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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CAMPO DE CONFLUÊNCIA POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS
INSTITUINTES E EDUCAÇÃO
WANDA LÚCIA BORSATO DA SILVA
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS:
AS EXPERIÊNCIAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE
PETRÓPOLIS/RJ
NITERÓI
JUNHO / 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CAMPO DE CONFLUÊNCIA POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS
INSTITUINTES E EDUCAÇÃO
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS:
AS EXPERIÊNCIAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE
PETRÓPOLIS/RJ
WANDA LÚCIA BORSATO DA SILVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FE/UFF, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação
ORIENTADORA:
Prof.ª. Dr.ª VALDELÚCIA ALVES DA COSTA
Niterói - Rio de Janeiro
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
S586 Silva, Wanda Lúcia Borsato da.
Políticas públicas de educação, formação de professores e
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais: as
experiências da Rede Pública Municipal de Ensino de
Petrópolis/RJ / Wanda Lúcia Borsato da Silva. – 2013.
166 f.
Orientador: Valdelúcia Alves da Costa.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Faculdade de Educação, 2013.
Bibliografia: f. 153-157.
1. Educação. 2. Políticas públicas. 3. Formação de professor.
4. Educação especial. 5. Inclusão escolar. I. Costa, Valdelúcia
Alves da. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Educação. III. Título.
CDD 371.9
DEDICATÓRIA
Para
Sérgio,
Gláucia,
Larissa
e Filipe,
parceiros de sonhos,
companheiros de vida.
AGRADECIMENTOS
A meus pais (in memoriam), que me contemplaram com o dom da vida e
com os quais aprendi que respeito e generosidade devem nos acompanhar vida afora.
A muito querida “Dadai”, mãe de coração, que com simplicidade e sabedoria espantou meus
medos e acalentou meus sonhos de menina.
A meu marido, Sérgio Carlos da Silva, companheiro de todas as horas, com quem pude
compartilhar minhas dúvidas, medos, ansiedades e limitações. Obrigada por alimentar meus
sonhos e contribuir para que se realizem.
A meus filhos, Gláucia, Larissa e Filipe, presentes preciosos com os quais a vida me
contemplou, por me incentivarem e emprestarem a juventude de suas asas para meus voos.
À minha muito querida Professora Orientadora Dr.ª Valdelúcia Alves da Costa, presença
firme e suave, interlocutora gentil e incansável, por ter me proporcionado viver ricas
experiências, acreditando em meu potencial e incentivando-me a “voar sem asas”.
À professora. Dr.ª Iduína Chaves, presença contagiante pela competência com as análises e
alegria diante da vida. Suas palavras de incentivo foram marcantes nessa minha trajetória.
À professora Dr.ª Mariza Wall, pela generosidade de ter participado de minha Banca de Exame
de Projeto de Dissertação, retornando nesse momento. Sinto-me privilegiada por ter contado com
suas leituras criteriosas e atentas para o desenvolvimento desse meu estudo.
Ao Professor Dr. Allan Damasceno, jovem coração que bate no compasso da Teoria Crítica da
Sociedade, minha admiração.
Fruto de enganos ou de amor,
nasço da minha própria contradição
O contorno da boca,
a forma da mão, o jeito de andar
(sonhos e temores incluídos)
virão desses que me formaram.
Mas o que eu traçar no espelho
há de se armar também
segundo o meu desejo.
Terei meu par de asas
cujo voo se levanta desses
que me dão a sombra onde eu cresço
– como, debaixo da árvore,
um caule
e sua flor.
Adélia Prado
RESUMO
Esta dissertação versa sobre as políticas públicas de educação e a inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, Rio
de Janeiro. Para tal, foram problematizadas as políticas públicas de formação docente e de
educação especial na perspectiva da inclusão. As questões, sobre as quais este estudo se
debruçou, fundamentam-se na Teoria Crítica da Sociedade, especialmente representada pelo
pensamento de Theodor Adorno e Max Horkheimer, a qual contribuiu para o tensionamento
de aspectos relativos às dimensões de cultura, sociedade, indivíduo, educação e formação,
inseridas nas contradições sociais que permitem e alimentam o preconceito e a segregação,
historicamente impostos aos alunos com necessidades educacionais especiais na escola
pública. Este estudo foi realizado na Escola São Judas Tadeu, de Ensino Fundamental da
Rede Pública Municipal de Petrópolis, RJ, tendo como participantes duas professoras
atuantes em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, duas professoras regentes de turmas
regulares, uma orientadora pedagógica e a diretora da unidade escolar. As questões
investigadas foram: Quais as contribuições das atuais políticas públicas de educação especial,
na perspectiva inclusiva, no que se refere à formação de professores? Quais as contribuições
das políticas públicas de educação especial, na perspectiva inclusiva da gestão escolar, da
organização pedagógica e da acessibilidade arquitetônica na escola pública? Como se
articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades educacionais especiais no
cotidiano da sala de aula? Quais os impactos do Atendimento Educacional
Especializado/AEE na Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs, como suporte à inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública? Como objetivos, tivemos:
Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para alunos
com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis,
RJ; Avaliar a atuação da Escola São Judas Tadeu quanto à implementação da educação
inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos professores das classes
regulares e dos professores que oferecem o Atendimento Educacional Especializado/AEE nas
Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs. Os resultados obtidos revelaram que, mesmo
considerando os limites e contradições sociais impostos à escola contemporânea, pela
organização da sociedade de classes, constatou-se, por parte das professoras, participantes
deste estudo, um movimento propício ao enfrentamento das condições sociais vigentes no
cotidiano da escola pública. Assim, tem-se que os aspectos analisados evidenciaram avanços
na educação inclusiva no município de Petrópolis/RJ.
Palavras-chave: Políticas Públicas de Educação; Formação de Professores; Atendimento
Educacional Especializado; Inclusão Escolar.
ABSTRACT
This dissertation examines the public policies of education and inclusion of students with
special educational needs in municipal public schools in Petrópolis, Rio de Janeiro. To this
end, public policies related to teacher training and special education inclusion perspective
were problematized. The questions on which this study is addressed, are based on the Critical
Theory of Society, especially represented by the thought of Theodor Adorno and Max
Horkheimer, which contributed to the tension of aspects related to the dimensions of culture,
society, individual education and training, embedded in social contradictions that enable and
feed prejudice and segregation, historically imposed on students with special educational
needs in public schools. This study was conducted at Escola São Judas Tadeu, public
elementary school in Petrópolis, RJ, and the participants were two teachers working in
Multifunctional Resource Classroom, two teachers of regular classes regents, a pedagogic
advisor and the principal of the school. The issues investigated were: What are the
contributions of current public policies for special education in inclusive perspective with
regard to teacher training? What are the contributions of public policies on special education,
, regarding inclusive school management, teaching organization and architectural
accessibility in public school? How to articulate the teaching practices and meet the special
educational needs in everyday classroom? What are the impacts of the Specialized
Educational Care in the Multifunctional Resource Classroom as support to the inclusion of
students with special educational needs in public school? Our goals: characterize public
policy in special education in na inclusive perspective for students with special educational
needs in municipal public schools in Petrópolis, RJ; evaluate the performance of Escola São
Judas Tadeu in the implementation of inclusive education, considering the joint between the
teaching practices in regular classes and teachers that offer the Specialized Educational Care
in the Multifunctional Resource Classroom. The results showed that, even considering the
limits and social contradictions of contemporary school, the class society organization, it was
found by the teachers participating in this study a conducive move to addressing the social
conditions in everyday public school. Thus, it has been revealed that the aspects analyzed
show advances in inclusive education in Petrópolis/RJ.
Keywords: Public Education Policy, Teacher Training, Specialized Educational Care;
Inclusion.
LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E FIGURAS
Gráfico/Quadro
Figura Título Página
Gráfico 1 Evolução da matrícula de alunos com necessidades
educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular 49
Gráfico 2 Evolução da política de inclusão nas classes comuns do ensino
regular - 1998 a 2006 54
Gráfico 3 Evolução de municípios brasileiros com matrículas na
Educação Especial - 2002 a 2006 55
Gráfico 4 Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006 57
Quadro 1 Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006 60
Figura 1 Localização de Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro 69
Gráfico 5 População em idade escolar no município de Petrópolis:
números percentuais 70
Gráfico 6 População em idade escolar no município de Petrópolis 70
Quadro 2 Perfil da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis, RJ -
2011 71
Gráfico 7 Escolas por Modalidade de Atendimentos - 2011 72
Quadro 3 Quantitativo de Alunos na Modalidade de Educação Especial –
2001 77
Quadro 4 Quantitativo de Alunos Matriculados em Classes e Escolas
Especiais 78
Quadro 5 Perfil da Educação Especial – 2003 83
Gráfico 8 Classes Especiais x Escolas Especiais – 2001 a 2004 85
Gráfico 9 Quantitativo de Alunos Público-alvo da Educação Especial –
2006 87
Gráfico 10 Perfil da Educação Especial – 2008 90
Gráfico 11 Perfil da Educação Especial por Especificidades – 2008 91
Gráfico 12 Alunos Público-Alvo da Educação Especial – 2009/2010 96
Gráfico 13 Alunos incluídos 2009 - 2010 97
Gráfico 14 Formação Continuada – 2009 - 2010 99
Figura 2 Organização de Salas de Recursos Multifuncionais por Região
– Ano 2011 109
Gráfico 15 Alunos Atendidos em Salas de Recursos – 2008 a 2011 110
Gráfico 16 Evolução do Quantitativo de Alunos Atendidos em SRMs –
Anos de 2009 a 2011 111
Quadro 6 Número de Turmas e Quantitativo de Alunos da Escola São
Judas Tadeu 114
Gráfico 17 Quantitativo Total de Alunos Matriculados x Quantitativo de
Alunos Incluídos 114
Gráfico 18 Quantitativo de Alunos x Tipologia de Deficiência 115
Quadro 7 Quantitativo de Profissionais Atuantes na Escola São Judas
Tadeu 115
Quadro 8 Caracterização dos Participantes da Pesquisa 116
LISTA DE ANEXOS
Nº Anexo Página
1 ROTEIRO DE ENTREVISTA/DADOS PESSOAIS 158
2 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/DIRETORA 159
3 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/ORIENTADORA
PEDAGÓGICA 161
4 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/PROFESSORAS
DE TURMAS REGULARES 163
5 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/PROFESSORAS
DE SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS 166
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 14
FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA: AS QUESTÕES CENTRAIS DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS/RJ ....................................... 17
CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE:
REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR ............................................................... 28
CAPÍTULO 2 – A SOCIEDADE BRASILEIRA: MARCOS LEGAIS INCLUSIVOS
PRESENTES EM SUA ORGANIZAÇÃO A PARTIR DOS ANOS DE 1960 ..................... 35 2.1 DOS ANOS DE 1960 AO LIMIAR DE UM NOVO SÉCULO ................................... 36
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES EDUCACIONAIS: AS DEMANDAS DO
SÉCULO XXI ............................................................................................................... 49
2.3 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2011-2020: REFLEXÕES SOBRE A META 4
........................................................................................................................................ 61
CAPÍTULO 3 – ORGANIZAÇÃO DE ESCOLAS INCLUSIVAS NO MUNICÍPIO DE
PETRÓPOLIS ......................................................................................................................... 66
3.1 DE ONDE FALAMOS? ............................................................................................... 68
3.2 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE
PETRÓPOLIS: UM OLHAR SOBRE O PASSADO ................................................... 73
3.2.1 EDUCAÇÃO ESPECIAL: PASSOS E (DES)COMPASSOS NA CAMINHADA ..... 73
3.2.2 NOVO MILÊNIO: A BUSCA POR IDENTIDADE .................................................... 76
3.2.3 SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO: O IMPACTO DA AUTONOMIA ................ 76
3.2.4 CAMINHOS QUE SE DEFINEM: 2007 E 2008 ......................................................... 88
3.2.5 DE 2009 A 2011: CONSOLIDAÇÃO DE AÇÕES ..................................................... 92
CAPÍTULO 4 – ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA NA PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA: DESAFIOS E DEMANDAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ............ 102
4.1 SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS / SRMs: IMPACTOS DO
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO/AEE SOBRE A INCLUSÃO
DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS ....................................... 104
4.1.1 REFLEXÃO E AÇÃO: PASSOS INICIAIS .............................................................. 107
4.2 LÓCUS E PARTICIPANTES DO ESTUDO ............................................................. 112
4.3 NARRATIVAS DOS EDUCADORES DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ: EXPERIÊNCIAS DE UM TRAJETO
INVESTIGATIVO ...................................................................................................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 140
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 153
ANEXOS .............................................................................................................................. 158
14
Políticas Públicas de Educação, Formação de Professores e Inclusão de Alunos com
Necessidades Educacionais Especiais: as experiências da Rede Pública Municipal de
Ensino de Petrópolis/RJ
APRESENTAÇÃO
Este estudo versa sobre as políticas públicas de educação e a inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, Rio de
Janeiro, por intermédio da problematização das políticas públicas de formação docente e de
educação especial na perspectiva da inclusão.
As questões propostas foram instigadas por anos de atuação como professora,
inicialmente alfabetizadora e, posteriormente, na cadeira de Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental e Médio, e também pelas observações realizadas ao longo dos últimos onze
anos, como membro da Equipe Técnico-pedagógica da Secretaria de Educação do município
de Petrópolis, RJ, com atuação voltada à educação especial.
Ressalto a frequência, como ouvinte, no Grupo de Pesquisa/CNPq1 “Políticas em
Educação: Formação, Cultura e Inclusão”, durante o segundo semestre do ano de 2008,
coordenado pela Prof.ª Dr.ª Valdelúcia Alves da Costa, na Faculdade de Educação,
Universidade Federal Fluminense, bem como a participação como aluna ouvinte na disciplina
“Tópicos Especiais em Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação: Educação no
pensamento de Adorno e Morin”, durante o primeiro semestre de 2009, em uma turma de
Mestrado/Doutorado em Educação, o que em muito me aguçou a curiosidade para a pesquisa
e estudos referentes à organização da escola pública para o atendimento à diversidade de seu
alunado.
Tendo como prática diária a convivência com professores, alunos, famílias e corpo
pedagógico de diferentes unidades escolares, várias são as narrativas ouvidas e diversos os
questionamentos que se fazem quanto ao enfrentamento do processo de inclusão escolar de
alunos com necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, essas vivências contribuíram para instigar minha curiosidade pelo
1 Este estudo articula-se com os Projetos de Pesquisa ‘Políticas Públicas de Educação Especial no Estado do Rio
de Janeiro: Desafios da inclusão escolar de alunos com deficiência’; ‘Formação de Professores para a Educação
Inclusiva - Parceria Acadêmica/CAPES/PROCAD-NF: UFMA/UFBA/UFF’; ‘Observatório Nacional de
Educação Especial/ONEESP: Estudo em Rede Nacional sobre as Salas de Recursos Multifuncionais em Escolas
Comuns’; e ‘Observatório Estadual de Educação Especial/RJ/OEERJ - Estudo em Rede sobre as Salas de
Recursos Multifuncionais nas Escolas Municipais’, dos quais minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Valdelúcia Alves da
Costa, participa como coordenadora, vice-coordenadora e/ou membro da equipe de pesquisadores.
15
estudo voltado à trajetória da Educação Especial na rede pública municipal de ensino de
Petrópolis/RJ, considerando não somente o aspecto legal das políticas de educação, mas seus
tensionamentos subjacentes produzidos/existentes no contexto da escola.
Apresentando como questão central a discussão/problematização da organização da
escola na perspectiva da educação inclusiva com vistas à sua democratização, tem-se que o
rompimento com a lógica desumanizante nos remete à questão sobre o papel da educação, não
o de alterar ou negar condições objetivas intrínsecas à constituição da sociedade burguesa,
mas a de formar consciências autônomas, capazes de resistir e se contraporem à mesma.
Observa-se que as demandas contemporâneas pela democratização da escola pública
implica em percepção dos fins humanizantes da educação, pela constatação de que a
diversidade é o que nos une e identifica não como espécies isoladas, mas sim como seres
humanos, indivíduos que em sua essência carregam semelhanças e diferenças.
Ao refletir sobre esses aspectos, marcadamente assentados em interiorização de
cultura que contribui para a manutenção do conservadorismo de práticas excludentes na
escola, este estudo buscou, pela crítica dialética, tensionar, problematizar e trazer à tona as
condições objetivas materiais e as contradições sociais que sustentam as situações
observadas.
Assim, este estudo está organizado da seguinte maneira: na Formulação da Situação-
Problema, o objeto de estudo é proposto e justificado, tendo por base algumas categorias,
como educação e inclusão escolar, dentre outras, relacionadas às questões investigadas e aos
objetivos do estudo.
A revisão da literatura foi desenvolvida em três capítulos. No primeiro Capítulo, foi
discutido o sentido da educação sob o prisma da Teoria Crítica da Sociedade, à luz do
pensamento de Adorno e Horkheimer, considerando-se que, sob tal perspectiva, compete à
educação contribuir para o desenvolvimento da consciência crítica, capaz de promover o
conhecimento, a análise e ação sobre a realidade.
No segundo Capítulo, procedemos ao resgate de aspectos históricos e legais que
constituíram e orientaram as ações voltadas à Educação Especial no Brasil, ao longo dos
últimos cinquenta anos e, no âmbito dos limites deste estudo, contamos com o apoio do
pensamento de Adorno (2006), para a discussão e análise sobre como as políticas públicas de
educação inclusiva têm contribuído para a organização da escola contemporânea.
O terceiro Capítulo, versando sobre as políticas públicas de educação especial para a
inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, na rede pública
16
municipal de ensino de Petrópolis/RJ, traz à cena reflexões sobre os mecanismos encontrados
na base de seu processo histórico-social, problematizando, com aporte na Teoria Crítica da
Sociedade, os limites e/ou avanços das escolas municipais na perspectiva inclusiva.
Ao Capítulo quarto, coube a apresentação e análise dos dados empíricos deste estudo,
tendo como referência as políticas públicas nacionais e municipais, as experiências
instituintes, as narrativas das professoras participantes, e as observações realizadas na Escola
São Judas Tadeu, em Petrópolis/RJ, lócus do estudo. As análises dos dados coletados neste
estudo, se fundamentaram no pensamento de Adorno (2006, 1995), e em interlocução com
estudiosos, como Crockík (2011, 1995), Costa (2011, 2006), Linhares (2010), dentre outros,
os quais contribuíram à problematização de questões referentes à educação, formação de
professores, segregação, contradições e limites na escola pública, dentre outras.
Nas Considerações Finais contemplamos as impressões do nosso estudo, articuladas às
experiências educacionais do município de Petrópolis/RJ, narradas pelas participantes do
estudo, as quais contribuíram tanto ao desvelamento quanto à compreensão acerca de como se
configuram, se apresentam e, mais, como veem sendo enfrentados os desafios postos à
afirmação da educação inclusiva na escola pública no âmbito do município de Petrópolis/RJ.
17
FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA:
AS QUESTÕES CENTRAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE
PETRÓPOLIS/RJ
A problemática deste estudo vincula-se à questão das políticas de educação voltadas
ao atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais2 desenvolvidas ao longo
dos últimos trinta anos na rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ e à formação dos
professores, em particular os que atuam ou irão atuar em classes inclusivas.
Tomou-se como ponto de partida para reflexões a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN nº 4024/1961, por se considerar seu marco representado como
o início, embora um tanto sutil, da legitimação da escola comum como espaço educacional
para os alunos com necessidades educacionais especiais.
Justifica-se o recorte temporal, uma vez que, conforme é apresentado em capítulo
específico, o atendimento educacional a alunos com necessidades educacionais especiais em
Petrópolis é iniciado a partir dos anos de 1980.
Nesse sentido, não podemos deixar de considerar a contemporaneidade por
caracterizar-se por significativas e contínuas transformações, tanto no campo do
conhecimento – ciência e tecnologia – como no dos valores – a condição humana.
Referindo-se ao avanço das forças produtivas do capitalismo, Adorno & Horkheimer
(2002, p. 7), afirmaram que “A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança.”
A afirmativa relaciona-se a instigante painel traçado pelos pensadores frankfurtianos da
passagem da razão emancipatória representada pelo pensamento iluminista à razão
instrumental do positivismo representado pela sociedade industrial massificada a que os
autores intitularam de indústria cultural3.
2 Segundo o documento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008, p. 8), o conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente
disseminado a partir do advento da Declaração de Salamanca (ONU, 1994), ressalta a interação das
características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. [...] Assim, a partir dessa
conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza
física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena
e efetiva na escola e na sociedade.
3 Indústria Cultural: termo que remete a âmbitos da economia e cultura, associando-se a expressão ‘indústria’ à
produção de mercadorias como necessidades e ‘cultural’ à produção de consciências com precisão dessas
necessidades. (MAAR, Wolfgang Leo – Revista Educação – Especial: Adorno pensa a Educação, s/d, p. 26-35).
18
Isso posto, as relações estabelecidas entre sujeito e objeto tornam-se mediadas pela
racionalidade técnica, processo que aliena e subjuga o homem às propostas mercadológicas
impostas por uma sociedade administrada, uma vez que (id, p. 11) “(...) cada um deve se
comportar, por assim dizer, espontaneamente, determinado a priori4 por índices estatísticos e
dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo.”
O pensamento de Adorno & Horkheimer conduz-nos à reflexão de que a dinâmica
social que se impõe é aquela obstrutora de subjetividades e do livre pensar, não propícia ao
desenvolvimento da subjetividade, tampouco de consciências críticas às contradições sociais
vigentes. Ficam-nos, pois, as questões: que tempo é esse em que vivemos? Quais são as
necessidades desse tempo? Para que a educação nesse tempo?
Remetemo-nos a importante ensaio datado de 1783, porém de grande atualidade, em
que à pergunta “Vivemos atualmente uma época esclarecida?” Kant respondeu: “Não, mas
certamente em uma época de esclarecimento”. Embora sutil a diferença entre os termos
“esclarecida” e “esclarecimento” não pode ser ignorada. Em pleno apogeu do Iluminismo,
Kant observou que ainda faltava muito para que os homens fossem considerados indivíduos
emancipados, ou seja, capazes de romper com o que classificou como “menoridade
autoinculpável”.5 Porém, apontou para a possibilidade de, através do esclarecimento, ou seja,
do emancipado e livre pensar o homem libertar-se de tal condição.
Valendo-nos das dessas considerações, e em resposta às questões anteriormente
apresentadas, ousamos afirmar que o tempo em que vivemos é aquele em que urge o
esclarecimento; as necessidades desse tempo assentam-se premência do rompimento do
homem com a menoridade autoinculpável, e ao para que a educação nesse tempo, certamente
para o desenvolvimento de identidades autocríticas, sensíveis e emancipadas e transgressoras,
aptas ao enfrentamento das condições objetivas vigentes.
Cabe-nos a constatação de que a educação formal, desenvolvida nas escolas, encontra-
se em momento de transformação. Estudos de Costa (2011, 2009), Linhares, (2009), Chaves
(2010) e Damasceno (2011, 2010), dentre outros, constatam que à escola da atualidade
compete o papel de formação de homens e mulheres em sua inteireza, para que como pessoas
críticas e participativas assumam-se em sua maioridade como dirigentes de suas vidas e
sujeitos do mundo em que vivem. O fato foi percebido e ressaltado por Linhares (2010, p. 19)
quando da indagação “Cabe-nos destacar como a escola, o ensino e a formação podem
4 Grifos do autor.
5 Para Kant, menoridade autoinculpável não é a falta de entendimento, mas a falta de decisão e de coragem de
servir-se do entendimento sem orientação de outrem.
19
contribuir com dimensões éticas e estéticas que ampliem o pensamento, repercutindo em
processos volitivos e avaliativos de nossas próprias ações?”
O questionamento da autora demonstra que urge que a escola contemporânea se
constitua politicamente comprometida com o processo de orientar o educando para uma ação
de cidadania, capaz de romper com a barbárie existente em uma sociedade que reflete situação
de extrema desigualdade social, reiterando-se a contundente afirmação de Adorno (2006, p.
155) de que “(...) desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”.
Remetendo-nos à afirmativa de Adorno, e, em se considerando a escola como espaço
social privilegiado para a emergência de tensionamentos dialéticos, coloca-se a questão: quais
as contribuições das políticas públicas que se apresentam a partir dos anos de 1960 para a
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola comum?
Constata-se que o movimento de transformação do sistema educacional brasileiro
que vem ocorrendo desde 1996, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN – n.º 9394/1996), tem se caracterizado pela tarefa de
rompimento com princípios que sustentam o conservadorismo das escolas, questionando a
normalização de perfis específicos de alunos e a pretensa seleção de eleitos para frequentar a
escola. Cabe-nos, pois, a questão sobre como se vem constituindo as políticas para a inclusão
de alunos na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ; e em quais perspectivas se
apoiam?
Para que a escola e seus atores possam cumprir o papel de instância crítica da
sociedade, há que afirmar ideias de organização de um espaço escolar inclusivo, espaço esse
que se refere a um movimento muito mais amplo de transformação social, posto que na escola
manifestam-se objetiva e concretamente processos sociais historicamente constituídos.
Sob tal perspectiva, a educação inclusiva apresenta-se como elemento de
democratização não apenas da escola como das demais instâncias da sociedade, em
atendimento a um segmento social constituído por indivíduos excluídos da escola pública,
uma vez que ao longo da História da Humanidade, alunos com deficiência eram atendidos
separados dos demais, ou seja, segregados em instituições especializadas.
Em Costa (2006, p. 91) tem-se que “(...) a urgência por uma educação inclusiva e
democrática parece se constituir como alternativa para a superação da diferença significativa
de aprendizagem como obstáculo para o acesso e permanência na escola pública dos alunos e
na possibilidade de se pensar em uma sociedade justa e humana”. Logo, a emergência de uma
educação inclusiva, orienta-nos para o enfrentamento do preconceito historicamente instalado
20
contra os considerados desviantes de padrões de normalidade culturalmente impostos à
escola, considerando-se que para Crochík (1995, p. 17) “(...) o indivíduo, é produto da cultura,
mas pela sua singularidade se diferencia dela”.
Infere-se que a diferenciação a que se refere Crochík se fará pelo desenvolvimento da
consciência sensível e crítica ao que é externamente imposto pela cultura. Logo, emerge uma
outra questão: como se organizam as escolas da rede pública municipal de ensino de
Petrópolis, RJ, quer no aspecto da gestão escolar e do projeto pedagógico, quer quanto ao
espaço físico e arquitetônico?
Dessa maneira, a inclusão escolar assume amplo papel social ao tensionar a escola
como território institucional expressivo da cultura em que se insere e, como tal, locus
privilegiado para problematizações sobre uma política inclusiva ocupar-se com a
desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em outras estruturas
sociais, conforme constatado por Costa (2011, p.68) em seus estudos, o que lhe permitiu
afirmar que “(...) a educação contribui para a formação de indivíduos autônomos, capazes de
refletir e, por sua vez, superar o que possa ser identificado na nossa cultura, na sociedade,
como forma de manipulação e estimulação à violência, sem reproduzi-la”.
Aportando-nos em Costa, ao reiterarmos o caráter emancipatório da educação,
constatamos a necessidade do desenvolvimento da consciência crítica, capaz de se contrapor à
exclusão social historicamente instalada na sociedade contemporânea, sobre o que Adorno
(2006, p. 121), afirma: “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma
autorreflexão crítica”.
Constata-se, então, que ao se considerar a demanda social e humana por
emancipação e o desafio de construir condições capazes de enfrentar a exclusão histórica,
fortalece-se, especialmente a partir dos anos de 1990, por ocasião da realização da
Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtein, Tailândia (UNESCO) a crítica a
práticas de segregação e categorização de alunos encaminhados para ambientes especiais de
aprendizagem, o que legitimava a segregação nos espaços escolares.
Ressalta-se que a referida Conferência chamou a atenção dos Países para os altos
índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização, explicitando seus objetivos a
promoção de transformação nos sistemas de ensino na promoção do acesso e permanência da
totalidade dos alunos na escola. No tocante à pessoa com deficiência, é enfática ao afirmar
que “As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras6 de deficiências
6 Embora em desuso, manteve-se a expressão ‘pessoas portadoras’ em atendimento ao texto original.
21
requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à
educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do
sistema educativo.” (Art. 3).
Em 1994, essas discussões foram reiteradas e aprofundadas na Conferência Mundial
de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada na Espanha pela
UNESCO, resultando na Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre as Necessidades
Educativas Especiais (CORDE, 1994, 17), na qual se problematizam aspectos relativos à
escola não acessível à totalidade dos alunos, proclamando-se que as escolas comuns
apresentam-se como o meio mais eficaz para o combate a atitudes discriminatórias e
excludentes, uma vez afirmar que:
O princípio que orienta esta Linha de Ação é o de que escolas deveriam acomodar
todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,
emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e
superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de
população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, ou culturais, e
crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados.
Percebe-se que a perspectiva da educação inclusiva na Declaração de Salamanca se
apresenta como possibilidade abrangente para a constituição de uma sociedade mais justa e
democrática, uma vez apontar caminhos para a inserção de diferentes grupos sociais na
escola, contribuindo-se para que, através de convivência democrática sejam constituídas
subjetividades sensíveis ao reconhecimento da diversidade como característica inerente à
humanidade.
Por outro lado, vale também refletir sobre como as políticas públicas no Brasil se
vêm organizando a partir da promulgação da Constituição Federal da República Federativa do
Brasil (BRASIL, 1988), a qual apresenta como um de seus objetivos precípuos o de
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”; cabendo-nos, neste estudo, a percepção sobre como essas
políticas repercutem na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, com vistas à inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública.
Em consonância com o crescente movimento mundial pela educação inclusiva,
publicou-se no ano de 1994, a Política Nacional da Educação Especial/MEC/SEESP
22
(BRASIL, 1994), ainda alicerçada em posicionamentos integracionistas7 e com foco no
modelo clínico da deficiência, mantendo a estrutura paralela e substitutiva da educação
especial, condicionando o acesso de alunos com necessidades educacionais especiais ao
ensino regular, desde que atendidas algumas exigências, conforme expresso em orientações
para a matrícula em classes regulares:
Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também são matriculados,
em processo de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que
possuem condições de acompanhar e desenvolver atividades curriculares
programada do ensino comum, no mesmo ritmo dos alunos ditos normais8.
(BRASIL, 1994, p. 19)
Na medida em que condicionava que o aluno possuísse certos atributos para ser
inserido junto aos demais, é nítida a fragilidade de tal política quanto à promoção de desafios
relativos à construção de práticas pedagógicas e educacionais compatíveis com a educação
inclusiva, uma vez que as ditas possibilidades postas ao sujeito faziam-se em caráter
comparativo com aqueles “ditos normais”, e não em observações e reconhecimento dos
indivíduos em suas especificidades e em ações pedagógicas favoráveis ao seu
desenvolvimento. Constata-se, assim, a manutenção de um sistema educativo inalterado.
Nesse cenário histórico, embora expressem a necessidade de atendimento às
especificidades do alunado na escola comum, tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, n.º 9394 (BRASIL, 1996), quanto a Resolução nº 2 (CNE/CEB, 2001), denotam
ambiguidades quanto à organização da educação especial e da escola no contexto inclusivo,
pois ao mesmo tempo em que orientam a matrícula de estudantes, público-alvo da educação
especial em escolas comuns da rede regular de ensino, mantêm o atendimento em escolas
especializadas como substitutivo à escolarização.
Não nos podemos furtar a algumas considerações quanto à ambiguidade observada
nas legislações acima, uma vez que o ainda encaminhamento de alunos a escolas e classes
especiais, precisa ser discutido e questionado em seus fins, assim como há que se refletir
quanto a investimentos em currículos adaptados, ensino diferenciado, terminalidade
específica, e outros tantos mecanismos criados para que a revelada necessidade de atender
especificidades inerentes a esses alunos contribua para um maior afastamento, supostamente
7 Integração: perspectiva com base no modelo clínico em que a condição física, sensorial ou intelectual se
caracterizava como obstáculo à participação na sociedade, cabendo à pessoa com deficiência adaptar-se às
condições sociais existentes.
8 Grifos nossos.
23
percebidos como um risco aos demais, para o que Crochík (1997, p. 14), nos alerta: “(...) Ao
falarmos em classes especiais estamos positivando a negação, ou seja, afirmando aquele que é
negado, para que ele seja mais uma vez negado”. Assim, ao se categorizar o aluno, o que se
sobressai é a menos valia, uma vez que passa a se diferenciar não como indivíduo, mas para
ser negado em sua subjetividade.
No entanto, se nos pautamos em uma educação que aponte para a afirmação do
indivíduo e sua emancipação, desnecessário seria o ato de classificar e separar, considerando-
se o direito ao que venha se constituir em promoção da humanidade. O caráter emancipatório
da educação contribui para rompimento, com o que Adorno (2006, p. 132) define como
‘consciência coisificada’, ou seja, “(...) uma consciência que se defende em relação a qualquer
vir a ser, frente a qualquer apreensão do próprio condicionamento, impondo como sendo
absoluto o que existe de um determinado modo”, ou seja, aquela que se mantém restrita a si
mesma, alimentando-se de sua fraqueza, reflexo de incompromisso entre o homem e sua
existência.
Logo, rever conceitos e posições é necessidade a ser reconhecida. Entretanto, não
como atitude isolada ou individual. Conceitos como os de exclusão ou inclusão não devem ser
banalizados ou simplificados, porque se corre o risco de banalizar ou simplificar necessidades
fundamentais do ser humano. Necessidades essas determinadas, a cada época, por espaços e
condições objetivas que devem ser consideradas e questionadas.
Ao se examinar o papel desempenhado pela escola de nosso tempo, problematiza-se
o fato de a mesma se encontrar inserida em uma sociedade capitalista, historicamente dividida
em classes e assentada na lógica tecnicista do capital e da identificação que subjuga, domina e
exclui, gestando um quadro de valores que internaliza e legitima os interesses dominantes,
como se inalteráveis fossem. A esse respeito Adorno e Horkheimer (2009, p. 54) argumentam
que:
A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem
mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão
submetidos. [...] A sociedade reconhece sua própria força na debilidade deles e lhes
cede uma parte. A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro.
Depreende-se que a formação possível sob a lógica do capital não propicia aos
indivíduos o desenvolvimento da consciência livre-pensante capaz de se contrapor à ordem
social estabelecida. Nesse sentido, contribuindo para a disseminação e continuidade dos ideais
totalitários do capitalismo.
24
Considerando o exposto, cabe problematizar sobre como se apresenta o processo de
formação de professores quanto ao atendimento de alunos com necessidades educacionais
especiais e sua inclusão na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, tendo-se como
pressuposto a democratização da escola pública.
Na primeira década do século XXI, a realidade educacional observada suscita uma
mobilização em torno do questionamento quanto ao alto índice de pessoas com deficiência,
em idade escolar, fora da escola e de matrícula de alunos, público alvo da educação especial,
majoritariamente em escolas e classes especiais, segundo dados do MEC/SECADI (2011).
Questionamentos necessários a mudanças conceituais, políticas e pedagógicas se
ampliam a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, outorgada pela
ONU em 2006, e ratificada pelo Brasil como Emenda Constitucional, por meio do Decreto
Legislativo n.º 186/2008 e do Decreto Executivo n.º 6949/2009. A referida Convenção altera
o conceito de deficiência, até então assentado no referencial integracionista, com base no
modelo clínico em que a condição física, sensorial ou intelectual se caracterizava como
obstáculo à participação na sociedade, cabendo à pessoa com deficiência adaptar-se às
condições sociais existentes, para o referencial da inclusão, em que à sociedade cabe
promover as condições que permitam acesso e participação das pessoas com deficiência em
seus diferentes contextos e espaços. Assim, a educação assume a condição como sendo de
fato, um direito.
À reboque de tal documento, publica-se, no Brasil, a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP, 2008), importante marco
teórico e organizacional para a educação brasileira, ao definir a educação especial como uma
‘modalidade não substitutiva à escolarização, o conceito de atendimento educacional
especializado complementar ou suplementar à formação dos alunos e o público alvo da
educação especial constituído por estudantes com deficiências, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.’
A nova perspectiva da educação inclusiva, preconizada pela referida Política, o
Atendimento Educacional Especializado/AEE, como ação complementar e/ou suplementar à
escolarização de alunos com necessidades educacionais incluídos em classes comuns, suscita
a busca por entendimento sobre como está se constituindo o movimento de implantação e
dinamização das Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs na rede pública municipal de
ensino de Petrópolis, RJ, como aporte às políticas inclusivistas, e mais especificamente, quais
seus impactos sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas
25
escolas.
Segundo Costa (2011a, p. 31):
No atual estágio civilizatório a discussão acerca da educação justa, humana e
democrática assume prioridade nas políticas públicas de educação, em atenção a um
longo período histórico de injustiça social e exclusão trilhado pelas pessoas com
deficiência, considerando que o direito ao acesso e permanência na escola, como nas
demais instâncias da sociedade, vem sendo obstado historicamente.
A afirmativa de Costa nos instiga a considerar que, se por um lado os tempos se
apresentam propícios a discussões sobre os direitos das referidas minorias, dentre elas as
pessoas com deficiência, o trajeto histórico vivenciado pelas mesmas não pode ser esquecido,
pois o passado é constitutivo de nossa essência e a reflexão sobre o mesmo é essencial à que a
contemporaneidade não se renda a inconsistências anteriormente vivenciadas. Nesse sentido,
Adorno (2006, p. 32) adverte “(...) o terrível passado real é convertido em algo inocente que
existe meramente na imaginação daqueles que se sentem afetados dessa forma”.
Aportando-nos nas reflexões propostas por Adorno e Costa, o resgate histórico das
políticas públicas de educação que se fizeram no Brasil, ao longo dos últimos trinta anos,
permite refletir a respeito de como os marcos legais e políticos se configuraram, em
decorrência de sua concretização pelos sistemas de ensino (federal, estadual e municipal), e de
ações em âmbito educacional, impulsionando elaboração e desenvolvimento de propostas
pedagógicas que visem assegurar condições de acesso e participação da totalidade dos alunos
à escola.
Constata-se que embora necessárias, as leis por si próprias não garantem ações, se
não se fazem socialmente significativas para a afirmação do reconhecimento do indivíduo no
que o identifica e diferencia dos demais: a humanidade.
Se a educação não se faz para tal percepção e para a possibilidade da emancipação do
homem em suas diversas vertentes e possibilidades humanas, para o que se fará? Essa
constatação levou Becker (apud Adorno, 2006, p. 179) a muito propriamente indicar o quão
pouco se é educado para o pensar emancipado:
Evidentemente a isto corresponde uma instituição escolar em cuja estruturação não
se perpetuem as desigualdades específicas das classes, mas que, partindo cedo de
uma superação das barreiras classistas das crianças, torna praticamente possível o
desenvolvimento em direção à emancipação, mediante uma motivação do
aprendizado baseada numa oferta diversificada ao extremo.
