagem do filme Interlúdio (1946) de Alfred Hitchcock.

Levando-se em consideração a questão da imagem como uma ferramenta de

indução, pode-se dizer que um filme dirigido por Alfred Hitchcock, nos anos 40, foi

de todo importante para o Rio de Janeiro. O cenário utilizado como pano de fundo

da trama não se limitou à Cinelândia. Das cenas que se pôde identificar, foram

utilizados como locação espaços como o Pão de Açúcar, Corcovado, Copacabana e

Jockey Clube. Identifica-se ainda a Câmara Municipal e o antigo Palácio Monroe,

colocando em questão a obra fílmica como um instrumento importante para

salvaguardar a memória do patrimônio.

A imagem em questão não estaria restrita a um único objetivo em particular,

mas atinge diversas dimensões que a torna objeto do público. Notou-se que o

Theatro Municipal destaca-se independentemente, em uma área nobre como a

Avenida Rio Branco, já construída e entrecortada pelos carros, para talvez

apresentar ao espectador uma imagem moderna da cidade do Rio de Janeiro. Após

a cena do Theatro Municipal, identificou-se a Câmara Municipal (Figura 3) no

momento em que um dos personagens principais estaciona o carro em frente ao

edifício.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

45

Figura 3: Vista da Câmara Municipal, Praça Floriano.

Fonte: imagem do filme Interlúdio (1946) de Alfred Hitchcock.

Certamente, a imagem como uma dimensão estética que representa a

realidade, é uma questão recorrente para o estudo. Pode-se observar que Hitchcock

preocupou-se com o cenário que sobrepõem os personagens, transmitindo para o

espectador a própria ideia do Rio de Janeiro limitado ao recorte estético, ao espaço

que deveria ser mostrado ao espectador. O Palácio Monroe (Figura 4), que aparece

em uma das cenas do filme, está posicionado para conduzir o olhar do espectador

para a ideia de um Rio de Janeiro moderno e cosmopolita.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

46

Figura 4: Palácio Monroe.

Fonte: imagem do filme Interlúdio (1946) de Alfred Hitchcock.

Se o filme produzido por Hitchcock em 1946 foi apenas um ensaio para

divulgar a imagem de um Rio de Janeiro moderno, o filme Rio, Eu te Amo (2014),

apoia-se na ideia de turismo induzido por filmes (BEETON, 2005), já discutida no

trabalho em questão. Com a intenção de rodar curtas nas grandes metrópoles do

mundo, observa-se, no projeto “Cities of Love”, a intenção de utilizar a imagem como

um elemento de divulgação, ilustrando o amor em diferentes cidades. A franquia que

se iniciou com o filme “Paris, Te Amo” (2006), seguido de “Nova York, Eu Te Amo”

(2008) conta com a produção de mais dois filmes8.

Um dos curtas do filme Rio, Eu te Amo (2014) inicia-se na Cinelândia. A atriz

Fernanda Montenegro interpreta uma pessoa em situação de rua, realidade muito

presente na região. É comum deparar-se com pessoas em situação de rua

perambulando pela Cinelândia, um aspecto muito frequente no cotidiano dos

espaços públicos da cidade do Rio de Janeiro. Essa questão não é bem vista pelos

passantes da região, que as associam ao sentimento de insegurança.

Em um dos segmentos do filme, o espectador depara-se com uma pessoa em

situação de rua, deitada ao chão da Câmara Municipal, posicionada em um ângulo

8 O projeto Cities of Love iniciou-se há 15 anos para ilustrar a universalidade do amor nas maiores

cidades do mundo. Disponível em: http://www.citiesoflove.com/. Acesso em: 30 jan. 2016.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

47

em que é possível visualizar o Theatro Municipal. A personagem anda por entre os

bares da região e bancas de jornal, parando por fim em frente à Praça Mahatma

Ghandi (Figura 5).

Figura 5: Praça Mahatma Ghandi de frente para o edifício Odeon

Fonte: Imagem do filme Rio, Eu Te Amo (2014).

Essa imagem constituída pelo espaço cinematográfico no filme Rio, Eu te

Amo (2014) seria propriamente uma denúncia do cotidiano vivido pelas pessoas na

região, que se encontram em tal situação, dado que para Garcia, (2011, p 94) [...]

“conseguir distinguir cada imagem ou elemento desse cenário pessoal é como

revelar a alma da casa e consequentemente a alma do cenário”. Nesse sentido, o

significado do personagem enquanto ser atribui à narrativa uma intensidade que se

relaciona diretamente com o espaço utilizado como locação.

