universidade federal fluminense - uff faculdade de direito …

43
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO MICHAEL RODRIGUES BERBETH OS CÓDIGOS DE PROCESSO CONSTITUCIONAL DA PROVÍNCIA TUCUMÁN E DO PERU E A CODIFICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL Niterói 2017

Upload: others

Post on 16-Oct-2021

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

FACULDADE DE DIREITO

MICHAEL RODRIGUES BERBETH

OS CÓDIGOS DE PROCESSO CONSTITUCIONAL DA PROVÍNCIA

TUCUMÁN E DO PERU E A CODIFICAÇÃO DO DIREITO

PROCESSUAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Niterói

2017

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

MICHAEL RODRIGUES BERBETH

OS CÓDIGOS DE PROCESSO CONSTITUCIONAL DA PROVÍNCIA

DE TUCUMÁN E DO PERU E A CODIFICAÇÃO DO DIREITO

PROCESSUAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso

apresentado à Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial para a

obtenção do grau Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Peña de Moraes

Niterói

2017

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

B484

Berbeth, Michael Rodrigues.

Os códigos de processo constitucional da Província Tucumán e do Peru e a codificação do direito processual constitucional no Brasil / Michael Rodrigues Berbeth. – Niterói, 2017.

41 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. Direito processual constitucional. 2. Codificação. 3.

Ordenamento jurídico. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.2

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

MICHAEL RODRIGUES BERBETH

OS CÓDIGOS DE PROCESSO CONSTITUCIONAL DA PROVÍNCIA

DE TUCUMÁN E DO PERU E A CODIFICAÇÃO DO DIREITO

PROCESSUAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso

apresentado à Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial para a

obtenção do grau Bacharel em Direito.

Aprovado em de de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Guilherme Peña de Moraes - UFF

Prof. Dr. Gustavo Sampaio Telles Ferreira

Prof. Dr. Eduardo Manuel Val

Niterói

2017

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

À Deus, à minha mãe Salete Rodrigues e ao meu pai Paulo Berbeth.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

RESUMO

Por meio do presente trabalho, pretendeu-se analisar o Direito Processual Constitucional

e toda sua conformação enquanto disciplina jurídica autônoma, perpassando toda sua

história, conceituação e objeto. Posteriormente, analisa-se o que seria o processo de

Codificação das normas, bem como sua aplicação no âmbito jurídico, expondo todos os

argumentos contrários e a favor. Superada essa análise, estuda-se os dois exemplos de

Código de Processo Constitucional no mundo, o Código Procesal Constitucional

Provincal de Tucumán e o Código Procesal Constitucional de Peru, de modo a

destrinchar cada inovação normativa que os referidos códigos trouxeram para seus

ordenamentos jurídicos. Por fim, com a análise do que é a disciplina, o que é o processo

de Codificação e o estudo sistemáticos dos dois sistemas codificados no mundo, passa-se

a projetar uma Codificação do Processo Constitucional no Brasil, demonstrando não só a

evolução da disciplina pela doutrina brasileira, mas estabelecendo-se a estrutura básica

que um eventual código deva reproduzir.

Palavras-chave: Direito Processual Constitucional. Codificação. Código de Processo

Constitucional da Província de Tucumán. Código de Processo Constitucional do Peru.

Codificação do Processo Constitucional no Brasil.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

RESUMEN

Por medio del presente trabajo, se pretendió analizar el Derecho Procesal Constitucional y

toda su conformación como disciplina jurídica autónoma, y desarollo de su historia, natureza

e contenido. Después, se analiza lo que sería el proceso de Codificación de las normas, así

como su aplicación en el ámbito jurídico, exponiendo todos los argumentos contrarios o a

favor. A continuación, se estudia los dos ejemplos de Código de Proceso Constitucional en

el mundo, el Código Procesal Constitucional Provincial de Tucumán y el Código Procesal

Constitucional de Peru, para desentrañar cada innovación normativa que los dichos códigos

trajeron a sus ordenamientos jurídicos. Por último, con el análisis de lo que es la disciplina,

lo que es el proceso de Codificación y el estudio sistemáticos de los dos sistemas codificados

en el mundo, se pasa a proyectar una Codificación del Proceso Constitucional en Brasil,

demostrando no sólo la evolución de la disciplina por la doctrina brasileña, pero

estableciendo la estructura básica que un eventual código deba reproducir.

Keywords: Derecho Procesal Constitucional. Codificación. Código Procesal

Constitucional Provincial de Tucumán. Código Procesal Constitucional de Peru.

Codificación del Proceso Constitucional en Brasil.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Sumário

1. Introdução .................................................................................................................................... 10

2. Do Direito Processual Constitucional ........................................................................................ 11

2.1. Introdução ............................................................................................................................. 11

2.2. Conceito ................................................................................................................................ 12

2.3. Desenvolvimento científico ................................................................................................... 14

2.4. Natureza ................................................................................................................................ 16

2.5. Conteúdo ............................................................................................................................... 17

2.5.1. Processo Constitucional Orgânico ................................................................................. 17

2.5.2. Processo Constitucional das Liberdades ....................................................................... 17

2.5.3. Processo Constitucional Supranacional ......................................................................... 18

3. Da Normatização do Processo Constitucional .......................................................................... 19

3.1. Introdução ............................................................................................................................. 19

3.2. Do Processo de Codificação .................................................................................................. 20

3.3. Codificação x Consolidação .................................................................................................. 21

3.4. Da Codificação do Processo Constitucional ......................................................................... 22

4. Do Código de Processo Constitucional da Província de Tucumán e do Peru ........................ 24

4.1. Introdução ............................................................................................................................. 24

4.2. El Código Procesal Constitucional de la Província de Tucumán ......................................... 24

4.3. El Código Procesal Constitucional de Peru ......................................................................... 26

5. Do Código de Processo Constitucional Brasileiro .................................................................... 29

5.1. Evolução do estudo do Direito Processual Constitucional no Brasil .................................... 29

5.2. Proposição de um Código de Processo Constitucional para o Brasil .................................... 30

5.3. Estrutura de um Código de Processo Constitucional ............................................................ 33

5.3.1. Princípios Processuais Relativizados ............................................................................ 33

5.3.2. Princípio da celeridade processual ................................................................................ 34

5.3.3. Princípio do impulso oficial .......................................................................................... 34

5.3.4. Princípio da socialização do processo ........................................................................... 34

5.3.5. Princípio da instrumentalidade da formas ..................................................................... 35

5.3.6. Princípio da direção do processo judicial ...................................................................... 35

5.4. Intervenção do Ministério Público ........................................................................................ 35

5.5. Controle de Constitucionalidade de Ofício ........................................................................... 36

5.6. Controle de Convencionalidade e Jurisdição Internacional .................................................. 37

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

6. Conclusão ..................................................................................................................................... 39

7. Referência Bibliográficas ............................................................................................................ 41

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

1. Introdução

A relação entre a Constituição e o Processo tem importante papel não só na previsão de

direitos fundamentais e garantias, mas também na proteção do texto constitucional a fim de

manter sua supremacia e rigidez. Assim, efetiva-se por meio de um processo, o que é previsto

na carta magna.

Essa relação cria diversas zonas de confluências, criando um conteúdo não pertencente

tanto à disciplina de Direito Constitucional, quanto à disciplina de Direito Processual. Daí,

surge o Direito Processual Constitucional. Porém, como toda disciplina em fase de

desenvolvimento inicial científico, questiona-se qual seria o seu conteúdo, sua natureza, ou

ainda seus limites.

Só a partir do esclarecimento do que seria a disciplina Direito Processual Constitucional

é que se pode ir mais adiante em relação a outros posicionamentos, como o que aqui se defende

em relação à Codificação do Processo Constitucional no Brasil.

Tendo isso em vista, pretendeu-se, no presente trabalho, proceder a um estudo dos dois

únicos casos de modelo codificado do Processo Constitucional no Mundo, o Código de

Processo Constitucional da Província de Tucumán e o Código de Processo Constitucional do

Peru, para poder estabelecer uma estrutura básica de um código que possa se projetar no

ordenamento jurídico brasileiro.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

2. Do Direito Processual Constitucional

2.1. Introdução

No período Entreguerras (1918-1939) e, com maior intensidade, no período pós-

Segunda Guerra Mundial (1945), o Direito Constitucional tem como principal finalidade a

proteção do indivíduo frente ao comportamento arbitrário e, por vezes, ditatorial do Estado.

Desse modo, insere-se no texto constitucional, não apenas direitos voltados a uma melhoria das

condições da população em geral, os chamados direitos sociais, como nas Constituições do

México (1917) e de Weimar (1919), mas também institui-se garantias processuais1 com vistas

a dar efetividade aos direitos nela consagradas.

Nesse contexto, o crescimento da importância da Constituição e seu reconhecimento

como normal fundamental, fonte de validade para todo o ordenamento jurídico, impõe a criação

de mecanismos para preservar a eficácia e integridade do texto constitucional. Surge, assim, a

Jurisdição Constitucional e, através dela, os Tribunais Constitucionais, cuja ideia formulada por

Kelsen foi responsável pela criação do Tribunal Austríaco de 1920 2.