Com base no pensamento de Becker, ressalta-se que em que se pesem os desafios
26
presentes no cotidiano da escola, não é possível se furtar à discussão da relação entre escola e
sociedade, e o papel transformador da educação com vistas ao rompimento com estruturas
sociais excludentes.
Nesse sentido, Costa (2011b, p. 69) defende que a experiência de convivência com a
diversidade humana em ambiente escolar torna-se essencial para que a ‘escola não se
constitua espaço de negação humana imposto pela lógica maniqueísta da sociedade’, uma vez
que:
Na tentativa de combater as diversas formas que a violência se configura no âmbito
escolar, é necessária a experiência com os alunos que apresentem diferenças
significativas. Sendo assim, o professor se permitirá na escola conhecer a
diversidade dos alunos ao compartilhar experiências nas salas de aula e,
consequentemente, ter a possibilidade de desenvolver a consciência crítica sobre as
contradições das relações sociais humanas.
A afirmativa de Costa faz-nos considerar que há uma expectativa, por parte da
sociedade, que a escola pública, portanto, considerada democrática, permita-se a experiência
da educação inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais, estando no bojo
dessa experiência a análise crítico-reflexiva das condições sócio-históricas que ainda obstam a
educação nessa perspectiva, ou seja, inclusiva.
Assim, o exposto até aqui visa problematizar as políticas públicas de educação
especial na perspectiva inclusiva, implementadas na rede pública municipal de ensino de
Petrópolis/RJ, considerando as tensões político-administrativas e práticas docentes no
atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos incluídos no cotidiano das salas
de aula da escola pública. Portanto, as questões deste estudo são:
1. Quais as contribuições das atuais políticas públicas de educação especial na
perspectiva inclusiva no que se refere à formação de professores?
2. Quais as contribuições das políticas públicas de educação especial na perspectiva
inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da acessibilidade
arquitetônica na escola pública?
3. Como se articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades
educacionais especiais no cotidiano da sala de aula?
4. Quais os impactos do Atendimento Educacional Especializado/AEE na Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais na escola pública?
27
Considerando-se as questões propostas, a busca de compreensão de ações em âmbito
municipal permite-nos conceber o micropolítico como recorte de uma dada realidade, em cujo
espaço se encontra instituída a dimensão macropolítica. Porém, na aproximação ao
micropolítico, torna-se possível o tensionamento entre a singularidade das manifestações aí
observadas, em contraposição às tendências mais amplas do macropolítico. Assim sendo, tem-
se como objetivos deste estudo:
1. Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para
alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino
de Petrópolis, RJ;
2. Avaliar a atuação da Escola Municipal São Judas Tadeu quanto à implementação da
educação inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos
professores das classes regulares e dos professores que oferecem o Atendimento
Educacional Especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs.
Tendo como prioridade a problematização das políticas públicas de educação e a
articulação entre as práticas docentes entre professores de classes regulares e das SRMs com
AEE, busca-se, com este estudo, a aproximação aos tensionamentos subjacentes ao
atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, considerando-se as
peculiaridades da rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ, na expectativa de
contribuir para que a educação seja dialeticamente exercida em seu potencial transformador
social.
28
CAPÍTULO 1
Aquele que pensa, opõe resistência;
é mais cômodo seguir a correnteza, ainda
que declarando estar contra a correnteza.
(Adorno, 2006)
Educação à luz da Teoria Crítica da Sociedade: reflexões sobre a inclusão escolar
Neste capítulo são discutidas questões sobre a educação em uma perspectiva crítica e
reflexiva, considerando-se que escola que inclui é aquela que acolhe e garante o espaço de
aprendizagem e de crescimento à diversidade de seu alunado.
Remetendo-nos à afirmativa de Adorno (1995, p. 208) de que “Aquele que pensa,
opõe resistência; é mais cômodo seguir a correnteza, ainda que declarando estar contra a
correnteza”, cumpre-nos questionar: como criar condições propícias ao pensar dialeticamente
na escola contemporânea? Para que fortalecer subjetividades resistentes às condições
objetivas observadas e, ainda, para que a inclusão nas escolas?
Considerando-se que para Adorno (2006, p. 121), “A Educação tem sentido
unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica”, o objetivo do presente texto
é o de caracterizar a educação na perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade9, contribuindo
com reflexões sobre como se apresenta a relação teoria-práxis como elemento de reprodução
e/ou emancipação dos diferentes indivíduos pela educação.
Cumpre-nos, inicialmente, posicionar qual o sentido da educação sob o prisma da
Teoria Crítica da Sociedade. À pergunta “Educação, para quê?”, Adorno (id. p. 139),
redimensiona o questionamento ao buscar refletir sobre “para onde a educação deve
conduzir”, concluindo que essencialmente para a produção de uma “consciência verdadeira”
(ibid. p. 141):
A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de
educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não
temos o direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera
transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que
destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira.
9 Maar (2003, p. 459–476), esclarece que sob a perspectiva de Adorno, o foco da Teoria Crítica da Sociedade
baseia-se na decifração crítica do presente já realizado e se realizando, no processo de reprodução apreendido
como construção material-histórica determinada em sua forma social, num contexto de continuidade. A cultura
tematizada no presente já não seria apreendida como ideal emancipadora, mas real conservadora ou “afirmativa”.
Como resultado, legitimaria a sociedade imperante, que reconstrói como cópia ordenada de modo estritamente
afirmativo.
29
Nesse sentido, a educação não é percebida como algo externamente imposto,
tampouco uma metodologia de amalgamento de pessoas, mas a constituição do indivíduo
como resultado de uma interação com a realidade social, com a qual deverá vivenciar relação
dialética que lhe permita movimento constante de reflexão e ação.
Por movimento, tem-se que não basta simplesmente refletir sobre o momento social
presente. Esse momento necessita ser “decifrado” em seus “momentos” constitutivos e
constituintes, também socialmente determinados.
Sob tal ponto de vista, a educação torna-se ação política ao apresentar-se como
abordagem formativa, capaz de contribuir para que o indivíduo se perceba parte de uma
realidade que lhe é externa e à qual se deve adaptar por questão de ajustamento e
sobrevivência. Porém, sem negar o fato de saber-se indivíduo pensante sobre as contradições
sociais da contemporaneidade, obstando-se à identificação cega e passiva com ideologias
dominantes, externamente impostas.
Tem-se, assim, o papel dicotômico e ambíguo da educação: orientar para a adaptação e
visar à emancipação. A esse respeito Adorno (ibid. p. 143), esclarece:
A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não
preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente
questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas
bem ajustadas, em consequência do que a situação existente se impõe precisamente
no que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de educação
para consciência e para a racionalidade uma ambiguidade. Talvez não seja possível
superá-la no existente, mas certamente não podemos nos desviar dela.
Para Adorno, a adaptação não se restringe ao conformismo e à perda da
individualidade em caráter uniformizador. Mas, movimento dialético ante a realidade, de tal
modo que adaptação e resistência se constituam faces de uma única moeda.
O pensamento de Adorno conduz a educação à perspectiva autônoma e emancipatória
do pensar, não nos propondo a negação das condições objetivas e das contradições sociais
existentes. Antes, buscando, pelo livre pensar, o afastamento daquilo que classifica como
“consciência coisificada”, aquela “que se defende em relação a qualquer vir a ser (...),
impondo como sendo absoluto o que existe de um determinado modo.” (ibid, p. 132)
Isto posto, a adesão irrefletida ao coletivo deve ser combatida pela educação ao
contribuir à formação de consciências resistentes à adaptação naquilo que se apresenta como
imposição externa, não apreendida numa relação de experiência dialética do indivíduo com o
objeto de conhecimento.
30
Depreende-se daí, o aspecto mediador da educação proposto pelos pensadores
frankfurtianos, ou seja, a aptidão à realização do nexo com o exterior como experiência
dialeticamente mediatizada, em que a aproximação ao objeto se distancie de padrões
externamente impostos como obstáculos ao emancipado pensar, conforme palavras de Adorno
(ibid, p. 143): “De um certo modo, emancipação significa o mesmo que conscientização,
racionalidade. Mas, a realidade é simultaneamente uma comprovação da realidade, e esta
envolve continuamente um movimento de adaptação”.
Nesse sentido, a escola não é instância neutra frente à realidade social, tampouco por
si só “forma” o indivíduo, visto estar inserida em realidade da qual sofre e em que exerce
influência. Não é apenas local onde se reproduzem interesses, valores, políticas, culturas e
ideologias, mas também pode exercer influência sobre os mesmos. Daí, a dialeticidade entre
adaptação e emancipação.
Não se deve perder de vista que a escola é espaço social e, como tal, inserida na
história da sociedade. Pela educação, devem-se propiciar condições necessárias para que o
indivíduo se constitua, formando-se sob perspectiva autônoma e emancipada para a
identificação e resistência à realidade social histórica que o constitui.
Ao propor que a educação vise à autonomia e à emancipação, Adorno ressalta a
importância da aptidão à experiência, como forma de conscientização e crítica a mecanismos
repressivos, os quais impõem ao homem o indiferenciado, o sempre idêntico, como forma
única de ser e pensar, impostos pela massificação contida na sociedade administrada. A esse
respeito Adorno (ibid, p. 150) afirma:
A constituição da aptidão à experiência consistiria essencialmente na
conscientização e, desta forma, na dissolução desses mecanismos de repressão e
dessas formações reativas que deformam nas próprias pessoas sua aptidão à
experiência.
Neste sentido, a elaboração da aptidão à experiência passaria, inicialmente, pela
conscientização e, consequente, reflexão crítica sobre mecanismos repressivos externos. Tem-
se, então, que o ato de viver a experiência propicia aproximação à realidade objetiva vigente,
a qual resultaria de externamente imposta a dialeticamente vivenciada como pessoal e única.
Sob tal perspectiva, considera-se a intrínseca relação entre teoria e prática, como
Adorno (1995, p. 203) ressalta: “O que, desde então, vale como o problema da práxis, e hoje
novamente se agrava na questão da relação entre teoria e práxis, coincide com a perda de a
experiência a causada pela racionalidade do sempre-igual”.
31
Reitera-se que, de acordo com o pensamento adorniano, em seu sentido mais
profundo, o ato de pensar não se faz isolado da capacidade de experimentar, cabendo à
educação o desenvolvimento de condições propícias para tal, ou seja: “Eu diria que pensar é o
mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor,
a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação.” (id, ibid, p. 151).
Logo, ao se educar para a experiência, educa-se para o pensar e vice-versa, o que instiga o
indivíduo a reconhecimento e análise de questões objetivas materiais que contribuem para a
alienação e uniformização do pensamento, condição inerente à cultura contemporânea.
Portanto, ao remeter-se ao aspecto emancipatório da educação, Adorno não o faz de
modo alienado às condições materiais vigentes, mas tematizado nas condições heterônomas
da formação, inerente à organização social em que vivemos, ao destacar (ibid. p. 181):
(...) isto é, nenhuma pessoa pode existir na sociedade atual realmente conforme suas
próprias determinações; enquanto isto ocorre, a sociedade forma as pessoas
mediante inúmeros canais e instâncias mediadoras, de um tal modo que tudo
absorvem e aceitam nos termos desta configuração heterônoma que se desviou de si
mesma em sua consciência.
De acordo com a perspectiva exposta, sob o ponto de vista contemporâneo não
estamos imunes às influências da formação possível no contexto de uma sociedade assentada
sobre o capitalismo globalizante, historicamente dividida em classes sociais, de caráter
massificador e alienante pela oferta de conteúdos/produtos estandartizados e identitários, a
que Adorno e Horkheimer (2009) identificaram como indústria cultural10
.
A indústria cultural reflete os efeitos estruturais da produção capitalista sobre os
indivíduos, o que implica na afirmativa de que (id, ibid, p. 42): “A indústria cultural
perfidamente realizou o homem como ser genérico. Cada um é aquilo que qualquer outro
pode substituir: coisa fungível: um exemplar”. Nesses termos, ao se articular com a cultura
objetiva, a formação do indivíduo vê-se travada em seu potencial de autonomia, resistência e
contradição, obstada pela adaptação e conformismo, fenômeno a que Adorno classificou
como semiformação.
Diante de tal realidade, para Adorno (2006, p. 183) a emancipação somente se dará
pela educação na medida em “(...) pessoas interessadas orientem toda a sua energia para que a
educação seja uma educação para a contradição e para a resistência”.
10
Indústria Cultural – conceito apresentado anteriormente.
32
Saliente-se que educar para a resistência e a contradição não implica em afastamento
ante o objeto do conhecimento. Mas, em aproximação ao mesmo para que, pela experiência
vivida, tanto sob o aspecto objetivo, relativo a causas e consequências, quanto no que se
refere à subjetividade, relacionada a valores inerentes à constituição individual do indivíduo,
se possibilite a percepção e análise capazes de despertar “(...) a consciência quanto a que os
homens são enganados de modo permanente, pois hoje em dia, o mecanismo da ausência de
emancipação é o mundus vult decipi11
em âmbito planetário, de que o mundo quer ser
enganado.” (id, ibid, p. 183)
Sob tal prisma, o tema da educação vincula-se à Teoria Crítica da Sociedade na
tentativa de, ao conceber o indivíduo como resultado de uma interação com a realidade social,
buscar mecanismos de fortalecimento para a produção de consciências autônomas e críticas a
elementos culturais propostos, que se contraponham ao caráter civilizatório da sociedade.
Assim, frente à afirmativa de Adorno (1995, p. 204) “Dever-se-ia formar uma
consciência de teoria e práxis que não separasse ambas” e ainda de que “Pensar é um agir,
teoria é uma forma de práxis”, a presença do pensamento crítico na escola contribui para outra
referência a seus processos internos de conhecimentos, ao estabelecer novo vínculo com as
necessidades da sociedade.
Nesse sentido, a teoria não atuaria somente como coletora de dados da realidade
externa, mas como instância comprometida a alimentar a práxis em seu papel de
envolvimento concreto e relação direta com a sociedade, por meio de auto-reflexão crítica,
conforme afirmativa de Adorno (ibid, p. 202): “A análise da ação não se esgota na adaptação
a esta. Enquanto reflete sobre ela, põe em relevo momentos que podem conduzir para além
das coações, da situação tal qual se apresenta. Isto assume incalculável relevância para a
relação entre teoria e práxis”. O conhecimento da sociedade que se dá por meio da
autorreflexão, produz saber que não se fecha em si mesmo, questionando a objetividade
vigente, razão pela qual a teoria se transforma em força produtiva e prática, impulsionadora
de ações para a transformação, o que demanda à educação a constituição de subjetividades
sensíveis ao reconhecimento e análise do tecido social em que se inserem.
Como exemplo do compromisso que recai sobre a educação como até então analisado,
remetendo-se ao massacre de judeus ocorrido em Auschwitz durante a 2ª Guerra Mundial,
Adorno afirma o perigo de uma regressão do homem à barbárie por adesão cega ao caráter
11
Grifos do autor. Mundus vult decipi (latim) – O mundo quer ser enganado. Citação atribuída a Petrônio,
escritor romano, em latim Titus Petronius (27-66 d.C.).
33
anticivilizatório da produção capitalista sobre a formação dos indivíduos nas modernas
sociedades de consumo. Para o autor (2006, p. 119), um dos fundamentais desafios postos à
educação contemporânea constitui em que: “A exigência de que Auschwitz não se repita é a
primeira de todas para a educação. (...) Qualquer debate acerca de metas educacionais carece
de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”.
Isto posto, Adorno conduz à reflexão sobre quão limitada é a possibilidade de se
mudar pressupostos de cunho objetivo (sociais e políticos), afirmando a necessidade de
constituição de subjetividades esclarecidas, que se contraponham à corrente da formação
massificada de seres heterônomos e idênticos no pensar, em prol de consciências capazes de
falar “com a própria boca”. A esse respeito Adorno (ibid, p. 121) enfatiza:
É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais
atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se
tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma
consciência geral acerca desses mecanismos. [...] É necessário contrapor-se a uma
tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados
sem refletir a respeito de si próprias
Ou seja, ao reforçar a necessidade do desvelamento de mecanismos de opressão para
que, pelo despertar da consciência não mais se reproduzam, Adorno instiga à reflexão sobre o
tempo social como espaço de formação humana, o que nos permite refletir sobre o tempo-
espaço da escola como lócus privilegiado para o tensionamento e problematização das
questões sociais.
Cabe ressaltar que, ao embasar nossas reflexões sobre a concepção de educação na
perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade, não a temos como panaceia ou descoberta
inovadora para todos os males que afligem a educação e, consequentemente, a demanda pela
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola contemporânea.
É fato que a escola não tem o poder de determinar o tipo de sociedade em que
vivemos, todavia, nem por isso pode menosprezar a importância da apropriação de valores e
hábitos que favoreçam condutas democráticas ao indivíduo, o que se concretiza na promoção
de ambientes receptivos à convivência com a diversidade intrínseca ao indivíduo em sua
humanidade.
Embora reconhecendo não ser a escola o lócus exclusivo para a ocorrência de
mudanças sociais pela desalienação de consciências, em contrapartida, a autorreflexão crítica
não se faz sem a constituição de um indivíduo epistêmico, capaz de tomada de consciência
sobre o caráter desumanizante da racionalidade imposta, contrapondo-se à adesão alienada à
34
indústria cultural indutora de consciências ‘semiformadas’ pelo conformismo e adaptação.
Daí a importância da educação que atinja os indivíduos, com e sem deficiência.
A proposta que se busca é de percepção da educação em seu caráter dialético e crítico,
o que não se concretiza por meio da negação total do existente, tampouco pela aceitação
irrestrita da realidade, mas assumindo papel de resistência às formas como a racionalidade
social é apresentada e às intencionalidades subjacentes à manutenção de estruturas de
dominação vigentes.
Nesse sentido, este estudo assume, como um de seus objetivos, a perspectiva de que o
desenvolvimento da consciência crítica se faz pelo conhecimento, análise e ação sobre a
realidade. Assim, entende-se como sendo possível sua contribuição para a percepção de como
se articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos
alunos no cotidiano da sala de aula na escola pública.
35
CAPÍTULO 2
A pergunta ‘O que significa elaborar o passado’ requer esclarecimentos.
(Adorno, 2006)
A Sociedade Brasileira: Marcos legais inclusivos presentes em sua organização a partir
dos anos de 1960
Este capítulo discute a legislação brasileira que contempla a pessoa com deficiência,
mais especificamente a que se refere à inclusão educacional a partir dos anos de 1960,
identificando em cada época as experiências vivenciadas, pois no pensamento de Adorno
(2006, p. 48) “A elaboração do passado como esclarecimento é essencialmente uma tal
inflexão em direção ao sujeito, reforçando a sua autoconsciência e, por esta via, também o seu
eu”.
Embora ciente da importância do resgate do passado para a percepção do presente, não
nos propusemos à historicização da trajetória e do reconhecimento da deficiência ao longo da
História da Humanidade, uma vez reconhecermos que estudos como os de Damasceno (2006,
2010) e Prado (2010)12
, dentre outros, apresentam e referenciam qualitativamente o assunto.
Na discussão e análise sobre o passado e seus impactos sobre o presente, no âmbito
dos limites deste estudo, temos o apoio do pensamento de Adorno (2006), como também são
considerados estudiosos da área da educação especial, como Mazzota (2003), Mantoan (1993,
2008), Januzzi (2004), Kassar (2994, 1998), Crochík (2011, 1995), Mészaros (2010) e outros.
Isto posto, propusemo-nos a resgate de um “passado recente”, cotejando com
elementos inerentes à histórica construção cultural de que somos frutos.
Nesse sentido, Adorno (2006, p. 29) esclarece sobre o resgate do passado como
processo de desvelamento e clarificação de consciência, ao afirmar:
A pergunta ‘O que significa elaborar o passado’ requer esclarecimentos. Ela foi
formulada a partir de um chavão que ultimamente se tornou bastante suspeito. Nesta
formulação, a elaboração do passado não significa elaborá-lo a sério, rompendo seu
encanto por meio de uma consciência clara. Mas, o que se pretende, ao contrário, é
encerrar a questão do passado, se possível inclusive riscando-o da memória.
12
Trata-se de produções recentemente apresentadas na Universidade Federal Fluminense, como dissertações de
Mestrado por Damasceno (2006) e Prado (2010), e tese de doutoramento defendida por Damasceno em 2010.
36
Para tal, contextualizar as questões sociais é essencial, uma vez ser o homem parte da
percepção de um fazer em constante movimento, de uma rede de interações que se
(re)constroem intrinsecamente ligadas à essência que as constitui. Assim sendo, mudanças
conceituais serão possíveis somente a partir do processo de elaboração e internalização de
novos fazeres, capazes de romper com concepções histórica e culturalmente instituídas.
Logo, o resgate do passado, numa perspectiva crítica, reveste-se de esclarecimentos,
com vistas ao enfrentamento e superação dos fatores reprodutores e mantenedores do status
quo reinante, sobre o que buscamos refletir ao longo do capítulo que segue.
2.1 Dos anos de 1960 ao limiar de um novo Século
Segundo Mazzotta (2003, p. 27), a evolução da Educação Especial no Brasil pode ser
subdividida em dois períodos distintos: de 1854 a 1956 (iniciativas oficiais e particulares) e de
1957 a 1993 (iniciativas oficiais de âmbito nacional). O autor reitera (op. cit., p. 31) que,
conforme cadastro do CENESP/MEC:
Na primeira metade do século XX, portanto, até 1950, havia quarenta
estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo poder público, sendo um Federal e
os demais estaduais destinados ao atendimento escolar especial a deficientes
mentais, 14 estabelecimentos de ensino regular, dos quais um Federal, nove
estaduais e quatro particulares que atendiam alunos com outras deficiências, além de
3 instituições especializadas (uma estadual e duas particulares) no atendimento de
deficientes mentais e outras 8 (três estaduais e cinco particulares) na educação de
outros deficientes.
O segundo período apontado pelo autor (ibid., p. 49), o governo federal explicitamente
assume a condução do atendimento educacional aos excepcionais, destacando-se,
inicialmente, as Campanhas voltadas para este fim.
A primeira a ser instituída foi a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro –
CESB –, pelo Decreto Federal n° 42.728, de 03 de dezembro de 1957, instalada no Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES, no Rio de Janeiro, tinha por “finalidade promover,
por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à educação e assistência, no mais
amplo sentido, em todo o Território Nacional”. Seguiram-se a essa a Campanha Nacional de
Educação de Cegos – CNEC – Decreto n° 48.252, de 31 de maio de 1960 e a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME – a Decreto n°
48.961, de 22 de setembro de 1960, ambas subordinadas ao Gabinete do Ministro da
37
Educação e Cultura.
Com a instituição da CADEME, cria-se um “Fundo Especial”, constituído por
dotações e contribuições previstas nos orçamentos da União, Estados e Municípios, e de
entidades paraestatais de economia mista, donativos, contribuições de entidades públicas e
privadas, além de dotações orçamentárias relativas a serviços educativos, culturais e de
reabilitação, primeira iniciativa concreta de legitimação de aporte financeiro ao
desenvolvimento da educação especial.
Certamente, as iniciativas acima, somadas a pressões advindas de organizações
filantrópicas capitaneadas pela APAE e Pestalozzi, contribuíram para que a Lei de Diretrizes
e Bases – LDB nº 4024/1961, se constituísse como um marco representativo para a educação
especial assumindo o compromisso do poder público para com tal segmento, no momento em
que ocorria um acentuado aumento de escolas públicas no país. Tal Lei garantiu o direito de
“alunos excepcionais” à educação, estabelecendo em seu Artigo 88 que para integrá-los na
comunidade esses alunos deveriam enquadrar-se, dentro do possível, no sistema geral de
educação. Entende-se que nesse sistema geral estariam incluídos tanto os serviços
educacionais comuns como os especiais, mas pode-se também compreender que, quando a
educação de deficientes não se enquadrasse no sistema geral, deveria constituir-se um
especial, tornando-se um subsistema à margem.
Colocando a educação dos “excepcionais” como título –X – dois são os artigos assim
apresentados:
Art. 88. A educação de excepcionais deve no que for possível, enquadrar-se no
sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade.
Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de
educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos
tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções.
Não restam dúvidas do importante passo dado na direção da afirmação da
peculiaridade da educação para pessoas com deficiência no sistema regular de ensino,
objetivando a integração de tais sujeitos na escola, ainda que em classes especiais; no entanto,
faz-se importante a percepção de aspecto dúbio percebido no Artigo 88, ao se utilizar a
expressão “no que for possível”. Dentro de tal contexto, ficam-nos as possibilidades: a
educação dos excepcionais deve ocorrer com a utilização dos mesmos recursos educacionais
utilizados para os demais alunos (Mazzotta, op., cit.), ou ainda, podendo-se realizar em
sentido específico, quando aquela situação não for possível. Entretanto, como
interpretaríamos o “sistema geral de educação”? Em um sentido genérico – envolvendo
38
situações e condições variáveis – ou sob uma perspectiva universal, referindo-se à totalidade
de situações?
A falta de clareza observada no artigo em questão permite que interpretações se
configurem em diferenciadas direções, não se estabelecendo claramente as intencionalidades
aí colocadas. A que objetivos estaria, pois, servindo?
Mantoan (1993)13
remete-nos ao conceito de “integração” que permeou as políticas
para a educação especial dos anos de 1960 e 197014
, em caráter tipicamente normalizador:
A normalização visa tornar acessíveis aas pessoas socialmente desvalorizadas
condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao
conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade: implica a adoção de um novo
paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de
medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação.
Integrar-se no mainstreaming, ou seja, na “corrente principal” é fazer parte do
alunado escolar, ou seja, ter acesso à educação. Pela integração escolar, o aluno tem
acesso às escolas através de um leque de possibilidades educacionais, que vai da
inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino em escolas especiais.
Ao retomar tal conceito, a autora aponta para processo que se traduz por uma estrutura
educacional intitulada “sistema de cascata”, o qual oferece ao alunado a oportunidade, em
todas as etapas da integração, de transitar no sistema escolar da classe regular ao ensino
especial. Trata-se, pois, de uma inserção parcial, uma vez a “cascata” prever serviços
segregados.
O Artigo 89 da Lei em foco apresenta o compromisso explícito dos Poderes Públicos
em apoiar as organizações não governamentais, através de bolsas de estudos, empréstimos e
subvenções, a prestarem serviços educacionais às pessoas com deficiência, claramente nos
apontando para uma transposição de responsabilidades do público para o privado,
notadamente reconhecida ao longo do processo de atendimento às pessoas com deficiência
nas escolas, como bem colocado por Mazzota (2003, p. 69), referindo-se a tal artigo: “Aqui a
mesma velha questão da destinação das verbas públicas para a educação, comum ou especial,
agravada pela indefinição da natureza do atendimento educacional”.
13
Mimeo. Universidade Estadual de Campinas – Departamento de Metodologia de Ensino – Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED/UNICAMP – Agosto de 1993. 14
O conceito de integração tem origem no princípio ideológico e filosófico da normalização, criado na
Dinamarca por Bank-Mikel Kelsen (l959) e amplamente adotado na Suécia, em l969. Esse conceito defendia,
para as crianças com deficiências, modos de vida e condições iguais ou parecidas com as dos demais membros
da sociedade. A ideia da normalização, como foi proposta, subentendia não tornar o indivíduo “normal”, mas
torná-lo capaz de participar da corrente natural da vida, inclusive da escola. Surge, daí, o princípio de oferecer
condições e oportunidades iguais do ponto de vista educacional, e atividades sociais mais amplas, o que, na
década de 70, nos EUA e em outros países, era denominado mainstreaming, que significa integrar as pessoas
com deficiências à corrente principal da vida. MEC/SEESP, 2006.
39
Com isso, alimenta-se o caráter de ‘naturalidade’ com que as instituições privadas se
apresentam como lócus privilegiado de atendimento à educação especial, com lugar garantido
no discurso oficial (Kassar, 1999) chegando mesmo a confundir-se com o próprio
atendimento público aos olhos da população, pela suposta “gratuidade” dos serviços
prestados.
Considerando-se a escola como espaço social em que concepções se apresentam quer
de modo revelado, quer de maneira latente, não nos restam dúvidas de que seria ingênuo
negar a percepção do caráter excludente da educação brasileira no tocante à pessoa com
deficiência quando da análise da Lei em questão, ressaltando-se não haver na mesma aspectos
relativos a ajustes nas escolas seja do ponto de vista estrutural, seja do ponto de vista da
formação de material humano ou de investimentos pedagógicos para tal.
Outro interessante aspecto apresentado por essa Lei, diz respeito àquele contido no
Artigo 30, que em uma nítida oscilação legal entre o reconhecimento do alunado com
deficiência e aquele proveniente das camadas mais baixas da população aponta para a
proibição de ocupar emprego público o pai ou responsável por criança em idade escolar sem
provar a sua matrícula, havendo, no entanto, isenção em caso de comprovação de pobreza do
pai, insuficiência de escolas, matrícula encerrada ou doença e anomalia grave (itens a e b).
Qual seria o espaço oferecido ao indivíduo com deficiência na escola dos anos de
1960, se até mesmo a concepção de deficiência se fazia confusa e imbricada com a de pobreza
e privação social?
Adorno (2006, p. 116) afirma que “A chave da transformação decisiva reside na
sociedade e em sua relação com a escola”. Nesse sentido, para falarmos em escola inclusiva,
faz-se necessário o reconhecimento da necessidade de questionamento sobre posturas e
práticas pedagógicas, sobre a garantia do direito à diferença não como algo negativo e em
alguns depositados, mas sim como marca daquilo que é parte inerente a todos e a cada um em
sua humanidade, aspectos não observados no texto da Lei nº 4.024/1961.
No tocante à LDB 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa as diretrizes e bases para o
ensino de 1º e 2º graus, em apenas um artigo, o de nº 9, faz referência à educação especial,
ressaltando o “compromisso” dos Conselhos Estaduais de Educação com a garantia da
escolarização de alunos com necessidades especiais de aprendizagem, uma vez observar que:
Art. 9º Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se
encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas
pelos competentes Conselhos de Educação.
40
Destacando-se a importância de tal posicionamento legal, o qual de modo latente
aponta para direção inclusiva no tocante à inserção de pessoas com deficiência na escola dita
regular, do discurso à prática forças se entrecruzam, fruto de visões contraditórias de cunho
social e econômico latentes à época, para o que Kassar (1999, p. 31) chama a atenção:
Por outro lado, a identificação da clientela da educação especial com “os problemas
de aprendizagem” e “social”, surgida com o ingresso da população economicamente
menos favorecida à escola com a expansão da rede pública, reitera a posição de
descaso do serviço público em relação à educação da população mais comprometida.
Nesse sentido, a autora salienta a necessidade de reflexão sobre quais critérios se
fariam subjacentes ao estabelecimento de tal população, bem como em que parâmetros
estariam os mesmos aportados e para quais direções realmente apontariam: para aquelas
capazes de promoção humana ou o rumo indicado se justificaria única e tão somente como
manutenção de uma perspectiva pouco emancipadora em cumprimento a indicadores de
ordem político-econômicos?
Ao se colocar sob uma só perspectiva os alunos tidos como “atrasados”, com aqueles
apontados como “deficientes” o risco que se corre é de homogeneização e negação das
diferenças. Fato é que ao longo de anos a realidade encontrada nas escolas brasileiras era de
classes especiais superlotadas de alunos em defasagem idade-série, recaindo sobre os
mesmos a responsabilidade pelo seu (ou da escola?) fracasso.
Observações feitas por Jannuzzi (2004, p.58) remetendo-se a trabalho do pesquisador
Binet15
com alunos de escolas públicas francesas, realizado ao final do século XIX e início do
século XX contribuem para a reflexão proposta, uma vez observar que:
Não se cogitou que a semelhança de conteúdos escolares com os padrões das
camadas mais favorecidas implicaria melhor e mais rápida assimilação por suas
crianças. E que a possível segregação, sob esses parâmetros, poderia taxar como
retardados os de níveis diferentes de conhecimento, em função de proveniência de
camadas menos favorecidas.
Se nos pautamos em uma educação que aponte para a promoção e emancipação,
desnecessário seria o ato de classificar e separar, considerando-se o direito de todos a tudo o
que o venha a constituir em sua humanidade. Adorno (2006) alerta para os perigos da
15
Alfred Binet (8 de julho de 1857, Nice - 28 de outubro de 1911, Paris) foi um pedagogo e psicólogo francês.
Ficou conhecido por sua contribuição à psicometria, a saber, foi o inventor do primeiro teste de inteligência, a
base dos atuais testes de QI.
41
“consciência coisificada”, aquela que se mantém restrita a si mesma, alimentando-se de sua
fraqueza, o que encontra eco em Freire (2009) ao nos falar da existência da “consciência
intransitivada”, reflexo de um quase incompromisso entre o homem e sua existência.
Ao nos voltarmos para tal momento da educação no Brasil, faz-se necessária a
reflexão sobre os aspectos então subjacentes, aqueles instituídos pelo caráter “modernizador”
do país e apresentado como um dos carros-chefes do regime ditatorial, como explicitado por
Romanelli (1978, p.196): “Se o significado da educação como fator de desenvolvimento foi
percebido desde o início da implantação do novo regime, isso não foi demonstrado, pelo
menos em toda a sua plenitude, senão a começar de 1968”. Fica-nos a pergunta: a quem ou a
quê estaria servindo a dita “inclusão” de alunos na escola regular?
Importante ressaltar que, quando da vigência da Lei nº 5.692/1971, dá-se a criação,
pelo então Presidente Emílio Garrastazu Médici, do Centro Nacional de Educação Especial –
CENESP – através do Decreto nº 72.425, em 03 de julho de 1973, órgão ligado ao Ministério
da Educação e Cultura, tendo por finalidade “promover, em todo o território nacional, a
expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais”. Tal ação foi resultado da formação de
um Grupo-Tarefa de Educação Especial, constituído pela Portaria de 25 de maio de 1972, que
elaborou o Projeto Prioritário n.º 35, incluído no Plano Setorial de Educação e Cultura
1972/1974. Fez parte do trabalho a vinda ao Brasil do especialista em educação especial, o
norte-americano James Gallagher, responsável pelo Relatório de Planejamento para o Grupo-
Tarefa de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, o qual
apresentava propostas para a estruturação da educação especial para promover, em todo o
território nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais.
Até então sediado no Rio de Janeiro, o CENESP foi substituído pela Secretaria de
Educação Especial – SESPE – por meio do Decreto n° 93.613, de 21 de dezembro de 1986,
passando a integrar a estrutura básica do Ministério da Educação e Cultura, como órgão
central de direção superior, em Brasília. Ainda em 1986, pelo Decreto n° 93.481, de 29 de
outubro, o Presidente José Sarney instituiu, no Gabinete Civil da Presidência da República, a
Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE – como órgão
com autonomia administrativa e financeira e com destinação de recursos orçamentários
específicos.
Em 15 de março de 1990, com a reestruturação do Ministério da Educação, a SESPE
foi extinta e suas atribuições passaram a ser da Secretaria Nacional de Educação Básica –
SENEB. Ao final de 1992, após o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello,
42
procedeu-se a uma nova reorganização ministerial tendo sido recriada, em a Secretaria de
Educação Especial – SEESP – como órgão específico do Ministério da Educação.
A SEESP solidifica-se como Secretaria vinculada ao MEC, ao longo de dezessete anos
de existência – de 1993 a 2010 – constituindo-se órgão orientador e normatizado da educação
especial em todo o Território Nacional, cabendo-lhe o direcionamento, gerenciamento e
controle de ações, projetos e verbas voltados ao atendimento de alunos com necessidades
educacionais especiais.
Perpassando três diferentes mandatos governamentais, a SEESP foi substituída em
2011 pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade – SECADI –
instituída através do Decreto nº 7.480 de 16 de maio. À nova Secretaria atribuem-se
responsabilidades não mais somente para a educação especial, competindo à mesma, dentre
outros, planejar, orientar e coordenar, em articulação com os sistemas de ensino, a
implementação de políticas para a alfabetização, a educação de jovens e adultos, a educação
do campo, a educação escolar indígena, a educação em áreas remanescentes de quilombos, a
educação em direitos humanos, a educação ambiental e a educação especial (Art. 22, I).
Não nos fica claro se tal ação contribuirá positivamente para o reconhecimento e
posicionamento da educação especial como parte integrante de um Sistema de Ensino
Nacional ou se a mesma ainda se encontra percebida sob perspectiva marginal em busca de
espaço que lhe caiba.
Retomando-se a trajetória proposta no capítulo, constata-se que com o fim da ditadura
militar e a abertura política ocorrida no país a partir dos anos de 1980, novos ares pairam
sobre o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, com reflexos em seu
processo de escolarização.
O ano de 1981 chega trazendo consigo o compromisso de ser o Ano Internacional da
Pessoa Deficiente. Assim, motivaram-se debates que levassem a sociedade a refletir,
organizar-se e estabelecer metas e objetivos que possibilitassem ações significativas no
tocante ao atendimento ao deficiente. Talvez por influência deste movimento, os anos de 1980
e 1990 tornam-se fecundos em iniciativas públicas voltadas a garantir ações concretas para a
pessoa com deficiência.
O movimento de atenção às minorias historicamente excluídas encontra eco quando da
promulgação da Constituição de 1988, que em seu Artigo 3º, prevê “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação” reconhecendo o crescimento pela demanda de uma sociedade inclusiva e
43
culturalmente contrária à exclusão e/ou discriminação,
Legalmente instituído no Artigo 208, de nossa Constituição que prevê “o atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de
ensino”, longo é o caminho a ser percorrido para a concretização de tal preceito.
Diversos movimentos internacionais então se apresentam e legitimam como políticas
voltadas às minorias, com contribuições para avanços no tocante a redimensionamento de
concepções sobre a deficiência.
Em 1990, a Lei nº 8.069, promulgada a 13 de julho, dispõe sobre O Estatuto da
Criança e do Adolescente. Entre outras determinações, tal Estatuto estabelece, no § 1º do
Artigo 2: “A criança e adolescentes portadores de deficiências receberão atendimento
especializado”; em seu Art. 3, que “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-lhes por lei, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade” O ordenamento do Artigo 5 é contundente: “Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos direitos fundamentais”.
No que se refere à educação, o ECA estabelece, em seu Artigo 53 (p. 38, 39), que “a
criança e o adolescente têm direito à educação, visando pleno desenvolvimento de sua pessoa,
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”, assegurando:
I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. Direito de ser respeitado por seus educadores;
III. Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
O Artigo 54 (p.39) diz que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente”:
I. Ensino fundamental obrigatório gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria;
II. Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
III. Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV. Atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
A Lei nº 7.853/1989 dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração
social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais.
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos/UNESCO, Jomtien,
44
Tailândia/1990, propõe a constituição de um sistema educacional inclusivo, pelo qual o Brasil
fez opção.