A locação na Cinelândia está sempre voltada para os edifícios icônicos da

região. No cenário fictício do filme Terra em Transe (1967), do diretor Glauber

Rocha, parte das filmagens foi realizada no Theatro Municipal (Figura 6). A trama

ideológica remete ao uso do espaço como símbolo das manifestações políticas, em

que mais uma vez o espectador depara-se com a realidade cinematográfica pintada

em simbolismos que se situam entre o real e o fantástico (AZEREDO, 2009)

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

48

Figura 6: Interior do Theatro Municipal

Fonte: Filme Terra Em Transe (1967) de Glauber Rocha.

A questão dos cinemas e do bairro como um lugar de memória nunca foi

devidamente explorada. Talvez esse costume recorrente dá-se por questões

simbólicas, pois o nome Cinelândia ainda representa a região no sentido da

memória coletiva, mas o que a representa como espaço que desperta interesse

valorativo nas acepções sociais, relaciona-se ao valor individual daquilo que se

entende como objeto de prestígio. Por essa razão, a questão valorativa faz-se

presente em diferentes concepções que estão aquém do entendimento conceitual.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

49

3 PESQUISA DE CAMPO REALIZADA NA REGIÃO DA CINELÂNDIA

O estudo na Cinelândia apoia-se na pesquisa de natureza quantitativa

exploratória e qualitativa descritiva com o objetivo de identificar as percepções de

dois grupos distintos: turistas e moradores (município do Rio de Janeiro e Região

Metropolitana), para traçar o imaginário que se tem da região. A questão norteadora

consistiu na ideia de que o turismo cinematográfico poderia valorar o patrimônio

existente na Cinelândia, tendo em vista que o espaço estudado por vezes foi objeto

da imagem fílmica.

Os formulários aplicados diretamente pelo investigador e pesquisadores que

auxiliaram na coleta de dados continham distintas perguntas abertas de produção de

resposta e perguntas de múltipla escolha. O objetivo foi obter uma percepção mais

individualizada para avaliar o imaginário que se tem da região a partir dos dois

olhares.

A amostra coletada entre os dias 8 a 16 de dezembro de 2015, na Praça

Floriano, Cinelândia, constou de 129 formulários, sendo 61% dos respondentes

moradores e 39% turistas. As questões iniciais de 1 a 5 foram padronizadas para

ambos os formulários, buscando-se informações sobre o respondente, como gênero,

estado civil, nível de escolaridade e faixa etária, a fim de identificar o perfil do

visitante que frequenta a Cinelândia.

No formulário de opinião pública, respondido pelos moradores, as questões

de 6 a 13 tinham por finalidade identificar uma proximidade com o objeto de estudo,

levando-se em consideração as opiniões sobre a divulgação da Cinelândia por meio

dos filmes e a avaliação das condições da localidade para receber o turista. No

formulário de demanda turística, respondido pelos turistas, as questões de 6 a 17

procuravam avaliar as motivações e percepções sobre a região visitada, buscando

uma aproximação mais direta com o imaginário que se tem, bem como a

identificação da região nos filmes.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

50

Muitos foram os obstáculos durante o período de pré-aplicação da pesquisa.

Inicialmente, optou-se pelo uso de informações da polícia militar para chegar a uma

estimativa do número de passantes na região, o que serviria de base para o cálculo

estatístico em que o trabalho seria fundamentado. Por essa perspectiva, o número

de formulários a serem preenchidos deveria ser de aproximadamente 30% do

número de passantes na região. Entretanto, a polícia militar do Rio de Janeiro não

dispõe desses dados, o que fez com que a escolha de tal estratégia não lograsse

êxito.

Frente a essas questões utilizou-se o método de amostragem não

probabilística por conveniência, limitando-se às condições do campo na aplicação,

buscando uma amostra de dados que viabilizasse a pesquisa (GUIMARÃES, 2008).

A amostra contou com 129 formulários, sendo 79 respondidos por moradores e 50

por turistas, entre os dias 8 a 16 de dezembro de 2015, na Praça Floriano.

No período de aplicação da pesquisa deparou-se com obstáculos intrínsecos

ao campo, em que se pode notar a dificuldade para conseguir pessoas interessadas

em responder o formulário, o que se relaciona a natureza da região estudada, local

de passagem e conexão para diferentes ruas. Inicialmente, o planejamento para a

aplicação contou com cinco pesquisadores por dia de pesquisa, dos dias 7 a 11 de

dezembro. Entretanto, com as adversidades do tempo e desistência de alguns

pesquisadores a pesquisa iniciou-se dia 8 e se estendeu até o dia 16 de dezembro

de 2015.