Assim, tanto as garantias previstas na Constituição, como a ideia de uma Jurisdição

Constitucional, resultam em um estudo das normas que regulam o processo, mas elevado à nível

constitucional. Entretanto, essa relação entre Constituição e Processo transcende as matérias do

Direito Constitucional ao tratar de temas como ação, legitimação, efeitos da decisão, mas

também ao Direito Processual ao tratar de mecanismos previstos na Constituição com o fim de

garantir sua supremacia, de modo a fazer surgir uma nova disciplina denominada Direito

Processual Constitucional.

Nesse sentido, leciona Paulo Hamilton Siqueira Jr.3:

1 Héctor Fix-Zamudio cita algumas garantias criadas nesse período: o recurso constitucional (Beschwerde) na

Constituição da Áustria em 1920; a “Queixa Constitucional” (Verfassungsbeschwerde) na Carta da República

Federal da Alemanha em 1949; e, na América Latina, com o “Derecho de amparo” surgido na Carta Federal

Mexicana em 1857, mas que, posteriormente, se estendeu à outras Constituições: Argentina em 1853, Costa Rica

em 1949, Venezuela em 1961, Bolívia em 1967, dentre outras. (FIX-ZAMUDIO, Héctor. Introducion al Derecho

procesal constitucional. México: Fundap, 2002. p. 69-70) 2 Dirley da Cunha Júnior aponta que “Kelsen, em suma, defendeu a criação da jurisdição constitucional, em

especial de um Tribunal Constitucional, partindo do pressuposto de que ninguém pode ser juiz em causa própria,

de modo que: não se pode confiar a invalidação de uma lei inconstitucional ao mesmo órgão que a elaborou;

assim, tal competência deve ser atribuída a um Tribunal Constitucional.” (CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle

de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática ante o novo paradigma do Estado Democrático de

Direito. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 18) 3 SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 84-91.

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

O Direito Processual Constitucional é uma ferramenta operacional,

cabendo-lhe tutelar a vigência e supremacia da Constituição, mediante

a implementação da jurisdição e das normas processuais pertinentes. A

operatividade do Direito Processual Constitucional significa a vigência

do Estado Constitucional de direitos e justiça, pois de nada serviriam os

mandamentos constitucionais se não existissem mecanismos

processuais que assegurem sua vigência e seu funcionamento de uma

maneira real. A tendência, porém, parece ir no sentido de que ocorra o

desentranhamento da disciplina do corpo do Direito Constitucional, por

demandar, inegavelmente, o estudo do especialista em Direito

Processual. Ao mesmo tempo, não haveria nenhum ramo do Direito

Processual capaz de incorporar, totalmente, o novo campo de estudos,

que possui assuntos de interesse geral, com projeção sobre todos os

campos do direito processual.

Entretanto, como toda nova disciplina que ainda se encontra em estágio de

desenvolvimento, os limites de sua autonomia, natureza e conteúdo são questionados. Portanto,

passa-se a analisar cada um dos referidos pontos a fim de definir o Direito Processual

Constitucional.

2.2. Conceito

Eduardo Ferrer Mac-Gregor conceitua o Direito Processual Constitucional como “a

disciplina jurídica que se encarrega do estudo sistemático da jurisdição, magistratura, órgãos e

garantias constitucionais, estas últimas entendidas como os instrumentos predominantemente

de caráter processual dirigidos à proteção e defesa dos valores, princípios e normas de caráter

mandamental (processos e procedimentos processuais).4

Guilherme Peña de Moraes, referindo-se aos ensinamentos de André Franco Montoro,

afirma que o Processo Constitucional pode ser investigado sob a perspectiva de “Direito como

ordenamento” ou como “Direito como ciência”. Sob o ângulo positivo – Direito como

ordenamento -, o processo constitucional é objeto de valores, princípios e regras em que se

apoiam os órgãos de tutela jurídica da Constituição para resolver os conflitos constitucionais.

4 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Panorámico del Derecho Procesal Constitucional y Convencional.

México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2016, p. 49.

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Sob o ângulo científico – Direito como ciência –, o processo constitucional é objeto de estudos

a respeito das normas da Constituição concernentes ao processo, englobando, para fins

meramente didáticos, tanto os princípios constitucionais do processo quanto a atividade

jurisdicional de defesa, guarda e rigidez da Constituição.5

A doutrina, entretanto, encontra dificuldade quanto à expressão a ser utilizada para se

referir à disciplina, destacando-se o uso das expressões Direito Processual Constitucional,

Direito Constitucional Processual.

Embora alguns doutrinadores refiram-se às expressões como sendo sinônimas6, a

tendência é seguir a ideia proposta por Fix-Zamudio que, ao fazer o primeiro estudo sistemático

sobre a disciplina, diferencia o Direito Processual Constitucional, “disciplina jurídica do campo

do direito processual, relativa ao estudo sistemático das instituições e dos órgãos por meio dos

quais podem resolver os conflitos e reparações relativas aos princípios, valores e disposições

fundamentais”, do Direito Constitucional Processual, “disciplina jurídica do campo do direito

constitucional, que se ocupa com o estudo das instituições e categorias processuais

estabelecidas na Constituição relativas à jurisdição, garantias judiciais e garantias das partes”7.

Ivo Dantas sinaliza que, no Brasil, a questão é objeto de reflexão pelos

constitucionalistas e processualistas por muitos anos. Aponta que autores como Antônio Carlos

de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco tendem a usar somente a

expressão Direito Processual Constitucional com o significado das duas disciplinas8. Por outro

lado, afirma que outros autores, como José Frederico Marques, diferenciam o Direito

Processual Constitucional como a disciplina que regula o exercício da jurisdição constitucional,

e o Direito Constitucional Processual como a disciplina que trata das normas do processo

elevadas a nível Constitucional9.

J.J. Gomes Canotilho, além de diferenciar o Direito Processual Constitucional do

Direito Constitucional Processual, afirma que, embora as disciplinas tenham ponto de contato,

não poderiam se confundir com a disciplina que estuda o Poder Judiciário, o Ministério Público

5 MORAES, Guilherme Peña de. Justiça Constitucional: Limites e possibilidades da atividade normativa dos

tribunais. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 8. 6 CORREA, Rosaria. Derecho Procesal Constitucional – Derecho Constitucional Procesal: uma misma

disciplina. Leccciones y Ensayos, nº55, 1990. 7 FIX-ZAMUDIO, Héctor. Introdución al Derecho Procesal Constitucional. México: Fundap, 2002. p. 30-34. 8 DANTAS, Ivo. Constituição e Processo. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p.314. 9 DANTAS, Ivo. Op., cit., p. 313.

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

e a Advocacia, de modo a constituir o Direito Constitucional Judicial, ou seja, uma terceira

disciplina.10

Sinaliza-se, ainda, a utilização dos termos Jurisdição Constitucional ou Justiça

Constitucional11 como referência ao Direito Processual Constitucional. Muito embora García

Belaunde defenda que o Direito Processual Constitucional seja a última fase do

desenvolvimento científico do fenômeno que em um primeiro momento tenha se denominado

Jurisdição Constitucional12, a maioria tende a entender que não há uma “convergência” de uma

disciplina na outra, mas uma “convivência” mútua ao passo que seriam disciplinas de ramos

diferentes, as primeiras relativas ao Direito Constitucional e a segunda ao Direito Processual,

resultando-se complementares, sendo a Jurisdição e Justiça Constitucional inclusive objeto de

estudo do Direito Processual Constitucional13.

2.3. Desenvolvimento científico

José Alfredo de Oliveira Baracho ensina que o Direito Processual Constitucional tem

sua ideia precursora nos trabalhos desenvolvidos por Kelsen sobre a garantia jurisdicional da

Constituição. Afirma ainda que “nesse trabalho encontramos temas essenciais ao objeto inicial

do Processo Constitucional, como: a jurisdição constitucional; o objeto do controle jurisdicional

da constitucionalidade; o critério de controle jurisdicional da constitucionalidade; o resultado

do controle jurisdicional da constitucionalidade e o procedimento de controle de

constitucionalidade”.14

10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra

Editora, 1994. p. 277, apud MORAES, Guilherme Peña de. Justiça Constitucional: Limites e possibilidades da

atividade normativa dos tribunais. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.10. 11 Guilherme Peña de Moraes ensina que: “A diferenciação entre a justiça constitucional e a jurisdição

constitucional, parece-nos, reside na extensão ou proporção da atividade sob investigação científica, de sorte que

jurisdição constitucional é traduzida como parcela da atividade pela qual se efetua jurisdicionalmente a proteção

da Constituição em todas as suas dimensões, com ênfase para a “sindicabilidade desenvolvida judicialmente

tendo por parâmetro a Constituição e por hipótese de cabimento o comportamento geral e, principalmente, do

Poder Público, contrário à norma paramétrica”, ao invés da justiça constitucional, que se limita apenas à

atividade desempenhada no âmbito dos tribunais constitucionais, com destaque para os seus elementos e as suas

funções estruturais”. MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 56. 12 BELAUNDE, Domingo García. De la Jurisdiccíon Constitucional al Derecho Procesal Constitucional.

Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, nº 3, 1999. 13 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Op., cit., p. 67-69. 14 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 59.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Posteriormente, a partir dos estudos de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo15 acerca do

amparo, utiliza-se, pela primeira vez, a expressão Direito Processual Constitucional para se

referir ao ramo jurídico a que pertence a referida garantia, revelando-se a fase de

“Descobrimento Processual” da disciplina.

Eduardo Ferrer Mac-Gregor ensina que as últimas etapas de desenvolvimento da

disciplina ocorreram em razão dos estudos de Eduardo Couture sobre as garantias

constitucionais do processo, e da análise da jurisdição constitucional através dos estudos de

Piero Calamandrei e Mauro Cappelletti.

Eduardo Ferrer Mac-Gregor conclui16:

Couture inicia toda uma corrente dogmática no estudo das garantias

constitucionais do processo, especialmente do processo civil, mas

utiliza a expressão “garantia” como sinônimo de direito fundamental e

não como mecanismo processual de defesa. Calamandrei estuda o

fenômeno da jurisdição constitucional a luz do processualismo

científico, realizando classificações muito valiosas sobre a

caracterização dos sistemas de justiça constitucional e analisando

especialmente os efeitos das sentenças constitucionais, mas não realiza

em sua integridade nem adverte a existência da disciplina. Cappelletti

agrupa o estudo dos instrumentos processuais de proteção jurisdicional

da liberdade dos direitos fundamentais na categoria que denomina

“jurisdição constitucional da liberdade” que com o passar do tempo se

tem aceitado, e logo desenvolve sua teoria no âmbito supranacional,

mas não emprega a expressão e nem adverte a existência de um novo

ramo processual.

Por fim, somente com os estudos de Héctor Fix-Zamudio, em seu trabalho referente às

garantias da Constituição mexicana é que se estabelece os contornos científicos da disciplina

jurídica de Direito Processual Constitucional, bem como seu conceito e objeto.

15 CASTILLO, Niceto Alcalá-Zamora. Proceso, Autocomposición y Autodefensa. Méximo> Imprenta

Universitaria, 1947. 16 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Op., cit., p. 56

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

2.4. Natureza

O Processual Constitucional situa-se em uma zona fronteiriça e de grande confluência

entre a Constituição e o Processo, de modo que sua natureza é objeto de controvérsia pela

doutrina.

Héctor Fix-Zamudio17, Domingo García Belaunde18 e Eduardo Ferrer Mac-Gregor19

afirmam não haver qualquer dúvida sobre a natureza da disciplina ser iminentemente

processual, pois, embora haja zonas de confluência com a Constituição, apenas com a aplicação

das normas processuais pode-se resolver os conflitos e promover a proteção dos bens jurídicos

previstos em texto constitucional ligados aos direitos fundamentais e à supremacia da

Constituição.

Por outro lado, autores como Guilherme Peña de Moraes20, Ivo Dantas21, Néstor Pedro

Sagués22 defendem uma posição de natureza mista do Processo Constitucional pois há zonas

indissociáveis entre a Constituição e o Processo que criam uma zona comum à Disciplina

Processual Constitucional.

Ensina Guilherme Peña de Moraes que:

De um lado, a matéria excede o Direito Processual, porquanto o tipo de

direito sob proteção influencia sobremaneira a via adequada para a sua

defesa constitucional. De outro lado, a matéria também excede o Direito

Constitucional, porque a regulação do tipo de ação, objeto, legitimação

ativa, competência e efeito da decisão se utiliza de uma técnica

processual. O ecletismo do processo constitucional é, desse modo,

produto da confluência entre os Direitos Constitucional e Processual.

Desse modo, o Direito Processual Constitucional pertenceria à ambas as disciplinas ao

valer-se de conceitos e normas do ramo processual, mas tendo seu fundamento de validade e

previsão no texto constitucional.

17 FIX-ZAMUDIO, Héctor. Op, cit., p.33. 18 BELAUNDE, Domingo García. El Derecho Procesal Constitucional y su Configuración Jurídica. Revista

ibero-americana de Derecho Procesal Constitucional – Proceso y Constituición, nº 2, 2004, p.48. 19 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Op., cit., p. 68. 20 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 16 21 DANTAS, Ivo. Op., cit., p. 339 22 SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional. Recurso Extraordinário. 3. Ed. Buenos Aires:

Astrea, 1992. v.I, p.4-5.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

2.5. Conteúdo

O Direito Processual Constitucional tem como seu objeto três grandes setores: Processo

Constitucional Orgânico, Processo Constitucional das Liberdades e Processo Constitucional

Supranacional.

2.5.1. Processo Constitucional Orgânico

Refere-se ao processo relativo às normas constitucionais que visam a garantir a

jurisdição dos distintos órgãos do Poder Judiciários, resolvendo tanto conflitos de competência,

bem como suas atribuições constitucionais, além de garantir a supremacia da constituição com

um sistema de controle de compatibilidade entre atos e normas infraconstitucionais que violem

o texto constitucional.

2.5.2. Processo Constitucional das Liberdades

Compreende os instrumentos previstos no texto constitucional com vistas à proteção dos

direitos fundamentais consagrados pela Constituição. Guilherme Peña de Moraes salienta que,

em nível de Direito Comparado, há a divisão dos instrumentos processuais pelo seu caráter

genérico ou específico23.

Em relação ao primeiro, informa que “os instrumentos de proteção processual in genere

são predispostos ao amparo de todos, ou praticamente todos, os direitos fundamentais na ordem

jurídica da qual promanam”, exemplificando com o Verfassungsbeschwerde, previsto na

Constituição alemã, o recurso de amparo, previsto na Constituição espanhola, e o mandado de

segurança e de injunção, previsto na Constituição Brasileira.

Já em relação ao segundo, informa que “os instrumentos de proteção processual in

specie são preordenados à tutela de alguns direitos fundamentos no ordenamento do qual

provenham”, exemplificando com o habeas corpus e habeas data, bem como a ação civil

pública e ação popular, previstas na Constituição brasileira.

23 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 24-26

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

2.5.3. Processo Constitucional Supranacional

O fenômeno Processual Constitucional no plano supranacional adquire, cada vez mais,

maiores dimensões em razão da crescente importância dos pactos internacionais, bem como a

crescente integração regional de diferentes países.

Assim, os Estados não estariam somente submetidos à jurisdição e às normas de suas

constituição, mas também às normas previstas em pactos, tratados ou convenções internacionais

que assegurem direitos, instrumentos de garantias e uma jurisdição internacional a que se

submetam, especialmente os relativos à proteção dos direitos humanos.

Assim, a incorporação dessas normas ao ordenamento jurídico lhes asseguraria o

atributo de sua supralegalidade24, impondo não só o respeito de atos e normas

infraconstitucionais à Constituição, mas também aos direitos reconhecidos nos instrumentos

internacionais de modo a se formar um controle de convencionalidade.

24 MENDES, Gilmar Ferreira. A Justiça Constitucional nos Contextos Supranacionais. Direito Público, nº 8,

2005, p. 64, 71 e 80, apud MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 26-27.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

3. Da Normatização do Processo Constitucional

3.1. Introdução

O Processo Constitucional, nas palavras de Guilherme Peña de Moraes25, pode ser

disciplinado por “regras autônomas”, criadas no exercício da competência da justiça

constitucional, e por “regras heterônomas”, conforme contido na Constituição e na legislação,

além de tratados e das convenções internacionais.

A normatização do Processo Constitucional tem amplo espectro na Constituição, que

estabelece uma série de direitos e garantias, e, como norma fundamental de validade, irradia

princípios e normas a todos os campos jurídicos.

Já a normatização do Processo Constitucional em um contexto Supranacional perpassa

por dez instrumentos internacionais de proteção genérica ou específica26: Proteção Genérica (i)

a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão; (ii) o Pacto Internacional sobre

os Direitos Civis e Políticos; (iii) o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais; e os de Proteção específicos (iv) a Convenção Internacional para a Prevenção e a

Repressão do Crime de Genocídio; (v) a Convenção Internacional sobre a Luta contra a

Discriminação no Campo do Ensino; (vi) a Convenção Internacional sobre a Eliminação de

todas as Formas de Discriminação Racial; (vii) a Convenção Internacional sobre a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; (viii) a Convenção Internacional contra

o Crime de Tortura; (ix) a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; (x) a

Convenção Internacional para a Proteção de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros

das suas Famílias.

Por fim, a normatização do Processo Constitucional no contexto legal apresenta três

modelos.

