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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE - GARANTIA CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DO IDOSO PORTADOR DE ALZHEIMER NO CENÁRIO IBERO- AMERICANO Niterói, 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE - GARANTIA CONSTITUCIONAL DA

DIGNIDADE DO IDOSO PORTADOR DE ALZHEIMER NO CENÁRIO IBERO-

AMERICANO

Niterói,

2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE - GARANTIA CONSTITUCIONAL DA

DIGNIDADE DO IDOSO PORTADOR DE ALZHEIMER NO CENÁRIO IBERO-

AMERICANO

PAULO JOSÉ PEREIRA CARNEIRO TORRES DA SILVA

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional na linha de pesquisa de Teoria e História do Direito Constitucional e Direito Constitucional Internacional e Comparado. Área de Concentração: Direito Constitucional Orientador: Prof. Dr. Eduardo Manuel Val.

Niterói,

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

TORRES DA SILVA, Paulo José Pereira Carneiro.

Diretivas Antecipadas de Vontade - Garantia Constitucional da Dignidade do

Idoso Portador de Alzheimer no Cenário Ibero-Americano / Paulo José Pereira Carneiro

Torres da Silva. -- 2016.

157 f.

Orientador: Eduardo Manuel Val.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito,

Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Niterói, BR-RJ, 2016.

1. Direito Constitucional. 2. Diretivas Antecipadas de Vontade. 3. Direito do

Idoso. 4. Autonomia do Indivíduo. 5. Alzheimer. I. Val, Eduardo Manuel, orientador. II.

Título.

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Eduardo Manuel Val

Instituição: PPGDC/UFF

Decisão: _________________________Assinatura: ________________________

Prof. Dra. Clarissa Maria Beatriz Brandao de Carvalho Kowarski

Instituição: PPGDC/UFF

Decisão: _________________________Assinatura: ________________________

Prof. Dr. Flavio Alves Martins

Instituição: PPGD/UFRJ

Decisão: _________________________Assinatura: ________________________

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer ao meu orientador, Professor Dr.

Eduardo Manuel Val, que com sua dedicação desde o momento da definição do

tema e de seu recorte até os debates realizados já no apagar das luzes me mostrou

que é possível fazer diferente e fazer a diferença, e que me fez entender que diante

de problemas de falta de credibilidade nos sistemas e nas instituições, são as

pessoas que com sua força de vontade possuem o poder verdadeiramente

transformador.

Agradeço aos professores e servidores do PPGDC pelos incontáveis

momentos de aprendizado, dentro e fora das salas de aula, e ao CNPQ, por ter sido

um incentivador incansável das pesquisas no país, mesmo quando nuvens tão

escuras se avizinham.

Agradeço também aos meus amigos que compreenderam minhas

ausências, meu mau-humor, minha pressa, meus esquecimentos e tudo relevaram

por entender que essas vicissitudes fazem parte deste estressante e recompensador

processo.

Aos meus pais e avós - os de sangue e os que a vida me deu -, eu agradeço

por haverem incansavelmente lutado contra as dificuldades e perseverado para me

proporcionar a educação formal que eles próprios não puderam ter.

À minha companheira Nathália Marques eu agradeço por tudo. Por existir,

por me compreender mais do que eu mesmo me compreendo, e, sobretudo, por ter

embarcado nesta loucura comigo, sendo o porto seguro para onde eu sempre volto

quando as águas são turbulentas demais para navegar.

Não hei de agradecer nominalmente porque certamente há muitos mais a

quem deveria fazê-lo e esquecerei, mas isso não significa, em absoluto, que os

esqueci. São pessoas incríveis que mesmo sem saber foram fundamentais para o

resultado que hoje se apresenta. A estes, e a outros tantos, muito obrigado.

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Dedico este trabalho a Francisco,

Argemira, Irandir, José Carlos, Jylcélia,

Maria, Isabel, Irene, Florinda e a tantos

outros que mesmo sem dizer – ou poder

dizer - uma palavra me moveram por toda

esta jornada.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO.................................................................................................................... 7

RESUMO..................................................................................................................... 8 ABSTRACT ................................................................................................................. 9 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1. Os passos da velhice: da terceira à quarta idade .............................................. 20

1.1. A Quarta idade e o envelhecimento patológico ............................................... 22 1.2. Demência e Doença de Alzheimer .................................................................. 26 1.3. Desafios no cuidado da Doença de Alzheimer ................................................ 31 1.3.1. O Cuidador e os Processos Decisórios ........................................................ 33

1.3.2. O Direito à Qualidade de Vida como Objetivo .............................................. 36 1.3.3. O dever de cuidado em uma sociedade que envelhece............................... 41 2. Situações de fim da vida e autonomia do indivíduo: considerações éticas e constitucionais ........................................................................................................... 45

2.1. Apontamentos sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Ordenamento Jurídico Brasileiro ............................................................................... 47

2.2. Autonomia do Indivíduo e Dignidade da Pessoa Humana: dilemas éticos em situações de fim de vida ............................................................................................ 55

3. Histórico Jurídico das Diretivas Antecipadas de Vontade .................................. 65 3.1. Diretivas Antecipadas de Vontade: A Circulação do pensamento no Direito Internacional e a experiência Norte-Americana ......................................................... 65

3.2. Paradigmas de regulamentação das Diretivas Antecipadas de Vontade na Ibero-américa ............................................................................................................ 75

3.2.1. Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico espanhol ........ 80 3.2.2. Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico argentino ........ 86 4. Tutela da Autonomia da Vontade no Ordenamento Jurídico-Constitucional Brasileiro. .................................................................................................................. 93

4.1. Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina .......................... 95 4.2. Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina .......................... 98

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 102 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 109 ANEXO A – Código de Nuremberg ......................................................................... 124 ANEXO B – Declaração Universal dos Direitos Humanos ...................................... 126 ANEXO C – Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (WMA) ...... 132

ANEXO D – Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da Medicina ..... 138 ANEXO E - RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006 ...................................................... 150 ANEXO F - RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995/2012 ...................................................... 154

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RESUMO

TORRES DA SILVA, P. J. P. C.. Diretivas Antecipadas de Vontade - Garantia

Constitucional da dignidade do idoso portador de Alzheimer no cenário Ibero-

Americano [dissertação]. Niterói: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de

Direito; 2016.

A presente dissertação analisa o uso das Diretivas Antecipadas de Vontade como

ferramenta para concretização da garantia constitucional da dignidade da Pessoa

Idosa paciente da Doença de Alzheimer. Para tanto, explora os desafios do

processo de adoecimento do idoso paciente da Doença de Alzheimer, discute os

dilemas éticos e constitucionais inerentes a um instrumento que tem como objetivo a

efetivação de uma manifestação de vontade realizada em um momento pré-

demencial, explora os diferentes tipos de Diretivas antecipadas de vontade, compara

os ordenamentos constitucionais Espanhol, Argentino e Brasileiro para contrastar os

diferentes estágios de regulamentação dos referidos instrumentos e, por fim, verifica

a adequação destes instrumentos na persecução da efetivação da garantia

constitucional de Dignidade da Pessoa Humana. Metodologicamente o presente

trabalho realiza uma análise interdisciplinar na qual aborda a temática a partir do

método qualitativo apoiado na revisão bibliográfica, aliado à análise indutiva e, no

tocante à análise legislativa internacional comparada utilizada também o método de

abordagem da escola crítica e como método de procedimento tratar-se-á os dados

das pesquisas sob o método histórico-comparado nas suas vertentes micro e

macrocomparativas.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Diretivas Antecipadas de Vontade; Direito do

Idoso; Autonomia do Indivíduo; Doença de Alzheimer.

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ABSTRACT

TORRES DA SILVA, P. J. P. C.. Advance Directives – Constitutional guarantee of

the dignity of elderly Alzheimer’s patients in the Ibero-American scenario

[dissertation]. Niterói: Universidade Federal Fluminense, Law School; 2016.

The present dissertation analyzes the use of the Advance Directives as a tool to

concretize the constitutional guarantee of the dignity of the Elderly Person suffering

from Alzheimer’s Disease. In order to do so, it explores the challenges of the disease

process of the elderly patient of Alzheimer’s disease, discusses the ethical and

constitutional dilemmas inherent in an instrument that has as objective the

accomplishment of a manifestation of will performed at a pre-dementia moment,

explores the different types of Advance Directives, compares the Spanish,

Argentinean and Brazilian constitutional systems in order to contrast the different

stages of regulation of said instruments and, finally, verifies the adequacy of these

instruments in the pursuit of the realization of the constitutional guarantee of the

dignity of the human person. Methodologically the present work interdisciplinarily

addresses the subject based on the qualitative method supported in the

bibliographical revision, allied to the inductive analysis and, with respect to the

international comparative legislative analysis, also used the method of approach of

the critical analysis methodology and as method of procedure the data analyzed was

treated under the historical-comparative method in its micro and macrocomparative

aspects.

Keywords: Constitutional right; Advance Directives; Right of the Elderly; Autonomy of

the Individual; Alzheimer’s disease..

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INTRODUÇÃO

Ao vislumbrar os avanços da Biomedicina ao longo do último século

percebemos que os saltos executados nesta área do conhecimento foram colossais.

É espantoso pensar que antes da descoberta de Alexander Fleming em 1928 não

dispúnhamos de antibióticos, e que mesmo estes só passaram a ser acessíveis à

população anos depois, na década de 40. É impressionante recordar que a síntese

química do DNA, que permite as mais avançadas técnicas de manipulação genética,

foi descoberta há pouco mais de 60 anos, descoberta esta que permitiu avanços

como a produção de insulina humana, que viria a ser sintetizada pela primeira vez

há apenas 34 anos atrás.

Estes avanços da Biomedicina, somados às conquistas sociais como a

humanização das relações de trabalho e universalização dos direitos humanos,

permitiram à população em geral uma melhoria também das condições de vida,

melhoria esta que viria a se refletir em um massivo aumento da expectativa de vida.

Dados fornecidos pelo Observatório da Saúde Global, da Organização

Mundial da Saúde (OMS, 2014) apontam para uma mudança no perfil

epidemiológico mundial, demonstrando que ao longo dos anos, cada vez menos

pessoas morrem em decorrência de doenças infectocontagiosas e cada vez mais

em razão de doenças crônico-degenerativas. Estes mesmo dados apontam as

neoplasias malignas, as diversas síndromes demenciais como a Doença de

Alzheimer e o mal Parkinson, a diabetes mellitus, e as doenças cardiovasculares e

respiratórias como sendo grandes causas de mortalidade na atualidade, padrão este

que há de se acentuar no decorrer dos próximos anos.

O relatório indica que não só as causas de mortalidade se alteraram, como

também a faixa etária em que esta mortalidade ocorre. Quando observamos a taxa

de crescimento populacional a partir do espectro etário é possível verificar que a

proporção de pessoas com mais de 60 anos vem apresentando um crescimento

exponencial, inclusive acima das demais faixas etárias, o que denota um claro

envelhecimento da população.

A guisa de exemplo, se analisarmos os quantitativos populacionais deste

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estrato etário apresentados desde a década de 70 e projetarmos sua evolução até o

ano de 2025 – considerando os relatórios da OMS -, é possível estimar que neste

período de 55 anos observaremos um aumento da população desta faixa etária da

ordem de 223%, o que significará, em números absolutos, um acréscimo de quase

700 milhões de pessoas idosas, ou quase metade dos 1,2 bilhões de idosos que são

vislumbrados nestes relatórios1.

Se levarmos em conta ainda que estes mesmos levantamentos apontam que

as pessoas muito idosas, assim consideradas aquelas que possuem 80 ou mais

anos, são o estrato que apresenta o maior crescimento proporcional dentro do

espectro das pessoas idosas, é forçoso concluir que não só o fenômeno do

envelhecimento populacional é inexorável, como também estamos diante de um

envelhecimento do envelhecimento, o que nos impõe ainda mais urgência em

desenvolver instrumentos e políticas públicas que visem garantir o respeito aos

direitos da pessoa idosa, eis que nos parece correto afirmar que a vulnerabilidade do

indivíduo idoso cresce em progressão geométrica em relação ao avanço de sua

idade.

Entretanto, se por um lado estes avanços que permitiram o aumento da

expectativa de vida e o consequente envelhecimento populacional representam uma

vitória da biomedicina, é preciso que se consigne que este cenário impõe novos e

severos desafios.

Muitas são as considerações evidentes que podem – e devem - ser

discutidas face a realidade do envelhecimento populacional. Algumas de natureza

social como o aumento de fatores de exclusão social crônicos2, outras de natureza

1 São os relatórios OMS (1994). Declaração elaborada pelo Grupo de Trabalho da Qualidade de Vida da OMS. Publicada no glossário de Promoção da Saúde da OMS de 1998. OMS/HPR/HEP/ 98.1 Genebra: Organização Mundial da Saúde; OMS (1998) Growing Older. Staying well. Ageing and Physical Activity in Everyday Life. Preparado por Heikkinen RL. Genebra: Organização Mundial da Saúde; OMS (1998a). Life in the 21st Century: A Vision for All (Relatório Mundial de Saúde). Genebra: Organização Mundial da Saúde; OMS (1999) Relatório Mundial de Saúde, Banco de Dados. Genebra: Organização Mundial de Saúde; OMS (2000). Global Forum for Health Research: The10/90 Report on Health Research. Genebra: Organização Mundial da Saúde; OMS (2000a). Health Systems: Improving Performance (Relatório Mundial de Saúde). Genebra: Organização Mundial da Saúde; OMS/INPEA (2002). Missing Voices: Views of Older Persons on Elder Abuse.

OMS/NMH/NPH/02.2 Genebra: Organização Mundial da Saúde.

2 Em pesquisa realizada no Brasil (NERI, 2007) foram revelados dados expressivos nesse sentido: 18% dos idosos nunca foram à escola, 57 % cursaram até a 4ª série, 14 % até à 8ª série, 5%

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econômica, como o custo do envelhecimento populacional3, e, embora certamente

seja preciso que nos debrucemos detidamente sobre cada um destes aspectos do

envelhecimento populacional, entendemos que um aspecto apresenta razoável

protagonismo dentre os demais, a saúde do idoso.

Considerando o aumento da idade da população e sua permanência

prolongada no mercado de trabalho, é imperioso que os olhares do direito se voltem

para a garantia aos idosos de uma vida digna e necessariamente mais saudável, eis

que, muito mais do que viver mais, é importante que os idosos tenham uma vida de

qualidade no que diz respeito à saúde, sobretudo se considerarmos os resultados de

estudos apontam que “aproximadamente 40% do tempo vivido pelos idosos

brasileiros é sem saúde” (CAMARANO, KANSO e MELLO, 2004, p. 103).

O modelo de proteção social na América Latina – e no qual o Brasil se insere

– visa garantir a assistência à saúde individual e curativa, sendo especialmente

protetivo aos assalariados e fundamentalmente desigual, pois perpetua os

desequilíbrios sociais oriundos da hierarquia salarial, demonstrando, pois, a sua

fundamentação em uma matriz constitucional eminentemente liberal.

As políticas Neoliberais4 praticadas a partir dos anos 80 e 90 na região

apenas reforçam e radicalizam as desigualdades oriundas dessa matriz

terminaram o ensino médio e apenas 3% finalizaram o Ensino Superior, o que demonstra que não apenas às vulnerabilidades decorrentes do acesso à saúde estão expostos os idosos, mas sim à um nível de vulnerabilidade extrema agravada pela sobreposição de camadas de exclusão que potencializam geometricamente este já fragilizado grupo.

3 Aqui há de se notabilizar os argumentos que sustentam que o envelhecimento representa um custo sem retorno financeiro, eis que em um aspecto estritamente produtivista, esse indivíduo – em geral - não está inserido na força produtiva do mercado vigente, e que, portanto, é preciso rediscutir conceitos como envelhecimento ativo e previdência social, entretanto, por não ser o escopo do presente trabalho não adentraremos nesta seara.

4 – É preciso que se consigne que, para os fins deste trabalho, conceituaremos neoliberalismo pelo uso que o termo adquiriu – especialmente – a partir da década de 80, sendo frequentemente apontado como um como conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas centradas na participação mínima do estado na economia e na liberdade de comércio (livre mercado). Neste sentido, BOAS e GANS-MORSE (2009): “Neoliberalism has rapidly become an academic catchphrase. From only a handful of mentions in the 1980s, use of the term has exploded during the past two decades, appearing in nearly 1,000 academic articles annually between 2002 and 2005. Neoliberalism is now a predominant concept in scholarly writing on development and political economy, far outpacing related terms such as monetarism, neoconservatism, the Washington Consensus, and even market reform".

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constitucional liberal ao se centrarem no conceito de envelhecimento ativo5, tratando

o retorno do idoso ao mercado de trabalho como um meio de reduzir os custos do

estado e aumentar a produtividade do sistema.

Tais políticas, vem sendo questionadas de maneira sistemática pela doutrina

e mesmo pela sociedade civil organizada que, ao lançar um olhar social sobre a

questão, percebe que o fenômeno do “envelhecimento do envelhecimento” gera não

somente uma expectativa de vida bem maior, mas também amplia a situação de

vulnerabilidade dos idosos, especialmente os portadores de doenças limitantes de

sua mobilidade física ou que acarretam sua degeneração mental.

O idoso - de uma maneira geral - naturalmente encontra-se mais predisposto

ao desenvolvimento de doenças do que os jovens, o que eleva seu direito à saúde

ao patamar de direito fundamental da mais alta prioridade. É por meio dele que se

torna possível buscar o exercício de seus demais direitos, de maneira que seria

despropositado falar em qualquer outra garantia constitucional quando seu pretenso

titular perece debilitado em uma cama.

Em linhas gerais, o envelhecimento impõe uma necessária atenção aos

temas ligados à saúde do indivíduo. Pessoas idosas não raramente perecem em

razão de mais de uma doença, condição que a literatura médica denomina de

comorbidades.

Essas comorbidades são compostas de doenças crônicas que se

desenvolvem e se alongam por vários anos, exigem acompanhamento médico

constante e uso continuado de medicações, e impõem às diversas áreas do

conhecimento um dever de precaução para reduzir os impactos negativos causados

por estes processos, e não seria diferente no que diz respeito ao direito.

5 O Envelhecimento ativo é conceituado pela Organização Mundial da saúde como sendo “Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas.” (OMS, 2005. p. 13), entretanto, embora a própria Organização destaque que o aspecto “ativo” do envelhecimento não se centre exclusivamente no desenvolvimento de atividades laborais, e sim na participação contínua nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis, nossa visão é que em se tratando de políticas públicas no Brasil o aspecto laboral ganha centralidade, e é visto como uma das possíveis soluções para a crise do sistema previdenciário e assistencial que o país vem enfrentando.

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O envelhecer traz consigo - em decorrência da própria senescência6 - uma

redução gradativa da capacidade física dos indivíduos; já o processo de senilidade -

cada vez mais comum em razão da extensão de vida decorrente dos fatores sociais

e cuidados médicos anteriormente mencionados -, traz, por sua vez, a degradação

ainda mais acentuada e agressiva da dignidade e individualidade dos idosos, que

não raramente perdem por completo sua autonomia e se veem reféns da caridade e

boa vontade de terceiros, familiares ou estranhos.

Dentro deste escopo de doenças crônico-degenerativas, inserem-se as

síndromes demenciais, cuja prevalência na população idosa denota sua endemia

nessa fatia da população.

A demência é uma condição decorrente de fatores e patogenias diversas

que devido seu curso lento e progressivo afetam aspectos psíquicos dos pacientes.

Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer [201-?b],

A demência é uma doença mental caracterizada por prejuízo cognitivo que pode incluir alterações de memória, desorientação em relação ao tempo e ao espaço, raciocínio, concentração, aprendizado, realização de tarefas complexas, julgamento, linguagem e habilidades visuais-espaciais. Essas alterações podem ser acompanhadas por mudanças no comportamento ou na personalidade (sintomas neuropsiquiátricos).

Os prejuízos, necessariamente, interferem com a habilidade no trabalho ou nas atividades usuais, representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho e não são explicáveis por outras doenças físicas ou psiquiátricas. Muitas doenças podem causar um quadro de demência. Entre as várias causas conhecidas, a Doença de Alzheimer é a mais frequente.

Segundo o World Alzheimer Report de 2015 publicado pela Alzheimer’s

Disease International (2015) aproximadamente 46,8 milhões de pessoas ao redor do

mundo viviam com algum tipo de demência em 2015, número este que deverá

6 O termo senescência, também descrito como senescência celular, refere-se ao processo de envelhecimento biológico dos seres vivos, dissociado, portanto, dos fatores psíquicos associados diretamente à senilidade. Dentre as inúmeras teorias que buscam apontar as causas do envelhecimento pode-se destacar: a Teoria Genética, a Teoria Imunológica, a Teoria do Acúmulo de Danos, a Teoria das Mutações, a Teoria do Uso e Desgaste e a Teoria dos Radicais Livres (RLs), uma das teorias mais plausíveis até o momento. Essa teoria sustenta a ideia de que o envelhecimento celular normal seja desencadeado e acelerado pelos RLs, moléculas instáveis e reativas capazes de reagir com os constituintes do organismo em busca de uma maior estabilidade. Sobre as teorias do envelhecimento humano desde a perspectiva biológica ver FRIES e PEREIRA (2013).

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atingir os 74,7 milhões até 2030 e 131,5 milhões até 2050, sendo que a prevalência

desta doença em indivíduos com mais de 60 anos varia entre 4,6% a 8,7%,

dependendo da região observada. Nestes casos, cerca de 60 a 80% das doenças

referem-se especificamente ao Alzheimer.

Este mesmo relatório aponta que a incidência de demência aumenta

exponencialmente de acordo com a idade, dobrando seu quantitativo a cada 6,3

anos de idade do paciente.

Não existem, ao menos até momento da elaboração da presente

dissertação, estudos clínicos conclusivos aptos a comprovar a existência de cura ou

tratamento para regressão dos sintomas causados pela Doença de Alzheimer, fatos

que auxiliaram na delimitação do recorte a ser observado no presente trabalho.

É inadmissível que, além de sua saúde física e psíquica degradadas pela

doença, ao pacientes Doença de Alzheimer tenham também negados seus direitos

mais fundamentais, sobretudo a sua dignidade, consubstanciada, mormente, na

possibilidade de controle de sua vida, de seu patrimônio e da condução dos

tratamentos que visam abrandar os danos causados pela própria evolução de seu

quadro.

Assim, partindo do estudo de caso específico dos idosos pacientes da

Doença de Alzheimer, é preciso pensar sobre alternativas que confiram dignidade e

qualidade de vida para aqueles idosos que, em razão de sua condição de saúde,

não são adequadamente amparados pelas políticas de envelhecimento ativo. Esta

abordagem se faz imprescindível para que possamos alterar os paradigmas médico-

legais a fim de respeitar sua a vontade mesmo quando este paciente não mais

possuir o devido discernimento para expressa-la.

Organizações não governamentais como a Alzheimer Disease International7

e a Alzheimer Ibero America8 discutem exatamente questões relativas à

vulnerabilidade de idosos portadores de Alzheimer e fomentam soluções baseadas

em mudanças nas políticas de saúde dos Estados e aproveitamento da realidade

7 Site em: <http://www.alz.co.uk/vision-and-aims>. Acesso em 19/11/2014.

8 Site em: <http://alzheimeriberoamerica.org/>. Acesso em 19/11/2014.

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local como forma de garantia de qualidade de vida para os pacientes e suas

famílias.

Uma nova realidade social sugere novas considerações acerca da validade -

e mesmo da utilidade - das abordagens jurídicas utilizadas para amparo destes

cidadãos em situação de extrema vulnerabilidade.

É necessário questionar quais instrumentos jurídicos podem ser utilizados

para realizar o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o acesso à saúde para

este grupo altamente fragilizado.

Tomando o conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de

Saúde que em sua Constituição define saúde como sendo “um estado de completo

bem-estar físico, mental e social, que não consiste apenas na ausência de doença

ou de enfermidade”, a hipótese do presente trabalho é de que por meio de

instrumentos que respeitem e promovam a autonomia do indivíduo é possível não só

atingir os parâmetros estabelecidos como saúde, como também garantir dignidade

àqueles que se encontram acometidos por enfermidades - no caso específico da

presente dissertação, dos pacientes da Doença de Alzheimer -, valendo-se de novos

instrumentos para realizar os direitos fundamentais constitucionalizados.

Assim, este trabalho fundamentalmente buscará explorar os seguintes

questionamentos: quais as principais situações de vulnerabilidade às quais está

submetido o idoso paciente da Doença de Alzheimer e de que forma este paciente

consegue ter sua autonomia e dignidade respeitadas dentro do modelo promovido

pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro? A proteção constitucional aos

direitos fundamentais do idoso é bastante para a efetivação destes mesmos

direitos? Ferramentas como as Diretivas Antecipadas de Vontade ou outras

congêneres, que tem como objetivo perpetuar a vontade do indivíduo quando este

não mais possui capacidade de fazê-la valer são úteis na promoção da autonomia e

da Dignidade da Pessoa Humana destes indivíduos?

O objeto central desta dissertação é a análise dos instrumentos de Diretivas

Antecipadas de Vontade e seus congêneres dentro do ordenamento jurídico

constitucional sob uma ótica histórico-evolutiva e o impacto deste tipo de

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instrumento na afirmação da autonomia do indivíduo em situações de fim de vida

como viés para a efetivação dos direitos humanos, em especial da Dignidade da

Pessoa Humana e do direito do idoso à saúde e ao bem-estar.

Como limitadores regionais elegeu-se a ibero-américa a fim de conferir à

pesquisa uma abordagem consistente com a realidade regional sem, contudo,

desprezar importantes referenciais teóricos e experiências legislativas que fujam ao

âmbito estritamente latino-americano.

Assim, buscando pensar nas perspectivas locais sem olvidar-se das

experiências globais, esta dissertação se debruçará sobre os marcos legislativos

Brasileiro, Argentino e Espanhol, a fim de adotar referenciais com uma identidade

minimamente coerente em termos histórico-político-sociais, conforme sugerem os

estudos acerca da micro comparação de sistemas jurídicos internacionais, circulação

do pensamento jurídico e transplante de normas desenvolvidos por Pegoraro (2005

e 2013).

Assim, analisar-se-á a legislação constitucional brasileira a partir destes

referenciais de proteção social da autonomia do indivíduo - mormente no que diz

respeito à constitucionalização dos direitos fundamentais da pessoa idosa -

utilizando, para tanto, técnicas de direito comparado.

É preciso consignar, ainda, que o presente trabalho ao abordar a temática

acima descrita, o faz, necessariamente, de uma maneira interdisciplinar, abordando

dialogicamente categorias e questões inerentes à filosofia, medicina, gerontologia,

sociologia e políticas públicas, buscando, com isso, um panorama que cuide não

apenas dos aspectos legais, mas também sociais do tema em análise.

Para alcançar os objetivos perseguidos, adota-se o método qualitativo

apoiado na revisão bibliográfica, aliado à análise indutiva, partindo da observação de

fatos concretos para buscar reflexões sobre as possíveis formas de efetivação dos

direitos fundamentais perscrutados.

No tocante à análise legislativa internacional comparada que suporta a

pesquisa realizada, será utilizado também o método de abordagem da metodologia

da análise crítica postulada por Norman Fairclough (2012, p. 311-314) em

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consequência da própria natureza evolutiva e dialógica do direito que se estuda, e

como método de procedimento tratar-se-á os dados das pesquisas das fontes

convencionais de direito (Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS – e a

OMS), soft law (declarações e relatórios de cortes de princípios) e direito comparado

sob o método histórico-comparado nas suas vertentes micro e macrocomparativas.

Cabe destacar que multiplicidade metodológica aqui adotada é comum no

âmbito das Ciências Sociais Aplicadas, tamanha a complexidade dos fatos sociais.

Como sugere Creswell (2003), “The researcher bases the inquiry on the assumption

that collecting diverse types of data best provides an understanding of a research

problem”. Assim, buscamos em uma metodologia mais múltipla e compreensiva as

bases para analisar o problema vislumbrado ante a hipótese sugerida.

A fim de obter um melhor aproveitamento analítico do panorama jurídico-

constitucional, o tratamento da temática será feito em quatro partes: os passos da

velhice: da terceira à quarta idade; situações de fim da vida e autonomia do

indivíduo: considerações éticas e constitucionais; Histórico das Diretivas

Antecipadas de Vontade; e Tutela da Autonomia da Vontade no Ordenamento

Jurídico Brasileiro.

No primeiro capítulo denominado “os passos da velhice: da terceira à quarta

idade” faremos a contextualização do envelhecer (tanto saudável quanto patológico)

trabalhando com as categorias “Terceira Idade” e “Quarta Idade”, que, embora

afetas à biomedicina e à gerontologia, são sobremaneira caras ao presente trabalho

por destacar a heterogeneidade no que diz respeito à qualidade de vida do idoso

nos diferentes estágios de seu envelhecer.

Neste capítulo buscaremos também contextualizar as dificuldades que são

peculiares aos pacientes da Doença de Alzheimer bem como aos seus familiares,

pretendendo, assim, definir o escopo dos entraves à plena realização do princípio da

Dignidade da Pessoa Humana nestes grupos.

No segundo capítulo, “situações de fim da vida e autonomia do indivíduo:

considerações éticas e constitucionais” buscaremos desdobrar as situações

desenvolvidas no primeiro capítulo analisando os dilemas éticos decorrentes das

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possíveis soluções para os problemas apresentados contrastando tais

questionamentos com o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro a fim de

explorar também a questão da legalidade de decisões controversas envolvendo o

bem-estar dos idosos demenciados bem como situações de fim de vida.

No terceiro capítulo “Histórico Jurídico das Diretivas Antecipadas de

Vontade” serão estudados os diferentes tipos de instrumentos pertencentes à

categoria das Diretivas Antecipadas de Vontade, dos quais são espécies, por

exemplo, o Testamento Vital e o Mandato Duradouro, delineando sua evolução

histórica.

Após, serão descritos dois paradigmas legislativos em diferentes estados de

regulamentação destes instrumentos a fim de entender as possibilidades oferecidas

por estes instrumentos e os limites impostos pelos diferentes regramentos jurídico-

constitucionais.