No momento de aplicação da pesquisa, observou-se que muitos

respondentes – moradores da Região metropolitana e município do Rio de Janeiro e

turistas – não souberam responder algumas perguntas constantes dos formulários.

Como os formulários tinham por finalidade avaliar as percepções de ambos, as

variáveis foram mensuradas na sistematização de dados após a coleta.

Os dados foram sistematizados separadamente por formulário – opinião

pública e demanda – isolando as variáveis de pesquisa de cada formulário. Na

análise buscou-se comparar os resultados.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

51

3.1 PERCEPÇÕES DOS MORADORES DA REGIÃO METROPOLITANA E

MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Considerou-se no estudo em questão como respondentes do questionário de

opinião pública aqueles que residiam no município do Rio de Janeiro próximos ao

local de pesquisa, Centro, tais como as regiões Zona Sul, Zona Norte e Zona Oeste,

perfazendo um total de 79 pessoas. Os respondentes do questionário de opinião

pública foram também compostos pelos moradores da região metropolitana, pois

todos tinham suas atividades de estudo ou trabalho na cidade do Rio, portanto, não

se enquadraram na categoria de turistas.

Observou-se que a predominância deu-se para o público feminino (54%)

enquanto o número de homens respondentes foi de (46%). Quanto à faixa etária

notou-se que a participação mais expressiva se destacou entre os respondentes de

26 a 34 anos (35%), seguido dos respondentes das faixas etárias entre 18 a 25 anos

(32%), 35 a 50 anos (14%), 51 a 65 anos (13%) e mais de 65 anos (6%). Com

relação ao estado civil, 54% são solteiros, 37% casados, 5% viúvos e 4%

divorciados.

Dos respondentes do questionário de opinião pública, 53% conhecem a

história da Cinelândia e de seus antigos cinemas, seguido de 47% que não a

conhecem. Considerando-se o tempo médio que os respondentes residem na cidade

ou Estado do Rio de Janeiro –72% moram há mais de 15 anos, 13,9 % entre 10 a 15

anos, 3,8% entre 5 a 10 anos, e 10,1% menos de 5 anos – os números indicam que

a porcentagem dos que não conhecem a história da região, embora a maior parte

viva há mais de 15 anos no Rio, faz com que esse desconhecimento cause

surpresa.

Voltando-se à questão da memória, de acordo com Halbwachs (2006), é

possível reconstruir a lembrança de um contexto em que nunca se esteve presente,

apenas pela existência da memória coletiva. Entretanto, é necessário recorrer à

memória de outras pessoas, que funcionam como pontos de referências. Pouco se

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

52

tem de informação relacionada à região nos espaços que constituíram os cinemas

da Cinelândia, o que pode inibir o interesse dos passantes.

Quando questionados se a Cinelândia possui condições para receber turistas,

55% afirmaram que sim, enquanto 24% não consideram a Cinelândia como um

espaço adequado para recebê-los. Tal pergunta está relacionada à percepção que o

respondente tem sobre a região e como ele a avalia.

Essa abordagem pode ser mais bem interpretada quando perguntados sobre

o que deveria ser feito na região da Cinelândia para receber bem um turista. Nessa

questão, o respondente poderia escolher mais de uma alternativa, sendo possível, a

partir da análise, identificar alguns pontos de insatisfação. A segurança foi o fator

mais mencionado, e segundo 72% das respostas, precisa melhorar. A informação

turística precisa ter mais atenção na opinião de 35% dos respondentes e apenas 9%

acreditam que a sinalização da região não é boa (Figura 7).

Figura 7: Melhorias a serem feitas na Cinelândia para receber bem o turista. Fonte: Elaboração própria.

Ainda nessa questão, os investigados puderam mencionar outra opção que

não estava necessariamente listada na pergunta, o que resultou em percepções

individuais. A limpeza foi a palavra que mais apareceu. Com relação à menção

“mobilidade para deficientes”, observou-se que uma das vias de acesso é equipada

para deficientes. Contudo, a queixa está diretamente relacionada ao espaço

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

53

Cinelândia como Praça Floriano. As palavras que mais apareceram foram: investir

nos bares ao redor e na área cultural; tornar os atrativos turísticos acessíveis à

população; revitalização; melhorar a limpeza da região, bem como embelezá-la;

Os respondentes afirmaram que a presença de pessoas em situação de rua e

prostitutas no período noturno seria o principal motivo do sentimento de insegurança

na região. Desses, 57% avaliaram a segurança como ruim, 39% como regular e 4%

como boa.