O primeiro refere-se ao modelo de Leis Esparsas, ou Descodificado, que é o adotado

hoje pelo Brasil, que se encontra fragmentado em diversas leis ordinárias (Lei da Ação Popular

nº 4.717/65, a Lei da Ação Civil Pública nº 7.347/85, Lei de Improbidade Administrativa nº

8.429/1992, Lei do Habeas Data nº 9.507/97. Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade e

Declaratório de Constitucionalidade nº 12.063/2009, Lei da Ação de Descumprimento de

Preceito Fundamento nº 9.882/99, Lei do Mandado de Segurança nº 12.016/2010 e a mais

recente Lei do Mandado de Injunção nº 13.300/16), além de outras previstas em capítulos dos

25 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 40. 26 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 43.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Códigos de Processo Penal (Habeas Corpus) e no Código de Processo Civil (Repercussão Geral

e Reserva de Plenário).

O segundo refere-se ao modelo de Consolidação, ou tendente à Codificação, que é a

junção de vários diplomas normativos referentes ao Processo Constitucional, e, como

exemplos, tem-se a Lei de Procedimentos Constitucionais, de El Salvador, a Lei de Amparo,

Exibição Pessoal e Constitucionalidade da Guatemala, a Lei de Jurisdição Constitucional, da

Costa Rica, a Lei de Justiça Constitucional, de Honduras, e a Lei Orgânica de Garantias

Jurisdicionais e Controle de Constitucionalidade, do Equador27.

O terceiro, e último, refere-se ao modelo Codificado, que tem como exemplos o Código

Processual Constitucional da Província de Tucumán, na Argentina, e o Código de Processo

Constitucional do Peru.

Entretanto, os aspectos gerais, previsões e inovações dos referidos códigos serão

trabalhados em capítulo separado.

3.2. Do Processo de Codificação

O Processo de Codificação pode ser entendida como um modelo de normatização que

ocorre através da compilação, organização e sistematização de diversas regras e normas, além

da instituição de princípios, acerca de determinadas relações jurídicas de natureza comum ou

pertencentes a determinado ramo do direito.

A conveniência, bem como os desafios de uma codificação normativa foram objeto de

muita discussão ao longo da história jurídica. Giordano Bruno Soares Roberto afirma que

“muitos autores se perguntaram como e por quem ele deveria ser elaborado; que dimensões

deveria ter; que linguagem deveria utilizar”28.

Ivo Dantas, reportando-se ao artigo “A Crise das Codificações e uma nova forma de

legislar” de Paulo Gimenes Alonso29, ensina que:

Renomados juristas sempre divergiram acerca da conveniência de se

reunir as normas legais de um povo em códigos. Basta lembrar o célebre

desacordo ‘Savgny versus Thiabaut’, ocorrido na Alemanha no século

27 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 46. 28 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Título. Introdução à história do direito privado e da codificação: Uma

análise do novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.27. 29 Intertemas – Revista do Curso de Mestrado em Direito. Presidente Prudente: ano 1, v.1 – Dezembro de 2000,

p. 186-187, apud DANTAS, Ivo. Op., cit., p. 324.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

XIX. Encantado pelo Código de Napoleão, de 1804, o professor alemão

Anton Friedrich Justus Thiabaut (1772-1840), da Universidade de

Heidelberg, reeditou, em 1814, um pequeno livro denominado Da

Necessidade de um Direito Civil Geraal para a Alemanha. Neste

livro, ele propunha que fossem reunidas num só código todas as leis

vigentes nos diversos Estados alemães, com o que imaginava pôr fim

ao verdadeiros caos legislativo que lá imperava, provocando verdadeira

balbúrdia jurídica. Friedrich Carl von Savigny (1779-1861), figura

marcante da Escola Histórica, contrário às ideias de Thiabaut respondeu

com um opúsculo que denominou Da Vocação de Nossa Época para

a Legislação e a Jurisprudência, combatendo com veemência a

posposta de seu colega de cátedra. Franz Wieacker lembra que para

Savigny todas as codificações seriam inorgânicas, e, por isso, ou

prejudiciais ou inúteis; o direito só se formaria de maneira orgânica a

partir das convicções do povo, isto é, através do costume, da ciência e

da prática. Venceram as ideias de Thiabaut, pois em 1900 entrou em

vigor o Código Civil Alemão, promulgado em 1896, mas nem por isso

a questão se acha esgotada. Ao contrário, depois de um largo período

em que imperou a ‘glória dos códigos’, tidos como verdadeiros

‘monumentos legislativos’, vêm ganhando espaço, na comunidade

jurídica, opiniões que apontam o declínio dessa forma de legislar.

3.3. Codificação x Consolidação

Ricardo Luis Lorenzetti ensina que antes das Codificações, a normas jurídicas regiam a

sociedade mediante a consolidação de leis. Afirma que “estas pretendiam reproduzir o Direito

sem modificá-lo, visando apenas continuá-lo, melhorá-lo, em um continuum histórico”. Por

outro lado, diz que o Código “não é uma continuidade, é ruptura. Pretende criar uma nova

regulação, substitutiva; ao invés de compilar, ordena, baseando-se na racionalidade”30.

Seguindo com suas explicações, Lorenzetti diferencia Consolidação e Codificação:

30 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión Judicial. Argentina: Rubinzal-Culzoni Editoras, 2008. p.

32-33

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

A consolidação gerava insegurança, porque não se sabia se tal ou qual

disposição estaria em vigor. O Código é segurança, que se traduz em

uma sequência ordenada de artigos. A imutabilidade é uma das suas

características essenciais: não se pode alterar uma parte sem mudar o

todo.

A legislação anterior era incognoscível para o cidadão. O Código se

bosquejou como uma espécie de Manuel de Direito porque, como dizia

Andrés Bello, ‘poderá então ser por todos manuseado, poderá ser

consultado por cada cidadão nos casos duvidosos e servir-lhe de guia

no desempenho de suas obrigações’.

Na consolidação não havia axiomas fundantes. Os princípios deviam

ser rastreados em meio a um emaranhado de leis. Por outro lado, no

Código, o modelo é dedutivo, baseado em axiomas, gerando uma

ciência demonstrativa, cujo propósito é fazê-lo evidentes no caso

concreto. O sistema descodificado se baseia em uma ordem distinta,

cronológica e casuística, onde não gravitam os enunciados gerais e

abstratos.

Na consolidação, o intérprete tinha uma enorme tarefa e era o grande

protagonista. O Código, ao contrário, recorta o espaço da interpretação

jurídica, a qual se limita exclusivamente à lei e se transforma em

exegese.

3.4. Da Codificação do Processo Constitucional

Para Néstor Pedro Sagués, a necessidade da codificação do Direito Processual

Constitucional pode variar de país a país, entretanto, “a maior multiplicidade de leis sobre o

tema, maior é a conveniência de codificá-las, dado que a possibilidade de respostas jurídicas

incoerentes ou não harmônicas guarda razão direta com a proliferação daquelas normas”31.

Ou seja, a Codificação do Processo Constitucional traria uma maior segurança aos

institutos objeto da disciplina que, hoje, encontram-se dispersos em leis e não resguardam

qualquer harmonia. Produziria, ainda, o aperfeiçoamento dos institutos ao dar a possibilidade

31 SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional: Colegio de Secretarios de La Suprema Corte de

Justicia de la Nación, A.C. México: Editorial Porrúa, 2006.p. 500.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

de atualizá-los a fim de corrigir eventuais erros, preencher lacunas existentes, ou evitar

ambiguidades.

Ademais, a Codificação do Direito Processual Constitucional levaria a um

desenvolvimento maior da disciplina de Processo Constitucional, de modo a torná-la mais

consistente, evoluída e funcional, não só no plano da Tutela de Liberdades, concretizando cada

vez mais os direitos previstos na Constituição, ou no Processo Constitucional Orgânico,

aperfeiçoando o estudos dos sistemas imunizantes da Constituição, mas também desenvolver o,

ainda tímido, Plano Supranacional, seja estendendo a previsão de seus direitos ou garantias em

tratados ou convenções de direitos humanos, ou ainda desenvolvendo-se com mais importância

os mecanismos de Jurisdição Internacional, bem como o controle de convencionalidade.

Não obstante a clara necessidade e os benefícios da Codificação, pode-se citar

argumentos contrários à sua ocorrência. Entretanto, frise-se, são mais ligados à questões

políticas do que jurídicas, uma vez que só eventual imperícia dos legisladores poderiam tornar

mais complicadas, ou, ainda, prejudiciais eventuais normas de Processo Constitucional

codificadas, em uma clara regressão e esclerotização dos institutos de garantia dos direitos e da

supremacia da Constituição, de modo a torna-los mais burocráticos e complexos, dificultando

os próprios fins previstos na Constituição.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

4. Do Código de Processo Constitucional da Província de Tucumán e do Peru

4.1. Introdução

A Codificação do Processo Constitucional, ocorrendo primeiro, de maneira regional,

na Província de Tucumán na Argentina, mediante a lei 6.944 de 9 de outubro de 1995, e,

posteriormente, em inédito âmbito nacional, com o Código Procesal Constitucional do Peru,

mediante a lei 28.237 de 31 de maio de 2004, evidenciam um pioneirismo latino-americano de

concentrar e sistematizar, pela primeira vez, os instrumentos previstos na Constituição

referentes tanto ao controle de constitucionalidade, quanto aos mecanismos de defesa dos

direitos fundamentais em um só texto, sob os mesmos princípios e técnicas processuais.