Ao assumir tal compromisso, o Brasil determinou-se à profunda transformação em seu
sistema educacional, de forma a poder acolher a todos, indiscriminadamente, com qualidade e
igualdade de condições16
:
ARTIGO 1: satisfazer as necessidades básicas de Aprendizagem
1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveita as
oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de
aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais
para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a
solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como
conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres
humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e
trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a
qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A
amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las
variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer
do tempo.
Outro importante documento dessa década foi a Declaração de Salamanca e suas
Linhas de Ação, Espanha/1994 – Conferência Mundial sobre necessidades educativas
especiais: Acesso e qualidade (ONU, 1994), com a qual o Brasil se compromete e tem como
princípio fundamental “(...) de que as escolas devem acolher todas as crianças
independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou
outras” (p.17)17
afirmando-se ainda que (p. 10):
As pessoas com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas
comuns que deverão integrá-las em uma pedagogia centralizada na criança, capaz de
atender a essas necessidades; Adotar com força de lei ou como política, o princípio
da educação integrada que permita a matrícula de todas as crianças em escolas
comuns (...).
Não restam dúvidas sobre a influência de concepções inerentes a tais documentos
sobre a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 de 1996, que dedica
o Capítulo V à Educação Especial, com três artigos voltados à mesma, os de número 58, 59 e
60.
Em seu Artigo inicial, de nº 58, apresenta a educação especial como modalidade da
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino. Assim percebida,
16
In: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. BRASIL, MEC- SEESP, 2004. 17
ONU, 1994.
45
coloca-se a mesma em uma perspectiva transversal aos diferentes níveis de ensino, importante
conquista na medida em que reafirma a escola regular como lócus de direito para a pessoa
com deficiência.
Diferentemente das Leis anteriores, observa-se atenção a aspectos voltados a serviço
de apoio especializado na escola regular e à oferta de educação especial também para a faixa
etária de zero a seis anos, o que se apresenta como avanço nos parágrafos 1º e 3º do dito
Artigo:
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,
para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 3º. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na
faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
Entretanto, abre-se o espaço para o encaminhamento de alunos para classes, escolas ou
serviços especializados, em “função de condições específicas” que se apresentem como
dificultadoras de sua inclusão na escola regular, conforme observado no parágrafo 2º:
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
Nessa perspectiva, observa-se a existência de certo “conflito” de intenções. Se por um
lado há elementos indicativos de suporte à inclusão, por outro se aparenta certo “descrédito”
no tocante a tal posicionamento.
O Artigo 59 volta-se para a parte organizacional da educação especial, a partir dos
seguintes elementos: i) assegurar aos alunos currículo, método, recursos e organização
específicos para atender às suas necessidades; ii) promover a aceleração de estudos para os
superdotados e a possibilidade de terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível
específico para a conclusão do ensino fundamental; iii) assegurar a existência de docentes
com formação para atendimento educacional especializado, bem como a professores das
turmas regulares devidamente capacitados para atuação junto a tais alunos; iv) educação para
o trabalho, garantindo acesso não só para os que revelem habilidades superiores em áreas
diversas, como também para os que se apresentem em desvantagem frente a caráter
competitivo do mercado de trabalho; v) acesso igualitário a benefícios de programas sociais
complementares oferecidos aos demais alunos, como transporte, merenda e material didático
dentre outros.
Não se pode negar o importante avanço que se faz, quando da apresentação de tal Lei,
46
pois pela vez primeira a educação especial é percebida em seu caráter transversal, ressaltando-
se direcionamentos e normatizações.
Reconhecendo-se que ao longo de sua história a educação especial se constitui
amplamente amparada por instituições sem fins lucrativos, certo é que todo um processo
cultural se desenvolveu e institui, de modo a resguardar a legitimidade de tal ação, o que se
faz explícito no Artigo 60 do dito capítulo, ao afirmar-se que:
Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de
caracterização das instituições sem fins lucrativos, especializadas e com atuação
exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder
público.
Embora se evidenciem dificuldades de o Poder Público assumir integralmente o
atendimento a alunos com deficiência nas escolas brasileiras, o aspecto ligado à construção
cultural e histórica contribuem para o lentidão na consolidação de Política Públicas na área,
no que Kassar (2004, p.51), afirma:
Do sancionamento da LDB de 1961 ao sancionamento da atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996, ocorreu a ampliação dos serviços
de educação especial em todo o país, tanto no setor público, quanto no privado. Esse
crescimento deu-se de modo característico, sendo que o setor privado expandiu-se,
vindo a atender à população com comprometimentos mais severos, por meio dos
serviços oferecidos em instituições especializadas assistenciais. Já o crescimento do
atendimento pelo poder público ocorreu por meio de classes especiais ou salas de
recursos, reservadas à população “menos comprometida.
Para além de imposições legais, o projeto de construção de uma “escola inclusiva” faz-
se ligado ao projeto de homem e de sociedade então subjacentes. Para que a escola possa
cumprir seu papel de instância crítica da realidade e da formação de agentes dela
transformadores, há que buscar ideias de construção de um espaço inclusivo, o qual se refere,
na realidade, a um movimento muito mais amplo de transformação social, já que na escola
manifestam-se objetiva e concretamente valores e processos sociais historicamente
instituídos.
Em 1999, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência é
prevista no Decreto 3298/1999, adotando os seguintes princípios18
I. Desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a
assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto
socioeconômico e cultural;
18
Fonte: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. MEC- SEESP, 2004
47
II. Estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que
assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos
básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o seu bem-estar
pessoal, social e econômico;
III. Respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber igualdade de
oportunidades na sociedade, por reconhecimento dos direitos que lhes são
assegurados, sem privilégios ou paternalismos.
No que se refere especificamente à educação, o Decreto estabelece a matrícula
compulsória de pessoas com deficiência em cursos regulares, a consideração da Educação
Especial como modalidade de educação escolar que permeia transversalmente todos os níveis
e modalidades de ensino, a oferta obrigatória gratuita da Educação Especial em
estabelecimentos públicos de ensino, dentre outras medidas (Art. 24, I, II, IV).
No ano de 2000, o MEC/SEESP procedeu à publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Adaptações Curriculares em Ação, objetivando fortalecer o suporte técnico-
científico aos profissionais da Educação por meio de processo de formação continuada
oferecida a Estados e Municípios, buscando abranger todo o Território Nacional.
Ainda durante o ano de 2000, a Lei 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios
básicos para promoção de acessibilidade das “pessoas portadoras de deficiência”19
ou com
mobilidade reduzida.
Em 2001, a Lei n° 10. 172/2001 aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras
providências, assim sendo há o estabelecimento de objetivos e metas para a educação das
pessoas com necessidades educacionais especiais, destacam-se os que tratam:
do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios, e em parceria
com as áreas de saúde e assistência social, visando à ampliação da oferta de
atendimento da educação infantil;
dos padrões mínimos de infraestrutura das escolas para atendimento de alunos com
necessidades educacionais especiais;
da formação inicial e continuada dos professores para atendimento às necessidades dos
alunos;
da disponibilização de recursos didáticos especializados de apoio à aprendizagem nas
áreas visual e auditiva;
da articulação das ações de educação especial com a política de educação para o
trabalho;
19
Embora atualmente questionado o termo “portadoras de deficiência” o mesmo foi assim mantido remetendo-se
à época de sua publicação.
48
do incentivo à realização de estudos e pesquisas nas diversas áreas relacionadas com
as necessidades educacionais dos alunos;do sistema de informações sobre a população
a ser atendida pela educação especial.
Também em 2001 são elaboradas as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica, contidas no Parecer CNE/CEB, n.º 17/2001, e dentre os principais
documentos que formaram o substrato documental do parecer sobre a Educação Especial,
destaca-se20
:
I – Proposta de inclusão de itens ou disciplina acerca dos portadores de necessidades
especiais nos currículos dos cursos de Ensino Fundamental e Médio.
II – Outros estudos:
Desafios para a Educação Especial frente à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional;
Formação de professores para a Educação Inclusiva;
Recomendações aos Sistemas de Ensino;
Referenciais para a Educação Especial.
Com fundamento no referido Parecer, resulta a Resolução CNE/CEB n.º 2, de 11 de
setembro de 2001, que determina:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Nacionais para a educação de
alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, na Educação Básica, em
todas as suas etapas e modalidades.
Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos terá início na Educação
Infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação
especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a
comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado.
Embora se reconheçam inúmeros avanços no tocante à inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais na escola regular, não se pode negar que tanto a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, quanto a Resolução nº 02 do Conselho
Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica (CNE/CEB, 2001) – documentos que
apontam para o século que se descortina – revelam ambiguidade quanto à organização da
Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo, uma vez que ao mesmo tempo
em que orientam a matrícula dos alunos público alvo da educação especial nas escolas
comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade de atendimento educacional
especializado substitutivo à escolarização. (Revista Inclusão, v. 5, nº 2, 2010).
Tais aspectos serão alvo de estudos e questionamentos diversos, os quais ainda se vêm
20
In: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. BRASIL, MEC- SEESP, 2004.
49
constituindo ao longo da primeira década do século XXI, buscando-se redimensionamento de
políticas e investimentos financeiros nas escolas ditas regulares como possibilidade de
garantia da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas mesmas.
2.2 Políticas públicas e ações educacionais: as demandas do século XXI
Ao longo da primeira década do século XXI, observa-se que as pessoas incluídas nas
ditas minorias dentre as quais aquelas com deficiência, gradativamente, quer por movimentos
de ordem social, quer por imposições legais, vêm ganhando espaço no contexto social
brasileiro. Os avanços são lentos, mas significativos: rampas que surgem, transportes
acessíveis tornam-se presentes, iniciativas de profissionalização e inserção no mercado de
trabalho começam a se concretizar, dentre outras. O gráfico que segue21
revela o avanço de
matrículas na educação especial, a partir da promulgação da LDBEN 9394/1996 e de políticas
que então se constituem para o atendimento a alunos com necessidades educacionais
especiais:
Observações sobre os números apresentados não deixam dúvidas no tocante ao
aumento no quantitativo de alunos matriculados na modalidade de Educação Especial.
Entretanto, não podemos nos furtar à reflexão de que em uma perspectiva mais ampla e
21
Fonte: MEC/INEP.
Gráfico 1- Evolução da matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais nas
classes comuns do ensino regular
50
definitiva constata-se a necessidade de haver certo refinamento cultural que contribua para o
entendimento de que incluir é responsabilidade de todos e não somente da escola ou do poder
público. Números não falam por si próprios. Tampouco, são capazes de traduzir e
contextualizar friamente condições estruturais latentes.
É esse um trabalho de profunda mudança social, de inversão de perspectivas. Enfim,
um processo de abrangência sócio-histórica, como pensado por Adorno (2006, p. 49), ao
afirmar que “O passado só estará plenamente elaborado no instante em que estiverem
eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado pode manter-se até hoje
unicamente porque continuam existindo suas causas”.
O autor nos remete à necessidade da reflexão crítica e dialética capaz de levar o
homem a tensionar e resistir à barbárie histórica imposta pela segregação, o que não é
possível inferir somente pelo aumento numérico de matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais na escola pública.
No limiar do Século XXI, o Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 10.172/2001,
apresentou como grande desafio da Educação no Brasil a produção e construção de uma
escola inclusiva, garantidora de atendimento à diversidade humana, apontando para déficits
no tocante à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino
regular, à acessibilidade nas escolas, à formação docente e ao atendimento educacional
especializado/AEE.
Remetendo-se ao Art. 208 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), o Plano reitera
o direito à oferta de educação a todas as pessoas. Porém, o posicionamento sobre “sempre que
possível” nas escolas ditas regulares faz-se reiterado. Nesse sentido, não podemos nos furtar a
observações sobre as contradições existentes na sociedade contemporânea: a um só tempo
progressista e conservadora, como enunciado por Crochík (2011, p. 114):
As contradições apresentadas nos últimos tempos, contudo, são peculiares, uma vez
que a sociedade já tem condições objetivas – riquezas, conhecimentos e técnicas –
para erradicar a miséria da face da Terra; como isso não ocorre, devido a interesses
políticos das camadas dominantes, todo avanço contém em si mesmo o que já seria
possível e que, no entanto, continuará a ser negado: uma sociedade justa, igualitária
e livre da opressão.
Logo, reiterando-se o posicionamento do autor, a escola, como instância social por
natureza, reflete aspectos inerentes à sociedade em que se insere e se não há certezas sobre o
aspecto inclusivo. da educação em uma perspectiva democrática, sugere-se “nova roupagem”
à educação especial, o que pode significar a continuidade da segregação.
51
Observa-se que algumas ações surgem quando da promulgação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, Resolução
CNE/CP nº 1/2002, as quais definem que as instituições de ensino superior devem prever em
seus currículos formação docente voltada ao atendimento à diversidade, contemplando
conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais,
o que nos permite refletir com Adorno (2006, p. 116), ao afirmar:
Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca do processo de formação profissional.
Seria possível atentar especialmente até que ponto o conceito de “necessidade da
escola” oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito. Isto se revela na
hostilidade em relação ao espírito desenvolvido por parte de muitas administrações
escolares, que sistematicamente impedem o trabalho científico dos professores,
permanentemente mantendo-os down to earth (com os pés no chão), desconfiados
em relação àqueles que, como afirmam, pretendem ir mais além ou a outra parte.
Uma tal hostilidade, dirigida aos próprios professores, facilmente prossegue na
relação da escola com os alunos.
Questões de maior amplitude aí se instalam. Uma vez não ser possível pensar
mudanças na Educação que não estejam ligadas à formação do professor, em uma perspectiva
crítica e reflexiva que lhe permita romper com a heteronomia historicamente vigente nos
meios acadêmicos quando da formação de docentes.
O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – por intermédio da Lei
nº 10.436/2002, como meio legal de comunicação e expressão, determina que sejam
garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão. Assim, como a inclusão da
disciplina de LIBRAS como parte integrante do currículo nos cursos de formação de
professores e fonoaudiólogos:
Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação
de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e
superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante
dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Pela Portaria nº 2.678/2002 – MEC são aprovadas diretrizes e normas para o uso,
ensino, produção e difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, com
recomendação de uso em todo o território nacional.
Em 2003 é implementado pelo MEC o Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade, que aponta como objetivos, dentre outros, a transformação dos sistemas de
ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo amplo processo de formação de
52
gestores e educadores nos municípios na perspectiva da educação inclusiva.
Embora reconhecendo esforços por parte do MEC na busca de promoção de espaços
educacionais abertos à experiência da inclusão, não podemos abrir mão de reflexões que nos
remetem a um âmbito mais amplo, ou seja, aquelas voltadas a concepções subjacentes e
constitutivas de intencionalidades quer de preservação, quer de transformação da realidade
existente, como apontado por Carvalho (In: Maia, 2011, p. 81):
Sob esse enfoque, a educação escolar poderá ser reprodutora do modelo de
sociedade que valoriza os interesses de grupos que se concentram poder ou poderá
constituir-se em um espaço emancipatório daqueles cuja cultura e história têm sido
silenciadas, ou seja, dos sujeitos da inclusão social e escolar. Examinar o papel
desempenhado pela escola de nosso tempo no interior de uma sociedade capitalista,
historicamente dividida em classes sociais, implica o reconhecimento da educação
como ato político.
Em 2004, o Ministério Público Federal publica documento intitulado O Acesso de
Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, ressaltando nas
Orientações Pedagógicas (p. 6):
Para que as pessoas com deficiências possam exercer o direito à educação em sua
plenitude, é indispensável que a escola de ensino regular se adapte às mais diversas
situações e conforme as necessidades dos alunos inseridos em suas salas de aula. Na
perspectiva de uma educação inclusiva, não se espera mais que a pessoa com
deficiência se integre por si mesma, mas que os ambientes, inclusive o educacional,
se transformem para possibilitar essa inserção, ou seja, estejam devidamente
preparados para receber a todas as pessoas, indistintamente.
Ainda no mesmo ano, o Decreto nº 5.296/2004 regulamentou as Leis 10.048/2000 e nº
10.098/2000, estabelecendo normas e critérios para a promoção de acessibilidade para as
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, visando promover a acessibilidade humana e
a garantia de acesso universal aos espaços públicos. Em 2005, o Decreto nº 5.626/2005,
regulamenta a Lei nº 10.436/2002, dispondo sobre a inclusão de LIBRAS como disciplina
curricular para alunos surdos e o ensino de Língua Portuguesa com segunda língua para os
mesmos. Dispõe, também, sobre a formação, e a certificação do professor, instrutor e
tradutor/intérprete e a organização da educação bilíngue no ensino regular, como previsto no
Artigo que segue:
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem
proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras -
Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como
53
equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e
à educação.
Também em 2005, instalam-se os NAAH/S – Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação – em todos os estados e no Distrito Federal, como referência no
atendimento a alunos, como também orientação a pais e professores.
Ainda no tocante à formação de professores, a Resolução n.º 1, de 15 de Maio de
2006, do CNE, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia, Licenciatura. Dentre os direcionamentos apresentados, merece destaque o Artigo
5º ao preconizar, dentre outros, que o egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: IX -
identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e
propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de
exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras; X -
demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-
ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades
especiais, escolhas sexuais, entre outras.
A proposição de formação de professores com caráter reflexivo sobre a complexidade
da realidade social e o compromisso com o reconhecimento e respeito à diversidade,
demonstra alargamento na concepção de prática educativa, ou seja, para além de imagens
reducionistas de alfabetizador e professor de recortes, de matérias redimensiona-se a prática
docente, incorporando-se a essa a urgência da percepção do cotidiano escolar em sua
complexidade e pluralidade, “(...) uma experiência humana bem mais plural do que a visão
futurista e cognitivista por vezes nos passa. Uma experiência bem mais permanente e mutável
do que o caráter provisório do texto curricular, dos conteúdos das áreas e das disciplinas”,
afirma Arroyo (2007, p. 232). Educar para a humanização, parece-nos o desafio e a urgência
na formação de professores.
Reiterando-se o desafio discutido, dados do INEP/MEC revelam acentuado aumento
na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais entre os anos de 1998 e 2006
nas classes regulares de ensino, como nítida abertura de espaço para grupo social
historicamente segregado, como demonstrado no gráfico 2 a seguir:22
:
22
Fonte: MEC/INEP
54
Mesmo considerando-se a objetividade dos percentuais apresentados, nos quais
observa-se o decréscimo de 33,4% em matrículas em escolas e classes especiais, com o
cosequente aumento no mesmo percentual de matrículas em escolas regulares e classes
comuns, vale refletir sobre a efetividade das ações capazes de legitimá-los no que diz respeito
à qualidade dos serviços oferecidos aos alunos, como ressaltado por Carvalho (In: Maia,
2011, p. 89):
Quando examinamos as estatísticas educacionais brasileiras, particularmente aquelas
que nos trazem índices de matrículas de alunos em situação de deficiência nas
turmas comuns e de seu progresso no fluxo educacional, devemos ser bem críticos,
pois devido à progressão continuada, há certa maquiagem nos resultados estatísticos.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência outorgada pela ONU em
2006, e ratificada pelo Brasil como emenda constitucional por meio do Decreto Legislativo nº
186/2008 e pelo Decreto Executivo nº 6.949/2009, sistematizou estudos e debates mundiais
realizados ao longo da última década do século XX e nos primeiros anos do século XXI,
criando conjuntura favorável à definição de políticas públicas fundamentadas no paradigma
da inclusão social (Revista Inclusão, v. 5, nº 2, 2010).
Importantes posicionamentos se apresentam, dentre os quais se destaca o Artigo 24, ao
afirmar o compromisso dos Estados Partes com a efetivação de um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis, rompendo com modelos de segregação que anteriormente
definiram a organização e as práticas da educação especial em diversos países.
Gráfico 2 - Evolução da política de inclusão nas classes comuns do ensino regular - 1998 a 2006
55
Com a promulgação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(ONU, 2006), os municípios foram chamados a assumir a responsabilidade inerente à sua
autonomia política para tomar decisões, implantar os recursos e processos necessários para
oportunizar qualidade de vida aos seus cidadãos. Assim, passa a caber aos municípios o
mapeamento das necessidades de seus moradores, o planejamento e a implementação de
recursos e serviços que se revelem necessários ao atendimento de suas necessidades, nas
diversas áreas da atenção pública.
Corroborando para tal, o Decreto nº 6.215, de 26 de setembro de 2007:
Estabelece o compromisso pela Inclusão das Pessoas com Deficiência com vistas à
implementação de ações de inclusão das pessoas com deficiência por parte da União
Federal, em regime de cooperação com Municípios, Estados e Distrito Federal, institui
o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência – CGPD, e dá
outras providências.
Dados apresentados no gráfico 3 a seguir contribuem para a observação do avanço de
matrícula na modalidade de Educação Especial nas redes municipais de ensino, como possível
resultado das políticas públicas implementadas ao longo dos primeiros anos do século XXI23
23
Fonte: MEC/INEP
Gráfico 3 - Evolução de municípios brasileiros com matrículas na Educação Especial - 2002 a 2006
56
Constata-se que a corresponsabilização de ações entre as diferentes esferas públicas
revela-se essencial para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam às necessidades
humanas essenciais. Nesse sentido, a matrícula compulsória de alunos com necessidades
educacionais especiais não é garantidora de sua inclusão. Pois, como analisa Mészáros (2010,
p. 45) “As soluções educacionais formais, mesmo algumas das maiores, mesmo quando são
sacramentadas pela lei, podem ser invertidas, desde que a lógica do capital permaneça intacta
como quadro de referência orientador da sociedade.”
Reiterando e não negando o fundamental avanço constatado quando do aumento de
matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais nas redes municipais de ensino,
há que se refletir sobre o alargamento da escola na perspectiva democrática, que se
contraponha à lógica segregadora e excludente do capital na contemporaneidade.
Lançado em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE – apresenta
direcionamento de ações para a educação inclusiva, ressaltando reconhecimento de cultura
escolar historicamente excludente não só a pessoas com deficiência, mas também às negras e
indígenas e, mais recentemente, a assentamentos das sem-terra (BRASIL, 2007, p. 49):
As diretrizes do PDE contemplam ainda o fortalecimento da inclusão educacional,
reconhecendo que as formas organizacionais e as práticas pedagógicas forjaram
historicamente uma cultura escolar excludente e que, portanto há uma dívida social a
ser resgatada. O PDE procura responder a esse anseio com várias ações. Educação
significa respeitar as especificidades de indivíduos e comunidades, incluir e
preservar as diferenças, realizando a diversidade na igualdade como fundamento
primeiro do ato educativo. Assim se permite considerar as turmas comuns de ensino
regular nas quais haja inclusão, a reserva indígena, a comuna quilombola ou o
assentamento como “territórios de cidadania” ou arranjos educativos específicos nos
quais se promove o desenvolvimento humano de todos e de cada um.
O Decreto nº 6.094/2007, publicado para a implementação do PDE, estabelece nas
diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia de acesso, permanência e
atendimento às necessidades educacionais dos alunos no ensino regular e fortalecimento da
inclusão na escola pública. Nesse sentido, dados do fluxo de matrícula de alunos com
necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, reiteravam aumento numérico
entre os anos de 1998 e 2006, conforme dados do MEC/ INEP24
mostrados no gráfico 4 a
seguir:
24
Fonte: MEC/SEESP.
57
Os números apresentados registraram crescimento de 640% de matrícula em escolas
comuns, contra 28% em escolas e classes especiais. A demanda por ações mais efetivas,
frente à notória convergência numérica observada no gráfico 4, fez-se refletir na Política
Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – Documento
elaborado pelo Grupo de Trabalho, nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho
de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, na qual conceitua a
Educação Especial e define como público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento/altas habilidades, reafirmando que:
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a
proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades
educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas/habilidades.(MEC/SEESP, 2008, p. 20).
Em suas diretrizes, a referida Política preconiza a educação especial como modalidade
que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, bem como realiza o
atendimento educacional especializado, disponibiliza recursos e serviços, orientando quanto à
sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular.
Também, ressalta a importância de a educação especial constituir-se no Projeto
Pedagógico da escola, legitimando-se, assim, como proposta que atenda não somente os
Gráfico 4 - Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006
58
alunos com necessidades educacionais especiais. Mas, a totalidade dos alunos com base em
ações refletidas, para o que Costa (2009, p. 79) instiga à reflexão ao afirmar:
Dessa maneira, viabilizar então que todos os alunos tenham o direito à educação
inclusiva com a participação de professores autônomos e sensíveis na promoção de
atividades diversificadas. É importante e se faz necessário que a escola, em seu
projeto político pedagógico, vise o atendimento à diversidade dos alunos, atentando
não apenas para a questão da efetivação do acesso desses alunos à escola, mas
também o acesso ao conhecimento em espaços escolares democráticos.
Logo, não basta compulsoriamente matricular o aluno, mas possibilitar ao mesmo
experiências educacionais propiciadoras de avanços e garantidoras de sua permanência na
escola em situações de aprendizagem.
Para que a política da educação inclusiva na perspectiva da escola para todos não se
reduza ao acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais às salas
de aula do ensino regular, como se tal bastasse, há que se evitar a constituição de uma cultura
de tolerância na escola.
Caso se permita tal cultura, a escola estará, uma vez mais, negando-se à
responsabilidade para a qual é conclamada: o acesso, permanência e atendimento educacional
de qualidade para todos os alunos, ao reproduzir a barbárie, e não considerando o pensamento
de Adorno (2006, p. 156), ao afirmar que a “(...) a tentativa de superar a barbárie é decisiva
para a sobrevivência da humanidade”.
A proposição do autor nos remete à urgência de se empreender movimento para a
desbarbarização da humanidade, considerado um pressuposto imediato de sua sobrevivência.
Daí a importância da educação, pois se por um lado participa de uma cultura alienada, por
outro é capaz de produzir subjetividades resistentes à mesma. Esse deve ser o objetivo da
escola, por mais restrito que seja seu alcance e suas possibilidades.
O Decreto 6.253 de 13 de novembro de 2007, que regulamentou alguns dispositivos
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB – instituiu e
definiu, entre outros, o Atendimento Educacional Especializado – AEE – como um conjunto
de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade prestados de forma complementar ou
suplementar à escolarização dos alunos no ensino regular. Introduziu, ainda, o dispositivo do
duplo repasse de verba no âmbito do FUNDEB para os estudantes com necessidades
educacionais especiais que recebessem o AEE em escolas ou instituições especializadas.
Importante avanço para a concepção inclusivista em educação deu-se com a
promulgação do Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, o qual dispunha sobre o apoio
59
técnico e financeiro da União aos estados e municípios com a finalidade de ampliar o
atendimento educacional especializado, por meio de: i. implantação de salas de recursos
multifuncionais; ii. formação continuada de professores para o atendimento educacional
especializa do; iii. formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a
educação inclusiva; iv. adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade; v.
elaboração, produção e distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade e vi.
estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior.
Reiteravam-se direcionamentos que apontavam para a inclusão, observando-se
incentivo financeiro para o AEE em contraturno à escolarização regular:
Art. 9o. Admitir-se-á, a partir de 1
o de janeiro de 2010, para efeito da distribuição dos
recursos do FUNDEB, o cômputo das matriculas dos alunos da educação regular da
rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo do
cômputo dessas matrículas na educação básica regular.
Percebia-se, pois, nítida intencionalidade de transformação do espaço escolar em
ambiente democrático, propício ao acolhimento e trabalho com a diversidade ali encontrada,
uma vez que, como nos apresenta Costa (In: MAIA, 2011, p. 70):
Pensar a educação para todos é admitir que todos os alunos podem aprender juntos,
ou seja, uma educação na qual a aprendizagem não ocorra em contextos segregados,
mas, antes, perceber nos alunos, pela experiência com os mesmos, possibilidades de
aprendizagem para todos em salas de aula acolhedoras e solidárias.
Entretanto, o documento em questão foi revogado em seu terceiro ano de vigência,
sendo substituído pelo Decreto Nº 7.611 de 17 de novembro de 2011, que lançou o Plano
Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Viver sem Limites.
Vale questionar o quanto as conquistas, até então, legitimadas não correrão riscos de
retrocesso, uma vez o Artigo acima apresentado ter passado a constar:
Art.14. Admitir-se-á, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o
cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder
Executivo competente.25
Ficam as questões: a quê? ou a quem? estaria servindo tal redirecionamento? Se os
caminhos apontavam para a permanência do aluno com necessidades educacionais especiais
25
Grifos do autor.
60
na escola regular, com AEE em contraturno como meio de superação da exclusão, a qual até
então lhe fora imposta para que, então, se (re)considera a escola especial como espaço de
legitimidade?
Antecipa-se que o novo Decreto será alvo de críticas, ao se relacionar o mesmo à
modificação imposta à Meta 4 do atual Plano Nacional de Educação (2011-2020)26
quando de
sua tramitação na Câmara de Deputados, o que discutiremos mais adiante.
O desafio da educação inclusiva tornou-se ainda mais contundente ao se constatar que,
ao final da primeira década do século XXI, dados do Censo Escolar (INEP/MEC, 2010),
apontaram, entre os anos de 2008 e 2010, crescimento de 27% das matrículas dos estudantes
público-alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, na faixa
etária de 4 a 17 anos, passando de 321.689 para 408.822.
Com base na estimativa da população com deficiência, projetada pelo IBGE até 2020,
22% desse grupo estava matriculado na educação básica em 2010. O IBGE também projeta
que, se o ritmo de crescimento de matrícula continuar semelhante ao apresentado nos últimos
dez anos, em 2020, os sistemas de ensino atingiriam 66% da população público-alvo da
educação especial na rede regular de ensino.
O Quadro 1 demonstra o crescimento numérico da educação especial no período de
2000 a 2010, apoiando-nos a refletir sobre a necessidade da oferta das políticas públicas, que
não somente indiquem direcionamentos, mas que proponham e qualifiquem ações:
26
Atual PLC – Projeto de Lei da Câmara, nº 103 (2012).
Quadro 1 - Indicadores Numéricos da Evolução da Educação Especial
Indicadores
Censo Escolar/INEP/MEC 2000 2010
Crescimento
%
Municípios com matrícula de alunos
público-alvo da Educação Especial 3.401 5.497 61,6%
Matrícula de alunos público-alvo da
Educação Especial na Rede Pública 208.586 532.620 155,3%
Matrícula de alunos público-alvo da
Educação Especial no Ensino Regular 81.695 484.332 492,8%
Escolas comuns com matrícula de alunos
público-alvo da Educação Especial 13.087 85.090 550%
Escolas públicas com Acessibilidade 6.770 28.650 323%
61
Em se considerando que dados do IBGE (2010) registravam a existência de 5.565
municípios e que, desses, 5.497 apresentavam matrículas de alunos público-alvo da Educação
Especial (INEP/MEC, 2010), é notória a evolução na política de inclusão no Brasil nos
últimos dez anos, o que pode ser comprovado pelo aumento de 492% de matrícula de alunos
com necessidades educacionais especiais no ensino regular e de 550% em escolas comuns,
para o que houve a contribuição de investimentos em acessibilidade nas escolas públicas.
2.3 Plano Nacional de Educação 2011-2020: reflexões sobre a Meta 4
O atual Plano Nacional de Educação 2011-2020 – Projeto de Lei nº 8.035/2010 –
preconiza, como um de seus objetivos centrais, a melhoria da qualidade do ensino, o que se
dará por meio da valorização dos profissionais da educação, a universalização da educação
básica e a expansão da oferta da educação superior, respeito e atendimento às diversidades e
financiamento público das instituições públicas.
Ressalta em seus objetivos e metas, a elevação global do nível de escolaridade da
população, a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à
permanência de alunos, com resultados, na educação pública, a democratização da gestão do
ensino público, atendendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola.
No tocante à inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, aponta no Art. 8º, §
2º, que “Os entes federados deverão estabelecer em seus respectivos planos de educação,
metas que garantam o atendimento às necessidades educacionais específicas da educação
especial, assegurando um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e
modalidades”.
Com apenas vinte metas fixadas, o PNE 2011-2020, proposto pelo Governo Federal ao
Congresso Nacional, em 15 de dezembro de 2010, dedicou a Meta 4 à Educação Especial,
propondo a universalização para a população de 4 a 17 anos, do atendimento escolar a
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação no ensino regular.
Reiterou a importância da eliminação de barreiras arquitetônicas nas escolas, a
adequação do material didático-pedagógico e a utilização da tecnologia assistiva, conforme as
necessidades específicas de aprendizagem dos alunos, afirmando o fomento da formação
continuada de professores para o atendimento desses alunos.
62
Assim, o texto apresentado revelou-se arrojado em relação ao PNE 2001. Pois,
enquanto o mesmo referia-se à integração/inclusão do aluno com necessidades especiais no
sistema regular de ensino e, se isso não fosse possível em função das necessidades do aluno,
realizar o atendimento em classes e escolas especializadas, prevendo a manutenção de classes
e escolas especiais, o PNE 2011 atual intensificava ações que não apenas propiciassem, como
também garantissem a inclusão e permanência de alunos com deficiência nas escolas
regulares, revelando intenção de superação da segregação instituída ao longo do processo de
sua escolarização.
No entanto, ao ser encaminhado para apreciações na Câmara de Deputados, a Meta 4
recebeu alterações, configurando-se a seguinte redação: “Universalizar, para a população de
4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos(às) alunos(as) com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
preferencialmente na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional
especializado em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços
especializados, públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, em
escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.”
O “novo texto” suscitou protestos de algumas instâncias da sociedade envolvidas com
a causa da inclusão, uma vez observarem o mesmo como retrocesso às políticas, até então,
instituídas para alunos com necessidades educacionais especiais. Justifica-se: a Meta 4, que
antes se pautava somente pela inclusão, agora abre possibilidades para atendimento em
classes, escolas ou espaços especializados, públicos ou conveniados, para os quais não se
julgue possível o atendimento em escolas regulares.
O conjunto da sociedade que refuta a “nova Meta 4”, alega o resgate de questões
vistas como superadas, tais como a triagem de “quem pode” e “quem não pode estar na escola
comum”, reiterando-se, com isso, o retrocesso à medicalização e à manutenção de interesses
de entidades filantrópicas defensoras da escola especial.
A questão acirra-se mais ainda ao se relacionar o fato à revogação do Decreto nº
6.571, de 17 de setembro de 2008, referido anteriormente, tido como significativo avanço no
campo da educação inclusiva, porque concebia o caráter de complementar aos atendimentos
feitos em instituições especializadas, públicas ou filantrópicas, tendo sido o mesmo
substituído pelo Decreto nº 7.611 de 17 de novembro de 2011.
No que tange ao referido Decreto, afirma-se no Artigo 4º:
63
Art. 4o O Poder Público estimulará o acesso ao atendimento educacional
especializado de forma complementar ou suplementar ao ensino regular,
assegurando a dupla matrícula nos termos do art. 9º-A do Decreto nº 6.253, de 13 de
novembro de 2007.27
Em contrapartida tem-se, no Artigo 8º, a retomada do Artigo 14º do Decreto nº 6.253,
de 13 de novembro de 2007:
Art. 14. Admitir-se-á, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o
cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação
exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente.
§ 1
o Serão consideradas, para a educação especial, as matrículas na rede regular de
ensino, em classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em
escolas especiais ou especializadas.
Observa-se que, enquanto o Artigo 4º afirma que o poder público estimulará o acesso
ao Atendimento Educacional Especializado/AEE, de forma complementar ou suplementar ao
ensino regular, assegurando a dupla matrícula, o parágrafo 1º do Artigo 14º, afirma que serão
consideradas, para a educação especial, tanto as matrículas na rede regular de ensino, como
nas escolas especiais ou especializadas.
Frente à política de dubiedade que se instalou, inúmeras foram as manifestações
públicas que demandavam esclarecimentos sobre o referido Decreto. Em atendimento às
mesmas, o Ministério da Educação publicou a Nota Técnica nº 62, de 08 de dezembro de
2011, tendo por assunto orientações aos Sistemas de Ensino sobre o Decreto nº 7.611/2011,
esclarecendo que:
O apoio financeiro às instituições especializadas mencionadas, referente ao
atendimento de pessoas que não estão matriculadas no ensino regular, destina-se,
especialmente, àquelas que se encontram fora da faixa etária de escolarização
obrigatória, em razão de um processo histórico de exclusão escolar.28
Embora louvável, a tentativa de explicação, ao que nos parece, reitera a educação
segregada. Justifica-se: se há o reconhecimento de demanda significativa “fora da faixa etária
de escolarização obrigatória” e em atenção ao “processo histórico de exclusão escolar”, a
27
O Decreto dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências.
No Art. 9º A: consta que: “Para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, será admitida a dupla matrícula
dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado.” 28
Grifos meus.
64
solução pretendida e adequada seria a permanência, manutenção e alimentação de tal
processo?
O fato de se negar à busca de outras possibilidades não se estaria, uma vez mais,
rendendo-se à lógica da exclusão, alimentando-se ainda mais a “cultura do preconceito”,
fortemente influenciada por concepção assentada no capital?
Nesse sentido, Crochík (1995, p. 27) nos alerta:
Além do mundo do trabalho e as demais esferas sociais, pela sua forma de
organização, pedirem por respostas rápidas, outro motivo que contribui para que a
reflexão seja imediata e, assim, pouco refletida, é que se exige do indivíduo, nos dias
de hoje, que se posicione a respeito de quase tudo, posto que a ignorância é
considerada menos como ausência de um saber que pede por ele, do que como uma
falha na formação do indivíduo. Isto leva a ter que se valer de mecanismos rápidos
que configurem o novo à luz dos esquemas ordenadores já prontos, e, com isso, a
experiência é impossibilitada.
Não se pretende aqui apologia ingênua à educação inclusiva. Tampouco, podemos
deixar de refletir sobre a função a ser exercida pelas escolas especiais e instituições
especializadas, as quais apoiam e subsidiam ações inclusivas, uma vez que o ensino especial
não é mais visto como substitutivo do ensino regular. Detentoras de vasta experiência,
conhecimentos e competências acumulados, seus profissionais podem ser de grande
importância na educação inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais, sendo
conclamados a prestar o Atendimento Educacional Especializado – AEE – no contraturno da
escolarização regular.
Também como avalia Mantoan (2008), serão importantes ao ocupar um lugar que lhes
pertence por conquista e trajetória: o de garantir às pessoas com deficiência e a outros
públicos da educação especial, o que lhes é de direito, ou seja, a inserção total e incondicional
no meio escolar, social, laboral, no lazer, nos esportes e na vida cidadã.
Conclui-se que, no tocante à Meta 4 do PNE 2011-2020, frente ao imbróglio e pouca
clareza da legislação, o movimento de forças, ora convergentes, ora reacionárias tende a
fortalecer-se, o que pode vir a contribuir positivamente para tomadas de posições e definições
de direcionamentos necessários às políticas públicas de educação inclusiva.