A respeito do que o morador identifica como atrativo para o turista, pode-se

escolher mais de uma opção, com um total de 192 respostas. Os prédios icônicos da

região, que expressam até hoje a imponência moderna – O Theatro Municipal,

Museu Nacional de Belas Artes, Biblioteca Nacional, – receberam o maior número

de respostas. Para 33% dos respondentes do questionário de opinião pública, o

Theatro Municipal é o edifício que seria mais interessante para o turista, seguido do

Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro Odeon e a Biblioteca Nacional, com 13%.

Cerca de 11% dos respondentes acredita que o turista gostaria de conhecer o

Museu Nacional de Belas Artes.

Apesar de tradicional e antigo na região, o Bar do Amarelinho foi considerado

um local que o turista gostaria de visitar por apenas 7% dos respondentes. A opção

“outros” foi escolhida por 1% dos respondentes, em que o Passeio Público aparece

como única opção mencionada. O Palácio Pedro Ernesto – Câmara Municipal – foi

considerado um local que o turista gostaria de conhecer por 6% dos respondentes

do questionário de opinião pública (Figura 8).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

54

Figura 8: Local da Cinelândia um turista gostaria de conhecer.

Fonte: Elaboração própria.

Os investigados relataram suas percepções a respeito do espaço Cinelândia,

relacionando-as à ideia de divulgação. Muitas foram as tentativas de aproveitar a

imagem como um difusor, a exemplo do filme Rio Eu Te Amo (2014), em que uma

das premissas era divulgar o Rio de Janeiro com a imagem de cidade maravilhosa.

Poucos se lembraram de filmes em que a região foi utilizada como locação.

Entretanto, na opinião de 91% dos pesquisados, a divulgação da Cinelândia por

meio dos filmes pode atrair visitação, bem como trazer algum tipo de benefício para

a região. Para que isso aconteça alguns fatores são condicionantes, o que remete a

uma questão anterior, em que os respondentes do questionário de opinião pública

deveriam responder se a Cinelândia possui condições para receber turistas, o que

levou 4% a utilizarem o termo “depende” para responder tal questão. Apenas 9%

acreditam que a divulgação da Cinelândia, por meio dos filmes, não seria suficiente

para atrair visitação ou algum tipo de benefício para a região.

Segundo Beeton (2005), geralmente se aceita que o termo “turismo induzido

por filmes” relaciona-se a locações turísticas que seguem o sucesso de uma

produção filmada em uma determinada região. Acredita-se que pelas propriedades

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

55

de indução da imagem, a divulgação por meio dos filmes pode contribuir

positivamente para o fenômeno turístico. Entretanto, é necessário que o trade

turístico crie condições para que isso ocorra.

Ainda notou-se pelo retorno das respostas que 95% dos respondentes

consideram a volta das atividades do Cinema Odeon como importante para a região,

enquanto 5% não consideram necessário esse retorno.

A última questão do formulário de opinião pública é de grande valia para o

estudo, pois a partir dela identificar-se-á o prédio localizado na região da Cinelândia

que a representa em termos de significância. Considerou-se na presente questão o

que seria de valor para os respondentes, sem qualquer influência induzida por

opções. Para 54% dos respondentes do questionário de opinião pública, o Theatro

Municipal é o prédio que representa a Cinelândia, seguido do Cinema Odeon com

29% das respostas, enquanto 2% não souberam responder (Figura 9).

Figura 9: Edifício que representa a Cinelândia. Fonte: Elaboração própria.

Na questão norteadora do trabalho, buscou-se responder de que forma o

turismo cinematográfico pode valorar a região da Cinelândia, ao passo que tal

premissa só seria possível a partir de melhorias nos serviços e nas condições de

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

56

estrutura da região. A informação turística e a segurança são os itens que mais

aparecem na opinião dos respondentes. Entretanto, os pesquisados expressaram-se

positivamente quando perguntados se a Cinelândia poderia induzir fluxo turístico por

meio dos filmes. Podemos considerar o resultado como reconhecimento de que o

patrimônio e a história da região são atrativos para o cenário cinematográfico,

todavia, as afirmações mostraram-se insuficientes para comprovar se a divulgação

da Cinelândia como cenário nos filmes poderia atrair visitação.

3.2 PERCEPÇÕES DOS TURISTAS

Quanto à classificação dos turistas, dividiu-se em dois grupos distintos:

turistas nacionais e internacionais. Em um total de 50 respondentes, 60% eram

turistas domésticos que se deslocaram de 12 diferentes estados brasileiros, sendo

eles: Bahia, Rio Grande do Sul, Amazônia, Pará e Goiás com 2% de respondentes,

Pernambuco 4%, Ceará 6%, Paraná 4%, Rio Grande do Norte 6%, Maranhão 4%,

Minas Gerais 14% e São Paulo 12%. Houve 4% dos respondentes que residiam em

cidades e regiões do Estado afastados do centro da cidade, portanto turistas; Cabo

Frio e Santo Antônio de Pádua – Região dos Lagos e Noroeste Fluminense. Em

relação aos turistas residentes em países estrangeiros somaram-se um total de 36%

dos seguintes países: Alemanha 4%, Argentina e Estados Unidos com 6% de

respondentes cada, Estônia 4%, França 8%, Irlanda, Itália, República da Macedônia

e Uruguai com 2% de respondentes de cada um dos referidos países.