O presente capítulo buscará explicar as mais relevantes inovações normativas

introduzidos no ordenamento jurídico de ambos os Códigos para que, posteriormente, seja

possível estabelecer as rotas primordiais de codificação do Processo Constitucional no Brasil.

4.2. El Código Procesal Constitucional de la Província de Tucumán

Publicado em 08 de março de 1999, o Código de Processo Constitucional da Província

de Tucumán conta com 111 artigos e 4 Títulos. O Título I refere-se aos princípios gerais. Já

Título II refere-se à Garantia dos Direitos Pessoais, compreendendo cinco capítulos; (i)

Disposições Comuns; (ii) O Habeas Corpus; (iii) Amparo Geral; (iv) Amparos Especiais

(Hábeas Data, Amparo Fiscal, Amparo Eleitoral, Amparo por mora; (v) Amparo Coletivo. O

Título III traz o controle jurisdicional de constitucionalidade. E, por fim, o Título IV refere-se

às regras gerais de transição, vigência e revogações.

Dentre as principais regras normativa, o art. 4º do Código traz uma regra de

competência em que toda vez que o ato lesivo emanar do Poder Público, terá competência a

Corte Suprema de Justiça Provincial, mais alta instância do Poder Judiciário Provincial.

Néstor Pedro Sagués aponta que muitos dos instrumentos processuais, em especial o

amparo, são propostos justamente em face do Poder Público, de modo que poderia haver o risco

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

de congestionamento com o intenso trabalho gerado por tantas ação ajuizadas diretamente na

Corte Suprema32.

Ainda no Título I, o art. 5º prevê a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade

de ofício, desde que ocorra prévia audiência entre as partes e o Ministério Público, garantindo-

se, assim, o direito de defesa dos envolvidos.

Já no Tìtulo II, no Capítulo referente ao Habeas Corpus, há uma verdade ampliação da

tutela de proteção, servindo como meio de proteção aos casos de lesão, ameaça ou perturbação

a liberdade de locomoção do indivíduo, mas também ao caso em que haja demora em ser

conduzido aquele que comete um flagrante delito, ou ainda um excesso de prazo de 24 horas de

detenção sem que tenha se dado notificação ao juízo competente, dentre outras33.

Além disso, é previsto no art. 39 que quando se chega ao conhecimento do Tribunal

que alguma pessoa possa sofrer prejuízo irreparável antes de que seja socorrida por Habeas

Corpus, pode o Tribunal conceder ordem de ofício.

Já em relação ao Amparo34, o Código prevê prazo decadencial de 90 dias (art. 52), não

necessitando esgotar a via administrativa para sua interposição (art. 53), podendo inclusive ser

em face de particulares (art. 54).

O Código ainda prevê alguns amparos específicos como o Habeas Data (art. 67); o

Amparo Eleitoral (art. 68) para proteger direitos dos eleitores, partidos ou demais direitos

eleitorais; o Amparo Fiscal (art. 69) para proteger o indivíduo da demora da Direción General

32 SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional: Logros e Obstáculos. Lima: Centro de Estudios

Constitucionales, 2008. p.58 33 “Art. 32.- PROCEDENCIA. El hábeas corpus garantiza el derecho a la libertad ambulatoria y a la integridad

física de la persona y procede contra acto, omisión o hecho arbitrario e ilegítimo que importe:

1. Privación, amenaza o limitación actual a dichos derechos sin orden escrita de Juez competente, aún cuando

provengan de autoridad de cualquier orden, incluso judicial; salvo el caso de 'in fraganti' en que todo delincuente

puede ser arrestado por cualquier persona y conducido de inmediato a presencia del Juez.

2. Demora en ser conducido de inmediato a presencia del Juez en los casos de delincuentes detenidos 'in fraganti'

por cualquier persona.

3. Restricción ilegítima al derecho de entrar, transitar y salir libremente del territorio argentino.

4. Agravamiento ilegítimo de la forma y condiciones en que se cumple la privación de la libertad física sin perjuicio

de las facultades propias del Juez del proceso, si lo hubiere.

5. Exceso del plazo legal de la condena o del plazo de veinticuatro (24) horas de detención sin haberse dado aviso

al Juez competente y puesto al arrestado a su disposición con los antecedentes del hecho que motive el arresto.

6. Ilegitimidad de la incomunicación del detenido o exceso de las condiciones establecidas por la ley o del plazo

de tres (3) días de incomunicación fijado por el artículo 32 de la Constitución Provincial.

7. Cuando la causa que motiva la detención no está tipificada y penada en ley vigente al momento del hecho.” 34 Semelhante ao que seria o nosso mandado de segurança, Alfredo Buzaid define que Amparo é “uma ação

ajuizada pelo particular, na qual pleiteia perante a justiça a proteção contra ato de autoridade eivado de

inconstitucionalidade”. BUZAID, Alfredo. “Juicio de Amparo” e Mandado de Segurança. São Paulo: Revistas

dos Tribunais, 1961. p. 172.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

de Rentas de la Província; Amparo por demora da administração (art. 70); e o Amparo Coletivo

(art. 71 e seguintes) para a defesa da saúde pública, a conservação e equilíbrio ecológico,

proteção do patrimônio cultural, histórico, urbanístico, artístico, arquitetônico e paisagístico.

Por fim, no Título III, o Código declara a supremacia da Constituição e dos tratados

internacionais com garantia constitucional (art. 87), e prevê, nos artigos 89 e 90, o Controle de

Constitucional por meio de ação, e ainda regula a declaração judicial de inconstitucionalidade

de ofício.

4.3. El Código Procesal Constitucional de Peru

O Código de Processo Constitucional do Peru tem sua origem com um grupo civil

formado por estudiosos da área do Processo Constitucional em que buscou-se, com a criação

do Código, sistematizar a extensa legislação existente no Peru acerca do Processo

Constitucional, bem como atualizar a terminologia e conceitos sobre uma doutrina que, ainda

em estado de evolução, encontra-se cada vez mais experiente35.

Domigo García Belaunde afirma que o Código peruano rege-se sob vários princípios,

em que destaca: (i) o princípio da direção judicial do processo em que este tem uma finalidade

de imposição do estado da vigência do sistema jurídico, e não um meio de discussão entre os

particulares sobre seus direitos privados; (ii) princípio da elasticidade em que as formalidades

do processo devem exigidas atendendo uma função no processo e obtendo um resultado; (iii)

princípio da economia processual em que o processo deve ser o mais célere possível e ter a

menor quantidade de atos36.

Aliás, acerca desse último princípio, o Código peruano excluiu, em grande parte, a

intervenção do Ministério Público nos processos por ele regulados, de modo a agilizar a

jurisdição constitucional, tendo em vista a pouco efetiva participação do ministerial nesse tipo

de processo.

O Código, regido mediante a Lei 28.237 de 31 de maio de 2004, possui 121 artigos,

divididos em 12 Títulos. No Título Preliminar define-se que o presente Código regula os

processos constitucionais de Habeas Corpus, Amparo, Habeas Data, Cumprimento, Ação

35 BELAUNDE, Domingo García. El Nuevo Código Procesal Constitucional Del Perú. Primer Coloquio

Internacional Sobre Derecho Procesal Constitucional. Universidade de Nuevo León, Monterrey, 2004. p. 2. 36 BELAUNDE, Domingo García. Op., cit..p. 11-12.

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Popular, Inconstitucionalidade e Conflitos de Competência com vistas a garantir a supremacia

da Constituição e a vigência efetiva dos direitos fundamentais.

O artigo V do Título Preliminar traz uma inovação ao prever que o conteúdo e o

alcance dos direitos constitucionais deverão ser interpretados em conformidade com os tratados

internacionais sobre direitos humanos em que o Peru seja signatário, e pelas sentenças dos

órgãos de jurisdição internacional sobre a matéria, de modo a tornar vinculante as decisões dos

tribunais internacionais de direitos humanos para a jurisdição interna do país.

Já o artigo VI do Título Preliminar traz uma observância obrigatória a todo juiz que,

em qualquer tipo de processo judicial, em caso de conflito entre a norma constitucional e a de

hierarquia inferior, deve aplicar a primeira sempre que isso seja relevante ao caso, ainda que

não tenha sido arguido pelas partes.

Outro ponto interessante em que inova o Código peruano é que, mesmo em regimes

de exceção, deve-se examinar a razoabilidade e proporcionalidade do ato restritivo em relação

ao motivos determinantes do regime de exceção, para garantir a vigência dos processos de

Habeas Corpus e Amparo (art. 23).

O Código peruano garante, ainda, acesso à jurisdição internacional assim que se esgote

a interna a qualquer pessoa que considerar lesada seus direitos garantidos na Constituição,

podendo recorrer aos tribunais e órgãos internacionais em que o Peru faça parte (art. 206).