Em suma, embora diversos sejam os dispositivos legais que se vêm apresentando ao
longo dos últimos dez anos, a educação democrática não se fará única e tão somente por
imposição legal. Há que se considerar a complexidade da tessitura social que se faz e se
materializa na maneira como os sistemas educacionais se organizam e legitimam ações,
inerentes a concepções efetivamente constituídas e socialmente percebidas como necessárias.
65
Ao realizar o resgate de aspectos históricos e legais que constituíram e orientaram as
ações voltadas à Educação Especial no Brasil ao longo dos últimos cinquenta anos, analisei os
elementos que contribuíram para subsidiar minhas reflexões sobre o contexto em que se insere
a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública
municipal de ensino de Petrópolis/RJ, considerando-se o questionamento sobre como as
políticas públicas de educação inclusiva tem contribuindo na organização da escola pública.
66
CAPÍTULO 3
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
(Fernando Pessoa)
Organização de Escolas Inclusivas no Município de Petrópolis
O trecho do escritor e poeta português Fernando Pessoa (1888 – 1935) instiga-nos a
reflexão sobre o quão marcante é o espaço sócio-histórico em que nos constituímos. De
maneira paradoxal, o poeta afirma que, apesar de belo e imponente, o Tejo não possui a
grandiosidade do rio que corta a sua aldeia, justamente por não ser “o rio de sua aldeia”.
Remeti-me a Pessoa, pois me propus nesse capítulo falar sobre “minha aldeia”,
permitindo-me complexo movimento de aproximação e afastamento, sustentado pela Teoria
Crítica da Sociedade.
Assim, o texto tem por objetivo apresentar as políticas públicas de educação especial
para a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública
municipal de ensino de Petrópolis, RJ.
Refletir sobre esse movimento é trazer à cena a possibilidade de desvelamentos de
mecanismos encontrados na base de processo histórico de constituição de direitos sociais. A
afirmação do direito à educação demanda o enfrentamento do contexto sociocultural, que
historicamente tem obstado o acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais
especiais na escola pública.
Nesse sentido, o movimento ao longo deste capítulo foi (re)conhecer com base em seu
processo histórico, mecanismos subjacentes ao desenvolvimento de políticas públicas na rede
municipal de ensino de Petrópolis, RJ, para atendimento a alunos com necessidades
educacionais especiais na perspectiva inclusiva.
Os dados aqui contidos constituíram-se de duas diferentes formas: através de
entrevistas não estruturadas, ou seja, encontros e conversas informais realizados no próprio
espaço de trabalho, com profissionais que implantaram o atendimento a alunos com
necessidades educacionais na rede municipal de ensino e por meio de pesquisa a documentos
e cadastros da Secretaria Municipal de Educação, o que me foi oportunizado e facilitado por
fazer parte da equipe técnico-pedagógica da mesma desde o ano de 2001, o que justifica o
tratamento em primeira pessoa que, por vezes, permeia o texto.
67
O movimento inicial para a coleta de parte dos dados que aqui se encontram deu-se no
ano de 2006, quando me vi à frente da Equipe de Educação Especial do município, e
responsável pela dinamização de ações voltadas à inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais em turmas regulares de ensino.
À ocasião, fui instigada a organizar documento que servisse como fonte de pesquisa
para os professores no tocante ao (re)conhecimento de alguns transtornos e patologias
frequentemente observáveis na escola, com sugestões de abordagens pedagógicas e
adaptações em ambiente escolar.
Ao longo do processo, constatei, a princípio, a necessidade de apresentação de aportes
legais que contemplassem a Educação Especial no Brasil, o que se fez por meio de pesquisa
que subsidiariam a inserção de documentos oficiais até então publicados, no material a ser
apresentado. Porém, ao término da produção percebi a grande lacuna existente: de onde estava
falando? Como se haviam constituído, até então, as concepções e as intencionalidades para o
aluno com necessidades educacionais especiais na rede municipal de ensino de Petrópolis?
Quais os seus princípios norteadores? Como se vinham legitimando as mesmas?
Em busca do levantamento, inicialmente histórico apenas, da educação especial na
rede municipal de ensino, qual não foi a minha surpresa ao obter a informação de que a
responsável pela implantação do atendimento a alunos com necessidades educacionais
especiais ainda se encontrava atuante, e era minha colega na Secretaria, à ocasião trabalhando
em Equipe de Projetos. A pessoa da qual falo é Alda Gomes Infingardi, Orientadora
Pedagógica, com a qual obtive informações através de relato de sua experiência como
primeira profissional a atuar à frente da educação especial na rede municipal de ensino de
Petrópolis.
Como seu período de atuação deu-se entre os anos de 1982 a 1992, indicou-me a
Inspetora de Ensino Luciany Perez como uma das profissionais responsáveis pela
continuidade do trabalho na educação especial para informações complementares à sua
gestão.
Valendo-me de narrativas livres, ambas subsidiaram parte dos dados desta pesquisa,
sustentando resgate histórico até o ano de 2001, a partir do qual passei a atuar na Secretaria
Municipal de Educação e tive a oportunidade de maior aproximação a questões sobre os quais
me debrucei.
Ressalta-se que, embora como fonte histórica apenas, parte das narrativas acima
citadas (aquelas coletadas em 2006), fazem parte do documento “O Fazer Educacional Frente
68
aos Desafios da Inclusão”, publicado em 2007, com tiragem de duzentos exemplares para
circulação apenas nas escolas municipais. Houve aproveitamento do texto, também, para o
Plano Municipal de Educação publicado através da Lei Municipal Nº 6.709, de 15 de
dezembro de 2009.
No ano de 2012, então voltada especificamente à pesquisa que aqui apresento, retomei
o contato com as mesmas profissionais, com as quais me encontrei ao longo do mês de junho,
por duas vezes com cada uma, a fim de retomada, complementação e leitura do que havia
produzido a partir da escuta das narrativas. Permito-me o parêntese para registrar momento de
grande aprendizagem e emoção que vivenciei neste contato com pessoas sensíveis e
comprometidas com a causa da educação especial no município de Petrópolis, RJ.
3.1 De onde falamos?
Petrópolis é um município do Estado do Rio de Janeiro, situado no topo da Serra da
Estrela, distando 68 km da Capital, pertencente à mesorregião metropolitana do Rio de
Janeiro e à microrregião serrana29
Historicamente reconhecido como “Cidade Imperial”, o
município teve sua instauração feita por Decreto Imperial datado de 16 de março de 1843.
Com área territorial de 796 km2, conta com população de 296.044 habitantes (2010)
30
e, segundo dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o
município está entre as regiões consideradas de elevado desenvolvimento humano. Em
comparação com outros municípios brasileiros, Petrópolis se encontra na 93ª posição. Entre
os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro ocupa a 7ª posição. Ainda segundo a fonte
acima, Petrópolis apresenta urbanização de 95,04%, com densidade demográfica de 371,85
hab./km². Representando 1,8% da área do Estado do Rio de Janeiro e 11,5% da Região
Serrana, encontra-se distribuído em cinco distritos; a saber: 1º Petrópolis: 143 Km², 2º
Cascatinha: 274 Km², 3º Itaipava: 121 Km², 4º Pedro do Rio: 210 Km² e 5º Posse: 63 Km².
Possui como municípios limítrofes: Areal, Duque de Caxias, Guapimirim, Magé,
Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, São José do Vale do Rio Preto e Teresópolis,
conforme a seguir ilustrado31
:
29
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2008). 30
Censo Populacional 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 31
Fonte: mapasblog.blogspot.com.
69
Dados do Censo Demográfico (IBGE) indicam que em 2010, 99,1% dos domicílios
petropolitanos particulares permanentes contavam com o serviço de coleta de resíduos e
99,7% tinham energia elétrica distribuída pela companhia responsável (uso exclusivo). A
proporção de domicílios, em 2010, com acesso ao direito de propriedade (própria ou alugada)
atingia 92,3%, indica a fonte.
Segundo a mesma fonte, em 2010, 58,7% dos domicílios tinham acesso à rede de água
geral e 82,9% possuíam formas de esgotamento sanitário consideradas adequadas.
O número de óbitos de crianças menores de um ano no município, de 1995 a 2010, foi
1.57732
. A taxa de mortalidade de menores de um ano estimada a partir dos dados do Censo
2010 é de 16,7% o que se encontra acima da média nacional com estimativa de 15,6% a cada
1.000 crianças menores de um ano.
No tocante aos indicadores relativos à proporcionalidade de munícipes abaixo da linha
da pobreza e indigência, dados do Censo (IBGE – 2010) revelam que 14,1% de moradores de
Petrópolis se encontram entre a linha da indigência e a pobreza, ou seja, cerca de 27.400
pessoas, e 7,5% abaixo da mesma33
, somando-se aproximadamente 14.700 indivíduos, o que
32
Fonte: Ministério da Saúde – DATASUS. 33
Para estimar a proporção de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza foi somada a renda de todas as
pessoas do domicílio, e o total dividido pelo número de moradores, sendo considerado abaixo da linha da
pobreza os que possuem rendimento per capita menor que 1/2 salário mínimo. No caso da indigência, este valor
será inferior a 1/4 de salário mínimo (IBGE/2010).
Figura 1 - Localização de Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro
70
instiga reflexão sobre o papel da educação como elemento de conscientização e consequente
melhoria na qualidade de vida de tais pessoas, na medida em que a prática educacional estiver
comprometida com o papel emancipatório e formador de consciências críticas e autônomas,
inerentes ao caráter de uma educação democrática (Adorno, 2006).
Em relação aos dados da educação, assim se encontra distribuída a população em
idade escolar no município de Petrópolis (IBGE/2010):
Segundo os números acima apresentados, cerca de 71% da população municipal em
idade escolar é público-alvo do ensino fundamental, cabendo, pois, à rede pública municipal
de ensino o compromisso de atendimento à maior demanda dentre aqueles a frequentar escola.
Dados do IBGE/2010, apontaram que 12,8% das crianças de 7 a 14 anos não estavam
cursando o ensino fundamental e a taxa de conclusão, entre jovens de 15 a 17 anos era de
54,2% em Petrópolis.
O fato de cerca de 46% de jovens entre 15 e 17 anos evadirem-se da escola e de 12,8%
de crianças em idade escolar sequer chegarem à mesma, permite-nos perceber que a educação
oferecida ainda não contempla adequadamente a necessidade da demanda do município; quer
no que tange ao acesso, quer no que se refere à permanência dos alunos no espaço escolar.
Gráfico 5 – População em idade escolar no município de Petrópolis: números percentuais
Gráfico 6 – População em idade escolar no município de Petrópolis
71
No que concerne à rede pública municipal de ensino, no ano de 2011, apresentava a
seguinte configuração:34
Quadro 2 - Perfil da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis, RJ – 2011
ESCOLAS Urbana Rural Total
Escolas com turno parcial com Educação Infantil 55 34 89
Escolas com Salas de Recursos Multifuncionais 23 7 30
Escolas com Projovem 5 _____ 5
Escolas com Educação de Jovens e Adultos 14 8 22
Escolas com Mais Educação 32 7 39
Escola com Ensino Médio 1 _____ 1
Escolas municipais 57 33 90
Escolas conveniadas 32 5 37
Centros de Educação Infantil Municipais 33 3 36
Centros de Educação Infantil Conveniados 12 1 13
Escolas por zona de localização 134 42 176
Com quantitativo de escolas marcadamente instaladas em região urbana, constatou-se
que das 127 escolas geridas pelo município, 90 são integralmente públicas e 37 conveniadas
com entidades de cunho assistencial e filantrópico, custeadas pelo poder público municipal, o
que implica em 70,9% de escolas e 73,5% de Centros de Educação Infantil totalmente
públicos.
Ressalta-se que financeira e pedagogicamente, a manutenção de 100% das unidades
acima citadas são de responsabilidade do município, cabendo às entidades conveniadas a
oferta das instalações prediais e participação na seleção do corpo docente daquele espaço
educacional.
34
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis. Ano base 2011. Optou-se por trabalhar com dados
relativos aos anos de 2010 e 2011 uma vez os estudos se fazerem ao longo do ano de 2012, o que implicaria em
oscilação de dados coletados no ano corrente da pesquisa.
72
Observou-se adesão a programas governamentais como o Projovem, o Mais Educação
e implantação de Salas de Recursos Multifuncionais e a existência de uma escola municipal
com oferta de Ensino Médio, o que se evidencia como atribuição da rede estadual de ensino.
Dados da Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis, contabilizaram, em 2011,
50.841 alunos regularmente matriculados e 1.997 professores em seu quadro efetivo. Abaixo,
apresentamos o número de escolas por modalidades de atendimentos:35
Frente ao exposto, conclui-se que ao nos voltarmos para o reconhecimento do espaço-
tempo de onde falamos, entendemos não ser possível pensar a educação independente da
sociedade em que esteja inserida, uma vez que os indivíduos se formam pela interiorização da
cultura.
Logo ao nos propormos caracterizar o município de Petrópolis e mais especificamente
sua rede pública municipal de ensino, buscamos refletir em que sentido os elementos culturais
e sócio-históricos constitutivos e instituintes do mesmo contribuem para a legitimação ou
negação de posturas que legitimem ações, mais especificamente aquelas voltadas para a
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública, considerando-
se as tensões político-administrativas e as práticas pedagógicas que então se (re)produzem.
35
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis-RJ/2011.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Escolas Municipais/Conveniadas
Centros de Ed. Inf. Municipais/Conveniados
Total de Escolas
127
49
176
Gráfico 7 – Escolas por Modalidade de Atendimentos – 2011
73
3.2 Histórico da Educação Especial na Rede Municipal de Ensino de Petrópolis: um
olhar sobre o passado
Partindo-se do entendimento de que no passado são encontradas muitas das
explicações para as situações observadas no presente, tem-se que a alienação da memória
obsta ao homem o esclarecimento essencial ao desenvolvimento da consciência crítica e
consequente autonomia no pensar. O esvaziamento do passado e sua negação contribuem para
o afastamento do reconhecimento de questões objetivas materiais reprodutoras de ideologias
vigentes na sociedade contemporânea.
Em Adorno (2006, p. 48) temos que “A elaboração do passado, como esclarecimento é
essencialmente uma tal inflexão em direção ao sujeito, reforçando a sua autoconsciência e,
por esta via, também o seu eu”. Sob tal perspectiva, o ato de pensar o passado torna-se
elemento de resistência à sua repetição ao propiciar a dúvida, o questionamento e a crítica
capazes de subverter a cultura da dominação e segregação impostas às minorias.
Corroborando com a afirmativa de Adorno, estudos de Damasceno (2010), destacam a
importância de mapearmos um cenário ao qual não somos imunes, uma vez que ao visarmos
os entendimentos histórico-políticos constitutivos das tessituras históricas, seremos capazes
de reconhecer e problematizar possibilidades que se constituíram ao longo de diferentes
épocas.
Nesse sentido, entendemos que ao historicizarmos a educação especial no município
de Petrópolis, buscamos subsídios que contribuam para o tensionamento e problematização de
questões, dentre as quais a organização político-pedagógica do sistema municipal público de
ensino de Petrópolis, que serve como sustentação à estruturação e dinâmica das escolas para a
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
3.2.1 Educação Especial: passos e (des)compassos na caminhada
O atendimento escolar aos alunos com necessidades educacionais especiais na rede
pública municipal de ensino de Petrópolis teve seu início na década de 1980, mais
precisamente no ano de 198236
.
A primeira providência neste sentido contava com a parceria da rede estadual de
ensino, através da cessão de uma orientadora pedagógica, a qual atuava tanto em escolas
36
Fonte: relato obtido junto à orientadora pedagógica que atuava à época, Srª Alda Gomes Infingardi, contratada
pela Rede Municipal de Ensino por intermédio da Portaria nº 27, maio de 1982.
74
estaduais quanto em escolas municipais, para acompanhar o desenvolvimento de estudantes
com necessidades educacionais especiais e orientar a professora de duas classes especiais,
situadas na Escola Municipal Lions Clube de Petrópolis e na Escola Monsenhor Gentil.
Posteriormente – ano de 1982 – com a implantação de novas turmas de classes
especiais – 10 turmas – formou-se uma equipe multidisciplinar que contava com profissionais
das áreas de Saúde e Educação; a saber: um fisioterapeuta, uma fonoaudióloga, uma
supervisora pedagógica e uma orientadora educacional.
Entre as unidades escolares envolvidas, além das já citadas anteriormente, havia:
Escola Municipal Companhia Petropolitana, posteriormente Escola Municipal Professor
Amadeu Guimarães;
Escola Municipal Barros Franco (situada na zona rural do município);
Escola Municipal Carlos Canedo (situada na zona rural do município);
Escola São Judas Tadeu;
Escola Municipal Rosalina Nicolay;
Instituto Saul Carneiro – atendia a deficientes auditivos e deu origem a atual Escola
Municipal de Educação Especial Santos Dumont, especializada em atendimento a alunos
com tal deficiência;
Instituto Metodista de Petrópolis (atendia os casos mais graves de “deficiência mental e
problemas neurológicos”)37
.
Quando da implantação dessas classes, a equipe acima citada encontrava-se sob a
supervisão da Coordenadoria de Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro, situada
inicialmente na cidade de Niterói, antiga capital do Estado e, posteriormente, na cidade do Rio
de Janeiro.
Em 1985 a equipe foi acrescida de seis psicólogos e permaneceu durante sete anos
realizando assistência a alunos e professores. Com o passar do tempo, o trabalho
desestruturou-se e a equipe foi desfeita no ano de 1992.
A partir daí, o acompanhamento às classes especiais passou a ser realizado por apenas
uma psicóloga remanescente da equipe anterior, auxiliada por uma orientadora educacional38
pertencente ao quadro de servidores concursados do município. O trabalho concretizava-se
mediante visitas periódicas às turmas e encontros quinzenais com os respectivos professores
das classes especiais.
37
Utilizou-se nomenclatura de como à época se fazia referência a tal especificidade de alunos. 38
Refere-se à Psicóloga Marise Soares Costa Duvanel e à Supervisora Luciany Peres.
75
Em 1998 a orientadora educacional afastou-se da equipe e a psicóloga, já existente,
passou a contar com o apoio de outra psicóloga do Núcleo de Saúde Mental do município39
,
atuando junto aos professores em encontros periódicos e realizando atendimento clínico dos
alunos provindos das classes especiais, na referida Unidade de Saúde.
Com o afastamento do único elo com o sistema educacional, representado pela
orientadora educacional, observa-se que tal período contribuiu para que a visão de caráter
clínico se acentuasse, recaindo o estigma da “doença” não só sobre o aluno que revelasse
aparente deficiência, mas também sobre o que apresentasse dificuldades de aprendizagem sem
adequada avaliação clínica. A constatação sustenta-se pelo fato de serem encaminhados,
durante tal período, para classes especiais aqueles alunos que permanecessem como
repetentes por mais de três anos (em sua grande maioria nas classes iniciais).
Deste modo, o caminho trilhado para a solução da “problemática” da repetência
passava pelo pressuposto de estar no aluno, e não no sistema como um todo, a necessidade de
adaptar-se, modificar-se e disponibilizar-se a mudanças, como podemos constatar em Caputo
(2003, p. 94):
O crescimento desenfreado das populações urbanas, associado ao processo de
democratização da educação básica, acarretou aumento na demanda de matrículas
escolares, provocando um volume significativo no número de pessoas com
deficiência em busca de escolaridade, nos estabelecimentos regulares de ensino. A
reação quase imediata do sistema educacional foi a criação de classes e escolas
especializadas, funcionando como verdadeiros depósitos de crianças, não só das que
apresentavam alguma deficiência, mas de todas consideradas “problemáticas”,
livrando o sistema regular de ensino da presença de tais alunos.
Reiterando-se o comentário de Caputo, a referida democratização da escola pública
por meio da oferta de matrículas não se fez acompanhada de organização do espaço
pedagógico para atendimento à diversidade do alunado que ingressava na mesma. Logo, a
exclusão que até então se fazia como negativa de entrada na escola passa a se constituir no
interior desta.
O quadro descrito permaneceu até meados do ano de 2001, quando do início de uma
nova gestão municipal. Vale ressaltar não haver cadastro de dados específicos sobre o
quantitativo de alunos regularmente atendidos nas classes especiais da rede pública municipal
de ensino de Petrópolis de 1981 a 2000, os quais só se farão presentes a partir do ano de 2001,
conforme nos propomos apresentar no capítulo que segue.
39
Psicóloga Maria Célia Machado.
76
3.2.2 Novo Milênio: a busca por identidade
O capítulo que se apresenta buscará explicitar ações voltadas à educação especial na
rede municipal de ensino de Petrópolis, tomando-se como referência dois distintos períodos:
do ano de 2001 ao ano de 2008, quando do início do redimensionamento da educação especial
em uma perspectiva inclusiva e de 2009 a 2011, quando da consolidação de ações.
No que se refere ao segundo período citado, partimos do direcionamento de ações
capitaneadas pela Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (MEC/SEESP, 2008), e por outros documentos oficiais apresentados entre os anos
de 2009 e 2011.
Optamos pela apresentação de capítulo específico sobre a implantação das Salas de
Recursos Multifuncionais, a fim de reflexões sobre os impactos do Atendimento Educacional
Especializado – AEE, sobre o processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais nas escolas da rede municipal de ensino.
3.2.3 Sistema Municipal de Ensino: o impacto da autonomia
Conforme preconizado no Art. 11 da LDB 9394/96: “Os Municípios incumbir-se-ão
de: I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de
ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados”, o município
de Petrópolis, até então ligado ao Sistema Estadual de Ensino, instituiu seu Sistema a partir do
ano de 2000, através do Decreto Nº 459 de 17 de dezembro de 1999, ocasião em que se
encontrou diante da necessidade de estabelecer caminhos próprios que atendessem às suas
peculiaridades no âmbito educacional.
A partir do ano de 2001, quando do início de uma nova gestão municipal, a educação
especial ficou sob a responsabilidade do Departamento de Educação da Secretaria de
Educação e Esportes, tendo à frente a Equipe de Apoio Pedagógico. Inicialmente contando
com a presença de uma pedagoga, uma fonoaudióloga e com o apoio de duas psicólogas
pertencentes à Equipe de Psicologia Educacional, implementou-se trabalho referente ao
acompanhamento dos alunos das classes especiais, iniciando-se o processo de
redimensionamento quantitativo e orientação a professores.
Embora diretamente ligada ao Departamento de Educação, observava-se a exemplo de
anos anteriores, a preponderância de profissionais ligados à área da Saúde em detrimento
daqueles específicos da Educação, o que nos instiga a refletir sobre o quanto ainda se
mantinham subjacentes concepções clínicas que por séculos se fizeram hegemônicas quando
77
da educação da pessoa com deficiência, assentadas no estigma e preconceito histórico e
culturalmente transmitidos de geração a geração, conforme afirmado por Crochík (1995, p.
22): “Assim, na transmissão da cultura para as gerações mais jovens, já são transmitidos
preconceitos: ideias que devem ser assumidas como próprias sem que se possa pensar na sua
racionalidade e consequente adesão ou não a elas”.
Como reflexo do cenário histórico apresentado, o cenário numérico da educação
especial, na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, no início do ano de 2001,
apresenta-se assim:40
Quadro 3 - Quantitativo de Alunos na Modalidade de Educação Especial – 2001
ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS
Classes Especiais 22 175
Escolas Especiais 02
1 escola especializada no atendimento a alunos
com deficiência auditiva →53 alunos;
1 escola especializada no atendimento a alunos
com deficiências múltiplas →50 alunos
Total: 285
Com um número total de 285 alunos, a equipe recém-formada optou por iniciativas até
então pioneiras, ao organizar-se para algumas ações iniciais: a busca por cursos de formação
para professores e a reavaliação de alunos que compunham as classes especiais.
Enquanto parte da equipe se dedicava a visitas às escolas, outra parte buscava meios
para a implementação de cursos com vistas a subsidiar ações pedagógicas, tendo como
primeira iniciativa neste sentido a oferta de “Curso de Educação Física e Desportos para
Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais”, no total de 80 horas realizado ao longo do
mês de maio de 2001.
Ao final do ano de 2001, após análise da situação de cada aluno atendido nas classes
especiais, chegou-se às seguintes constatações: muitos dos sujeitos nelas inseridos lá se
encontravam ora por motivos de ordem disciplinar, ora por dificuldades na aprendizagem,
acarretando-se, assim, significativa defasagem idade-série. Outros alunos, embora revelando
déficits, já haviam esgotado as possibilidades oferecidas por aquela classe, necessitando de
40
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2001.
78
novos desafios e de novos espaços que lhes permitissem avanços. Por não “demonstrarem” o
“saber” socialmente esperado, tais sujeitos permaneciam como que depositados à espera,
quem sabe, de um passe de mágica.
Tal constatação instiga-nos resgate de Adorno (2006, p. 140), quando em diálogo com
Becker41
afirmou: “É bastante conhecida a anedota infantil da centopeia que, perguntada
quando movimenta cada uma de suas pernas, fica inteiramente paralisada e incapaz de
avançar um passo sequer.”
A colocação de Adorno permite-nos inferir que a escola, fruto de atravessamentos e
legados culturalmente instituídos, não se organizou para a reflexão e consequente superação
de conflitos inerentes a espaço social democrático. Assim, a exemplo da centopeia, quando
questionada em seu fazer, imobiliza-se, uma vez que ao se constituir assentada na
racionalidade técnica de meios e fins, àqueles considerados “diferenciados” vem negando o
acesso ao saber, por não se ajustarem a padrões previamente estabelecidos e socialmente
legitimados.
Ao iniciar-se o ano de 2002 um novo quadro se fez, totalizando-se o número de 100
alunos regularmente atendidos na especificidade das classes especiais, numa clara tentativa de
redefinição de caminhos42
, conforme abaixo demonstrado:
Quadro 4 - Quantitativo de Alunos Matriculados em Classes e Escolas Especiais
ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS
Classes Especiais 16 100
Escolas Especiais 02
1 escola especializada no atendimento a alunos com
deficiência auditiva →53 alunos;
1 escola especializada no atendimento a alunos com
deficiências múltiplas →50 alunos
Total: 203
No tocante às escolas especializadas (deficiências múltiplas e deficiência auditiva),
não houve alterações significativas do quadro inicial.
Vale ressaltar que, durante o ano de 2002, quando da reestruturação do Regimento
Escolar das Escolas da Rede Municipal de Ensino, em vigor a partir do ano de 2003 procurou-
41
. Trata-se de uma discussão desenvolvida, a pedido da rádio estatal de Hessen, entre Adorno e o educador
Hellmut Becker, que à época era diretor do Instituto para a Pesquisa Educacional, Fundação Max Planck, em
Berlim, gravada em julho de 1969, um pouco antes de sua morte, ocorrida em 6 de agosto. 42
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2002.
79
se garantir tal entendimento, uma vez o mesmo ter dedicado a Seção VI à educação especial,
conforme artigos abaixo colocados43
:
Art. 55. A Educação Especial constitui modalidade da educação, oferecida aos
educandos portadores de necessidades educativas especiais, desde a Educação
Infantil, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Art. 56. A inclusão de alunos portadores de necessidades educativas especiais na
Rede Municipal de Ensino é obrigatória e deverá, por ocasião da matrícula de cada
aluno, ser exigido laudo médico especializado sobre a deficiência apresentada.
Constata-se o reconhecimento de política voltada ao atendimento de alunos com
necessidades educacionais especiais desde a Educação Infantil, estabelecendo-se, assim, o
direito de tais sujeitos a participarem de situações de aprendizagem sistemática desde a tenra
idade. Observemos o Artigo seguinte:
Art. 57. Caberá à escola, com apoio da Secretaria de Educação, oferecer o
atendimento pedagógico especializado para os alunos portadores de necessidades
educativas especiais matriculados em suas classes regulares.
Este Artigo evidencia a necessidade de o espaço escolar preparar-se para o
atendimento às diferentes necessidades de seus alunos, o que remete à importância da
construção e constante revisão do Projeto Pedagógico, o qual deverá se constituir em
documento gerador de ações pedagógicas coerentes e necessárias aos diferentes espaços
educacionais e aos atores dele participantes.
No tocante ao Artigo 58, o mesmo remete ao compromisso a ser compartilhado entre
os diferentes sujeitos que compõem o espaço escolar, em seus fazeres quer de modo explícito,
quer de maneira implícita a fim de que ações inclusivas perpassem todo o ambiente, conforme
abaixo colocado:
Art. 58. A Rede Municipal de Ensino assegurará, ainda, aos educandos com
necessidades especiais:
I - organização, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficiências, e
aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a inclusão desses educandos nas classes comuns;
43
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2003.
80
IV - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível do Ensino Regular.
V - garantia de processos de avaliação adequados ao seu desenvolvimento.
No Artigo 59 explicitava-se o cuidado e respeito ao aluno atendido em sistema de
inclusão, bem como a necessidade de que sejam resguardadas as inter-relações entre os
diferentes sujeitos, uma vez ressaltar que:
Art. 59. As classes regulares com atendimento a alunos portadores de necessidades
educativas especiais deverão respeitar o limite de 2 (dois) alunos incluídos.
Ao Artigo 60 coube tratar daqueles alunos cujas especificidades demandavam
acompanhamento em classes especiais ou escolas especializadas:
Art. 60 – Os alunos portadores de necessidades educativas especiais, cuja inclusão
na rede regular de ensino não seja recomendada, serão atendidos em classes
especiais nas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino ou em escola
municipais especializadas.
Finalmente o Artigo 61, no qual se buscava resguardar a corresponsabilidade e
necessária parceria entre unidades escolares e a Secretaria de Educação:
Art. 61 – Os casos em que haja dúvida quanto à inclusão na modalidade de
Educação Especial, deverão ser encaminhados à apreciação do setor responsável
pela Educação Especial, do Departamento de Educação da Secretaria de Educação.
Não podemos negar que o documento apresentado buscou pautar-se no respeito às leis
à época vigentes e, embora não totalmente explícita, percebe-se intenção do direcionamento
de ações indicadoras de condutas menos excludentes no tocante ao acesso de alunos com
necessidades educacionais especiais às escolas públicas municipais.
Em junho de 2002, iniciou-se a implantação de classe para a escolarização de alunos
acometidos de paralisia cerebral, internados no Sanatório Oswaldo Cruz contando,
inicialmente, com 10 alunos, todos institucionalizados, tendo o hospital como moradia e sem
possibilidade de oferta de transporte adaptado para a locomoção dos mesmos à unidade
escolar próxima, organizou-se ação pedagógica ministrada por duas professoras e pela Equipe
de Apoio Pedagógico do Departamento de Educação da Secretaria Municipal.
Encontrando-se diante de situação jamais vivenciada pela educação da rede municipal
de ensino, subsídios legais se fizeram por meio de orientações contidas na Resolução
CNE/CEB nº 2 de 11 de setembro de 2001 (BRASIL), a qual preceitua:
81
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde,
devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados
de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação
hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1º As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar
continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de
alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e
reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças,
jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu
posterior acesso à escola regular.
§ 2º Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de frequência deve ser
realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o
aluno.
Embora inseridos em ambiente hospitalar, aos estudantes não se apresentava a
possibilidade de retorno a ambiente familiar, uma vez se encontrarem, com pouquíssimas
exceções, tutelados pelo próprio hospital, devido ao abandono sofrido ao longo de seu
processo de internação.
Ao início do ano de 2003, mais precisamente no mês de abril, buscou-se orientação
junto à Secretaria de Educação Especial do Município do Rio de Janeiro, a fim de que ações
pedagógicas se fizessem a contento. Na ocasião, contou-se com a ajuda da professora Eneida
Simões, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – a qual esclareceu no tocante
às adaptações pedagógicas a serem feitas e ao estabelecimento de rotinas necessárias ao
planejamento de atividades e envolvimentos pedagógicos.
O passo seguinte deu-se com leituras e estudos realizado com os professores
envolvidos em tal proposta, pois como apresentado por Simões (2004, p. 25):
O professor da escola hospitalar é, antes de tudo, um mediador das interações da
criança com o ambiente hospitalar. Por isso não lhe deve faltar noções sobre s
técnicas e terapêuticas que fazem parte da rotina da enfermaria, sobre as doenças
que acometem seus alunos e os problemas (até mesmo emocionais) delas
decorrentes para as crianças e também para os familiares e para as perspectivas da
vida fora do hospital.
O papel mediador exercido pelo professor da escola hospitalar contribui para o aspecto
“normalizador” da vida do aluno, diante da oportunidade que lhe é oferecida de ligação com
os padrões de vida cotidiana, com a rotina comum de uma criança ou de um jovem, como o é
a frequência à escola.
Ao final do ano de 2002, o grupo responsável pela Educação Especial se desfez,
permanecendo somente a pedagoga, a qual é substituída em maio do ano de 2003, por
82
profissional com formação em Inspeção Escolar e especialização em Educação Especial
Inclusiva.
Ainda inserida na Equipe Pedagógica do Departamento de Educação, ações passam a
ser desenvolvidas em conjunto com as equipes de Supervisão Pedagógica, Inspeção Escolar e
de Psicologia Educacional.
Ao longo dos anos de 2003 e 2004 implementaram-se trabalhos em parceria com a
Secretaria Estadual de Saúde – Programa Saúde da Criança – sendo oferecidos aos educadores
cursos de capacitação, enfocando-se aspectos voltados para as dificuldades de aprendizagem,
seu reconhecimento e ações afirmativas no sentido de busca de soluções para as mesmas.
Esta parceria, à época inédita dentro do contexto municipal entre a Saúde e a
Educação, revelou-se positiva para a definição dos diferentes papéis a serem atribuídos aos
profissionais de tais áreas, desmistificando-se o aspecto da “doença” que frequentemente recai
sobre as mais diversas dificuldades de aprendizagem vivenciadas na escola. Observa-se que a
concepção que se vai descortinando, a partir de então, pauta-se na busca por princípios da
inclusão44
.
O ano de 2003 marca o início, embora tímido, da inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais em turmas regulares. Apesar de a Secretaria de Educação e Esportes, à
época, envidar esforços para desenvolver trabalho direcionado à capacitação de profissionais
para atuar dentro de tal contexto, a constatação de que paradigmas não são mudados de uma
hora para outra, tornou-se latente frente às dificuldades vivenciadas quando do início da
inserção de tais escolares em escolas ditas regulares.
A certeza de ser preciso haver mudanças de atitudes para que, posteriormente, ações
sejam revistas tornou-se o grande desafio a ser enfrentado para que se pudesse garantir a todos
o direito à igualdade de oportunidades educacionais, independentemente das condições,
limitações ou dificuldades apresentadas.
Neste sentido, agilizou-se processo de reestruturação organizacional do público-alvo
da educação especial junto às escolas com vistas a atender aos novos paradigmas propostos.
A reflexão sobre a prática pedagógica e as responsabilidades assumidas diante da
mesma tornou-se um dos principais enfoques destes estudos, pois no dizer de Corazza (2001,
p.22):
44
Esse conceito refere-se a um sistema educacional modificado, organizado e estruturado para atender às
necessidades específicas, interesses e habilidades dos diferentes alunos.
83
Os “olhos” que olham a criança na escola e na sala de aula não são nunca isentos,
sequer desinteressados, muito menos descritivos. Seus “olhares” – sejam curriculares,
didáticos, pedagógicos, psicológicos, sociológicos, filosóficos, antropológicos – estão
historicamente comprometidos com determinadas relações de poder-saber e
implicados na constituição de certas políticas de identidade e de representação
culturais, e não de outras.
Tais momentos ajudaram a subsidiar ações que em muito contribuiriam para a redução
do número de alunos indicados para as classes especiais, ao se buscar como temas de reflexão
a contextualização do processo histórico de exclusão da pessoa com deficiência e a necessária
reorganização do fazer pedagógico como possibilidade de redimensionamento de dimensões
culturais, conforme acima exposto por Corazza.
Desse modo, assim se constituía o perfil da Educação Especial em 2003: 45
:
Quadro 5 – Perfil da Educação Especial – 2003
ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS
Classes Especiais 11 66
Escolas Especiais 02
1 escola especializada no atendimento a alunos
com deficiência auditiva →70 alunos;
1 escola especializada no atendimento a alunos
com deficiências múltiplas →50 alunos
Total: 186
Com relação às escolas especiais, a alteração se dá na Escola Municipal de Educação
Especial Santos Dumont voltada ao atendimento de alunos deficientes auditivos, que
aumentou seu percentual de atendidos por iniciar, no ano de 2003, em parceria com a
Secretaria Estadual de Educação, envolvimento a alunos do Segundo Segmento do Ensino
Fundamental em sistema de módulos. No entanto, tal ação não se revelou satisfatória,
desfazendo-se a parceria ao final do ano em questão.
Outro fator relevante no mesmo ano refere-se à demanda para matrículas de alunos
com diferenciadas deficiências em idade superior a 18 anos. Embora se procedesse à oferta de
inserção dos mesmos em turmas de Educação de Jovens e Adultos – EJA – no período
noturno, a recusa das famílias se fazia imediata, justificada pela pouca autonomia revelada por
tais sujeitos, os quais vivenciavam situação de longa reclusão ao espaço doméstico.
45
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ. Ano base 2003.
84
A latência da dificuldade de enfrentar o novo, de permitir-se viver experiências ainda
não claramente “permitidas” pela cultura, aí se revela. “A mesmice também regula a relação
com o passado. A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está
na exclusão do novo”, afirmam Adorno e Horkheimer (2009, p. 27).
Na inobservância de possibilidades outras, procedeu-se à abertura de classe especial
no período diurno para tal público, apoiando-se em pressupostos legalmente definidos à época
pelo Governo Federal que, ao apontar ações a serem observadas no Plano Municipal de
Educação46
, ressalta que:
Os municípios brasileiros conquistaram maior autonomia, a partir da opção pela
descentralização do poder estabelecida pela Constituição Brasileira de 1988.
Desde essa data, cada município adquiriu o poder de, tendo como parâmetros as
políticas nacionais e estaduais, analisar sua realidade local e decidir como se
caracterizarão os serviços que serão disponibilizados para sua população. Que tipo e
qualidade de atendimento à saúde necessitam? Que tipo de educação desejam? Que
tipo e qualidade de transporte urbano necessitam?
Questões como estas devem ser feitas para todas as áreas da atenção pública, tendo
como referências as características da realidade local e em suas respostas, os norte
adores para a definição das políticas públicas municipais.
Assim, toda área de atenção pública necessita de um planejamento para garantir que as
necessidades da população sejam atendidas. Nesse contexto, somente por meio de um
planejamento sistemático é que se pode definir objetivos e metas a serem alcançados
ao longo do tempo, bem como priorizar em que e como investir a verba pública de
forma racional e consequente.