Considerando os formulários respondidos pelos turistas (50 no total), a

amostra obteve predominância de presença masculina (54%), enquanto o número

de mulheres (46%) foi relativamente menor. Observou-se que os visitantes das

faixas etárias entre 35 e 50 anos (44%) tiveram maior participação. Os respondentes

com as faixas etárias entre 18 e 25 anos somaram 18% dos questionados, seguido

dos respondentes que se inserem nas faixas etárias entre 26 a 34 anos (24%) e 51 e

65 e mais de 65 anos, que obtiveram respectivamente 10 e 4%. Ainda dentre o

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

57

número total de turistas, 40% eram casados, 50% solteiros, 6% viúvos e 4%

divorciados.

A partir dos dados da pesquisa observou-se que 52% dos turistas

investigados possuem nível superior completo e 6% ensino superior incompleto.

22% possuem pós-graduação, seguido de 8% com ensino médio completo e ainda

aqueles que possuem formação técnica e ensino fundamental com 6% cada. Com

relação aos moradores, analisando-se esses números separadamente, 47%

possuem ensino superior completo, 10% superior incompleto, 27% ensino médio,

10% pós-graduação, 4% formação técnica e 3% ensino fundamental.

As questões de cunho específico que compreendem o formulário de demanda

respondido pelos turistas possibilitam um breve entendimento sobre o imaginário

que o grupo em questão tem sobre a região estudada. Sobre as motivações de visita

à Cinelândia, especificamente, 42% dos entrevistados estavam no espaço em busca

de lazer e recreação, 32% vieram a turismo, 6% visitavam amigos e parentes e 20%

estavam na praça em busca de outras atividades. No que diz respeito a outras

opções de escolha do turista, as palavras que mais apareceram foram: caminhar;

estudar; eventos; participação em festival; trabalho; participação em passeata;

negócios.

A porcentagem de respondentes que visitaram a região da Cinelândia em

busca de lazer corrobora a sua importância como atividade de livre escolha. Para

Dumazedier (2008), o lazer está intimamente relacionado a um momento de fruição

em que o indivíduo pode optar por atividades que se distanciem de sua realidade

habitual. Para Urry (2001), o turista como formador do próprio olhar, baseia-se na

semiótica em busca de um significado para suas escolhas e de tudo aquilo que o

cerca. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que existe uma relação entre o turista e o

espaço visitado.

Aproximadamente 42% dos turistas estavam acompanhados de suas famílias,

32% sozinhos, 24% em grupo e ainda 2% dos respondentes com amigos. Com

relação ao meio de transporte utilizado para deslocar-se na região, 38% dos turistas

utilizaram ônibus ou metrô, 10% utilizaram táxi e 14% visitaram a região de outras

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

58

formas, como uso de carro alugado ou caminhando pelos bairros próximos. O

número de turistas que conheceu a região por meio de caminhada (14%) é

importante para mostrar o interesse que os prédios da Cinelândia ainda podem

despertar no novo flâneur pós-moderno.

A partir da perguntar que revela a forma de conhecimento da Cinelândia,

descobriu-se alguns pontos interessantes. Cerca de 35% dos turistas chegou à

região por indicação de amigos ou parentes que moram no Rio de Janeiro ou que

visitaram a Cinelândia, ao passo que 28% conheceram a Cinelândia por meio de

Internet/Rede Social, sendo a rede social facebook mencionada pelos sujeitos da

amostra, ainda 11% tomaram conhecimento por jornais e revistas, 9% pela televisão

ou rádio, seguido de 17% que sinalizaram outras respostas, como uso de mapas,

caminhada, livros e visita guiada pelo Free Walking Tour. O uso de mapas destacou-

se dentro da porcentagem de outras respostas escolhidas.