No Título X prevê a Jurisdição Internacional, prevendo três artigos para regular o tema

da seguinte maneira:

O art. 114 estabelece quais são os organismos internacionais a que as pessoas afetadas

pode se socorrer, mencionando-se o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, a

Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e os demais que possam existir e que

sejam reconhecidos por tratados dos quais o Peru seja signatário.

O art. 115 estabelece que as resoluções dos organismos jurisdicionais internacionais

não precisam, para ter validade de reconhecimento, qualquer revisão prévio, de modo que o

Estado peruano deve respeitar, em sua totalidade, as resoluções ditadas por tais organismos

jurisdicionais.

Por fim, o art. 116 estabelece que tanto a Suprema Corte de Justiça, quanto o Tribunal

Constitucional peruano tem o dever de emitir qualquer documento relacionado a processos,

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

legislação ou resolução quando requerido por algum organismo internacional a que alguém

venha a recorrer.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

5. Do Código de Processo Constitucional Brasileiro

5.1. Evolução do estudo do Direito Processual Constitucional no Brasil

A doutrina brasileira não se preocupa com o tema da disciplina do Direito Processual

Constitucional na mesma intensidade e perspectiva do restante da doutrina latino-americana.

Em um estudo sistemático da evolução da disciplina do Processo Constitucional no

Brasil, feito pelo peruano Domingo García Belaunde37, constatou-se que a primeira vez que

a expressão Direito Processual Constitucional apareceu no país foi na obra do processualista

José Frederico Marques, em seu livro “Instituiçoes de Direito Processual Civil, Editora

Forense, Río de Janeiro 1958”, que aponta “a importância que tem a Constituição para o

ordenamento jurídico, de modo que o controle de constitucionalidade motivaria a aparecer

um chamado processo constitucional”38.

Belaunde aponta, que, posteriormente, Ada Pellegrini Grinover, em sua obra “Os

princípios constitucionais e o Código de Proceso Civil, Editora J.Bushatsky, São Paulo

1975”, volta a tratar do tema, mas considerando somente a sistemática de regras e princípios

constitucionais voltados à organização e à tutela jurisdicional, sem, contudo, adotar uma

definição do que seria processo constitucional, ou conceber como uma disciplina autônoma.

O professo peruano afirma que é com José Alfredo de Oliveira Baracho e sua obra

“Processo Constitucional, Editora Rio de Janeiro, 1984” que ocorre o primeiro estudo

acerca da disciplina de Processo Constitucional, aceitando, inclusive, a tese de Fix-Zamudio

ao diferenciar Direito Processual Constitucional de Direito Constitucional Processual.

Continuando o seu estudo, destaca o renomado professor a posição de André Ramos

Tavares no livro “Teoria da justiça constitucional, Edit. Saraiva, Sâo Paulo 2005”, em que

Tavares defende que a Justiça Constitucional se apresenta como uma disciplina jurídica, que

tem duas maneiras de se manifestar: O Direito Processual Constitucional (estuda e analisa o

processo objetivo) e o Direito Constitucional Processual (analisa os aspectos constitucionais

sobre o processo).

Outro importante autor brasileiro a se dedicar sobre o Processo Constitucional seria

Ivo Dantas em seu livro “Constituiçaão e Processo, vol. I. Introdução ao Direito Processual

37 BELAUNDE, Domingo García. El Derecho Procesal Consticional en expansión (crónica de um

crecimiento).p. 51-62. Disponível em: < http://www.garciabelaunde.com/articulos/DPCenExpansion.pdf>.

Acesso em: 05/12/2017> 38 BELAUNDE, Domingo García. Op., cit., p. 63.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Constitucional, Juruá editora, Curitiba 2003”, que aponta não só a autonomia científica da

disciplina, mas que sua natureza seria relacionada mais ao Direito Constitucional do que ao

Direito Processual.

Por fim, Garcia Belaunde conclui que grande parcela da doutrina brasileira tende a

entender o Direito Processual Constitucional não como um ramo autônomo do Direito

Processual, mas sim como uma condensação metodológica e sistemática dos princípios

constitucionais, muito embora seu conceito já tenha se desenvolvido desde os primeiros

estudos de José Alfredo Baracho.

Muito embora o Processo Constitucional tenha sido discutido tanto por parte de

processualistas, quanto por constitucionalistas, sua dimensão permanece somente nos planos

didático e metodológico, como mero capítulo propedêutico a ser entendido como um enfoque

da Constituição nas demais disciplinas de Processo Civil e Penal.

Assim, o Direito Processual Constitucional no Brasil, embora ainda estudado por

poucos doutrinadores como disciplina científica autônoma, necessita de muitas reflexões, a

fim de permitir maiores avanços sobre o tema em território brasileiro e, inclusive, para que

se possa um dia codificá-la.

5.2. Proposição de um Código de Processo Constitucional para o Brasil

Conforme já explicado, a criação de um Código de Processo Constitucional tem como

fim assegurar a supremacia da Constituição, unificar o conteúdo do Direito Processual

Constitucional e dar maior efetividade aos direitos e garantias fundamentais.

Inúmeros são os doutrinadores brasileiros que já se posicionaram sobre a questão.

Em artigo na Folha de S. Paulo, de 10 de Janeiro de 2010, Paulo Bonavides e Paulo

Lopo Saraiva lançaram a proposta de um código de Processo Constitucional, asseverando que39:

“Com efeito, partimos da averiguação de que o processo constitucional

aufere hoje no ordenamento jurídico nacional crescente relevância por

haver alcançado já segmentos de larga faixa da sociedade pátria.

Alguns julgamentos do STF despertam a atenção de distintas camadas

sociais, de tal sorte que demandam uma compreensão mais acurada das

39 BONAVIDES, Paulo; SARAIVA, Paulo Lopo. Proposta: Código de Processo Constitucional. Folha de S.

Paulo, 10.01.2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2102201009.htm>. Acesso em:

05/11/2017.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

ações de controle julgadas perante aquela corte, bem como outras de

defesa e garantia dos direitos fundamentais decididas em diversas

instâncias judiciárias.

As leis que dispõem sobre esse processo -infraconstitucionais- estão

porém esparsas, privadas de unidade processual, o que em rigor não se

compadece com a majestade e importância do órgão supremo que as

julga.

Por essa via se alcançará entre nós o regramento sistemático das ações

constitucionais de defesa de direitos e de controle da

constitucionalidade das leis e atos normativos, em sintonia com as

conquistas jurídicas contemporâneas.

Em razão disso, faz-se mister, desde já, criar uma comissão, em nível

de governo, encarregada de elaborar com urgência o Código de

Processo Constitucional e também assegurar, ao mesmo passo, a

presença da advocacia nessa estratégica esfera judicial.

Nunca devemos esquecer que os códigos em geral, como as

Constituições que ab-rogam o passado e aparelham o futuro, foram a

um tempo elemento de conservação e meio de consolidação das grandes

rupturas que, na revolução do Estado moderno, abriram as portas da

sociedade ao poder legítimo e ao Estado de Direito, isto é, à legalidade

que freia o arbítrio, garante o direito, protege a civilização, mantém a

paz e, com a simples vigência, promete expandir o progresso e propagar

a liberdade.

As reflexões antecedentes buscaram demonstrar que o Brasil precisa de

um Código de Processo Constitucional. Essa postulação de criar novo

código, se atendida, deveras contribuirá para tornar a Constituição cada

vez mais efetiva na confluência: norma, jurisdição e processo.

Fica assim posta, aqui e agora, a ideia pioneira, a fim de que surjam os

colaboradores e as colaboradoras da construção desse monumento

legislativo que poderá vir a ser no breve porvir o nosso Código de

Processo Constitucional.”

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Nesse mesmo sentido, André Ramos Tavares e Domingo García Belaunde fizeram

coro à proposição anteriormente feita por Paulo Bonavides e Paulo Lopo Saraiva, ocasião em

que afirmaram que:

“A adoção desse Código de Processo Constitucional visa, sobretudo, a

que esses processos já existentes se desenvolvam mais adequadamente,

com maior intensidade e clareza de seu sentido real, colocando o Direito

a serviço dos direitos humanos. E concluem que “Teria sido uma

excelente oportunidade de pensar o sistema como um todo e realmente

contribuir para a defesa dos direitos humanos fundamentais no Brasil,

a incorporação da proposta de um Código de Processo Constitucional

brasileiro, cujo significado, portanto, transcende o da mera troca de leis

por um código” 40

A Ordem dos Advogados do Brasil, em 12 de junho de 2013, instituiu uma Comissão

Especial de Juristas que culminou na criação do anteprojeto de um Código de Processo

Constitucional brasileiro41, trabalho realizado pelos juristas Paulo Bonavides e Paulo Lopo

Saraiva.

Em uma análise do anteprojeto, vê-se que não há grandes inovações em relação às

Ações de Defesa dos Direitos e Garantias fundamentais e da Defesa da Constituição, de modo

a se considerar que o anteprojeto representa muito mais uma Consolidação do que uma

Codificação propriamente dita.