No quarto e derradeiro capítulo, “Tutela da Autonomia da Vontade no

Ordenamento Jurídico-Constitucional Brasileiro”, exploraremos a regulamentação

existente acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico

nacional abordando também as possibilidades de aplicação destas como

instrumento para melhoria da qualidade de vida dos idosos portadores de Alzheimer

e de seus familiares, buscando as bases sobre as quais uma eventual produção

legislativa que pretenda regulamentar o tema se deverá, idealmente, se

fundamentar.

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1. Os passos da velhice: da terceira à quarta idade

Inicialmente, ainda que tenhamos compreensão da vulnerabilidade e das

inúmeras camadas de exclusão a que estão submetidas as pessoas idosas, para

que não haja um constrangimento de natureza semiótica, é preciso destacar que a

pesquisa realizada não verificou uma consistência acerca da nomenclatura mais

adequada para abordagem da temática.

É possível verificar que expressões como “melhor idade”, “adulto maduro”,

“idoso”, “velho”, “pessoas maiores”, “maturidade”, “idade maior” e “idade

madura” são usadas recorrentemente de maneira sinônima, conforme destacam

Freire e Neri (2000), no entanto, por motivos que deverão ser elucidados no decorrer

deste capítulo, o uso da expressão “terceira idade”, ainda que também possua uma

recorrente utilização como sinônimo das anteriormente citadas, será reservado a

uma categoria a ser estabelecida e descrita na presente dissertação.

Toda esta multiplicidade semiótica e a própria preocupação acadêmica com

a “forma correta” de adereçar a velhice só reforça a complexidade do envelhecer, ao

mesmo tempo que evidencia a existência de preconceitos intrinsicamente ligados à

idade.

Feitas essas considerações, antes de adentrar na esfera ético-filosófica e

jurídico-constitucional que constitui o cerne da presente dissertação, é preciso que

alguns conceitos centrais para o tratamento da temática sejam abordados.

Conforme adereçado anteriormente, atualmente os idosos gozam de uma

vida mais longeva. No Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde, publicado em

2015, a Organização Mundial da Saúde fez algumas considerações acerca do

processo de envelhecimento. Surpreendentemente, o estudo demonstrou que o

estereótipo de que com a idade o ser humano apresenta uma perda de habilidades

em geral é parcialmente equivocado, e que o envelhecimento como um processo

debilitante apresenta uma relação muito menos causal do que se imaginava.

Ao pormenorizar esses estudos, verificou-se que o envelhecer é particular a

cada indivíduo e que a diversidade das capacidades e necessidades de saúde dos

idosos não é aleatória, e sim advinda de eventos que ocorrem ao longo de todo o

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curso da vida e que, esses sim, impactam diretamente no envelhecer. Assim,

podemos dizer que a verdadeira face do envelhecer só pode ser percebida ao se

observar o resultado de toda uma vida.

Uma das conclusões mais importantes deste relatório para os fins do

presente trabalho é a de que, embora a ocorrência de múltiplos problemas de saúde

seja aumentada em pessoas idosas, a idade avançada não implica em dependência,

e de que o envelhecimento saudável é mais que apenas a ausência de doença, mas

sim a manutenção da funcionalidade e autonomia do indivíduo.

É de suma importância compreender que o aumento da expectativa de vida

per si é um fato a ser comemorado, mas não deve ser o objetivo último de nossa

sociedade. As oportunidades que surgem do aumento da longevidade são infinitas,

mas se reduzem a zero se descontado o “fator saúde”.

Infelizmente os dados obtidos por pesquisas como a realizada pela OMS

não permitem afirmar nada além do aumento da longevidade, pelo contrário, o

indicativo estatístico é de que embora as pessoas vivam mais, sua qualidade de vida

no que diz respeito à saúde e a sensação de bem estar percebida por estes é a

mesma de seus antepassados com a mesma idade, com o simples diferencial de

que as patologias fatais do passado tornaram-se doenças crônicas que se alongam

por vários anos sem que haja uma real perspectiva de cura ou de coexistência

sadia.

Entretanto, é preciso que se destaque que alguns tipos de doenças

prevalentes nas pessoas idosas podem ser prevenidas ou retardadas, e mesmo os

problemas de saúde decorrentes dessas mesmas doenças e de outras tantas

podem ser controlados desde que detectados cedo o suficiente.

Por fim, quando os processos de senescência e senilidade se consolidam e

esses indivíduos apresentam declínio em suas capacidades psicofísicas, é possível

estabelecer políticas e criar mecanismos que garantam sua dignidade, autonomia e

crescimento pessoal contínuo, e é exatamente neste aspecto que se insere a

relevância do presente trabalho.

Adentrando especificamente o cerne deste capítulo, é preciso destacar que,

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embora não seja o objeto central do presente estudo, faz-se necessário explicar –

ainda que superficialmente - o envelhecimento, que desde uma perspectiva biológica

é uma decorrência de diversos processos de degradação do organismo causadores

de danos às células do corpo.

Neste aspecto é importante destacar que mesmo dentro das ciências

biológicas não existe um consenso a respeito de uma teoria definitiva sobre o

envelhecimento biológico, o que existe é um senso comum que preconiza que o

envelhecimento biológico está ligado à “perda de funcionalidade progressiva com a

idade, com o consequente aumento da susceptibilidade e incidência de doenças,

aumentando a probabilidade de morte”, como bem destacam Mota, Figueiredo e

Duarte (2004) em um trabalho que busca justamente sintetizar as principais teorias

biológicas sobre envelhecimento.

Assim, eis que não é o objetivo da presente pesquisa discutir as teorias do

envelhecimento em uma perspectiva biológica, iremos nos ater aos fatores sociais,

dissociando, para os fins do presente trabalho as categorias da Terceira e Quarta

Idades a fim de compreender o curso daquilo que se pode chamar de “velhice

normal” para, posteriormente, analisar os impactos da evolução da patologia do

indivíduo portador da Doença de Alzheimer bem como a repercussão na vida de seu

círculo social e familiar.

1.1. A Quarta Idade e o envelhecimento patológico

A Ideia de que a velhice não é um processo uniforme e que possui

intrinsecamente diferentes estágios com características distintas não é exatamente

nova, e remonta ao estudo realizado pela especialista em psicologia do

envelhecimento Bernice Neugarten (1974).

Esta ideia seria mais tarde reforçada pelo historiador, cientista social e co-

fundador do Cambridge Group for the History of Population and Social Structure,

Peter Laslett (1991), com a consolidação da ideia de que a Terceira Idade possui

uma especificidade própria e que a velhice encerra em si múltiplas idades.

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Posteriormente, cientistas da área da saúde, especialmente gerontólogos e

psicólogos cognitivos, viriam a explorar mais detidamente os conceitos de Terceira

Idade e Quarta Idade, conceitos estes que se sobrepõem aos rótulos velhice-

inicial/idoso-jovem e velhice avançada/idoso-velho, introduzidos por Neugarten e

Laslett (Op. Cit.).

É preciso destacar, a priori, que distinguir entre Terceira e Quarta Idade não

significa estabelecer marcos cronológicos para estas duas fases da velhice, eis que

tais categorias referem-se a mudanças de ordem evolutiva do indivíduo, e não à sua

idade cronológica.

Desta feita, Baltes e Smith (2006) apontam a possibilidade de definir

Terceira e Quarta Idade sob dois prismas, majoritariamente: um, que considera

principalmente parâmetros populacionais, tem como foco a percepção do processo

de envelhecimento de determinados grupos sociais e; o segundo, ao qual

pretendemos nos ater para os fins do presente trabalho, funda-se em parâmetros

pessoais e tem como objetivo entender o processo de envelhecimento do indivíduo.

A definição da distinção entre a Terceira e a Quarta Idades com base na

pessoa é determinada com a observação do declínio da saúde psicofísica do

indivíduo causado pelos processos de morbidade até seu estado terminal (RIEGEL e

RIEGEL, 1972).

Desta feita, a distinção entre Terceira e Quarta Idade também pode ser feita

em função da diferença entre o potencial para uma boa qualidade de vida, típico da

Terceira Idade, e o potencial negativo da Quarta Idade para manter e melhorar a

qualidade de vida.

Neste sentido, estudos desenvolvidos no âmbito do Berlin Aging Study

(BASE)9 e pelo Berlin Aging Study II (BASE II)10 - grupos de pesquisa

multidisciplinares alemães ligados ao Instituto Max Plank11 dedicados à observação

9 Site em: <https://www.base-berlin.mpg.de/en>. Acesso em 23/12/2016.

10 Site em: <https://www.base2.mpg.de/en>. Acesso em 23/12/2016.

11 Site em: <https://www.mpg.de/en>. Acesso em 23/12/2016.

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de cidadãos alemães entre 70 e 100 anos em aspectos relacionados com sua saúde

física e mental, seu funcionamento cognitivo e sua situação socioeconômica –

chamam atenção para a vulnerabilidade e os diferentes graus de disfuncionalidade

de idosos em velhice avançada.

Em relatórios elaborados a partir das observações dos dados angariados, os

pesquisadores Field e Cassel (2010) e Lawton (2001) apontam que, em contraste

com os idosos-jovens, os dados dos nonagenários e centenários mostram

claramente algumas consequências negativas de adentrar a Quarta Idade, sendo

certo que viver longamente parece ser um importante fator de risco para a perda da

dignidade para os idosos.

São notáveis os dados relatados por acerca do substantivo declínio da

saúde física e mental na Quarta Idade (BALTES e SMITH, 2006):

OBSERVAÇÕES COMPORTAMENTAIS

• Tensões crônicas acumuladas na Quarta Idade: 80% dos idosos experimentam perdas em 3 a 6 áreas (multimorbidade), como, por exemplo, em visão, audição, força, capacidade funcional, doenças e cognição;

• Crescente e sistêmica ruptura na adaptabilidade psicológica;

• Perdas crescentes em satisfação e em contatos sociais;

• Entre 85 anos e 100 anos e mais, perfil de funcionamento crescentemente negativo nos dois anos que precedem a morte;

• Perdas nas funções cognitivas;

• Perdas em identidade (maior solidão e dependência psicológica);

CONTEXTO SOCIAL

• Os velhos-velhos são preponderantemente do gênero feminino;

• A maioria das mulheres são viúvas e vivem sozinhas ou em instituições;

• A maioria sofre hospitalização em algum momento dos últimos anos da vida;

• A maioria morre sozinha num hospital ou numa instituição;

Embora seja necessária a ressalva metodológica de que tais dados

representam uma população fora do recorte territorial definido para o presente

trabalho, sua relevância se justifica por representar um estudo compreensivo, de

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longa duração, aplicado a subgrupos que foram comportamental e biologicamente

selecionados pela genética e pelo estilo de vida e que são representativos de uma

população que sobreviveu até a idade avançada e que teve condições

(especialmente cognitivas) de participar do estudo, de maneira que o recorte

territorial neste aspecto se torna relativamente desinfluente.

As investigações destes grupos de estudo oferecem um importante conjunto

de dados que atestam a ocorrência de uma expressiva perda no potencial intelectual

dos idosos-velhos, perda esta que também é notada pelos próprios idosos objetos

da pesquisa e constituem mais um fator de angústia, exclusão e de perda de

dignidade.

Por fim, é preciso ter em conta que o indicador mais notável do declínio da

saúde mental que ocorre entre os idosos-velhos na Quarta Idade é o dramático e já

mencionado aumento na prevalência das demências.

Pesquisas em todo o mundo demonstram12 a prevalência e a progressão

geométrica da ocorrência da demência em idosos conforme o avançar da idade, e

neste sentido, as conclusões depreendidas dos dados do BASE (HELMCHEN,

BALTES, GEISELMANN et al, 2001, p. 167) confirmaram essa tendência: quase

metade dos idosos de 90 anos sofriam de alguma forma de demência.

A demência é uma condição caracterizada por perda gradual de

características como intencionalidade, autonomia, vida independente, identidade

pessoal e conexão social, entre outras. Tais atributos são basilares na conformação

da dignidade humana e o declínio destas funções significa, necessariamente, a

incapacitação destes indivíduos de exercerem plenamente seus direitos humanos.

Por outro lado, a eficácia dos tratamentos das demências é extremamente

limitada e notadamente volta-se para contenção da evolução do quadro patológico

que, não raramente, é diagnosticado em situação avançada de progressão, assim,

restando inconteste que as questões relacionadas aos processos demenciais são

fatores chave na persecução da dignidade do idoso, e que para os fins do presente

12 Um dos exemplos para esta afirmação pode ser encontrado em EBLY, PARHAD, HOGAN et al

(1994).

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trabalho elegemos a Doença de Alzheimer como recorte observacional, passemos à

exploração das vicissitudes decorrentes desta patologia.

1.2. Demência e Doença de Alzheimer

Conforme destacado previamente, as síndromes demenciais se mostram

como patologias críticas no que concerne ao comprometimento da capacidade de

autonomia e autodeterminação do indivíduo, sendo, portanto, um fator central na

percepção e realização da Dignidade da Pessoa Humana.

A Demência é classificada como sendo uma disfunção neurocognitiva

substantiva, uma vez que compromete tanto a função cognitiva dos pacientes,

quanto a realização de tarefas triviais do dia-a-dia, assim, é possível definir

demência como uma síndrome causada por doenças crônicas, de curso lento e

progressivo, que afeta a memória, o pensamento, o raciocínio, a orientação, a

compreensão, a capacidade de aprendizagem, a linguagem, o julgamento, o

comportamento e a capacidade de executar atividades da vida diária.

As síndromes demenciais atingem majoritariamente as pessoas idosas,

sendo certo, no entanto, que em cerca de 2% a 10% dos casos diagnosticados a

doença teve seu início antes dos 65 anos de idade, entretanto, seus sintomas de

curso progressivo só se fizeram perceber em um estágio mais avançado da doença

(MACHADO, 2011).

Dentro do espectro de doenças causadoras de demência, segundo o

relatório da Alzheimer’s Association (2016), a Doença de Alzheimer é responsável

por cerca de 60% a 80% dos casos de demência diagnosticados, sendo certo que

em cerca de metade destes casos, a Doença de Alzheimer é o único fator

demencificante, não existindo comorbidade com outras doenças da mesma

natureza.

A Doença de Alzheimer apresenta ainda sintomas diferidos que se

manifestam com a evolução da patologia, sintomas estes que incluem diferentes

graus de dificuldade de comunicação, desorientação, confusão mental, capacidade

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de julgamento prejudicada, alterações comportamentais e, por fim, dificuldade de

expressar, falar, deglutir e caminhar.

Bioquimicamente falando, segundo Hardy e Selkoe (2002), a Doença de

Alzheimer – por ser uma patologia cerebral de curso lento e progressivo - tem seu

início bem antes do surgimento dos sintomas clínicos e caracteriza-se por dois

mecanismos patológicos principais: o primeiro está associado à formação de placas

senis (ou neuríticas) no tecido cerebral em decorrência do acúmulo de um peptídeo

neurotóxico conhecido como beta-amiloide gerado por um processo anormal de

clivagem (corte) proteína precursora do amiloide, chamada APP; o segundo

mecanismo decorre do colapso da estrutura que dá sustentação às células nervosas

por conta do excesso de fosforilação da proteína denominada Tau, causando

colapso progressivo dos neurônios, formando-se os filamentos helicoidais pareados

(PHF) e dos emaranhados neurofibrilares, sendo estes os marcadores patológicos

da doença de Alzheimer.

De acordo com estatísticas disponibilizadas pela Alzheimer’s Disease

International [2015], estima-se que em 2015 aproximadamente 46,8 milhões de

pessoas em todo o mundo tinham algum tipo de demência, com uma projeção de

que este número venha a quase dobrar a cada 20 anos, podendo chegar a 131,5

milhões em 2050.

Atualmente 58% das pessoas acometidas por síndromes demenciais são

oriundas de países em desenvolvimento, mas o crescimento histórico das

ocorrências aponta que em 2015 esse número poderá chegar a 68%.

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Figura 1 - Gráfico da progressão de pessoas com síndromes demenciais em Países Desenvolvidos e Em Desenvolvimento

A Doença de Alzheimer não tem cura e não existem atualmente tratamentos

aprovados que impeçam por completo a progressão dos sintomas, entretanto,

estudos como Prince, Bryce e Ferri (2011) demonstram que o diagnóstico precoce

permite que as intervenções terapêuticas possam ser mais efetivas na melhora da

função cognitiva, no tratamento da depressão decorrente da patologia, retarda a

necessidade de internação ou remoção para instituições especializadas e, até

mesmo, possui um impacto direto na qualidade de vida do cuidador (familiar ou não),

fato que será adequadamente abordado no próximo tópico.

Sem que se adentre profundamente no detalhamento do diagnóstico das

síndromes demenciais, podemos destacar que o processo de diagnose passa pela

análise clínica baseada em critérios propostos por organizações especializadas

como a American Psychiatric Association (2013) e a própria Alzheimer’s Association

(2011, p. 208), que avaliam, dentre as evidências de declínio cognitivo importante,

características de um transtorno neurocognitivo maior compatível com a Doença de

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Alzheimer.

É importante que se destaque que a utilização de marcadores biológicos no

diagnóstico da Doença de Alzheimer, como descrevem Frota, Nitrini, Damasceno et

al. (2011) é uma possibilidade que, atualmente, ainda se encontra em fase

experimental, mas já se mostram úteis na realização do diagnóstico diferencial da

Doença de Alzheimer dentre as demais Síndromes Demenciais, conforme aponta a

Associação Brasileira de Alzheimer [201-?a].

Nestas análises clínicas as demências são classificadas de acordo com o

nível do transtorno neurocognitivo apresentado, podendo ser: maior, sempre que o

paciente apresentar declínio cognitivo importante com repercussões manifestas no

declínio na memória, linguagem ou capacidade de aprendizado impedindo a

execução das tarefas de maneira independente; ou leve, quando este mesmo

declínio cognitivo não representar uma interferência nas atividades diárias do

paciente.

Ambos os níveis de transtorno neurocognitivo podem ser indícios de

problemas relacionados à Doença de Alzheimer em estágios diferentes de evolução,

sendo de suma importância que o diagnóstico médico identifique se há ou não

relação com a Doença de Alzheimer para que as medidas terapêuticas possam ter

início o quanto antes, eis que a literatura médica13 aponta para a ocorrência de

lapsos temporais de até 20 anos entre o início das alterações bioquímicas cerebrais

causadas pela Doença de Alzheimer e o efetivo surgimento dos sintomas dela

decorrentes.

Inicialmente o indivíduo não apresenta declínio cognitivo notável eis que os

danos neuronais ainda são demasiado pequenos e tendem a ser compensados pela

própria plasticidade da rede neuronal, entretanto, com o avançar da degeneração

neuronal o declínio cognitivo passa a ser progressivamente mais notável e se faz

concreto com a manifestação da perda da memória, confusão temporal e espacial

(VIEGAS, SIMÕES, ROCHA et al, 2011).

A Doença de Alzheimer é uma síndrome demencial de curso lento e

13 Exemplo pode ser encontrado em Villemagne, Burnham, Bourgeat et al. (2013).

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pernicioso, tanto por sua fase de “instalação” que passa despercebida e

praticamente assintomática, quanto pela brutalidade quando da manifestação da

doença em sua plenitude.

Dados demonstram que pacientes idosos diagnosticados com a Doença de

Alzheimer, embora sobrevivam em média de quatro a oito anos após o diagnóstico,

podem chegar a viver por décadas com a doença, dependendo do estágio em que

os sintomas foram detectados e o diagnóstico realizado, e durante estes anos, o

paciente se mostra cada vez mais dependente e incapaz de se autodeterminar

(HELZNER, SCARMEAS, COSENTINO, et al, 2008).

A Associação Brasileira de Alzheimer – ABRAZ [201-?c] descreve em seu

site os problemas que o paciente da Doença de Alzheimer enfrenta nas diversas

fases de manifestação da doença:

ESTÁGIO INICIAL De difícil percepção, o estágio inicial comumente é confundido com uma manifestação natural da "velhice", apenas uma fase normal do processo do envelhecimento. Esta fase se caracteriza normalmente pelos seguintes problemas: • Problemas com a propriedade da fala (problemas de linguagem); • Perda significativa de memória – particularmente das coisas que acabam de acontecer; • Desorientação temporal; • Desorientação espacial (mesmo quando em locais familiares); • Dificuldade na tomada de decisões; • Inatividade e desmotivação. • Mudança de humor, depressão ou ansiedade; • Raiva e agressividade incomuns; • Perda de interesse por hobbies e outras atividades. ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO No estágio intermediário a doença apresenta um comprometimento neuronal significativo, o declínio cognitivo se torna mais aparente e as limitações ficam mais claras e mais graves. As principais dificuldades do paciente são: • Perda significativa de memória, especialmente com eventos recentes e nomes das pessoas; • Dificuldade em gerenciar a própria vida; • Dificuldade em realizar tarefas diárias; • Dependência de um membro familiar/cuidador. • Problemas com a higiene pessoal; • Dificuldade severa com a fala; • Problemas de orientação e de comportamentais, tais como repetição de perguntas, gritar, agarrar-se e distúrbios de sono;

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• Alucinações. ESTÁGIO AVANÇADO Nesta fase o paciente apresenta total dependência e inatividade. Distúrbios de memória são muito sérios e o lado físico da doença torna-se mais óbvio. São comuns nesta fase: • Dificuldades de alimentação; • Incapacidade comunicativa; • Perda substantiva de memória com problemas para reconhecer parentes, amigos e objetos familiares; • Dificuldade de compreensão; • Dificuldade para caminhar; • Incontinência urinária e fecal; • Comportamento inapropriado em público; • Confinamento em cadeira de rodas ou cama.

Com a evolução de seus sintomas, o paciente se vê cada vez mais

impossibilitado de gerir sua vida e de se autodeterminar, ficando a mercê de

familiares e amigos ou, em casos extremos quando não há a quem recorrer, até

mesmo do poder público, que em última instância será o gestor das decisões deste

indivíduo, sem que, no entanto, seja capaz de assegurar que tais decisões

respeitam aquilo que este mesmo indivíduo entendia – quando ainda guardava suas

faculdades mentais intactas – como adequado.

Assim, antes que adentremos nas considerações éticas e constitucionais a

respeito da utilização de instrumentos jurídicos que apoiem a decisão dos familiares

e cuidadores dos pacientes da Doença de Alzheimer, entendemos ser necessário

explorar mais detidamente as questões que permeiam o próprio processo de

cuidado, para que possamos entender os motivos que nos levam a afirmar que a

Doença de Alzheimer atinge bem mais do que apenas seu paciente.

1.3. Desafios no cuidado da Doença de Alzheimer

Comunicar o diagnóstico de uma doença é sempre um momento delicado no

cuidado médico, sobretudo quando a gravidade – ou mesmo a irreversibilidade – da

doença sugere que o paciente vá necessitar de cuidados específicos para toda sua

vida, entretanto, algumas doenças como a Doença de Alzheimer, por exemplo,

impactam de maneira severa não somente o paciente, mas também seus círculos

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sociais mais próximos sejam eles colegas de trabalho, amigos ou mesmo familiares.

O status de doença fora de possibilidades terapêuticas curativas atuais, a

agressividade e progressividade dos sintomas importam, muitas vezes, em uma

necessária mudança na vida não só do paciente, mas especialmente daqueles que o

cercam, o que por vezes gera reações como a negação da condição médica do

paciente e acarreta, por sua vez, um retardamento no acesso às medidas

terapêuticas paliativas e leva ao agravamento da própria doença (FALCAO,

BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

Vislumbrar a possibilidade de um diagnóstico positivo da Doença de

Alzheimer traz tamanha consternação aos familiares – centrais no processo de

identificação dos sintomas e diagnóstico precoce – que não raramente estes reagem

negando os sintomas ou mesmo atribuindo-os à velhice de modo geral.

É frequente que a demora na identificação da doença aconteça pelo receio

de enfrentamento das mudanças, demora esta que por sua vez acaba gerando um

sentimento de culpa pelo prolongamento da doença sem tratamento. Sobre os

efeitos do diagnóstico nos familiares assim dispõe a literatura médica:

A família se vê envolvida por sentimentos intensos e conflitantes, difíceis de manejar que acabam por lhe impor um certo isolamento. O diagnóstico de demência traz uma realidade contundente que implica em muitas perdas envolvendo a autonomia do corpo e o afastamento do eu para o indivíduo. Com isso, o cuidado dispensado a esse idoso torna-se muito complexo. (CALDEIRA; RIBEIRO, 2004, p.3).

Conviver com o paciente da Doença de Alzheimer significa adaptar-se às

múltiplas perdas decorrentes do processo de degeneração cognitiva, e neste

sentido, uma parte central do papel do cuidador diz respeito aos diversos processos

decisórios que envolvem o cuidado do paciente.

Estes processos decisórios assumidos pelo cuidador vão desde a forma

como será cuidado o paciente (como a opção pela institucionalização do familiar ou

o tratamento no âmbito da própria família, por exemplo) até as decisões de ordem

pessoal do próprio cuidador que precisam ser tomadas em razão das necessidades

do paciente, como o abandono de um emprego ou uma carreira, por exemplo.

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Parece-nos adequado afirmar que a Doença de Alzheimer não só

compromete a autonomia e a capacidade de autodeterminação do paciente, como

também possui o potencial de causar dano semelhante ao familiar cuidador, que se

verá obrigado a conciliar as necessidades do paciente com as suas próprias,

desencadeando, por vezes, situações nas quais o desgaste do cuidador afeta

diretamente as decisões tomadas por este em relação ao paciente.

1.3.1. O Cuidador e os Processos Decisórios

O caráter progressivo da Doença de Alzheimer importa também em uma

igualmente progressiva necessidade da presença e constante intervenção de

alguém que se responsabilize por garantir o bem estar do paciente respeitando,

sempre que possível, a autonomia deste na realização das próprias tarefas.

Assim, muito antes que seja necessário o estabelecimento formal de um

processo de curatela, por exemplo, a Doença de Alzheimer impõe a necessidade de

que seja eleito um cuidador para salvaguardar o bem estar do paciente

proporcionando a segurança necessária para que este possa exercer sua autonomia

sempre que possível com a máxima proteção.

O cuidador deve auxiliar o paciente desde as fases mais incipientes do

desenvolvimento da Doença, supervisionando as tarefas desenvolvidas pelo

paciente nas etapas nas quais suas tentativas autônomas se mostrem inadequadas

ou perigosas, de maneira que as pequenas etapas cumpridas pelo paciente lhe

proporcionem uma sensação de utilidade e favoreçam o incremento da autoestima

e, consequentemente, da qualidade de vida.

Desde o ponto de vista jurídico, as ações afirmativas e políticas públicas se

alinham com essa necessidade de apoio à autonomia dos pacientes da Doença de

Alzheimer. Exemplos disso são a promulgação do Estatuto do Idoso, (Lei nº 10.741,

de 1º de outubro de 2003) e, mais recentemente, do Estatuto da Pessoa com

Deficiência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015) que modifica o sistema de curatela

prestigiando um modelo inclusivo, salvaguardando a Dignidade da Pessoa Humana

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ao relativizar a incapacidade da pessoa com deficiência (e neste sentido o déficit

cognitivo do paciente da Doença de Alzheimer encontra guarida) e determinando

que a Curatela, quando necessária, será estabelecida segundo seu interesse

exclusivo - e não de parentes ou terceiros – de maneira proporcional às

necessidades e circunstâncias de cada caso.

Feitas estas considerações, é bastante comum que os cuidadores de

pacientes com Doença de Alzheimer sejam pessoas do próprio círculo familiar do

paciente, o que segundo a literatura pode ocorrer questões de disponibilidade de

tempo, sentimento de obrigação, afeto, solidariedade e preceitos religiosos

(FRANCO, 2007, p. 2009). Ocorre que em algumas ocasiões seja por questões

financeiras, seja por ausência de opções, o cuidador acaba assumindo de maneira

inesperada este papel, sem que possa se preparar ou pensar sobre o assunto,

levando-o a um estresse que afeta diretamente o próprio processo de cuidar.

Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) [201-?c],

organização que tem como foco justamente o apoio aos familiares-cuidadores, são

muitas as preocupações com o estado emocional do cuidador:

(...) a sobrecarga diante do conjunto dos aspectos negativos decorrentes da tarefa de cuidar é frequente e relativa a múltiplos fatores. Os cuidadores são exigidos a oferecer cuidados intensos e têm sua vida pessoal modificada, pois, além de se dedicarem ao paciente, precisam substituir as tarefas por ele desempenhadas previamente e reorganizar tarefas de sua responsabilidade e vida pessoal.

Assumir o papel de cuidador faz com que o familiar passe a experienciar um exacerbado senso de responsabilidade em contraposição com o reduzido senso de liberdade, envolvendo perdas na vida pessoal como diminuição de independência, restrição de tempo para atividades pessoais, problemas sexuais, privação de sono, possibilidade de viver exclusivamente para a pessoa doente, tendência ao isolamento e diminuição de rede de apoio social, sacrifício do presente e do futuro, além de alterações na vida familiar como ruptura e mudanças na dinâmica e carga financeira. O estresse age no estado emocional do cuidador interferindo na vida pessoal, familiar ou até na qualidade de cuidado oferecido.

Alguns fatores podem dificultar o enfrentamento da situação: pouco suporte social e insatisfação com a ajuda recebida, dificuldade do paciente executar tarefas de rotina, muitas horas de cuidado, baixo nível de adaptabilidade do cuidador e dificuldades de relacionamento anteriores à doença entre paciente e cuidador.

É importante ressaltar que o grau de sobrecarga percebido pelo cuidador pode estar relacionado com o tempo de cuidado dispensado, velocidade de progressão da perda cognitiva do paciente e problemas comportamentais

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associados ao quadro de demência, como no caso da depressão ou de alucinações e delírios.

Algumas reações emocionais do familiar-cuidador também podem intensificar o estresse como amplo sentimento de responsabilidade com exacerbação de culpa por problemas, reações emocionais envolvendo vergonha, culpa, preocupação, depressão e ansiedade e situações sociais embaraçosas resultantes de estigma e discriminação.

A redução do estresse pode ser encontrada no apoio emocional, social e familiar. O cuidador precisa ser cuidado, para suportar perdas, construir alternativas e aproveitar possibilidades.

Não raramente estes fatores acabam por sobrecarregar o cuidador, gerando

sentimentos negativos relativos à situação e até mesmo ao paciente. Cuidadores

frequentemente apresentam sentimentos como raiva, impaciência, frustração,

sentimentos estes que podem causar desde decisões que não levam em conta o

melhor para o paciente, até mesmo repercussões físicas em casos de extrema

instabilidade do cuidador (OLIVEIRA, CALDANA, 2012).