Não se pode julgar se a ação prevista para o envolvimento a tais sujeitos foi ou não a
adequada, mas sim refletir-se sobre o porquê de tal público ser excluído das escolas sem
opções outras para o seu desenvolvimento. Que diferenciadas ações se fariam necessárias,
quais seriam as instâncias responsáveis pelas mesmas, são questões que nos instigam, uma
vez que ao nos apoiarmos em Adorno (2006), constatamos que o passado não é para ser
esquecido, mas para servir como possibilidade de reflexão para que caminhos considerados
inadequados não voltem a ser percorridos, ou, nos ensinem sobre o que não mais desejamos.
Ainda sob a perspectiva da necessidade de investimento na formação continuada de
profissionais para que práticas se constituíssem devidamente embasadas em adequadas
concepções teóricas, a então Secretaria de Educação e Esportes promoveu, no mês de
setembro de 2004, em pareceria com a Faculdade de Educação da Universidade Católica de
Petrópolis, o I Fórum de Educação Inclusiva, aberto a cento e vinte profissionais da educação.
Rever ações, repensar caminhos, buscar horizontes para mudanças paradigmáticas é,
46
Fonte: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. MEC – SEESP, 2004.
85
efetivamente, um dos mais prementes desafios para a construção de um Sistema que se quer
inclusiva.
Ao final do ano de 2004, assim se configurava a Educação Especial na Rede
Municipal de Ensino47
:
Gráfico 8 – Classes Especiais x Escolas Especiais – 2001 a 2004
Como se pode observar, houve acentuado decréscimo no número de alunos atendidos
em classes especiais, em contrapartida, aumenta o quantitativo daqueles inseridos em escolas
especiais. Tal fato deve-se, inicialmente, à oferta de Segundo Segmento do Ensino
Fundamental para alunos deficientes auditivos, entretanto, outros fatores contribuiriam para o
aumento de tal percentual, conforme se comprovará quando de apresentação de dados
relativos aos próximos anos.
O ano de 2005 apresentou como desafio o envolvimento de orientadores pedagógicos,
coordenadores de creche, centros de educação infantil e professores regentes de classes
especiais em momentos de formação e capacitação com vistas a uma educação inclusiva.
A “equipe” de até então composta por uma só profissional desde o ano de 2003 é
acrescida de mais duas pessoas; a saber, uma pedagoga e uma psicóloga, esta advinda da
Secretaria de Trabalho, Assistência Social e Cidadania – SETRAC.
47
Fonte: Fonte: Secretaria de Educação da Rede de Ensino do Município de Petrópolis, ano base 2004.
175
100
66
76
103
103120
120
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
2001 2002 2003 2004
Classes Especiais x Escolas Especiais2001 a 2004
Alunos em classes especiais Alunos em escolas especiais
86
Ao longo do ano de 2006, intensificou-se assessoria às unidades escolares, bem como
a captação, triagem e direcionamento de alunos a serem acompanhados em escolas regulares
ou em unidades especializadas. Acentuaram-se direcionamentos para a inserção de alunos
com necessidades educacionais especiais em turmas regulares.
Ainda em 2006, criou-se, através do Decreto Municipal Nº 316 de 14 de julho de
2006, a Escola de Educação Especial Doutor Accácio Branco, com atendimento voltado à
especificidade da deficiência visual. O espaço em questão visava, a exemplo do Instituto
Benjamin Constant48
, tornar-se referência no atendimento e produção de material de suporte a
alunos deficientes visuais.
A instauração de mais uma escola especial nitidamente percebida na contramão de
caminhos até então traçados em uma perspectiva inclusiva, leva-nos a refletir, uma vez mais,
sobre o quão difícil se faz romper com concepções e instituir políticas públicas que não se
encontrem atreladas a concepções filosóficas. Por mais que instâncias superiores indiquem
caminhos a serem trilhados, tal fato não assegura que os mesmos se farão a contento.
Inúmeros são os atalhos possíveis quando não se tem clareza sobre rotas por outros indicadas.
O rompimento com certezas, mesmo que aparentes, gera desconforto e dúvidas.
Permanecer na rota conhecida e lidar com o previsível torna-se muito mais cômodo, o que
instiga reflexão sobre a formação que nos é socialmente imposta que em muito pouco
contribui para a ousadia da vivência do novo. “Mas a democracia não se estabeleceu a ponto
de constar da experiência das pessoas como se fosse um assunto próprio delas, de modo que
elas compreendessem a si mesmas como sendo sujeitos dos processos políticos”, constata
Adorno (2006, p. 35).
Em uma sociedade pouco autônoma e administrada por forças externas não se propicia
a criação de consciências capazes de subverter a ordem instituída, como demonstrado por
Freire (2006, p.114) ao afirmar:
O que teríamos de fazer, uma sociedade em transição como a nossa, inserida no
processo de democratização fundamental, com o povo em grande parte emergindo,
era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ele na indispensável
organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe pusesse à disposição
meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua
realidade, por uma dominantemente crítica.
48
Centro precursor para escolarização de alunos cegos e deficientes visuais, criado em 1854, na cidade do Rio de
Janeiro como Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
87
Conforme apresentado por Adorno e Freire, a captação crítica da realidade permite-
nos a apropriação de elementos necessários a seu reconhecimento e transformação.
Ao final do ano de 2006, o desenho apresentado pela educação especial na rede
pública municipal de ensino de Petrópolis era o seguinte:49
:
Gráfico 9 – Quantitativo de Alunos Público-alvo da Educação Especial – 2006
O grande aumento no quantitativo de alunos incluídos em turmas regulares justifica-se
por à época ter-se procedido à parceria com a rede de saúde através de aproximação ao
Ambulatório de Saúde Mental, ao Centro de Atendimento Psicossocial Infantil (CAPSI) e ao
Centro Municipal de Saúde o que possibilitou atendimentos a alunos que há muito se
encontravam em filas de espera. Sem parecer e cuidados clínicos específicos esses alunos
eram classificados ora como sujeitos desinteressados e pouco envolvidos com as tarefas
propostas, ora como detentores de gravíssimas dificuldades na aprendizagem, permanecendo
por anos retidos nas séries iniciais do ensino fundamental.
A esse respeito, estudos de Damasceno (2006) constatam que a lógica dominante na
escola que temos não dá conta de atender a diversidade humana, pois educa para a
homogeneização desconsidera diferenças, hierarquiza os indivíduos e reproduz as classes
existentes na organização social: só os mais fortes resistem.
Outro fator relevante para a justificativa de alargamento do percentual acima
refere-se ao fato de aí também se encontrarem educandos inseridos nos chamados
“transtornos funcionais específicos”, aqueles relativos a déficits de atenção e hiperatividade,
49
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2006.
415217
112Alunos incluídos em turmas regulares
Alunos em escolas especiais
Alunos em classes especiais
88
dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, entre outros, ao que nos parece, devido à pouca
clareza sobre o público-alvo da educação especial.
3.2.4 Caminhos que se definem: 2007 e 2008
Ao início do ano de 2007, publicou-se a Resolução Municipal Nº 01 de 02 de janeiro,
com a aprovação da revisão efetuada, ao longo do ano de 2006, no Regimento Escolar das
escolas da rede municipal de ensino. Contemplada na Seção V, as normatizações relativas à
Educação Especial permaneceram inalteradas em relação ao Regimento de 2003, previamente
citado, constatando-se, apenas, o acréscimo do Artigo 62, relativo à avaliação, inexistente no
documento anterior e a seguir apresentado:50
Art. 62. A avaliação dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais
será realizada mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, na
forma de relatórios bimestrais, levando-se em consideração as adaptações
curriculares estabelecidas, podendo também ser utilizado o critério determinado no
Artigo 68 deste Regimento51
.
Embora à primeira vista singelo, o artigo acima proposto é de suma importância na
medida em que ao se redirecionar a ação avaliativa do aluno com necessidades educacionais
especiais para a forma descritiva, por meio de relatórios do desenvolvimento do mesmo e
considerando-se as adaptações curriculares propostas, propicia-se ao professor a reflexão
sobre o envolvimento pedagógico direcionado ao aluno bem como os resultados advindos do
mesmo.
Ainda durante o mesmo ano, embora sem recursos advindos do Governo Federal,
iniciou-se a implantação de salas de recursos em duas escolas da rede municipal; a saber:
Escola São Judas Tadeu e Escola Germano Valente, cujas diretoras assumiram o
compromisso de disponibilização de espaço físico e aquisição de materiais, cabendo à
Secretaria de Educação subsídios e orientações no tocante à formação de professores e à
dinâmica organizacional e pedagógica do espaço.
Mesmo com pouca clareza sobre os objetivos a serem traçados e trabalhados, colocou-
se como intenção inicial não só o atendimento aos alunos incluídos nas turmas regulares,
como também àqueles inseridos em classes especiais.
50
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2007. 51
O Artigo 68 versa sobre o processo de avaliação, o registro numérico a ser atribuído e os pesos diferenciados
nos quatro bimestres.
89
Visando amparar ações, duas grandes frentes de formação foram abertas: o Programa
Educar na Diversidade, com assessoria do MEC, com 40 horas de duração e a capacitação em
Sala de Recursos Multifuncionais, também com um total de 40 horas, organizado e ministrado
pela equipe técnica da Secretaria de Educação.
Ambas as formações foram abertas a toda a rede municipal de ensino, através do
processo de livre adesão e ministradas por duas profissionais da Equipe de Educação Especial
com eventuais parcerias advindas de profissionais da Saúde.
O esforço rendeu bons frutos, pois cerca de 150 profissionais aderiram aos cursos ao
longo dos anos de 2007 e 2008.
Também em 2007, a então Equipe de Educação Especial procedeu à construção do
documento “O Fazer Educacional Frente aos Desafios da Inclusão”, com vistas a subsidiar
ações inclusivas nas escolas. Com tiragem de duzentos exemplares, oportunizou-se que todas
as escolas fossem contempladas com a obra.
Sancionada a 17 de abril de 2007, a Lei Municipal Nº 6.435 dispôs sobre a prioridade
de matrícula para “paraplégico e filhos de paraplégicos”, em escola municipal mais próxima
de sua residência, conforme consta: Art. 1º Fica assegurada, pela presente Lei, a prioridade a
paraplégico e filhos de paraplégico, de se matricularem em escola municipal mais próxima de
sua residência.
Vale ressaltar que a Lei promulgada torna-se importante quanto à organização e
adaptação arquitetônica das escolas da rede pública municipal, uma vez propor que sendo o
aluno ou o/a responsável pelo mesmo deficiente físico, cabe-lhes o direito à escolha pela
escola mais próxima de seu domicílio, concluindo-se pela responsabilização da instância
pública sobre a oferta.
Em 2008, iniciou-se a inclusão de alunos deficientes auditivos no Segundo Segmento
do Ensino Fundamental na Escola Municipal Salvador Kling. Para tal, a escola organizou-se
com a presença de dois profissionais intérpretes de linguagem de sinais – LIBRAS – e um
professor surdo voltado para a capacitação do corpo docente da unidade escolar. Constata-se,
pois, o afinamento com as orientações propostas pelas políticas governamentais voltadas a
esse alunado, conforme constante no Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005:
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem
proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras -
Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como
equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e
à educação.
90
§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre
a especificidade linguística do aluno surdo.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal,
estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas
referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência
auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação. 52
No mesmo ano, procedeu-se à implantação de nova classe em hospital (Hospital
UNIMED), estando a mesma ligada à Escola Municipal General Heitor Borges, configurando-
se dois hospitais com tal atendimento no município.
Frente à demanda que se acentuava, a equipe foi acrescida de mais uma pedagoga
contabilizando-se quatro profissionais envolvidos em ações voltadas à educação especial,
quando do término de mais uma gestão municipal.
Ao final do ano de em tela, enquanto se acolhiam as novas diretrizes ditadas pela
Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP,
2008), o município de Petrópolis buscava caminhos para sustentação e permanência de
práticas inclusivas.
Tal afirmativa se comprova, quando de observação de aspectos cadastrais do
quantitativo de alunos inseridos na modalidade da Educação Especial em 2008, na rede
municipal de ensino, conforme gráfico 10 que segue:
Gráfico 10 – Perfil da Educação Especial – 2008
52
Grifos meus.
975
245
119
20
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Alunos incluídos em turmas regulares
Alunos em escolas especiais
Alunos em classes especiais
Alunos em Centros de Educação Infantil
91
Os números apresentados revelaram grande avanço no quantitativo de alunos incluídos
em turmas tidas como regulares. Análise mais criteriosa de dados demonstra alguns pontos
essenciais à reflexão, uma vez constatar-se como parte desse quadro numérico alunos com
transtornos funcionais (o que se encontrará ilustrado mais à frente).
A constatação acima, ao que nos parece, foi reflexo de situação confusional que se fez
ao início da implementação da Política anteriormente citada, na qual não se fazia claro o lugar
ocupado por alunos que apresentassem transtornos funcionais, uma vez constarem ao lado
daqueles definidos como público da educação especial. Vejamos:
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta
pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades
educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que
implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de
forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às
necessidades educacionais especiais desses alunos53
.
O fato em análise pode ser mais bem compreendido ao nos debruçarmos sobre
documentos cadastrais da Equipe de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação,
em que assim se apresentava o perfil da educação especial por especificidades:
Gráfico 11 – Perfil da Educação Especial por Especificidades – 200854
53
Grifos do autor. 54
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2008
230224
126
8372
65
42
26 25 23 19 16 12 12
0
50
100
150
200
250
92
Chama a atenção o alto índice de educandos categorizados como com dificuldades na
aprendizagem assim como aqueles incluídos nos chamados transtornos funcionais: dislexia,
disortografia, dislalia, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dentre outros, o que
nos instiga refletir sobre o lugar a ser ocupado por alunos “tidos como problemas”, os que
não se inserem “no ritmo da turma”, “que não respondem a contento o esperado”, enfim, os
fadados ao fracasso “por não revelarem a prontidão necessária para avançar” e prontamente
inseridos em alguma especificidade clínica que contribua para justificar as pretensas
impossibilidades.
Constata-se que a solução possível se faz por meio da apresentação de tais sujeitos
como “público-alvo” da educação especial, ou seja, como se tal se configurasse objetivo de
uma educação “paralela”, minimizando ou até mesmo descomprometendo a escola de suas
responsabilidades em relação a esses alunos, depositando-se nos mesmos e em seus
responsáveis a culpabilidade pelo fracasso na aprendizagem.
Pode-se concluir pela reafirmação do discurso liberal das “desigualdades naturais”,
que reiteram a ação e a responsabilidade individuais sobre o sucesso ou fracasso do sujeito.
3.2.5 De 2009 a 2011: consolidação de ações
Ao longo do ano de 2009, o município foi contemplado pelo MEC com 13 Salas de
Recursos Multifuncionais que só se fizeram totalmente implantadas em 2010.
Ainda em 2009, Petrópolis é instituído como Polo do Programa Educação Inclusiva:
direito à diversidade, tendo como atribuição a formação de gestores e educadores de treze
municípios componentes do Polo, por meio de disseminação de referenciais políticos,
pedagógicos e legais da educação inclusiva, a fim de garantir a inclusão escolar de alunos
público alvo da educação especial. Em dezembro de 2010 realiza-se o “I Seminário de
Educação Inclusiva: Direito à Diversidade”.
Ressalta-se que embora tenha havido modificações políticas na área administrativa
através de mudanças na gestão municipal, manteve-se a equipe técnica responsável pelo
acompanhamento à educação especial.
Fato relevante se dá com a publicação da Lei Municipal Nº 6.709, de 15 de dezembro
de 2009, instituindo o Plano Municipal de Educação, em que se encontra inserido capítulo
referente a diagnóstico, objetivos e metas da Educação Especial em âmbito municipal.
93
O documento em foco, afirma que a rede municipal de ensino apoia-se nas Diretrizes
da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(MEC/SEESP, 2008), ressalta que a inclusão escolar tem início na Educação Infantil e deve
acompanhar o aluno durante todo o seu processo de escolarização, afirma o Atendimento
Educacional Especializado – AEE, como complementar e/ou suplementar à escolarização,
com vistas à independência e autonomia do aluno dentro e fora da escola, ressaltando tal ação
como não substitutiva à escolarização e estabelece sete metas e sete objetivos a serem
atingidos em um prazo de dez anos, a contar da publicação do Plano, conforme segue:
4. Objetivos e Metas
4.1 Objetivos
1. Favorecer e apoiar a inclusão dos educandos com necessidades especiais em
classes regulares, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam;
2. Garantir parceria entre educação, saúde e assistência social para encaminhamento
e acompanhamento a educandos com necessidades especiais;
3. Assegurar no Projeto Político Pedagógico das escolas referências específicas de
ações que possibilitem a inclusão de alunos com necessidades educativas
especiais;
4. Garantir oferta de curso de formação continuada e curso de especialização na
especificidade que se fizer necessária para professores e outros profissionais da
educação;
5. Firmar parcerias com instituições devidamente habilitadas para o desenvolvimento
de curso de capacitação para o trabalho com surdos, deficientes visuais,
deficiências múltiplas, deficiência mental e física, transtornos globais e funcionais,
altas habilidades e superdotação para professores e demais profissionais da
educação;
6. Garantir a existência nos sistemas de ensino um setor responsável pela Educação
Especial com profissionais com formação específica, em número suficiente ao
atendimento da demanda, para atuarem na Educação Inclusiva;
7. Assegurar proposta curricular construída na perspectiva de viabilizar a articulação
dos espaços de ensino especial com os e do ensino regular, que promova o
desenvolvimento das competências, habilidades, a ampliação dos conhecimentos,
experiências de vida e valorização dos percursos da aprendizagem e inserção no
mercado de trabalho.
No tocante aos objetivos propostos, observa-se maior ênfase na oferta do ensino
regular para alunos com necessidades educacionais especiais, o que se faz presente através da
proposição de ações inclusivas no Projeto Pedagógico das escolas e de proposta curricular que
viabilize articulação entre o ensino regular e o especial. ressaltando-se a indicação de busca de
parcerias com instituições habilitadas para a formação continuada e/ou especializada de
professores e demais profissionais da educação.
Ao afirmar parecerias da Educação com áreas da Saúde e Assistência Social e a
existência, nos sistemas de ensino, de setor responsável pela Educação Especial, com vistas à
94
qualidade no envolvimento do alunado em foco, a propositura contida no texto demonstra-se
afinada com direcionamentos à época propostos pelo MEC.
Sob tal aspecto, passemos à observação das metas apresentadas no documento:
4.2 Metas
1. Estabelecer programas para equipar em um prazo de 04 (quatro) anos 20% e em
08 (oito) anos 50% das escolas das respectivas redes com Salas de Recursos
Multifuncionais, devidamente aparelhadas para atenderem às diferentes
necessidades de aprendizagem dos alunos;
2. Construir prédios escolares em conformidade aos requisitos de infraestrutura para
atendimento aos alunos especiais (rampas, alargamento de portas e banheiros,
etc.);
3. Adaptar 20% em 04 anos e 50% em 08 (oito) anos dos prédios escolares já
existentes, de forma a atender aos requisitos de infraestrutura para atendimento
aos alunos especiais;
4. Assegurar em um prazo de 03 (três) anos a criação de Centros de Referência em
Educação Especial Inclusiva para atendimento e acompanhamento a alunos com
necessidades especiais, nos respectivos distritos, integrando setores da saúde e
assistência social;
5. Estabelecer em até 02 (dois) anos a contar da publicação deste documento
mecanismos de cooperação entre órgãos governamentais e não governamentais
para o desenvolvimento de programas de qualificação profissional para alunos
com necessidades especiais, provendo sua inserção no mercado de trabalho;
6. Promover e assegurar em 02 (dois) anos a oferta de transporte gratuito escolar
com adaptações necessárias aos alunos que apresentem necessidades de
locomoção de forma a garantir a sua escolarização;
7. Oferecer, a partir da vigência do plano, através de mecanismos de cooperação
entre órgãos governamentais e não governamentais, cursos de formação
continuada e cursos de especialização na especificidade que se fizer necessária
para professores e outros profissionais da educação, de modo a atingir 100% dos
profissionais com atuação na Educação Especial e a cada ano 10% dos
profissionais da educação que não atuem diretamente com a Educação Especial.
Não nos podemos furtar observações sobre o arrojo das metas propostas. Em se
considerando o Sistema Público Municipal de Educação, valem algumas considerações.
Em relação às metas 1, 2, 3 e 7 não nos foi possível criteriosa observação, uma vez a
pesquisa aqui apresentada ter como base o ano de 2011 o que impossibilitou a análise das
metas acima, devido ao não cumprimento do prazo legalmente definido para a concretização
das mesmas. Porém, no que tange às metas 4, 5 e 6, foram-nos possíveis algumas
considerações.
No tocante à meta 4, que previa a criação de Centros de Referência de Educação
Especial Inclusiva integrados a setores da saúde e assistência social nos distritos, constatou-se
que o mesmo não se efetivou, permanecendo a equipe técnica da Secretaria de Educação,
sediada no 1º distrito como referência única de atendimento e acompanhamento a alunos com
necessidades educacionais especiais matriculados na rede.
95
Não foram encontrados registros, desde a publicação do Plano em análise até o ano de
2011, de parcerias entre as instâncias governamentais e não governamentais com vistas a
programas de qualificação profissional para inserção no mercado de trabalho de alunos com
necessidades educacionais especiais, conforme estabelecido na meta 5.
No que tange à meta 6, constatou-se respeito à oferta do transporte a alunos com
dificuldades na locomoção, o que passou a ser feito a partir de cadastro encaminhado ao Setor
de Transportes da Secretaria Municipal de Educação, porém os veículos ofertados, em sua
maioria, não se encontravam adaptados.
Diante exposto, cabem considerações sobre a lacuna observada entre as propostas
contidas nos documentos legais e normativos e a concretização das mesmas. As proposições
não se concretizam na inobservância da ação, o que demanda postura administrativa e
supervisora das diferentes instâncias públicas responsáveis pela efetivação das ações
propostas.
Retomando o ano de 2009, vale ressaltar que, realinhando estratégias, a partir do ano
citado, a equipe técnica da Secretaria de Educação responsável pela educação especial buscou
maior proximidade com as escolas, com o objetivo de valorizar momentos de trocas com
orientadores pedagógicos e esclarecer sobre protocolo55
de encaminhamento de alunos para
avaliações junto à mesma, os quais passaram a se apresentar mediante prévio envio de
relatórios descritivos elaborados pela professora em parceria com a orientação pedagógica da
unidade escolar.
Desse modo, após atendimento ao aluno e seu responsável, devolutivas de
observações, encaminhamentos e possíveis orientações são feitas ao corpo pedagógico da
escola pela Equipe de Educação Especial.
O direcionamento a partir de então constituído, conduz-nos à constatação de que a
oportunização de reflexões conjuntas contribui para a percepção do outro em suas dúvidas e
possibilidades, bem como propicia autorreflexão essencial a novas buscas e o rompimento
com a “ingenuidade do saber”. Nesse sentido, Freire (2006, p.38) nos apresenta:
O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir dele como um ‘dado
dado’, que se conforma a prática docente crítica, implicante do pensar certo,
envolve movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o
fazer. O saber que a prática docente espontânea, “desarmada”,
indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito,
55
A partir de então, os alunos são encaminhados para atendimentos/avaliações junto à equipe técnica da
Secretaria de Educação, acompanhados de relatórios descritivos com apreciações da professora em parceria com
a orientação pedagógica.
96
a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade
epistemológica do sujeito.
Reiterando a colocação do autor acima, em uma prática que se quer reflexiva,
autêntica e necessária, não nos podemos conformar com a ingenuidade do “dado dado” como
justificativa para o limite do fazer. A prática docente desprovida da “curiosidade
epistemológica” reduz-se ao fazer pelo fazer, obstando-se o pensar sobre o fazer.
Nesse sentido, avaliamos que as medidas acima descritas e o movimento de
aproximação à escola através de abertura de diálogo, oportunizou o alargamento do
quantitativo de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas, ao compararmos
a oscilação numérica ocorrida entre os anos de 2009 e 201056
, conforme gráfico a seguir:
Constata-se aumento no percentual de alunos incluídos e decréscimo daqueles
atendidos em escolas especiais. Importante observação se faz quanto ao público considerado
como especificidade da educação especial, uma vez ter-se optado por atendimento baseado
em duas vertentes: alunos indicados, a partir do ano de 2009, por meio de documentos
oficiais, classificados como público-alvo MEC, ou seja:
56
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2010.
967
197138
31
1184
172138
37
0
200
400
600
800
1000
1200
Escola regular Escola especial Classe especial Centro Ed. Inf.
2009 2010
Gráfico 12 – Alunos Público-Alvo da Educação Especial – 2009/2010
97
Art. 4º Para fins destas Diretrizes, considera-se público-alvo do AEE:
I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um
quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas
relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição
alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno
desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.
III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um
potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,
isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.
(Resolução CNE/CEB 4/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro de
2009, Seção 1, p. 17).
Diferenciando-se daqueles incluídos nos ditos “transtornos funcionais”, os quais
passam a ser inseridos na nomenclatura “município”. Tal opção se fez diante da necessidade
da constituição de entendimentos e delimitação de fronteiras quanto às especificidades dos
alunos e às responsabilidades das diferentes instâncias com os mesmos envolvidas.
O gráfico abaixo ilustra a dinâmica em questão:57
57
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.
Gráfico 13 – Alunos incluídos 2009 - 2010
543613
790
888
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
2009 2010
Alunos incluídos 2009-2010
Público-alvo MEC Público-alvo Município
Público-alvo MEC:
Alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades/superdotação.
Público-alvo Município
Alunos com distúrbios funcionais.
98
Importante salientar que ao se adotar tal referencial, possibilitou-se perspectiva de
reflexão a respeito do papel da educação especial e da perspectiva inclusiva da Educação
como um todo.
Aprofundando-se a questão, podemos observar que ao se optar por tal entendimento,
instigou-se reflexão sobre fato de o aluno não ser elegível pelo MEC não implicar dizer que o
mesmo não necessite de atenção e cuidados, mas sim que a escola venha a perceber-se como
instância comprometida com os diferentes sujeitos, o que se coloca para além do
reducionismo contido nos laudos clínicos, os quais, em sua maioria são percebidos como
negação à humana possibilidade de aprendizagem, o que nos vem sendo apresentado nos
estudos de Costa (2009, p. 78) sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais na escola pública:
As narrativas das professoras revelam a necessidade da reflexão sobre suas
concepções de educação e prática pedagógica para a autonomia no exercício da
docência, possibilitando uma formação para além da adaptação, não necessitando do
diagnóstico das deficiências dos alunos, esse historicamente utilizado como
instrumento para legitimar a exclusão e segregação, impostas aos alunos por grupos
sociais hegemônicos.
Ao afirmar a formação docente para além da adaptação ao instituído, a autora reitera a
premência de quebra de concepções latentes em se tratando da espaço escolar inclusivo.
Fato é que à reboque das ações envidadas, em 2010 inicia-se o processo de inclusão de
alunos cegos e com baixa visão em escolas regulares, os quais passam a ser acompanhados
por professora itinerante, e inseridos em Atendimento educacional Especializado – AEE,
conforme orientações contidas no item VI da Política Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, que ao tratar das Diretrizes afirma (MEC/SEESP, 2007):
O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e
organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a
plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As
atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se
daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização.
Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à
autonomia e independência na escola e fora dela.
O ano também se fez profícuo em ofertas de cursos, oficinas e grupos de estudo
voltados a subsidiar ações inclusivas nas escolas; a saber, formações em Soroban, Braille,
99
Sala de Recursos, Dificuldades de Aprendizagem e estudos voltados a autismo e psicoses,
conforme gráfico comparativo58
a seguir:
Se em 2009, foi de 375 o quantitativo de professores a frequentar momentos de
formação na perspectiva da educação inclusiva, no ano de 2010, observou-se acréscimo de
cerca de 30% no quadro em tela, ou seja, 487 profissionais aderiram a capacitações
oferecidas.
Em agosto de 2010 somavam-se 35 escolas contempladas com Salas de Recursos
Multifuncionais, algumas já implantadas e outras em fase de implantação. Respeitou-se o
direcionamento somente de alunos que se encaixassem nas especificidades indicadas pelo
MEC como elegíveis para tal ação.
No mês de dezembro do mesmo ano ocorreu, por solicitação do Tribunal de Contas do
Estado, o descredenciamento de convênio entre a Secretaria Municipal de Educação e unidade
58
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.
Gráfico 14 – Formação Continuada – 2009 - 2010
100
escolar de caráter privado especializada no atendimento a deficiências múltiplas, à época com
cerca de 130 alunos matriculados. No mesmo período a rede estadual de ensino procedeu a
fechamento de 5 classes especiais, redirecionando os alunos para a rede municipal.
Frente ao inusitado da situação e o curto período de tempo para realocação dos cerca
de 180 alunos, em sua maioria acima dos 18 anos de idade, optou-se por abertura de nova
escola em região central do município, absorvendo-se parte do alunado em tal espaço e parte
sendo redistribuída nas demais escolas municipais.
Criada através do Decreto Nº 468 de 22 de março de 2011, a Escola Municipal Paulo
Freire absorveu cerca de 150 alunos com necessidades educacionais especiais e, embora se
buscasse atribuir à mesma o caráter de escola regular, o elevado número de alunos com
deficiência ali matriculados vem se apresentando como justificativa de responsáveis por
alunos ditos regulares por não quererem a inserção de seus filhos na unidade escolar. Assim
em universo de 176 estudantes, apenas 15 não se encontram inseridos na modalidade da
educação especial.
Cabe-nos, pois, considerar que, apesar de documentos oficiais legislarem em prol da
educação inclusiva, a tensão advinda da construção cultural é fator que constantemente
emerge e se revela através de valores e atitudes que denunciam o preconceito.
No texto Educação após Auschiwtz, Adorno (2006, p. 121), ressalta a importância do
contexto educativo para o fortalecimento de indivíduos autônomos, por considerar que as
condições objetivas que geram a violência não são facilmente alteradas, uma vez que como
constructos sociais apresentam-se de fora para dentro, afirmando que:
É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais
atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se
tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma
consciência geral acerca desses mecanismos.
Fundamentando-nos na afirmativa acima, embora fruto de construção cultural
socialmente disseminada de geração a geração, o homem carrega em si uma instância psíquica
que lhe permite, de maneira individual e subjetiva, refletir e resistir a mecanismos
externamente colocados.
Retomando-se o ano de 2010, constatou-se que como continuidade do processo de
política educacional inclusiva, a Secretaria de Educação procedeu a redimensionamento da
Escola Municipal de Educação Especial Doutor. Accácio Branco, voltada a atendimento a
alunos cegos e deficientes visuais, transformando-se o espaço em Núcleo de Atendimento
101
Educacional Especializado, conforme o Decreto Municipal Nº 341 de 13 de outubro de 2010,
em vigor ao início do ano seguinte. Ressalta-se que o movimento de inclusão de alunos da
unidade em escolas comuns já se vinha configurando ao longo do ano referendado.
O ano de 2011 foi significativo para a consolidação das Salas de Recursos
Multifuncionais, como espaço de suporte à inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais nas escolas comuns da rede pública municipal. Tal constatação levou-nos a
aprofundar reflexões sobre os impactos do Atendimento Educacional Especializado –AEE –,
o que se fará no capítulo que segue, em atendimento a um dos objetivos deste estudo.
Problematizarmos a nós mesmos não é tarefa fácil. Quando revisitamos nosso lugar,
nossa história, permitimo-nos constatações e surpresas, ora agradáveis, ora desconcertantes.
No entanto, para além de conclusões possíveis, a importância está em permitir-se o ato de
refletir criticamente sobre a realidade em que nos encontramos e foi a isso que me propus e,
espero ter conseguido, ao buscar o resgate dos aspectos históricos e legais que serviram (e
vêm servindo) como sustentação da educação especial na rede pública municipal de ensino de
Petrópolis, RJ e a percepção de como se inserem os desafios para a inclusão escolar na
perspectiva inclusiva.
102
CAPÍTULO 4
Nem nós somos meros espectadores da história do mundo transitando mais ou menos imunes em seu âmbito, e
nem a própria história do mundo, cujo ritmo frequentemente assemelha-se ao catastrófico, parece possibilitar
aos seus sujeitos o tempo necessário para que tudo melhore por si mesmo.
(Adorno, 2006)
Organização da escola pública na perspectiva democrática:
desafios e demandas da educação inclusiva
Este capítulo refere-se à apresentação e análise dos dados. Apoiando-nos no
pensamento contido na epígrafe acima, buscamos tensionar o espaço-tempo da escola e seu
ser-estar no mundo, não apenas como espectadora e mera observadora da realidade social
circundante, mas como instância crítica e comprometida com ações transformadoras.
No que se refere ao material e aos procedimentos de coleta de dados, foram realizadas
observações no cotidiano escolar, análise documental, aplicação de questionário e entrevistas
semiestruturadas com os participantes deste estudo, professores da Escola São Judas de
ensino fundamental de Petrópolis, RJ, focando questões ligadas às práticas docentes, à
organização e estruturação da escola em relação à educação inclusiva e ao atendimento
educacional especializado/ AEE – realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,
como apoio à escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais na escola
pública.
Para tal, utilizou-se como suporte teórico-metodológico a Teoria Crítica da Sociedade,
especialmente representada pelo pensamento de Theodor W. Adorno (1903-1969), a qual
subsidiou a crítica reflexiva sobre as questões deste estudo, como também a análise dos
dados. Também, estabeleceu-se diálogo com Crochík, Costa, Arroyo e Gadotti, em apoio à
discussão das categorias de análise.
Assim, os objetivos deste estudo são:
1. Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para
alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de
Petrópolis, RJ.
Em relação a esse objetivo, os resultados obtidos encontram-se apresentados no
Capítulo 3 que trata da Organização de Escolas inclusivas no Município de Petrópolis.
2. Avaliar a atuação de uma escola municipal de Petrópolis, RJ quanto à implementação da
educação inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos professores das
103
classes regulares e dos professores que ministram o Atendimento Educacional
Especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs.
Uma vez os objetivos estabelecidos, elenquei as seguintes questões como orientadoras
de minhas reflexões/problematizações:
Quais as demandas das atuais políticas públicas de educação especial na perspectiva
inclusiva no que se refere à formação de professores, implementadas no âmbito do
município de Petrópolis, RJ?
Quais as contribuições das políticas públicas de educação especial na perspectiva
inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da acessibilidade
arquitetônica na escola pública, com ênfase no âmbito do município de Petrópolis, RJ?
Como se articulam as práticas docentes e o atendimento pedagógico às necessidades
educacionais especiais no cotidiano da escola estudada?
Quais os impactos do atendimento educacional especializado/AEE na Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais na Escola São Judas Tadeu?
A dinâmica em campo constituiu-se de visitas semanais à Escola São Judas Tadeu ao
longo dos meses de setembro, outubro e novembro do ano de 2012, sendo que, no mês de
dezembro, compareci por duas vezes à unidade escolar para participação em reuniões de
Conselhos de Classe.
O contato inicial com o espaço propiciou-me, por cerca de duas semanas, a
aproximação ao locus de estudo, com observações sobre a dinâmica organizacional do
mesmo, tais como: a dinâmica de professores, o movimento de alunos e seus responsáveis, as
atribuições dos profissionais de apoio e a atuação da equipe gestora.
Após contato inicial, elaborei questionários (em anexo), os quais orientaram minhas
entrevistas com as professoras, orientadora pedagógica e gestora. Tem-se a destacar que as
professoras (são todas do sexo feminino) constantes dessa pesquisa, foram escolhidos pela
direção da escola (turmas do 1º ao 5º ano), a partir de minha solicitação de serem 2 (duas)
professoras, atuantes em classes com alunos com necessidades educacionais especiais/NEEs
incluídos e recebendo apoio do AEE em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs e 2 (duas)
professoras de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs, com atuação de cada em diferentes
turnos na unidade escolar; a saber 1º e 2º turnos.
104
Ao elaborar o questionário (roteiro) de entrevista com os professores participantes
dessa pesquisa busquei o estabelecimento de diálogo a partir de investigação do aspecto
acadêmico e resgate do contexto de formação.
Estabelecido o contato, procedi a questionamentos com vistas à caracterização do atual
processo inclusivo e seus desafios, em especial as barreiras atitudinais, físicas, o preconceito,
estereótipos, a organização do espaço pedagógico e as possibilidades representadas pelo
atendimento educacional especializado – AEE – em Sala de Recursos Multifuncionais.
Além do contato com as professoras, ao longo dos três meses em que compareci à
escola, tive acesso à orientadora pedagógica, com quem me encontrei por três vezes, na sala
de coordenação, durante intervalos de seus atendimentos ao espaço. Com a mesma, estabeleci
diálogo sobre a organização pedagógica da escola, as orientações relativas à escolarização de
alunos com necessidades educacionais especiais e à dinâmica de organização e funcionamento
da Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs.
Também me foi oportunizada entrevista com a diretora da escola, o que ocorreu em
dois momentos de acesso à sua sala, ocasião em que busquei investigar aspectos referentes à
organização da escola, percepção do trabalho dos professores, relacionamento interpessoal
entre professores, profissionais de apoio da escola, estudantes com necessidades educacionais
especiais e demais alunos, dentre outros.
Constatei que, ao longo das entrevistas, enquanto questões eram propostas,
inicialmente em formato de questionamento, outras tantas se faziam naturalmente
incorporadas ao contexto, em processo ora reflexivo, ora de desabafo, observando-se a
dialogicidade com a metodologia semiestruturada no desenrolar da ação.
Ao contemplar os objetivos e questões propostos, essa pesquisa, de maneira crítico-
reflexiva, abordou questões referentes à formação de professores em uma perspectiva
emancipatória e à organização de escolas democráticas para a inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais, o que se buscou por meio de problematizações voltadas
à educação inclusiva no município de Petrópolis, RJ, sua trajetória, limites e possibilidades.
4.1 Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs: impactos do Atendimento Educacional
Especializado/AEE sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais na Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis
Este capítulo versa sobre a implantação das Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs
e o seu impacto sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em
turmas de escolas regulares da rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ.
105
Como a pesquisa apresentada transcorreu ao longo do ano de 2012, optou-se por coleta
de dados até o ano de 2011, sob pena de se incorrer em imprecisão numérica pela variação
inerente ao processo em movimento.
Ressalte-se que vivenciei a narrativa que se apresenta, como partícipe da Equipe de
Educação Especial da rede municipal de ensino, o que me facilitou o acesso a dados
quantitativos e à construção da trajetória histórica da implantação das Salas de Recursos
Multifuncionais/SRMs nas escolas municipais.
Quanto à fundamentação teórica, optou-se por diálogo com Costa (2011b, 2009) e
Crochík (1997, 2011) tendo-se em Adorno (2006) o eixo norteador das necessárias reflexões.