A respeito do local que o turista gostaria de conhecer ou teria visitado, mesma

pergunta feita aos moradores no formulário de opnião pública, foi possível descobrir

o edificio mais mencionado pelos turistas que frequentaram a Cinelândia. Assim,

32% dos turistas disseram ter visitado o Theatro Municipal, seguido do Bar do

Amarelinho (14%), Biblioteca Nacional e Museu Nacional de Belas Artes (13%) e o

Centro Cultural Luis Severiano Ribeiro Odeon, com 9%. Comparando com as

respostas dos respondentes do questionário de opinião pública, o Theatro Municipal

foi o edifício que mais se destacou dentre os respondentes, seguido da Biblioteca

Nacional, Centro Cultural Luis Severiano Ribeiro Odeon e o Museu Nacional de

Belas Artes (Figura 10).

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

59

Figura 10: Estabelecimentos visitados na Cinelândia. Fonte: Elaboração própria.

No formulário de demanda turística incluiu-se uma pergunta relacionada aos

gastos da visita para avaliar quanto um turista dispende em média, informação que

seria importante do ponto de vista econômico para a região. De acordo com os

dados obtidos, 30% dos turistas gastaram até R$ 30,00 reais, 24% mais de R$

100,00, 20% entre 35,00 e 50,00, 14% não gastaram e 12% entre R$ 50,00 e R$

100,00.

Foi possível constatar que 84% dos respondentes não conhecem a história da

Cinelândia, apenas 16% dos turistas que a visitam a conhecem. Ao perguntar se o

turista tem conhecimento a respeito dos edifícios que foram construídos com a

intenção inicial de serem utilizados como cinemas, obtiveram-se 84% de respostas

negativas, isto é, não possuem nenhum conhecimento prévio sobre os edifícios que

eram utilizados como cinemas, apenas 16% afirmaram que conheciam esse fato.

A imagem do espaço Cinelândia como objeto de estudo é importante em

termos de significância arquitetônica. Parte desse conjunto está registrada na

memória cinematográfica, sendo justamente por tais condições que a composição

desse formulário volta-se à questão problema deste estudo. Nesse sentido,

perguntou-se aos turistas se já haviam assistido a filmes que utilizaram a Cinelândia

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

60

como locação, 86% responderam que não, enquanto 14% disseram que sim. O filme

Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha foi citado.

Com relação à informação turística da Cinelândia, 56% dos turistas

consideram-na ruim, 32% boa, 10% péssima e 2% ótima. Dos respondentes, 54%

avaliam a sinalização do local como boa, 40% como ruim, 4% como péssimo e 2%

classificam-na como ótima.

Com objetivo de dar voz ao turista, permitindo-lhe que respondesse

livremente a questão, perguntou-se se havia algum setor que necessitaria ser

melhorado na região. Destes, 70% responderam que sim e 30% responderam que

não. Os que optaram por responder positivamente apresentaram o que poderia ser

melhorado. As palavras que mais apareceram na opinião dos respondentes foram:

transporte, trânsito, wi-fi na praça, retirada das pessoas em situação de rua,

melhorar a informação, instalação de banheiros públicos e cabine com informação

turística.

Dentre as respostas que mais apareceram encontram-se a segurança e a

limpeza da região. A instalação de uma cabine de informação turística foi

mencionada como importante.

Com a finalidade de analisar, segundo a percepção do turista, qual edificio

seria relevante, 82% indicaram que o Theatro Municipal é o edifício que representa a

Cinelândia, seguido do Bar do Amarelinho com 6% e o Cinema Odeon com 4%, ao

passo que 6% não souberam responder (Figura 11).

Pode-se notar durante o período de aplicação dos formulários que o turista

segue em direção ao Theatro Municipal para captar imagens. A imponência do

edifício sempre o destacou. Para o morador que conhece a história da Cinelândia o

Cinema Odeon – Centro Cultural Luis Severiano Ribeiro Odeon – é um espaço de

memória, pela história que carrega. Para ambos os grupos, os edificios podem

apresentar diferentes valores afetivos. Entretanto, notou-se a partir dos dados da

amostragem que para o morador, o Theatro Municipal também é o edifício que

respresenta a região. Ainda percebeu-se no levantamento de produções

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

61

cinematográficas que se trata de um edifício icônico que serve para caracterizar a

região de uma forma geral, pois está sempre representado nos filmes.

Figura 11: Edifício que representa a Cinelândia (Turistas). Fonte: Elaboração própria.

Leva-se em consideração, segundo Castro (2011), que o cinema apropria-se

de elementos de outras linguagens, como a memória de imagens na constituição do

processo de reconhecimento. Esse processo de reconhecimento, que poderia ser

entendido mais precisamente como um processo de reprodução em massa, é

fundamental para que se crie a imagem do destino. Frente a essas questões, a

pergunta que visou extrair uma percepção quanto a divulgação da Cinelândia nos

filmes obteve resultado positivo, o que certamente precisaria de investimento do

trade turístico e envolvidos, conforme afirma Brasil (2010).

Fez-se necessário considerar as vozes dos turistas e moradores. Por meio da

pesquisa desenvolvida alguns pontos são essenciais para a criação de roteiros com

a temática de cinema, como a questão da segurança na região, pois 72% dos

respondentes do questionário de opinião pública consideraram que a segurança na

Cinelândia é um fator a ser melhorado, questão que também foi mencionada pelos

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

62

respondentes do formulário de demanda turística, como outras sugestões de

melhoria, bem como a limpeza. A questão da sinalização turística é um fator

relevante para ambos os respondentes dos dois formulários aplicados, pois se

observou que 52% dos respondentes do formulário de demanda turística consideram

a informação turística ruim, ao passo que 35% dos respondentes do formulário de

opinião pública avaliam a sinalização como ruim.

Entende-se que esse seria o primeiro passo no que diz respeito ao

desenvolvimento da região por meio do turismo cinematográfico. Pensando-se na

valorização da região, notam-se os esforços em atrair a presença de frequentadores

ao Centro da cidade do Rio de Janeiro. Um novo bulevar será construído na Avenida

Rio Branco, proposto pela atual gestão e, supõe-se que com a implantação do plano

de mobilidade urbana e do VLT, haverá uma mudança significativa em torno da

região, especialmente pela proposta de privilegiar as pessoas por meio do

impedimento de circulação de automóveis e ônibus, valorizando as ciclovias e os

pedestres9. Essa modificação servirá para futuros trabalhos na área, pois haverá

uma revalorização da região que irá interferir no turismo local.

Não há dúvida de que o turismo cinematográfico é de todo importante para

valorar o patrimônio existente na Cinelândia, no momento em que induz o fluxo e

possibilita que o trade turístico perceba tais efeitos multiplicadores, que podem

estimular uma iniciativa para investimentos e melhorias na região, visto que a

segurança e a sinalização local e turística necessitam ser cuidadas.

9 Avenida Rio Branco ganhará boulevard de 750 metros junto a trilho do VLT. Disponível em:

http://oglobo.globo.com/rio/avenida-rio-branco-ganhara-boulevard-de-750-metros-junto-trilho-do-vlt-17426771. Acesso em: 01 Fev . 2016

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

63

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se por meio desse estudo entender o turismo cinematográfico como

benéfico à região da Cinelândia. Levantou-se a hipótese de que o turismo

cinematográfico poderia valorar o patrimônio existente na Cinelândia, por se tratar

de prédios históricos que remetem à primeira metade do século XX. A questão da

memória faz-se importante para reforçar o sentimento de pertencimento à região,

bem como para constituir o olhar do turista, que se expressa a partir de um sentido

individual.

O processo histórico em que a região emerge suscita a necessidade de

espaços característicos à pratica do lazer. A própria criação da Praça Floriano no

período republicano destaca-se como elemento central das relações sociais em que

indivíduos da alta sociedade puderam desfrutar da experiência do flâneur

contemporâneo no espaço destinado ao espetáculo cinematográfico. Esse espaço

representativo perderia a imagem que se criou no decorrer dos anos dos primeiros

cinemas de rua.

A criação da região que seria conhecida como Cinelândia remete ao período

em que as condições históricas vivenciadas pela sociedade carioca facilitavam o

sucesso do surgimento do cinema como atividade de lazer.

A presença do Cinema Odeon, como único espaço de resistência, denuncia a

situação de descaso dos demais cinemas que faziam parte do Bairro Serrador, como

o Glória, Capitólio e Império e, mais tarde o Cinema Pathé. Alguns desses edifícios

constituem-se uma presença no espaço, que se limita ao existir físico, como o Cine

Pathé, hoje Igreja Universal, mas não necessariamente remete-se facilmente a

lembranças, dado que a falta de informação histórica do patrimônio que constitui a

área é uma realidade frequente.

A espetacularização da imagem difundiu-se como uma condição importante

na pós-modernidade, tratando-se do seu uso como divulgação. Infere-se que a

divulgação de um atrativo turístico ou de um potencial atrativo turístico por meio dos

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

64

filmes pode motivar o deslocamento de pessoas que são induzidas pelas condições

estéticas da imagem. Nesse sentido, sua utilização seria devidamente intencional.

A própria Cinelândia foi utilizada como locação em filmes, o que foi

considerado um aspecto importante para avaliar o interesse em utilizar como

locação o patrimônio da região. Pode-se perceber a evidência do Theatro Municipal

como um elemento principal a ser destacado no espaço cenográfico.