Outra questão central que envolve a relação do cuidador familiar e o

paciente da Doença de Alzheimer é que muitas vezes o idoso ou seus familiares não

dispõem de recursos para contratar os serviços de um cuidador profissional,

recaindo esta tarefa em um cuidador familiar que acaba tendo que abdicar de sua

vida profissional conforme a doença progride e as necessidades de cuidado se

tornam cada vez mais integrais.

Assim, a gestão dos recursos – especialmente financeiros - do paciente

acaba sendo destinada para o atendimento não só de suas necessidades, mas

também das necessidades do próprio cuidador, que além do dever de cuidado,

estabelece com o idoso uma relação de poder, o que gera situações potencialmente

abusivas e, por vezes, conflituosas perante os demais familiares.

Restou, portanto consignada a importância de que os processos decisórios

envolvendo o paciente da Doença de Alzheimer sejam, sempre que possível,

inclusivos do próprio paciente para que este possa – ainda que a sua maneira –

participar ativamente do controle de sua vida, neste sentido, compreendendo que os

estágios mais avançados da doença comprometem o discernimento do paciente de

maneira severa e irreversível, é imprescindível que a sociedade responda à essa

necessidade de autodeterminação prospectiva – posto que se trata de uma forma de

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autodeterminar-se para as possibilidades um futuro inexorável – com a criação de

instrumentos que permitam que os pacientes auxiliem (e mais do que isso, balizem)

o processo de tomada de decisão por seus cuidadores.

Os cuidadores, por sua vez, não raramente se veem presos pelo

desconhecimento, por amarras éticas ou jurídicas e pelo sentimento de que ao

assumir integralmente o processo de decisão pelo paciente estariam subtraindo-lhe

a liberdade. Parece-nos que também neste sentido, a certeza de estar cumprindo

com aquilo que seu ente querido determinou quando ainda possuía o discernimento

necessário para fazê-lo é de certa maneira confortante e libertador.

1.3.2. O Direito à Qualidade de Vida como Objetivo

Como dito anteriormente, o foco no cuidado do portador da Doença de

Alzheimer é direcionado à qualidade de vida, assim, a fim de analisar se os

instrumentos jurídicos aqui examinados possuem as características necessárias à

persecução deste objetivo é preciso que antes definamos o que se entende por

qualidade de vida, especialmente no que concerne aos pacientes da Doença de

Alzheimer.

As questões relativas à Qualidade de Vida são particularmente importantes

na definição de políticas públicas bem como das práticas da área da saúde, sendo

certo que o impacto positivo na qualidade de vida passou a ser um objetivo concreto

das práticas assistenciais e das políticas públicas para o setor nos campos da

promoção da saúde e da prevenção de doenças.

É possível encontrar diversas definições acerca do conceito de Qualidade de

Vida nas mais variadas áreas da ciência, sendo sugeridos desde conceitos que

relacionam o desenvolvimento econômico do indivíduo com sua qualidade de vida -

relacionando este com a aquisição de bens de consumo, por exemplo -, até mesmo

definições voltadas para aspectos sociais, como a existência de um meio ambiente

saudável como forma de realização de qualidade de vida. Minayo (2000) assim

destaca:

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(...) a noção de qualidade de vida transita em um campo semântico polissêmico: de um lado, está relacionada a modo, condições e estilos de vida, e outro, inclui as ideias de desenvolvimento sustentável e ecologia humana. E, por fim, relaciona-se ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais. No que concerne à saúde, as noções se unem em uma resultante social da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerância que determinada sociedade estabelece, como parâmetros, para si.

Ainda que se possa tecer críticas a esta ou aquela definição de Qualidade

de Vida, o fato é que em alguma medida é possível extrair alguma razoabilidade de

muitas delas, o que nos leva a concordar com autores (KLUTHCOVSKY,

TAKANAGUI, 2007) que sugerem que a Qualidade de Vida é um conceito

multidimensional, e sendo assim, considerando que o presente trabalho possui um

recorte voltado para a qualidade de vida de pacientes da Doença de Alzheimer (e

seus cuidadores já que ambos se mostram intimamente ligados), abordaremos o

tema a partir do prisma das ciências da saúde.

Seidl e Zannon (2004) apontam que a conceituação da Qualidade de Vida

na área da saúde se divide em duas grandes correntes conceituais: a Qualidade de

Vida lato sensu e a qualidade de vida relacionada à saúde.

No primeiro caso, QV apresenta uma acepção mais ampla, aparentemente influenciada por estudos sociológicos, sem fazer referência a disfunções ou agravos. Ilustra com excelência essa conceituação a que foi adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu estudo multicêntrico que teve por objetivo principal elaborar um instrumento que avaliasse a QV em uma perspectiva internacional e transcultural. A QV foi definida como “a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”

(...)

O termo qualidade de vida relacionada à saúde é muito frequente na literatura e tem sido usado com objetivos semelhantes à conceituação mais geral. No entanto, parece implicar os aspectos mais diretamente associados às enfermidades ou às intervenções em saúde.

Dada a natureza interdisciplinar do presente estudo pretendemos partir da

visão macro sugerida pelas definições de Qualidade de Vida lato sensu para avaliar,

de forma generalizada, se as possibilidades decorrentes dos instrumentos de

declaração antecipada de vontade possuem potencial para impactar de maneira

positiva a percepção à respeito da Qualidade de Vida dos pacientes de Alzheimer.

A definição de Qualidade de Vida segundo a OMS surge como parte do

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processo de pesquisa de seu grupo dedicado a explorações nesta área, o Grupo de

Qualidade de Vida, ou The WHOQOL Group (1995).

Conforme já exposto, essa definição parte da ideia de Qualidade de Vida

como uma construção subjetiva (portanto, própria do indivíduo), multidimensional e

perceptível mediante a análise de elementos positivos e negativos, avaliados a partir

de dois instrumentos de medida de qualidade de vida: o WHOQOL-10014 e o

WHOQOL-Bref15.

O primeiro é composto de 100 questões distribuídas em seis domínios:

físico; psicológico; independência; relações sociais; meio ambiente e;

espiritualidade/crenças pessoais. O segundo é uma versão abreviada para uso em

grandes estudos e auditoria de trabalhos clínicos onde o uso questionários longos

são pouco práticos e é composto de 26 questões, extraídas do instrumento mais

compreensivo e cobrem quatro domínios: físico; psicológico; relações sociais e; meio

ambiente.

A figura abaixo contrasta os respectivos domínios de ambos os instrumentos

e suas respectivas facetas:

14 Site em: <http://www.who.int/mental_health/media/68.pdf>. Acesso em 23/12/2016.

15 Site em: <http://www.who.int/mental_health/media/en/76.pdf?ua=1>. Acesso em 23/12/2016.

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Como se pode perceber a partir da reorganização dos domínios do

WHOQOL-100 versus os domínios do WHOQOL-Bref, a versão abreviada do

instrumento de avaliação se concentra eminentemente nos domínios físico,

psicológico, sociais e ambientais, compactando questões referentes ao nível de

independência e aos aspectos religiosos como questões subjacentes a outros

domínios.

Tabela 1 - Reorganização comparativa dos instrumentos WHOQOL-100 e WHOQOL-bref visando comparar os respectivos domínios e facetas

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O domínio físico diz respeito às capacidades básicas do sujeito, como a

movimentação, a fala, a capacidade visual, auditiva, níveis de dor e, especificamente

na versão abreviada do teste, inclui também as questões relativas à independência

do indivíduo, especialmente no que diz respeito à capacidade de realizar

autonomamente as tarefas cotidianas, exercer atividades laborais e ao nível de

dependência de medicamentos.

No domínio social, são observadas as interações do indivíduo com a

sociedade, com a sua família e amigos. Este domínio também avalia a percepção do

apoio social percebido pelo indivíduo, possuindo facetas de especial interesse para

o aumento da qualidade de vida do idoso, especialmente.

O domínio psicológico está relacionado à capacidade do sujeito de se

adaptar, solucionar e lidar com as frustrações e consequências provindas dos

problemas sociais como um todo. O nível de dependência é analisado o quanto o

sujeito mostra-se depende das outras pessoas, assim como qualquer tipo de auxílio.

Por fim, no domínio ambiental são reforçadas algumas das questões do

próprio domínio social, com destaque para as facetas financeira e de acesso à

saúde, altamente impactantes para os indivíduos objeto do presente estudo.

Compreender a percepção dos cuidadores e dos pacientes da Doença de

Alzheimer sobre a sua própria qualidade de vida é fundamental para compreender

quais as necessidades dessas pessoas com vistas a melhoria da qualidade de vida.

Pesquisas demonstram (NOVELLI, 2006, p.92) que os pacientes da Doença

de Alzheimer são plenamente conscientes das vicissitudes que enfrentam e que,

mesmo quando em avançado estágio demencial, ainda guardam substantiva noção

destas dificuldades, o que impacta diretamente em sua qualidade de vida.

Os cuidadores, por sua vez, apresentam valores significativamente baixos

de qualidade de vida – por vezes até mais baixos do que os do próprio paciente –

indicando que ações que impactem positivamente na qualidade de vida dos

pacientes da Doença de Alzheimer também hão de representar uma melhora em

cadeia para toda a família deste paciente.

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É exatamente neste aspecto que instrumentos capazes de consubstanciar a

vontade esclarecida do paciente e auxiliar em processos decisórios durante o

processo demencial tem muito a contribuir. Por um lado, a concretização da vontade

do indivíduo impacta diretamente na sua autonomia e respeita sua Dignidade

constitucionalmente tutelada, colocando-o de volta no controle de sua vida (ao

menos no que diz respeito aos processos decisórios), por outro lado, sob a ótica do

cuidador, não só é positivo possuir o respaldo do próprio paciente nos processo de

tomada de decisão, como a simples melhoria da qualidade de vida do paciente já há

de representar, por definição, uma melhora da sua própria qualidade de vida.

1.3.3. O dever de cuidado em uma sociedade que envelhece

Uma derradeira, mas nem por isso menor, questão no cuidado do paciente

da Doença de Alzheimer diz respeito justamente ao cenário de progressivo

envelhecimento populacional e encolhimento das unidades familiares.

Como a sociedade responderá pelos cuidados de idosos demenciados que –

em razão das opções de ordem familiar que tomaram ao longo de suas vidas - não

possuam descendentes ou familiares aptos a assumir tamanho encargo que é o

cuidado em decorrência da Doença de Alzheimer?

No Brasil, na maior parte das famílias os cuidados com as pessoas idosas

são responsabilidade de apenas um familiar, geralmente do sexo feminino (esposas,

filhas, noras, irmãs), entre 45 e 65 anos, normalmente assumem os encargos

progressivamente (iniciando com auxílio em pequenas tarefas diárias que logo evolui

para cuidado integral) e ainda são responsáveis pelos cuidados com os demais

familiares (MINISTÉRIO DA SAÚDE – BRASIL, 2008, p.60).

Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) (2015) assinalam um recuo de 18,6% da taxa de fecundidade entre os anos

de 2004 e 2014 com um número médio de 1,74 filho por mulher, redução esta que

fez com que o número de arranjos familiares formados por casais sem filhos

progredisse de 14,7% em 2004 para 19,9% em 2014.

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Este mesmo relatório ainda dá conta de que, em 2004, 10% dos arranjos

familiares eram compostos por pessoas que vivem sozinhas, número este que

chegou a 14,4% em 2014.

Se combinarmos a prevalência de cuidadores familiares com os dados

estatísticos de que ao menos 34,3% das famílias brasileiras em 2014 não possuíam

herdeiros, é possível projetar um futuro no qual cada vez mais idosos – e

necessariamente pessoas portadoras da Doença de Alzheimer, dada a prevalência

no estrato etário – não disporão de cuidados familiares e se verão sujeitos a

cuidadores de círculos sociais menos próximos ou mesmo do poder público.

Atualmente já é possível perceber um crescimento de idosos em Instituições

de Longa Permanência (ILP) que não possuem responsáveis conhecidos, um

cenário de extrema vulnerabilidade no qual o paciente encontra-se à mercê do

Estado.

Em um estudo explorando a caracterização do estado mental de idosos

institucionalizados (e aqui não são descritos especificamente aqueles

diagnosticados com a Doença de Alzheimer), Converso e Iartelli (2007, p. 270)

assim apontaram:

Muitos dos idosos residentes nas instituições analisadas não possuem qualquer responsável conhecido, e boa parcela deles foi abandonada pela família com a alegação de que não teria recursos financeiros para promovê-los da assistência necessária. Esta seria uma possível explicação para a maior incidência de idosos solteiros e viúvos encontrados no presente estudo (...)

Não sendo o objetivo central deste trabalho analisar ou descrever o

processo de interdição do idoso demenciado, não iremos nos pormenorizar neste

aspecto, entretanto, é preciso que se recorde que o artigo 1.775 do Código Civil

brasileiro e seus parágrafos detalham aqueles que devem se responsabilizar pela

curatela do paciente:

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.

§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe;

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na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.

§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.

§ 3o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.

E mais, o artigo 1.777 deste mesmo diploma prevê que os interditos

“receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência

familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os

afaste desse convívio”.

Assim, seja por força da ruptura dos laços familiares, desconhecimento do

paradeiro de familiares próximos, ou mesmo por força da inexistência destes

familiares, o fato é que em determinados casos, não existem familiares aptos a

exercer a curadoria na forma do estabelecido pelo artigo 1.775 e seus parágrafos 1º

e 2º, o que impõe ao magistrado a escolha de uma pessoa para figurar como

curadora independentemente da existência de relação familiar ou mesmo afetiva, ao

que se comumente denomina “curador dativo”.

Inevitavelmente, em casos como estes, a efetivação da curatela se

consubstancia na gestão patrimonial dos recursos do curatelado – quando existem –

de modo que estes possam minimamente custear a internação do paciente em uma

Instituição de Longa Permanência, ignorando não somente a dicção do artigo 1.777

como também, e especialmente, as necessidades do paciente, que, caso possuísse

uma forma legítima de manifestação de sua vontade, poderia manifestar-se no

sentido de que seu patrimônio fosse destinado para o custeio de determinados tipos

de cuidado, como cuidados particulares a serem dispensados na própria residência

do paciente, onde ele poderia disfrutar do convívio com vizinhos e amigos, por

exemplo.

O fato é que mesmo atualmente já é evidente a necessidade de dar voz

àqueles de quem o tempo e a doença lentamente sequestraram a autonomia e a

capacidade de autodeterminação, se considerarmos ainda que este quadro há de se

agravar com um futuro que aponta para um número cada vez mais elevado de

idosos que sequer possuem um ente querido que possa falar por si, essa

necessidade é ainda mais premente e os instrumentos que pretenderem responder a

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estes anseios precisam ser ainda mais compreensivos e abrangentes.

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2. Situações de fim da vida e autonomia do indivíduo: considerações éticas e

constitucionais

Após a extensa exploração das vicissitudes do processo de envelhecimento

– sobretudo do envelhecimento do idoso demenciado – parece-nos seguro afirmar

que o impacto causado pela Doença de Alzheimer na capacidade funcional e

autonomia da pessoa idosa pode gerar consequências negativas não apenas para o

idoso demenciado, mas também para seus familiares.

A mudança imposta à rotina dos cuidadores e familiares os sobrecarrega e

gera um nível substantivo de sofrimento, ao passo que a manutenção desse

convívio social efetivo e integrado à família e círculos de amizade amplia a

capacidade de recuperação deste paciente, ou ao menos retarda os efeitos dos

agravos de saúde causados por sua própria condição, denotando uma clara

dicotomia entre ações que potencializam o bem estar do idoso e outras que

resguardam a qualidade de vida dos familiares.

Ao iniciar a sua argumentação acerca da temática da eutanásia, Dworkin

(2003) sugere que se deixe de lado os eufemismos e a fala romantizada, para que

não se abrande o peso das decisões tomadas e não se menoscabe os impactos

dela decorrentes. Assim, da mesma maneira que sugerida pelo autor quando

assevera que a eutanásia não é uma forma de “deixar a natureza seguir seu curso”,

pelo contrário, é uma consciente escolha pela morte, é preciso que aqui se consigne

que o que se busca é o efetivo exercício da autonomia e capacidade de

autodeterminação, entretanto, é possível que ao fazê-lo, o paciente já não esteja

mais plenamente consciente daquilo que um dia foi sua vontade. Talvez sua

existência, desta maneira, seja não mais do que um eco dos dias em que sua

lucidez ainda não o havia deixado, mas ainda assim este indivíduo estará sendo

guiado pelas linhas que suas próprias mãos decidiram traçar.

Muito se discute dentro da literatura gerontológica acerca da necessidade de

autonomia e autodeterminação dos pacientes idosos, mas o fato é que a capacidade

de autodeterminação resta sobremaneira comprometida na pessoa com doença de

Alzheimer.

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Na impossibilidade de exercer seu inalienável direito de autonomia, aqueles

que cuidam assumem a responsabilidade de fazê-lo pelo paciente, buscando ao

máximo preservar sua individualidade e, de certa maneira, concretizando sua

autodeterminação ao realizar aquilo que acreditam que seu familiar, quando

consciente, gostaria de ter realizado.

Autonomia pressupõe a capacidade de elaborar suas próprias escolhas

dentro do referencial ético e moral de cada indivíduo. Se privados do exercício desta

liberdade nos vemos privados daquilo que nos distingue e identifica como seres

humanos. Assim, como fazer para alcançar a realização das vontades, das

determinações e de tudo aquilo que é direito inalienável da pessoa demenciada?

Como garantir que, ainda que a consciência de sua real situação lhe tenha

escapado, o paciente seja capaz de retomar as rédeas da condução de sua própria

vida, aliviando, assim o peso da decisão solitária (ainda que “coletivamente

solitária”) dos familiares e cuidadores?

Por fim, discutir a capacidade de autodeterminação do paciente demenciado

dentro de um espectro jurídico é, necessariamente, discutir acerca do princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, sua extensão e aplicabilidade, assim, o objetivo do

presente capítulo é, além de delimitar conceitos que serão úteis à conclusão do

presente trabalho, como a própria definição do princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, explorar aspectos jurídicos da Autodeterminação do Indivíduo e do

Consentimento Esclarecido como princípios informadores da atenção à saúde e do

cuidado dos idosos dentro do ordenamento jurídico nacional.

A abordagem do Princípio Constitucionalizado da Dignidade da Pessoa

Humana como direito fundamental no ordenamento constitucional brasileiro será

realizada com vistas a embasar o estudo acerca da afirmação da autonomia do

indivíduo e de sua relação com a da realização da Dignidade da Pessoa Humana

não somente como princípio, mas como direito exercido, assim, será explorado

especificadamente o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (art.

1º, III) com uma leitura voltada para a autodeterminação do Indivíduo.

Por outro lado, no que diz respeito à autonomia do idoso demenciado, os

fundamentos explorados e desenvolvidos no ponto anterior serão concatenados com

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outras disposições constitucionais como a autonomia do indivíduo (implícita no art.

5º da Constituição Federal) e a vedação ao tratamento desumano (art. 5º III, CF) e

trabalhados de maneira mais concreta, desenvolvendo as possibilidades de

realização da autonomia do indivíduo, circunscrevendo a discussão dentro de limites

éticos e constitucionais (mais especificamente dentro do constitucionalismo

brasileiro).

Também neste ponto pretendemos extrapolar o campo teórico abstrato para

sugerir situações concretas a respeito do exercício da autonomia dentro do recorte

dos pacientes da Doença de Alzheimer, abordando desde as facetas mais

comumente abrangidas pela literatura como o consentimento esclarecido e a opção

por cuidados paliativos - apenas para citar -, bem como aspectos menos comuns na

literatura gerontológica como as repercussões patrimoniais decorrentes das

disposições de vontade do paciente, por exemplo.

2.1. Apontamentos sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no

Ordenamento Jurídico Brasileiro

Inicialmente, cumpre-nos esclarecer que para os fins desta dissertação nos

limitamos a abordar a proteção jurídica acerca da Dignidade da Pessoa Humana e

sobre os direitos dos Idosos em um espectro constitucional.

Não desconsideramos a proteção promovida pelas normas

infraconstitucionais específicas como o Estatuto do Idoso ou a Convenção

Interamericana de Proteção das Pessoas Idosas16, entretanto, considerando as

limitações (sobretudo de cronograma) impostas por uma pesquisa monográfica em

sede de mestrado, e tendo em conta que nosso objetivo com o presente trabalho é

explorar especificamente as Diretivas Antecipadas de Vontade e sua conformação

com o ordenamento jurídico constitucional, descer ao nível normativo

infraconstitucional ou considerar as disposições convencionais ampliaria o espectro

16 Especificamente sobre a temática da dignidade da pessoa humana e a proteção dos direitos dos idosos na América-latina, recentemente lançamos o artigo “O Direito dos Idosos na América Latina e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana à Luz da Convenção Interamericana de Proteção das Pessoas Idosas (2015)” (2016), e para um aprofundamento sobre a temática indicamos a leitura.

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de observação para pontos que pretendemos estudar futuramente.

Feitas as considerações metodológicas, é destacamos que muitos são os

textos que se dedicam a ponderar acerca da Dignidade da Pessoa Humana como

princípio constitucionalmente tutelado, e em geral o fazem remontando

laconicamente à Declaração dos Direitos Universais do Homem para logo então

adentrar na seara da positivação deste princípio em nosso ordenamento jurídico

constitucional. Nós, por outro lado, acreditamos que, embora esta abordagem seja

mandatória – e no devido tempo também a faremos – é preciso que o conceito que

reveste tal princípio seja compreendido e explorado de maneira detida, o que

pretendemos fazer.

Como conceito complexo e multifacetado que conhecemos hoje, é pouco

provável que se consiga asseverar o nascedouro do princípio da Dignidade da

Pessoa Humana de maneira categórica, eis que não raramente encontrar-se-ão

referências que se estenderão até os textos bíblicos, como, por exemplo, nas lições

de Ingo Wolfgang Sarlet (2002, p.24), que preconiza que “ao pensamento cristão

coube, fundados na fraternidade, provocar a mudança de mentalidade em direção à

igualdade dos seres humanos”. Entretanto, parece-nos seguro afirmar que uma das

enunciações conformadoras do princípio - tal como o conhecemos hoje - encontra

seu lugar no pensamento de Immanuel Kant, que em sua obra Fundamentação da

Metafísica dos Costumes reconhece no homem algo que não pode ser valorado,

considerando o indivíduo como um fim em si mesmo.

De uma maneira sintética, Kant (2004, p. 64) entende a dignidade como

sendo o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, não é

passível de ser substituído por um equivalente. Dessa forma, a dignidade é uma

qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais.

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. (...) o que se faz condição para alguma coisa que seja fim em si mesma, isso não tem simplesmente valor relativo ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer, dignidade. Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmos, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador do reino dos fins. Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade.

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O pensamento Kantiano se centra no ser humano para lançar as bases da

definição de dignidade por entender que o ser humano é, enquanto fonte e finalidade

do universo jurídico possui a primazia nesta seara.

Reforçando o vínculo do princípio da Dignidade da Pessoa Humana ao

ideário kantiano, Fábio Konder Comparato (2003, p.21-2) destaca a ideia de que o

ser humano jamais deve ser tratado como meio, uma vez que dotado de razão e

liberdade, sendo imperioso o reconhecimento da pessoa humana como um fim em si

mesmo:

Ora, a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.

Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível; não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.

Pela sua vontade racional, a pessoa, ao mesmo tempo que se submete às leis da razão prática, é a fonte dessas mesmas leis, de âmbito universal, segundo o imperativo categórico – ‘age unicamente segundo a máxima, pela qual tu possas querer, ao mesmo tempo, que ela se transforme em lei geral’.

(...)

A escravidão acabou sendo universalmente abolida, como instituto jurídico, somente no século XX. Mas a concepção kantiana da dignidade da pessoa como um fim em si leva à condenação de muitas outras práticas de aviltamento da pessoa à condição de coisa, além da clássica escravidão, tais como o engano de outrem mediante falsas promessas, ou os atentados cometidos contra os bens alheios. Ademais, disse o filósofo, se o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade, não basta agir de modo a não prejudicar ninguém. Isto seria uma máxima meramente negativa. Tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus.

Completa esta linha de raciocínio a lição trazida por José Afonso da Silva

(2015, p.90) coroada com o imperativo categórico kantiano:

Assim, o homem se representa necessariamente sua própria existência. Mas qualquer outro ser racional se representa igualmente assim sua existência, em consequência do mesmo princípio racional que vale também para mim, é, pois, ao mesmo tempo, um princípio objetivo que vale para outra pessoa. Daí o imperativo prático, posto por Kant: "Age de tal sorte que

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consideres a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio". Disso decorre que os "seres racionais estão submetidos à lei segundo a qual cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meio, mas sempre e simultaneamente como fins em si". Isso porque "o homem não é uma coisa, não é, por consequência, um objeto que possa ser tratado simplesmente como meio, mas deve em todas as suas ações ser sempre considerado como um fim em si”.

No entanto, compreender a dimensão moderna do princípio da Dignidade da

Pessoa Humana vai muito além da descrição do pensamento kantiano. Mais do que

uma predicação abstrata, é preciso considerar que o princípio da Dignidade da

Pessoa Humana encerra uma necessária concretude.

Como adiantado no início deste tópico, a concepção moderna da Dignidade

da Pessoa Humana é multifacetada e, ainda que genericamente definida como uma

qualidade intrínseca ao ser humano que o define e o torna detentor de direitos

contra o Estado e contra seus semelhantes, a real dimensão deste princípio pode

ser percebida quando da observação daquilo que fere a dignidade do indivíduo.

Leonardo Boff (apud, OLIVEIRA, 2012) discursando sobre a lesão à dignidade assim

preconizou:

Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a natureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objeto inanimado e

morto.

No que concerne ao Direito e à tutela que este exerce sobre o supracitado

princípio, no entanto, o primeiro referencial de proteção à Dignidade da Pessoa

Humana pode ser retirado da Declaração Universal dos Direitos Humanos

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, 2009, 2-3), que em seu

preambulo já faz inserções sistemáticas acerca da Dignidade da Pessoa Humana,

inserções estas que permeiam todo o texto legal, sobretudo o artigo I, que

expressamente adereça o homem como titular dos direitos que este princípio

encerra:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

(...)

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do

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ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

(...)

Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Em termos de proteção do proteção constitucional da Dignidade da Pessoa

Humana como princípio constitucional ou mesmo como direito fundamental, aponta

o professor José Afonso da Silva (2015, p.89) o pioneirismo da Lei Fundamental da

República Federal da Alemanha – também denominada Lei Fundamental de Bonn -,

que o fez em 1949, fortemente influenciada pelo pós-guerra e pela própria

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Foi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha que, por primeiro, erigiu a dignidade da pessoa humana em direito fundamental expressamente estabelecido no seu art. 1º, nº 1, declarando: "A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais". Fundamentou a positivação constitucional desse princípio, de base filosófica, o fato de o Estado nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a prática de horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras razões.

Não coincidentemente, após a superação de períodos de exceção, a

Constituição portuguesa de 1976 – promulgada no segundo aniversário da

Revolução dos Cravos, movimento social que depôs o regime ditatorial

Salazarista/Marcelista – e a Constituição espanhola de 1978 - por sua vez

promulgada após o crepúsculo do igualmente totalitário e violador dos direitos

humanos regime Franquista -, fizeram incluir em seu texto normativo disposições

acerca da Dignidade da Pessoa Humana, disposições essas que, para além das

suas facetas expressas, elevam o princípio da Dignidade da Pessoa Humana ao

patamar de alicerce dos demais direitos fundamentais constitucionalmente tutelados.

Assim destaca novamente Jose Afonso da Silva (2015, p. 89):

Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 1º da Constituição Portuguesa segundo o qual "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária" e também a Constituição espanhola, cujo art. 10, nº 1, estatui que" A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social".

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Frise-se que aqui não se sustenta que a Dignidade da Pessoa Humana é

uma criação constitucional com vistas a reagir à opressão sofrida ou à negação do

exercício de direitos fundamentais, muito pelo contrário. A Dignidade da Pessoa

Humana, em todos os casos supramencionados existia aprioristicamente, como um

anseio social oriundo da própria experiência humana. O fato é que as situações

extremas experienciadas por estes corpos sociais tornaram tão caro este princípio

que, quando em um momento de ruptura constitucional culminado em novo

processo constituinte sua elevação a direito fundamental ou princípio informador do

ordenamento jurídico se fez imprescindível.

Neste mesmo sentido, no Brasil, o Regime Militar vivido entre os anos de

1964 e 1985, no qual a censura, tortura e toda sorte de violação aos direitos

humanos eram perpetrados sob o pálio da Doutrina de Segurança Nacional (com

uma especial menção “desonrosa” ao Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967)

impulsionaram os membros da Assembleia Nacional Constituinte na direção da

proteção à Dignidade da Pessoa Humana como bastião da nova democracia que ali

nascia.

Para além da elevação da Dignidade da Pessoa Humana à categoria de

Princípio Fundamental (ladeado pela soberania, cidadania, pelos valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político), a Constituição de 1988 tutela a

Dignidade da Pessoa Humana também no que diz respeito ao planejamento familiar

responsável (artigo 226, § 7º), aos direitos da criança, jovem e adolescente (art. 227)

e, no que interessa particularmente ao presente trabalho, aos direitos de amparo das

pessoas idosas, garantindo-lhes efetiva participação na comunidade, dignidade,

bem-estar e direito à vida (art. 230). Neste sentido, impossível não recorrer

novamente às lições do Professor José Afonso da Silva (2015, p. 92):

Poderíamos até dizer que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao mesmo tempo da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspiram a ordem jurídica, Mas a verdade é que a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito, Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.

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Repetiremos aqui o que já escrevemos de outra feita, ou seja, que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir 'teoria do núcleo da personalidade' individual, ignorando-a quando se trate de direitos

econômicos, sociais e culturais".

Parece-nos acertado afirmar que a Constituição de 1988 desempenhou um

papel satisfatório no que diz respeito à promoção da Dignidade da Pessoa Humana

elencando-a como pilar da própria ordem jurídica constitucional nacional, igual papel

desempenhou, também na defesa da Dignidade da Pessoa Humana enquanto

princípio, revestindo os direitos fundamentais constitucionalmente tutelados dos

valores que este encerra, entretanto, não basta apenas a proteção utópica de um

direito por meio de seu reconhecimento formal para que este possa ser efetivamente

tutelado.