Nesse sentido, o papel que a educação especial assume constitui-se, cada vez mais, de
fundamental importância na perspectiva de atender de forma digna, democrática, ética e
cidadã a uma parcela da população que deve ser orientada para vivência em uma sociedade
em constantes transformações e renovadas exigências.
No entanto, em se tratando de contemporaneidade, não podemos ingenuamente discutir a
“inclusão”, sem problematizá-la à luz da sociedade de classes, que a tudo dá um ar de
semelhança, com o objetivo de dominar e submeter à lógica produtivista.59
Nesse contexto, emergem as questões: até que ponto a proposta do Atendimento
Educacional Especializado – AEE – não estaria contribuindo à manutenção da negação do
indivíduo, a partir da exigência de sua adaptação a padrões, em caráter dicotômico à
exclusão? Aprofundando-nos um pouco mais: estaria essa forma de inclusão propondo
efetivas formas de igualdade de oportunidades e condições para a superação de obstáculos
existentes?
Ressalte-se que a crítica a que nos propomos não significa a negação da proposta do
AEE, mas sim a reflexão sobre o trabalho pedagógico oferecido. Pois, conforme salientado
por Crochík (1997, p. 17):
Embora possamos pensar que as diferenciações estabelecidas entre os alunos na
escola decorram dos critérios objetivos ligados ao propósito de melhorar o
desempenho do aluno, são esses critérios e esse desempenho que devem ser
refletidos, antes que se diga que um dos problemas da escola seja o de mau emprego
dos métodos que sustentam a discriminação.
A proposta do Atendimento Educacional Especializado – AEE – em contraturno à
escolarização regular, e com o objetivo de complementar ou suplementar a formação de
59
Como indicação de leitura: ADORNO T. W. & HORKHEIMER M. A Indústria Cultural. O Iluminismo como
Mistificação das Massas. In: ADORNO, T. W. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
106
alunos, há tanto excluídos na e da escola, remete-nos a novas perspectivas e importantes
mudanças no papel da educação escolar. Entretanto, apoiando-nos nas considerações de
Crochík, é preciso refletir sobre as funções ideológicas subjacentes à homogeneização de
grupos diferenciados, o que contribuiria para a negação da diversidade inerente à constituição
do ser em sua humanidade, ou seja, uma inclusão sombreada pela exclusão.
O público-alvo de tal proposta se encontra explicitado no Art. 4º das Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial (Resolução, nº 4 de 2 de outubro de 2009, MEC/SEESP):
Para fins destas Diretrizes considera-se público-alvo do AEE:
I - Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
II - Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam
um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento
nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa
definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett,
transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra
especificação.
III - Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um
potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,
isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.
Entretanto, fica-nos a questão: estaria a delimitação desse foco de atendimento
implicada, realmente, com a qualidade do envolvimento aos alunos para os quais se destina?
Para além de leis, diretrizes e decretos, há que se buscar o devido reconhecimento, percepção
e reflexão sobre o sujeito alvo da ação pedagógica, sob pena de se repetirem práticas que mais
se aproximem ou se identifiquem com o artefato cultural da “correção”, “reforço”,
“normalização e outros tantos constructos presentes na cultura escolar.
Atentar para tais questões torna-se importante, a fim de que barreiras venham a ser
vencidas e as SRMs não se constituam em um outro espaço de velada segregação e até
mesmo modismo de uma época. Para o que Costa (2011, p. 69) orienta:
Os professores, ao assumirem o compromisso de atuar em salas de aula inclusivas,
demandarão o aprendizado do acolhimento das diferenças sensoriais, físicas e
cognitivas dos alunos, buscando, assim, compreender, enfrentar e superar os
estereótipos existentes em relação às minorias, no caso, os alunos da educação
especial, buscando nos desafios da educação inclusiva as perspectivas para uma
escola pública democrática e aberta à diversidade dos alunos, tendo isso como
princípio norteador de sua práxis.
Vale a escola ser pensada por intermédio de ampla e necessária discussão de seu
Projeto Político Pedagógico, rico campo de entrecruzamento de ideias e reflexões críticas em
107
que seus atores constitutivos se façam conhecidos e reconhecidos em suas necessidades,
especificidades e expectativas.
É necessário destacar o papel do MEC no tocante às políticas centradas na visão
educacional inclusiva ao longo da primeira década do século XXI. Documentos vários, desde
as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução nº
2/2001/CNE/CEB (BRASIL, 2001), que no artigo 2º determinam que “Os sistemas de ensino
devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos
educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias
para uma educação de qualidade para todos”, até a Política Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva/MEC/SEESP (BRASIL, 2008), em suas Diretrizes reitera
que “A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e
modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e
serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas
comuns do ensino regular”, se configuraram no limiar do século XXI.
No entanto, faz-se urgente perceber que políticas não se constituem independentes de
concepções, ideologias e construções culturais dos grupos que as implantam, o que sinaliza
que, para além da oferta, torna-se fundamental o estudo e a apropriação que permitam sua
sustentação, sem o que se corre o risco da simples matrícula compulsória de alunos com
necessidades educacionais especiais em escolas regulares, em atendimento único e tão
somente à prescrição legal. Então, cabe a questão: como se vem constituindo o movimento de
implantação e dinamização das SRMs na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ,
como aporte às políticas inclusivas na rede em estudo e, mais especificamente, quais os
impactos de tal ação como suporte à inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais?
4.1.1 Reflexão e ação: passos iniciais
O início de implantação de SRMs em escolas da Rede Municipal de Ensino de
Petrópolis dá-se no ano de 2007, por iniciativa da Equipe de Educação Especial em parceria
com duas diretoras de escolas com classes especiais.
A ação inicial foi a de elaborar conhecimento sobre a dinâmica de uma Sala de
Recursos quanto à organização física e pedagógica, como também de formação de professores
para atuação nesse espaço de atendimento pedagógico, uma vez que, segundo Costa (2009, p.
70):
108
Faz-se urgente uma formação de professores para a reflexão e a crítica que
ultrapassem os limites baseados na deficiência, alcançando o pensar sobre os alunos
com deficiência de maneira a atender sua necessidade por aprendizagem pelas
experiências entre diferentes professores e colegas.
Assumir a postura apresentada por Costa implica que valores como acolhimento,
respeito, tolerância e solidariedade, atravessem os projetos educativos propostos pelos
professores, a fim de que se percebam aptos ao enfrentamento de situações, que somente se
fazem perceptíveis, quando da vivência da experiência por meio da aproximação do objeto.
A partir desse entendimento, tomou-se como referência para discussão o livro Salas de
Recursos Multifuncionais, de Denise Alves & et al, editado pelo MEC/SEESP (2005), o qual
subsidiou momentos de estudos e reflexões, inicialmente voltados somente para os
professores atuantes em classes especiais, que posteriormente assumiriam docência em Salas
de Recursos.
Implantadas em duas escolas, com o objetivo inicial de atender exclusivamente os
alunos inseridos em classes especiais das unidades escolares, o atendimento nas Salas de
Recursos foi se ampliando para os demais alunos que apresentassem algum denominado
‘transtorno’ ou ‘dificuldade’ na aprendizagem.
Ao final do ano de 2007, observou-se necessidade de reestruturação os espaços dessas
Salas de Recursos, uma vez observar-se que estavam se constituindo mais em salas de reforço
ou de apoio pedagógico do que efetivamente em lócus de complementação e/ou
suplementação de aprendizagem, objetivo primeiro da Sala de Recursos.
Ao longo do ano de 2008, intensificaram-se ações de formação, então abertas à
totalidade dos professores em sistema de adesão. A iniciativa teve resultados, com a adesão de
cerca de 100 profissionais. Ao final do ano, estabeleceu-se, junto ao Departamento Técnico da
Secretaria de Educação, que somente professores com a formação mínima de 40 horas de
Curso específico, oferecido pela Equipe de Educação Especial da Secretaria de Educação de
Petrópolis, poderiam ser encaminhados para exercer função pedagógica em Sala de Recursos,
posto que é importante a formação teórica que dê suporte à prática docente, sendo
fundamental para sua sustentação qualificada. Quanto a isso, Adorno (2006, p. 211) afirma
que:
A aversão à teoria, característica de nossa época, seu atrofiamento de modo nenhum
casual, sua proscrição pela impaciência que pretende transformar o mundo sem
interpretá-lo, enquanto, em seu devido contexto, afirmava-se que os filósofos até
então tinham apenas interpretado - tal aversão à teoria constitui a fragilidade da
práxis.
109
A atitude analisada por Adorno, aliada à continuidade da Equipe Técnica de suporte à
Educação Especial, mesmo com mudanças na gestão municipal decorrentes das eleições,
contribuíram para que, no ano de 2009, quando da chegada das SRMs, por intermédio do
MEC, fosse ampliada sua organização e distribuição nas escolas da Rede Municipal de Ensino
de Petrópolis.
Com oferta inicial de 13 (treze) SRMs (no ano de 2009) estabeleceu-se, a partir do ano
de 2010, que somente teriam matrícula em SRMs, os alunos que pudessem frequentar em
contraturno e que considerassem as orientações contidas na Resolução nº 4/MEC/SEESP
(BRASIL, 2009).
À medida que se efetivavam ações pedagógicas, em âmbito organizacional, alargava-
se o leque de adesão de escolas à implementação de SRMs, o que não implicou na superação
dos desafios postos ao seu funcionamento.
Durante dos anos de 2010 e 2011, o quantitativo se amplia, demandando outras
estratégias de organização e acompanhamento por parte da equipe técnico-pedagógica
responsável, perfazendo-se o total, a seguir:60
60
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.
Posse - 5º Distrito
2 Salas de Recursos Pedro do Rio - 4º
Distrito
2 Salas de Recursos
Itaipava - 3º Distrito
3 Salas de Recursos
Centro- 1º Distrito
12 salas de Recursos
Cascatinha - 2º Distrito
11 Salas de Recursos
30 Escolas com Salas de Recursos
Multifuncionais
Figura 2 – Organização de Salas de Recursos Multifuncionais por Região – Ano 2011
110
A estratégia de distribuição das SRMs atentou desde os critérios de quantitativo de
alunos incluídos nas escolas da região, até à possibilidade de espaço físico e à existência de
profissional com formação disponibilizado para atuação especializada.
No que concerne à qualificação do professor para atuação em SRMs, a partir do ano de
2010 reiterou-se a necessidade da formação comprovada em nível de especialização em
Educação Especial ou Atendimento Educacional Especializado, admitindo-se ainda aquele
que tenha formação mínima de 40 horas em curso específico oferecido pela Secretaria de
Educação, em consonância com as orientações do MEC que preconizam a necessidade, para
atuação no AEE, do professor ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência
e formação específica para a Educação Especial (Resolução n.º 4, MEC/SEESP (BRASIL,
2009).
Embora seja curto o trajeto trilhado pelas SRMs na Rede Municipal de Ensino de
Petrópolis, alguns dados apoiam na percepção de possível impacto na inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais61
:
61
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.
40
0 0 00
60
0 00 0
185
453
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
2008 2009 2010 2011
Alunos Atendidos em Salas de Recursos - 2008 a 2011
Alunos classes especiais
Alunos classes especiais e dificuldade de aprendizagem
Público específico/MEC
Gráfico 15 – Alunos Atendidos em Salas de Recursos – 2008 a 2011
111
Assim, o avanço percentual entre os anos de 2010 e 2011 é visível. Certamente alguns
aspectos contribuíram para isso, como o fechamento de Escola Especial conveniada com a
Prefeitura de Petrópolis, a extinção de classes especiais nas escolas estaduais situadas no
município, e a inclusão de alunos cegos e surdos em turmas regulares.
A educação inclusiva, revolução que se instala no âmago das escolas, demanda que, a
exemplo de qualquer movimento revolucionário, atenção, cuidado e reflexão caminhem lado a
lado com a ação político-pedagógica. Logo o movimento, ainda que inicial e tateante tem
validade, como constatado a seguir, nos resultados obtidos desde o início da implantação das
SRMs na rede municipal de ensino de Petrópolis62
Diferentemente do entendimento que por muito tempo se fez, ou seja, que a educação
especial deveria ser organizada de forma paralela à educação comum, enfatizando aspectos
relacionados à deficiência, o que atualmente se almeja é a reestruturação das escolas
62
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011. Os dados relativos ao ano de
2011 referem-se ao mês de junho.
543
613651
0
100
200
300
400
500
600
700
2009 2010 2011
Gráfico 16 – Evolução do Quantitativo de Alunos Atendidos em SRMs – Anos de 2009 a
2011
112
regulares, passando a educação especial, na perspectiva da educação inclusiva, a integrar a
proposta pedagógica, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais dos
alunos, público-alvo dessa modalidade de atendimento pedagógico, como suporte à inclusão
nas salas regulares de ensino.
A proposta do Atendimento Educacional Especializado – AEE, em contraturno à
escolarização regular e com o objetivo de complementar ou suplementar a educação de alunos
há tempos excluídos da escola pública, como suporte à inclusão em salas de aula regulares,
pode contemplar outras perspectivas e mudanças no papel da educação escolar na
contemporaneidade.
Longo é o caminho percorrido pelos indivíduos com deficiência, na busca de sua
inserção na sociedade em seus diversos níveis. Na escola, seu espaço constituído e
constituinte, não poderia ser diferente.
Não se podem negar os avanços obtidos no processo de inclusão escolar de alunos
com necessidades educacionais especiais, sobretudo ao longo dos últimos três anos, com a
implantação das SRMs na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ.
No entanto, muito ainda há que se caminhar. Pois, na tessitura que se faz entre escola e
sociedade uma não se transforma sem a participação da outra, posto que crenças e ações
humanas encontram-se atreladas a condições em que se vive e trabalha. Há que se pensar em
transformações mais amplas e profundas. Porém, caminhos se fazem sinalizados, passos estão
sendo dados e este estudo poderá contribuir para que isso se torne possível.
4.2 Lócus e Participantes do Estudo
O lócus deste estudo foi a Escola São Judas Tadeu, justificando-se a escolha por ser a
unidade da rede pública municipal de Petrópolis, RJ com o maior número de alunos com
necessidades educacionais especiais incluídos.
A Escola São Judas Tadeu é uma instituição pública municipal, conveniada com a
Mitra Diocesana de Petrópolis63
, através do Processo Administrativo nº 3797/2001,
observadas as normas contidas na Deliberação Municipal n° 2.729/1968 e o Decreto nº
204/1969, vinculada à Secretaria de Educação.64
63
Embora seja instituição pública municipal, manteve-se o nome sem o termo ‘Municipal’ em respeito à
identidade inicial da escola, que surgiu como anexo da Igreja de São Judas Tadeu com vistas a atender à
demanda de escolarização de crianças do emergente Bairro da Mosela. 64
O convênio em questão é feito pela cessão do espaço físico (edificação predial) da escola.
113
A referida escola está localizada à Rua Mosela, nº 1.445, no Bairro Mosela, Zona
Oeste da cidade. É um bairro de colonização alemã, tipicamente residencial e oferece
comércio de apoio que atende às necessidades do bairro.
O prédio da escola passou por ampla reforma, concluída em 2006, porém não possui
rampas. O espaço físico é constituído por: 15 (quinze) salas de aula; 1 (uma) sala de recursos
multifuncionais; 1 (uma) biblioteca; 1 (um) laboratório de informática; 1 (uma) secretaria; 1
(uma) sala de direção; 1 (uma) sala de orientação pedagógica; 1 (uma) sala de professores; 1
(um) depósito de material; 1 (uma) cozinha; 1 (um) refeitório; 11 banheiros, sendo 1 (um)
adaptado para pessoas com deficiência física e que usam cadeira de rodas; 1 (um) pátio
aberto, 1 (um) pátio coberto e 1 (um) almoxarifado.
Inserido na escola, se encontra o CACI – Centro de Atividades Corporais e de
Inteligência – composto pela Banda Marcial Frei Aniceto, coral, grupo de dança moderna e
grupo de danças folclóricas alemãs, judô, handball e futsal. As atividades do CACI acontecem
no contraturno da escolarização e aos sábados.
A maior parte de seus 783 alunos são moradores do próprio bairro, com faixa etária
variando entre os 06 (seis) e 15 (quinze) anos, aproximadamente, divididos nos nove anos do
Ensino Fundamental.
Como atende alunos com necessidades educacionais especiais incluídos e em 1 (uma)
classe especial, alguns apresentam distorção idade-ano de escolaridade, atingindo até o
momento, 19 (dezenove) anos de idade.
A Escola São Judas Tadeu possui um corpo docente com estabilidade de tempo de
serviço na unidade com uma média de permanência de oito anos, tendo obtido média 5,7 no
IDEB e 8,7 na Prova Petrópolis.
Há voluntariado constituído por pais/responsáveis e pessoas da comunidade, que
formam a Associação de Apoio, a qual atua como suporte aos projetos, ações festivas e
cívicas desenvolvidas ao longo do ano.
O horário de funcionamento dos turnos é o seguinte: 1º turno (matutino), das 7h às
12h30; 2º turno (vespertino), das 12h40 às 18h.
Quanto ao quantitativo de alunos matriculados na unidade escolar, assim se dividem
por segmentos:
114
Quadro 6 – Número de Turmas e Quantitativo de Alunos da Escola São Judas Tadeu65
Seriação Nº de Turmas Quantitativo de Alunos
1º ao 5º ano 20 441
6º ao 9º ano 10 342
TOTAL 30 783
Em relação ao quantitativo de alunos incluídos, ilustra-se:
Gráfico 17 – Quantitativo Total de Alunos Matriculados x Quantitativo de Alunos
Incluídos66
Verifica-se que dos 783 alunos matriculados, 21 se encontram inseridos na modalidade
de educação especial, o que implica em 2,68% o percentual de alunos incluídos na instituição
escolar.
65
Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012 66
Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012
783
21
Total de Alunos
Alunos Incluídos
115
Quanto à especificidade do alunado incluído, assim se apresentam os quantitativos:
Gráfico 18 – Quantitativo de Alunos x Tipologia de Deficiência67
Dos 21 alunos, tem-se que 15 se encontram na especificidade de deficiência
intelectual, em se considerando aqueles com Síndrome de Down, o que corresponde a 71%
das inclusões na escola em estudo.
No tocante ao quadro de profissionais, assim se organiza:
Quadro 7 – Quantitativo de Profissionais Atuantes na Escola São Judas Tadeu
Funcionário/as – Função Quantitativo
Professores/as 36
Diretor/a 01
Diretores/as adjuntos/as 02
Orientadores/as Pedagógico/as 02
Secretários/as 02
Inspetores/as 03
Merendeiros/as 04
Auxiliares de Serviços Gerais 02
TOTAL 52
Quanto aos participantes desse estudo, embora a escola vá até o nono ano do ensino
fundamental, para efeito dessa pesquisa serão considerados os cinco primeiros anos (1º ao 5º
ano), e, de acordo com questionário aplicado, traça-se o perfil a seguir:
67
Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012
2 2
5 10
2 Autismo
Def. Motora
Síndrome de Down
Def. Intelectual
Def. Visual
116
Quadro 8 – Caracterização dos Participantes da Pesquisa
68
Pseudônimo Idade Formação Área da
atuação
Tempo de
atuação no
magistério
Tempo de
atuação
em SRMs
Tempo de
atuação na
escola
LAURA 43 Graduação em
Pedagogia
Ensino
Fundamental 22 anos _______ 22 anos
VANESSA 36 Graduação em
Pedagogia
Ensino
Fundamental 20 anos _______ 14 anos
CRISTIANE 32
Graduação em
Pedagogia
Especialização em
AEE
Ensino
Fundamental
SRMs
15 anos 4 anos 8 anos
BEATRIZ 48
Graduação em
Pedagogia
Curso de Extensão em
AEE
Ensino
Fundamental
SRMs
25 anos 2 anos 19 anos
BIANCA 46
Graduação em
Pedagogia
Especialização em
Psicopedagogia
Gestão e Orientação
Educacional
Mestrado Educação
Orientação
Pedagógica 27 anos _______ 7 anos
CLÁUDIA 45
Graduação em
Pedagogia
Especialização em
Psicopedagogia
Inspeção e Supervisão
Escolar. MBA Gestão
Empreendedora-
Educação.
Direção 23 anos _______ 20 anos
68
Os participantes desse estudo encontram-se identificados por pseudônimos.
117
4.3 Narrativas dos Educadores da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis/RJ:
experiências de um trajeto investigativo
As observações no cotidiano da Escola São Judas Tadeu, locus deste estudo, as
experiências docentes e as narrativas obtidas na entrevista semiestruturada, como instrumento
metodológico deste estudo, foram analisadas considerando a Teoria Crítica, com destaque ao
pensamento de Adorno (2006, 1995, 1993), que inspiraram as categorias de análise adotadas
neste capítulo.
1. Formação docente e emancipação: categorias centrais na educação inclusiva
Através do enfoque dado à categoria “emancipação”, um dos conceitos fundamentais
para a Teoria Crítica da Sociedade, buscou-se contemplar reflexões sobre as demandas que as
atuais políticas de educação especial trazem para a formação do professor na
contemporaneidade, pois, apoiando-nos no pensamento de Adorno (1993, p. 58), acredita-se
que "(...) é no olhar para o desviante, no ódio à banalidade, na busca do que ainda não está
gasto, do que ainda não foi capturado pelo esquema conceitual geral, que reside a derradeira
chance do pensamento".
Frente ao exposto, para a categoria em tela, elaborou-se a seguinte questão: Quais as
demandas das atuais políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva no que
se refere à formação de professores? Obtivemos as seguintes colocações:
“Acho que o professor precisa ler mais, se preparar mais. Não sabemos em muitos
casos como fazer. Na teoria é uma coisa, mas na prática. Eu leio, busco, mas na hora
de fazer, acaba sendo diferente. Fico frustrada. Às vezes penso que estou fazendo
certo, uso material concreto, mas na hora H, o aluno não consegue fazer como eu
esperava. Eu acho fundamental desenvolver a autonomia para o “especial”. A
autonomia é fundamental, não acha? Aí se ouve ‘o aluno não vai atingir a
autonomia’, mas e o nosso objetivo, como fica? Por isso muitas vezes se desiste.”
(Beatriz, professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)
“O professor precisa perceber que toda criança tem a sua individualidade. Com a
inclusão, o professor precisa ter maior atenção com os alunos. Tem momentos em
que eu me sinto sugada. Trabalhar com alunos com deficiência mexe com o nosso
emocional. É complicado! Quando cheguei, no primeiro dia, pensei ‘como vou
trabalhar’? O que se aprende na Faculdade não dá conta. A gente precisa buscar
mais. É preocupação sempre. É um desafio. Acho que tem que ter mais estudo, algo
a mais e não fomos preparadas. Sinto falta de mais ajuda de diferentes instâncias,
principalmente da Saúde e da Assistência Social. É preciso trabalho em rede. Acho
que a escola tenta e faz muito, mas fica sobrecarregada. Acho que para o incluído
faz bem a escola e para as outras crianças também.” (Laura, professora regente)
118
“Olha, eu acho que a demanda maior é o conhecimento sobre as diferentes áreas de
deficiências e as atividades específicas. Conhecer a patologia ajuda o trabalho do
professor, pois ele vai saber o porquê da oferta de algumas atividades. Eles chegam
com pouco conhecimento de mundo e o professor necessita desenvolver a
autonomia do aluno.” (Cristiane, professora de Sala de Recursos
Multifuncionais/SRMs)
“A principal demanda é o aperfeiçoamento do professor. A direção e a orientação
precisam ter entendimentos para fazer a inclusão acontecer realmente senão é
somente no papel. Acho que tem que ter maior integração e ajuda entre os
professores. Tem que perceber que o aluno é da escola e não da professora X.”
(Vanessa, professora regente)
“Acho que a inclusão exige maior pesquisa por parte do professor. É preciso fazer
estudos de caso e buscar apoio em livros, sites, sugestões diversas para um trabalho
diferenciado. Eu procuro trazer materiais para os professores, quando percebo que
estão inseguros. Também, quando faço algum curso, procuro dividir com eles.”
(Bianca, orientadora pedagógica)
As narrativas apresentadas são unânimes quanto à necessidade de o professor atualizar
os seus saberes, entretanto, nem sempre se percebem contemplados pela formação que lhes é
possibilitada. Para tal, com base no pensamento de Adorno (2006), a alternativa é pensar a
formação para além da adaptação, ou seja, pelo rompimento com estruturas assentadas na
lógica da padronização e racionalização intrínsecas à formação burguesa, latente na sociedade
contemporânea.
Sob tal perspectiva, formação e formação continuada constituem-se autoformação pelo
delineamento de ideias autênticas e próprias, o que nos remete a diálogo com Arroyo (2007,
p. 55) em considerações de que: “A resistência de alguns e a perplexidade de muitos docentes
têm como raiz a quebra da cultura e do pensamento únicos. É o entulho cultural de tempos
autoritários que a sociedade e também a escola e os docentes custamos remover”.
As considerações acima corroboram para a problematização sobre as narrativas das
professoras Beatriz: “Não sabemos em muitos casos como fazer” e Laura: “O que se aprende
na Faculdade não dá conta”, “(...) não fomos preparadas”. Tem-se que as concepções “do
como fazer” “do não ter aprendido” “o de não ser preparado” apresentam-se como
obstaculizadoras do esclarecimento necessário à qualidade da ação. Trata-se de preocupações
reais e que devem ser consideradas.
A esse respeito, no que tange à concepção de “esclarecimento”, Adorno (2006) apoia-
se em Kant sobre a premência de o homem liberta-se da “autoinculpável menoridade”69
alimentada pela tutela externa, pois somente assim abrirá caminhos para sua emancipação. A
questão apresenta-se como desafio à formação de professores, em perspectiva democrática na
69
Autoinculpável menoridade: conceito anteriormente explicitado.
119
sociedade contemporânea, conforme afirmado pelo autor acima (ibid, p. 168): “A democracia
repousa na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela se sintetiza na
instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado irracional é preciso pressupor
a aptidão e a coragem de cada um de se servir de seu próprio entendimento”.
O ato de “servir-se de seu próprio entendimento” pressupõe a abertura de
possibilidades para a constituição de consciências autônomas, perspectiva essencial à
educação emancipatória. Ilustra-se a reflexão por meio da narrativa da professora Laura, que,
apoiada em escuta externa, sente-se impotente quando se vê questionada no objetivo traçado
para envolvimento ao aluno com necessidades educacionais especiais. A esse respeito Adorno
(ibid, p. 178), destaca que “(...) as pessoas aceitam com maior ou menor resistência aquilo que
a existência dominante apresenta à sua vista e ainda por cima lhes inculca à força, como se
aquilo que existe precisasse existir dessa forma”.
Logo, o caráter heterônomo da formação, contribui para a perpetuação de consciências
pouco esclarecidas e propensas à reprodução e perpetuação de modelos sociais existentes que,
de modo autoritário, apontam para a barbárie social, contra qual a educação assentada na
formação crítica e autônoma é capaz de se contrapor, como afirmado por Adorno (ibid. p.
134) “(...) se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece
com todas as outras, excetuando o punhado com que mantêm vínculos estreitos, [...] então
Auschwitz não teria acontecido”.
Ao referir-se à função do esclarecimento, Adorno (ibid., p. 164), de maneira alguma,
propunha a conversão de todos os homens em seres inofensivos e passivos, isto porque essa
forma de passividade poderia constituir-se em uma barbárie, na medida em que estaria pronta
para contemplar o horror e se omitir diante dele. Para ele, o esclarecimento consistiria no
fortalecimento do sujeito por meio de sua autoconsciência crítica.
Nesse sentido, parece-nos que a afirmativa da professora Laura, de que “(...) para o
incluído faz bem a escola e para as outras crianças também”, demonstra abertura para a
sensibilização no acolhimento à diversidade humana e, ainda, para a reflexão crítica, o que é
fundamental à estruturação da escola inclusiva, e, conforme Costa (2009, p. 75): “(...) a
educação inclusiva é efetivamente um avanço na questão da igualdade e da justiça social,
mesmo considerando os obstáculos em efetivação ainda presentes nas escolas ...”
Ainda, a postura assumida pela professora acima, de que a inclusão escolar não
depende só dela, é observação a ser considerada. De fato, não se deve cultivar a imagem do
professor como o redentor de todos os males da humanidade, aquele em cujas “mágicas
120
mãos” se encontram as soluções de problemas sociais objetivos e latentes. Entretanto, há que
se afirmar a figura do professor como elemento essencial à transformação dessa realidade,
através de postura reflexiva e crítica, que lhe impulsione a busca por soluções e apoios para as
situações desafiadoras enfrentadas no cotidiano de sua prática pedagógica.
Sendo assim, afirma-se a intrínseca relação entre teoria e prática, razão pela qual nos
detemos na consideração da professora Beatriz de que: “Na teoria é uma coisa, mas na
prática...”. A esse respeito, Adorno (1995, p. 204) foi categórico ao afirmar que “Pensar é um
agir, teoria é uma forma de prática.” Logo, equivocam-se aqueles que fazem essa separação,
uma vez associarem a prática a um apanhado de ideias direcionadoras da ação e não a um
pensar qualificado sobre as contradições sociais observadas, essencial ao desenvolvimento de
consciências autônomas.
Essa incapacidade de reflexão é ratificada pelo autor (id, p. 211), quando afirma: “Ela
manifesta-se, antes de mais nada, já como incapacidade do sujeito para assumir na
consciência, mediante reflexão, as condições objetivas que não pode resolver ...” Constata-se
que, para Adorno, a práxis educacional deve-se constituir em papel emancipatório.
Outro aspecto relevante refere-se à narrativa da professora Laura e sua percepção de
necessidade de trabalho em rede, de ações conjuntas, especialmente com a Saúde e a
Assistência Social. Essas ações já existiram, especialmente como suporte clínico a alunos com
dificuldades na aprendizagem, contribuindo, por vezes, para a legitimação do fracasso escolar.
Profissionais diversos são essenciais ao desenvolvimento de estudantes com necessidades
educacionais especiais, entretanto, no que diz respeito à escolarização, a ação é de
responsabilidade da escola, a qual não se deve permitir cair na armadilha de deslocar parte de
suas funções educativas para outras instâncias profissionais.
No que tange à questão levantada pela professora Vanessa, de que: “A direção e a
orientação precisam ter entendimentos para fazer a inclusão acontecer realmente, senão é
somente no papel”. E ainda: “Acho que tem que ter maior integração e ajuda entre os
professores. Tem que perceber que o aluno é da escola e não da professora X”, permite-nos a
constatação de que a promoção de espaço democrático, aberto a escutas e trocas, contribui
para o desenvolvimento de subjetividades sensíveis a aproximações e reconhecimento da
diversidade humana que o constitui.
Desse modo, o fortalecimento de subjetividades capazes de confrontar e questionar
conceitos propicia negação de identificação pelo rompimento com barreiras culturais, o que se
constata com a assertiva de Adorno (2006, p. 134) de que “A incapacidade para a
121
identificação foi sem dúvida a condição psicológica mais importante para tornar possível algo
como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensivas”.
No âmbito da categoria de análise, para a gestora da escola, propôs-se o seguinte
questionamento: Sob seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe à gestão escolar?
Para o qual obtivemos a resposta:
“Com o processo de implantação de políticas públicas para atender a inclusão,
aumentou a nossa preocupação em pensar nas melhores práticas educacionais e
pedagógicas para o atendimento ao aluno. Na verdade, como gestora, como esse
processo foi acontecendo naturalmente, não senti uma demanda “sufocante” de
trabalho. Precisava garantir o atendimento com qualidade, principalmente nos anos
finais do EF onde o professor é mais resistente e não conhecedor desse trabalho.
Vejo hoje, principalmente para os alunos a partir do 6º ano, a importância do
estagiário no seu acompanhamento. É algo que preciso garantir de maneira efetiva!
Além de estabelecer cada vez mais uma parceria da saúde com a educação a fim de
garantir o atendimento desses alunos, pois assim nossos resultados seriam
melhores.” (Cláudia, gestora)
Sobre a narrativa da gestora, duas questões nos chamam a atenção. A primeira é
aquela relativa à “resistência do professor, por não ser conhecedor do trabalho com a
inclusão, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental”, a segunda, refere-se à
“importância do estagiário para acompanhamento aos alunos em questão”.
No que tange à questão inicial, remetemo-nos à estrutura de formação de professores
tidos como “especialistas”, a qual se baseia na razão instrumental70
, na racionalidade técnica
da divisão e fragmentação do conhecimento por diferentes áreas, reflexo da sociedade
capitalista burguesa, organizada em classes e grupos sociais. Ou seja, é a supremacia do
pensamento científico, em forma de dados quantificados e mensuráveis, condições
exemplificadas no texto Horkheimer (1975, p. 131): “Dentro da divisão social do trabalho, o
cientista tem que conceber e classificar os fatos em ordem conceitual e dispô-los de tal forma
que ele mesmo e todos os que devem utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamente
possível”.
Horkheimer (op. cit.) evidencia que, na divisão do trabalho, o cientista revela um
mesmo padrão de comportamento, semelhante à prática de classificar, ordenar e tornar
manipulável certo saber. Esse comportamento tem uma função objetiva, ou seja, mesmo que
imprima características individuais ao modo de trabalho, não se percebe a necessidade de
auto-reflexão, posto ser construção coletiva, externa. Semelhante é a formação do professor
70
De acordo com o contexto da Teoria Crítica da Sociedade, a razão instrumental nasce quando o sujeito do
conhecimento toma a decisão de que conhecer é dominar e controlar a Natureza e os seres humanos. À razão
instrumental, Horkheimer opõe a razão crítica.
122
especialista. A resistência se justifica pela adesão ao coletivo, reflexo da heteronomia no
pensar, o que foi percebido e analisado por Adorno (2006, p. 129), ao colocar que “Pessoas
que se enquadram cegamente em coletivos, convertem a si próprios em algo como um
material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de
tratar os outros como sendo massa amorfa”. Dessa forma, “a resistência do professor” dá-se
pela fragilidade em desvelar a sua autonomia.
No tocante à questão que afirma a premência de profissional de apoio ao aluno
incluído, permitimo-nos dialogar com Crochík (2011, p. 122-123) sobre a concepção de que:
Como essa sociedade não vive sem exclusão, devemos estar atentos a que
mesmo que as minorias possam frequentar as classes regulares, outras formas
de segregação podem ser desenvolvidas [...]. A imposição de um educador ou
uma pessoa próxima ao aluno considerado em situação de inclusão, para
auxiliá-lo em seu aprendizado, não deixa de ser também outra modalidade de
discriminação.
O levantamento da questão não implica em posicionamento reativo à necessidade
apresentada pela escola. O que se busca é refletir sobre se o uso de “alguns artifícios”,
(soluções que, por vezes, excluem e segregam) não estariam contribuindo para a perpetuação
da cultura do professor desqualificado, da escola não preparada e outros tantos clichês
comuns na sociedade contemporânea, em se tratando da democratização da escola pública.
Sob tal perspectiva, a educação inclusiva nos permite pensar a educação no seu todo.
As dificuldades que as escolas demonstram no tocante à inclusão revelam falhas no sistema
organizacional da mesma e, reiterando Crochík (2011, p. 123), “(...) apenas comprovam que a
noção de educação está pouco clara para essas instituições”.
Ainda nesta categoria apresentamos as narrativas referentes à seguinte proposição:
Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar, na atuação com os alunos com
necessidades educacionais especiais, destacamos as seguintes:
“Na Orientação, vejo que um dos principais desafios é trabalhar com o entendimento
de alguns professores. É difícil mostrar ao professor e fazê-lo entender que o aluno
tem potencial, mas em um tempo e um modo diferente. É difícil romper com o
discurso ‘Ele não consegue, ele é especial’. Observo que aqui na escola a resistência
não é tanta, mas tem. O maior desafio mesmo é a angústia que se percebe pela
expectativa de o aluno avançar, aprender e o professor tentar de tudo e não perceber
avanços. Aí em pergunto: como conviver com isso sem se acomodar ou se
imobilizar? Me preocupa a desistência de muitos. Como devo agir para incentivar o
professor que a todo momento se encontra envolvido por avanços e retrocessos do
aluno? E o que vai ser desse aluno quando sair daqui? Enquanto está aqui nós
cuidamos, mas, e depois? E ainda tem os pais, eles envelhecem. Como vão
sobreviver em uma sociedade que exclui? Isso causa desconforto.” (Bianca,
orientadora pedagógica)
123
“O aluno com deficiência tem poucas oportunidades, tem pouco conhecimento de
mundo e isso é desafio para o professor.” (Cristiane, professora de Sala de Recursos
Multifuncionais/SRMs)
“A demanda do trabalho do gestor em relação à inclusão é exatamente o que as
escolas precisam hoje: recursos físicos e humanos. Na Escola São Judas Tadeu,
destaco o recurso humano, sempre! Preciso de pessoas/profissionais para estarem
desenvolvendo nesses alunos o que precisam. Dentro da escola são os estagiários
relatados acima e, claro, toda a equipe gestora e pedagógica que já tenho. Fora da
escola, os profissionais da saúde.” (Cláudia, gestora)
Nos moldes burgueses da sociedade, em que impera a razão instrumental, que tem
como base a lógica formal do pensar, todos os objetos são submetidos à mesma lógica. As
observações da orientadora Bianca e da professora Cristiane são reveladoras dessa
perspectiva. Assim, alimenta-se a estereotipia – “Ele não consegue, ele é especial”- “Tem
poucas oportunidades, tem pouco conhecimento de mundo”. Crochík (1995, p. 31),
claramente expõe esta ideia, afirmando que: “Os estereótipos, por deturparem a realidade (...)
servem de justificativa para a dominação. Enquanto tal, naturalizam uma situação de
opressão”.
Assim, à naturalidade do “não aprender”, soma-se a dificuldade de o professor
perceber progressos no aluno, pois independentemente de suas particularidades, os sujeitos
são percebidos segundo as categorias da lógica formal. Para Adorno (2006, p. 112):
Os professores têm tanta dificuldade em acertar justamente porque sua profissão
lhes nega a separação entre se trabalho objetivo – e seu trabalho em seres humanos
vivos [...]. Pois seu trabalho realiza-se sob a forma de uma relação imediata, um dar
e receber, para o qual, porém, este trabalho nunca pode ser inteiramente apropriado
sob o jugo de seus objetivos altamente mediatos.
De acordo com a reflexão, em busca de uma educação emancipatória, vê-se a
necessidade de formação de professores sob a perspectiva de que, através do trabalho docente,
novas leituras de mundo sejam provocadas, tendo-se a compreensão que a escola, sendo
expressão do mundo do trabalho, a este não se deve sujeitar de maneira servil, pois o seu
“objeto de trabalho” exige envolvimentos que fogem à lógica da padronização de uma
sociedade imutável e homogênea, ou seja, de uma “sociedade humana”. Tal se faz constatado
pela colocação da gestora Cláudia: “Na Escola São Judas Tadeu, destaco o recurso humano,
sempre!”
A análise da categoria em questão possibilitou-nos perceber que as limitações
impostas pela inadequação de técnicas e métodos baseados no ensino tradicional, aliadas a
hábitos enraizados e construções culturais que privilegiam a lógica produtivista, permeiam o
124
espaço escolar, dificultando o trabalho pedagógico em perspectiva emancipatória. No entanto,
também nos foi possível a constatação de haver movimento de acolhida aos estudantes com
necessidades educacionais especiais e reconhecimento da escola inclusiva em seu potencial
humanizante e transformador.
2. Educação Inclusiva: a experiência que impulsiona, ou, “aprende-se a fazer, fazendo!”
Ao nos voltarmos para a categoria “experiência”, como mote impulsionador de
percepção sobre como se deu a aproximação do professor com a educação inclusiva,
buscamos abrir caminhos para a análise da articulação entre as práticas docentes e o
atendimento às necessidades educacionais especiais no cotidiano da sala de aula, um dos
objetivos dessa pesquisa.
As concepções, aprendizados e experiências que o educador traz de suas vivências,
refletem-se em sua prática pedagógica, de modo a alargarem ou obstarem escutas e reflexões.
À pergunta: fale sobre a sua experiência com a educação inclusiva, destacamos os
relatos:
“Esse é o ano mais significativo para mim, porque tenho um aluno autista na sala.
Antes, só via na escola. Agora que tenho aluno na sala de aula, me sinto sugada
emocionalmente. Também a preparação da aula exige mais. A abordagem com o
aluno tem que ser mais voltada pro concreto. Percebo que os colegas acolhem, acho
que não estranham porque já conheciam o menino. Ele já era da escola. Eles (os
colegas) se preocupam porque são cuidadosos.” (Laura, professora regente)
“Eu tenho uma filha especial, ela sempre estudou em escola regular. Sabe, acho o
Sistema falho, há professores que correm atrás e outros que se acomodam. Com os
alunos que tive e tenho, aprendi que não adianta ficar ansiosa, tem que esperar.
Primeiro tem que conquistar o aluno, chegar perto, se aproximar. Tem que entender
o jeito dele. O tempo dele. Não é só ficar esperando o tempo, não é bem isso que
quero dizer. É observar que ele tem um tempo diferente. A gente é ansiosa. Mas
também tem que ter determinação, senão não consegue dar conta.” (Vanessa,
professora regente)
“Trabalho na escola há muito tempo e sempre tivemos alunos com necessidades
educacionais especiais. Antes só ficavam nas classes especiais. Sabe, percebo que a
classe regular ainda não atende a necessidade dos alunos incluídos. Eles necessitam
de atenção contínua da professora, o que acarreta perda de rendimento dele e da
turma. Já na SRMs, é mais tranquilo trabalhar com o aluno, pois é trabalho
individualizado, em ambiente tranquilo. Mas, percebo que nem sempre o trabalho
das SRMs se reflete na sala de aula, porque lá não há tanta proximidade do
professor. Aqui (na SRMs), há momentos em que o aluno surpreende o que não é
observado na sala de aula. Por exemplo: trabalho com jogos complexos e o aluno dá
conta, chega à turma regular e não consegue dar conta de dificuldades ortográfica,
como o uso de M antes de P e B. Não entendo!” (Beatriz, professora de Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs)
125
“Meu contato inicial foi na Sala de Apoio Pedagógico que havia na escola. Fui
encaminhada para lá. Observava que a escola tinha muitas inclusões, mas a minha
experiência mesmo foi nessa sala. Depois fiz um curso de Formação Continuada
sobre Sala de Recursos Multifuncionais, oferecido pela Secretaria de Educação e fui
convidada a atuar na escola. Já como professora de SRMs fiz Especialização em
AEE, oferecido pelo MEC, através da UAB.” (Cristiane, professora de Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs)
“Eu só tive contato com alunos com necessidades educacionais especiais, quando
cheguei, em 2005, à Escola São Judas Tadeu. Até então, não tinha muita noção.
Aqui eu busco acompanhar o trabalho das professoras, ouvir, observar. Depois
disso, tive uma experiência com um aluno deficiente visual na Universidade em que
leciono. Foi muito rico. Na ocasião, era oferecida uma apostila com letras
aumentadas, porém o aluno tinha muitas dúvidas. Busquei me aproximar e orientar o
estudo. Foi gratificante ouvir do aluno: “A Srª tem muito cuidado comigo”. Aqui na
São Judas tem muitos alunos incluídos e a demanda é grande. Quando tenho
dúvidas, procuro ler, estudar. Acho que é também hábito por ser professora
universitária.” (Bianca, orientadora pedagógica)
Na fala da professora Laura, podemos perceber certa dificuldade na aproximação ao
aluno com necessidades educacionais especiais, o que se justifica pela afirmativa de se sentir
“emocionalmente sugada”. A esse respeito, remetemo-nos à afirmativa de Crochík (1995, p.
17): “(...) se o processo de socialização só pode ser vivenciado pelo indivíduo, as formas, os
instrumentos e os conteúdos pertencem à cultura, o que significa que a relação entre os
indivíduos é sempre mediada por aquela, e que, portanto, o indivíduo é fruto desta mediação”.
Assim, a estruturação das relações sociais vivenciadas pelos sujeitos reflete-se em suas
atitudes. Mesmo em contexto propício à vivência da experiência da educação inclusiva, a
constituição individual do sujeito ressente-se, quer de maneira explícita, por meio de atitudes
de afastamento, quer de forma latente, o que se reflete no sentimento de fragilidade frente às
construções culturais impostas ao objeto. Reiterando e parafraseando o pensamento de
Crochík (id, ibid., p. 18), tem-se que se o indivíduo não consegue se contrapor às imposições
da cultura, torna-se reprodutor dessa, sem expressar críticas que lhe permitiriam modificá-la.
Assim, não se trata somente da ausência da experiência, mas de sua negação, daí a percepção
de “maior carga de trabalho” e a sensação de sentir-se “emocionalmente sugada” expressa
pela educadora.
Em contrapartida, observa-se que a professora constata a boa convivência dos demais
alunos com o colega autista, o não estranhamento e a acolhida, o que nos permite refletir com
Becker (apud Adorno, 2006, p. 147), sobre a necessidade de que “(...) desde o início, na
primeira educação infantil, o processo de conscientização se desenvolva paralelamente ao
processo de promoção da espontaneidade (...)”. O fato comprova que, ao se possibilitar a
aproximação e convivência entre os diferentes sujeitos desde a tenra infância, as experiências
126
dessas vivências propiciarão o desenvolvimento de subjetividades mais sensíveis, críticas e
refratárias ao estranhamento do que se apresentar como diverso ao padrão social externamente
imposto.
Para a professora Beatriz, a classe regular ainda não atende a necessidade dos alunos
incluídos, por necessitarem de atenção contínua da professora, o que acarreta perda de
rendimento dele e da turma. Enfatizando que sua experiência na SRMs, aponta para trabalho
individualizado, em ambiente tranquilo. A fala da mesma denota latência de estereotipia, uma
vez atribuir à presença de alunos com necessidades educacionais especiais entraves no
desenvolvimento da turma, assim como a necessidade de espaço “outro” que contemple a sua
aprendizagem.
A esse respeito Crochík (1995, p. 25) esclarece que “embora o estereótipo não se
confunda com o preconceito, é um de seus elementos”. Proporcionados pela cultura, os
estereótipos revelam-se como reação individual dos diferentes sujeitos, frente a atributo
culturalmente concebido àquele sobre o qual recai.
Isto posto, através da colocação da professora Beatriz, tem-se que para que haja
envolvimento qualificado aos alunos com necessidades educacionais especiais, faz-se mister
que os mesmos recebam atenção contínua, diferenciada dos demais estudantes, ressaltando a
importância de espaço individualizado e tranquilo para o seu desenvolvimento pedagógico.
Evidencia-se, assim, a dificuldade da educadora em vivenciar a experiência com a
inclusão por meio de ação autorreflexiva, sobre o que Adorno (2006, p. 148) afirmou: “O
defeito mais grave com que nos defrontamos atualmente, consiste em que os homens não são
mais aptos à experiência, mas interpõem entre si mesmos e aquilo a ser experimentado aquela
camada estereotipada a que é preciso se contrapor”.
As considerações da professora Vanessa levantam instigante questão sobre a relação
teoria-prática e a inaptidão à experiência assentada na pouca autonomia do professor em seu
fazer diário. Considerando “o Sistema falho”, fica-nos a ideia de que compete ao Estado
prover meios para que a ação se constitua, ou seja, percebe-se um afastamento do cultivo da
autonomia e elaboração de conhecimento necessário à ação requerida, o que foi percebido por
Costa (2009, p. 68), quando tecendo considerações sobre a perspectiva de o professor, no
cotidiano escolar, se formar para pensar e elaborar seus métodos próprios de ensino observou
que “Antes, nele impera a lógica do Estado provedor, até daquilo, sobretudo, que se refere ao
professor que atua cotidianamente com um determinado objeto: a racionalidade técnica”.
127
Enquanto não se percebem como autores de sua prática e demandam “técnicas de
ensino” que lhes “qualifiquem a ação”, os professores vivenciam a angústia de não se
sentirem aptos para a demanda que lhes é solicitada.
Em contrapartida, a narrativa da mesma professora apresenta haver “professores que
correm atrás e outros não”, ou seja, profissionais sensíveis a novas experiências e propícios a
buscas e reflexões. Essa consideração encontra eco na afirmativa da professora Cristiane, de
que “observava as crianças”, e “procurava ajudá-las”, ou seja, mesmo que, aparentemente,
com pouca clareza, a professora buscava, através de suas observações, a reflexão sobre a
demanda daquele alunado. Posteriormente, ao aderir a cursos de formação, ao que nos parece,
houve maior qualificação em suas ações, daí afirmar “tudo isso me ajudou muito”. Tal atitude
é sugestiva de inclinação à conscientização sobre o desafio instalado e de abertura à vivência
da experiência. A esse respeito Adorno (2006, p. 150) considera que “A constituição da
aptidão à experiência consistiria, essencialmente, na conscientização e, desta forma, na
dissolução desses mecanismos de repressão e dessas formações reativas que deformam nas
próprias pessoas sua aptidão à experiência”.
A narrativa da orientadora Bianca, um tanto semelhante à da professora Cristiane, ao
colocar que quando lhe foi oportunizado contato com aluno com necessidades educacionais
especiais “Busquei me aproximar e orientar o estudo”, ainda “Foi gratificante ouvir do
aluno: ‘A Sr.ª tem muito cuidado comigo’”, permite-nos concluir pelo enriquecimento que a
escola inclusiva propicia à prática pedagógica, na medida em que o professor se conscientiza
de que as marcas impostas pela cultura podem e devem ser constantemente atualizadas, desde
que confirmadas na experiência individual e coletiva, capazes de propiciar alternativas
pedagógicas enriquecedoras para a diversidade humana que na escola se constitui.
Na abordagem feita à diretora, optou-se pela questão: Fale sobre a sua experiência
como diretora de uma escola pública agora também inclusiva, sobre a qual obtivemos a
narrativa abaixo:
“Antes das políticas públicas para a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais, nossa escola já fazia um trabalho voltado para essas crianças.
Tínhamos as “classes especiais”, com um conceito diferente de hoje, que realizavam
um trabalho de atendimento especial àqueles alunos que não conseguiam
acompanhar o ritmo dos demais. A preocupação na época era a repetência e a
distorção idade-série. Aos poucos, apesar da atuação do professor dessa turma ser
diferenciado dos demais, fomos percebendo que todos os professores podiam
aprender essas práticas pedagógicas diferenciadas para serem aplicadas nas turmas
de um modo geral. Dessa forma, nossos professores começavam a apresentar um
destaque em relação às suas habilidades e conhecimento. Costumo dizer que
começamos a tomar CHA bem antes das outras escolas! CHA significa
128
Conhecimento, Habilidade e Atitude. Foi exatamente um processo construído na
escola por meio da formação interna e muita dedicação. Aprendemos a fazer,
fazendo! Essa foi uma experiência muito significativa que fez com que a escola
tomasse rumo, de maneira avançada, em direção à inclusão desses alunos.” (Cláudia,
gestora)
O relato da gestora remete-nos a momento de transformação vivenciado pela escola
pública, em especial ao longo da primeira década do século atual, período em que se
acentuaram ações relativas a políticas de educação e movimentos pela inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais nas escolas.
Ao assumir que os demais professores poderiam se beneficiar de práticas
pedagógicas oferecidas a alunos matriculados em classes especiais, alguns limites
conceituais foram colocados à prova, isto é, propiciou-se a reflexão sobre a educação especial
não ser considerada como metodologia e/ou técnicas para uma conjunto específico de alunos,
mas um conjunto de medidas e ações desenvolvidas no âmbito escolar, como possibilidade de
respostas para todos aqueles ali inseridos.
À afirmativa de que: “Costumo dizer que começamos a tomar CHA bem antes das
outras escolas! CHA significa Conhecimento, Habilidade e Atitude. Foi exatamente um
processo construído na escola por meio da formação interna e muita dedicação”, sugere-nos
que a gestora colocou-se aberta às recentes demandas da escola e receptiva a (re)pensar a
realidade da mesma, abrindo-se a novas experiências, e ao livre pensar, traços essenciais a
uma gestão democrática e emancipatória. A esse respeito, resgatamos a colocação de Adorno
(2006, p. 151): “Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a
experiência é idêntica à educação para a emancipação”.
Assim, ao mesmo tempo em que se propiciava a aproximação entre professores de
turmas regulares e de classes especiais, contribuía-se para a reflexão sobre a prática
pedagógica e sobre o fato de que as dificuldades apresentadas por alguns alunos são
resultantes, dentre outros, do modo como o ensino é ministrado e a aprendizagem é concebida
e avaliada, o que encontra eco na constatação de Arroyo (2007, p. 54) que: “O ofício de
mestre, de pedagogo vai encontrando seu lugar social na constatação de que somente
aprendemos a ser humanos em uma trama complexa de relacionamentos com outros seres
humanos”.
Ao finalizar sua narrativa, a gestora afirmou que: “Aprendemos a fazer, fazendo! Essa
foi uma experiência muito significativa que fez com que a escola tomasse rumo, de maneira
avançada, em direção à inclusão desses alunos”. Não há fórmulas prontas, há o
129
conscientizar-se sobre a realidade vigente e tomar posicionamentos a seu respeito, conforme
enfatizado por Adorno (2006, p. 151) “Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência
é pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de
pensamento do sujeito e aquilo que este não é”.
Pensar a escola nessa perspectiva é considerar que a inclusão escolar envolve uma
mudança de atitude em relação ao “outro”. Não um qualquer, com o qual esbarramos ao longo
de nossa existência, mas um ser com quem nos devemos relacionar e formar numa perspectiva
justa, humana, ética, respeitosa, ou seja, “Não se trata, portanto, apenas da ausência de
formação, mas da hostilidade frente à mesma, do rancor frente àquilo de que são privados”
Adorno (id, ibid, p. 150), razão pela qual a vivência da experiência nos parece essencial para
o desenho de caminhos e possibilidades à democratização da escola pública para o
atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais.
3. Organização da escola pública na perspectiva inclusiva: aspectos arquitetônicos,
curriculares e pedagógicos.
O êxito da educação inclusiva decorre, dentre outros aspectos, da adequação do
processo e do espaço escolar à diversidade dos alunos. Logo, em atendimento aos objetivos
dessa pesquisa, as narrativas docentes referentes à categoria de análise em foco, visam atender
à seguinte questão de estudo: Quais as contribuições das políticas públicas de educação
especial na perspectiva inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da
acessibilidade arquitetônica na escola pública?
Inicialmente, procedeu-se abordagem às professoras de turmas regulares com alunos
incluídos, à orientadora pedagógica e à gestora, propondo-se a questão: Considera o colégio
acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos? Teça comentários.
“O colégio não é acessível, temos escadas e não há rampas. Quanto ao pedagógico,
julgo que sim. A orientadora é presente, conversamos e buscamos as adaptações.
Também tem as conversas com as outras professoras, as trocas.” (Laura, professora
regente)
“O colégio não é acessível, temos escadas. A gente procura fazer as adaptações
pedagógicas. Por exemplo, a aluna X faz avaliação com material concreto, aí
percebo que o conhecimento foi atingido. Se sei que precisa de mais recursos e não
ofereço, aí não tem inclusão! Incluir, de fato, é ter estratégias, para a pessoa poder
realizar de um modo diferente. Mas eu acho que acontece melhor no segmento de 1º
ao 5º ano.” (Vanessa, professora regente)
130
A acessibilidade arquitetônica não há. Quanto á pedagógica e curricular, acho que
sim. A gente procura adaptar o currículo e justar para os alunos com necessidades
educacionais especiais. O pedagógico é mais difícil, porque o número de alunos
incluídos é grande. Sinto falta de mais suporte, de “bons profissionais”. Os
estagiários nem sempre sabem o que fazer. A gente tem que atender a turma como
um todo. Mesmo reduzindo o número de alunos em sala, falta uma Política, sabe?
No 1º e 2º anos quando o aluno está sendo alfabetizado e temos que cumprir os
objetivos de leitura e escrita, é mais difícil... Temos que dar conta da expectativa das
famílias, dos alunos com alunos com necessidades educacionais especiais e dos
outros também.” (Beatriz, professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)
“A acessibilidade arquitetônica não há. Temos escadas. A curricular e pedagógica, a
SRMs não tem objetivo de reforço, mas buscamos suporte para a sala regular.
Observo a preocupação das professoras para dar conta dos alunos incluídos, mas a
diversidade é grande, sem falar no número de alunos que atendem. A gente conta
com o apoio da orientadora pedagógica, que ajuda. (Cristiane, professora de Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs)
“O colégio não tem acessibilidade arquitetônica, porque as escadas não podem ser
transformadas em rampas devido à arquitetura do prédio. Temos um banheiro
adaptado. O aluno que não anda é carregado no colo. Quanto ao pedagógico,
considero que o registro é uma forma de garantir a continuidade do trabalho. Os
alunos com NEEs são avaliados por registros. Buscamos fazer as adaptações
pedagógicas. Acho que acertamos em 60%, talvez.” (Bianca, orientadora
pedagógica)
“Nossa escola, por ser um prédio de mais de meio século de existência, não atende
completamente aos alunos com necessidades especiais. Não devemos receber alunos
cadeirantes, por exemplo, pois nosso único acesso aos andares e pelas escadas.
Arquitetonicamente não atende, mas quanto ao currículo e aos aspectos pedagógicos
estamos sempre procurando inovar a procura de melhores práticas.” (Cláudia,
gestora)
Quanto às adaptações arquitetônicas, apesar da existência de 1 (um) banheiro
adaptado, as professoras são unânimes em reconhecer a inadequação do prédio para alunos
com dificuldades na locomoção. A esse respeito, Crochík (2011, p. 71) alerta:
Não bastam adaptações arquitetônicas e atitudes favoráveis dos que convivem na
escola, no trabalho, com as pessoas que têm deficiência, para que essas não sofram
preconceito, mas a ausência dessas adaptações e atitudes indica uma negligência,
uma indiferença, que já é ofensiva a quem é esquecido; esse tipo de negligência é
uma forma de preconceito expressado pela frieza das relações existentes.
Logo, ao nos voltarmos para a constituição da escola inclusiva, não nos podemos
furtar à reflexão sobre o “currículo oculto” que perpassa o espaço no seu todo, e o que é
“revelado” por certas inexistências ou ocultamentos. Retomando as considerações do autor
acima, pode-se concluir que a “ausência” é, também, forma de “presença”.
Em relação aos aspectos curriculares e pedagógicos, observou-se atenção e
disponibilidade por parte das professoras e orientadora pedagógica em buscarem recursos e
estratégias para atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais. O ato de
131
afirmarem momentos de trocas, indica a percepção de que a inclusão escolar não é fazer
isolado. Constitui-se coletivamente.
O professor necessita sentir-se acolhido e o apoio pedagógico, quer por parte de seus
pares, quer da equipe pedagógica da escola, contribui para reflexões sobre a prática e o papel
central que exerce na dinâmica da sala de aula, o que nos possibilita diálogo com Costa (2009,
p. 82) ao considerar “(...) que a responsabilidade pela inclusão dos alunos com deficiência
deve ser compartilhada pelos professores e demais profissionais da educação, considerando o
professor ator central na efetivação da inclusão”.
Importante aspecto considerado pela orientadora Bianca, diz respeito ao processo de
avaliação dos alunos incluídos, o qual se dá por meio de relatórios descritivos.
Contrapondo-se à forma tradicional de avaliar, rompe-se com a perspectiva da
comparação e competitividade entre os estudantes, o que, no dizer de Adorno (2006, p. 161),
contribui para a desumanização da educação, ou seja, “(...) acredito também que um ensino
que se realiza em formas humanas, de maneira alguma ultima o fortalecimento do instinto da
competição”. Ou seja, a prática adotada pela escola contribui para o rompimento com
concepção seletiva e reprodutivista da avaliação, obstáculo à concretização dos objetivos da
inclusão escolar.
Outra questão nos dá elementos para pensar a organização da escola pública na
perspectiva inclusiva, para tanto, propusemos às professoras regentes, à orientadora
pedagógica e à gestora considerações sobre a relação entre o Projeto Pedagógico da escola e
a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e para as professoras de Salas
de Recursos Multifuncionais dirigimos o questionamento: Há no Projeto Pedagógico de sua
escola alguma previsão específica que aponte para o Atendimento educacional
Especializado/AEE dos alunos com necessidades educacionais especiais? Comente.
A esse respeito, consideramos as respostas:
“O Projeto Pedagógico, ele foi feito com as professoras. Mas, não estou muito
lembrada da articulação. Não lembro.” (Laura, professora regente)
“O Projeto Pedagógico não chegou pronto. Foi construído com os professores. Os
professores puderam se colocar.” (Vanessa, professora regente)
“Bem, acho que sim, porque aqui na escola sempre se fala de inclusão.” (Beatriz,
professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)
“Eu sei que o Projeto Pedagógico, quando foi feito, tratava da Sala de Apoio
Pedagógico. Pelo que sei ele está sendo atualizado. Talvez não tenha nada tão
focado. Mas a escola realiza um trabalho de inclusão, isso sim.” (Cristiane,
professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)
132
“O Projeto Pedagógico foi construído com a participação dos professores. Foi um
movimento que buscou apresentar o perfil de nossa escola, que há tempos convive
com alunos com necessidades educacionais especiais.” (Bianca, orientadora
pedagógica)
“Sim. O Projeto Pedagógico é a cara da escola e é nele que relatamos todos os
processos de uma escola. Sendo assim, a inclusão faz parte desse documento.”
(Cláudia, gestora)
No que tange ao Projeto Pedagógico da escola em foco, apoiamo-nos nas
considerações de Gadotti (2001, p. 16) que: “Não se constrói um projeto sem uma direção
política, um norte. Por isso todo projeto pedagógico da escola é também político”. Logo,
optamos por tratar o Projeto de “pedagógico”, assumindo a redundância ensejada pelo termo
“político”.
Em análise documental tivemos acesso ao Projeto Pedagógico da escola locus desse
estudo. Cabe destaque de que a Escola São Judas privilegia a perspectiva humanista da
educação e compreende a escola como espaço de formação de cidadãos críticos e
participativos, privilegiando a Pedagogia de Projetos71
.
A menção a alunos com necessidades educacionais especiais é feita no capítulo
referente à Metodologia da Escola, afirmando-se que para eles são oferecidas adaptações
curriculares. Anexado ao Projeto Pedagógico, encontra-se projeto específico para a
implantação de salas de recursos multifuncionais/SRMs na escola.
Considerando-se as narrativas referentes às considerações propostas, duas questões se
evidenciaram. A primeira assenta-se no fato de que na construção do Projeto Pedagógico da
Escola São Judas Tadeu, houve movimento de participação dos professores, fator indicativo
da perspectiva democrática que se buscou estabelecer.
Em contrapartida, o segundo elemento a nos chamar a atenção refere-se à impressão
de ter havido “certo distanciamento” dos professores em relação ao Projeto Pedagógico a
partir de sua construção, razão que justifica a pouca clareza nas respostas sobre a articulação
de ações relativas à educação inclusiva e sua correlação entre o que e para que se fizeram as
reflexões que resultaram no texto do Projeto.
A esse respeito, remetemo-nos ao pensamento de Adorno (1995, p. 205) que: “(...)
Enquanto o pensamento se restringe à razão subjetiva, suscetível de aplicação prática, o outro,
aquilo que lhe escapa, vem a ser submetido a uma práxis cada vez mais vazia de conceito e
que não conhece outra medida que não ela própria”. Infere-se, a partir da colocação do autor,
71
Pedagogia de Projetos - metodologia de trabalho educacional que tem por objetivo organizar a construção dos
conhecimentos em torno de metas previamente definidas, de forma coletiva, entre alunos e professores.
133
que a dicotomia entre teoria e prática distancia o sujeito de questionamentos, reflexões e
críticas inerentes ao emancipado pensar.
Ainda na perspectiva da organização do espaço escolar para a inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais, buscamos a percepção sobre a sistematização de
reflexões conjuntas por meio do questionamento: Há espaços sistematizados de discussão e
reflexão sobre a inclusão durante os bimestres letivos, envolvendo a direção, orientação
pedagógica, e professores? Teça comentários:
“Atualmente, não muito. Já aconteceu. Especialmente quando tínhamos mais classes
especiais, hoje não muito.” (Laura, professora regente)
“As trocas são mais no dia a dia. Temos a reunião pedagógica, mas nem sempre dá
tempo pra tudo. A orientadora pedagógica ajuda bastante. Traz sugestões, conversa
se preocupa. Já tivemos ocasião com mais discussões sobre inclusão. Nesse ano,
não.” (Vanessa, professora regente)
“Nesse ano não temos tido muitas oportunidades de encontros para estudo sobre
inclusão. Nos outros anos tivemos encontros falando sobre a educação especial, até
mesmo porque alunos de classes especiais estavam indo para as turmas regulares.
Lembro que a princípio estranhamos e comentamos, mas aos poucos eu observei que
a escola já trabalhava com a inclusão, mesmo não dando nomes. Atualmente, as
trocas maiores são nos Conselhos de Classe.” (Beatriz, professora de Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs)
“Há momentos de reuniões pedagógicas. Não especificamente para falar sobre
inclusão. Quando necessário, fazem-se outras.” (Cristiane, professora de Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs)
“Há agendamento de dia no mês para reunião pedagógica. São duas horas em cada
turno. Nesse dia, buscamos algum assunto de interesse para todos. Esse ano está
sendo um pouco confuso, mas o foco é a avaliação. Também no Conselho de Classe
busco refletir com os professores. Também aproveito momentos em que estejam
com aulas vagas ou alguma atividade extracurricular para alguma discussão e estudo
de caso.” (Bianca, orientadora pedagógica)
“A inclusão em nossa escola é um processo bem definido, pois durante muitos anos
a equipe gestora e pedagógica vem realizando o trabalho de informar, criando
condições de trabalho. Boas práticas são copiadas ou criadas para melhor atender
aos nossos alunos. Os espaços de discussão sempre foram bem planejados com os
professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Nosso desafio, como já disse
anteriormente, são os professores dos anos finais. Esses espaços de discussão para o
segundo grupo de professores ainda não estão bem definidos, pela dificuldade de
reunir todo o grupo. Mas todos os professores com dificuldades são atendidos
separadamente, sempre que observamos problemas ou mesmo quando nos
procuram. Lembro que construímos o plano de ação de formação interna segundo os
interesses dos professores. E, nos últimos planos o assunto inclusão não tem sido
solicitado.” (Cláudia, gestora)
Tanto as professoras quanto a orientadora pedagógica e a gestora reconhecem a
importância da reunião pedagógica como momento de partilhas e trocas, no entanto, não
demonstraram premência em discussões sobre a educação inclusiva. Não nos parece que o
134
assunto se tenha esgotado, e sim que ao se propiciar momentos de discussão sobre o mesmo,
quando do processo de inclusão de alunos provenientes de classes especiais em turmas
regulares, houve ruptura com o impacto inicial, o que demonstra abertura do grupo para a
experiência formativa.
Vale ressaltar o “estranhamento” e “comentários” observados pela professora Beatriz,
o que, de acordo com Crochík (1995, p. 20) constitui-se atitude saudável, desde que se
apresente como rompimento com “(...) uma educação hipócrita que nos impede de
manifestarmos a nossa estranheza de forma espontânea (...) se desde pequenos desenvolvemos
a nossa curiosidade, mas não a rejeição frente a pessoas desconhecidas”. Sob esse aspecto, a
diferença percebida no outro, se concebida como de natureza humana, não se torna impeditivo
a aproximação e relacionamento com ele.
A categoria analisada evidenciou a barreira representada pela inadequação
arquitetônica da escola. Em contrapartida, constatou-se receptividade, por parte das
professoras e da equipe gestora, à vivência da experiência com a educação inclusiva e
movimento pelo enfrentamento de iniciativas/posições autorais para a escolarização de alunos
com necessidades educacionais especiais em turmas inclusivas.
4. Atendimento Educacional Especializado/AEE: possibilidades de democratização da
escola pública
A educação inclusiva implica na afirmação dos direitos humanos dos alunos, inclusive
de acesso e permanência na escola comum, tendo suas necessidades específicas de
aprendizagem atendidas. Assim, é possível que os alunos com necessidades educacionais
especiais se desenvolvam nos aspectos cognitivos, sociais, culturais, dentre outros.
Dentre as propostas pedagógicas contidas na Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), o atendimento educacional especializado –
AEE, apresentou-se como um serviço da educação especial que “(...) identifica, elabora e
organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena
participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008). A
ação proposta implica organização da escola e provoca o professor a assumir atitude reflexiva
e investigativa, pois demanda que o planejamento e a oferta de atividades se constituam a
partir de observações sobre cada aluno atendido.
135
A partir do exposto e, em consideração a um dos objetivos desse estudo, buscou-se
investigação sobre os impactos do atendimento educacional especializado/AEE na Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais na escola, propondo-se como questão inicial direcionada às professoras
regentes, orientadora pedagógica e gestora participantes da pesquisa: Como você qualifica o
Atendimento Educacional Especializado – AEE, como suporte à inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais na escola? Abaixo, as narrativas:
“Acho bastante positivo. Há troca entre as professoras. Conversamos sobre as
dificuldades, sobre o desenvolvimento do aluno. Também tem apoio na hora das
provas. Quando o aluno não consegue terminar, ou tem alguma adaptação, a
professora da SRMs ajuda. Leio os relatórios dos alunos, recebo dicas. Pena a SRMs
não ser expandida para os outros alunos.” (Professora Laura)
“O AEE funciona bem. Como as professoras aqui trabalham os dois turnos na
escola, nos encontramos sempre. Assim, não tem trabalho isolado. Elas contribuem
com sugestões para a prática na sala de aula. Acho que veio somar.” (Professora
Vanessa)
“Considero um bom trabalho o da SRMs. As professoras são interessadas,
pesquisam, perguntam, apoiam. Mas, os alunos faltam muito, acho que é por ser no
contraturno, porque nem sempre os pais têm condições de retornar com a criança.”
(Bianca, orientadora pedagógica)
“O suporte do AEE é extremamente necessário, pois as escolas, de um modo geral
precisam de ajuda. Tenho que comentar que a escola sempre teve um ótimo
atendimento, mas, infelizmente, nos últimos tempos, devido às situações específicas
que surgiram (carência de professores na rede), impediram que resolvêssemos com
mais tranquilidade alguns impasses e dificuldades.” (Cláudia, gestora)
Ao analisar as narrativas dos participantes que conhecem o atendimento educacional
especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, constatou-se unanimidade
no entendimento da ação como suporte aos alunos e apoio a professores que com estes atuam.
Quanto ao desejo expresso pela professora Laura sobre a expansão da Sala de
Recursos Multifuncionais/SRMs para os outros alunos, evidencia-se que o movimento de
inclusão, por suas bases democráticas, vem se afirmando na garantia de relações mais justas
na escola, ao que nos parece, presente na fala da professora. Ou seja, se a ação oferecida é
qualificada e producente para o desenvolvimento de alguns, por que não estendê-la a outros?
Prosseguindo na análise, ainda com foco no mesmo grupo de referência acima, foram
solicitadas observações acerca da articulação de ações entre as professores de turmas
regulares e as do atendimento educacional especializado/AEE, realizado em Salas de
Recursos Multifuncionais/SRMs, obtivemos as respostas:
136
“Como eu falei, não há trabalho isolado porque nos encontramos ... trocamos, mas
devíamos ter mais reuniões, um tempo maior para trocas.” (Professora Laura,)
“As professoras das SRMs ajudam bastante. Quando a gente recebe um aluno com
NEEs, o susto inicial é grande, dá insegurança. Aí queremos saber mais, e elas
ajudam com trocas. Auxiliam, também, com dicas sobre materiais e recursos para as
avaliações.” (Professora Vanessa)
“Há bom entrosamento entre as professoras da SRMs e das turmas regulares. Esse
ano, todas trabalham em tempo integral na escola e isso facilita muito. Percebo uma
boa convivência das professoras do AEE com as demais. Elas também participam do
conselho de classe e isso ajuda e facilita a troca.” (Bianca, orientadora pedagógica)
“Aqui na escola é muito bom. As duas professoras recursistas fazem um bom
trabalho articulando suas atividades com as atividades das salas de aula. Nunca
recebi queixas ou reclamações do trabalho da SRMs. Pelo contrário, são muito
elogiadas.” (Cláudia, gestora)
No tocante às professoras, observou-se trabalho conjunto com as responsáveis pelo
atendimento educacional especializado/AEE, o que lhes é um tanto enriquecedor. As
narrativas nos apontam que, através movimento vivenciado na escola dividem expectativas,
ansiedades e partilham experiências. Quanto a isso, Costa (2009, p. 68) afirma: “(...) o
trabalho muitas vezes, declarado como solitário, encontra respostas no trabalho em equipe, no
diálogo e na experiência entre diferentes subjetividades.”
Constata-se, pois, que a abertura para reflexão conjunta e troca de experiências entre
os profissionais possibilitam o enfrentamento e a superação de barreiras objetivas materiais
que “assombram” a escola, em se tratando da matrícula de alunos com necessidades
educacionais especiais em turmas regulares.
Para as 2 (duas) professoras atuantes em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,
propusemos questões que nos possibilitassem observações sobre o atendimento educacional
especializado/AEE e sua inserção no espaço/cultura da escola. Iniciamos com a questão:
Como você percebe o envolvimento da equipe pedagógica, incluindo o gestor da escola com a
SRMs?
“Quando eu cheguei para trabalhar na escola, já sabia da fama de que era inclusiva.
Aqui todos os professores têm alunos com NEEs. Há muitas inclusões, assim o
trabalho é de toda a equipe. No início do ano letivo a diretora faz reunião com os
pais de alunos de SRMs para explicar o que é. A orientadora pedagógica faz
entrevista com os pais e depois nos passa. Acho que há preocupação e interesse da
direção e orientação pedagógica com a SRMs.” (Professora Cristiane)
“Eu não me sinto sozinha. Estou há dezenove anos na escola e não me sinto
solitária. Quando tenho dúvidas, procuro a orientação pedagógica. Ela é presente.
Falo das minhas dificuldades. Percebo envolvimento da direção, também. A SRMs
não fica isolada.” (Professora Beatriz)
137
Para as professoras Cristiane e Beatriz, a organização da escola é favorável à inclusão.
Percebe-se organização horizontal do espaço, com o favorecimento de trocas entre a equipe
gestora/pedagógica e professores. Isso significa que existe reconhecimento de
responsabilidades compartilhadas, o que contribui para o enfrentamento de dificuldades e
dúvidas vivenciadas pelos diferentes sujeitos da escola. A esse respeito, remetemo-nos a
considerações de Crochík (2011, p. 123), de que pensar a educação inclusiva na perspectiva
da Teoria Crítica da Sociedade, “(...) permite movimento social consciente dos limites de suas
possibilidades nesta sociedade”, entretanto, “sem abandonar a luta por uma sociedade mais
humana”.
Em continuidade, solicitamos às mesmas professoras: Fale sobre os principais
entraves vivenciados por você na dinamização do atendimento educacional
especializado/AEE em Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs. Abaixo, as narrativas:
“Meu maior entrave é quando não consigo atingir o aluno. Aí penso: o que fazer?
Como trabalhar? Eu não falo só do cognitivo, não. Tem aluno que eu custo a
conquistar, perceber a necessidade, me aproximar como acho que preciso... Tem
também o problema das faltas. Acho que o contraturno dificulta.” (Professora
Beatriz)
“É o contraturno. Os alunos necessitam de acompanhamento para irem e virem e é
difícil para os pais. Acho que se fosse atendimento no mesmo turno seria bem mais
fácil. A gente tenta ajustar, esticar o horário do aluno na escola, mas não dá pra
fazer pra todos.” (Professora Cristiane)
O relato da professora Beatriz corrobora para a concepção do atendimento educacional
especializado/AEE constituir-se a partir da observação do aluno. Há percepção, por parte da
professora, de que o planejamento de trabalho deve ser construído com base em considerações
individualizadas e não em sequência rígida de atividades tecnicamente concebidas e
previamente estabelecidas. A esse respeito, estudos de Costa (2011a, p. 49) comprovaram que
“(...) os professores que reduzem sua atuação docente e pensamentos às técnicas não
conseguem promover intervenções pedagógicas que contemplem o acesso ao conhecimento
aos alunos, considerando, assim, sua singularidade”.
Outra questão abordada por ambas as professoras, refere-se às faltas de alunos às Salas
de Recursos Multifuncionais/SRMs o que, no entendimento das mesmas se deve ao fato de a
atividade se oferecida em contraturno à escolarização regular, o que dificulta o retorno do
estudante à escola. Por essa razão, demonstraram-se favoráveis ao atendimento ao aluno no
mesmo turno de sua escolarização regular.
138
Frente às colocações, procedeu-se ao seguinte questionamento: Se efetuada no turno,
não haveria perdas para o aluno? Como ajustar o atendimento educacional
especializado/AEE e a sala de aula concomitantemente? Obtivemos as respostas:
“Pois é, ia ter que criar estratégia. Pensar numa maneira.” (Professora Beatriz)
“Eu acho que é uma questão de organização interna, entre as professoras e a
orientadora. Eu entendo que dá para ajustar.” (Professora Cristiane)
Embora preocupadas com as faltas dos alunos, as professoras não apresentaram
alternativas claras para a solução da questão. A esse respeito, consideramos que mesmo não
sendo independente de seu sistema de ensino, a escola, apoiada em seu Projeto Pedagógico,
pode e dever prever saídas próprias para particularidades de sua comunidade, de seu espaço
de ensino.
Mudanças requerem discussões, estudos, levantamentos, iniciativas a serem
compartilhadas, buscando-se redimensionar o espaço da escola em atendimento às
necessidades do aluno. Isto posto, problematiza-se: não se poderiam ajustar horários de modo
que, alunos residentes em localidades distantes da escola permanecessem em período
estendido ou chegassem mais cedo à unidade em dias de atendimento em Salas de Recursos?
Diferentemente, os alunos moradores na circunvizinhança frequentariam em horários que
permitissem a flexibilidade de atendimento aos demais. Soluções outras poderiam ser
pensadas.
Enfim, somente leis não democratizam a educação. A democratização da escola é
construída no dia a dia e requer atenção constante dos diferentes atores constitutivos desse
espaço. Nesse sentido, e apoiando-nos na Teoria Crítica da Sociedade, tem-se que a educação
não deve ser para a negação da realidade, mas também não deve ser para a conservação, e sim
para além da experiência vivida, buscar novas e democráticas possibilidades.
Ao final da abordagem com as professoras atuantes nas Salas de Recursos
Multifuncionais/SRMs e objetos desse estudo, perguntamos: Quais ações no apoio aos
professores na inclusão de alunos NEEs são desenvolvidas por você? Assim responderam:
“Eu ajudo no que me solicitam. Dou sugestões sobre atividades, auxilio na aplicação
de avaliações. Não tem uma sistematização, entende? É quando pedem alguma
coisa.” (Professora Beatriz)
“O apoio é mais com sugestões, conversas sobre os alunos. Às vezes a orientadora
pedagógica solicita alguma coisa, de acordo com a necessidade do aluno e da
professora. As coisas não são muito combinadas. Fazemos de acordo com a
139
necessidade que é observada. Também auxilio na aplicação de avaliações para
alguns alunos.” (Professora Cristiane)
Reafirma-se a horizontalidade organizacional da escola, no que tange ao trabalho
oferecido em Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs. As ações se desenvolvem a partir das
necessidades observadas. Convive-se com o caráter de imprevisibilidade, compartilhando-se
experiências, saberes e ideias, elementos inerentes ao potencial democrático da educação, pois
ao nos afirmarmos no pensamento de Adorno (2006, p. 71), verificamos que “Na
incapacidade do pensamento em se impor, já se encontra à espreita o potencial de
enquadramento e subordinação [...], do mesmo modo como hoje, concreta e voluntariamente,
a gente se curva ao existente.”
A ruptura com o existente implica um pensar emancipado, e os desafios da educação
inclusiva demandam superação da homogeneização da escola e enfrentamento das condições
utilitárias heterônomas e alheias à realidade de cada instituição educacional. Logo, reflexões
sobre o “curvar-se ao existente”, o que nos leva a concluir que as condições objetivas
materiais estão postas. Porém, há um movimento político-pedagógico na escola pública para
seu enfrentamento e o atendimento educacional especializado/AEE é reconhecido como
aliado nessa ação pelos participantes deste estudo.
Pensar o modo como a escola pode constituir, organizar e ampliar ações para
desenvolver consciências emancipadas nos indivíduos, aptas a refletir sobre as condições
objetivas materiais que lhes são impostas e criticamente avaliá-las, foi questão latente ao
longo da elaboração deste estudo.
É notória a premência de democratização da escola pública com vistas à transformação
da realidade social, marcadamente assentada na sociedade de classes, reprodutora de
condições identitárias, alienantes, excludentes e propensas à naturalização da barbárie. A esse
respeito, apoiamo-nos na afirmativa de Adorno (2006, p. 36), de que “(...) quanto mais as
pessoas estiverem submetidas a contextos objetivos em relação aos quais são impotentes,
tanto mais elas tornarão subjetiva essa impotência”.
Portanto, evidencia-se o papel da escola como instância crítica e socialmente
comprometida com as questões educacionais contemporâneas. Para tal, não lhe compete
ausentar-se ou ignorar as condições sociais existentes, mas contribuir para a formação de
indivíduos livres pensantes, capazes de se contrapor a toda e qualquer ação que desrespeite e
desconsidere os indivíduos no que os identifica e diferencia: sua humanidade.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A couraça oculta a ferida.
(Adorno, 2006)
O olhar crítico centrado na educação contemporânea demonstra que, por intermédio
das atuais políticas de educação inclusiva para democratização da escola, couraças estão
sendo rompidas evidenciando-se profundas fraturas e feridas na escola pública.
A chegada de alunos com necessidades educacionais especiais às escolas regulares
lança instigante desafio às mesmas quanto à necessidade de seu redimensionamento desde o
aspecto físico, àquele de sua conjuntura ideológica por onde perpassam os currículos
instituídos e ocultos, o projeto pedagógico, as relações inter e intrapessoais e as nuances
várias próprias a espaço tão rico quanto o é a escola.
Constata-se que o êxito da inclusão escolar depende, dentre outros fatores, da
concepção que se tem sobre a diversidade humana. Verifica-se estar nesse enfoque, dentre
outros, grande desafio a ser enfrentado ao se vislumbrar uma educação democrática, uma vez
que a própria sociedade vem, ao longo de séculos, excluindo aqueles que se revelem
diferentes dos padrões socialmente estabelecidos.
Nesse sentido, não mais podemos fugir ao debate sobre o reconhecimento e
valorização da diversidade humana como imperativo ético para a constituição da escola
democrática, que contemple o ensino-aprendizagem de seus alunos considerando suas
diferenças.
Como, então, trilhar caminhos diferenciados, sabendo-se que concepções tão
fortemente estabelecidas ainda se fazem presentes? Em quais outras concepções buscar apoio
e sustentação diante da necessidade urgente de atendimento a grupo social há tanto
marginalizado? E como promover o envolvimento e a conscientização dos profissionais da
educação, para que se comprometam com a educação na perspectiva democrática intrínseca à
escola inclusiva?
Essas questões foram centrais ao longo do processo de elaboração deste estudo.
Apoiando-nos na Teoria Crítica da Sociedade, pensamos com apoio do pensamento de
(Adorno, 2006, p. 185) que: “Aquele que quer transformar provavelmente só poderá fazê-lo
na medida em que converter esta impotência, ela mesma, juntamente com a sua própria
impotência, em um momento daquilo que ele pensa e talvez daquilo que ele faz.”
141
Com base no entendimento de que “impotências” serão vencidas quando confrontadas
e percebidas nos diferentes fios da teia que as compõem, propusemo-nos analisar a rede
pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ, a fim de conhecer como esta constitui a
articulação entre escola comum e a educação especial, não mais como substitutiva ao ensino
regular, mas intrinsecamente instituída na escola que se faz para o atendimento à diversidade
inerente à constituição do ser humano.
Assim, a discussão sobre a educação, em seu aspecto emancipatório e crítico-
dialético, como método de análise educacional e social, para tensionar e desvelar as
contradições sociais presentes na escola, que contribuem para a manutenção de sua estrutura
organizacional, como expressão material das relações sociais excludentes, contribuíram para
problematizar a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, por meio
de políticas públicas de educação como suporte ao seu acesso e à permanência na escola
pública.
A aproximação à Escola São Judas Tadeu, lócus deste estudo, possibilitou-nos refletir
criticamente sobre sua estrutura organizacional, em seus aspectos arquitetônicos,
pedagógicos, curriculares e de concepções relativas à formação de professores como reflexo
de políticas de educação, desenvolvidas pela rede pública municipal de ensino de
Petrópolis/RJ.
Nesse sentido, considerando os objetivos e questões deste estudo, seguem as
Considerações Finais:
No que se refere às contribuições das atuais políticas públicas de educação especial na
perspectiva inclusiva e a formação docente, verificou-se:
Os professores não se sentem contemplados pela formação inicial que lhes é
possibilitada na Universidade e, embora percebam a necessidade de
aprimoramento profissional, por intermédio de leituras e atualização de
saberes, não se mostraram autônomos para assumir esse movimento, o que se
faz latente em narrativas de que “O que se aprende na Faculdade não dá
conta.” e ainda “Não fomos preparadas.”;
A necessidade de maior interação entre os diferentes atores da escola eclodiu
como elemento essencial à sua constituição como espaço de formação, não
somente para professores atuantes em salas de aula, como também à totalidade
142
da equipe de apoio e técnico-pedagógica, o que revela reconhecimento de que,
pela formação compartilhada com reflexões e compartilhamentos de saberes,
contribui-se à constituição de subjetividades propícias a analisar os aspectos
culturais e a enfrentar os limites sociais vigentes;
Constatou-se que a formação heterônoma do professor contribui para que
espere de instâncias outras, como Saúde e Assistência Social, respostas/apoios
que validem o sentimento de impotência frente às necessidades educacionais
especiais de seus alunos com deficiência;
Evidenciou-se que concepções, impregnadas de estereotipias perpassam o
espaço escolar, naturalizando-se a não aprendizagem de alunos com
necessidades educacionais especiais, o que contribui para a manutenção da
opressão e a discriminação na escola pública;
Embora as narrativas revelem que o professor percebe-se solitário no seu fazer
e, por vezes, incerto quanto às suas ações. Em contrapartida, fez-se notório o
avanço e o reconhecimento, por parte das professoras, da escola como espaço
que contribui democraticamente para a educação inclusiva e o
desenvolvimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, por
contribuir na sensibilização e no acolhimento à diversidade humana.
Na perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade, à educação cabe o papel da
emancipação. Essas considerações reiteram o aspecto heterônomo da formação de professores
como componente crucial para que se reconheçam como indivíduos capazes de intervir em
sua realidade. Retomando o pensamento de Costa (2009, p. 70), ao afirmar que: “(...) faz-se
urgente uma formação de professores para a reflexão e a crítica, que ultrapassem os limites
baseados na deficiência (...)”, é necessário que a formação docente, na perspectiva crítica,
possa contribuir tanto para o enfrentamento e superação dos limites impostos à educação
inclusiva, quanto para a construção de alternativas, necessariamente fundamentadas em bases
democráticas e emancipatórias da educação para os indivíduos, professores e alunos.
143
Evidencia-se que a razão instrumental e a racionalidade técnica, inerentes à formação
docente, contribuem para que, na escola, sejam reafirmados os limites impostos à sociedade
administrada, cuja predominância é a da adaptação e reprodução social.
Viver experiências durante seu fazer docente propicia ao professor a reflexão
essencial à elaboração de conceitos, possibilitando o enfrentamento das (in)certezas e dúvidas
gestadoras e alimentadoras de estereotipias e preconceitos, pois para Crochík (1995, p. 18):
“Como a experiência e a reflexão são as bases da constituição do indivíduo na sua relação
com a cultura, a sua ausência caracteriza o preconceito”.
Daí, a importância da reflexão no coletivo e no cotidiano escolar no desenvolvimento
de ações coletivas compromissadas com a cultura da educação inclusiva, ou seja, aquela que
busca e encontra respostas, segundo Costa (2009, p. 68) “(...) no diálogo e na experiência
entre diferentes subjetividades”. Desse modo, assumindo-se como protagonista de sua
formação, o professor romperá com a lógica reprodutora da racionalidade técnica de que
respostas se encontram prontas e externamente construídas.
Ou seja, reflexões compartilhadas contribuem, dentre outras, para a percepção da
insuficiência dos conhecimentos a priori impostos para o enfrentamento das exigências
materiais da sociedade vigente, conforme constatado por Costa (id, p. 71) em seus estudos, ao
conceber que:
À medida que esses profissionais vão elaborando conhecimentos acerca da inclusão
dos alunos, reconhecem a diferença como essência da humanidade, passando a
perceber as possibilidades de crescimento, de troca de experiências e de
aprendizagens inerentes à inclusão, desenvolvendo a consciência crítica a respeito
das relações humanas.
Vale destacar que as professoras, participantes deste estudo, reconheceram e
validaram a necessidade da escola inclusiva em respeito à diversidade humana. Nesse sentido,
reafirma-se o caráter crítico-dialético e emancipatório da educação, que não somente deve se
voltar ao reconhecimento da necessidade de transmissão e desenvolvimento de valores
humanistas, como indicar, confrontar e romper as condições sociais que impedem esse
movimento.
Em relação à articulação entre as práticas docentes e o atendimento às necessidades
educacionais especiais dos alunos, no cotidiano da sala de aula, constatou-se que:
144
A vivência da experiência da inclusão vê-se dificultada pela constituição
individual do sujeito, mediada pela cultura. Nesse sentido, os professores ainda
se revelam inseguros quanto às práticas pedagógicas na escola inclusiva; por
não mais se assentarem na uniformização e reprodução de conteúdos
curriculares;
A ação pedagógica, com base na auto-reflexão crítica, ainda é pouco presente
no cotidiano do professor, o que lhe dificulta reconhecer-se como autor de sua
prática, demandando, por vezes, modelos e técnicas.
A imagem do Sistema falho, da necessidade de profissionais outros
apresentadas nas narrativas das participantes, denota heteronomia do professor
na elaboração de conhecimento que contribuirá para sua autonomia e o
enfrentamento dos desafios pedagógicos, presentes cotidianamente na sala de
aula, transferindo sua solução às instâncias externas;
Percebeu-se que avanços se constituíram, ao se debater e analisar os limites
sociais presentes na escola, por meio da constatação de que todos os alunos
poderiam ser beneficiados pela oferta de práticas pedagógicas oferecidas
àqueles com necessidades educacionais especiais;
Por fim, apesar das dificuldades impostas, quer do ponto de vista cultural, quer
pelos limites da escola em reconhecer-se como instância social transformadora,
não se observou, por parte das professoras, participantes deste estudo, atitude
refratária à vivência da experiência com a educação inclusiva.
Nesse estudo constatamos que a relação teoria-práxis coloca-se central, em se tratando
da educação, como instrumento para se pensar as contradições sociais, que contribuem para os
limites impostos à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e,
consequentemente à segregação na escola pública.
145
Para Adorno (1969, p. 1)72
teoria e prática não se separam, ao afirmar que: “(...) creio
que uma teoria é muito mais capaz de ter consequências práticas em virtude de sua própria
objetividade, do que quando se submete de antemão à prática”. Logo, a interdependência
entre teoria e prática é elemento essencial para que o professor experiencie e problematize
condutas pedagógicas. Ou seja, “pense por si”.
Nesse sentido, o fundamento da estrutura social predominante, tal como concebido
pelo modo de produção capitalista, contribui para que o professor deposite em terceiros –
Saúde, Assistência Social, dentre outros – a resposta às demandas para as quais não se vê
preparado. Coloca-se a questão da importância dos professores, assim como os demais
profissionais da escola, assumirem suas responsabilidades com a escola
inclusiva/democrática, e não transferi-las a terceiros, o que evidencia a heteronomia
vivenciada no lócus da escola na atualidade. Desse modo, apoiamo-nos no posicionamento de
Costa (2009, p. 82), ao problematizar que:
(...) para além dos desafios enfrentados pelos professores, sobretudo pelo fato de se
julgarem despreparados para atuar em classes inclusivas, é importante afirmar não
haver necessidade de estar preparado para atuar com a diversidade dos alunos, pois
esses são seres humanos subjetivos e singulares e se encontram em processo de
diferenciação, sobretudo quando participam das diversas instâncias sociais, com
destaque para a escola pública.
Assim, são equivocados os limites postos às diferenças existentes nos alunos com
necessidades educacionais especiais, visto a diferença ser característica inerente à
subjetividade, ou seja, à humanidade dos indivíduos, com ou sem necessidades educacionais
especiais, decorrentes de deficiência.
Logo, o objetivo da práxis pedagógica é a emancipação, por contribuir para a tomada
de consciência sobre o reducionismo da razão, que impõe discurso único e hegemônico à
escola contemporânea. A esse respeito, Adorno (2006, p. 181) enfatiza ser: “(...) preciso
começar a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõe à emancipação nessa
organização do mundo. [...] O motivo evidentemente é a contradição social”.
Sob tal perspectiva, essa pesquisa revelou o cenário da escola perpassado pela latência
das contradições sociais massificadoras e excludentes. No entanto, também foi possível
entrever, pelas narrativas das professoras, participantes deste estudo, predisposição às
mudanças.
72
O trecho se encontra em entrevista concedida à revista alemã "Der Spiegel" (nº 19) em 1969, com o título de
“Meu pensamento sempre esteve numa relação muito indireta com a prática”. Disponibilizado no site:
nupese.fe.ufg.br/. Acesso em 30 de maio de 2013.
146
No que tange à organização da escola em seus aspectos arquitetônicos, curriculares e
pedagógicos, evidenciou-se que:
Do ponto de vista arquitetônico a escola em estudo deixa a desejar. Sua
construção vertical demanda construção de rampa, o que foi descartado pela
diretora em virtude da estrutura predial, cogitando-se instalação de elevador
externo, ainda em estudo;
Em relação aos aspectos curriculares e pedagógicos, observou-se
disponibilidade por parte das professoras, orientadora pedagógica e diretora, na
busca por recursos e estratégias para a escolarização de alunos com
necessidades educacionais especiais. Ressalta-se o valor atribuído aos
momentos de encontros e experiências entre professores como
potencializadores de ações inclusivas. Nesse sentido, voltando-se para
discussões coletivas, oportuniza-se que os professores compartilhem dúvidas e
medos, fortalecendo-se reciprocamente para seu enfrentamento;
Merece destaque a concepção desenvolvida na escola no tocante à avaliação
dos alunos incluídos. A mesma se dá por meio de relatórios bimestrais
descritivos, em que constam os objetivos traçados, os atingidos e as propostas
ainda em processo. Tem-se que a prática observada contribui para o
rompimento com a perspectiva seletiva e competitiva da avaliação, afirmando-
se a abertura do espaço escolar à perspectiva democrática da educação;
Em relação ao Projeto Pedagógico da escola, a análise documental revelou-nos
que o mesmo apoia-se em perspectiva Humanista, privilegia a Metodologia de
Projetos e compreende a escola como espaço de formação de indivíduos
críticos e participativos. No entanto, constatou-se que, embora tenha sido
elaborado com a participação da comunidade escolar no ano de 2004,
observou-se afastamento do mesmo, uma vez não haver clareza nas respostas
das professoras sobre a correlação entre o Projeto Pedagógico e ações
inclusivas desenvolvidas na escola. Nesse sentido, afirma-se o distanciamento
147
entre teoria e práxis, dificultando-se a promoção de prática pedagógica
emancipada e emancipadora.
A escola pública somente será inclusiva, quando organizada de modo a favorecer
acesso e permanência à totalidade dos alunos. Nesse sentido, os desafios de mudanças devem
ser assumidos pelo coletivo de profissionais da escola, desde o aspecto físico estrutural àquele
assentado na perspectiva do instituinte do espaço.
Nesse contexto, o Projeto Pedagógico não pode ser documento que não atravesse a
realidade da escola. Sua produção deve ser percebida como em contínuo, porque inacabada.
A esse respeito, apoiamo-nos em estudos de Damasceno (2010, p. 260) pela constatação de
que:
(...) como movimento instituinte, é possível afirmar que o Projeto Pedagógico pode
contribuir para a afirmação da democratização escolar e, por conseguinte, para a
educação inclusiva, tendo que atentar para os ativismos da realidade instituída, que
devem ser objeto de reflexão crítica.
Vale destacar que os obstáculos impostos pela inadequação arquitetônica da escola
estudada, e o distanciamento da comunidade escolar de reflexões sobre o Projeto Pedagógico,
como elemento norteador de ações e definidor de relações constitutivas e constituintes na/da
escola, reiteram o escasseamento de vivências/experiências democráticas, o que contribui para
os mecanismos de exclusão na escola pública.
Entretanto, embora aparentemente contraditório, cabe evidenciar ações, no que se
refere à predisposição das professoras, participantes deste estudo, de redimensionamento da
prática e de compartilhamento de experiências, como percebido no processo de avaliação e na
busca de estratégias pedagógicas para a escolarização dos alunos incluídos. A esse respeito
referendamo-nos à afirmativa de Becker (apud Adorno, 2006, p. 170), posto que:
(...) isto não significa emancipação mediante a escola para todos, mas emancipação
por intermédio de uma oferta formativa bastante diferenciada e múltipla,
possibilitando o desenvolvimento da emancipação em cada indivíduo, o qual precisa
assegurar a emancipação em um mundo que parece particularmente determinado a
dirigi-lo heteronomamente.
Ou seja, Adorno alerta para a o aspecto emancipatório da educação, como rompimento
com as condições sociais objetivas, que contribuem para o ajustamento alienado e heterônomo
dos indivíduos, uma vez que embora reconheçam a validade de novas alternativas à prática
148
pedagógica, os professores, pela formação que lhes foi/é possível, sentem-se inseguros em
inovar suas práticas docentes, rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.
Por fim, a categoria analisada evidenciou que as relações concebidas e construídas
entre o instituído e o instituinte, revelam e desvelam o espaço-tempo da escola, conforme
Linhares (2009, p. 17), ao destacar que: “(...) as ações instituintes podem ter tamanhos e
tempos de duração variáveis, reduzidos, feitos por percursos imprevisíveis de avanços e
recuos”. Desse modo, o enfrentamento da realidade desafiadora para os professores não se
sustenta pelo que é concebido/imposto pelo instituído. Ao longo da elaboração deste estudo,
pôde-se refletir e constatar o conflito existente entre essas duas perspectivas nas escolas
petropolitanas.
Finalmente, as observações sobre os impactos do atendimento educacional
especializado/AEE, na Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão na
escola pública, revelaram-nos que:
Há unanimidade no reconhecimento do atendimento educacional
especializado/AEE como suporte aos alunos e apoio aos professores,
evidenciando-se desejo de sua extensão aos demais alunos, uma vez percebido
como ação qualificada e producente;
Constatou-se horizontalidade organizacional da escola, em se tratando de
trocas entre professores de sala regular, professores de atendimento
educacional especializado/AEE e equipe gestora/pedagógica, configurando-se
o aspecto democrático da ação desenvolvida;
Em relação aos entraves vivenciados na dinamização do atendimento
educacional especializado/AEE em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,
as faltas dos alunos apresentaram-se como ponto crucial, justificadas pela
dificuldade de retorno à escola no contraturno. Entretanto, não se percebeu, por
parte das professoras partícipes deste estudo, reflexões sobre a questão,
evidenciando-se, uma vez mais, a dificuldade de o professor frente às
condições objetivas materiais que lhe são impostas, perceber-se como capaz de
problematizar e confrontar questões com vistas a soluções democráticas e
emancipatórias;
149
Em relação ao apoio oferecido aos professores pelo atendimento educacional
especializado/AEE, na inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais, as ações se desenvolvem naturalmente, mediante partilhas,
convivendo-se com a imprevisibilidade e necessidades observadas. O
movimento observado é sugestivo de espaço receptivo ao enfrentamento de
dificuldades por meio de experiências compartilhadas.
Pensar a educação inclusiva significa romper com o imaginário da educação marginal
e marginalizada, porque não reconhecida como direito de cidadania. O momento histórico é
favorável à democratização da escola pública, o que é percebido pelas políticas de educação e
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública.
Na perspectiva da educação inclusiva, a oferta do atendimento educacional
especializado/AEE, em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, vem se revelando
importante aliada na organização da escola, ao articular serviços necessários à interlocução
entre a educação especial e a escola regular. Tal fato pôde ser constatado neste estudo. Pois,
mesmo considerando a curta trajetória das políticas públicas de educação especial na
perspectiva inclusiva na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, as narrativas foram
unânimes no reconhecimento da validade do AEE.
No entanto, não podemos deixar de refletir sobre as condições organizacionais, que
demandam ações emancipatórias das escolas públicas. Ou seja, por fazerem parte de uma rede
de ensino, historicamente as escolas públicas se mantiveram em situação de dependência
administrativa, funcional, e até mesmo pedagógica, ou seja, limitadas em sua autonomia. A
organização da escola pública e inclusiva demanda mudanças em sua cultura organizacional
cultura e nas práticas pedagógicas. Quanto a isso, Costa (2006, p. 6) afirma ser importante:
(...) destacar que um projeto educacional democrático inclusivo não se realizará com
base apenas em leis. Mas, principalmente como decorrente de uma auto-reflexão
crítica por parte de toda a sociedade, com ênfase, nesse momento, nos professores
das redes públicas de ensino.
Apoiando-nos no pensamento de Costa, pudemos observar que conflitos relativos às
dificuldades de retorno dos alunos para o AEE, no contraturno da escolarização inclusiva,
provocam dúvidas nos professores quanto à sua validade da pedagógica. Assim, reafirmam-se
os limites da escola pública e a urgência de seus atores reconhecerem que, no atual estágio de
transição do processo educacional inclusivo, a efetividade das ações pedagógicas não se
encontra exclusivamente nos dispositivos legais. Mas, principalmente na convicção de que a
150
escola precisa mudar e da determinação em promover mudanças no contexto educacional, ou
seja, transformações de ideias, de atitudes e de práticas pedagógicas.
Concluindo, este estudo afirma que, ao nos propormos problematizar as políticas de
educação, voltadas ao atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais,
desenvolvidas ao longo dos últimos trinta anos na rede pública municipal de ensino de
Petrópolis/RJ, e à formação dos professores, em particular os que atuam ou irão atuar em
classes inclusivas, deparamo-nos com as dimensões do instituído, aquelas identificadas na
existência de leis, decretos, diretrizes, dentre outros, e na do instituinte, isso é, aquilo que é
tecido no interior dos espaços escolares, no dia a dia, em meio às dúvidas, aos medos, aos
enfrentamentos, às problematizações, aos avanços e retrocessos.
Isso posto, o resgate histórico da trajetória da Educação Especial na rede pública
municipal de ensino de Petrópolis propiciou-nos a observação de que, embora jovem em
trajetória, revestiu-se a mesma de fortes marcas próprias de um século ora marcado por lutas
sociais altamente humanitárias, ora assentado em ações extremamente excludentes e capazes
de agressões profundas ao ser em sua humanidade.
Tendo como nascedouro os anos mil novecentos e oitenta do século passado, nos quais
a sociedade brasileira vivia a turbulência da legitimação de uma nova Constituição e se
atravessavam períodos em que a educação brasileira se via frente às contrastantes influências:
quer aquelas voltadas para uma concepção desenvolvimentista de país, de caráter competitivo
e individualista, quer as que se apresentavam sob a perspectiva do reconhecimento da
educação como “direito de todos”, como ressaltado pela Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994), certo é que marcas próprias se fizeram na Educação Especial nas escolas municipais da
rede municipal de ensino em Petrópolis.
Quanto a isso, nos referimos a Marina Colassanti73
, escritora brasileira
contemporânea, narra uma bela história no conto, a seguir74
, o qual é ilustrativo à reflexão
sobre o afirmado anteriormente:
De nada adiantou a couraça contra o fio da espada. O sangue jorrou entre as
frestas metálicas e o jovem rei morreu no campo de batalha. Tão jovem, que
não deixava descendente adulto para ocupar o trono. Apenas, da sua
linhagem, um filho menino.
Antes mesmo que a tumba fosse fechada, já os seus fiéis capitães se reuniam.
A escolha de um novo rei não podia esperar. E determinaram que o menino
73
Marina Colasanti (Asmara, Etiópia, 1937) chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de
Janeiro. 74
In: Revista Nova Escola, dez/1997.
151
haveria de reinar, pois a coroa lhe cabia de direito. Que começassem os
preparativos para colocá-la sobre sua cabeça.
Aprontavam-se as festas de coroação, enquanto os capitães instruíam o
menino quanto ao seu futuro. Mas porque o rei seu pai havia sido muito
amado pelo povo e temido pelos inimigos, e porque o rosto do menino era tão
docemente infantil, uma decisão sem precedentes foi tomada.
No dia da grande festa, antes que a coroa fosse pousada sobre os cachos do
novo rei, a rainha sua mãe avançou e, diante de toda a corte, prendeu sobre
seu rosto uma máscara com a figura do pai. Assim, ele haveria de ser
coroado, assim ele haveria de governar. E os sinos tocaram em todo o reino.
Muitos anos se passaram, muitas batalhas. O menino rei não era mais um
menino. Era um homem. Acima da máscara, seus cabelos começavam a
branquear. Seu reino havia crescido. As fronteiras, agora longas, exigiam
constante defesa.
E, na batalha em que defendia a fronteira do Norte, perseguido pelos
inimigos, o rei foi abatido no fundo de uma ravina, sem que de nada lhe
valesse a couraça.
Antes que fechasse os olhos, acercaram-se dele seus capitães. Retiraram o
elmo. O sangue escorria da cabeça. O rei ofegava, parecia murmurar algo.
Com um punhal, cortaram as tiras de couro que prendiam a máscara. Soltou-
se pela primeira vez aquele rosto pintado ao qual se haviam acostumado
como se fosse carne e pele. Mas o rosto que surgiu por baixo dele não era um
rosto de homem. A boca de criança movia-se ainda sobre mudas palavras, os
olhos do rei faziam-se baços num rosto de menino.
Assim como o “reizinho”, não estará a ação educativa permitindo-se o uso de
‘máscaras’ que não mais lhe convém, chegando mesmo ao ponto de deformar sua fisionomia?
Da mesma forma como as fronteiras do reino se alargaram, exigindo maiores cuidados em sua
defesa, também as necessidades de nossas escolas não mais são as mesmas de tempos
passados; por que, então, insistir em organizá-las da mesma maneira? Como de nada valeu a
‘velha couraça do reizinho’ no enfrentamento dos inimigos, constatam-se incertezas, dúvidas
várias frente às questões instituídas e instituintes à organização e democratização das escolas
na rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ.
A escola inclusiva cumpre o papel de romper com a perspectiva da segregação e
exclusão, ao aproximar a escola comum da educação especial, logo está sendo construída e
mudanças ainda são necessárias.
Não se pode negar que refletir sobre as possibilidades de um espaço escolar inclusivo
leva muito além da discussão sobre metodologias, currículos e planejamentos, uma vez
estarem os mesmos intimamente atrelados às concepções pré-existentes. Logo, ao se voltar ao
fazer inclusivo, volta-se, sim, às mudanças de concepções há muito arraigadas. E mudanças
requerem, por vezes, sofrimento e coragem.
Sofrimento, por não ser fácil renunciar-se aos fazeres há tanto estabelecidos; e
coragem por ser o mergulho no novo um ato de muitas incertezas, o que, ao que parece, vêm
vivenciando os educadores petropolitanos.
152
Romper com o estabelecido para a vivência de novas experiências é aspecto a ser
considerado pelo educador consciente de seu papel crítico e emancipatório, ou seja, aquele
que se assume como protagonista de sua formação,
Educar para a inclusão é permitir-se o movimento de constante reflexão, pois sem a
mesma corre-se o risco de um engessamento o qual poderá levar a irreparáveis deformações.
Em relação à rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ, constata-se que dos
primórdios dos anos 1980 do século passado, à primeira década do século atual, as
concepções que se vão constituindo contribuem para a percepção de movimento constante de
buscas.
Resguardar adequado atendimento aos alunos com necessidades educacionais
especiais, ainda que sob perspectivas inerentes às possibilidades das diferentes épocas e de
concepções que se faziam e fazem latentes, apresenta-se como política nitidamente instituída
na rede de ensino de Petrópolis.
Os impactos verificados, a partir do ano de 2009 e mais especificamente ao longo do
ano de 2010, quando da implantação do atendimento educacional especializado/AEE em
Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs nas escolas da rede pública municipal de Petrópolis,
demonstraram avanços para a constituição de ações de reconhecimento da diversidade
humana, tendo a escola como espaço capaz de gestar novas concepções pedagógicas, capazes
de romper com concepções culturalmente instituídas.
Ao se remeter ao conto de Marina Colassanti, é possível imaginar qual teria sido o
destino daquele reino, caso o reizinho tivesse se recusado ao uso da máscara que lhe fora
imposta. Inúmeras são as possibilidades. No entanto, qualquer que fosse o caminho que o
reino tomasse sob sua liderança, se revestiria de sua marca própria, de suas idiossincrasias, de
suas crenças, de suas necessidades, de suas forças e fraquezas, de sua face.
Finalizando, tem-se que trilhar caminhos próprios e permitir-se buscas, apresenta-se
como desafio que vem sendo enfrentado para que ações se concretizem de forma ética,
reflexiva e democrática, sem que se percam a identidade e as (in)certezas intrínsecas e
constitutivas das escolas públicas municipais de Petrópolis, quando da inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais, sob pena de, a exemplo do “reizinho”, estar se sujeitando
à deformidade que poderá vir a ser irreparável. Pois, como afirmado por Adorno (2006, p.
70): “A couraça oculta a ferida”.
153
REFERÊNCIAS
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ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos
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_______ Decreto nº 7.611. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos
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Nova York, em 30 de março de 2007. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF,
2009.
_______. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui as Diretrizes Operacionais para
o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, na modalidade da
Educação Especial. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Brasília,
DF, 2009.
154
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Ações do Governo Federal. Brasília – INEP – 2009 – Volume 2. Brasília, DF, 2009.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional da
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
_______. Decreto n.º 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o Atendimento
Educacional Especializado, regulamenta o parágrafo único do art. nº 60 da Lei no 9.394, de
20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de
2007. Diário Oficial da União. Brasília, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para
Assuntos Jurídicos, Brasília, DF, 2008.
_______. Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007. Dispõe sobre o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras
providências. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 2007.
_______. Decreto nº 6.215, de 26 de setembro de 2007. Estabelece o Compromisso pela
Inclusão das Pessoas com Deficiência. Institui o Comitê Gestor de Políticas de Pessoas com
Deficiência – CGPD. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 2007.
_______. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano
de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração
com Municípios, Distrito Federal e Estados. Presidência da República. Casa Civil, Brasília,
DF, 2007.
_______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura.
Brasília, DF, 2006.
_______. Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24
de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. nº 18 da Lei
no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para
Assuntos Jurídicos, Brasília, DF, 2005.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. A Fundamentação
Filosófica. Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Brasília: MEC/SEESP,
2004.
_______. Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004.. Regulamenta as Leis no 10.048, de 8
de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 2004.
_______. Ministério da Educação. Portaria nº 2.678, de 24 de setembro de 2002. Aprova o
projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território
nacional. Brasília, DF, 2002.
155
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº. 10.436, de 24 de
abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras
providências. Brasília, DF, 2002.
_______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1/CNE/CP, de 18 de fevereiro de
2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, 2002.
_______. CNE - Câmara de Educação Básica. Resolução nº 2/CNE/CEB, de 11 de
setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica. Brasília, DF, 2001.
_______. CNE - Câmara de Educação Básica - Parecer nº 17 de 3 de julho de 2001, trata da
Organização dos Sistemas de Ensino para o atendimento ao aluno que apresenta necessidades
especiais. Brasília, DF, 2001.
_______. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano
Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília, DF, 2001.
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Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
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1978.
158
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO
PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.
ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa
MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva
1. Dados Pessoais/Pseudônimo*: ____________________________________________
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Data de Nascimento: _____/_____/_____
2. Formação Acadêmica
2.1 Qual é sua formação acadêmica?
( ) Nível Médio – Curso:___________________________________________________
( ) Nível Superior – Curso:_________________________________________________
( ) Pós-Graduação: Cursando ( ) Concluído ( )
Mestrado ( ) Doutorado ( )
Mestrado e/ou Doutorado em:_________________________________________
Especialização em: _________________________________________________
Outro: ___________________________________________________________
3. Experiência Profissional
3.1 Qual sua função/cargo na escola: ______________________________________
3.2 Há quanto tempo leciona? ___________________________________________
3.3 Há quanto tempo trabalha nesta escola?_________________________________
3.4 Atualmente trabalha em quais escolas? ________________________________
3.5 Qual sua carga horária semanal de trabalho? ____________________________
*Utilizou-se pseudônimo, em respeito à preservação da identidade dos entrevistados.
159
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO
PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.
ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa
MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva
ROTEIRO DE ENTREVISTA
I. Entrevista com o/a Diretor/a Geral:
1. Qual a sua formação inicial?
2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?
3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?
4. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais são desenvolvidas na escola?
5. Fale sobre sua experiência como diretor/a de uma escola pública agora também inclusiva.
6. Sob seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe à gestão escolar?
7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com
necessidades educacionais especiais incluídos.
8. O projeto pedagógico da escola contempla a inclusão? Comente sobre isso.
9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?
Comente.
ANEXO 2
160
10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre
letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.
11. Como você qualifica a atuação o suporte do Atendimento Educacional Especializado –
AEE – realizado na Sala de Recursos Multifuncionais? Justifique.
12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs
no atendimento às necessidades especiais dos alunos? Comente.
161
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO
PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.
ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa
MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva
ROTEIRO DE ENTREVISTA
II. Entrevista com os/as orientadores/as pedagógicos/as:
1. Qual a sua formação inicial?
2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?
3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?
4. Fale sobre sua experiência com a educação inclusiva.
5. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com NEEs são desenvolvidas
por você? Comente.
6. Sob o seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe para a orientação pedagógica?
7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com
NEEs.
8. O projeto pedagógico da escola contempla a educação inclusiva? Comente sobre isso.
ANEXO 3
162
9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?
Comente.
10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre a educação inclusiva durante o
bimestre letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a
respeito.
11. Como você qualifica a atuação do Atendimento Educacional Especializado – AEE –
realizado na Sala de Recursos Multifuncionais? Justifique.
12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs
para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos? Comente.
163
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO
PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.
ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa
MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva
ROTEIRO DE ENTREVISTA
III. Entrevista com os/as professores/as de turmas regulares:
1. Qual a sua formação inicial?
2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?
3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?
4. Fale sobre sua experiência com a educação inclusiva.
6. Sob o seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe para os professores?
7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com
NEEs.
8. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?
Justifique.
ANEXO 4
164
9. Você estabelece alguma relação entre o projeto pedagógico da sua escola e o movimento de
inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais? Comente.
10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre
letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.
11. Como você qualifica a atuação do Atendimento Educacional Especializado – AEE –
realizado na Sala de Recursos Multifuncionais no atendimento aos alunos com NEEs?
Justifique.
12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs
no atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos? Comente.
165
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO
PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.
ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa
MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva
ROTEIRO DE ENTREVISTA
IV. Entrevista com os/as professores/as de Salas de Recursos Multifuncionais – SRMs
1. Qual a sua formação inicial?
2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?
3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?
4. Fale sobre sua experiência atuando na SRMs com o AEE no apoio à inclusão escolar de
alunos com NEEs.
5. Que demandas a política de inclusão escolar trouxe para a formação dos professores de
educação especial?
6. Como você percebe o envolvimento da equipe pedagógica, incluindo o gestor da escola,
com a SRMs?
ANEXO 5
166
7. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre letivo
envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.
8. Há no projeto pedagógico de sua escola alguma previsão específica que aponte para o
Atendimento Educacional Especializado – AEE – dos alunos com necessidades educacionais
especiais? Comente a respeito.
9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?
Justifique.
10. Fale sobre os principais entraves vivenciados por você na dinamização da SRMs.
11. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com NEEs são desenvolvidas
por você? Comente.
11. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs
no atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos incluídos? Comente.