Uma das mudanças notórias diz respeito ao Mandado de Garantia Social, previsto no

art. 134 do anteprojeto, que visa proteger os Direitos Sociais de ações ou omissões do Poder

Público ou de Particulares que os violem.

Outra mudança diz respeito a indispensabilidade do advogado, prevista no art. 162 do

anteprojeto, que acaba com o jus postulandi presente no Habeas Corpus.

Por fim, o anteprojeto traz uma seção referente à Jurisdição Supranacional em seu art.

163, bem como previsão da Eficácia das Decisões Internacionais, no art. 164, e Jurisdição

40 TAVARES, André Ramos; Belaunde, Domingo García. Mais um Código? Folha de S. Paulo, 21.02.2000.

Acesso em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1001201009.htm>. Acesso em: 05/11/2017. 41 Anteprojeto do Código de Processo Constitiucional Brasileiro. Conselho Federal da OAB. 2015. Disponível em: < http://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-codigo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf>. Acesso em> 05/11/2017.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Internacional, no art. 165, em termos muito parecidos com o previsto no Código de Processo

Constitucional do Peru.

Seja qual for o projeto, um Código de Processo Constitucional possui rotas para sua

codificação a fim de criar uma estrutura básica para seu conteúdo. Assim, em razão da

importância, esse tema será aprofundado no tópico seguinte.

5.3. Estrutura de um Código de Processo Constitucional

O presente tópico irá traçar, através do estudo até então delineado, a estrutura básica

de um Código de Processo Constitucional, de modo a abranger as principais questão que

envolvem o conteúdo do Processo Constitucional, visando a torná-lo eficaz na defesa dos

direitos e garantias fundamentais e na defesa da Constituição.

5.3.1. Princípios Processuais Relativizados

Guilherme Peña de Moraes ensina que:

“tendo em vista a particularidade do Direito Processual Constitucional

que, segundo Peter Haberle, reside na ‘natureza instrumental do

processo constitucional’, uma vez que ele se incumbe da função de

concretizar a Constituição – Eigenstandigkeit -, determinados

princípios constitucionais especiais ou setoriais do Direito Processual

são relativizados ou, simplesmente, inaplicados no âmbito do processo

constitucional, como, por exemplo: (i) o princípio do contraditório, (ii)

o princípio da congruência, (iii) o princípio da demanda, (iv) o princípio

da disponibilidade, (v) o princípio da gratuidade e (vi) o princípio da

indeclinabilidade.” 42

O referido autor prossegue, afirmando que “as particularidades do Direito Processual

Constitucional, em grande medida, são ligadas à natureza objetiva do processo constitucional

orgânico”43. Por outro lado, ainda que a jurisdição das liberdades não seja propriamente um

42 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 31. 43 MORAES, Guilherme Peña de. Op., cit., p. 31.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

processo objetivo, resguarda peculiaridades próprias em razão de sua índole constitucional, que

é objeto de sua tutela. Assim, passa-se a analisar os principais princípios do Processo

Constitucional.

5.3.2. Princípio da celeridade processual

O primeiro princípio a ser tratado é o da economia processual eis que os processos

constitucionais requerem uma celeridade em sua solução. O referido princípio deve orientar

todo e qualquer ato processual de modo a tornar a prestação jurisdicional com o máximo de

resultados, e com o mínimo de esforços, evitando-se, assim, gasto de tempo e recursos.

Esse princípio é, inclusive, de índole constitucional, e foi inserido no ordenamento

jurídico por meio da Emenda nº 45, que acrescentou ao artigo 5.º o inciso LXXVIII: “A todos,

no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios

que garantam a celeridade de sua tramitação”.

5.3.3. Princípio do impulso oficial

Retornando aos princípios estruturantes de um Código de Processo Constitucional,

tem-se ainda o do impulso oficial que, em uma perspectiva diferente do Código de Processo

Civil, que também o prevê em seu art. 2º, refere-se ao dever do juiz de conduzir o processo o

mais distante do interesse pessoal que tenha o sujeito no processo, buscando efetivar a

Constituição e garantir sua rigidez.

5.3.4. Princípio da socialização do processo

Preceitua o referido princípio que o juiz deve intervir no processo a fim de resguardar

as desigualdades entre as partes, que é comum nos processos constitucionais, em que há o

indivíduo de um lado e o Estado do outro.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

5.3.5. Princípio da instrumentalidade da formas

Esse princípio informa que as formalidades previstas para os atos processuais deve ser

exigidas atendendo sua função, e que, ainda que ainda que determinado ato tenha sido feito em

desconformidade, se ele atingiu sua finalidade, sem causar qualquer prejuízo, não pode ser

declarado nulo. Esse princípio é o mesmo previsto nos arts. 154 e 244 do CPC/15.

5.3.6. Princípio da direção do processo judicial

Por fim, o processo ganha novos contornos, de modo que o princípio da direção judicial

muda sua perspectiva, passando do eixo de processo como meio de solução de conflitos

particulares, para a ideia de um processo a fim de garantir os direitos, princípios e valores da

constitucional e os direitos e garantias de cada indivíduo.

5.4. Intervenção do Ministério Público

Assim como na Codificação do Processo Constitucional do Peru, deve-se questionar a

participação do Ministério Público em âmbito da Jurisdição do Processo Constitucional como

um impedimento à maior consolidação da celeridade processual.

Muito embora seja notável a atuação do Parquet em benefício dos interesses sociais

coletivos e individuais indisponíveis, a intervenção obrigatória em todo Processo Constitucional

torna-se desnecessária.

Inclusive, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Recomendação nº 34

de 05 de abril de 2016 que busca racionalizar a atuação Ministerial, condicionando sua atuação

a um exame prévio do membro da Instituição da relevância social dos processos em que atuem,

o que corrobora com o entendimento aqui demonstrado.

Ainda que aqui se trate de processos constitucionais, em que a relevância social é

nítida, a atuação do Ministério Público não deve ser obrigatória, de modo a simplificar o trâmite

processual e dar maior celeridade.

Muito embora essa não seja uma questão sacramentada, deve-se levar em conta a

intervenção do Ministério Público em uma eventual Codificação do Processo Constitucional.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

5.5. Controle de Constitucionalidade de Ofício

Dentro da disciplina de Controle de Constitucionalidade uma questão controvertida diz

respeito à declaração de inconstitucionalidade de ofício pelo magistrado, ou seja, uma

declaração sem que haja um pedido de alguma parte requerendo-a, o que constituiria, então, um

poder-dever do magistrado que, no conhecimento de qualquer processo, deva fazer a análise do

caso, adequando-o às normas constitucionais, permitindo-se fazer uma filtragem constitucional.

Patricia Alejandro Maraniello44 dissertas sobre as duas vertentes acerca da técnica de

decisão referente ao Controle de Constitucionalidade de Ofício. Pela sua possibilidade,

argumenta que impedir a declaração de inconstitucionalidade de ofício implicaria em deixar-se

à vontade das partes o controle de constitucionalidade em detrimento da Supremacia da

Constituição.

A função do magistrado é a aplicação da lei, mas não de toda e qualquer lei, mas aquela

que condizente com a Constituição. Se não o fosse, a aplicação de uma lei inconstitucional

revelaria verdadeira transgressão ao ordenamento jurídico, violando o texto constitucional.

A referida autora aponta, entretanto, quais seriam os argumentos contrários ao Controle

de Constitucionalidade de ofício. O primeiro deles refere-se ao fim da presunção de

constitucionalidade das leis. O segundo diz respeito a parte se ver em eventual prejuízo com a

Declaração de Inconstitucionalidade de Ofício pelo magistrado quando não objeto de seu

petitório. O terceiro, e último argumento, diz respeito ao desequilíbrio aos Poderes do Estado

que poderia causar, dando-se exacerbado poder o Judiciário.

De todo modo, o Controle de Constitucionalidade de Ofício representa um poder-dever

do magistrado que deve, sempre, respeitar a supremacia da Constituição, atuando conforme sua

função, e não conforme posicionamentos de conveniência.

Não há uma violação da presunção da constitucionalidade da norma, uma vez que a

dúvida legitimada inverteria essa presunção. Tampouco pode-se dizer que a Declaração de

Ofício de norma quando não invocada pelas partes traria prejuízo, pois, se assim o fosse, toda

sentença que se fundamentou em dispositivo não invocado pelas partes, seja por

desconhecimento ou por teses distintas, acarretaria em uma nulidade da sentença, o que não é

verdade.

44 MARANIELLO, Patricia Alejandro. El Control de Constitucionalidade de Oficio y su Proyecto para el Codigo

Modelo. Derecho Procesal Constitucional. Tomo I, Vol. II. Bogotá: VC Editores LTDA, 2011. P. 142-152

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

Em respeito não só às normas Constitucionais, mas também ao princípio direção

judicial do processo, o Juiz deve sempre colocar o texto constitucional com filtro de qualquer

caso que a ele seja reportado.