Sendo a Dignidade da Pessoa Humana sustentáculo constitucionalmente

instituído do Estado Democrático de Direito Brasileiro, é preciso que ações

concretas sejam tomadas – e aí se incluem, necessariamente, legislações e políticas

públicas afirmativas – no sentido da garantia das condições mínimas de existência,

da redução das desigualdades, da proteção da minorias e de tantas outras situações

concretas que o princípio em abstrato encerra.

No caso específico da proteção do direito dos idosos – e especialmente

aqueles acometidos por síndromes demenciais -, cabe lembrar a lição kantiana de

que “A autonomia é, pois, o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda

a natureza racional” (KANT, 2004, p. 66) para lembrar que realizar a dignidade para

pessoas nestas condições é, necessariamente, instrumentalizar sua autonomia para

que estes possam, ainda que dentro de suas limitações, realizar as escolhas

pertinentes à sua vida e, assim, reafirmarem-se como seres humanos.

Corroborando com as preocupações desveladas no presente trabalho

Dworkin (2003, p. 311) levanta questionamentos centrais a respeito dos direitos e

garantias fundamentais das pessoas demenciadas:

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Para ter algum direito, é fundamental que alguém tenha um nível mínimo de competência mental? Os mentalmente incapacitados tem os mesmos direitos das pessoas normalmente competentes, ou seus direitos são alterados, reduzidos ou ampliados de alguma forma, em virtude de sua doença? Por exemplo, terão tais pessoas os mesmos direitos à autonomia, à assistência, à dignidade e a um nível mínimo de recursos – direitos dos quais desfrutam os doentes cuja competência mental não foi afetada?

Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p.375-6), em resposta às teorias que sugerem

que o indivíduo incapaz de se autodeterminar mediante uma construção exitosa de

sua própria identidade também estaria impossibilitado de alcançar a dignidade17,

afirma que devem existir duas dimensões da dignidade: uma que diz respeito ao que

denomina “Expressão da autonomia da pessoa humana” e que se consubstancia na

capacidade do indivíduo se autodeterminar a partir de decisões essenciais a respeito

da própria existência; e outra que diz respeito à necessidade da proteção deste

mesmo indivíduo por parte da comunidade e no Estado quando esta capacidade de

autodeterminação estiver fragilizada ou mesmo ausente.

Sarlet fundamenta sua posição – acertada ao que nos parece – no próprio

pensamento dworkiniano, que em sua obra já citada (DWORKIN, 2003, p. 336-7), ao

criticar a teoria experiencial da indignidade - a qual, em termos absolutamente

sintéticos, preconiza que não há indignidade naquele que não possui consciência do

tratamento indigno que recebe (posição que justifica a indiferença com as

necessidades de uma pessoa com base no argumento de que ela não sofre por não

estar consciente do que acontece) -, esclarece que “a dignidade tem tanto uma voz

ativa quanto uma voz passiva e que as duas são interligadas”, e esclarece que

O direito de uma pessoa a ser tratada com dignidade é o direito a que os outros reconheçam seus verdadeiros interesses críticos: que reconheçam que ela é o tipo de criatura cuja posição moral torna intrínseca e objetivamente importante o modo como sua vida transcorre. A dignidade é um aspecto central do valor que examinamos ao longo de todo este livro: a importância intrínseca da vida humana.

Parece-nos, então, que o ser humano, esteja ele saudável ou despojado de

sua capacidade cognitiva, possui um direito à dignidade intrínseco à sua própria

17 Aqui é preciso que se teçam pequenos comentários a fim de contextualizar o que o autor denomina “equívoco de Luhmann”. Segundo o autor Luhmann adota uma perspectiva Hegeliana para afirmar a dignidade como sendo resultado e condição de uma exitosa auto representação, pensamento que o autor repele afirmando que a dignidade não se restringe aos que logram construí-la pessoalmente, sob pena de fundamentar-se, desta maneira, barbáries como o sacrifício dos deficientes mentais, pessoas com deformidades físicas, etc..

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existência não estando, portanto, associado a um projeto de realização enquanto

indivíduo – como preconizava Luhmann – ou mesmo atrelado à sua consciência,

percepção e capacidade de inconformação com a indignidade perpetrada – como

descrito na teoria experiencial da indignidade apontada por Dworkin -, pelo contrário,

a dignidade do ser humano existe metafisicamente e sua tutela e realização é um

dever do Estado e da Sociedade que, ao não o fazerem, violam sua própria

dignidade.

Neste sentido, colhemos mais uma vez as lições de Ingo Wolfgang Sarlet

(2007, 378):

É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por

meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção.

Todo o construto realizado até aqui aponta para a necessidade de

instrumentalizar a realização da Dignidade da Pessoa Humana por meio de ações

concretas, o que corrobora com a hipótese de trabalho aventada. Desta feita, é

preciso, então, investigar os desdobramentos éticos concernentes ao exercício da

autonomia do indivíduo frente ao ordenamento jurídico constitucional brasileiro.

2.2. Autonomia do Indivíduo e Dignidade da Pessoa Humana: dilemas éticos

em situações de fim de vida

Ao iniciar este tópico gostaríamos de colacionar uma passagem

particularmente interessante do capítulo denominado “a vida para além da razão” do

livro Domínio da Vida de Ronald Dworkin onde o autor, refletindo sobre as questões

que afetam a autonomia dos pacientes demenciados (no caso concreto ele observa

coincidentemente uma paciente que sofre da Doença de Alzheimer), questões estas

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que conduzirão nossa investigação acerca deste tema (DWORKIN, 2003, p. 314-5):

O direito à autonomia de uma pessoa competente inclui, por exemplo, o poder de determinar que mais tarde lhe seja negado um tratamento capaz de prolongar sua vida, ou que não se gaste dinheiro para mantê-la em uma situação de conforte mesmo que ela, quando já em estado de demência, tenha necessidade de tais cuidados? O que então for jeito por ela deve atender a seus interesses atuais, de modo a tornar o que lhe resta de vida o mais agradável e confortável possível, ou deve atender aos interesses da pessoa que ela um dia foi: Suponhamos que um paciente com demência insista em permanecer em casa, em vez de ir viver em uma instituição, ainda que isso represente um grande transtorno para sua família, e que todos concordemos que as pessoas levam uma vida melhor quando não constituem um transtorno para os demais. Permitir que esse paciente se torne um transtorno desse tipo estará, de fato, entre os seus interesses fundamentais?

Em geral, a dignidade de uma pessoa está ligada à sua capacidade de amor-próprio. Devemos nos preocupar com a dignidade de um paciente com demência se ele próprio já não se dá conta de tal dignidade? Isso parece depender do fato de sua dignidade passada, como indivíduo competente, estar ainda implícita de alguma maneira. Se é assim, então podemos considerar que sua capacidade anterior de amor–próprio exige que ele agora seja tratado com dignidade; podemos dizer que, agora, essa dignidade é necessária para que se demonstre respeito por sua vida como um todo.

Conforme adiantado, Dworkin formula aqui questionamentos centrais para o

desenvolvimento de nossa exploração, alguns explícitos outros sutilmente inseridos

nas sensíveis entrelinhas, com os quais pretendemos dialogar a fim de explorar as

seguintes questões: existe direito à autonomia para aqueles que já não podem mais

expressar consistentemente sua vontade? Devemos sempre tutelar as pessoas

demenciadas conduzindo-as e protegendo-as da maneira acreditamos a mais

adequada ou que assim nos indicam ser o senso comum ou os profissionais

especializados? Esse pretenso direito à autonomia existe apenas em razão do

respeito à pessoa humana plenamente capaz que essa pessoa um dia foi?

Desde uma perspectiva etimológica, a expressão Autonomia é tem sua

origem no binômio oriundo do grego "auto" (próprio) e "nomos" (lei, regra, norma).

Grosseiramente, autonomia significa autogoverno, autodeterminação, ou a

capacidade de um indivíduo de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua

integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Refere-se à capacidade de

decisão do ser humano acerca da expressão de seu caráter, seus valores,

compromissos, convicções e interesses.

Em uma perspectiva jurídica, é preciso que se faça uma pequena vênia para

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esclarecer que reconhecemos que há um debate teórico acerca das diferenças entre

a “autonomia da vontade”, doutrinariamente definida como sendo “o poder de

estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontade, a

disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica”

(DINIZ, 2011, p.40-1) e a “autonomia privada”, que por sua vez é definida como

sendo “o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria

vontade, as relações de que participam, designando-lhes a respectiva disciplina

jurídica” (AMARAL NETO, 1989, p. 213), no entanto, entendemos que estas

distinções não emprestam a necessária relevância para a abordagem do tema aqui

recortado e entendemos que o tratamento indistinto de tais categorias atende melhor

aos fins deste trabalho. Como precedente para esta abordagem nos servimos do

ensinamento do professor de Direito Civil da Universidade de Coimbra Carlos

Alberto Mota Pinto (2005, p. 102):

O negócio jurídico é uma manifestação do princípio da autonomia privada ou da autonomia da vontade, subjacente a todo o direito privado. A autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no poder reconhecido aos particulares de auto-regulamentação dos seus interesses, de autogoverno da sua esfera jurídica. Significa tal princípio que os particulares podem, no domínio da sua convivência com os outros sujeitos jurídico-privados, estabelecer a ordenação das respectivas relações jurídicas. Esta ordenação das suas relações jurídicas, este autogoverno da sua esfera jurídica, manifesta-se, desde logo, na realização de negócios jurídicos, de actos pelos quais os particulares ditam a regulamentação das suas relações, constituindo-as, modificando-as, extinguindo-as e determinando o seu conteúdo.

A Constituição Federal Brasileira promulgada em 1988 instituiu no Brasil o

chamado Estado Democrático de Direito, cujas definições perpassam desde os

apontamentos acerca dos mecanismos de controle do poder político preconizados

por Loewenstein18 até às anotações acerca da estrutura estatal desenhada por

Bobbio19. Em comum, essas e tantas outras definições do Estado Democrático de

18 Karl Loewenstein em seu livro Teoria da Constituição, (1976, p. 149) intenta explicar o Estado Democrático de Direito a partir das estruturas de controle do poder político. In verbis: la classificación de un sistema político como democrático constitucional depende de la existencia o carencia de instituciones efectivas por meio de las cuales el ejercicio del poder político esté distribuido entre los detentadores del poder, y por medio de las cuales los detentadores del poder estén sometidos al control de los destinatarios del poder, constituidos en detentadores supremos del poder.

19 Norberto Bobbio faz considerações pragmáticas no seguinte sentido: Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam, salvo o direito do cidadão de recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e

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Direito tem o delineamento de um Estado subsumido às normas codificadas sob o

pálio da Constituição em que se consubstanciam os conceitos da democracia e do

Estado de Direito.

Sendo a República Federativa do Brasil, portanto, um Estado Democrático

de Direito, significa dizer que o indivíduo passa a ser, no seio desta sociedade, fonte

de onde emana o poder constituinte que, por sua vez, plasmou no texto

constitucional não somente os anseios que dizem respeito às liberdades e garantias

individuais, mas também a tutela dos interesses coletivos, o que significa dizer que

não há uma precedência dos projetos de vidas individuais de cada cidadão em

relação aos direitos dos demais indivíduos, motivo pelo qual não é possível falar em

autonomia absoluta e irrestrita do indivíduo. Neste sentido colhemos as lições da

Professora Miracy Barbosa de Sousa Gustin (1999, p. 32) a respeito da autonomia:

A autonomia deve ser compreendida, portanto, como de natureza social, e o indivíduo só pode apreender o seu significado a partir da interação social com os demais. A validação intersubjetiva é necessária para a realização da condição de autonomia. Em face disso, torna-se inadmissível a interpretação da autonomia no sentido de autossuficiência, entendida esta como necessidade do indivíduo isolado e que se autossatisfaz no isolamento.

Assim, o agir autônomo dentro da ordem constitucional brasileira é,

necessariamente, um agir limitado à ordem pública e realizado de maneira

intersubjetiva, ou seja, não significa uma “alforria” para conduzir sua vida da forma

que melhor lhe aprouver, ao contrário, limita-se pelas relações interpessoais

caracterizadas, em ultima instância, pela própria norma jurídica.

Desta feita, podemos afirmar que dentro de uma perspectiva jurídico-

constitucional brasileira, a autonomia do indivíduo deve ser preservada e respeitada,

mormente com a afirmação de sua capacidade de autodeterminação, entretanto,

sendo esta mesma autonomia dialógica e intersubjetiva, deve se submeter – não no

sentido de subordinar, mas sim de constante tensionamento dialógico de interesses

- à coletividade, garantindo que os anseios do indivíduo que deseja não mais do que

perecer em condições dignas se conformem com aquilo que a própria sociedade

refutado o abuso ou excesso de poder. Assim entendido, o Estado de direito reflete a velha doutrina [...] da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem (Bobbio, 2000, p. 18).

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entende como tal.

Com a exploração até então realizada, é possível que adentremos mais

consistentemente no primeiro questionamento formulado no início do presente

tópico, qual seja: existe direito à autonomia para aqueles que já não podem mais

expressar consistentemente sua vontade?

Por tudo o que vimos até aqui, a autonomia como recorrência do próprio

Princípio da Dignidade da Pessoa humana, não encontra óbices formais à sua

persecução na impossibilidade de um indivíduo de manifestar sua vontade, pelo

contrário, o empecilho, neste caso seria de ordem material. De fato, é preciso que a

sociedade tome conhecimento da motivação e dos desejos do indivíduo por meio da

expressão de sua vontade inequívoca, mas não há nada que impeça que esta

vontade seja manifesta em um instrumento formal que garanta que os anseios

outrora antevistos sejam realizados quando o discernimento ou a sanidade lhe faltar.

Neste sentido, o uso de Diretivas Antecipadas de Vontade – e neste

momento do trabalho não nos ateremos em explorar as suas espécies – serviria

justamente para dar voz a este eco de autonomia e autodeterminação já brutalmente

corroído pelo próprio avanço da doença.

Tal consideração gera, no entanto, a necessidade do aprofundamento do

debate acerca das possibilidades de disposição que circunscrevem as Diretivas

Antecipadas de Vontade, isso porque, para além das repercussões de cunho

patrimonial, também nos interessam aquelas mais intimamente ligadas às decisões

de fim de vida, como comumente são tratadas os processos de consentimento que

envolvem médicos e pacientes em situações de terminalidade, ou, como também

vem sendo tratados tais casos, “pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais”

(KOVÁCS, 2009, p. 63).

Mais uma vez, reafirmamos nossa opção por não nos imiscuirmos no

fetichismo categórico que certamente tem sua aplicabilidade quando dentro da seara

da prática terapêutica (o próprio uso de uma terminologia mais amena para tratar da

terminalidade se mostra útil na redução do estigma que o paciente constrói ao redor

de sua doença segundo Kovács [2009, 64]), entretanto, muito mais nos interessa

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uma abordagem teórica acerca do que circunscreve este processo de perecimento

do indivíduo.

Neste sentido, as definições acerca da terminalidade relacionam-se,

invariavelmente, com a ausência de tratamentos que possam promover a cura ou a

recuperação do paciente e com o prognóstico de uma morte iminente, entretanto

entendemos que para os fins do presente trabalho, definições estritamente técnicas

que deem conta de questões como prognóstico de sobrevida não atendem

necessariamente nosso interesse exploratório, pelo contrário buscamos uma

definição mais humanística acerca do tema. Neste sentido, a definição de

terminalidade da Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos, assim dispõe [SANZ,

201-?]:

En la actualidad es mejor hablar de situaciones clínicas al final de la vida, donde la enfermedad terminal se encuentra entre enfermedad incurable avanzada y la situación de agonía. Enfermedad incurable avanzada. Enfermedad de curso progresivo, gradual, con diverso grado de afectación de la autonomía y de la calidad de vida, con respuesta variable al tratamiento específico, que evolucionará hacia la muerte a medio plazo.

Enfermedad terminal. Enfermedad avanzada en fase evolutiva e irreversible con síntomas múltiples, impacto emocional, pérdida de autonomía, con muy escasa o nula capacidad de respuesta al tratamiento específico y con un pronóstico de vida limitado a semanas o meses, en un contexto de fragilidad progresiva.

Situación de agonía. La que precede a la muerte cuando ésta se produce de forma gradual, y en la que existe deterioro físico intenso, debilidad extrema, alta frecuencia de trastornos cognitivos y de la conciencia, dificultad de relación e ingesta y pronóstico de vida en horas o días.

Ainda que esta definição não nos traga os parâmetros específicos a respeito

de quando uma patologia é ou não considerada terminal (na verdade o próprio artigo

onde esta definição se encontra descrita traz estas considerações, que deixamos de

colacionar por serem desinfluentes para o desenvolvimento da pesquisa), o fato é

que, a partir dela, podemos compreender o processo inerente à terminalidade e

perceber que a perda de autonomia é uma decorrência intrínseca do próprio

processo de perecimento.

No entanto, a simples proximidade da morte não torna o indivíduo menos

credor de autonomia e necessidade de autodeterminação, pelo contrário, embora o

processo patológico sofrido muitas vezes sequestre do paciente a capacidade de

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tomar decisões, este ainda continua sendo um sujeito com anseios e desejos que

carecem de um vetor para serem expressos e, consequentemente, respeitados.

No caso específico do paciente da Doença de Alzheimer, conforme já

demonstrado, o processo de declínio cognitivo se inicia muito antes da doença

adentrar no estágio da terminalidade, desta feita, desejos expressos por intermédio

de instrumentos como as Diretivas Antecipadas de Vontade servem para orientar as

decisões médicas em face do melhor interesse do paciente.

Ocorre que em determinados casos, o melhor interesse do paciente

encontra barreiras justamente no aspecto dialógico e intersubjetivo desses

interesses conforme outrora mencionado. A partir do tensionamento dialógico de

interesses o médico deve, sempre que possível, respeitar a vontade do paciente, os

limites da ordem jurídico-constitucional e os próprios preceitos éticos que conduzem

seu mister, dentre os quais se destaca o da beneficência.

Tomemos por exemplo um ponto substantivamente controverso dentro do

exercício da medicina: a suspensão de nutrição e hidratação artificial.

O Código de Ética Médica, no capítulo dos Princípios Fundamentais

(Capítulo I), estabelece que “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o

médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos

desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados

paliativos apropriados” (BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009). Esta

mesma norma, no capítulo que trata da Relação com Pacientes e Familiares

(Capítulo V), determina ser vedado ao médico:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis e obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.

Sem adentrar profundamente em conceitos como ortotanásia, distanásia e

cuidados paliativos, é possível determinar que uma eventual opção de um paciente

pela suspensão de nutrição e hidratação artificial diante do advento de uma situação

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de terminalidade passaria, necessariamente pela avaliação da necessidade de

submissão do paciente a tais procedimentos versus a potencialidade de abreviação

da vida desse a partir da adoção de tal suspensão.

Do ponto de vista da necessidade da submissão dos pacientes ao

procedimento da nutrição e hidratação artificiais, a literatura médica aponta em

diversas direções, sendo impossível pacificar a controvérsia acerca do assunto.

Neste sentido descreve Villas-Bôas (2009, p. 69-70):

A Pontifícia Academia das Ciências recomenda que a nutrição e a hidratação façam parte dos cuidados paliativos – que passam a se denominar, então, cuidados básicos – e não devem ser suspensas por estarem ligadas ao respeito devido no lidar com o ser humano, à sua dignidade, posição acatada por muitos profissionais e estudiosos do Direito.

Todavia, há outras posturas, como as de Beauchamp e Hooft, que se manifestam a favor da suspensão da nutrição provida por via artificial em determinadas situações, nas quais seria considerada desproporcional em face da gravidade do paciente, quando mesmo processos relativamente simples dessa ordem acarretassem profundo e incontornável incômodo.

Vale destacar que embora o primeiro posicionamento tenha sido construído

no seio de uma instituição com um forte viés religioso e definitivamente encontre-se

imbuído dos valores que esta instituição encerra, a simples inconclusividade acerca

dos efeitos e da natureza dos procedimentos de nutrição e hidratação artificiais faz

com que reiteradamente órgãos de fiscalização do exercício da medicina adotem

uma postura conservadora a respeito de sua suspensão em caso de doentes

terminais, como no caso do parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado

do Ceará – CREMEC (2010):

Em resposta aos questionamentos anteriormente levantados e à Direção de instituição de saúde que demandou este parecer, somos de opinião que se trata de um paciente terminal. Portanto, a suspensão dos meios artificiais de manutenção da vida (ventilação mecânica, drogas vasoativas, transfusão de sangue, diuréticos e antibióticos) não caracteriza eutanásia passiva, e sim, ortotanásia. Os cuidados paliativos devem ser mantidos sempre em tais situações. Tais cuidados compreendem principalmente a promoção do conforto, higienização, hidratação, alimentação e analgesia se necessário, além de apoio psicossocial à família.

Retornemos, pois, ao caso hipotético proposto. Nesta situação, mesmo que

não haja um motivo específico razoavelmente fundamentado, a vontade do paciente

não seria respeitada e sua autonomia negada. E frise-se que não se trata de uma

recusa após o mencionado procedimento de tensionamento dialógico aventado, pelo

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contrário, tal recusa decorre de uma ginástica argumentativa que se opera em

desfavor do direito do paciente de decidir sobre os rumos de sua vida em nome de

uma pretensa proteção de sua dignidade, o que, como vimos, pode ter os efeitos

diametralmente opostos, segundo os estudos levantados.

Assim, chegamos ao ponto em que podemos responder ao segundo

questionamento formulado no princípio deste tópico: devemos sempre tutelar as

pessoas demenciadas conduzindo-as e protegendo-as da maneira acreditamos a

mais adequada ou que assim nos indicam ser o senso comum ou os profissionais

especializados?

Por tudo que se desenvolveu até o presente momento neste trabalho, é

certo que o processo de tutela de uma pessoa demenciada deve respeitar, sempre

que possível aquilo que porventura se tenha de vontade descrita do paciente, para

tanto, instrumentos como as Diretivas Antecipadas de Vontade são muito mais

garantidoras da vontade inequívoca do paciente do que qualquer familiar, por

exemplo.

É certo também, que o processo de afirmação da autonomia do indivíduo (e

aqui não se inserem apenas aqueles acometidos pela Doença de Alzheimer ou outro

processo demencificante qualquer), limita-se por aquilo que a ordem pública sob a

forma do ordenamento jurídico autoriza, realizando-se e limitando-se de maneira

intersubjetiva.

Contrastados estes pontos de vista, é preciso que se compreenda que o

próprio Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é corolário da

Autonomia do Indivíduo e que, desta maneira, toda limitação à autodeterminação

autonômica do indivíduo deve ser precedida de uma intensa ponderação e

justificação que garanta que a alternativa permissiva tornar-se-ia socialmente

inaceitável.

Desta feita, sobre o segundo questionamento formulado, entendemos que é

preciso respeitar fundamentalmente a vontade do indivíduo como forma de

assegurar-lhe a Dignidade, e neste sentido, as eventuais limitações às suas

aspirações devem ser ponderadas a partir de uma perspectiva de absoluta

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alteridade, eis que ao se lidar com um indivíduo que acumula e encerra um número

tão grande de vulnerabilidades, não é admissível que se queira valorar seus

processos decisórios sob os mesmos prismas que todos os demais.

Por fim, resta a questão sobre a existência de um direito à autonomia

propriamente dito do paciente demenciado versus a ideia de que este direito existe

apenas em razão do respeito à pessoa humana plenamente capaz que essa pessoa

um dia foi. É verdade que quando em estágio avançado de demência os pacientes

da Doença de Alzheimer e de outras doenças demencificantes guardam muito pouco

daquilo que outrora os tornara indivíduos únicos, singulares, mas nem por isso

esses mesmos pacientes tornaram-se menos humanos.

A Dignidade da Pessoa Humana nos acompanha por toda nossa existência,

e não importa o que façamos ou o que quer que nos aconteça, nada pode afastar o

indivíduo deste bem maior sob pena de desumaniza-lo, assim, e considerando a

íntima relação construída ao logo desse tópico entre Autonomia e Dignidade,

resgatamos, mais uma vez, o imperativo categórico Kantiano para afirmar que sim, o

paciente demenciado tem um direito fundamental à autonomia que lhe é inerente,

mas que também é preciso que todos reconheçamos que na alteridade, ou seja, na

garantia do direito do semelhante, também realizamos o nosso próprio direito.

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3. Histórico Jurídico das Diretivas Antecipadas de Vontade

Como descrito anteriormente, neste capítulo pretendemos investigar o

nascedouro e a evolução da declaração antecipada de vontade e de instrumentos

congêneres que tenham por objetivo principal dispor sobre a vontade do indivíduo de

forma que, quando ainda vivo, este mesmo indivíduo possa dispor sobre uma série

de questões envolvendo sua própria individualidade e direito de autodeterminação

de maneira que, ainda que inconsciente, possa fazer valer sua vontade e goze de

um grau de autonomia que lhe confira dignidade.

Este recorte – um tanto quanto abstrato e abrangente – é necessário, na

medida em que o que se investiga não é simplesmente o impacto deste tipo de

instrumento na afirmação da autonomia do indivíduo em situações de fim da vida

como viés para a efetivação dos direitos humanos, mas sim a pretensa existência de

um instrumento que - em detrimento dos demais - possa responder as necessidades

específicas concernentes ao direito à saúde do idoso e, no caso do recorte do

presente trabalho, do idoso portado da Doença de Alzheimer.

Assim, é preciso traçar uma análise histórica dos instrumentos que de

alguma forma integram essa macrocategoria de “diretivas de vontade” bem como

compreender os fatores que levaram à sua conformação a fim de que possamos

atingir o objetivo da investigação declinado no início deste capítulo.

3.1. Diretivas Antecipadas de Vontade: A Circulação do pensamento no

Direito Internacional e a experiência Norte-Americana

Feitas estas considerações iniciais, e ainda que entendamos que a

aplicabilidade do que chamaremos para os fins deste capítulo de diretivas de

vontade extrapole a seara das orientações médicas, iniciaremos nossa análise com

a exploração da relação médico-paciente, permitindo-nos, no entanto, evitar

remontar a relação médico-paciente ao início do exercício da medicina com o

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desenvolvimento dos princípios hipocráticos da beneficência e não maleficência20

em detrimento dos modernos princípios da autonomia e da justiça que norteiam a

bioética21.

Ao contrário, debruçar-nos-emos sobre a relação médico-paciente a partir do

século XX, onde poderemos perceber uma virada filosófica na qual o médico

deixaria de ser o vértice mais alto na já extremamente verticalizada relação travada

com seus pacientes para ocupar um espaço dialógico, onde, embora detentor do

conhecimento e dos meios para definir, segundo o estado da arte, a melhor

abordagem para as mazelas apresentadas, os médicos passariam a adotar uma

abordagem progressivamente mais horizontalizada e respeitadora da autonomia do

paciente em relação ao seu tratamento.

Embora a ideia de horizontalização da relação médico-paciente fosse um

pensamento circulante desde o iluminismo, o fato é que no período que circunscreve

este movimento cultural, a luta contra a tutela cega era uma luta em todos os fronts,

não representando um pensamento específico com foco na relação médica, como

podemos depreender do fragmento extraído do texto de Kant (2009, p. 407)

Resposta à Questão: O Que é Esclarecimento?, também traduzido em outras

oportunidades como Resposta à pergunta: Que é o iluminismo?.

20 Estes princípios encontram-se consagrados no Juramento de Hipócrates prestado pelos profissionais da medicina, in verbis “Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.” Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3> Acesso em: 12-5-2016.

21 Já sobre os princípios norteadores da Bioética moderna recomendamos a leitura de Beauchamp e Childress (1978).

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Esclarecimento é a saída do homem da menoridade pela qual é o próprio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere aude! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento.

Considerando especificidade perseguida na presente investigação,

tomaremos como marco histórico o pós Segunda Guerra Mundial, quando, após

vislumbrar os horrores decorrentes dos experimentos realizados com seres

humanos, acirrou-se o debate sobre a necessidade de obtenção de consentimento

do paciente antes de sua submissão a determinado tratamento, debate este que

conduziu a elaboração de dois importantes marcos legais, o Código de Nuremberg,

em 1947 e a Declaração de Helsinque, em 1964 (PEREIRA, 2004, p. 24-5).

A Declaração de Nuremberg surge como uma resposta direta à barbárie

desvelada com a queda do regime Nazista por parte da recém reinstitucionalizada

Sociedade Internacional. Esta declaração tinha como principal objetivo a busca da

regulamentação da conduta científica fundada no respeito à Dignidade da Pessoa

Humana.

Aqui é importante que se diga que embora a Dignidade da Pessoa Humana

não tenha sido plasmada expressamente entre as dez diretrizes do Código de

Nuremberg, este construto mostra-se inequivocamente norteador do texto

convencional22.

É preciso destacar que logo após a elaboração do Código de Nuremberg, a

Assembleia Geral das Nações Unidas promulgou a Declaração dos Direitos

Humanos (1948), enunciando os princípios fundamentais do direito à vida e à

liberdade dos indivíduos, apontando mais diretamente na direção da humanização

das relações. 22 Ao analisar as diretrizes a partir do pensamento Kantiano de Dignidade da Pessoa Humana, é possível perceber a influência do pensamento iluminista de alteridade. Se considerarmos o que Kant preconiza em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes isto nos parece ainda mais claro:

“Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 2004, p.59)

“No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 2004, p.65)

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Posteriormente, com a realização dos Julgamentos de Nuremberg, a

comunidade científica internacional reconheceu que a Declaração de Nuremberg

possuía algumas falhas, assim, a Associação Médica Mundial elaborou a

Declaração de Helsinque, em 1964, durante a 18ª Assembleia Médica Mundial, em

Helsinque, na Finlândia.

Este documento fundamentou o que se tornaria a base da ética médica e da

pesquisa científica envolvendo seres humanos como um todo, e embora seja

periodicamente revisada – sua última alteração foi feita em razão da 64ª assembleia

geral da Associação Médica Mundial em outubro de 2013 em Fortaleza – guarda em

suas sucessivas alterações a essência da declaração originária defendendo em

primeiro lugar a afirmação de que o bem estar do ser humano deve ter prioridade

sobre os interesses da ciência e da sociedade, e destacando a importância ao

consentimento livre e esclarecido em pesquisas médicas que envolvam seres

humanos, o que torna a relação médico-paciente/pesquisador-paciente mais

humana e horizontalizada (PESSINI, BARCHIFONTAINE, 1998), sendo estes os

fatos que, resumidamente, levaram ao surgimento da bioética.

Neste mesmo cenário os avanços da medicina floresciam – em parte em

decorrência de experimentos realizados ao arrepio dos ditames éticos plasmados

nos documentos internacionais acima mencionados, como no caso do tenebroso

Tuskegee study23. A “tecnologização da medicina” (DADALTO, 2015) trouxe consigo

a possibilidade do prolongamento indeterminado da vida humana sob o ponto de

vista exclusivamente biológico, levando, inclusive conclusão por determinados

autores que a definição de morte se dá por uma ligação à ação médica, ou nas

palavras de Menezes (2004, p.34), “a definição de morte revela-se circular, ligada à

23 O Estudo de Tuskegee sobre a sífilis não tratada, também conhecido como o Experimento Tuskegee ou Tuskegee Study foi um estudo clínico infame realizado entre 1932 e 1972 pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos para estudar a progressão natural da sífilis não tratada nos homens rurais afro-americanos no estado do Alabama, homens estes que eram mantidos isolados sob o pretexto de receber cuidados de saúde gratuitos do governo dos Estados Unidos. Este experimento envolveu um total de 600 afro-americanos pobres do condado de Macon dos quais 399 já haviam contraído sífilis antes do início do estudo, e 201 não eram portadores da doença. Dentre os aspectos notadamente controvertidos do experimento destaca-se que nenhum dos homens infectados foram informados de que tinha a doença, e nenhum deles recebeu penicilina como tratamento, mesmo depois de o antibiótico ter sido validado como sendo útil ao tratamento da sífilis. Para mais sobre o Tuskgee Study, ver GAMBLE, Vanessa Northington. Under the shadow of Tuskegee: African Americans and health care. American journal of public health, v. 87, n. 11, p. 1773-1778, 1997.

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ação do médico que tanto pode decidir por interromper os cuidados como

empreender esforços de reanimação”

Logo a sociedade se viu diante de uma dicotomia onde de um lado figurava

a medicina – ainda herdeira de uma tradição verticalizada e que apenas começava a

se submeter a um agir mais humanizado – com suas infindas técnicas para

manutenção da vida a qualquer custo e, de outro lado, pacientes que repensavam

seus valores éticos e morais acerca do significado da manutenção da vida sobre o

aspecto estritamente biológico, ou seja, a manutenção das funções vitais em

detrimento de uma funcionalidade humana.

As respostas para essa dicotomia, para além das controvérsias éticas como

as exploradas no capítulo anterior, requisitavam novas abordagens que dessem

conta dos questionamentos de uma ciência transdisciplinar e dinâmica por definição

e da miríade de situações individualizadas que não poderiam ser tratadas com a

simplicidade da aplicação da norma geral.

Neste contexto em que a autonomia do indivíduo encontrava entraves na

vagueza das disposições legais e dos códigos de ética médica surge nos Estados

Unidos, em 1969, o trabalho do jurista Luis Kutner (1969), onde este, mesmo

reconhecendo a ilicitude da eutanásia e do suicídio assistido, aborda o direito de

morrer do paciente.

Em seu trabalho o autor sustenta a ideia de que o paciente poderia,

mediante a inclusão de uma cláusula nos termos de consentimento utilizados pelos

médicos, diante de um diagnóstico de incurabilidade da enfermidade que o acomete,

recusar o tratamento ante o agravamento de sua condição.

Neste mesmo trabalho o autor propôs a criação de um instrumento

denominado living will, cujo objetivo era justamente garantir que a vontade do

paciente seria respeitada e que, mesmo inconsciente, este estaria no controle dos

rumos de seu tratamento médico.

É preciso que se compreenda que já nesta época os estabelecimentos

médicos nos Estados Unidos faziam uso do termo de consentimento livre e

esclarecido, e que a interpretação legal admitia que o paciente se recusasse –

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utilizando-se deste mesmo termo de consentimento – a se submeter a algum tipo de

tratamento ou procedimento visando o prolongamento da vida, entretanto, segundo

descreve Kutner (1969, p. 551), este novo instrumento proposto tem a importante

função de garantir a execução da vontade do indivíduo mesmo quando este não

puder manifesta-la claramente no ato da submissão ao tratamento.

The patient may not have had, however, the opportunity to give his consent at any point before treatment. He may have become the victim of a sudden accident or a stroke or coronary. Therefore, the suggested solution is that the individual, while fully in control of his faculties and his ability to express himself, indicate to what extent he would consent to treatment. The document indicating such consent may be referred to as "a living will," "a declaration determining the termination of life," "testament permitting death," "declaration for bodily autonomy," "declaration for ending treatment," "body trust," or other similar reference.

Como forma de garantir a execução da vontade do Indivíduo, o living will

deveria observar algumas formalidades quer para resguardar e notabilizar a vontade

do indivíduo, quer para proteger o exercício da profissão do médico ante o risco de

interpelação por parte dos parentes do declarante. Do trabalho do professor Kutner

extraímos as seguintes características do living will (1969, p. 551-2).

The document would be notarized and attested to by at least two witnesses who would affirm that the maker was of sound mind and acted of his own free will. The individual could carry the document on his person at all times, while his wife, his personal physician, a lawyer or confidant would have the original copy.

Each individual case would be referred to a hospital committee, board or a committee of physicians. (…) The committee or board would consider the circumstances under which the document was made in determining the patient's intent and also make a determination as to whether the condition of the patient has indeed reached the point where he would no longer want any treatment.

The individual could at any time, before reaching the comatose state, revoke the document. Personal possession of the document would create a strong presumption that he regards it as still binding. Statements and actions subsequent to the writing of the document may indicate a contrary intent. If the physicians find that some doubt exists as to the patient's intent, they would give treatment pending the resolution of the matter. (…)

A living will could only be made by a person who is capable of giving his consent to treatment. A person who is a minor, institutionalized, or adjudged incompetent could not make such a declaration. A guardian should not be permitted to make such a declaration on behalf of his ward nor a parent on behalf of his child. (…)

A relevância do tema e a utilidade do instrumento proposto pelo pesquisador

ainda se mostraria substantiva naquele país em muitos leading cases antes que o

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Congresso Nacional regulamentasse a matéria de maneira adequada. Um destes

casos foi determinante no que viria a ser plasmado no Patient Self-Determination Act

(PSDA) (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1990) - sobre o qual dissertaremos

mais adiante -, que foi o caso Cruzan v. Director of Missouri Department of Health

(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SUPREMA CORTE DE JUSTIÇA, 1990).

O caso Cruzan foi o primeiro caso a chegar a Corte Suprema Norte-

Americana a versar sobre o “direito de morrer”. Alguns casos anteriores como o

Quinlan v. State of New Jersey, por exemplo, tiveram uma grande repercussão e até

mesmo chegaram a gerar mudanças na esfera legislativa estadual (como a

mudança no Natural Death Act'of the State of California ocorrida justamente em

decorrência do caso Quinlan), mas de fato seria com o caso Cruzan que se

estabeleceriam as bases das advance health directives.

Conforme descrito no relatório do caso, em 11 de janeiro de 1983 Nancy

Cruzan perdeu o controle de seu carro sendo jogada para fora do veículo em uma

vala cheia de água. Os paramédicos a encontraram sem sinais vitais, a reanimaram

e levaram-na para o hospital.

Depois de três semanas em coma, ela foi diagnosticada como estando em

um estado vegetativo persistente (PVS). Os cirurgiões inseriram, então, uma sonda

gástrica com a autorização do marido da paciente.

Diante da situação aparente de que Nancy Cruzan não teria praticamente

nenhuma chance de recuperar suas faculdades mentais, seus pais pediram aos

funcionários do hospital para finalizar os procedimentos de nutrição e hidratação

artificiais. Os funcionários do hospital, cientes de que tal remoção poderia causar

sua morte se recusaram a honrar o pedido sem a aprovação do tribunal.

Os pais, em seguida, pediram e receberam autorização para retirada, que

considerou que uma pessoa que se encontrasse na condição de Nancy tinha o

direito fundamental à luz das Constituições Estadual e Federal de recusar ou

direcionar a retirada de "procedimentos de prolongamento de vida".

O juízo também constatou que Nancy havia expressado sua vontade em

uma conversa séria com um amigo, deixando claro que, caso ficasse doente ou

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ferida, ela não gostaria de continuar a sua vida, a menos que sua condição não

comprometesse mais do que metade de suas faculdades normais, sugerindo que,

dada a sua condição, ela não iria deseja continuar com sua nutrição e hidratação.

O Estado de Missouri recorreu desta decisão e em um julgamento por 4 a 3,

o Supremo Tribunal de Missouri reverteu a decisão do tribunal a quo. O Tribunal

decidiu, em síntese que ninguém pode recusar o tratamento para outra pessoa,

especialmente quando não há evidência clara e convincente da vontade do paciente,

o que o tribunal considerou não haver ocorrido no caso concreto. Os pais de Nancy

recorreram e, em 1989, a Suprema Corte dos Estados Unidos concordou em ouvir o

caso.

A questão posta a conhecimento da Corte Suprema naquela ocasião era se

o Estado do Missouri tinha o direito de exigir "provas claras e convincentes" para que

os familiares pudessem remover sua filha do suporte de vida.

Especificamente, o Supremo Tribunal foi instado a decidir se o Tribunal do

Estado do Missouri violou a Décima Quarta Emenda ao não observar devido

processo no caso concreto tendo, alegadamente, privado um cidadão de sua

liberdade sem a observância dos necessários cuidados.

Em uma decisão dividida (5-4) a Suprema Corte decidiu em favor do

Departamento de Saúde do Missouri estabelecendo que nada na Constituição

proíbe que o Estado do Missouri exija "provas claras e convincentes" antes de

encerrar um tratamento com o desligamento do suporte de vida, conforme podemos

depreender do dispositivo da decisão (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,

SUPREMA CORTE DE JUSTIÇA, 1990):

1. The United States Constitution does not forbid Missouri to require that evidence of an incompetent's wishes as to the withdrawal of life-sustaining treatment be proved by clear and convincing evidence. Pp. 269-285. [497 U.S. 261, 262]

2. The State Supreme Court did not commit constitutional error in concluding that the evidence adduced at trial did not amount to clear and convincing proof of Cruzan's desire to have hydration and nutrition withdrawn. The trial court had not adopted a clear and convincing evidence standard, and Cruzan's observations that she did not want to live life as a "vegetable" did not deal in terms with withdrawal of medical treatment or of hydration and nutrition.

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3. The Due Process Clause does not require a State to accept the "substituted judgment" of close family members in the absence of substantial proof that their views reflect the patient's. This Court's decision upholding a State's favored treatment of traditional family relationships, Michael H. v. Gerald D., 491 U.S. 110 , may not be turned into a constitutional requirement that a State must recognize the primacy of these relationships in a situation like this. Nor may a decision upholding a State's right to permit family decision making, Parham v. J.R., 442 U.S. 584, be turned into a constitutional requirement that the State recognize such decisionmaking.

Após a decisão da Suprema Corte, no entanto, os familiares de Nancy

angariaram evidências adicionais de que a vontade da paciente era de não ser

mantida viva por aparelhos, o que levou o Estado de Missouri a se retirar da

demanda em 1990 e permitiu que o pedido – então sem oposição - fosse deferido

pelo juiz do condado. Sem os aparelhos de suporte de vida – retirados em dezembro

de 1990 – Nancy finalmente veio a óbito, quase nove anos após o seu diagnóstico

de EVP.

A repercussão gerada por este case foi enorme, sobretudo após a notícia

(PACE, 1996) do suicídio do pai de Nancy em decorrência do abalo sofrido por todo

o doloroso processo de obtenção da decisão judicial, alguns autores chegam a

afirmar que os cidadãos americanos temiam que, caso ficassem em situação similar

à de Nancy, não conseguissem fornecer prova judicial do desejo de interromper o

tratamento (GONZÁLEZ, 2006, p. 96).

Assim, movidos pela pressão popular fomentada, sobretudo, pelo próprio

dissenso entre os juízes da Suprema Corte, em 1991 o Patient Self Determination

Act (PSDA) (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1990) foi sancionado, dispondo,

dentre outras questões, acerca das advanced directives – ou Diretivas Antecipadas

de Vontade (DAV) - gênero de documentos de manifestação de vontade para

tratamento médico, do qual são espécies o living will e o durable power of attorney

for health care24.

Curiosamente, de uma forma absolutamente contra intuitiva - dada a

comoção causada pelo caso Cruzan -, as Diretivas Antecipadas de Vontade

regulamentadas pelo PSDA são pouco utilizadas pelo cidadão norte-americano.

24 Também denominado mandato duradouro, é um documento “no qual o paciente nomeia um ou mais ‘procuradores’ que deverão ser consultados pelos médicos em caso de incapacidade do paciente – definitiva ou não - quando estes tiverem que tomar alguma decisão sobre recusa de tratamento”. (DADALTO, 2015, p. 91).

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Uma pesquisa25 realizada em 2014 apontou que apenas 26.3% dos adultos

norte-americanos utiliza as Diretivas Antecipadas, sendo que este mesmo estudo

aponta que a causa mais frequente alegada para a falta de interesse nestes

instrumentos é o desconhecimento, sendo um instrumento de predominância entre

pessoas brancas, de mais idade, maior grau de instrução, maior nível salarial.

Os dados obtidos pela pesquisa supramencionada, além de demonstrar que

o planejamento acerca das situações de fim de vida sofre uma forte influência social,

apontam que, mais do que uma questão de carência de regulamentação, a

sociedade – ao menos a sociedade norte-americana pelo que se pode inferir da

pesquisa –, não possui uma cultura de previdência em sentido lato, relegando a um

segundo plano os cuidados para quando a saúde ou a sanidade lhes faltar.

Inobstante o modesto uso das Diretivas Antecipadas de Vontade pelos

cidadãos norte-americanos, as discussões acerca das formas de disposição de

vontade não se esgotaram com a edição do PSDA, pelo contrário, diversos outros

instrumentos vem sendo desenvolvidos e aperfeiçoados desde então com o fito de

atender às expectativas da sociedade no que diz respeito à manutenção de seus

valores e de sua autonomia em situações médicas ou de fim de vida. Neste sentido,

Dadalto (2015, p. 113-4) destaca os seguintes instrumentos:

ADVANCE MEDICAL CARE DIRECTIVE

Documento por meio do qual o paciente manifesta sua vontade em um formulário após uma conversa com a equipe de saúde;

VALUE HISTORY

Documento no qual o indivíduo deixa escrito seus valores pessoais que orientarão a tomada de decisões;

COMBINE DIRECTIVE

Documento que contém os valores do paciente, a nomeação de um procurador e instruções para a equipe, combinando componentes de instrução típicos do living will ou procuração, do durable power of attorney e

25 Os dados foram analisados em 2013 a partir de adultos com 18 anos e mais velhos que participaram da pesquisa HealthStyles de 2009 e 2010, uma pesquisa do tipo mail panel projetada para ser representativa da população dos EUA. Testes da razão de verossimilhança foram utilizados para examinar as associações entre diretrizes antecipadas e variáveis demográficas e socioeconômicas (escolaridade, renda, situação de emprego). Para maiores detalhes sobre a pesquisa ver RAO, Jaya K. et al. (2014).

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do histórico de valores;

PHYSICIAN ORDERS FOR LIFE-SUSTAINING TREATMENT (POLST)

Documento sobre as alternativas de tratamentos, em forma de formulário, preenchido pelos médicos após uma conversa sobre os objetivos do tratamento com o paciente ou seu representante legal. É, portanto, momentâneo e de uso imediato e deve acompanhar o paciente em eventuais transferências.

Como fica claro, a comunidade médica e a sociedade norte-americana como

um todo vem buscando aperfeiçoar as Diretivas Antecipadas de Vontade para que

estas possam abranger um número maior de situações com soluções cada vez mais

refinadas.

A própria comunidade científica deixa transparecer seu intento em substituir

as antigas formas de DAV por outras que considerem mais eficazes, como no caso

do estudo de Hickman et al. (2010), em que os pesquisadores deixam clara a sua

predileção pelo POLST sustentando sua forma mais refinada de manifestação de

vontade e a possibilidade da portabilidade do instrumento, embora neste aspecto

permitamo-nos divergir por entendermos que o problema não está no refinamento

dos instrumentos, mas na aplicabilidade de cada um deles ao caso concreto, mas

este é um pensamento que será desenvolvido mais a frente.

Por fim, é preciso destacar que a sociedade norte-americana está inserta um

sistema jurídico-legislativo estranho ao brasileiro, mas ainda assim, a experiência

pioneira da positivação das Diretivas Antecipadas de Vontade bem como as

vicissitudes encontradas no caminho da garantia da Dignidade da Pessoa Humana

dos pacientes que fazem uso dessas diretivas emprestarão um conhecimento ímpar

na fundamentação da investigação que aqui se desenvolve.

3.2. Paradigmas de regulamentação das Diretivas Antecipadas de Vontade na

Ibero-américa

Como descrevemos na introdução, um dos objetivos perseguidos é o estudo

das Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico brasileiro a fim de

compreender como – e se – o seu uso pode ser útil aos pacientes da doença de

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Alzheimer.

Assim, a fim de aproximar o debate acerca das Diretivas Antecipadas de

Vontade da realidade jurídica e social brasileira, compreendemos que seria

necessário não só traçar um panorama que compreendesse ordenamentos mais

regulamentados contrapondo-os ao ordenamento brasileiro – ainda demasiado

incipiente, como veremos a seguir – mas também que os paradigmas escolhidos

guardassem alguma proximidade com a própria realidade do país.

Neste sentido, antes de adentrarmos efetivamente na análise preambular do

cenário europeu que conduzirá ao subitem 3.3 onde serão analisadas as Diretivas

Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico espanhol, é preciso que se

justifique a própria opção pelo paradigma espanhol em detrimento do Português, eis

que em razão de nossa colonização lusitana seria de se esperar que a comparação

lançasse olhares sobre este ordenamento jurídico.

Em nossa pesquisa, entendemos que a precedência da regulação do tema

na Espanha - que antecedeu Portugal em dez anos -, bem como a própria forma

como o assunto é tratado no ordenamento jurídico constitucional dos países (o

ordenamento jurídico Português, por exemplo, ignora toda a experiência norte-

americana e trata as diretivas antecipadas como sinônimo de testamento vital)

justifica a opção pela Espanha em detrimento de Portugal.

Feitas estas considerações, e antes de adentrar na análise das Diretivas

Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico espanhol propriamente dito, é

preciso que se contextualize o nascedouro da discussão sobre o tema dentro da

comunidade europeia.

Inicialmente as Diretivas Antecipadas de Vontade surgem na Europa após o

desenvolvimento do marco legislativo Norte-Americano com o Patient Self-

Determination Act, e, a despeito de alguns países como Finlândia26, Holanda (1994)

26 A Finlândia editou em 1992, portanto apenas um ano após o Patient Self-Determination Act norte-americano o Act on the status and rights of patients, que embora esteja localizado fora do marco regulatório da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da Medicina, representou um substantivo pioneirismo na discussão das Diretivas Antecipadas de Vontade na Europa, especialmente no que diz respeito a seção 6 do Act on the status and rights of patients que aqui permitimo-nos transcrever:

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e Hungria27 que já possuíam alguma forma de regulamentação sobre o assunto, o

marco nodal na regulamentação das diretivas antecipadas na Europa acontece em

1997, com a elaboração da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e

da Dignidade do Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da Medicina.

A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do

Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da Medicina, conhecida também

como Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina ou Convênio de Oviedo, foi

elaborada em 4 de abril de 1997 pelos Estados-Membro do Conselho da Europa,

Organização Internacional que possui como missão institucional a promoção e

defesa da democracia, do Estado de Direito, dos direitos humanos, do

desenvolvimento econômico e a integração de determinadas funções regulatórias no

território europeu.

O Conselho da Europa foi fundado em 1949 pela Bélgica, Dinamarca,

“Patients' right to self-determination - The patient has to be cared in mutual understanding with him/her. If the patient refuses a certain treatment or measure, he/she has to be cared, as far as possible, in other medically acceptable way in mutual understanding with him/her.

If a major patient because of mental disturbance or mental retardation or for other reason cannot decide on the treatment given to him/her, the legal representative or a family member or other close person of the patient has to be heard before making an important decision concerning treatment to assess what kind of treatment would be in accordance with the patient's will. If this matter cannot be assessed, the patient has to be given a treatment that can be considered to be in accordance with his/her personal interests.

In cases referred to in paragraph 2, the patient's legal representatives, a close relative, or other person closely connected with the patient, must give their consent to the treatment. In giving their consent, the patient's legal representatives, close relative, or other person closely connected with the patient must respect the patient's previously expressed wishes or, if no wishes had been expressed, the patient's well-being. If the patient's legal representatives, close relative, or other person closely connected with the patient forbid the care or treatment of the patient, care or treatment must, as far as possible in agreement with the person who refused consent, be given in some other medically acceptable manner. If the patient's legal representatives, close relative, or other person closely connected with the patient disagree on the care or treatment to be given, the patient shall be cared for or treated in accordance with his or her best interests.(489/1999)

Provisions on treatment given irrespective of the will of the patient are included in the Mental Health Act (1116/1990), the Act on Social Work with Substance Abusers (41/1986), the Communicable Diseases Act (583/1986) and in the Act on Special Care for the Mentally Handicapped (519/1977)”. – (FINLÂNDIA, 1992).

27 O Act CLIV of 1997 on Health, promulgado em dezembro de 1997, é uma norma substantivamente robusta e que regulamenta uma série de aspectos concernentes às declarações de vontade, normatizando questões como o conflito entre o direito da gestante de se autodeterminar versus o direito do nascituro de não perecer em razão da recusa da mãe em receber os cuidados necessários para a manutenção da vida, assim, embora não tenha lugar dentro do recorte dos presentes estudos, sua leitura é extremamente recomendada. (HUNGRIA, 1997).

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França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido, mas

desde 2007 é composto por um total de 47 Estados-membro28, inobstante, apenas

3529 deles subscreveram a referida convenção sendo que apenas 2930 a ratificaram

e ainda assim, com reservas de 631 países.

No entanto, entre as diversas reservas elaboradas com relação ao texto do

tratado, nenhuma32 delas obstou o texto do artigo 9º da Convenção de Oviedo,

justamente o dispositivo com a maior relevância para o estudo da temática das

Diretivas Antecipadas de Vontade no território europeu.

O artigo 9º da Convenção de Oviedo traz uma expressa manifestação

acerca da expressão da vontade do paciente em intervenções médicas, dispondo

que The previously expressed wishes relating to a medical intervention by a patient

who is not, at the time of the intervention, in a state to express his or her wishes shall

be taken into account (UNIÃO EUROPEIA, CONSELHO DA EUROPA, 1997).

Note-se que o artigo 9º da Convenção de Oviedo fala em “levar os desejos

do paciente em conta” quando da administração de determinado tratamento, mas

isso não significa, necessariamente, que este desejo será forçosamente respeitado

28 Somam-se à Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido os seguintes Estados-Membro: Grécia, Turquia, Islândia, Alemanha, Áustria, Chipre, Suíça, Malta, Portugal, Espanha, Liechtenstein, San Marino, Finlândia, Hungria, Polônia, Bulgária, Estônia, Lituânia, Eslovênia, República Checa, Eslováquia, Romênia, Andorra, Latvia, Albânia, Moldova, Macedônia. Ucrânia, Rússia, Croácia, Georgia, Armênia, Azerbaijão, Bósnia e Herzegovina, Sérvia, Mônaco e Montenegro, em ordem de ingresso.

29 Países subscreventes: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Georgia, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Itália, Latvia, Lituânia, Luxemburgo, Moldova, Montenegro, Noruega, Polônia, Portugal, República Checa, Romênia, San Marino, Sérvia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. (UNIÃO EUROPEIA, 2016).

30 Países Ratificantes: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Georgia, Grécia, Hungria, Islândia, Latvia, Lituânia, Moldova, Montenegro, Noruega, Portugal, República Checa, Romênia, San Marino, Sérvia, Suíça e Turquia. (UNIÃO EUROPEIA, 2016).

31 Países com reservas ao tratado: Croácia, Dinamarca, França, Noruega, Suíça e Turquia. (UNIÃO EUROPEIA, 2016).

32 O conteúdo das reservas pode ser acessado no próprio site do Conselho da Europa através da página Reservations and Declarations for Treaty No.164 - Convention for the protection of Human Rights and Dignity of the Human Being with regard to the Application of Biology and Medicine: Convention on Human Rights and Biomedicine, Disponível em: < https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/164/declarations?p_auth=uoUQLuUe>.

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pela equipe de saúde responsável pelo tratamento propriamente dito, pelo contrário,

o ponto 62 do Relatório Explicativo sobre a Convenção de Oviedo (UNIÃO

EUROPEIA, CONSELHO DA EUROPA, 1997a) versa expressamente sobre a

ponderação que deve ser feita sobre a expressão dos desejos do paciente,

sobretudo quando tomada em momento significativamente distante da administração

do tratamento:

62. The article lays down that when persons have previously expressed their wishes, these shall be taken into account. Nevertheless, taking previously expressed wishes into account does not mean that they should necessarily be followed. For example, when the wishes were expressed a long time before the intervention and science has since progressed, there may be grounds for not heeding the patient's opinion. The practitioner should thus, as far as possible, be satisfied that the wishes of the patient apply to the present situation and are still valid, taking account in particular of technical progress in medicine.

Com a simples leitura do ponto 62 do relatório explicativo tem-se a

impressão de que o objetivo da convenção foi simplesmente consolidar a

horizontalização da relação médico-paciente e o consentimento esclarecido, mas

não necessariamente a autodeterminação dos pacientes, mas essa pode não ser a

conclusão mais ajustada.

É preciso ter em conta que uma convenção se repercute nos ordenamentos

jurídicos de seus ratificantes, e embora essa recepção aconteça em diferentes

níveis, a depender do regramento do ordenamento jurídico interno de cada Estado-

membro, é preciso que o texto convencional seja norteador, mas não

necessariamente esgote a temática.

Apoiando nossa visão temos o ponto 61 (UNIÃO EUROPEIA, CONSELHO

DA EUROPA, 1997) do mesmo relatório explicativo acima mencionado que faz

menção expressa às ocasiões em que os pacientes não estejam aptos a verbalizar

suas intenções, mas que, de alguma maneira, tenham antevisto esta necessidade e

reduzido suas vontades a termo, mencionando até mesmo a demência senil como

um exemplo em que isso possa ocorrer, o que guarda especial sinergia com o

presente trabalho:

61 The article therefore covers not only the emergencies referred to in Article 8 but also situations where individuals have foreseen that they might be unable to give their valid consent, for example in the event of a progressive disease such as senile dementia.

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Assim, a temática, antes apenas discutida e regulamentada nos Estados

Unidos (além das legislações dos três países anteriormente mencionados), passa a

ser também objeto de debate dentro do cenário europeu.

Nos quinze anos que se seguiram à elaboração da Convenção de Oviedo,

Bélgica (2002), Espanha (2002), Reino Unido (2005), Áustria (2012), Alemanha

(2002) e Portugal (2012), todos, editaram algum tipo de legislação visando

reconhecer e regular a forma e a legitimidade das Diretivas Antecipadas de Vontade,

demonstrando que a preocupação com a autodeterminação dos indivíduos em

situações médicas é uma preocupação real e premente na sociedade moderna.

Com a devida contextualização sobre o desenvolvimento da temática dentro

da Europa, passemos então a analisar a experiência concreta de um dos países

pioneiros no tratamento e regulamentação das Diretivas Antecipadas de Vontade.

3.2.1. Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico espanhol

Embora em nível governamental a discussão acerca das Diretivas

Antecipadas de Vontade tenha se intensificado com a elaboração da Convenção de

Oviedo, algumas sociedades Europeias já fomentavam discussões acerca da boa

morte ou morte digna.

Instituições como a Asociación Derecho a Morir Dignamente33 e a Fundación

Pro Derecho a Morir Dignamente34 vêm fomentando o debate e exigindo

regulamentos compreensivos acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade há

algumas décadas.

No ordenamento jurídico espanhol já vigia desde 1986 a Ley General de

Sanidad, que não trazia nenhuma disposição direta acerca de Diretivas Antecipadas

de Vontade de nenhum gênero, entretanto, trazia em seu bojo a semente da

proteção à autonomia do indivíduo quando, anos antes da ratificação da Convenção

33 Site em: <http://www.eutanasia.ws/>. Acesso em: 26.12.2016.

34 Site em: < www.dmd.org.co/>. Acesso em: 26.12.2016.

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de Oviedo já garantia o direito à informação e ao consentimento prévio e

esclarecido, como destaca Blanco (2008, p. 37-8):

En 1986, se publica en nuestro país, la Ley General de Sanidad (69), primera legislación que como dijimos anteriormente, supone una apuesta de la Sanidad Española, por abandonar el modelo paternalista para acercarse a un modelo más autonomista, mediante el reconocimiento de los derechos de los pacientes y que sin reconocer específicamente el derecho a plasmar las Instrucciones Previas, sí consolida el derecho a la autonomía a través del derecho a la información, al consentimiento previo y al consentimiento por representación.

(El paciente tiene derecho) A la libre elección entre las opciones que le presente el responsable médico de su caso, siendo preciso el previo consentimiento escrito del usuario para la realización de cualquier intervención, excepto (...) cuando no esté capacitado para tomar decisiones, en cuyo caso, el derecho corresponderá a sus familiares o personas a él allegadas (art. 10.6.b).

Com a recepção da Convenção de Oviedo - sobre a qual já nos debruçamos

no início deste capítulo -, iniciou-se um processo de proliferação de regulamentação

das então nomeadas “instrucciones previas” por parte das comunidades autônomas.

Assim ensina Blanco (2008, p. 39):

A partir de ese momento, algunas Comunidades autónomas comenzaron el desarrollo legislativo de dicho derecho, siendo pionera la Comunidad de Cataluña, seguida de la gallega; también otras lo introdujeron al desarrollar sus leyes de Salud, es el caso de Madrid, Aragón, La Rioja y Extremadura o en legislaciones previas incluso a su Ley de Salud, como es el caso de Cantabria.

Essa regulação difusa gerava substantivas confusões. Segundo Dadalto

(2015), as diferentes regiões regularam o tema com substantivas distinções:

a) nomenclatura: a maioria denomina este documento de “vontade antecipada”, apenas cinco das dezesseis comunidades autônomas que possuem lei sobre o tema, utilizam a expressão “instruções prévias”; b) apenas as comunidades de Andaluzia, Valencia e Navarra reconhecem ao menor de idade o direito de realizar instruções prévias; c) apenas a lei de Navarra aponta diferenças entre o testamento vital e as vontades antecipadas; apenas a lei de Madrid diferencia as instruções prévias do mandado duradouro; d) todas prevêem que as instruções prévias devem ter forma escrita e devem ser incorporadas ao histórico clínico do paciente; e) em todas as legislações está previsto a figura do representante/ procurador, a única diferença é que em algumas comunidades está prevista a necessidade de se nomear vários representantes; f) a maioria das comunidades autônomas reconhece a possibilidade do outorgante dispor acerca da doação de órgãos e do destino de seu corpo após o falecimento.

Diante da heterogeneidade com que a temática vinha sendo tratada, em

2002 o Rei da Espanha sancionou a Ley 41/2002 que viria a ser a norma reguladora

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dos aspectos relativos à autonomia dos pacientes e positivaria de maneira

determinante o instituto das Instrucciones Previas.

Além dos demais artigos que compõem o capítulo IV do referido diploma –

capítulo inteiramente dedicado ao respeito à autonomia do paciente -,

especificamente o artigo 11 abordou as instrucciones previas, regulamentando-as da

seguinte maneira:

Artículo 11. Instrucciones previas.

1. Por el documento de instrucciones previas, uma persona mayor de edad, capaz y libre, manifiesta antecipadamente su voluntad, con objeto de que ésta se cumpla en el momento en que llegue a situaciones en cuyas circunstancias no sea capaz de expresarlos personalmente, sobre los cuidados y el tratamiento de su salud o, una vez llegado el fallecimiento, sobre el destino de su cuerpo o de los órganos del mismo. El otorgante del documento puede designar, además, un representante para que, llegado el caso, sirva como interlocutor suyo con el médico o el equipo sanitario para procurar el cumplimiento de las instrucciones previas.

2. Cada servicio de salud regulará el procedimiento adecuado para que, llegado el caso, se garantice el cumplimiento de las instrucciones previas de cada persona, que deberán constar siempre por escrito.

3. No serán aplicadas las instrucciones previas contrarias al ordenamiento jurídico, a la «lex artis», ni las que no se correspondan con el supuesto de hecho que el interesado haya previsto en el momento de manifestarlas. En la historia clínica del paciente quedará constancia razonada de las anotaciones relacionadas con estas previsiones.

4. Las instrucciones previas podrán revocarse libremente en cualquier momento dejando constancia por escrito.

5. Con el fin de asegurar la eficacia en todo el territorio nacional de las instrucciones previas manifestadas por los pacientes y formalizadas de acuerdo con lo dispuesto en la legislación de las respectivas Comunidades Autónomas, se creará en el Ministerio de Sanidad y Consumo el Registro nacional de instrucciones previas que se regirá por las normas que reglamentariamente se determinen, previo acuerdo del Consejo Interterritorial del Sistema Nacional de Salud.

Como se verifica da leitura do dispositivo legal, o legislador conferiu ao

documento de Instrucciones previas as seguintes características centrais: a)

necessidade de capacidade civil do declarante; b) escopo do instrumento

circunscrito às instruções sobre cuidados sobre sua saúde e destino dos restos

mortais por ocasião do falecimento; c) garantia do cumprimento das instruções

prévias salvo se manifestas contra legem ou se permeadas por dúvidas a respeito

das disposições; d) revogabilidade por documento escrito; e) formalidade do

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instrumento registrado junto ao Registro Nacional de Instruções Prévias.

Sobre os requisitos exigidos pela Ley 41/2002 para validade das

instrucciones previas, cabe destacar a edição desta norma gerou certa controvérsia

acerca da autonomia legislativa das comunidades autônomas no que diz respeito

especificamente à necessidade de maioridade do declarante.

Embora a lei estatal seja expressa acerca da necessidade de maioridade

para elaboração da declaração, as normas de algumas comunidades como Aragon,

Catalunha, Navarra e La Rioja permitiam que menores de idade apusessem suas

instrucciones previas independente do atingimento da maioridade, o que precisou

ser alterado com a edição de uma norma estatal com um cadastro central de âmbito

nacional.

Como complemento à Ley 41/2002, foi sancionado o Real Decreto 124/2007,

que regula o Registro nacional de instrucciones previas e o sistema de cadastro

automatizado de dados de caráter pessoal, finalizando a regulamentação sobre a

temática das instrucciones previas em território espanhol, dispondo inclusive acerca

do registro de todo o passivo de Diretivas que as comunidades autônomas já

possuíam em decorrência de suas legislações anteriores. Com isso, conforme

destaca Sallort (2014), em dezembro de 2012 todos os registros realizados nas

comunidades autônomas foram agregados ao Registro Nacional de Instruções

Prévias tornando possível dar conhecimento aos profissionais de saúde de todo

território nacional o conteúdo das instruções prévias declaradas pelos cidadãos

espanhóis, independente de sua comunidade de origem.

Existe mais um aspecto da legislação Espanhola relativo à

autodeterminação do indivíduo em situação de iminente perda de capacidade civil

que guarda especial relação com a temática desta dissertação e que,

surpreendentemente é pouco explorado pelos doutrinadores que versam sobre este

assunto, que são as disposições do Código Civil que dizem respeito à tutela.

O direito Espanhol define as figuras do Tutor e do Curador de maneira

ligeiramente distinta do direito brasileiro. A tutela e a curatela no direito espanhol

estão definidas nos artigos 215 e 286, respectivamente, e ao contrário do que prevê

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o Código Civil brasileiro em seu artigo 1.767, as pessoas incapazes de exercer os

atos da vida civil precisam ser tutelados, e não curatelados, in verbis:

Artículo 222

Estarán sujetos a tutela: 1.º Los menores no emancipados que no estén bajo la patria potestad. 2.º Los incapacitados, cuando la sentencia lo haya establecido. 3.º Los sujetos a la patria potestad prorrogada, al cesar ésta, salvo que proceda la curatela. 4.º Los menores que se hallen en situación de desamparo. Artículo 286 Están sujetos a curatela: 1.º Los emancipados cuyos padres fallecieren o quedaran impedidos para el ejercicio de la asistencia prevenida por la Ley. 2.º Los que obtuvieren el beneficio de la mayor edad. 3.º Los declarados pródigos.

Ocorre que o artigo 223 do Código Civil espanhol, modificado pelo artigo 9

da Ley 41/2003 passou a dispor acerca da possibilidade de que a pessoa capaz,

ciente da possibilidade de uma incapacidade superveniente que venha a ensejar sua

interdição, possa determinar, valendo-se de documento público, pessoa a quem

deseja entregar sua tutoria, bem como descrever condutas relativas à sua pessoa ou

bens, disposições estas que vinculam – ao menos em princípio – a decisão judicial

sobre a tutela, exigindo que uma sentença que desconsidere a declaração de

vontade do tutelado possua um fundamento declarado (artigo 224).

Artículo 223

Los padres podrán en testamento o documento público notarial nombrar tutor, establecer órganos de fiscalización de la tutela, así como designar las personas que hayan de integrarlos u ordenar cualquier disposición sobre la persona o bienes de sus hijos menores o incapacitados.

Asimismo, cualquier persona con la capacidad de obrar suficiente, en previsión de ser incapacitada judicialmente en el futuro, podrá en documento público notarial adoptar cualquier disposición relativa a su propia persona o bienes, incluida la designación de tutor.

Los documentos públicos a los que se refiere el presente artículo se comunicarán de oficio por el notario autorizante al Registro Civil, para su indicación en la inscripción de nacimiento del interesado.

En los procedimientos de incapacitación, el juez recabará certificación del Registro Civil y, en su caso, del registro de actos de última voluntad, a efectos de comprobar la existencia de las disposiciones a las que se refiere este artículo.

Artículo 224

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Las disposiciones aludidas en el artículo anterior vincularán al Juez, al constituir la tutela, salvo que el beneficio del menor o incapacitado exija otra cosa, en cuyo caso lo hará mediante decisión motivada.

Embora tenhamos tratado exaustivamente das Diretivas Antecipadas de

Vontade típicas no presente trabalho e cuidado em destacar seu valor inestimável

para a autodeterminação de pacientes em situações de fim de vida, é preciso que se

reconheça a potencialidade de um instrumento como o artigo 223 do Código Civil

Espanhol.

A Professora de direito civil da Universidade de Sevilha, Inmaculada Vivas

Tesón (2011, p. 367-8), dimensiona a potencialidade deste dispositivo de maneira

bastante esclarecedora:

El nombramiento del tutor debe realizarlo el Juez atendiendo, inicialmente, al orden de preferencia establecido en el art. 234 C.c. (precepto que recibió nueva redacción por la Ley 41/2003, de 18 de noviembre, de protección patrimonial de las personas con discapacidad y de modificación del C.c., de la LEC y de la Normativa Tributaria con esta finalidad –en adelante, LPPD-12), conforme al cual se llamará: 1º.- Al designado por el propio tutelado, conforme al pfo. 2º del art. 223 C.c., que regula la figura jurídica de la autotutela o “delación voluntaria de la tutela”, introducida por la LPPD. Se trata de un instrumento muy útil para supuestos en los cuales una persona a quien se le acaba de diagnosticar una enfermedad degenerativa que afecte a su capacidad intelectiva (vgr. el mal de Parkinson, Alzheimer, etc.) que, previsiblemente, dada su irreversibilidad, le conduzca a una futura incapacitación judicial, pueda ella misma, todavía en plenitud de sus facultades mentales, otorgar escritura pública notarial (única forma legalmente prevista, no siendo, por tanto, válida la forma privada) para designar quién desea que se encargue, entonces, de su guarda, estableciendo, además, las directrices que ordenarán la forma de ejercicio y control de la misma, siendo también posible consignar en la escritura la exclusión expresa de alguna persona para ejercer funciones tutelares así como adoptar cualquier otra disposición relativa a su persona o bienes.

Note-se que a própria doutrina atesta a utilidade de uma norma que permite

que o indivíduo em processo perda de suas faculdades mentais possa se

autodeterminar valendo-se de uma disposição esclarecida direcionada para o futuro

e que verse sobre a gestão de seu patrimônio bem como da escolha do indivíduo

que há de cuidar para que as escolhas pré-determinadas sejam levadas a cabo sob

a supervisão necessária do poder judiciário.

Com isso finalizamos a análise do paradigma eleito para demonstrar as

possibilidades de Autodeterminação de indivíduos em situação de fim de vida em um

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ordenamento jurídico-constitucional com uma forte proteção à Dignidade da Pessoa

Humana por meio das Diretivas Antecipadas de Vontade em todas as suas

espécies.

3.2.2. Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico argentino

As Diretivas Antecipadas de Vontade não receberam na América Latina o

mesmo destaque dispensado no continente Europeu. Com exceção de Porto Rico

com a Lei 160/2001, do Uruguai com a Lei 18.473 de 2009 e da própria Argentina,

pouco se avançou sobre a temática no bloco.

No que concerne à Argentina, a primeira legislação a tratar especificamente

sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade foi uma norma da Província de Rio

Negro que com a promulgação da lei 4.263/2007 (ARGENTINA, 2008) assim

adereçou o:

Artículo 1º.- Toda persona capaz tiene el derecho de expresar su consentimiento o su rechazo con respecto a los tratamientos médicos que pudieren indicársele en el futuro, en previsión de la pérdida de la capacidad natural o la concurrencia de circunstancias clínicas que le impidan expresar su voluntad en ese momento.

Artículo 2º - El derecho mencionado se ejercerá mediante una Declaración de Voluntad Anticipada (DVA), entendiéndose por tal la manifestación escrita, datada y fehaciente, de toda persona capaz que libremente expresa las instrucciones que deberán respetarse en la atención y el cuidado de su salud que reciba en el supuesto del artículo anterior. Tal declaración podrá ser prestada por el paciente por ante el médico tratante y ante la presencia de dos testigos. Tal declaración será asentada en la historia clínica.

(...)

Artículo 4º.- Créase el Registro de Voluntades Anticipadas (RVA), dentro de la órbita del Ministerio de Salud de la Provincia de Río Negro, en el que se inscribirá el otorgamiento, modificación, sustitución y revocación de las declaraciones de voluntad anticipada.

En dicho Registro deberán anotarse, en lo pertinente, las declaraciones de voluntad anticipada documentadas mediante escritura pública que se labraren por ante los escribanos de registro de la Provincia de Río Negro.

En caso de internación hospitalaria de la persona, la Declaración de Voluntad Anticipada será adjuntada transcripta en la primera hoja de la historia clínica del paciente.

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Asimismo tal declaración podrá ser prestada por ante escribano público de registro de la Provincia de Río Negro.

É perceptível a proximidade do texto provincial da raiz espanhola da qual

certamente extraiu seus principais fundamentos, especialmente quando da previsão

de criação do Registro de Voluntades Anticipadas, concebido nos mesmos moldes

do Registro Nacional de Instrucciones Previas espanhol.

Da mesma maneira que o diploma espanhol, a norma provincial prevê a

publicidade da declaração e a prevalência da vontade do declarante sobre a de seus

familiares e até mesmo dos agentes de saúde, aspecto central para conferir ao

instrumento seu caráter imperativo e dotá-lo de eficácia.

Artículo 9º.- La Declaración de Voluntad Anticipada que se encontrare debidamente inscripta en el Registro de Voluntades Anticipadas será eficaz cuando sobrevengan las condiciones previstas en ella y en tanto se mantengan las mismas. Dicha Declaración prevalecerá sobre la opinión y las indicaciones que puedan ser realizadas por los familiares o allegados y por los profesionales que intervengan en su atención sanitaria

Entretanto, um aspecto importante da ley 4263 é justamente a limitação do

escopo das instruções no que diz respeito ao tipo de cuidados/tratamentos que o

paciente está autorizado a dispor.

O artigo 10 dispõe expressamente sobre a desconsideração de qualquer

instrução que se mostre contrária ao ordenamento jurídico – e até aí não se mostra

nenhuma distinção em relação à norma europeia – mas segue ressaltando que

também serão desconsideradas as instruções que estabeleçam a proibição de

receber medicamentos para minimizar a dor ou as que determinem a suspensão de

administração de alimentação ou hidratação.

Artículo 10 - No se considerarán las instrucciones que, en el momento de ser aplicadas, resulten contrarias al ordenamiento jurídico o las que establezcan la prohibición de recibir la medicación necesaria para aliviar el dolor o alimentarse y/o hidratarse de modo natural u ordinario.

Segundo Bostiantic apud Dadalto (2015), é justamente essa delimitação das

disposições o fator mais marcante da norma argentina e delimitação esta da qual

transborda uma inequívoca preocupação com a proteção da Dignidade da Pessoa

Humana:

También son de destacar las restricciones que establece la ley cuando

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determina que no se considerarán las instrucciones que establezcan la prohibición de recibir la medicación necesaria para aliviar el dolor o alimentarse y/o hidratarse de modo natural u ordinario que afecten la calidad del cuidado básico de la salud, higiene, comodidad y seguridad, que siempre serán provistos para asegurar el respeto a la dignidad humana y la calidad de vida, hasta el momento de la muerte de la persona.

Sobre esta afirmação, permitimo-nos divergir pelas razões já declinadas nos

capítulos 1 e 2, em especial pela controvérsia acerca da adoção do Voluntarily Stop

Eating and Drinking associado com os necessários cuidados paliativos, como forma

de abreviação do sofrimento psicológico do paciente.

Entendemos que a temática é demasiado delicada e até mesmo antipática,

mas ainda assim, afirmar categoricamente que este tipo de limitação configura o

respeito à Dignidade da Pessoa Humana sem considerar os diferentes referenciais

éticos nos parece exagerado.

Outrossim, é preciso que se destaque o papel central da Corte

Constitucional Argentina na conformação da regulação das Diretivas Antecipadas de

Vontade no cenário argentino. O fallo c85627 (ARGENTINA, 2002), julgado pela

Suprema Corte de Justicia em fevereiro de 2005, versava acerca da pretensão do

curador definitivo de uma paciente em Estado Vegetativo Persistente de interromper

a alimentação artificial e hidratação de sua representada, pretensão esta obstada

pelo tribunal a quo.

No relatório do caso concreto ficou consignado, ainda, que a paciente não

havia deixado instruções escritas acerca de seus desejos no que tange aos

cuidados a serem adotados o que sugeriria que os agentes de saúde deveriam

utilizar de todos os meios necessários para prolongamento de sua vida.

O julgamento não adereça especificamente a validade das Diretivas

Antecipadas de Vontade, entretanto em seus votos os juízes elaboraram

considerações de extrema valia para a discussão do tema dentro do ordenamento

jurídico argentino, como o posicionamento do Juiz Roncoroni (ARGENTINA, 2002),,

por exemplo:

Mas este derecho a morir con dignidad (al igual que su contracara y necesario presupuesto: el derecho a vivir de idéntica manera o derecho a la vida que, incluye, la facultad de elegir cómo terminar dignamente con ella en situaciones como la descripta) es un derecho personalísimo, inherente a la

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persona y que, como tal, sólo puede ser ejercido por su titular. No se concibe que el mismo pueda ser ejercido por un tercero con total ignorancia de lo que podría desear o querer el titular de esa vida. Pues si éste lo ejerce muriendo, el tercero lo ejercería matando o dejando morir a otro. Sobre esta diferencia sustancial ya volveremos.

5.1. De allí que en mi opinión una primera respuesta al interrogante con que abriéramos este voto y con entidad de regla general frente a situaciones como las que nos ocupa, es que la decisión de rechazar o suspender el o los tratamientos terapéuticos que le pueden prolongar la vida, en principio, sólo puede ser tomada por el paciente, el titular de esa vida. Es este quien ha de verbalizar en el momento concreto y en plena lucidez su personalísima y trascendental opción entre emprender y agotar todos los medios posibles que le prolonguen la vida o rechazar estos y esperar el advenimiento de su muerte natural.

5.2. Es también él quien con antelación a ese momento, pero previendo o presuponiendo que su futuro acaecer lo encuentre inconsciente, privado de sus facultades mentales o con el discernimiento obnubilado, ha de exteriorizar su voluntad inequívoca de que al llegar el mismo se interrumpan las medidas de sostén artificial y se deje que el proceso final se desenvuelva naturalmente, sin perjuicio de mantener las enderezadas a neutralizar o evitar el dolor y todas aquéllas que lo presenten con una "cara digna" frente a su propia muerte.

Y esta voluntad bien puede expresarse a través de lo que los países sajones conocen como "living will", testamento de vida o testamento vital (aunque no importe un acto mortis causa desde que produce efectos antes de la muerte y dirigidos a ella) o mediante el otorgamiento de un poder especial (esencialmente revocable) a un tercero para que la exteriorice cuando su mandante llegue a esas precisas y detalladas circunstancias. Detalle de las circunstancias que, de algún modo, contiene un testamento de vida cuyo "albacea", por así decirlo, es el mandatario, en tanto sujeto llamado a hacer cumplir y respetar las decisiones del testador en orden al modo y oportunidad de lo que aquél entiende y desea sea su buen morir.

Em seu voto o magistrado se aproveita do caso concreto para trazer à luz a

discussão das Diretivas Antecipadas de Vontade sob a forma do living will, e é

dentro deste contexto que o parlamento argentino se conscientiza da necessidade

de melhor regulamentação do tema em âmbito nacional e aprova a lei 26.529/2009

sobre Derechos del Paciente en su Relación con los Profesionales e Instituciones de

la Salud (ARGENTINA, 2009).

Esta norma consagra como direito essencial na relação paciente-

profissionais de saúde a Autonomia da Vontade, reforçando as ideias outrora

positivadas na norma provincial de que o paciente tem o direito de recusar – ainda

que sem declinar os motivos – determinadas terapias e procedimentos, bem como

revogar quaisquer diretivas que porventura tenham feito anteriormente.

Nela também restou plasmada a primeira norma em nível nacional

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positivando especificadamente o direito a elaboração de Diretivas Antecipadas em

termos muito semelhantes ao da norma provincial (o que significa que também se

operam as restrições com relação aos tipos de tratamento que podem licitamente

ser recusados pelo paciente), sem se aprofundar acerca de sua forma ou mesmo

sobre os procedimentos de registro:

ARTICULO 11. — Directivas anticipadas. Toda persona capaz mayor de edad puede disponer directivas anticipadas sobre su salud, pudiendo consentir o rechazar determinados tratamientos médicos, preventivos o paliativos, y decisiones relativas a su salud. Las directivas deberán ser aceptadas por el médico a cargo, salvo las que impliquen desarrollar prácticas eutanásicas, las que se tendrán como inexistentes.

É importante que se consigne que a promulgação de uma norma que aborda

o tema transversalmente não encerrou o debate sobre o assunto em território

argentino, e diversas críticas sobre o próprio texto da norma foram elaboradas, como

por exemplo sobre o retrocesso legislativo que foi incluir na norma o “aceite do

médico” como etapa da recusa do tratamento, em um pretenso desbalanço da

igualdade médico-paciente.

Assim, aproveitando o momento legislativo em que o Congresso Nacional

viria a aprovar o Novo Código Civil Argentino ARGENTINA, 2014), em outubro de

2014 (este código que entrou em vigor em janeiro do presente ano), setores da

sociedade civil pressionaram por uma melhor regulação sobre o tema, o que

culminou na inclusão de um artigo específico sobre assunto dentro do capítulo

intitulado “Direitos e atos personalíssimos”.

ARTICULO 60.- Directivas médicas anticipadas. La persona plenamente capaz puede anticipar directivas y conferir mandato respecto de su salud y en previsión de su propia incapacidad. Puede también designar a la persona o personas que han de expresar el consentimiento para los actos médicos y para ejercer su curatela. Las directivas que impliquen desarrollar prácticas eutanásicas se tienen por no escritas.

Esta declaración de voluntad puede ser libremente revocada en todo momento.

Praticamente em paralelo temos a promulgação da ley 26.742/12

(ARGENTINA, 2012), que modificou substantivamente a ley 26.529/2009,

especialmente no que tange às Diretivas Antecipadas de Vontade:

ARTICULO 1º — Modifícase el inciso e) del artículo 2° de la Ley 26.529 —Derechos del paciente en su relación con los profesionales e instituciones

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de la salud— el que quedará redactado de la siguiente manera:

e) Autonomía de la voluntad. El paciente tiene derecho a aceptar o rechazar determinadas terapias o procedimientos médicos o biológicos, con o sin expresión de causa, como así también a revocar posteriormente su manifestación de la voluntad. Los niños, niñas y adolescentes tienen derecho a intervenir en los términos de la Ley 26.061a los fines de la toma de decisión sobre terapias o procedimientos médicos o biológicos que involucren su vida o salud.

En el marco de esta potestad, el paciente que presente una enfermedad irreversible, incurable o se encuentre en estado terminal, o haya sufrido lesiones que lo coloquen en igual situación, informado en forma fehaciente, tiene el derecho a manifestar su voluntad en cuanto al rechazo de procedimientos quirúrgicos, de reanimación artificial o al retiro de medidas de soporte vital cuando sean extraordinarias o desproporcionadas en relación con la perspectiva de mejoría, o produzcan un sufrimiento desmesurado. También podrá rechazar procedimientos de hidratación o alimentación cuando los mismos produzcan como único efecto la prolongación en el tiempo de ese estadio terminal irreversible o incurable.

En todos los casos la negativa o el rechazo de los procedimientos mencionados no significará la interrupción de aquellas medidas y acciones para el adecuado control y alivio del sufrimiento del paciente.

(...)

ARTICULO 6º — Modifíquese el artículo 11 de la Ley 26.529 —Derechos del paciente en su relación con los profesionales e instituciones de la salud— el que quedará redactado de la siguiente manera:

Artículo 11: Directivas anticipadas. Toda persona capaz mayor de edad puede disponer directivas anticipadas sobre su salud, pudiendo consentir o rechazar determinados tratamientos médicos, preventivos o paliativos, y decisiones relativas a su salud. Las directivas deberán ser aceptadas por el médico a cargo, salvo las que impliquen desarrollar prácticas eutanásicas, las que se tendrán como inexistentes.

La declaración de voluntad deberá formalizarse por escrito ante escribano público o juzgados de primera instancia, para lo cual se requerirá de la presencia de dos (2) testigos. Dicha declaración podrá ser revocada en todo momento por quien la manifestó.

Com isso as Diretivas Antecipadas em território argentino ganham contornos

muito mais definidos, e embora a lei ainda possua conceitos lacônicos como a

“proibição às práticas eutanásicas”, conceito substantivamente aberto que deixa

margem à interpelação, significativos avanços foram feitos, como a determinação do

arquivamento da declaração em registro público e a supressão da “aceitação do

médico”, reequilibrando a relação médico-paciente e devolvendo a possibilidade de

autodeterminação ao paciente sem a dependência – ao menos em abstrato – da

chancela do profissional de saúde.

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Por fim, resta uma crítica ao legislador que mesmo tendo notadamente

voltado seus olhos para a experiência espanhola deixou de cuidar de um dos

maiores avanços daquele ordenamento jurídico, justamente o registro único de

diretivas antecipadas.

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4. Tutela da Autonomia da Vontade no Ordenamento Jurídico-Constitucional

Brasileiro.

Inicialmente é preciso consignar que este capítulo tem uma função

pragmática de analisar as bases sob as quais uma legislação que venha a explorar a

temática das Diretivas Antecipadas de Vontade deverá se assentar, e considerando

que a regulamentação sobre a temática no país é incipiente e precária, torna-se um

capítulo substantivamente mais sintético.

Inicialmente, nos concentraremos em descrever o cenário atual da

regulamentação das diretivas de vontade no ordenamento jurídico brasileiro para,

permeado pela abordagem concreta das possibilidades (e impossibilidades) sobre o

cenário legislativo nacional a fim de fornecer as bases para a resposta dos

questionamentos fundamentais elaborados na introdução.

Aqui novamente fazemos a ressalva de que o cerne do presente trabalho é a

análise das Diretivas Antecipadas de Vontade, e tendo em conta que os aspectos

constitucionais acerca da proteção dos direitos dos idosos já foram abordados em

capítulo próprio, nos concentraremos especificamente na regulamentação que as

diretivas recebem em nosso ordenamento jurídico.

No Brasil as disposições que versam sobre Diretivas Antecipadas de

Vontade encontram-se plasmadas, majoritariamente, em resoluções editadas pelo

Conselho Federal de Medicina (CFM) e em decisões judiciais de demandas

específicas.

Acerca das resoluções do Conselho Federal de Medicina é preciso que se

explore a própria natureza jurídica deste conselho a fim de compreender a natureza

que empresta às suas resoluções. Para tanto, cabe a leitura da lei n o 3.268, de 30

de setembro de 1957 (BRASIL, 1957) que dispõe exatamente sobre os Conselhos

de Medicina:

Art. 1º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina, instituídos pelo Decreto-lei nº 7.955, de 13 de setembro de 1945, passam a constituir em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira.

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Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.

(...)

Art. 5º São atribuições do Conselho Federal:

(...)

d) votar e alterar o Código de Deontologia Médica, ouvidos os Conselhos Regionais;

(…)

g) expedir as instruções necessárias ao bom funcionamento dos Conselhos Regionais;

(…)

Art. 15. São atribuições dos Conselhos Regionais:

c) fiscalizar o exercício da profissão de médico;

d) conhecer, apreciar e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades que couberem;

(...)

h) promover, por todos os meios e o seu alcance, o perfeito desempenho técnico e moral da medicina e o prestígio e bom conceito da medicina, da profissão e dos que a exerçam;

(...)

Percebe-se, pois, a natureza Autárquica do Conselho Federal de Medicina

que, nesta qualidade, e considerados os limites impostos à sua atuação pela própria

lei instituidora, está investido da competência necessária para a edição de

Resoluções com natureza de normas infra legais e, portanto, sujeitas ao controle

administrativo interno e ao controle constitucional repressivo difuso ou concentrado.

Neste sentido preleciona Meirelles (2011, p. 380-1):

Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas (...). Autarquia é pessoa jurídica de Direito Público, com função pública própria e típica, outorgada pelo Estado. A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de Direito Público interno, a autarquia traz ínsita, para

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a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que lhe deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia o seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso no poder de correção finalística do serviço autárquico.

Porém é exatamente nesta seara que surgem a maior parte das

controvérsias a respeito da regulamentação das Diretivas Antecipadas de Vontade

no ordenamento jurídico brasileiro, conforme se verificará a partir da análise dos

subitens a seguir.

4.1. Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina

O Conselho Federal de Medicina editou, em 28 de novembro de 2006, a

resolução CFM Nº 1.805/2006, norma esta circunscrita dentro de sua incumbência

legalmente estabelecida de regulamentar o exercício da medicina e que objetiva o

respeito à autonomia do paciente e à sua dignidade, permitindo ao médico,

conforme o teor de seu artigo 1º, “limitar ou suspender procedimentos e tratamentos

que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e

incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal” (BRASIL,

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

Nas disposições preambulares o Conselho Federal de Medicina deixa claro

que as disposições da Resolução tem como objetivo o respeito ao Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana e à vedação à submissão à tratamento desumano ou

degradante, bem como esclarece, em seu artigo 2º, que “o doente continuará a

receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao

sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e

espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar” (BRASIL,

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

Inobstante, em 9 de maio de 2007, após a instauração do Procedimento

Administrativo n.º 1.16.000.002480/2006-21 no qual o Ministério Público do Distrito

Federal recomendava “a imediata revogação da Resolução sobre a terminalidade da

vida” (BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2007), este mesmo Órgão fez

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distribuir a Ação Civil Pública de Número 2007.34.00.014809-3 que tramitou na 14ª

Vara Federal do Distrito Federal e que tinha como fundamento a alegação de que

com a edição da Resolução supramencionada o Conselho Federal de Medicina

estaria reputando ética uma conduta tipificada como crime no Ordenamento Jurídico

Nacional (ortotanásia).

Nesta petição inicial (BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2007), de

impressionantes 131 páginas (sem contar os documentos a ela acostados) o

Procurador da República mostra-se imbuído de emoções, valores morais, éticos e

religiosos, para questionar a validade da Resolução do Conselho Federal de

Medicina, chegando ao cúmulo de admitir que iniciou sua petição sem sequer

conhecer o teor da Resolução do Conselho Federal de Medicina, in verbis:

UM TEXTO FEITO DE “CABEÇA” POR ESTE SIGNATÁRIO NUMA MADRUGADA APÓS VÁRIAS LEITURAS, no início do estudo do tema, ANTES MESMO DE LER A RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.

Por mais diletantismo que possa parecer, eu ainda não lera a Resolução do CFM sobre ortotanásia ao fazer este texto que já considerava praticamente a ação.

Estava, digamos assim, emocionado? Não. Assombrado? Talvez. Indignado, com toda a certeza, litteris: (BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2007).

Postos de lado todas as peculiaridades da peça em comento, o fato é que o

Ministério Público estava, naquela ocasião, provocando o controle constitucional

repressivo difuso por meio da ACP supramencionada, o que é absolutamente

saudável, questionando, fundamentalmente, a legitimidade do Conselho Federal de

Medicina para regulamentar matéria de direito constitucional e a legalidade da

mencionada resolução.

Ocorre que a mesma confusão e desconhecimento teórico acerca da

temática de fundo que permeou toda a peça vestibular também contaminou a

decisão acerca da tutela antecipada vindicada. Nela o magistrado reiteradamente

confunde eutanásia, ortotanásia e suicídio assistido e, ao final, adota uma posição

conservadora para declarar que, uma vez que há época havia projeto de lei

objetivando reformar a parte especial do Código Penal a fim de descriminalizar

expressamente a ortotanásia, esta deveria, então, ser crime, concedendo a tutela

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para suspender temporariamente os efeitos da resolução.

Apenas após um longo desenrolar processual (acompanhado da mudança

do procurador responsável pela demanda), o Ministério Público decidiu ele próprio,

em alegações finais pugnar pela improcedência da demanda fundada,

sinteticamente em duas premissas fundamentais: a competência do Conselho

Federal de Medicina para editar a Resolução nº 1.805/2006, que não versa sobre

direito penal e, sim, sobre ética médica e consequências disciplinares; e na prática

da ortotanásia não constituindo crime de homicídio a partir da interpretação do

Código Penal à luz da Constituição Federal.

Na sentença que confirma a promoção ministerial, o Magistrado, que outrora

havia determinado a suspensão da resolução, reconhece a importância da afirmação

da vontade do paciente no processo dos cuidados médicos e subscreve às razões

da Procuradora da República:

A Resolução guerreada é, pois, uma manifestação dessa nova geração da ética nas ciências médicas, que quebra antigos tabus e decide enfrentar outros problemas realisticamente, com foco na dignidade humana.

Na medicina atual, há um avanço no trato do doente terminal ou de patologias graves, no intuito de dar ao paciente não necessariamente mais anos de vida, mas, principalmente, sobrevida com qualidade.

A medicina deixa, por conseguinte, uma era paternalista, super-protetora, que canalizava sua atenção apenas para a doença e não para o doente, numa verdadeira obsessão pela cura a qualquer custo, e passa a uma fase de preocupação maior com o bem-estar do ser humano.

E, repise-se, não se trata de conferir ao médico, daqui pra frente, uma decisão sobre a vida ou a morte do paciente, porque ao médico (ou a equipe médica, tanto melhor) apenas caberá identificar a ocorrência de um estado de degeneração tal que indique, em verdade, o início do processo de morte do paciente. Trata-se, pois, de uma avaliação científica, balizada por critérios técnicos amplamente aceitos, que é conduta ínsita à atividade médica, sendo completo despautério imaginar-se que daí venha a decorrer um verdadeiro "tribunal de vida ou morte", como parece pretender a inicial.

Por tudo isto é que os pedidos deduzidos na presente demanda não devem ser acolhidos.” (fls. 853-867, negritos no original) (BRASIL, PODER JUDICIÁRIO, 2007).

Ainda que o curso da discussão desenvolvida no seio do processo em

análise tenha se atido muito mais às questões morais dos procuradores e demais

agentes públicos envolvidos do que com os preceitos éticos e os princípios

constitucionais, seu desfecho cumpriu com a exata medida do que deveria,

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entregando uma prestação jurisdicional desapaixonada, técnica e conformadora dos

anseios sociais aos ditames constitucionais.

4.2. Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina

Na esteira da decisão acerca da resolução CFM Nº 1.805/2006, o Conselho

Federal de Medicina Editou a Resolução nº 1.995/2012, dispondo sobre as Diretivas

Antecipadas de Vontade no Brasil, sendo, portanto, a primeira – e até a redação do

presente trabalho, a única - norma regulamentando o tema em todo o ordenamento

jurídico nacional.

Obviamente que a Resolução do Conselho Federal de Medicina não tem o

condão de esgotar a regulamentação acerca do tema no país tal como descrito nas

experiências Espanhola e Argentina – mesmo porque não é da competência do CFM

legislar neste sentido – pelo contrário, o objetivo da norma em comento foi de,

exclusivamente, regulamentar as Diretivas Antecipadas de Vontade do paciente no

contexto da ética médica brasileira disciplinando a conduta dos médico em face

destas.

Neste sentido, a própria resolução esclarece em seu preambulo os objetivos

que a norteiam:

CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;

CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;

CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;

CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo (BRASIL, CONSELHO FEDERAL

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DE MEDICINA, 2012).

Note-se que mais uma vez o Conselho Federal de Medicina age dentro de

suas competências constitucionalmente estabelecidas para única e exclusivamente

regulamentar a abordagem ética acerca dos instrumentos denominados Diretivas

Antecipadas de Vontade, exatamente aquilo que foi criado para realizar.

Entretanto, mais uma vez o Ministério Público Federal, na pessoa do

Procurador da República de Goiás, após a instauração do Inquérito Civil Público de

número nº 1.18.000.001881/2012-38 (BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,

2012), ajuizou a Ação Civil Pública de número 1039-86.2013.4.01.3500 (BRASIL,

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2013) que tramitou perante a Primeira Vara

Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás e que tinha como objetivo declarar

a inconstitucionalidade e ilegalidade da Resolução CFM nº 1.995 , de 9 de agosto de 2012, a qual, a pretexto de normatizar a atuação de profissionais da medicina frente à terminalidade da vida de seus pacientes, extravasa os limites do poder regulamentar, impõe riscos à segurança jurídica, alija a família de decisões que lhe são de direito e estabelece instrumento inidôneo para o registro de “diretivas antecipadas de pacientes”.

Em sua peça vestibular o parquet, confunde o conceito de ortotanásia com a

recusa de cuidados paliativos, menoscaba a validade da norma por esta não dispor

sobre a necessidade de capacidade civil para elaboração das Diretivas – algo que,

além de desnecessário, considerados os ditames do ordenamento jurídico pátrio,

nem seria da competência do Conselho Federal de Medicina – e por fim, sustenta

que a norma “sonega a familiares o direito de influir no tratamento de seu ente em

estado terminal”, direito este que sustenta estar implicitamente insculpido no artigo

226 da Constituição Federal.

Desconsiderados os argumentos que ecoam desde a manifestação

Ministerial contra a Resolução 1.805/1996 e que se fizeram ouvir novamente na

mencionada Ação Civil Pública, chama a atenção que um procurador sustente um

pretenso direito constitucional da família de interferir no processo decisório sobre o

tratamento de um ente, sobretudo fundando-se em um artigo que nada diz sobre o

assunto e ignorando por completo o direito – esse sim – Constitucional de

autodeterminação do indivíduo.

Em sede de sentença (BRASIL, PODER JUDICIÁRIO, 2013) a justiça

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reconheceu que, a exemplo da Resolução 1.805/1996, o Conselho Federal de

Medicina não extrapolou sua competência legalmente estabelecida nem tampouco

agiu em contradição à Constituição Federal, reconhecendo pelo contrário,

textualmente sua compatibilidade com a autonomia da vontade, o princípio da

dignidade humana e a proibição de submissão de quem quer que seja a tratamento

desumano e degradante.

Meses depois, os mesmos fundamentos embasariam o Enunciado 37 da I

Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça realizada em 15 de

maio de 2014 em São Paulo:

As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito (BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE

JUSTIÇA, 2014).

É importante destacar que mesmo a edição de um enunciado como este traz

controvérsia à temática abordada. Acerca desta resolução Luciana Dadalto (2015,

177-8) faz observações bastante críticas:

Acontece que o enunciado aprovado vai de encontro aos estudos sobre o tema. Primeiramente, começa fazendo uma confusão de nomenclatura: não existe Diretiva Antecipada de Vontade ou Declaração Antecipada de Vontade. O que existe é Diretiva Antecipada de Vontade e Declaração Prévia de Vontade do Paciente em fim de vida (nome mais correto para o Testamento Vital, que é uma espécie de Diretiva Antecipada de Vontade).

O enunciado trata apenas da manifestação da vontade sobre tratamentos médicos, restringindo assim o conteúdo das diretivas, que na verdade referem-se a tratamentos e cuidados médicos, numa clara demonstração de falta de conhecimento técnico sobre o assunto. Ademais, essa restrição coloca dúvidas sobre a aceitação pelo CNJ da manifestação de vontade sobre assuntos não médicos, como, por exemplo, as disposições sobre enterro.

(...)

Quanto à forma, parece temeroso que o enunciado equipare as diretivas antecipadas de vontade a um negócio jurídico (cuja forma mais conhecida é o contrato que, para ter força executiva, precisa de testemunhas). Melhor seria reconhecer as diretivas antecipadas de Vontade como uma declaração unilateral de vontade, ou seja, uma manifestação de autonomia do indivíduo

e, como tal, não necessita de testemunhas.

De toda a narrativa expendida nos dois últimos tópicos é notória a

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precariedade com que a matéria vem sendo tratada em território nacional. Nas

afirmações da autora nota-se uma irresignação acerca do tratamento dispensado ao

tema – até mesmo com certo preciosismo no que diz respeito às categorias

utilizadas – e as contribuições anotadas somente corroboram com a certeza de que

é preciso que um processo legislativo próprio específico sobre o tema seja iniciado.

Tal legislação teria o potencial de solucionar as controvérsias acerca do

tema bem como serviria para delimitar as bases em que estes instrumentos seriam

utilizados em nosso ordenamento jurídico, conferindo maior segurança jurídica

àqueles que carentes de Dignidade ou de Capacidade de Autodeterminação, se

socorrem destes instrumentos.

E aqui não se fala que precisamos mais uma vez transplantar cegamente os

modelos alienígenas para nosso direito com suas formas e categorias estabelecidas,

muito pelo contrário, a presente dissertação projeta auspiciosos desejos de que uma

eventual legislação que aborde o tema siga para além dos estreitos limites dos

cuidados médicos. Já que compreendemos as Diretivas Antecipadas de Vontade

dentro da seara médica se prestam a balizar a conduta daquele que zela por quem

não mais pode exprimir sua vontade, porque não alargar o escopo de tais

manifestações a fim de que estas sirvam, por exemplo, como limitadores da atuação

dos curadores até mesmo em questões de gestão patrimonial?

Por fim, é preciso que se diga que no Brasil não carecemos apenas de uma

regulamentação legislativa material sobre a temática. A observação das

experiências estrangeiras demonstra que a efetividade das declarações depende,

fundamentalmente, de políticas públicas acessórias e de um sistema de registro e

publicidade dos instrumentos, para que não só as disposições respeitem aos limites

que lhe incumbem, mas que também o Estado, como guardião da Autonomia do

Indivíduo possa cuidar em concretizar essas vontades expressas.

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CONCLUSÃO

A presente dissertação de mestrado partiu do conceito de saúde

estabelecido pela Organização Mundial da Saúde para formular a hipótese de que,

por meio de instrumentos que respeitem e promovam a autonomia do indivíduo, é

possível não só atingir os parâmetros estabelecidos como saúde, como também

garantir dignidade àqueles que se encontram acometidos por enfermidades - no

caso da presente dissertação, dos pacientes da Doença de Alzheimer -, analisando

especificamente as Diretivas Antecipadas de Vontade como possíveis novos

instrumentos para realizar os direitos fundamentais constitucionalizados.

Para realizar a análise de validade de tal hipótese propusemos três

questionamentos fundamentais que permitiriam, a partir de suas respostas, verificar

se esta se confirma ou é refutada, a saber: quais as principais situações de

vulnerabilidade às quais está submetido o idoso paciente da Doença de Alzheimer e

de que forma este paciente consegue ter sua autonomia e dignidade respeitadas

dentro do modelo promovido pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro? A

proteção constitucional aos direitos fundamentais do idoso é bastante para a

efetivação destes mesmos direitos? Ferramentas como as Diretivas Antecipadas de

Vontade ou outras congêneres, que buscam perpetuar a vontade do indivíduo

quando este não mais possui capacidade de fazê-la valer são úteis na promoção da

autonomia e da Dignidade da Pessoa Humana destes indivíduos?

A fim de angariar as informações que permitem que se aderece

adequadamente as questões destacadas, inicialmente passou-se a contextualizar as

dificuldades que são peculiares aos pacientes da Doença de Alzheimer bem como

aos seus familiares, pretendendo, assim, definir o escopo dos entraves à plena

realização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana nestes grupos.

O envelhecimento se consubstancia na progressiva disfuncionalidade e no

aumento da suscetibilidade e incidência de doenças, aumentando a probabilidade de

morte. Esse processo de senescência, aliado à senilidade resulta em declínio das

capacidades dos indivíduos idosos, declínio este que debilita também sua dignidade,

autonomia e com crescimento pessoal contínuo.

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Esta dissertação apoiou-se, pois, em categorias próprias da gerontologia

para avaliar a progressividade deste declínio e pôde concluir que os idosos-jovens,

ou como definido no presente trabalho, aqueles da Terceira Idade, apresentam um

agravamento menor do que os dados dos nonagenários e centenários apontam,

permitindo-nos afirmar que o próprio alongamento da vida parece ser um importante

fator de risco para a perda da dignidade para os idosos.

Sobre este aspecto, uma conclusão de extrema relevância é de que apesar

da ocorrência de múltiplos problemas de saúde ser aumentada em pessoas idosas e

que muitas destas condições os debilitem sobremaneira, para que se possa

envelhecer de maneira saudável é imprescindível a manutenção da funcionalidade e

autonomia do indivíduo.

No que diz respeito ao grupo de idosos objeto desta dissertação, os

pacientes da Doença de Alzheimer, a disfuncionalidade e a perda de autonomia se

dá em um nível ainda mais acentuado, eis que durante o curso da doença - que

conforme demonstrado pode ser extremamente alongado - os pacientes passam da

experiência de pequenos incômodos como problemas com a fala e lapsos de

memória recente à total incapacidade comunicativa e problemas para reconhecer

familiares, apenas para mencionar, acarretando na impossibilidade de gestão de sua

vida.

Um aspecto inesperado com o qual nos deparamos ao longo da pesquisa diz

respeito ao tamanho do dano colateral causado pela Doença de Alzheimer nos

familiares cuidadores.

Obviamente já prevíamos que o processo de adaptação às múltiplas perdas

decorrentes do processo de degeneração cognitiva do ente familiar que envolve, por

vezes, uma total e completa dedicação deste cuidador à tarefa de cuidado, trazendo

impactos a este familiar, entretanto a pesquisa desenvolvida demonstra que para

além da obviedade, esta condição oculta problemas subjacentes, como as decisões

tomadas de maneira alheia ao interesse do paciente seja em decorrência do

estresse ao qual está submetido o cuidador, seja pela relação de poder que este

estabelece sobre o doente, o que só reafirma a necessidade de que os processos

decisórios envolvendo o paciente da Doença de Alzheimer sejam, sempre que

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possível, inclusivos do próprio paciente para que este possa – ainda que a sua

maneira – participar ativamente do controle de sua vida.

Outra faceta decorrente da observação do cuidador familiar são as questões

de gênero, uma vez que nas famílias brasileiras os cuidados com as pessoas idosas

são, majoritariamente, de responsabilidade de apenas um familiar, geralmente do

sexo feminino, que abdica de seu planejamento de vida para se dedicar ao cuidado.

Não sendo o objeto central deste trabalho as investigações acerca deste aspecto

não foram suficientemente aprofundadas ao ponto de nos permitir realizar grandes

conclusões, pelo que relegamos às investigações posteriores sobre esta temática

um recorte mais detido sobre este aspecto.

Como última consideração significativa a respeito do cuidador, podemos

destacar a necessidade de uma preocupação razoável com o futuro do cuidado com

o idoso, eis que as estatísticas apontam para uma diminuição das unidades

familiares com uma tendência significativa de famílias sem herdeiros, o que em um

cenário onde os cuidados ao idoso são prestados fundamentalmente pelos

descendentes é alarmante.

Diante destas considerações, podemos reputar respondida a primeira parte

do primeiro questionamento fundamental proposto que diz respeito a quais seriam

as principais situações de vulnerabilidade às quais está submetido o idoso paciente

da Doença de Alzheimer.

Feitas as observações a respeito do sujeito do recorte desta dissertação,

passou-se a estabelecer as bases que permitiriam verificar o grau de autonomia

resguardado por nosso ordenamento jurídico no caso específico dos idosos

portadores da Doença de Alzheimer.

Assim, sob o aspecto da Dignidade da Pessoa Humana, após explorar

definições acerca do próprio conceito de dignidade e da Dignidade da Pessoa

Humana como princípio constitucionalmente tutelado a pesquisa realizada permitiu

concluir que a dignidade de um indivíduo está intimamente ligada à sua capacidade

de autodeterminação, dignidade esta que existe metafisicamente e cuja tutela e

realização é um dever conjunto do Estado e da Sociedade.

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Outra conclusão importante depreendida desta fase da pesquisa foi que a

autonomia é uma recorrência do próprio Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,

e que, ao contrário do que propõem algumas teorias, a autonomia não encontra

óbices formais à sua persecução na impossibilidade de um indivíduo de manifestar

sua vontade, apenas dificuldades de ordem material, o que novamente sugere o

desenvolvimento de ferramentas jurídicas que superem estes entraves materiais.

É importante ainda consignar que estas ferramentas, sejam as Diretivas ora

estudadas ou outras que porventura se desenvolvam, que tem como objetivo

conduzir o processo de tutela de uma pessoa demenciada, devem respeitar sempre

que possível aquilo que porventura se tenha de vontade descrita do paciente, a fim

de que se resguarde a real vontade do indivíduo.

A última conclusão depreendida deste tópico exploratório das bases éticas e

constitucionais de nossa observação é a de que a Dignidade da Pessoa Humana e

intrínseca ao ser humano é vitalícia, e que entender de maneira diferente é

desumanizar o indivíduo. Desta feita, é possível afirmar que o paciente demenciado

tem um direito fundamental à autonomia que lhe é inerente, mas que também é

preciso que todos reconheçamos que é na alteridade, ou seja, na garantia do direito

do semelhante, também realizamos o nosso próprio direito.

Desta feita, parece-nos possível responder ao segundo questionamento

formulado, qual seja: “A proteção constitucional aos direitos fundamentais do idoso é

bastante para a efetivação destes mesmos direitos?”

A partir da exploração das bases que fundacionam a proteção constitucional

aos direitos fundamentais do cidadão (e não somente do idoso) é possível asseverar

que o texto da Carta Magna não se furta adentrar na seara normativa para criar

amarras suficientemente objetivas visando a tutela destes direitos fundamentais,

outrossim, o fato é que essa quase-normatividade constitucional não realiza, per si,

os direitos no plano concreto, sendo aí o início da problemática atual.

A sociedade brasileira vive um momento de hiperjudicialização das

demandas sociais, e aliado a isto, temos um momento em que a própria sociedade

debate acerca da pouca vinculação do da produção do legislativo aos seus anseios,

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o que faz com que exista um sentimento palpável de que seria o judiciário o palco de

concretização destes direitos fundamentais constitucionalmente tutelados.

Entretanto, na contramão deste sentimento, entendemos que o decisionismo

decorrente desta hiperjudicialização torna a realização destes direitos uma questão

política, quando, em verdade, é tudo que ela não deveria ser.

Assim, concluímos que embora o escopo normativo constitucional seja

profícuo em tutelar os direitos fundamentais do idoso, o mesmo não se pode dizer

da esfera normativa infraconstitucional, que ainda se escora em provimentos

judiciais para realizar a transformação constitucionalmente prospectada.

Por fim, antes de tecermos maiores comentários acerca da necessidade de

produção normativa infraconstitucional e de responder a última pergunta formulada,

são notáveis alguns pontos acerca daquilo que depreendemos da observação dos

instrumentos alienígenas de Declaração Antecipada de Vontade.

A partir da análise do surgimento dos instrumentos de Declaração

Antecipada de Vontade foi possível perceber que sua gênese repousa na

necessidade de equilíbrio da relação médico-paciente decorrente do processo

histórico de horizontalização desta mesma relação.

Sendo assim, é compreensível que seu escopo se direcione quase que

exclusivamente a responder as questões atinentes aos cuidados médicos e aos

dilemas inerentes às decisões médicas de pacientes em situação de fim de vida,

entretanto, ao cotejarmos tais soluções com os problemas enfrentados pelos

pacientes da Doença de Alzheimer e seus familiares, como anteriormente aventado,

percebemos que as preocupações a respeito das decisões prestigiadoras da

autonomia do paciente se estendem para muito além das decisões de cuidado

médico, podendo ter natureza patrimonial e até mesmo afetiva.

De toda sorte, a observação da forma de gestão destas soluções pela

Espanha e Argentina nos permite vislumbrar e antever cuidados que o marco legal

nacional - que no momento é próximo do inexistente - deverá ter quando de uma

eventual regulamentação mais intensa de instrumentos que visem tutelar a

capacidade de autodeterminação do indivíduo quando este não mais guardar as

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faculdades mentais necessárias para tanto, como, por exemplo, a implementação de

um registro e controle centralizado e integrado a exemplo do marco espanhol, ou

mesmo o cuidado em não repetir a vagueza e laconicidade do marco legal argentino.

Assim, entendemos estarem presentes os pressupostos que nos permitem,

fundamentalmente, responder ao último questionamento formulado, qual seja:

"Ferramentas como as Diretivas Antecipadas de Vontade ou outras congêneres, que

buscam perpetuar a vontade do indivíduo quando este não mais possui capacidade

de fazê-la valer são úteis na promoção da autonomia e da Dignidade da Pessoa

Humana destes indivíduos?".

Parece-nos correto afirmar que mesmo os instrumentos já existentes de

Declaração Antecipada de Vontade como o Testamento Vital ou o Mandato

Duradouro já se mostram ferramentas jurídicas absolutamente adequadas e úteis à

promoção da autonomia do indivíduo no que concerne às decisões médicas e

situações de fim de vida em geral, embora, como destacamos, o escopo destes

instrumentos seja bastante restrito em todos os marcos legais analisados.

Assim, finalmente retornamos à hipótese fundadora da presente pesquisa de

que, por meio de instrumentos que respeitem e promovam a autonomia do indivíduo

é possível não só atingir os parâmetros estabelecidos como saúde, como também

garantir dignidade àqueles que se encontram acometidos por enfermidades

demencificantes - no caso da presente dissertação, dos pacientes da Doença de

Alzheimer.

Como verificamos quando da resposta da terceira pergunta formulada, as

Diretivas Antecipadas de Vontade servem a propósitos muito específicos e,

fundamentalmente, adstritos às questões de saúde, e embora seja possível

pressupor que sendo as síndromes demenciais – e mais especificamente a Doença

de Alzheimer – possam ser satisfatoriamente circunscritas pela proteção conferida

por tais instrumentos, o fato é que estas doenças representam muito mais do que

um problema de saúde como outro qualquer.

Os pacientes da Doença de Alzheimer – e é factível que assim também

ocorra com pacientes de outras síndromes demenciais – muito mais do que uma

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condição de saúde, sofrem de um problema social, que impacta não só a si mesmo,

mas também – e alguns diriam e especialmente – aos seus familiares.

Tais problemas sociais decorrem fundamentalmente da necessidade de

constante tutela nos processos decisórios, desde os mais simples, até as decisões

mais determinantes como, por exemplo, a internação do paciente em instituições de

longa permanência.

É exatamente neste espaço que o marco legal encontra um vácuo de

proteção que, se cuidado adequadamente pelos setores legiferantes da sociedade,

possuem um potencial de consubstanciar concretamente à proteção constitucional à

Dignidade da Pessoa Humana.

Não iremos, pois, refutar a hipótese eis que esta foi formulada de maneira

aberta o suficiente para permitir tal conclusão, mas é preciso que se consigne que,

embora instrumentos que respeitem e promovam a autonomia do indivíduo e

garantam sua capacidade de autodeterminação mesmo quando em processos

demenciais sejam sim ferramentas importantes na persecução da proteção concreta

da dignidade dos pacientes de síndromes demenciais, o fato é que a atenção

exclusiva às decisões de saúde não atendem às necessidades desta fatia da

população, sendo desejável que um futuro marco legal brasileiro que pretenda

adereçar tais questões saia da zona de conforto dos transplantes e enxertos legais

para, à exemplo dos avanços da própria biomedicina, ir à fundo e modificar o próprio

“DNA” destas soluções.

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ANEXO A – Código de Nuremberg

Código de Nuremberg

Tribunal Internacional de Nuremberg - 1947

Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law 1949;10(2):181-

182.

1 O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso

significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser

legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre

direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude,

mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter

conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão.

Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a

duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será

conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde

ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido

à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a

qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou

dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e

responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem

impunemente.

2 O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a

sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas

não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.

3 O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em

animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em

estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do

experimento.

4 O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e

danos desnecessários, quer físicos, quer materiais.

5 Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para

acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez,

quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

6 O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema

que o pesquisador se propõe a resolver.

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7 Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do

experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo

que remota.

8 O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente

qualificadas.

9 O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer

do experimento.

10 O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos

experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para

acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará dano,

invalidez ou morte para os participantes.

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ANEXO B – Declaração Universal dos Direitos Humanos

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações

Unidas em 10 de dezembro de 1948 PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A ASSEMBLÉIA GERAL proclama a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIRETOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu

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reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Artigo 1.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4.

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5.

Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo 6.

Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo 7.

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8.

Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo 9.

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10.

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre

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seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11.

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12.

Ninguém será sujeito à interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo 14.

1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15.

1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16.

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17.

1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

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129

Artigo 18.

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 19.

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21.

1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo 22.

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 23.

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24.

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Artigo 25.

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1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo 26.

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27.

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28.

Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29.

1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 30.

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer

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qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO C – Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (WMA)

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ANEXO D – Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade

do Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da Medicina

CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DA DIGNIDADE DO SER HUMANO FACE ÀS APLICAÇÕES DA BIOLOGIA E DA MEDICINA: CONVENÇÃO SOBRE OS

DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA.

Preâmbulo

Os Estados membros do Conselho da Europa, os outros Estados e a Comunidade Europeia, signatários da

presente Convenção:

Considerando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das

Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948;

Considerando a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de

4 de Novembro de 1950;

Considerando a Carta Social Europeia, de 18 de Outubro de 1961;

Considerando o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os

Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966;

Considerando a Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de

Dados de Carácter Pessoal, de 28 de Janeiro de 1981;

Considerando igualmente a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989;

Considerando que o objectivo do Conselho da Europa é o de realizar uma união mais estreita entre os

seus membros e que um dos meios para atingir esse objectivo é a salvaguarda e o desenvolvimento dos

direitos do homem e das liberdades fundamentais;

Conscientes dos rápidos desenvolvimentos da biologia e da medicina;

Convencidos da necessidade de respeitar o ser humano simultaneamente como indivíduo e membro

pertencente à espécie humana e reconhecendo a importância de assegurar a sua dignidade;

Conscientes dos actos que possam pôr em perigo a dignidade humana pelo uso impróprio da biologia e

da medicina;

Afirmando que os progressos da biologia e da medicina devem ser utilizados em benefício das gerações

presentes e futuras;

Salientando a necessidade de uma cooperação internacional para que a Humanidade inteira beneficie do

contributo da biologia e da medicina;

Reconhecendo a importância de promover um debate público sobre as questões suscitadas pela aplicação

da biologia e da medicina e sobre as respostas a fornecer a essas mesmas questões;

Desejosos de recordar a cada membro do corpo social os seus direitos e as suas responsabilidades;

Tomando em consideração os trabalhos da Assembleia Parlamentar neste domínio, incluindo a

Recomendação n.º 1160 (1991) sobre a elaboração de uma convenção de bioética;

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Resolvidos a tomar, no âmbito das aplicações da biologia e da medicina, as medidas adequadas a

garantir a dignidade do ser humano e os direitos e liberdades fundamentais da pessoa;

acordaram no seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objecto e finalidade

As Partes na presente Convenção protegem o ser humano na sua dignidade e na sua identidade e

garantem a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros

direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.

Cada uma Partes deve adoptar, no seu direito interno, as medidas necessárias para tornar efectiva a

aplicação das disposições da presente Convenção.

Artigo 2.º

Primado do ser humano

O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da

ciência.

Artigo 3.º

Acesso equitativo aos cuidados de saúde

As Partes tomam, tendo em conta as necessidades de saúde e os recursos disponíveis, as medidas

adequadas com vista a assegurar, sob a sua jurisdição, um acesso equitativo aos cuidados de saúde de

qualidade apropriada.

Artigo 4.º

Obrigações profissionais e regras de conduta

Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efectuada na observância das

normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto.

CAPÍTULO II

Consentimento

Artigo 5.º

Regra geral

Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em

causa o seu consentimento livre e esclarecido.

Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da

intervenção, bem como às suas consequências e riscos.

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A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.

Artigo 6.º

Protecção das pessoas que careçam de capacidade para prestar o seu consentimento

1 - Sem prejuízo dos artigos 17.º e 20.º, qualquer intervenção sobre uma pessoa que careça de

capacidade para prestar o seu consentimento apenas poderá ser efectuada em seu benefício directo.

2 - Sempre que, nos termos da lei, um menor careça de capacidade para consentir numa intervenção,

esta não poderá ser efectuada sem a autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma

pessoa ou instância designada pela lei.

A opinião do menor é tomada em consideração como um factor cada vez mais determinante, em função

da sua idade e do seu grau de maturidade.

3 - Sempre que, nos termos da lei, um maior careça, em virtude de deficiência mental, de doença ou por

motivo similar, de capacidade para consentir numa intervenção, esta não poderá ser efectuada sem a

autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma pessoa ou instância designada pela lei.

A pessoa em causa deve, na medida do possível, participar no processo de autorização.

4 - O representante, a autoridade, a pessoa ou a instância mencionados nos n.os 2 e 3 recebem, nas

mesmas condições, a informação citada no artigo 5.º

5 - A autorização referida nos n.os 2 e 3 pode, em qualquer momento, ser retirada no interesse da

pessoa em questão.

Artigo 7.º

Protecção das pessoas que sofram de perturbação mental

Sem prejuízo das condições de protecção previstas na lei, incluindo os procedimentos de vigilância e de

controlo, bem como as vias de recurso, toda a pessoa que sofra de perturbação mental grave não poderá

ser submetida, sem o seu consentimento, a uma intervenção que tenha por objectivo o tratamento dessa

mesma perturbação, salvo se a ausência de tal tratamento puser seriamente em risco a sua saúde.

Artigo 8.º

Situações de urgência

Sempre que, em virtude de uma situação de urgência, o consentimento apropriado não puder ser obtido,

poder-se-á proceder imediatamente à intervenção medicamente indispensável em benefício da saúde da

pessoa em causa.

Artigo 9.º

Vontade anteriormente manifestada

A vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que, no

momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será tomada em

conta.

CAPÍTULO III

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Vida privada e direito à informação

Artigo 10.º

Vida privada e direito à informação

1 - Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada no que toca a informações relacionadas

com a sua saúde.

2 - Qualquer pessoa tem o direito de conhecer toda a informação recolhida sobre a sua saúde. Todavia, a

vontade expressa por uma pessoa de não ser informada deve ser respeitada.

3 - A título excepcional, a lei pode prever, no interesse do paciente, restrições ao exercício dos direitos

mencionados no n.º 2.

CAPÍTULO IV

Genoma humano

Artigo 11.º

Não discriminação

É proibida toda a forma de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético.

Artigo 12.º

Testes genéticos predictivos

Não se poderá proceder a testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação

do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma

predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou de

investigação médica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado.

Artigo 13.º

Intervenções sobre o genoma humano

Uma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano não pode ser levada a efeito senão

por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir

uma modificação no genoma da descendência.

Artigo 14.º

Não selecção do sexo

Não é admitida a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para escolher o sexo da

criança a nascer, salvo para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo.

CAPÍTULO V

Investigação científica

Artigo 15.º

Regra geral

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142

A investigação científica nos domínios da biologia e da medicina é livremente exercida sem prejuízo das

disposições da presente Convenção e das outras disposições jurídicas que asseguram a protecção do ser

humano.

Artigo 16.º

Protecção das pessoas que se prestam a uma investigação

Nenhuma investigação sobre uma pessoa pode ser levada a efeito a menos que estejam reunidas as

seguintes condições:

i) Inexistência de método alternativo à investigação sobre seres humanos, de eficácia comparável;

ii) Os riscos em que a pessoa pode incorrer não sejam desproporcionados em relação aos potenciais

benefícios da investigação;

iii) O projecto de investigação tenha sido aprovado pela instância competente, após ter sido objecto de

uma análise independente no plano da sua pertinência científica, incluindo uma avaliação da relevância

do objectivo da investigação, bem como de uma análise pluridisciplinar da sua aceitabilidade no plano

ético;

iv) A pessoa que se preste a uma investigação seja informada dos seus direitos e garantias previstos na

lei para a sua protecção;

v) O consentimento referido no artigo 5.º tenha sido prestado de forma expressa, específica e esteja

consignado por escrito. Este consentimento pode, em qualquer momento, ser livremente revogado.

Artigo 17.º

Protecção das pessoas que careçam de capacidade para consentir numa investigação

1 - Nenhuma investigação pode ser levada a efeito sobre uma pessoa que careça, nos termos do artigo

5.º, de capacidade para nela consentir senão quanto estiverem reunidas as seguintes condições:

i) As condições enunciadas no artigo 16.º, alíneas i) a iv), estejam preenchidas;

ii) Os resultados da investigação comportarem um benefício real e directo para a sua saúde;

iii) A investigação não possa ser efectuada com uma eficácia comparável sobre sujeitos capazes de nela

consentir;

iv) A autorização prevista no artigo 6.º tenha sido dada especificamente e por escrito; e

v) A pessoa em causa não tenha manifestado a sua oposição.

2 - A título excepcional e nas condições de protecção previstas na lei, uma investigação cujos resultados

não comportam um benefício directo para a saúde da pessoa envolvida pode ser autorizada se estiverem

reunidas as condições enunciadas nas alíneas i), iii), iv) e v) do anterior n.º 1, bem como as seguintes

condições suplementares:

i) A investigação tenha como finalidade contribuir, através de uma melhoria significativa do

conhecimento científico do estado de saúde da pessoa, da sua doença ou perturbação, para obtenção, a

prazo, de resultados que permitam um benefício para a pessoa em causa ou para outras pessoas do

mesmo grupo etário ou que sofram da mesma doença ou perturbação ou apresentando as mesmas

características;

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143

ii) A investigação apenas apresente um risco mínimo, bem como uma coacção mínima para a pessoa em

questão.

Artigo 18.º

Pesquisa em embriões in vitro

1 - Quando a pesquisa em embriões in vitro é admitida por lei, esta garantirá uma protecção adequada

do embrião.

2 - A criação de embriões humanos com fins de investigação é proibida.

CAPÍTULO VI

Colheita de órgãos e tecidos em dadores vivos para fins de transplante

Artigo 19.º

Regra geral

1 - A colheita de órgãos ou de tecidos em dador vivo para transplante só pode ser efectuada no interesse

terapêutico do receptor e sempre que não se disponha de órgão ou tecido apropriados provindos do

corpo de pessoa falecida nem de método terapêutico alternativo de eficácia comparável.

2 - O consentimento previsto no artigo 5.º deverá ter sido prestado de forma expressa e específica, quer

por escrito quer perante uma instância oficial.

Artigo 20.º

Protecção das pessoas que careçam de capacidade para consentir na colheita de um órgão

1 - Nenhuma colheita de órgão ou de tecido poderá ser efectuada em pessoas que careçam de

capacidade para prestar o seu consentimento, nos termos do artigo 5.º

2 - A título excepcional e nas condições de protecção previstas na lei, a colheita de tecidos regeneráveis

numa pessoa que careça de capacidade para prestar o seu consentimento poderá ser autorizada se

estiverem reunidas as seguintes condições:

i) Quando não se disponha de dador compatível gozando de capacidade para prestar consentimento;

ii) O receptor for um irmão ou uma irmã do dador;

iii) A dádiva seja de natureza a preservar a vida do receptor;

iv) A autorização prevista nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º tenha sido dada de forma específica e por escrito,

nos termos da lei e em conformidade com a instância competente;

v) O potencial dador não manifeste a sua oposição.

CAPÍTULO VII

Proibição de obtenção de lucros e utilização de partes do corpo humano

Artigo 21.º

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Proibição de obtenção de lucros

O corpo humano e as suas partes não devem ser, enquanto tal, fonte de quaisquer lucros.

Artigo 22.º

Utilização de partes colhidas no corpo humano

Sempre que uma parte do corpo humano tenha sido colhida no decurso de uma intervenção, não poderá

ser conservada e utilizada para outro fim que não aquele para que foi colhida e apenas em conformidade

com os procedimentos de informação e consentimento adequados.

CAPÍTULO VIII

Violação das disposições da Convenção

Artigo 23.º

Violação dos direitos ou princípios

As Partes asseguram uma protecção jurisdicional adequada a fim de impedir ou pôr termo, no mais curto

prazo, a uma violação ilícita dos direitos ou princípios reconhecidos na presente Convenção.

Artigo 24.º

Reparação de dano injustificado

A pessoa que tenha sofrido um dano injustificado resultante de uma intervenção tem direito a uma

reparação equitativa nas condições e de acordo com as modalidades previstas na lei.

Artigo 25.º

Sanções

As Partes prevêem sanções adequadas nos casos de incumprimento das disposições da presente

Convenção.

CAPÍTULO IX

Relacionamento da presente Convenção com outras disposições

Artigo 26.º

Restrições ao exercício dos direitos

1 - O exercício dos direitos e as disposições de protecção contidos na presente Convenção não podem ser

objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituem providências necessárias, numa

sociedade democrática, para a segurança pública, a prevenção de infracções penais, a protecção da

saúde pública ou a salvaguarda dos direitos e liberdades de terceiros.

2 - As restrições que constam do número anterior não podem ser aplicadas aos artigos 11.º, 13.º, 14.º,

16.º, 17.º, 19.º, 20.º e 21.º

Artigo 27.º

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Protecção mais ampla

Nenhuma das disposições da presente Convenção poderá ser interpretada no sentido de limitar ou

prejudicar a faculdade de cada Parte conceder uma protecção mais ampla do que a prevista na presente

Convenção, face às aplicações da biologia e da medicina.

CAPÍTULO X

Debate público

Artigo 28.º

Debate público

As Partes na presente Convenção zelam para que as questões fundamentais suscitadas pelo

desenvolvimento da biologia e da medicina sejam objecto de um debate público adequado, à luz,

particularmente, das implicações médicas, sociais, económicas, éticas e jurídicas pertinentes, e que as

suas possíveis aplicações sejam objecto de consultas apropriadas.

CAPÍTULO XI

Interpretação e acompanhamento da Convenção

Artigo 29.º

Interpretação da Convenção

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode emitir, para além de qualquer litígio concreto que

esteja a decorrer perante uma jurisdição, pareceres consultivos sobre questões jurídicas relativas à

interpretação da presente Convenção, a pedido:

Do Governo de uma Parte, após ter informado as outras Partes;

Do Comité instituído pelo artigo 32.º, na sua composição restrita aos representantes das Partes na

presente Convenção, por decisão tomada pela maioria de dois terços dos votos expressos.

Artigo 30.º

Relatórios sobre a aplicação da Convenção

Qualquer das Partes deverá fornecer, a requerimento do Secretário-Geral do Conselho da Europa, os

esclarecimentos pertinentes sobre a forma como o seu direito interno assegura a aplicação efectiva de

quaisquer disposições desta Convenção.

CAPÍTULO XII

Protocolos

Artigo 31.º

Protocolos

Os Protocolos podem ser elaborados nos termos do disposto no artigo 32.º, com vista a desenvolver, em

áreas específicas, os princípios contidos na presente Convenção.

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Os Protocolos ficam abertos à assinatura dos signatários da Convenção. Serão submetidos a ratificação,

aceitação ou aprovação. Nenhum signatário poderá ratificar, aceitar ou aprovar os Protocolos sem ter,

anteriormente ou simultaneamente, ratificado, aceite ou aprovado a Convenção.

CAPÍTULO XIII

Alterações à Convenção

Artigo 32.º

Alterações à Convenção

1 - As tarefas confiadas ao Comité no presente artigo e no artigo 29.º são efectuadas pelo Comité

Director para a Bioética (CDBI) ou por qualquer outro comité designado para este efeito pelo Comité de

Ministros.

2 - Sem prejuízo das disposições específicas do artigo 29.º, qualquer Estado membro do Conselho da

Europa bem como qualquer Parte na presente Convenção não membro do Conselho da Europa pode

fazer-se representar no seio do Comité, quando este desempenhe as tarefas confiadas pela presente

Convenção, nele dispondo cada um do direito a um voto.

3 - Qualquer Estado referido no artigo 33.º ou convidado a aderir à Convenção nos termos do disposto

no artigo 34.º, que não seja Parte na presente Convenção, pode designar um observador junto do

Comité. Se a Comunidade Europeia não for Parte, poderá designar um observador junto do Comité.

4 - A fim de acompanhar a evolução científica, a presente Convenção será objecto de um exame no seio

do Comité num prazo máximo de cinco anos após a sua entrada em vigor e, posteriormente, segundo

intervalos que o Comité determinará.

5 - Qualquer proposta de alteração à presente Convenção bem como qualquer proposta de Protocolo ou

de alteração a um Protocolo, apresentada por uma Parte, pelo Comité ou pelo Comité de Ministros, será

comunicada ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, que diligenciará pelo seu envio aos Estados

membros do Conselho da Europa, à Comunidade Europeia, a qualquer signatário, a qualquer Parte, a

qualquer Estado convidado a assinar a presente Convenção nos termos do disposto no artigo 33.º e a

qualquer Estado convidado a aderir à mesma, nos termos do disposto no artigo 34.º

6 - O Comité apreciará a proposta o mais tardar dois meses após esta ter sido comunicada pelo

Secretário-Geral de acordo com o n.º 5. O Comité submeterá o texto adoptado pela maioria de dois

terços dos votos expressos à aprovação do Comité de Ministros. Após a sua aprovação, o texto será

comunicado às Partes com vista à sua ratificação, aceitação ou aprovação.

7 - Qualquer alteração entrará em vigor, relativamente às Partes que a aceitaram, no 1.º dia do mês

seguinte ao termo de um período de um mês após a data em que a referida Parte tenha informado o

Secretário-Geral da sua aceitação.

CAPÍTULO XIV

Disposições finais

Artigo 33.º

Assinatura, ratificação e entrada em vigor

1 - A presente Convenção fica aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa, dos

Estados não membros que participaram na sua elaboração e da Comunidade Europeia.

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147

2 - A presente Convenção será sujeita a ratificação, aceitação ou aprovação. Os instrumentos de

ratificação, de aceitação ou de aprovação serão depositados junto do Secretário-Geral do Conselho da

Europa.

3 - A presente Convenção entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três

meses após a data em que cinco Estados, incluindo pelo menos quatro Estados membros do Conselho da

Europa, tenham expressado o seu consentimento em ficar vinculados pela Convenção, em conformidade

com as disposições do número anterior.

4 - Para todo o Signatário que expresse ulteriormente o seu consentimento em ficar vinculado pela

Convenção, esta entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses

após a data do depósito do seu instrumento de ratificação, de aceitação ou de aprovação.

Artigo 34.º

Estados não membros

1 - Após a entrada em vigor da presente Convenção, o Comité de Ministros do Conselho da Europa

poderá, após consulta das Partes, convidar qualquer Estado não membro do Conselho da Europa a aderir

à presente Convenção, por decisão tomada pela maioria prevista na alínea d) do artigo 20.º, do Estatuto

do Conselho da Europa, e por unanimidade dos representantes dos Estados contratantes com direito de

assento no Comité de Ministros.

2 - Para qualquer Estado aderente, a Convenção entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao

termo de um período de três meses após a data do depósito do instrumento de adesão junto do

Secretário-Geral do Conselho da Europa.

Artigo 35.º

Aplicação territorial

1 - Qualquer signatário poderá, no momento da assinatura ou no momento do depósito do seu

instrumento de ratificação, de aceitação ou de aprovação, designar o território ou os territórios aos quais

se aplicará a presente Convenção. Qualquer outro Estado poderá formular a mesma declaração no

momento do depósito do seu instrumento de adesão.

2 - Qualquer Parte poderá, em qualquer momento ulterior, alargar a aplicação da presente Convenção,

mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, a qualquer outro território aí

designado e relativamente ao qual essa Parte assegure as relações internacionais ou pelo qual se

encontra habilitada a estipular. A Convenção entrará em vigor, no que respeita a este território, no 1.º

dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data de recepção da declaração pelo

Secretário-Geral.

3 - Qualquer declaração feita ao abrigo dos dois números precedentes poderá ser retirada, no que se

refere a qualquer território nela designado, mediante notificação dirigida ao Secretário-Geral. A retirada

produzirá efeitos no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data de

recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

Artigo 36.º

Reservas

1 - Qualquer Estado e a Comunidade Europeia poderão, no momento da assinatura da presente

Convenção ou do depósito do instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão,

formular uma reserva a propósito de qualquer disposição da Convenção, na medida em que uma lei

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então em vigor no seu território estiver em discordância com aquela disposição. Este artigo não autoriza

reservas de carácter geral.

2 - Toda a reserva feita em conformidade com o presente artigo será acompanhada de uma breve

descrição da lei pertinente.

3 - Qualquer Parte que torne extensiva a um território designado por uma declaração prevista nos

termos do n.º 2 do artigo 35.º a aplicação da presente Convenção poderá, para o território em causa,

formular uma reserva, em conformidade com o disposto nos números anteriores.

4 - Qualquer Parte que tenha formulado a reserva referida no presente artigo poderá retirá-la mediante

uma declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. A retirada entrará em vigor no 1.º

dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data de recepção da declaração pelo

Secretário-Geral.

Artigo 37.º

Denúncia

1 - Qualquer Parte poderá, em qualquer momento, denunciar a presente Convenção mediante notificação

dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.

2 - A denúncia produzirá efeitos no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após

a data de recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

Artigo 38.º

Notificações

O Secretário-Geral do Conselho da Europa notificará aos Estados membros do Conselho, à Comunidade

Europeia, a qualquer signatário, a qualquer Parte e a qualquer outro Estado que tenha sido convidado a

aderir à presente Convenção:

a) Qualquer assinatura;

b) O depósito de qualquer instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão;

c) Qualquer data de entrada em vigor da presente Convenção, de acordo com os seus artigos 33.º ou

34.º;

d) Qualquer alteração ou protocolo adoptado nos termos do artigo 32.º e a data em que essa alteração

ou esse protocolo entrar em vigor;

e) Qualquer declaração formulada ao abrigo das disposições do artigo 35.º;

f) Qualquer reserva e qualquer retirada da reserva formuladas nos termos do disposto no artigo 36.º;

g) Qualquer outro acto, notificação ou comunicação atinentes à presente Convenção.

Em fé do que os abaixo assinados, devidamente autorizados para o efeito, assinaram a presente

Convenção.

Feito em Oviedo (Astúrias), em 4 de Abril de 1997, em francês e inglês, os dois textos fazendo

igualmente fé, num único exemplar, que será depositado nos arquivos do Conselho da Europa. O

Secretário-Geral do Conselho da Europa enviará cópias autenticadas a cada um dos Estados membros do

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Conselho da Europa, à Comunidade Europeia, aos Estados não membros que tomaram parte na

elaboração da presente Convenção e a qualquer Estado convidado a aderir à presente Convenção.

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ANEXO E - RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006

(Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169)

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente; CONSIDERANDO o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil; CONSIDERANDO o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido atortura nem a tratamento desumano ou degradante”; CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes; CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM n° 1.493, de 20.5.98, determina ao diretor clínico adotar as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta; CONSIDERANDO que incumbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunião plenária de 9/11/2006, RESOLVE: Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

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§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário. Brasília, 9 de novembro de 2006 EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE LÍVIA BARROS GARÇÃO Presidente Secretária-Geral

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A medicina atual vive um momento de busca de sensato equilíbrio na relação médico-enfermo. A ética médica tradicional, concebida no modelo hipocrático, tem forte acento paternalista. Ao enfermo cabe, simplesmente, obediência às decisões médicas, tal qual uma criança deve cumprir sem questionar as ordens paternas. Assim, até a primeira metade do século XX, qualquer ato médico era julgado levando-se em conta apenas a moralidade do agente, desconsiderando-se os valores e crenças dos enfermos. Somente a partir da década de 60 os códigos de ética profissional passaram a reconhecer o doente como agente autônomo. À mesma época, a medicina passou a incorporar, com muita rapidez, um impressionante avanço tecnológico. Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e novas metodologias criadas para aferir e controlar as variáveis vitais ofereceram aos profissionais a possibilidade de adiar o momento da morte. Se no início do século XX o tempo estimado para o desenlace após a instalação de enfermidade grave era de cinco dias, ao seu final era dez vezes maior. Tamanho é o arsenal tecnológico hoje disponível que não é descabido dizer que se torna quase impossível morrer sem a anuência do médico. Bernard Lown, em seu livro A arte perdida de curar, afirma: “As escolas de medicina e o estágio nos hospitais os preparam (os futuros médicos) para tornarem-se oficiais-maiores da ciência e gerentes de biotecnologias complexas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser médico. Os médicos aprendem pouquíssimo a lidar com a morte. A realidade mais fundamental é que houve uma revolução biotecnológica que possibilita o prolongamento interminável do morrer.” O poder de intervenção do médico cresceu enormemente, sem que, simultaneamente, ocorresse uma reflexão sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefícios auferidos com as novas metodologias diagnósticas e terapêuticas. Incontáveis são as vidas salvas

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em situações críticas, como, por exemplo, os enfermos recuperados após infarto agudo do miocárdio e/ou enfermidades com graves distúrbios hemodinâmicos que foram resgatados plenamente saudáveis por meio de engenhosos procedimentos terapêuticos. Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, também, enfermos portadores de doenças crônico-degenerativas incuráveis, com intercorrências clínicas as mais diversas e que são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos agudamente enfermos. Se para os últimos, com freqüência, pode-se alcançar plena recuperação, para os crônicos pouco se oferece além de um sobreviver precário e, às vezes, não mais que vegetativo. É importante ressaltar que muitos enfermos, vítimas de doenças agudas, podem evoluir com irreversibilidade do quadro. Somos expostos à dúvida sobre o real significado da vida e da morte. Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade? Aprendemos muito sobre tecnologia de ponta e pouco sobre o significado ético da vida e da morte. Um trabalho publicado em 1995, no Archives of Internal Medicine, mostrou que apenas cinco de cento e vinte e seis escolas de medicina norte-americanas ofereciam ensinamentos sobre a terminalidade humana. Apenas vinte e seis dos sete mil e quarenta e oito programas de residência médica tratavam do tema em reuniões científicas. Despreparados para a questão, passamos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo com doença incurável em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua família. A terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante de um enfermo com doença grave e incurável; portanto, entende-se que existe uma doença em fase terminal, e não um doente terminal. Nesse caso, a prioridade passa a ser a pessoa doente e não mais o tratamento da doença. As evidências parecem demonstrar que esquecemos o ensinamento clássico que reconhece como função do médico “curar às vezes, aliviar muito freqüentemente e confortar sempre”. Deixamos de cuidar da pessoa doente e nos empenhamos em tratar a doença da pessoa, desconhecendo que nossa missão primacial deve ser a busca do bem-estar físico e emocional do enfermo, já que todo ser humano sempre será uma complexa realidade biopsicossocial e espiritual. A obsessão de manter a vida biológica a qualquer custo nos conduz à obstinação diagnóstica e terapêutica. Alguns, alegando ser a vida um bem sagrado, por nada se afastam da determinação de tudo fazer enquanto restar um débil “sopro de vida”. Um documento da Igreja Católica, datado de maio de 1995, assim considera a questão: “Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionais aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida”. Inevitavelmente, cada vida humana chega ao seu final. Assegurar que essa passagem ocorra de forma digna, com cuidados e buscando-se o menor sofrimento possível, é missão daqueles que assistem aos enfermos portadores de doenças em fase terminal. Um grave dilema ético hoje apresentado aos profissionais de saúde se refere a quando não utilizar toda a tecnologia disponível. Jean Robert Debray, em seu livro L’acharnement thérapeutique, assim conceitua a obstinação terapêutica: “Comportamento médico que consiste em utilizar procedimentos terapêuticos cujos

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efeitos são mais nocivos do que o próprio mal a ser curado. Inúteis, pois a cura é impossível e os benefícios esperados são menores que os inconvenientes provocados”. Essa batalha fútil, travada em nome do caráter sagrado da vida, parece negar a própria vida humana naquilo que ela tem de mais essencial: a dignidade. No Brasil, há muito o que fazer com relação à terminalidade da vida. Devem ser incentivados debates, com a sociedade e com os profissionais da área da saúde, sobre a finitude do ser humano. É importante que se ensine aos estudantes e aos médicos, tanto na graduação quanto na pós-graduação e nos cursos de aperfeiçoamento e de atualização, as limitações dos sistemas prognósticos; como utilizá-los; como encaminhar as decisões sobre a mudança da modalidade de tratamento curativo para a de cuidados paliativos; como reconhecer e tratar a dor; como reconhecer e tratar os outros sintomas que causam desconforto e sofrimento aos enfermos; o respeito às preferências individuais e às diferenças culturais e religiosas dos enfermos e seus familiares e o estímulo à participação dos familiares nas decisões sobre a terminalidade da vida. Ressalte-se que as escolas médicas moldam profissionais com esmerada preparação técnica e nenhuma ênfase humanística. O médico é aquele que detém a maior responsabilidade da “cura” e, portanto, o que tem o maior sentimento de fracasso perante a morte do enfermo sob os seus cuidados. Contudo, nós, médicos, devemos ter em mente que o entusiasmo por uma possibilidade técnica não nos pode impedir de aceitar a morte de um doente. E devemos ter maturidade suficiente para pesar qual modalidade de tratamento será a mais adequada. Deveremos, ainda, considerar a eficácia do tratamento pretendido, seus riscos em potencial e as preferências do enfermo e/ou de seu representante legal. Diante dessas afirmações, torna-se importante que a sociedade tome conhecimento de que certas decisões terapêuticas poderão apenas prolongar o sofrimento do ser humano até o momento de sua morte, sendo imprescindível que médicos, enfermos e familiares, que possuem diferentes interpretações e percepções morais de uma mesma situação, venham a debater sobre a terminalidade humana e sobre o processo do morrer. Torna-se vital que o médico reconheça a importância da necessidade da mudança do enfoque terapêutico diante de um enfermo portador de doença em fase terminal, para o qual a Organização Mundial da Saúde preconiza que sejam adotados os cuidados paliativos, ou seja, uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A atuação busca a prevenção e o alívio do sofrimento, através do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual.

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ANEXO F - RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995/2012

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995, DE 9 DE AGOSTO DE 2012

Diário Oficial da União; Poder Executivo; Brasília, 31 ago. 2012, Seção 1, p.269-270

Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira; CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas; CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade; CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais; CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo; CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012, resolve: Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

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§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. § 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. § 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. § 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

ROBERTO LUIZ D'AVILA Presidente do Conselho

HENRIQUE BATISTA E SILVA Secretário-geral

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/12

A Câmara Técnica de Bioética do Conselho Federal de Medicina, considerando, por um lado, que o tema diretivas antecipadas de vontade situa-se no âmbito da autonomia do paciente e, por outro, que este conceito não foi inserido no Código de Ética Médica brasileiro recentemente aprovado, entendeu por oportuno, neste momento, encaminhar ao Conselho Federal de Medicina as justificativas de elaboração e a sugestão redacional de uma resolução regulamentando o assunto. Esta versão contém as sugestões colhidas durante o I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina de 2012.

JUSTIFICATIVAS

1) Dificuldade de comunicação do paciente em fim de vida Um aspecto relevante no contexto do final da vida do paciente, quando são adotadas decisões médicas cruciais a seu respeito, consiste na incapacidade de comunicação que afeta 95% dos pacientes (D’Amico et al, 2009). Neste contexto, as decisões médicas sobre seu atendimento são adotadas com a participação de

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outras pessoas que podem desconhecer suas vontades e, em consequência, desrespeitá-las. 2) Receptividade dos médicos às diretivas antecipadas de vontade Pesquisas internacionais apontam que aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão (Simón-Lorda, 2008; Marco e Shears, 2006). No Brasil, estudo realizado no Estado de Santa Catarina, mostra este índice não difere muito. Uma pesquisa entre médicos, advogados e estudantes apontou que 61% levariam em consideração as vontades antecipadas do paciente, mesmo tendo a ortotanásia como opção (Piccini et al, 2011). Outra pesquisa, também recente (Stolz et al, 2011), apontou que, em uma escala de 0 a 10, o respeito às vontades antecipadas do paciente atingiu média 8,26 (moda 10). Tais resultados, embora bastante limitados do ponto de vista da amostra, sinalizam para a ampla aceitação das vontades antecipadas do paciente por parte dos médicos brasileiros. 3) Receptividade dos pacientes Não foram encontrados trabalhos disponíveis sobre a aceitação dos pacientes quanto às diretivas antecipadas de vontade em nosso país. No entanto, muitos pacientes consideram bem-vinda a oportunidade de discutir antecipadamente suas vontades sobre cuidados e tratamentos a serem adotados, ou não, em fim de vida, bem como a elaboração de documento sobre diretivas antecipadas (in: Marco e Shears,2006). 4) O que dizem os códigos de ética da Espanha, Itália e Portugal Diz o artigo 34 do Código de Ética Médica italiano: “Il medico, se il paziente non è in grado di esprimere la propria volontà in caso di grave pericolo di vita, non può non tener conto di quanto precedentemente manifestato dallo stesso”(O médico, se o paciente não está em condições de manifestar sua própria vontade em caso de grave risco de vida, não pode deixar de levar em conta aquilo que foi previamente manifestado pelo mesmo –traduzimos). Desta forma, o código italiano introduziu aos médicos o dever ético de respeito às vontades antecipadas de seus pacientes. Diz o artigo 27 do Código de Ética Médica espanhol: “[...] Y cuando su estado no le permita tomar decisiones, el médico tendrá en consideración y valorará las indicaciones anteriores hechas por el pacientey la opinión de las personas vinculadas responsables”.Portanto, da mesma forma que o italiano, o código espanhol introduz, de maneira simples e objetiva, as diretivas antecipadas de vontade no contexto da ética médica. O recente Código de Ética Médica português diz em seu artigo 46: “4. A actuação dos médicos deve ter sempre como finalidade a defesa dos melhores interesses dos doentes, com especial cuidado relativamente aos doentes incapazes de comunicarem a sua opinião, entendendo-se como melhor interesse do doente a decisão que este tomaria de forma livre e esclarecida caso o pudesse fazer”. No parágrafo seguinte diz que o médico poderá investigar estas vontades por meio de representantes e familiares. Deste modo, os três códigos inseriram, de forma simplificada, o dever de o médico respeitar as diretivas antecipadas do paciente, inclusive verbais.

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5) Comitês de Bioética Por diversos motivos relacionados a conflitos morais ou pela falta do representante ou de conhecimento sobre as diretivas antecipadas do paciente, o médico pode apelar ao Comitê de Bioética da instituição, segundo previsto por Beauchamps e Childress (2002, p. 275). Os Comitês de Bioética podem ser envolvidos, sem caráter deliberativo, em muitas decisões de fim de vida (Marco e Shears, 2006; Savulescu; 2006; Salomon; 2006; Berlando; 2008; Pantilat e Isaac; 2008; D’Amico; 2009; Dunn, 2009; Luce e White, 2009; Rondeau et al, 2009; Siegel; 2009). No entanto, embora possa constar de maneira genérica esta possibilidade, os Comitês de Bioética são raríssimos em nosso país. Porém, grandes hospitais possuem este órgão e este aspecto precisa ser contemplado na resolução.

Carlos Vital Tavares Corrêa Lima Relator