Em resposta à questão norteadora deste trabalho fundamentada na ideia do

turismo cinematográfico como um segmento importante para valorizar determinada

região por meio de divulgação, viu-se nos filmes estudados, o reconhecimento do

patrimônio da Cinelândia, corroborando o aspecto da imagem discutido no trabalho,

a indução pela propriedade estética.

Embora o número de visitantes que não conhecem a história da região tenha

predominado, ainda é relevante ressaltar que a quantidade de afirmações que

consideram importante a divulgação da Cinelândia por meio dos filmes é

substancial. Esse ponto é indispensável, pois a proposta de turismo cinematográfico

baseia-se na percepção que o próprio visitante possui da região.

A influência da Cinelândia e o contexto histórico que se relaciona à época em

que ela emerge no espaço moderno, não se apresentam como um fator importante

na perspectiva das pessoas, dado que a informação turística precisa melhorar.

Entretanto, a proposta de turismo cinematográfico é relevante para a região, pois o

fluxo turístico acarreta no investimento público e privado, evidenciando um potencial

já existente.

Entende-se que a imagem como produto pós-moderno constitui o

reconhecimento do destino, de modo a influenciar o deslocamento do visitante, fator

considerado importante enquanto elemento motivador. No entanto, a região da

Cinelândia precisa de melhoras no que diz respeito à estrutura para receber bem o

visitante que seria motivado ao deslocamento.

Tal análise permite inferir que o turismo cinematográfico traria benefícios à

região, no sentido de oferecer condições de estrutura de apoio, para que a

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

65

Cinelândia adquira o valor representativo que sempre teve como espaço identificado

como “triângulo da alta cultura” no final da Avenida Rio Branco.

O estudo em questão possui potencial para continuar a ser trabalhado,

portanto, apresenta-se como ponto de partida para pesquisas futuras que utilizem

como base o turismo cinematográfico como forma de indução turística na região.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

66

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. AZEREDO, Ely. Olhar crítico: 50 anos de cinema brasileiro. Instituto Moreira Salles, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Zahar, 2001 BEETON, Sue. Film Induced Tourism. Canadá: Channel View Publications, 2005 BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2006. BIGNAMI, Rosana. A imagem do Brasil no Turismo: construção, desafios e vantagem competitiva. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2002

BRASIL, Ministério do Turismo. Estudo de sinergia e desenvolvimento entre as indústrias do turismo e audiovisual brasileiras. Brasília: 2007. CASTRO, Elis Crokidakis. A Pesquisa da Memória em sua Relação com a História, a Literatura e o Cinema. In: TRINDADE, Denise (org.) Imaginários de cinema. Editora E-papers, 2011, p 7-20. CARVALHO, Taissa Soares de. Cinelândia: memória, identidade e patrimônio. Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Especial de Turismo, 2008. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade/ Editora UNESP, 2001. CINEARTE. Os elephantes. Revista Cinearte. ANNO I – NUM. 11. 12 – V – 1926. DOURADO, Guilherme Mazza. Belle époque dos jardins. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. DO RIO, João. A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS. ENDERS, Armelle. História do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. FREIRE-MEDEIROS, Bianca. O Rio de Janeiro que Hollywood inventou. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. GARCIA, Sueli. Arquitetura do espaço cenográfico: cinema e ficção científica. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2011.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO … - Higor Carvalho.pdf · renovação urbana no Rio de Janeiro foi o processo inicial para que novas formas de divertimento

67

GASTAL, Susana. Turismo, imagens e imaginários. São Paulo: Aleph, 2005. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2006. GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras, 100 anos de Cinema. Rio de Janeiro: Funarte, 1998. GOMES, CHRISTIANNE LUCE. Dicionário crítico do lazer. Belo Horizonte: Auténtica Editora, 2004. GUIMARÃES, Paulo Ricardo Bittencourt. Métodos quantitativos estatísticos. Curitiba: IESDE Brasil SA, 2008. HALBWACHS, Maurice; SIDOU, Beatriz. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. HEFFNER, Hernani. Paisagem Carioca no Cinema Brasileiro. In: Imaginários Cariocas: A representação do Rio no cinema. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 2000. MACHADO, Marcelo de Barros Tomé. A modernidade no Rio de Janeiro: Construção de um cenário para o turismo. Rio de Janeiro, secretaria municipal das culturas, 2008. NASCIMENTO, F. M. e. Cineturismo. São Paulo: Aleph, 2009. OS ELEPHANTES. Cinearte. ANNO I – NUM. 11. 12 – V – 1926. RIO DE JANEIRO Odeon. Cinearte – IV – 1926. SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Editora Scipione, 1993. URRY, John. O olhar do turista: Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio, 1996.