Por fim, não se pode dizer que há uma violação ao princípio da congruência, pois o

magistrado não pode se ater àquilo que é contra a Constituição.

5.6. Controle de Convencionalidade e Jurisdição Internacional

A crescente zona de interação entre o direito interno e o direito internacional dos

direitos humanos cada vez mais revelam-se complementares.

Víctor Bazán afirma que “não se pode ocultar que a consolidação de uma convergência

sustentável das instâncias de ambas as instâncias jurisdicionais (internas e externas) se

apresenta como uma necessidade de primeira ordem e se converte em um dos desafios centrais

que enfrenta a proteção integral dos direitos fundamentais”.45

Desse modo, a verificação de compatibilidade das leis e atos normativos não tem fim

com a Constituição, mas também deve analisar por uma perspectiva Convencional. O Controle

de Convencionalidade “tem por meta garantir a supremacia das convenções e tratados de

direitos humanos. Expressa ou, implicitamente, parte do pressuposto de que eles tem uma

categoria superior às normas internas, inclusive as constitucionais, desde que sejam mais

favoráveis para a pessoa”.46

Em relação ao tema de Controle de Convencionalidade e Codificação do Processo

Constitucional, Víctor Bazán leciona que47:

Seja como for, e tomada a decisão de levar adianta o ensaio

codificatório, o notório desenvolvimento da inter-relação dos órgãos de

Justiça Constitucional dos Estados pertencentes ao sistema

interamericano de direitos humanos e a Corte IDH, o crescente

protagonismo que assume o controle de convencionalidade que devem

realizar os juízes locais, a necessidade de que existam princípios e

45 BAZÁN, Victor. Control de Convecionalidade: Temática Infaltable en um Proyecto de Codificiación Procesal

Constitucional. Derecho Procesal Constitucional. Tomo I, Vol. II. Bogotá: VC Editores LTDA, 2011. p. 164 46 SAGUÉS, Néstor Pedro. Desafíos del derecho procesal constitucional com relación al control de

convencionalidad. Revista de Estudos Constitucionais, Hermeneutica e Teoria de Direito. p. 16. 47 BAZÁN, Victor. Op., cit., p. 165-166

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

valores processual constitucionais que impregnam aos processos

constitucionais e sejam consistentes com os padrões do direito

internacional de direitos humanos, e a exigência de que existam

mecanismos sistematizados para viabilizar a execução de sentenças

daquela Tribunal interamericano no marco interno; dão forma a um

compacto de fatores que fazem com que esta problemática, de intensa

atualidade e desafiante prospectiva, não possa estar ausente em um

código processual constitucional.

O Controle de Convencionalidade, portanto, tem como objeto o estabelecimento de

direitos e garantias que devem ser observados pelos tribunais e magistrados locais a fim de

conformar leis e atos aos compromissos assumidos internacionalmente pelos Estados. Frise-se

que o parâmetro do Controle de Convencionalidade não se esgota em apenas uma convenção

ou tratado internacional, como o Pacto de São José da Costa Rica, mas a todo matéria de

proteção de direitos humanos, e todo o complexo normativo estabelecido pela Corte IDH.48

Por fim, ainda em âmbito supranacional, deve um eventual Código de Processo

Constitucional tratar da Jurisdição Internacional, de maneira a possibilitar que o cidadão tenha

acesso aos organismos internacionais a fim de buscar uma proteção de seus direitos

fundamentais e outros previstos nos textos internacionais.

Deve, a exemplo do Peru, criar um mecanismo expresso de acesso aos órgãos

jurisdicionais internacionais de proteção aos direitos humanos, e também garantir a eficácia

imediata das decisões e resoluções de órgãos internacionais de que o Brasil seja signatário.

48 Víctor Bazán cita como referência o ”Caso Cabrera Garcia y Montiel Flores vs. Méxco”, de 26 de novembro

de 2010: “Este Tribunal estabeleceu uma jurisprudência que é consciente que as autoridades internas estão

sujeitas ao império da lei, e, por isso, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico.

Mas quando um Estado é parte de um tratado internacional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos,

incluído juízes, também estão submetidos àquele, o qual os obriga a velar por que os efeitos das disposições da

Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de normas contrárias ao seu objeto e fim” ( Corte IDH,

“Caso Cabrera Garcia y Montiel Flores vs. México”, Sentencia Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. 26 de

novembro de 2010, Serie C, nº 220.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

6. Conclusão

O estabelecimento de direitos fundamentais, bem como de garantias, e um sistema de

defesa do texto constitucional resultam em uma relação entre o estudo das normas da

Constituição e as normas que dispõem sobre a sua efetivação, referentes ao Processo. Dai o

surgimento do Direito Processual Constitucional que, como disciplina jurídica autônoma,

possui um amplo conteúdo próprio, que tutela as ações referentes ao controle de

constitucionalidade, tutelas as garantias que concretizam os direitos previsto na Constituição,

e também os direitos previstos em instrumentos internacionais, bem como resguarda íntia

relação com a jurisdição internacional.

Este trabalho buscou demonstrar não só a importância do Processo Constitucional

enquanto disciplina jurídica, mas como sua evolução científica foi importante para a

ampliação do estudos dos mecanismos processuais previstos na Constituição.

Só com esse amadurecimento jurídico é que tornou-se possível a discussão acerca da

codificação do Processo Constitucional, não como mero aglutinamento das normas

processuais, mas como como meio expandir as garantias fundamentais das pessoas,

simplificar e tornar mais célere seus procedimentos, e aperfeiçoar os instrumentos

processuais.

Um Código de Processo Constitucional representa, ainda, uma nova de

aperfeiçoamento das técnicas de interpretação por parte dos juristas, com o fim de garantir

uma maior irradiação do espectro constitucional de defesa e garantias.

A partir da análise dos modelos codificados da Província de Tucumán e do Peru, pode-

se aferir, na prática, os principais efeito do desenvolvimento do Processo Constitucional, com

ênfase no desenvolvimento em seu âmbito supranacional.

Com todo o estudo até então exposto, verificou-se o estado de desenvolvimento da

disciplina do Processo Constitucional no Brasil, que, no entanto, ainda encontra-se dissonante

do restante da América Latina. Entretanto, algumas vozes doutrinárias brasileiros ecoam o

fortalecimento e crescimento da disciplina, defendendo, inclusive, a codificação da matéria.

Só então, buscou-se nesse trabalho apontar eventuais rotas de uma codificação,

estabelencendo alguns dos principais pontos estruturantes de um eventual Código de Processo

Constitucional, referindo-se aos princípios e mecanismos que podem ou devem ser previstos.

Mas, sem dúvida, o atual contorno jurídico do Processo Constitucional no Brasil ser

de um modelo de leis esparsas, e que já apresenta grande grau de evolução, só um Código

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

pode dar maior racionalidade e preencher as lacunas existentes no atual ordenamento.

O ponto, sem dúvida, de maior relevância, e que não se encontra sistematizado no

Brasil, refere-se ao Processo Constitucional Supranacional. A inexistência de um texto que

preveja, expressamente, a verificação de compatibilidade entre leis ou atos normativos com

convenções ou tratados internacionais, ou a possibilidade daquele de se socorrer aos

organismos internacionais de direitos humanos, ou, ainda, o reconhecimento, também

expresso, da execução das decisões e resoluções dos organismos internacionais jurisdicionais

só demonstram o quão importante é o conteúdo da matéria, mas também, sua codificação.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

7. Referência Bibliográficas

CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática

ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Controle de Constitucionalidade:

Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006.

DANTAS, Ivo. Constituição e Processo. Curitiba: Juruá Editora, 2011.

FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Panorámico del Derecho Procesal Constitucional y

Convencional. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2016,

FIX-ZAMUDIO, Héctor. Introducion al Derecho procesal constitucional. México: Fundap,

2002.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión Judicial. Argentina: Rubinzal-Culzoni

Editoras, 2008.

MARANIELLO, Patricia Alejandro. El Control de Constitucionalidade de Oficio y su Proyecto

para el Codigo Modelo. Derecho Procesal Constitucional. Tomo I, Vol. II. Bogotá: VC Editores

LTDA, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. A Justiça Constitucional nos Contextos Supranacionais. Direito

Público, nº 8, 2005.

MORAES, Guilherme Peña de. Justiça Constitucional: Limites e possibilidades da atividade

normativa dos tribunais. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Título. Introdução à história do direito privado e da

codificação: Uma análise do novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003,

SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional. Recurso Extraordinário. 3. Ed.

Buenos Aires: Astrea, 1992.

SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional: Colegio de Secretarios de La

Suprema Corte de Justicia de la Nación, A.C. México: Editorial Porrúa, 2006.

SAGUÉS, Néstor Pedro. Derecho Procesal Constitucional: Logros e Obstáculos. Lima: Centro

de Estudios Constitucionales, 2008. p.58

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …

SAGUÉS, Néstor Pedro. Desafíos del derecho procesal constitucional com relación al control

de convencionalidad. Revista de Estudos Constitucionais, Hermeneutica e Teoria de Direito.

SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO …