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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO CAMPO DE CONFLUÊNCIA POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS INSTITUINTES E EDUCAÇÃO WANDA LÚCIA BORSATO DA SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: AS EXPERIÊNCIAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ NITERÓI JUNHO / 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CAMPO DE CONFLUÊNCIA POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS

INSTITUINTES E EDUCAÇÃO

WANDA LÚCIA BORSATO DA SILVA

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E

INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS:

AS EXPERIÊNCIAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE

PETRÓPOLIS/RJ

NITERÓI

JUNHO / 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CAMPO DE CONFLUÊNCIA POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS

INSTITUINTES E EDUCAÇÃO

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E

INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS:

AS EXPERIÊNCIAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE

PETRÓPOLIS/RJ

WANDA LÚCIA BORSATO DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FE/UFF, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação

ORIENTADORA:

Prof.ª. Dr.ª VALDELÚCIA ALVES DA COSTA

Niterói - Rio de Janeiro

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S586 Silva, Wanda Lúcia Borsato da.

Políticas públicas de educação, formação de professores e

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais: as

experiências da Rede Pública Municipal de Ensino de

Petrópolis/RJ / Wanda Lúcia Borsato da Silva. – 2013.

166 f.

Orientador: Valdelúcia Alves da Costa.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,

Faculdade de Educação, 2013.

Bibliografia: f. 153-157.

1. Educação. 2. Políticas públicas. 3. Formação de professor.

4. Educação especial. 5. Inclusão escolar. I. Costa, Valdelúcia

Alves da. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de

Educação. III. Título.

CDD 371.9

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DEDICATÓRIA

Para

Sérgio,

Gláucia,

Larissa

e Filipe,

parceiros de sonhos,

companheiros de vida.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais (in memoriam), que me contemplaram com o dom da vida e

com os quais aprendi que respeito e generosidade devem nos acompanhar vida afora.

A muito querida “Dadai”, mãe de coração, que com simplicidade e sabedoria espantou meus

medos e acalentou meus sonhos de menina.

A meu marido, Sérgio Carlos da Silva, companheiro de todas as horas, com quem pude

compartilhar minhas dúvidas, medos, ansiedades e limitações. Obrigada por alimentar meus

sonhos e contribuir para que se realizem.

A meus filhos, Gláucia, Larissa e Filipe, presentes preciosos com os quais a vida me

contemplou, por me incentivarem e emprestarem a juventude de suas asas para meus voos.

À minha muito querida Professora Orientadora Dr.ª Valdelúcia Alves da Costa, presença

firme e suave, interlocutora gentil e incansável, por ter me proporcionado viver ricas

experiências, acreditando em meu potencial e incentivando-me a “voar sem asas”.

À professora. Dr.ª Iduína Chaves, presença contagiante pela competência com as análises e

alegria diante da vida. Suas palavras de incentivo foram marcantes nessa minha trajetória.

À professora Dr.ª Mariza Wall, pela generosidade de ter participado de minha Banca de Exame

de Projeto de Dissertação, retornando nesse momento. Sinto-me privilegiada por ter contado com

suas leituras criteriosas e atentas para o desenvolvimento desse meu estudo.

Ao Professor Dr. Allan Damasceno, jovem coração que bate no compasso da Teoria Crítica da

Sociedade, minha admiração.

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Fruto de enganos ou de amor,

nasço da minha própria contradição

O contorno da boca,

a forma da mão, o jeito de andar

(sonhos e temores incluídos)

virão desses que me formaram.

Mas o que eu traçar no espelho

há de se armar também

segundo o meu desejo.

Terei meu par de asas

cujo voo se levanta desses

que me dão a sombra onde eu cresço

– como, debaixo da árvore,

um caule

e sua flor.

Adélia Prado

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RESUMO

Esta dissertação versa sobre as políticas públicas de educação e a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, Rio

de Janeiro. Para tal, foram problematizadas as políticas públicas de formação docente e de

educação especial na perspectiva da inclusão. As questões, sobre as quais este estudo se

debruçou, fundamentam-se na Teoria Crítica da Sociedade, especialmente representada pelo

pensamento de Theodor Adorno e Max Horkheimer, a qual contribuiu para o tensionamento

de aspectos relativos às dimensões de cultura, sociedade, indivíduo, educação e formação,

inseridas nas contradições sociais que permitem e alimentam o preconceito e a segregação,

historicamente impostos aos alunos com necessidades educacionais especiais na escola

pública. Este estudo foi realizado na Escola São Judas Tadeu, de Ensino Fundamental da

Rede Pública Municipal de Petrópolis, RJ, tendo como participantes duas professoras

atuantes em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, duas professoras regentes de turmas

regulares, uma orientadora pedagógica e a diretora da unidade escolar. As questões

investigadas foram: Quais as contribuições das atuais políticas públicas de educação especial,

na perspectiva inclusiva, no que se refere à formação de professores? Quais as contribuições

das políticas públicas de educação especial, na perspectiva inclusiva da gestão escolar, da

organização pedagógica e da acessibilidade arquitetônica na escola pública? Como se

articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades educacionais especiais no

cotidiano da sala de aula? Quais os impactos do Atendimento Educacional

Especializado/AEE na Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs, como suporte à inclusão de

alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública? Como objetivos, tivemos:

Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para alunos

com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis,

RJ; Avaliar a atuação da Escola São Judas Tadeu quanto à implementação da educação

inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos professores das classes

regulares e dos professores que oferecem o Atendimento Educacional Especializado/AEE nas

Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs. Os resultados obtidos revelaram que, mesmo

considerando os limites e contradições sociais impostos à escola contemporânea, pela

organização da sociedade de classes, constatou-se, por parte das professoras, participantes

deste estudo, um movimento propício ao enfrentamento das condições sociais vigentes no

cotidiano da escola pública. Assim, tem-se que os aspectos analisados evidenciaram avanços

na educação inclusiva no município de Petrópolis/RJ.

Palavras-chave: Políticas Públicas de Educação; Formação de Professores; Atendimento

Educacional Especializado; Inclusão Escolar.

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ABSTRACT

This dissertation examines the public policies of education and inclusion of students with

special educational needs in municipal public schools in Petrópolis, Rio de Janeiro. To this

end, public policies related to teacher training and special education inclusion perspective

were problematized. The questions on which this study is addressed, are based on the Critical

Theory of Society, especially represented by the thought of Theodor Adorno and Max

Horkheimer, which contributed to the tension of aspects related to the dimensions of culture,

society, individual education and training, embedded in social contradictions that enable and

feed prejudice and segregation, historically imposed on students with special educational

needs in public schools. This study was conducted at Escola São Judas Tadeu, public

elementary school in Petrópolis, RJ, and the participants were two teachers working in

Multifunctional Resource Classroom, two teachers of regular classes regents, a pedagogic

advisor and the principal of the school. The issues investigated were: What are the

contributions of current public policies for special education in inclusive perspective with

regard to teacher training? What are the contributions of public policies on special education,

, regarding inclusive school management, teaching organization and architectural

accessibility in public school? How to articulate the teaching practices and meet the special

educational needs in everyday classroom? What are the impacts of the Specialized

Educational Care in the Multifunctional Resource Classroom as support to the inclusion of

students with special educational needs in public school? Our goals: characterize public

policy in special education in na inclusive perspective for students with special educational

needs in municipal public schools in Petrópolis, RJ; evaluate the performance of Escola São

Judas Tadeu in the implementation of inclusive education, considering the joint between the

teaching practices in regular classes and teachers that offer the Specialized Educational Care

in the Multifunctional Resource Classroom. The results showed that, even considering the

limits and social contradictions of contemporary school, the class society organization, it was

found by the teachers participating in this study a conducive move to addressing the social

conditions in everyday public school. Thus, it has been revealed that the aspects analyzed

show advances in inclusive education in Petrópolis/RJ.

Keywords: Public Education Policy, Teacher Training, Specialized Educational Care;

Inclusion.

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LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E FIGURAS

Gráfico/Quadro

Figura Título Página

Gráfico 1 Evolução da matrícula de alunos com necessidades

educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular 49

Gráfico 2 Evolução da política de inclusão nas classes comuns do ensino

regular - 1998 a 2006 54

Gráfico 3 Evolução de municípios brasileiros com matrículas na

Educação Especial - 2002 a 2006 55

Gráfico 4 Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006 57

Quadro 1 Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006 60

Figura 1 Localização de Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro 69

Gráfico 5 População em idade escolar no município de Petrópolis:

números percentuais 70

Gráfico 6 População em idade escolar no município de Petrópolis 70

Quadro 2 Perfil da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis, RJ -

2011 71

Gráfico 7 Escolas por Modalidade de Atendimentos - 2011 72

Quadro 3 Quantitativo de Alunos na Modalidade de Educação Especial –

2001 77

Quadro 4 Quantitativo de Alunos Matriculados em Classes e Escolas

Especiais 78

Quadro 5 Perfil da Educação Especial – 2003 83

Gráfico 8 Classes Especiais x Escolas Especiais – 2001 a 2004 85

Gráfico 9 Quantitativo de Alunos Público-alvo da Educação Especial –

2006 87

Gráfico 10 Perfil da Educação Especial – 2008 90

Gráfico 11 Perfil da Educação Especial por Especificidades – 2008 91

Gráfico 12 Alunos Público-Alvo da Educação Especial – 2009/2010 96

Gráfico 13 Alunos incluídos 2009 - 2010 97

Gráfico 14 Formação Continuada – 2009 - 2010 99

Figura 2 Organização de Salas de Recursos Multifuncionais por Região

– Ano 2011 109

Gráfico 15 Alunos Atendidos em Salas de Recursos – 2008 a 2011 110

Gráfico 16 Evolução do Quantitativo de Alunos Atendidos em SRMs –

Anos de 2009 a 2011 111

Quadro 6 Número de Turmas e Quantitativo de Alunos da Escola São

Judas Tadeu 114

Gráfico 17 Quantitativo Total de Alunos Matriculados x Quantitativo de

Alunos Incluídos 114

Gráfico 18 Quantitativo de Alunos x Tipologia de Deficiência 115

Quadro 7 Quantitativo de Profissionais Atuantes na Escola São Judas

Tadeu 115

Quadro 8 Caracterização dos Participantes da Pesquisa 116

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LISTA DE ANEXOS

Nº Anexo Página

1 ROTEIRO DE ENTREVISTA/DADOS PESSOAIS 158

2 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/DIRETORA 159

3 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/ORIENTADORA

PEDAGÓGICA 161

4 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/PROFESSORAS

DE TURMAS REGULARES 163

5 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA/PROFESSORAS

DE SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS 166

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 14

FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA: AS QUESTÕES CENTRAIS DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS/RJ ....................................... 17

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE:

REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR ............................................................... 28

CAPÍTULO 2 – A SOCIEDADE BRASILEIRA: MARCOS LEGAIS INCLUSIVOS

PRESENTES EM SUA ORGANIZAÇÃO A PARTIR DOS ANOS DE 1960 ..................... 35 2.1 DOS ANOS DE 1960 AO LIMIAR DE UM NOVO SÉCULO ................................... 36

2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES EDUCACIONAIS: AS DEMANDAS DO

SÉCULO XXI ............................................................................................................... 49

2.3 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2011-2020: REFLEXÕES SOBRE A META 4

........................................................................................................................................ 61

CAPÍTULO 3 – ORGANIZAÇÃO DE ESCOLAS INCLUSIVAS NO MUNICÍPIO DE

PETRÓPOLIS ......................................................................................................................... 66

3.1 DE ONDE FALAMOS? ............................................................................................... 68

3.2 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE

PETRÓPOLIS: UM OLHAR SOBRE O PASSADO ................................................... 73

3.2.1 EDUCAÇÃO ESPECIAL: PASSOS E (DES)COMPASSOS NA CAMINHADA ..... 73

3.2.2 NOVO MILÊNIO: A BUSCA POR IDENTIDADE .................................................... 76

3.2.3 SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO: O IMPACTO DA AUTONOMIA ................ 76

3.2.4 CAMINHOS QUE SE DEFINEM: 2007 E 2008 ......................................................... 88

3.2.5 DE 2009 A 2011: CONSOLIDAÇÃO DE AÇÕES ..................................................... 92

CAPÍTULO 4 – ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA NA PERSPECTIVA

DEMOCRÁTICA: DESAFIOS E DEMANDAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ............ 102

4.1 SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS / SRMs: IMPACTOS DO

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO/AEE SOBRE A INCLUSÃO

DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS ....................................... 104

4.1.1 REFLEXÃO E AÇÃO: PASSOS INICIAIS .............................................................. 107

4.2 LÓCUS E PARTICIPANTES DO ESTUDO ............................................................. 112

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4.3 NARRATIVAS DOS EDUCADORES DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE

ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ: EXPERIÊNCIAS DE UM TRAJETO

INVESTIGATIVO ...................................................................................................... 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 140

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 153

ANEXOS .............................................................................................................................. 158

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Políticas Públicas de Educação, Formação de Professores e Inclusão de Alunos com

Necessidades Educacionais Especiais: as experiências da Rede Pública Municipal de

Ensino de Petrópolis/RJ

APRESENTAÇÃO

Este estudo versa sobre as políticas públicas de educação e a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, Rio de

Janeiro, por intermédio da problematização das políticas públicas de formação docente e de

educação especial na perspectiva da inclusão.

As questões propostas foram instigadas por anos de atuação como professora,

inicialmente alfabetizadora e, posteriormente, na cadeira de Língua Portuguesa no Ensino

Fundamental e Médio, e também pelas observações realizadas ao longo dos últimos onze

anos, como membro da Equipe Técnico-pedagógica da Secretaria de Educação do município

de Petrópolis, RJ, com atuação voltada à educação especial.

Ressalto a frequência, como ouvinte, no Grupo de Pesquisa/CNPq1 “Políticas em

Educação: Formação, Cultura e Inclusão”, durante o segundo semestre do ano de 2008,

coordenado pela Prof.ª Dr.ª Valdelúcia Alves da Costa, na Faculdade de Educação,

Universidade Federal Fluminense, bem como a participação como aluna ouvinte na disciplina

“Tópicos Especiais em Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação: Educação no

pensamento de Adorno e Morin”, durante o primeiro semestre de 2009, em uma turma de

Mestrado/Doutorado em Educação, o que em muito me aguçou a curiosidade para a pesquisa

e estudos referentes à organização da escola pública para o atendimento à diversidade de seu

alunado.

Tendo como prática diária a convivência com professores, alunos, famílias e corpo

pedagógico de diferentes unidades escolares, várias são as narrativas ouvidas e diversos os

questionamentos que se fazem quanto ao enfrentamento do processo de inclusão escolar de

alunos com necessidades educacionais especiais.

Nesse sentido, essas vivências contribuíram para instigar minha curiosidade pelo

1 Este estudo articula-se com os Projetos de Pesquisa ‘Políticas Públicas de Educação Especial no Estado do Rio

de Janeiro: Desafios da inclusão escolar de alunos com deficiência’; ‘Formação de Professores para a Educação

Inclusiva - Parceria Acadêmica/CAPES/PROCAD-NF: UFMA/UFBA/UFF’; ‘Observatório Nacional de

Educação Especial/ONEESP: Estudo em Rede Nacional sobre as Salas de Recursos Multifuncionais em Escolas

Comuns’; e ‘Observatório Estadual de Educação Especial/RJ/OEERJ - Estudo em Rede sobre as Salas de

Recursos Multifuncionais nas Escolas Municipais’, dos quais minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Valdelúcia Alves da

Costa, participa como coordenadora, vice-coordenadora e/ou membro da equipe de pesquisadores.

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estudo voltado à trajetória da Educação Especial na rede pública municipal de ensino de

Petrópolis/RJ, considerando não somente o aspecto legal das políticas de educação, mas seus

tensionamentos subjacentes produzidos/existentes no contexto da escola.

Apresentando como questão central a discussão/problematização da organização da

escola na perspectiva da educação inclusiva com vistas à sua democratização, tem-se que o

rompimento com a lógica desumanizante nos remete à questão sobre o papel da educação, não

o de alterar ou negar condições objetivas intrínsecas à constituição da sociedade burguesa,

mas a de formar consciências autônomas, capazes de resistir e se contraporem à mesma.

Observa-se que as demandas contemporâneas pela democratização da escola pública

implica em percepção dos fins humanizantes da educação, pela constatação de que a

diversidade é o que nos une e identifica não como espécies isoladas, mas sim como seres

humanos, indivíduos que em sua essência carregam semelhanças e diferenças.

Ao refletir sobre esses aspectos, marcadamente assentados em interiorização de

cultura que contribui para a manutenção do conservadorismo de práticas excludentes na

escola, este estudo buscou, pela crítica dialética, tensionar, problematizar e trazer à tona as

condições objetivas materiais e as contradições sociais que sustentam as situações

observadas.

Assim, este estudo está organizado da seguinte maneira: na Formulação da Situação-

Problema, o objeto de estudo é proposto e justificado, tendo por base algumas categorias,

como educação e inclusão escolar, dentre outras, relacionadas às questões investigadas e aos

objetivos do estudo.

A revisão da literatura foi desenvolvida em três capítulos. No primeiro Capítulo, foi

discutido o sentido da educação sob o prisma da Teoria Crítica da Sociedade, à luz do

pensamento de Adorno e Horkheimer, considerando-se que, sob tal perspectiva, compete à

educação contribuir para o desenvolvimento da consciência crítica, capaz de promover o

conhecimento, a análise e ação sobre a realidade.

No segundo Capítulo, procedemos ao resgate de aspectos históricos e legais que

constituíram e orientaram as ações voltadas à Educação Especial no Brasil, ao longo dos

últimos cinquenta anos e, no âmbito dos limites deste estudo, contamos com o apoio do

pensamento de Adorno (2006), para a discussão e análise sobre como as políticas públicas de

educação inclusiva têm contribuído para a organização da escola contemporânea.

O terceiro Capítulo, versando sobre as políticas públicas de educação especial para a

inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, na rede pública

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municipal de ensino de Petrópolis/RJ, traz à cena reflexões sobre os mecanismos encontrados

na base de seu processo histórico-social, problematizando, com aporte na Teoria Crítica da

Sociedade, os limites e/ou avanços das escolas municipais na perspectiva inclusiva.

Ao Capítulo quarto, coube a apresentação e análise dos dados empíricos deste estudo,

tendo como referência as políticas públicas nacionais e municipais, as experiências

instituintes, as narrativas das professoras participantes, e as observações realizadas na Escola

São Judas Tadeu, em Petrópolis/RJ, lócus do estudo. As análises dos dados coletados neste

estudo, se fundamentaram no pensamento de Adorno (2006, 1995), e em interlocução com

estudiosos, como Crockík (2011, 1995), Costa (2011, 2006), Linhares (2010), dentre outros,

os quais contribuíram à problematização de questões referentes à educação, formação de

professores, segregação, contradições e limites na escola pública, dentre outras.

Nas Considerações Finais contemplamos as impressões do nosso estudo, articuladas às

experiências educacionais do município de Petrópolis/RJ, narradas pelas participantes do

estudo, as quais contribuíram tanto ao desvelamento quanto à compreensão acerca de como se

configuram, se apresentam e, mais, como veem sendo enfrentados os desafios postos à

afirmação da educação inclusiva na escola pública no âmbito do município de Petrópolis/RJ.

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17

FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA:

AS QUESTÕES CENTRAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE

PETRÓPOLIS/RJ

A problemática deste estudo vincula-se à questão das políticas de educação voltadas

ao atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais2 desenvolvidas ao longo

dos últimos trinta anos na rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ e à formação dos

professores, em particular os que atuam ou irão atuar em classes inclusivas.

Tomou-se como ponto de partida para reflexões a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN nº 4024/1961, por se considerar seu marco representado como

o início, embora um tanto sutil, da legitimação da escola comum como espaço educacional

para os alunos com necessidades educacionais especiais.

Justifica-se o recorte temporal, uma vez que, conforme é apresentado em capítulo

específico, o atendimento educacional a alunos com necessidades educacionais especiais em

Petrópolis é iniciado a partir dos anos de 1980.

Nesse sentido, não podemos deixar de considerar a contemporaneidade por

caracterizar-se por significativas e contínuas transformações, tanto no campo do

conhecimento – ciência e tecnologia – como no dos valores – a condição humana.

Referindo-se ao avanço das forças produtivas do capitalismo, Adorno & Horkheimer

(2002, p. 7), afirmaram que “A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança.”

A afirmativa relaciona-se a instigante painel traçado pelos pensadores frankfurtianos da

passagem da razão emancipatória representada pelo pensamento iluminista à razão

instrumental do positivismo representado pela sociedade industrial massificada a que os

autores intitularam de indústria cultural3.

2 Segundo o documento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva

(BRASIL, 2008, p. 8), o conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente

disseminado a partir do advento da Declaração de Salamanca (ONU, 1994), ressalta a interação das

características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. [...] Assim, a partir dessa

conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza

física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena

e efetiva na escola e na sociedade.

3 Indústria Cultural: termo que remete a âmbitos da economia e cultura, associando-se a expressão ‘indústria’ à

produção de mercadorias como necessidades e ‘cultural’ à produção de consciências com precisão dessas

necessidades. (MAAR, Wolfgang Leo – Revista Educação – Especial: Adorno pensa a Educação, s/d, p. 26-35).

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18

Isso posto, as relações estabelecidas entre sujeito e objeto tornam-se mediadas pela

racionalidade técnica, processo que aliena e subjuga o homem às propostas mercadológicas

impostas por uma sociedade administrada, uma vez que (id, p. 11) “(...) cada um deve se

comportar, por assim dizer, espontaneamente, determinado a priori4 por índices estatísticos e

dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo.”

O pensamento de Adorno & Horkheimer conduz-nos à reflexão de que a dinâmica

social que se impõe é aquela obstrutora de subjetividades e do livre pensar, não propícia ao

desenvolvimento da subjetividade, tampouco de consciências críticas às contradições sociais

vigentes. Ficam-nos, pois, as questões: que tempo é esse em que vivemos? Quais são as

necessidades desse tempo? Para que a educação nesse tempo?

Remetemo-nos a importante ensaio datado de 1783, porém de grande atualidade, em

que à pergunta “Vivemos atualmente uma época esclarecida?” Kant respondeu: “Não, mas

certamente em uma época de esclarecimento”. Embora sutil a diferença entre os termos

“esclarecida” e “esclarecimento” não pode ser ignorada. Em pleno apogeu do Iluminismo,

Kant observou que ainda faltava muito para que os homens fossem considerados indivíduos

emancipados, ou seja, capazes de romper com o que classificou como “menoridade

autoinculpável”.5 Porém, apontou para a possibilidade de, através do esclarecimento, ou seja,

do emancipado e livre pensar o homem libertar-se de tal condição.

Valendo-nos das dessas considerações, e em resposta às questões anteriormente

apresentadas, ousamos afirmar que o tempo em que vivemos é aquele em que urge o

esclarecimento; as necessidades desse tempo assentam-se premência do rompimento do

homem com a menoridade autoinculpável, e ao para que a educação nesse tempo, certamente

para o desenvolvimento de identidades autocríticas, sensíveis e emancipadas e transgressoras,

aptas ao enfrentamento das condições objetivas vigentes.

Cabe-nos a constatação de que a educação formal, desenvolvida nas escolas, encontra-

se em momento de transformação. Estudos de Costa (2011, 2009), Linhares, (2009), Chaves

(2010) e Damasceno (2011, 2010), dentre outros, constatam que à escola da atualidade

compete o papel de formação de homens e mulheres em sua inteireza, para que como pessoas

críticas e participativas assumam-se em sua maioridade como dirigentes de suas vidas e

sujeitos do mundo em que vivem. O fato foi percebido e ressaltado por Linhares (2010, p. 19)

quando da indagação “Cabe-nos destacar como a escola, o ensino e a formação podem

4 Grifos do autor.

5 Para Kant, menoridade autoinculpável não é a falta de entendimento, mas a falta de decisão e de coragem de

servir-se do entendimento sem orientação de outrem.

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contribuir com dimensões éticas e estéticas que ampliem o pensamento, repercutindo em

processos volitivos e avaliativos de nossas próprias ações?”

O questionamento da autora demonstra que urge que a escola contemporânea se

constitua politicamente comprometida com o processo de orientar o educando para uma ação

de cidadania, capaz de romper com a barbárie existente em uma sociedade que reflete situação

de extrema desigualdade social, reiterando-se a contundente afirmação de Adorno (2006, p.

155) de que “(...) desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”.

Remetendo-nos à afirmativa de Adorno, e, em se considerando a escola como espaço

social privilegiado para a emergência de tensionamentos dialéticos, coloca-se a questão: quais

as contribuições das políticas públicas que se apresentam a partir dos anos de 1960 para a

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola comum?

Constata-se que o movimento de transformação do sistema educacional brasileiro

que vem ocorrendo desde 1996, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN – n.º 9394/1996), tem se caracterizado pela tarefa de

rompimento com princípios que sustentam o conservadorismo das escolas, questionando a

normalização de perfis específicos de alunos e a pretensa seleção de eleitos para frequentar a

escola. Cabe-nos, pois, a questão sobre como se vem constituindo as políticas para a inclusão

de alunos na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ; e em quais perspectivas se

apoiam?

Para que a escola e seus atores possam cumprir o papel de instância crítica da

sociedade, há que afirmar ideias de organização de um espaço escolar inclusivo, espaço esse

que se refere a um movimento muito mais amplo de transformação social, posto que na escola

manifestam-se objetiva e concretamente processos sociais historicamente constituídos.

Sob tal perspectiva, a educação inclusiva apresenta-se como elemento de

democratização não apenas da escola como das demais instâncias da sociedade, em

atendimento a um segmento social constituído por indivíduos excluídos da escola pública,

uma vez que ao longo da História da Humanidade, alunos com deficiência eram atendidos

separados dos demais, ou seja, segregados em instituições especializadas.

Em Costa (2006, p. 91) tem-se que “(...) a urgência por uma educação inclusiva e

democrática parece se constituir como alternativa para a superação da diferença significativa

de aprendizagem como obstáculo para o acesso e permanência na escola pública dos alunos e

na possibilidade de se pensar em uma sociedade justa e humana”. Logo, a emergência de uma

educação inclusiva, orienta-nos para o enfrentamento do preconceito historicamente instalado

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contra os considerados desviantes de padrões de normalidade culturalmente impostos à

escola, considerando-se que para Crochík (1995, p. 17) “(...) o indivíduo, é produto da cultura,

mas pela sua singularidade se diferencia dela”.

Infere-se que a diferenciação a que se refere Crochík se fará pelo desenvolvimento da

consciência sensível e crítica ao que é externamente imposto pela cultura. Logo, emerge uma

outra questão: como se organizam as escolas da rede pública municipal de ensino de

Petrópolis, RJ, quer no aspecto da gestão escolar e do projeto pedagógico, quer quanto ao

espaço físico e arquitetônico?

Dessa maneira, a inclusão escolar assume amplo papel social ao tensionar a escola

como território institucional expressivo da cultura em que se insere e, como tal, locus

privilegiado para problematizações sobre uma política inclusiva ocupar-se com a

desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em outras estruturas

sociais, conforme constatado por Costa (2011, p.68) em seus estudos, o que lhe permitiu

afirmar que “(...) a educação contribui para a formação de indivíduos autônomos, capazes de

refletir e, por sua vez, superar o que possa ser identificado na nossa cultura, na sociedade,

como forma de manipulação e estimulação à violência, sem reproduzi-la”.

Aportando-nos em Costa, ao reiterarmos o caráter emancipatório da educação,

constatamos a necessidade do desenvolvimento da consciência crítica, capaz de se contrapor à

exclusão social historicamente instalada na sociedade contemporânea, sobre o que Adorno

(2006, p. 121), afirma: “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma

autorreflexão crítica”.

Constata-se, então, que ao se considerar a demanda social e humana por

emancipação e o desafio de construir condições capazes de enfrentar a exclusão histórica,

fortalece-se, especialmente a partir dos anos de 1990, por ocasião da realização da

Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtein, Tailândia (UNESCO) a crítica a

práticas de segregação e categorização de alunos encaminhados para ambientes especiais de

aprendizagem, o que legitimava a segregação nos espaços escolares.

Ressalta-se que a referida Conferência chamou a atenção dos Países para os altos

índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização, explicitando seus objetivos a

promoção de transformação nos sistemas de ensino na promoção do acesso e permanência da

totalidade dos alunos na escola. No tocante à pessoa com deficiência, é enfática ao afirmar

que “As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras6 de deficiências

6 Embora em desuso, manteve-se a expressão ‘pessoas portadoras’ em atendimento ao texto original.

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requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à

educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do

sistema educativo.” (Art. 3).

Em 1994, essas discussões foram reiteradas e aprofundadas na Conferência Mundial

de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada na Espanha pela

UNESCO, resultando na Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre as Necessidades

Educativas Especiais (CORDE, 1994, 17), na qual se problematizam aspectos relativos à

escola não acessível à totalidade dos alunos, proclamando-se que as escolas comuns

apresentam-se como o meio mais eficaz para o combate a atitudes discriminatórias e

excludentes, uma vez afirmar que:

O princípio que orienta esta Linha de Ação é o de que escolas deveriam acomodar

todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,

emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e

superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de

população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, ou culturais, e

crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados.

Percebe-se que a perspectiva da educação inclusiva na Declaração de Salamanca se

apresenta como possibilidade abrangente para a constituição de uma sociedade mais justa e

democrática, uma vez apontar caminhos para a inserção de diferentes grupos sociais na

escola, contribuindo-se para que, através de convivência democrática sejam constituídas

subjetividades sensíveis ao reconhecimento da diversidade como característica inerente à

humanidade.

Por outro lado, vale também refletir sobre como as políticas públicas no Brasil se

vêm organizando a partir da promulgação da Constituição Federal da República Federativa do

Brasil (BRASIL, 1988), a qual apresenta como um de seus objetivos precípuos o de

“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação”; cabendo-nos, neste estudo, a percepção sobre como essas

políticas repercutem na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, com vistas à inclusão

de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública.

Em consonância com o crescente movimento mundial pela educação inclusiva,

publicou-se no ano de 1994, a Política Nacional da Educação Especial/MEC/SEESP

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(BRASIL, 1994), ainda alicerçada em posicionamentos integracionistas7 e com foco no

modelo clínico da deficiência, mantendo a estrutura paralela e substitutiva da educação

especial, condicionando o acesso de alunos com necessidades educacionais especiais ao

ensino regular, desde que atendidas algumas exigências, conforme expresso em orientações

para a matrícula em classes regulares:

Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também são matriculados,

em processo de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que

possuem condições de acompanhar e desenvolver atividades curriculares

programada do ensino comum, no mesmo ritmo dos alunos ditos normais8.

(BRASIL, 1994, p. 19)

Na medida em que condicionava que o aluno possuísse certos atributos para ser

inserido junto aos demais, é nítida a fragilidade de tal política quanto à promoção de desafios

relativos à construção de práticas pedagógicas e educacionais compatíveis com a educação

inclusiva, uma vez que as ditas possibilidades postas ao sujeito faziam-se em caráter

comparativo com aqueles “ditos normais”, e não em observações e reconhecimento dos

indivíduos em suas especificidades e em ações pedagógicas favoráveis ao seu

desenvolvimento. Constata-se, assim, a manutenção de um sistema educativo inalterado.

Nesse cenário histórico, embora expressem a necessidade de atendimento às

especificidades do alunado na escola comum, tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, n.º 9394 (BRASIL, 1996), quanto a Resolução nº 2 (CNE/CEB, 2001), denotam

ambiguidades quanto à organização da educação especial e da escola no contexto inclusivo,

pois ao mesmo tempo em que orientam a matrícula de estudantes, público-alvo da educação

especial em escolas comuns da rede regular de ensino, mantêm o atendimento em escolas

especializadas como substitutivo à escolarização.

Não nos podemos furtar a algumas considerações quanto à ambiguidade observada

nas legislações acima, uma vez que o ainda encaminhamento de alunos a escolas e classes

especiais, precisa ser discutido e questionado em seus fins, assim como há que se refletir

quanto a investimentos em currículos adaptados, ensino diferenciado, terminalidade

específica, e outros tantos mecanismos criados para que a revelada necessidade de atender

especificidades inerentes a esses alunos contribua para um maior afastamento, supostamente

7 Integração: perspectiva com base no modelo clínico em que a condição física, sensorial ou intelectual se

caracterizava como obstáculo à participação na sociedade, cabendo à pessoa com deficiência adaptar-se às

condições sociais existentes.

8 Grifos nossos.

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percebidos como um risco aos demais, para o que Crochík (1997, p. 14), nos alerta: “(...) Ao

falarmos em classes especiais estamos positivando a negação, ou seja, afirmando aquele que é

negado, para que ele seja mais uma vez negado”. Assim, ao se categorizar o aluno, o que se

sobressai é a menos valia, uma vez que passa a se diferenciar não como indivíduo, mas para

ser negado em sua subjetividade.

No entanto, se nos pautamos em uma educação que aponte para a afirmação do

indivíduo e sua emancipação, desnecessário seria o ato de classificar e separar, considerando-

se o direito ao que venha se constituir em promoção da humanidade. O caráter emancipatório

da educação contribui para rompimento, com o que Adorno (2006, p. 132) define como

‘consciência coisificada’, ou seja, “(...) uma consciência que se defende em relação a qualquer

vir a ser, frente a qualquer apreensão do próprio condicionamento, impondo como sendo

absoluto o que existe de um determinado modo”, ou seja, aquela que se mantém restrita a si

mesma, alimentando-se de sua fraqueza, reflexo de incompromisso entre o homem e sua

existência.

Logo, rever conceitos e posições é necessidade a ser reconhecida. Entretanto, não

como atitude isolada ou individual. Conceitos como os de exclusão ou inclusão não devem ser

banalizados ou simplificados, porque se corre o risco de banalizar ou simplificar necessidades

fundamentais do ser humano. Necessidades essas determinadas, a cada época, por espaços e

condições objetivas que devem ser consideradas e questionadas.

Ao se examinar o papel desempenhado pela escola de nosso tempo, problematiza-se

o fato de a mesma se encontrar inserida em uma sociedade capitalista, historicamente dividida

em classes e assentada na lógica tecnicista do capital e da identificação que subjuga, domina e

exclui, gestando um quadro de valores que internaliza e legitima os interesses dominantes,

como se inalteráveis fossem. A esse respeito Adorno e Horkheimer (2009, p. 54) argumentam

que:

A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem

mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão

submetidos. [...] A sociedade reconhece sua própria força na debilidade deles e lhes

cede uma parte. A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro.

Depreende-se que a formação possível sob a lógica do capital não propicia aos

indivíduos o desenvolvimento da consciência livre-pensante capaz de se contrapor à ordem

social estabelecida. Nesse sentido, contribuindo para a disseminação e continuidade dos ideais

totalitários do capitalismo.

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Considerando o exposto, cabe problematizar sobre como se apresenta o processo de

formação de professores quanto ao atendimento de alunos com necessidades educacionais

especiais e sua inclusão na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, tendo-se como

pressuposto a democratização da escola pública.

Na primeira década do século XXI, a realidade educacional observada suscita uma

mobilização em torno do questionamento quanto ao alto índice de pessoas com deficiência,

em idade escolar, fora da escola e de matrícula de alunos, público alvo da educação especial,

majoritariamente em escolas e classes especiais, segundo dados do MEC/SECADI (2011).

Questionamentos necessários a mudanças conceituais, políticas e pedagógicas se

ampliam a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, outorgada pela

ONU em 2006, e ratificada pelo Brasil como Emenda Constitucional, por meio do Decreto

Legislativo n.º 186/2008 e do Decreto Executivo n.º 6949/2009. A referida Convenção altera

o conceito de deficiência, até então assentado no referencial integracionista, com base no

modelo clínico em que a condição física, sensorial ou intelectual se caracterizava como

obstáculo à participação na sociedade, cabendo à pessoa com deficiência adaptar-se às

condições sociais existentes, para o referencial da inclusão, em que à sociedade cabe

promover as condições que permitam acesso e participação das pessoas com deficiência em

seus diferentes contextos e espaços. Assim, a educação assume a condição como sendo de

fato, um direito.

À reboque de tal documento, publica-se, no Brasil, a Política Nacional de Educação

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP, 2008), importante marco

teórico e organizacional para a educação brasileira, ao definir a educação especial como uma

‘modalidade não substitutiva à escolarização, o conceito de atendimento educacional

especializado complementar ou suplementar à formação dos alunos e o público alvo da

educação especial constituído por estudantes com deficiências, transtornos globais do

desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.’

A nova perspectiva da educação inclusiva, preconizada pela referida Política, o

Atendimento Educacional Especializado/AEE, como ação complementar e/ou suplementar à

escolarização de alunos com necessidades educacionais incluídos em classes comuns, suscita

a busca por entendimento sobre como está se constituindo o movimento de implantação e

dinamização das Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs na rede pública municipal de

ensino de Petrópolis, RJ, como aporte às políticas inclusivistas, e mais especificamente, quais

seus impactos sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas

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escolas.

Segundo Costa (2011a, p. 31):

No atual estágio civilizatório a discussão acerca da educação justa, humana e

democrática assume prioridade nas políticas públicas de educação, em atenção a um

longo período histórico de injustiça social e exclusão trilhado pelas pessoas com

deficiência, considerando que o direito ao acesso e permanência na escola, como nas

demais instâncias da sociedade, vem sendo obstado historicamente.

A afirmativa de Costa nos instiga a considerar que, se por um lado os tempos se

apresentam propícios a discussões sobre os direitos das referidas minorias, dentre elas as

pessoas com deficiência, o trajeto histórico vivenciado pelas mesmas não pode ser esquecido,

pois o passado é constitutivo de nossa essência e a reflexão sobre o mesmo é essencial à que a

contemporaneidade não se renda a inconsistências anteriormente vivenciadas. Nesse sentido,

Adorno (2006, p. 32) adverte “(...) o terrível passado real é convertido em algo inocente que

existe meramente na imaginação daqueles que se sentem afetados dessa forma”.

Aportando-nos nas reflexões propostas por Adorno e Costa, o resgate histórico das

políticas públicas de educação que se fizeram no Brasil, ao longo dos últimos trinta anos,

permite refletir a respeito de como os marcos legais e políticos se configuraram, em

decorrência de sua concretização pelos sistemas de ensino (federal, estadual e municipal), e de

ações em âmbito educacional, impulsionando elaboração e desenvolvimento de propostas

pedagógicas que visem assegurar condições de acesso e participação da totalidade dos alunos

à escola.

Constata-se que embora necessárias, as leis por si próprias não garantem ações, se

não se fazem socialmente significativas para a afirmação do reconhecimento do indivíduo no

que o identifica e diferencia dos demais: a humanidade.

Se a educação não se faz para tal percepção e para a possibilidade da emancipação do

homem em suas diversas vertentes e possibilidades humanas, para o que se fará? Essa

constatação levou Becker (apud Adorno, 2006, p. 179) a muito propriamente indicar o quão

pouco se é educado para o pensar emancipado:

Evidentemente a isto corresponde uma instituição escolar em cuja estruturação não

se perpetuem as desigualdades específicas das classes, mas que, partindo cedo de

uma superação das barreiras classistas das crianças, torna praticamente possível o

desenvolvimento em direção à emancipação, mediante uma motivação do

aprendizado baseada numa oferta diversificada ao extremo.

Com base no pensamento de Becker, ressalta-se que em que se pesem os desafios

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presentes no cotidiano da escola, não é possível se furtar à discussão da relação entre escola e

sociedade, e o papel transformador da educação com vistas ao rompimento com estruturas

sociais excludentes.

Nesse sentido, Costa (2011b, p. 69) defende que a experiência de convivência com a

diversidade humana em ambiente escolar torna-se essencial para que a ‘escola não se

constitua espaço de negação humana imposto pela lógica maniqueísta da sociedade’, uma vez

que:

Na tentativa de combater as diversas formas que a violência se configura no âmbito

escolar, é necessária a experiência com os alunos que apresentem diferenças

significativas. Sendo assim, o professor se permitirá na escola conhecer a

diversidade dos alunos ao compartilhar experiências nas salas de aula e,

consequentemente, ter a possibilidade de desenvolver a consciência crítica sobre as

contradições das relações sociais humanas.

A afirmativa de Costa faz-nos considerar que há uma expectativa, por parte da

sociedade, que a escola pública, portanto, considerada democrática, permita-se a experiência

da educação inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais, estando no bojo

dessa experiência a análise crítico-reflexiva das condições sócio-históricas que ainda obstam a

educação nessa perspectiva, ou seja, inclusiva.

Assim, o exposto até aqui visa problematizar as políticas públicas de educação

especial na perspectiva inclusiva, implementadas na rede pública municipal de ensino de

Petrópolis/RJ, considerando as tensões político-administrativas e práticas docentes no

atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos incluídos no cotidiano das salas

de aula da escola pública. Portanto, as questões deste estudo são:

1. Quais as contribuições das atuais políticas públicas de educação especial na

perspectiva inclusiva no que se refere à formação de professores?

2. Quais as contribuições das políticas públicas de educação especial na perspectiva

inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da acessibilidade

arquitetônica na escola pública?

3. Como se articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades

educacionais especiais no cotidiano da sala de aula?

4. Quais os impactos do Atendimento Educacional Especializado/AEE na Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais na escola pública?

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Considerando-se as questões propostas, a busca de compreensão de ações em âmbito

municipal permite-nos conceber o micropolítico como recorte de uma dada realidade, em cujo

espaço se encontra instituída a dimensão macropolítica. Porém, na aproximação ao

micropolítico, torna-se possível o tensionamento entre a singularidade das manifestações aí

observadas, em contraposição às tendências mais amplas do macropolítico. Assim sendo, tem-

se como objetivos deste estudo:

1. Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para

alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino

de Petrópolis, RJ;

2. Avaliar a atuação da Escola Municipal São Judas Tadeu quanto à implementação da

educação inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos

professores das classes regulares e dos professores que oferecem o Atendimento

Educacional Especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs.

Tendo como prioridade a problematização das políticas públicas de educação e a

articulação entre as práticas docentes entre professores de classes regulares e das SRMs com

AEE, busca-se, com este estudo, a aproximação aos tensionamentos subjacentes ao

atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, considerando-se as

peculiaridades da rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ, na expectativa de

contribuir para que a educação seja dialeticamente exercida em seu potencial transformador

social.

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CAPÍTULO 1

Aquele que pensa, opõe resistência;

é mais cômodo seguir a correnteza, ainda

que declarando estar contra a correnteza.

(Adorno, 2006)

Educação à luz da Teoria Crítica da Sociedade: reflexões sobre a inclusão escolar

Neste capítulo são discutidas questões sobre a educação em uma perspectiva crítica e

reflexiva, considerando-se que escola que inclui é aquela que acolhe e garante o espaço de

aprendizagem e de crescimento à diversidade de seu alunado.

Remetendo-nos à afirmativa de Adorno (1995, p. 208) de que “Aquele que pensa,

opõe resistência; é mais cômodo seguir a correnteza, ainda que declarando estar contra a

correnteza”, cumpre-nos questionar: como criar condições propícias ao pensar dialeticamente

na escola contemporânea? Para que fortalecer subjetividades resistentes às condições

objetivas observadas e, ainda, para que a inclusão nas escolas?

Considerando-se que para Adorno (2006, p. 121), “A Educação tem sentido

unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica”, o objetivo do presente texto

é o de caracterizar a educação na perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade9, contribuindo

com reflexões sobre como se apresenta a relação teoria-práxis como elemento de reprodução

e/ou emancipação dos diferentes indivíduos pela educação.

Cumpre-nos, inicialmente, posicionar qual o sentido da educação sob o prisma da

Teoria Crítica da Sociedade. À pergunta “Educação, para quê?”, Adorno (id. p. 139),

redimensiona o questionamento ao buscar refletir sobre “para onde a educação deve

conduzir”, concluindo que essencialmente para a produção de uma “consciência verdadeira”

(ibid. p. 141):

A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de

educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não

temos o direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera

transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que

destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira.

9 Maar (2003, p. 459–476), esclarece que sob a perspectiva de Adorno, o foco da Teoria Crítica da Sociedade

baseia-se na decifração crítica do presente já realizado e se realizando, no processo de reprodução apreendido

como construção material-histórica determinada em sua forma social, num contexto de continuidade. A cultura

tematizada no presente já não seria apreendida como ideal emancipadora, mas real conservadora ou “afirmativa”.

Como resultado, legitimaria a sociedade imperante, que reconstrói como cópia ordenada de modo estritamente

afirmativo.

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Nesse sentido, a educação não é percebida como algo externamente imposto,

tampouco uma metodologia de amalgamento de pessoas, mas a constituição do indivíduo

como resultado de uma interação com a realidade social, com a qual deverá vivenciar relação

dialética que lhe permita movimento constante de reflexão e ação.

Por movimento, tem-se que não basta simplesmente refletir sobre o momento social

presente. Esse momento necessita ser “decifrado” em seus “momentos” constitutivos e

constituintes, também socialmente determinados.

Sob tal ponto de vista, a educação torna-se ação política ao apresentar-se como

abordagem formativa, capaz de contribuir para que o indivíduo se perceba parte de uma

realidade que lhe é externa e à qual se deve adaptar por questão de ajustamento e

sobrevivência. Porém, sem negar o fato de saber-se indivíduo pensante sobre as contradições

sociais da contemporaneidade, obstando-se à identificação cega e passiva com ideologias

dominantes, externamente impostas.

Tem-se, assim, o papel dicotômico e ambíguo da educação: orientar para a adaptação e

visar à emancipação. A esse respeito Adorno (ibid. p. 143), esclarece:

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não

preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente

questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas

bem ajustadas, em consequência do que a situação existente se impõe precisamente

no que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de educação

para consciência e para a racionalidade uma ambiguidade. Talvez não seja possível

superá-la no existente, mas certamente não podemos nos desviar dela.

Para Adorno, a adaptação não se restringe ao conformismo e à perda da

individualidade em caráter uniformizador. Mas, movimento dialético ante a realidade, de tal

modo que adaptação e resistência se constituam faces de uma única moeda.

O pensamento de Adorno conduz a educação à perspectiva autônoma e emancipatória

do pensar, não nos propondo a negação das condições objetivas e das contradições sociais

existentes. Antes, buscando, pelo livre pensar, o afastamento daquilo que classifica como

“consciência coisificada”, aquela “que se defende em relação a qualquer vir a ser (...),

impondo como sendo absoluto o que existe de um determinado modo.” (ibid, p. 132)

Isto posto, a adesão irrefletida ao coletivo deve ser combatida pela educação ao

contribuir à formação de consciências resistentes à adaptação naquilo que se apresenta como

imposição externa, não apreendida numa relação de experiência dialética do indivíduo com o

objeto de conhecimento.

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Depreende-se daí, o aspecto mediador da educação proposto pelos pensadores

frankfurtianos, ou seja, a aptidão à realização do nexo com o exterior como experiência

dialeticamente mediatizada, em que a aproximação ao objeto se distancie de padrões

externamente impostos como obstáculos ao emancipado pensar, conforme palavras de Adorno

(ibid, p. 143): “De um certo modo, emancipação significa o mesmo que conscientização,

racionalidade. Mas, a realidade é simultaneamente uma comprovação da realidade, e esta

envolve continuamente um movimento de adaptação”.

Nesse sentido, a escola não é instância neutra frente à realidade social, tampouco por

si só “forma” o indivíduo, visto estar inserida em realidade da qual sofre e em que exerce

influência. Não é apenas local onde se reproduzem interesses, valores, políticas, culturas e

ideologias, mas também pode exercer influência sobre os mesmos. Daí, a dialeticidade entre

adaptação e emancipação.

Não se deve perder de vista que a escola é espaço social e, como tal, inserida na

história da sociedade. Pela educação, devem-se propiciar condições necessárias para que o

indivíduo se constitua, formando-se sob perspectiva autônoma e emancipada para a

identificação e resistência à realidade social histórica que o constitui.

Ao propor que a educação vise à autonomia e à emancipação, Adorno ressalta a

importância da aptidão à experiência, como forma de conscientização e crítica a mecanismos

repressivos, os quais impõem ao homem o indiferenciado, o sempre idêntico, como forma

única de ser e pensar, impostos pela massificação contida na sociedade administrada. A esse

respeito Adorno (ibid, p. 150) afirma:

A constituição da aptidão à experiência consistiria essencialmente na

conscientização e, desta forma, na dissolução desses mecanismos de repressão e

dessas formações reativas que deformam nas próprias pessoas sua aptidão à

experiência.

Neste sentido, a elaboração da aptidão à experiência passaria, inicialmente, pela

conscientização e, consequente, reflexão crítica sobre mecanismos repressivos externos. Tem-

se, então, que o ato de viver a experiência propicia aproximação à realidade objetiva vigente,

a qual resultaria de externamente imposta a dialeticamente vivenciada como pessoal e única.

Sob tal perspectiva, considera-se a intrínseca relação entre teoria e prática, como

Adorno (1995, p. 203) ressalta: “O que, desde então, vale como o problema da práxis, e hoje

novamente se agrava na questão da relação entre teoria e práxis, coincide com a perda de a

experiência a causada pela racionalidade do sempre-igual”.

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31

Reitera-se que, de acordo com o pensamento adorniano, em seu sentido mais

profundo, o ato de pensar não se faz isolado da capacidade de experimentar, cabendo à

educação o desenvolvimento de condições propícias para tal, ou seja: “Eu diria que pensar é o

mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor,

a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação.” (id, ibid, p. 151).

Logo, ao se educar para a experiência, educa-se para o pensar e vice-versa, o que instiga o

indivíduo a reconhecimento e análise de questões objetivas materiais que contribuem para a

alienação e uniformização do pensamento, condição inerente à cultura contemporânea.

Portanto, ao remeter-se ao aspecto emancipatório da educação, Adorno não o faz de

modo alienado às condições materiais vigentes, mas tematizado nas condições heterônomas

da formação, inerente à organização social em que vivemos, ao destacar (ibid. p. 181):

(...) isto é, nenhuma pessoa pode existir na sociedade atual realmente conforme suas

próprias determinações; enquanto isto ocorre, a sociedade forma as pessoas

mediante inúmeros canais e instâncias mediadoras, de um tal modo que tudo

absorvem e aceitam nos termos desta configuração heterônoma que se desviou de si

mesma em sua consciência.

De acordo com a perspectiva exposta, sob o ponto de vista contemporâneo não

estamos imunes às influências da formação possível no contexto de uma sociedade assentada

sobre o capitalismo globalizante, historicamente dividida em classes sociais, de caráter

massificador e alienante pela oferta de conteúdos/produtos estandartizados e identitários, a

que Adorno e Horkheimer (2009) identificaram como indústria cultural10

.

A indústria cultural reflete os efeitos estruturais da produção capitalista sobre os

indivíduos, o que implica na afirmativa de que (id, ibid, p. 42): “A indústria cultural

perfidamente realizou o homem como ser genérico. Cada um é aquilo que qualquer outro

pode substituir: coisa fungível: um exemplar”. Nesses termos, ao se articular com a cultura

objetiva, a formação do indivíduo vê-se travada em seu potencial de autonomia, resistência e

contradição, obstada pela adaptação e conformismo, fenômeno a que Adorno classificou

como semiformação.

Diante de tal realidade, para Adorno (2006, p. 183) a emancipação somente se dará

pela educação na medida em “(...) pessoas interessadas orientem toda a sua energia para que a

educação seja uma educação para a contradição e para a resistência”.

10

Indústria Cultural – conceito apresentado anteriormente.

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32

Saliente-se que educar para a resistência e a contradição não implica em afastamento

ante o objeto do conhecimento. Mas, em aproximação ao mesmo para que, pela experiência

vivida, tanto sob o aspecto objetivo, relativo a causas e consequências, quanto no que se

refere à subjetividade, relacionada a valores inerentes à constituição individual do indivíduo,

se possibilite a percepção e análise capazes de despertar “(...) a consciência quanto a que os

homens são enganados de modo permanente, pois hoje em dia, o mecanismo da ausência de

emancipação é o mundus vult decipi11

em âmbito planetário, de que o mundo quer ser

enganado.” (id, ibid, p. 183)

Sob tal prisma, o tema da educação vincula-se à Teoria Crítica da Sociedade na

tentativa de, ao conceber o indivíduo como resultado de uma interação com a realidade social,

buscar mecanismos de fortalecimento para a produção de consciências autônomas e críticas a

elementos culturais propostos, que se contraponham ao caráter civilizatório da sociedade.

Assim, frente à afirmativa de Adorno (1995, p. 204) “Dever-se-ia formar uma

consciência de teoria e práxis que não separasse ambas” e ainda de que “Pensar é um agir,

teoria é uma forma de práxis”, a presença do pensamento crítico na escola contribui para outra

referência a seus processos internos de conhecimentos, ao estabelecer novo vínculo com as

necessidades da sociedade.

Nesse sentido, a teoria não atuaria somente como coletora de dados da realidade

externa, mas como instância comprometida a alimentar a práxis em seu papel de

envolvimento concreto e relação direta com a sociedade, por meio de auto-reflexão crítica,

conforme afirmativa de Adorno (ibid, p. 202): “A análise da ação não se esgota na adaptação

a esta. Enquanto reflete sobre ela, põe em relevo momentos que podem conduzir para além

das coações, da situação tal qual se apresenta. Isto assume incalculável relevância para a

relação entre teoria e práxis”. O conhecimento da sociedade que se dá por meio da

autorreflexão, produz saber que não se fecha em si mesmo, questionando a objetividade

vigente, razão pela qual a teoria se transforma em força produtiva e prática, impulsionadora

de ações para a transformação, o que demanda à educação a constituição de subjetividades

sensíveis ao reconhecimento e análise do tecido social em que se inserem.

Como exemplo do compromisso que recai sobre a educação como até então analisado,

remetendo-se ao massacre de judeus ocorrido em Auschwitz durante a 2ª Guerra Mundial,

Adorno afirma o perigo de uma regressão do homem à barbárie por adesão cega ao caráter

11

Grifos do autor. Mundus vult decipi (latim) – O mundo quer ser enganado. Citação atribuída a Petrônio,

escritor romano, em latim Titus Petronius (27-66 d.C.).

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anticivilizatório da produção capitalista sobre a formação dos indivíduos nas modernas

sociedades de consumo. Para o autor (2006, p. 119), um dos fundamentais desafios postos à

educação contemporânea constitui em que: “A exigência de que Auschwitz não se repita é a

primeira de todas para a educação. (...) Qualquer debate acerca de metas educacionais carece

de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”.

Isto posto, Adorno conduz à reflexão sobre quão limitada é a possibilidade de se

mudar pressupostos de cunho objetivo (sociais e políticos), afirmando a necessidade de

constituição de subjetividades esclarecidas, que se contraponham à corrente da formação

massificada de seres heterônomos e idênticos no pensar, em prol de consciências capazes de

falar “com a própria boca”. A esse respeito Adorno (ibid, p. 121) enfatiza:

É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais

atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se

tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma

consciência geral acerca desses mecanismos. [...] É necessário contrapor-se a uma

tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados

sem refletir a respeito de si próprias

Ou seja, ao reforçar a necessidade do desvelamento de mecanismos de opressão para

que, pelo despertar da consciência não mais se reproduzam, Adorno instiga à reflexão sobre o

tempo social como espaço de formação humana, o que nos permite refletir sobre o tempo-

espaço da escola como lócus privilegiado para o tensionamento e problematização das

questões sociais.

Cabe ressaltar que, ao embasar nossas reflexões sobre a concepção de educação na

perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade, não a temos como panaceia ou descoberta

inovadora para todos os males que afligem a educação e, consequentemente, a demanda pela

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola contemporânea.

É fato que a escola não tem o poder de determinar o tipo de sociedade em que

vivemos, todavia, nem por isso pode menosprezar a importância da apropriação de valores e

hábitos que favoreçam condutas democráticas ao indivíduo, o que se concretiza na promoção

de ambientes receptivos à convivência com a diversidade intrínseca ao indivíduo em sua

humanidade.

Embora reconhecendo não ser a escola o lócus exclusivo para a ocorrência de

mudanças sociais pela desalienação de consciências, em contrapartida, a autorreflexão crítica

não se faz sem a constituição de um indivíduo epistêmico, capaz de tomada de consciência

sobre o caráter desumanizante da racionalidade imposta, contrapondo-se à adesão alienada à

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indústria cultural indutora de consciências ‘semiformadas’ pelo conformismo e adaptação.

Daí a importância da educação que atinja os indivíduos, com e sem deficiência.

A proposta que se busca é de percepção da educação em seu caráter dialético e crítico,

o que não se concretiza por meio da negação total do existente, tampouco pela aceitação

irrestrita da realidade, mas assumindo papel de resistência às formas como a racionalidade

social é apresentada e às intencionalidades subjacentes à manutenção de estruturas de

dominação vigentes.

Nesse sentido, este estudo assume, como um de seus objetivos, a perspectiva de que o

desenvolvimento da consciência crítica se faz pelo conhecimento, análise e ação sobre a

realidade. Assim, entende-se como sendo possível sua contribuição para a percepção de como

se articulam as práticas docentes e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos

alunos no cotidiano da sala de aula na escola pública.

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CAPÍTULO 2

A pergunta ‘O que significa elaborar o passado’ requer esclarecimentos.

(Adorno, 2006)

A Sociedade Brasileira: Marcos legais inclusivos presentes em sua organização a partir

dos anos de 1960

Este capítulo discute a legislação brasileira que contempla a pessoa com deficiência,

mais especificamente a que se refere à inclusão educacional a partir dos anos de 1960,

identificando em cada época as experiências vivenciadas, pois no pensamento de Adorno

(2006, p. 48) “A elaboração do passado como esclarecimento é essencialmente uma tal

inflexão em direção ao sujeito, reforçando a sua autoconsciência e, por esta via, também o seu

eu”.

Embora ciente da importância do resgate do passado para a percepção do presente, não

nos propusemos à historicização da trajetória e do reconhecimento da deficiência ao longo da

História da Humanidade, uma vez reconhecermos que estudos como os de Damasceno (2006,

2010) e Prado (2010)12

, dentre outros, apresentam e referenciam qualitativamente o assunto.

Na discussão e análise sobre o passado e seus impactos sobre o presente, no âmbito

dos limites deste estudo, temos o apoio do pensamento de Adorno (2006), como também são

considerados estudiosos da área da educação especial, como Mazzota (2003), Mantoan (1993,

2008), Januzzi (2004), Kassar (2994, 1998), Crochík (2011, 1995), Mészaros (2010) e outros.

Isto posto, propusemo-nos a resgate de um “passado recente”, cotejando com

elementos inerentes à histórica construção cultural de que somos frutos.

Nesse sentido, Adorno (2006, p. 29) esclarece sobre o resgate do passado como

processo de desvelamento e clarificação de consciência, ao afirmar:

A pergunta ‘O que significa elaborar o passado’ requer esclarecimentos. Ela foi

formulada a partir de um chavão que ultimamente se tornou bastante suspeito. Nesta

formulação, a elaboração do passado não significa elaborá-lo a sério, rompendo seu

encanto por meio de uma consciência clara. Mas, o que se pretende, ao contrário, é

encerrar a questão do passado, se possível inclusive riscando-o da memória.

12

Trata-se de produções recentemente apresentadas na Universidade Federal Fluminense, como dissertações de

Mestrado por Damasceno (2006) e Prado (2010), e tese de doutoramento defendida por Damasceno em 2010.

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Para tal, contextualizar as questões sociais é essencial, uma vez ser o homem parte da

percepção de um fazer em constante movimento, de uma rede de interações que se

(re)constroem intrinsecamente ligadas à essência que as constitui. Assim sendo, mudanças

conceituais serão possíveis somente a partir do processo de elaboração e internalização de

novos fazeres, capazes de romper com concepções histórica e culturalmente instituídas.

Logo, o resgate do passado, numa perspectiva crítica, reveste-se de esclarecimentos,

com vistas ao enfrentamento e superação dos fatores reprodutores e mantenedores do status

quo reinante, sobre o que buscamos refletir ao longo do capítulo que segue.

2.1 Dos anos de 1960 ao limiar de um novo Século

Segundo Mazzotta (2003, p. 27), a evolução da Educação Especial no Brasil pode ser

subdividida em dois períodos distintos: de 1854 a 1956 (iniciativas oficiais e particulares) e de

1957 a 1993 (iniciativas oficiais de âmbito nacional). O autor reitera (op. cit., p. 31) que,

conforme cadastro do CENESP/MEC:

Na primeira metade do século XX, portanto, até 1950, havia quarenta

estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo poder público, sendo um Federal e

os demais estaduais destinados ao atendimento escolar especial a deficientes

mentais, 14 estabelecimentos de ensino regular, dos quais um Federal, nove

estaduais e quatro particulares que atendiam alunos com outras deficiências, além de

3 instituições especializadas (uma estadual e duas particulares) no atendimento de

deficientes mentais e outras 8 (três estaduais e cinco particulares) na educação de

outros deficientes.

O segundo período apontado pelo autor (ibid., p. 49), o governo federal explicitamente

assume a condução do atendimento educacional aos excepcionais, destacando-se,

inicialmente, as Campanhas voltadas para este fim.

A primeira a ser instituída foi a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro –

CESB –, pelo Decreto Federal n° 42.728, de 03 de dezembro de 1957, instalada no Instituto

Nacional de Educação de Surdos – INES, no Rio de Janeiro, tinha por “finalidade promover,

por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à educação e assistência, no mais

amplo sentido, em todo o Território Nacional”. Seguiram-se a essa a Campanha Nacional de

Educação de Cegos – CNEC – Decreto n° 48.252, de 31 de maio de 1960 e a Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME – a Decreto n°

48.961, de 22 de setembro de 1960, ambas subordinadas ao Gabinete do Ministro da

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Educação e Cultura.

Com a instituição da CADEME, cria-se um “Fundo Especial”, constituído por

dotações e contribuições previstas nos orçamentos da União, Estados e Municípios, e de

entidades paraestatais de economia mista, donativos, contribuições de entidades públicas e

privadas, além de dotações orçamentárias relativas a serviços educativos, culturais e de

reabilitação, primeira iniciativa concreta de legitimação de aporte financeiro ao

desenvolvimento da educação especial.

Certamente, as iniciativas acima, somadas a pressões advindas de organizações

filantrópicas capitaneadas pela APAE e Pestalozzi, contribuíram para que a Lei de Diretrizes

e Bases – LDB nº 4024/1961, se constituísse como um marco representativo para a educação

especial assumindo o compromisso do poder público para com tal segmento, no momento em

que ocorria um acentuado aumento de escolas públicas no país. Tal Lei garantiu o direito de

“alunos excepcionais” à educação, estabelecendo em seu Artigo 88 que para integrá-los na

comunidade esses alunos deveriam enquadrar-se, dentro do possível, no sistema geral de

educação. Entende-se que nesse sistema geral estariam incluídos tanto os serviços

educacionais comuns como os especiais, mas pode-se também compreender que, quando a

educação de deficientes não se enquadrasse no sistema geral, deveria constituir-se um

especial, tornando-se um subsistema à margem.

Colocando a educação dos “excepcionais” como título –X – dois são os artigos assim

apresentados:

Art. 88. A educação de excepcionais deve no que for possível, enquadrar-se no

sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade.

Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de

educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos

tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções.

Não restam dúvidas do importante passo dado na direção da afirmação da

peculiaridade da educação para pessoas com deficiência no sistema regular de ensino,

objetivando a integração de tais sujeitos na escola, ainda que em classes especiais; no entanto,

faz-se importante a percepção de aspecto dúbio percebido no Artigo 88, ao se utilizar a

expressão “no que for possível”. Dentro de tal contexto, ficam-nos as possibilidades: a

educação dos excepcionais deve ocorrer com a utilização dos mesmos recursos educacionais

utilizados para os demais alunos (Mazzotta, op., cit.), ou ainda, podendo-se realizar em

sentido específico, quando aquela situação não for possível. Entretanto, como

interpretaríamos o “sistema geral de educação”? Em um sentido genérico – envolvendo

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situações e condições variáveis – ou sob uma perspectiva universal, referindo-se à totalidade

de situações?

A falta de clareza observada no artigo em questão permite que interpretações se

configurem em diferenciadas direções, não se estabelecendo claramente as intencionalidades

aí colocadas. A que objetivos estaria, pois, servindo?

Mantoan (1993)13

remete-nos ao conceito de “integração” que permeou as políticas

para a educação especial dos anos de 1960 e 197014

, em caráter tipicamente normalizador:

A normalização visa tornar acessíveis aas pessoas socialmente desvalorizadas

condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao

conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade: implica a adoção de um novo

paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de

medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação.

Integrar-se no mainstreaming, ou seja, na “corrente principal” é fazer parte do

alunado escolar, ou seja, ter acesso à educação. Pela integração escolar, o aluno tem

acesso às escolas através de um leque de possibilidades educacionais, que vai da

inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino em escolas especiais.

Ao retomar tal conceito, a autora aponta para processo que se traduz por uma estrutura

educacional intitulada “sistema de cascata”, o qual oferece ao alunado a oportunidade, em

todas as etapas da integração, de transitar no sistema escolar da classe regular ao ensino

especial. Trata-se, pois, de uma inserção parcial, uma vez a “cascata” prever serviços

segregados.

O Artigo 89 da Lei em foco apresenta o compromisso explícito dos Poderes Públicos

em apoiar as organizações não governamentais, através de bolsas de estudos, empréstimos e

subvenções, a prestarem serviços educacionais às pessoas com deficiência, claramente nos

apontando para uma transposição de responsabilidades do público para o privado,

notadamente reconhecida ao longo do processo de atendimento às pessoas com deficiência

nas escolas, como bem colocado por Mazzota (2003, p. 69), referindo-se a tal artigo: “Aqui a

mesma velha questão da destinação das verbas públicas para a educação, comum ou especial,

agravada pela indefinição da natureza do atendimento educacional”.

13

Mimeo. Universidade Estadual de Campinas – Departamento de Metodologia de Ensino – Laboratório de

Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED/UNICAMP – Agosto de 1993. 14

O conceito de integração tem origem no princípio ideológico e filosófico da normalização, criado na

Dinamarca por Bank-Mikel Kelsen (l959) e amplamente adotado na Suécia, em l969. Esse conceito defendia,

para as crianças com deficiências, modos de vida e condições iguais ou parecidas com as dos demais membros

da sociedade. A ideia da normalização, como foi proposta, subentendia não tornar o indivíduo “normal”, mas

torná-lo capaz de participar da corrente natural da vida, inclusive da escola. Surge, daí, o princípio de oferecer

condições e oportunidades iguais do ponto de vista educacional, e atividades sociais mais amplas, o que, na

década de 70, nos EUA e em outros países, era denominado mainstreaming, que significa integrar as pessoas

com deficiências à corrente principal da vida. MEC/SEESP, 2006.

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Com isso, alimenta-se o caráter de ‘naturalidade’ com que as instituições privadas se

apresentam como lócus privilegiado de atendimento à educação especial, com lugar garantido

no discurso oficial (Kassar, 1999) chegando mesmo a confundir-se com o próprio

atendimento público aos olhos da população, pela suposta “gratuidade” dos serviços

prestados.

Considerando-se a escola como espaço social em que concepções se apresentam quer

de modo revelado, quer de maneira latente, não nos restam dúvidas de que seria ingênuo

negar a percepção do caráter excludente da educação brasileira no tocante à pessoa com

deficiência quando da análise da Lei em questão, ressaltando-se não haver na mesma aspectos

relativos a ajustes nas escolas seja do ponto de vista estrutural, seja do ponto de vista da

formação de material humano ou de investimentos pedagógicos para tal.

Outro interessante aspecto apresentado por essa Lei, diz respeito àquele contido no

Artigo 30, que em uma nítida oscilação legal entre o reconhecimento do alunado com

deficiência e aquele proveniente das camadas mais baixas da população aponta para a

proibição de ocupar emprego público o pai ou responsável por criança em idade escolar sem

provar a sua matrícula, havendo, no entanto, isenção em caso de comprovação de pobreza do

pai, insuficiência de escolas, matrícula encerrada ou doença e anomalia grave (itens a e b).

Qual seria o espaço oferecido ao indivíduo com deficiência na escola dos anos de

1960, se até mesmo a concepção de deficiência se fazia confusa e imbricada com a de pobreza

e privação social?

Adorno (2006, p. 116) afirma que “A chave da transformação decisiva reside na

sociedade e em sua relação com a escola”. Nesse sentido, para falarmos em escola inclusiva,

faz-se necessário o reconhecimento da necessidade de questionamento sobre posturas e

práticas pedagógicas, sobre a garantia do direito à diferença não como algo negativo e em

alguns depositados, mas sim como marca daquilo que é parte inerente a todos e a cada um em

sua humanidade, aspectos não observados no texto da Lei nº 4.024/1961.

No tocante à LDB 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa as diretrizes e bases para o

ensino de 1º e 2º graus, em apenas um artigo, o de nº 9, faz referência à educação especial,

ressaltando o “compromisso” dos Conselhos Estaduais de Educação com a garantia da

escolarização de alunos com necessidades especiais de aprendizagem, uma vez observar que:

Art. 9º Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se

encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os

superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas

pelos competentes Conselhos de Educação.

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Destacando-se a importância de tal posicionamento legal, o qual de modo latente

aponta para direção inclusiva no tocante à inserção de pessoas com deficiência na escola dita

regular, do discurso à prática forças se entrecruzam, fruto de visões contraditórias de cunho

social e econômico latentes à época, para o que Kassar (1999, p. 31) chama a atenção:

Por outro lado, a identificação da clientela da educação especial com “os problemas

de aprendizagem” e “social”, surgida com o ingresso da população economicamente

menos favorecida à escola com a expansão da rede pública, reitera a posição de

descaso do serviço público em relação à educação da população mais comprometida.

Nesse sentido, a autora salienta a necessidade de reflexão sobre quais critérios se

fariam subjacentes ao estabelecimento de tal população, bem como em que parâmetros

estariam os mesmos aportados e para quais direções realmente apontariam: para aquelas

capazes de promoção humana ou o rumo indicado se justificaria única e tão somente como

manutenção de uma perspectiva pouco emancipadora em cumprimento a indicadores de

ordem político-econômicos?

Ao se colocar sob uma só perspectiva os alunos tidos como “atrasados”, com aqueles

apontados como “deficientes” o risco que se corre é de homogeneização e negação das

diferenças. Fato é que ao longo de anos a realidade encontrada nas escolas brasileiras era de

classes especiais superlotadas de alunos em defasagem idade-série, recaindo sobre os

mesmos a responsabilidade pelo seu (ou da escola?) fracasso.

Observações feitas por Jannuzzi (2004, p.58) remetendo-se a trabalho do pesquisador

Binet15

com alunos de escolas públicas francesas, realizado ao final do século XIX e início do

século XX contribuem para a reflexão proposta, uma vez observar que:

Não se cogitou que a semelhança de conteúdos escolares com os padrões das

camadas mais favorecidas implicaria melhor e mais rápida assimilação por suas

crianças. E que a possível segregação, sob esses parâmetros, poderia taxar como

retardados os de níveis diferentes de conhecimento, em função de proveniência de

camadas menos favorecidas.

Se nos pautamos em uma educação que aponte para a promoção e emancipação,

desnecessário seria o ato de classificar e separar, considerando-se o direito de todos a tudo o

que o venha a constituir em sua humanidade. Adorno (2006) alerta para os perigos da

15

Alfred Binet (8 de julho de 1857, Nice - 28 de outubro de 1911, Paris) foi um pedagogo e psicólogo francês.

Ficou conhecido por sua contribuição à psicometria, a saber, foi o inventor do primeiro teste de inteligência, a

base dos atuais testes de QI.

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41

“consciência coisificada”, aquela que se mantém restrita a si mesma, alimentando-se de sua

fraqueza, o que encontra eco em Freire (2009) ao nos falar da existência da “consciência

intransitivada”, reflexo de um quase incompromisso entre o homem e sua existência.

Ao nos voltarmos para tal momento da educação no Brasil, faz-se necessária a

reflexão sobre os aspectos então subjacentes, aqueles instituídos pelo caráter “modernizador”

do país e apresentado como um dos carros-chefes do regime ditatorial, como explicitado por

Romanelli (1978, p.196): “Se o significado da educação como fator de desenvolvimento foi

percebido desde o início da implantação do novo regime, isso não foi demonstrado, pelo

menos em toda a sua plenitude, senão a começar de 1968”. Fica-nos a pergunta: a quem ou a

quê estaria servindo a dita “inclusão” de alunos na escola regular?

Importante ressaltar que, quando da vigência da Lei nº 5.692/1971, dá-se a criação,

pelo então Presidente Emílio Garrastazu Médici, do Centro Nacional de Educação Especial –

CENESP – através do Decreto nº 72.425, em 03 de julho de 1973, órgão ligado ao Ministério

da Educação e Cultura, tendo por finalidade “promover, em todo o território nacional, a

expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais”. Tal ação foi resultado da formação de

um Grupo-Tarefa de Educação Especial, constituído pela Portaria de 25 de maio de 1972, que

elaborou o Projeto Prioritário n.º 35, incluído no Plano Setorial de Educação e Cultura

1972/1974. Fez parte do trabalho a vinda ao Brasil do especialista em educação especial, o

norte-americano James Gallagher, responsável pelo Relatório de Planejamento para o Grupo-

Tarefa de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, o qual

apresentava propostas para a estruturação da educação especial para promover, em todo o

território nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais.

Até então sediado no Rio de Janeiro, o CENESP foi substituído pela Secretaria de

Educação Especial – SESPE – por meio do Decreto n° 93.613, de 21 de dezembro de 1986,

passando a integrar a estrutura básica do Ministério da Educação e Cultura, como órgão

central de direção superior, em Brasília. Ainda em 1986, pelo Decreto n° 93.481, de 29 de

outubro, o Presidente José Sarney instituiu, no Gabinete Civil da Presidência da República, a

Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE – como órgão

com autonomia administrativa e financeira e com destinação de recursos orçamentários

específicos.

Em 15 de março de 1990, com a reestruturação do Ministério da Educação, a SESPE

foi extinta e suas atribuições passaram a ser da Secretaria Nacional de Educação Básica –

SENEB. Ao final de 1992, após o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello,

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procedeu-se a uma nova reorganização ministerial tendo sido recriada, em a Secretaria de

Educação Especial – SEESP – como órgão específico do Ministério da Educação.

A SEESP solidifica-se como Secretaria vinculada ao MEC, ao longo de dezessete anos

de existência – de 1993 a 2010 – constituindo-se órgão orientador e normatizado da educação

especial em todo o Território Nacional, cabendo-lhe o direcionamento, gerenciamento e

controle de ações, projetos e verbas voltados ao atendimento de alunos com necessidades

educacionais especiais.

Perpassando três diferentes mandatos governamentais, a SEESP foi substituída em

2011 pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade – SECADI –

instituída através do Decreto nº 7.480 de 16 de maio. À nova Secretaria atribuem-se

responsabilidades não mais somente para a educação especial, competindo à mesma, dentre

outros, planejar, orientar e coordenar, em articulação com os sistemas de ensino, a

implementação de políticas para a alfabetização, a educação de jovens e adultos, a educação

do campo, a educação escolar indígena, a educação em áreas remanescentes de quilombos, a

educação em direitos humanos, a educação ambiental e a educação especial (Art. 22, I).

Não nos fica claro se tal ação contribuirá positivamente para o reconhecimento e

posicionamento da educação especial como parte integrante de um Sistema de Ensino

Nacional ou se a mesma ainda se encontra percebida sob perspectiva marginal em busca de

espaço que lhe caiba.

Retomando-se a trajetória proposta no capítulo, constata-se que com o fim da ditadura

militar e a abertura política ocorrida no país a partir dos anos de 1980, novos ares pairam

sobre o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, com reflexos em seu

processo de escolarização.

O ano de 1981 chega trazendo consigo o compromisso de ser o Ano Internacional da

Pessoa Deficiente. Assim, motivaram-se debates que levassem a sociedade a refletir,

organizar-se e estabelecer metas e objetivos que possibilitassem ações significativas no

tocante ao atendimento ao deficiente. Talvez por influência deste movimento, os anos de 1980

e 1990 tornam-se fecundos em iniciativas públicas voltadas a garantir ações concretas para a

pessoa com deficiência.

O movimento de atenção às minorias historicamente excluídas encontra eco quando da

promulgação da Constituição de 1988, que em seu Artigo 3º, prevê “promover o bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação” reconhecendo o crescimento pela demanda de uma sociedade inclusiva e

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culturalmente contrária à exclusão e/ou discriminação,

Legalmente instituído no Artigo 208, de nossa Constituição que prevê “o atendimento

educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de

ensino”, longo é o caminho a ser percorrido para a concretização de tal preceito.

Diversos movimentos internacionais então se apresentam e legitimam como políticas

voltadas às minorias, com contribuições para avanços no tocante a redimensionamento de

concepções sobre a deficiência.

Em 1990, a Lei nº 8.069, promulgada a 13 de julho, dispõe sobre O Estatuto da

Criança e do Adolescente. Entre outras determinações, tal Estatuto estabelece, no § 1º do

Artigo 2: “A criança e adolescentes portadores de deficiências receberão atendimento

especializado”; em seu Art. 3, que “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta

Lei, assegurando-lhes por lei, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e

dignidade” O ordenamento do Artigo 5 é contundente: “Nenhuma criança ou adolescente será

objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão,

punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos direitos fundamentais”.

No que se refere à educação, o ECA estabelece, em seu Artigo 53 (p. 38, 39), que “a

criança e o adolescente têm direito à educação, visando pleno desenvolvimento de sua pessoa,

preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”, assegurando:

I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II. Direito de ser respeitado por seus educadores;

III. Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

O Artigo 54 (p.39) diz que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente”:

I. Ensino fundamental obrigatório gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram

acesso na idade própria;

II. Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino;

III. Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

IV. Atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de

material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

A Lei nº 7.853/1989 dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração

social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais.

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos/UNESCO, Jomtien,

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Tailândia/1990, propõe a constituição de um sistema educacional inclusivo, pelo qual o Brasil

fez opção.

Ao assumir tal compromisso, o Brasil determinou-se à profunda transformação em seu

sistema educacional, de forma a poder acolher a todos, indiscriminadamente, com qualidade e

igualdade de condições16

:

ARTIGO 1: satisfazer as necessidades básicas de Aprendizagem

1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveita as

oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de

aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais

para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a

solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como

conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres

humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e

trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a

qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A

amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las

variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer

do tempo.

Outro importante documento dessa década foi a Declaração de Salamanca e suas

Linhas de Ação, Espanha/1994 – Conferência Mundial sobre necessidades educativas

especiais: Acesso e qualidade (ONU, 1994), com a qual o Brasil se compromete e tem como

princípio fundamental “(...) de que as escolas devem acolher todas as crianças

independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou

outras” (p.17)17

afirmando-se ainda que (p. 10):

As pessoas com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas

comuns que deverão integrá-las em uma pedagogia centralizada na criança, capaz de

atender a essas necessidades; Adotar com força de lei ou como política, o princípio

da educação integrada que permita a matrícula de todas as crianças em escolas

comuns (...).

Não restam dúvidas sobre a influência de concepções inerentes a tais documentos

sobre a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 de 1996, que dedica

o Capítulo V à Educação Especial, com três artigos voltados à mesma, os de número 58, 59 e

60.

Em seu Artigo inicial, de nº 58, apresenta a educação especial como modalidade da

educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino. Assim percebida,

16

In: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. BRASIL, MEC- SEESP, 2004. 17

ONU, 1994.

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coloca-se a mesma em uma perspectiva transversal aos diferentes níveis de ensino, importante

conquista na medida em que reafirma a escola regular como lócus de direito para a pessoa

com deficiência.

Diferentemente das Leis anteriores, observa-se atenção a aspectos voltados a serviço

de apoio especializado na escola regular e à oferta de educação especial também para a faixa

etária de zero a seis anos, o que se apresenta como avanço nos parágrafos 1º e 3º do dito

Artigo:

§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,

para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 3º. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na

faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Entretanto, abre-se o espaço para o encaminhamento de alunos para classes, escolas ou

serviços especializados, em “função de condições específicas” que se apresentem como

dificultadoras de sua inclusão na escola regular, conforme observado no parágrafo 2º:

§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços

especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for

possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

Nessa perspectiva, observa-se a existência de certo “conflito” de intenções. Se por um

lado há elementos indicativos de suporte à inclusão, por outro se aparenta certo “descrédito”

no tocante a tal posicionamento.

O Artigo 59 volta-se para a parte organizacional da educação especial, a partir dos

seguintes elementos: i) assegurar aos alunos currículo, método, recursos e organização

específicos para atender às suas necessidades; ii) promover a aceleração de estudos para os

superdotados e a possibilidade de terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível

específico para a conclusão do ensino fundamental; iii) assegurar a existência de docentes

com formação para atendimento educacional especializado, bem como a professores das

turmas regulares devidamente capacitados para atuação junto a tais alunos; iv) educação para

o trabalho, garantindo acesso não só para os que revelem habilidades superiores em áreas

diversas, como também para os que se apresentem em desvantagem frente a caráter

competitivo do mercado de trabalho; v) acesso igualitário a benefícios de programas sociais

complementares oferecidos aos demais alunos, como transporte, merenda e material didático

dentre outros.

Não se pode negar o importante avanço que se faz, quando da apresentação de tal Lei,

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pois pela vez primeira a educação especial é percebida em seu caráter transversal, ressaltando-

se direcionamentos e normatizações.

Reconhecendo-se que ao longo de sua história a educação especial se constitui

amplamente amparada por instituições sem fins lucrativos, certo é que todo um processo

cultural se desenvolveu e institui, de modo a resguardar a legitimidade de tal ação, o que se

faz explícito no Artigo 60 do dito capítulo, ao afirmar-se que:

Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de

caracterização das instituições sem fins lucrativos, especializadas e com atuação

exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder

público.

Embora se evidenciem dificuldades de o Poder Público assumir integralmente o

atendimento a alunos com deficiência nas escolas brasileiras, o aspecto ligado à construção

cultural e histórica contribuem para o lentidão na consolidação de Política Públicas na área,

no que Kassar (2004, p.51), afirma:

Do sancionamento da LDB de 1961 ao sancionamento da atual Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996, ocorreu a ampliação dos serviços

de educação especial em todo o país, tanto no setor público, quanto no privado. Esse

crescimento deu-se de modo característico, sendo que o setor privado expandiu-se,

vindo a atender à população com comprometimentos mais severos, por meio dos

serviços oferecidos em instituições especializadas assistenciais. Já o crescimento do

atendimento pelo poder público ocorreu por meio de classes especiais ou salas de

recursos, reservadas à população “menos comprometida.

Para além de imposições legais, o projeto de construção de uma “escola inclusiva” faz-

se ligado ao projeto de homem e de sociedade então subjacentes. Para que a escola possa

cumprir seu papel de instância crítica da realidade e da formação de agentes dela

transformadores, há que buscar ideias de construção de um espaço inclusivo, o qual se refere,

na realidade, a um movimento muito mais amplo de transformação social, já que na escola

manifestam-se objetiva e concretamente valores e processos sociais historicamente

instituídos.

Em 1999, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência é

prevista no Decreto 3298/1999, adotando os seguintes princípios18

I. Desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a

assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto

socioeconômico e cultural;

18

Fonte: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. MEC- SEESP, 2004

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II. Estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que

assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos

básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o seu bem-estar

pessoal, social e econômico;

III. Respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber igualdade de

oportunidades na sociedade, por reconhecimento dos direitos que lhes são

assegurados, sem privilégios ou paternalismos.

No que se refere especificamente à educação, o Decreto estabelece a matrícula

compulsória de pessoas com deficiência em cursos regulares, a consideração da Educação

Especial como modalidade de educação escolar que permeia transversalmente todos os níveis

e modalidades de ensino, a oferta obrigatória gratuita da Educação Especial em

estabelecimentos públicos de ensino, dentre outras medidas (Art. 24, I, II, IV).

No ano de 2000, o MEC/SEESP procedeu à publicação dos Parâmetros Curriculares

Nacionais – Adaptações Curriculares em Ação, objetivando fortalecer o suporte técnico-

científico aos profissionais da Educação por meio de processo de formação continuada

oferecida a Estados e Municípios, buscando abranger todo o Território Nacional.

Ainda durante o ano de 2000, a Lei 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios

básicos para promoção de acessibilidade das “pessoas portadoras de deficiência”19

ou com

mobilidade reduzida.

Em 2001, a Lei n° 10. 172/2001 aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras

providências, assim sendo há o estabelecimento de objetivos e metas para a educação das

pessoas com necessidades educacionais especiais, destacam-se os que tratam:

do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios, e em parceria

com as áreas de saúde e assistência social, visando à ampliação da oferta de

atendimento da educação infantil;

dos padrões mínimos de infraestrutura das escolas para atendimento de alunos com

necessidades educacionais especiais;

da formação inicial e continuada dos professores para atendimento às necessidades dos

alunos;

da disponibilização de recursos didáticos especializados de apoio à aprendizagem nas

áreas visual e auditiva;

da articulação das ações de educação especial com a política de educação para o

trabalho;

19

Embora atualmente questionado o termo “portadoras de deficiência” o mesmo foi assim mantido remetendo-se

à época de sua publicação.

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48

do incentivo à realização de estudos e pesquisas nas diversas áreas relacionadas com

as necessidades educacionais dos alunos;do sistema de informações sobre a população

a ser atendida pela educação especial.

Também em 2001 são elaboradas as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na

Educação Básica, contidas no Parecer CNE/CEB, n.º 17/2001, e dentre os principais

documentos que formaram o substrato documental do parecer sobre a Educação Especial,

destaca-se20

:

I – Proposta de inclusão de itens ou disciplina acerca dos portadores de necessidades

especiais nos currículos dos cursos de Ensino Fundamental e Médio.

II – Outros estudos:

Desafios para a Educação Especial frente à Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional;

Formação de professores para a Educação Inclusiva;

Recomendações aos Sistemas de Ensino;

Referenciais para a Educação Especial.

Com fundamento no referido Parecer, resulta a Resolução CNE/CEB n.º 2, de 11 de

setembro de 2001, que determina:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Nacionais para a educação de

alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, na Educação Básica, em

todas as suas etapas e modalidades.

Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos terá início na Educação

Infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação

especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a

comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado.

Embora se reconheçam inúmeros avanços no tocante à inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais na escola regular, não se pode negar que tanto a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, quanto a Resolução nº 02 do Conselho

Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica (CNE/CEB, 2001) – documentos que

apontam para o século que se descortina – revelam ambiguidade quanto à organização da

Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo, uma vez que ao mesmo tempo

em que orientam a matrícula dos alunos público alvo da educação especial nas escolas

comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade de atendimento educacional

especializado substitutivo à escolarização. (Revista Inclusão, v. 5, nº 2, 2010).

Tais aspectos serão alvo de estudos e questionamentos diversos, os quais ainda se vêm

20

In: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. BRASIL, MEC- SEESP, 2004.

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constituindo ao longo da primeira década do século XXI, buscando-se redimensionamento de

políticas e investimentos financeiros nas escolas ditas regulares como possibilidade de

garantia da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas mesmas.

2.2 Políticas públicas e ações educacionais: as demandas do século XXI

Ao longo da primeira década do século XXI, observa-se que as pessoas incluídas nas

ditas minorias dentre as quais aquelas com deficiência, gradativamente, quer por movimentos

de ordem social, quer por imposições legais, vêm ganhando espaço no contexto social

brasileiro. Os avanços são lentos, mas significativos: rampas que surgem, transportes

acessíveis tornam-se presentes, iniciativas de profissionalização e inserção no mercado de

trabalho começam a se concretizar, dentre outras. O gráfico que segue21

revela o avanço de

matrículas na educação especial, a partir da promulgação da LDBEN 9394/1996 e de políticas

que então se constituem para o atendimento a alunos com necessidades educacionais

especiais:

Observações sobre os números apresentados não deixam dúvidas no tocante ao

aumento no quantitativo de alunos matriculados na modalidade de Educação Especial.

Entretanto, não podemos nos furtar à reflexão de que em uma perspectiva mais ampla e

21

Fonte: MEC/INEP.

Gráfico 1- Evolução da matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais nas

classes comuns do ensino regular

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definitiva constata-se a necessidade de haver certo refinamento cultural que contribua para o

entendimento de que incluir é responsabilidade de todos e não somente da escola ou do poder

público. Números não falam por si próprios. Tampouco, são capazes de traduzir e

contextualizar friamente condições estruturais latentes.

É esse um trabalho de profunda mudança social, de inversão de perspectivas. Enfim,

um processo de abrangência sócio-histórica, como pensado por Adorno (2006, p. 49), ao

afirmar que “O passado só estará plenamente elaborado no instante em que estiverem

eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado pode manter-se até hoje

unicamente porque continuam existindo suas causas”.

O autor nos remete à necessidade da reflexão crítica e dialética capaz de levar o

homem a tensionar e resistir à barbárie histórica imposta pela segregação, o que não é

possível inferir somente pelo aumento numérico de matrículas de alunos com necessidades

educacionais especiais na escola pública.

No limiar do Século XXI, o Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 10.172/2001,

apresentou como grande desafio da Educação no Brasil a produção e construção de uma

escola inclusiva, garantidora de atendimento à diversidade humana, apontando para déficits

no tocante à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino

regular, à acessibilidade nas escolas, à formação docente e ao atendimento educacional

especializado/AEE.

Remetendo-se ao Art. 208 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), o Plano reitera

o direito à oferta de educação a todas as pessoas. Porém, o posicionamento sobre “sempre que

possível” nas escolas ditas regulares faz-se reiterado. Nesse sentido, não podemos nos furtar a

observações sobre as contradições existentes na sociedade contemporânea: a um só tempo

progressista e conservadora, como enunciado por Crochík (2011, p. 114):

As contradições apresentadas nos últimos tempos, contudo, são peculiares, uma vez

que a sociedade já tem condições objetivas – riquezas, conhecimentos e técnicas –

para erradicar a miséria da face da Terra; como isso não ocorre, devido a interesses

políticos das camadas dominantes, todo avanço contém em si mesmo o que já seria

possível e que, no entanto, continuará a ser negado: uma sociedade justa, igualitária

e livre da opressão.

Logo, reiterando-se o posicionamento do autor, a escola, como instância social por

natureza, reflete aspectos inerentes à sociedade em que se insere e se não há certezas sobre o

aspecto inclusivo. da educação em uma perspectiva democrática, sugere-se “nova roupagem”

à educação especial, o que pode significar a continuidade da segregação.

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Observa-se que algumas ações surgem quando da promulgação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, Resolução

CNE/CP nº 1/2002, as quais definem que as instituições de ensino superior devem prever em

seus currículos formação docente voltada ao atendimento à diversidade, contemplando

conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais,

o que nos permite refletir com Adorno (2006, p. 116), ao afirmar:

Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca do processo de formação profissional.

Seria possível atentar especialmente até que ponto o conceito de “necessidade da

escola” oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito. Isto se revela na

hostilidade em relação ao espírito desenvolvido por parte de muitas administrações

escolares, que sistematicamente impedem o trabalho científico dos professores,

permanentemente mantendo-os down to earth (com os pés no chão), desconfiados

em relação àqueles que, como afirmam, pretendem ir mais além ou a outra parte.

Uma tal hostilidade, dirigida aos próprios professores, facilmente prossegue na

relação da escola com os alunos.

Questões de maior amplitude aí se instalam. Uma vez não ser possível pensar

mudanças na Educação que não estejam ligadas à formação do professor, em uma perspectiva

crítica e reflexiva que lhe permita romper com a heteronomia historicamente vigente nos

meios acadêmicos quando da formação de docentes.

O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – por intermédio da Lei

nº 10.436/2002, como meio legal de comunicação e expressão, determina que sejam

garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão. Assim, como a inclusão da

disciplina de LIBRAS como parte integrante do currículo nos cursos de formação de

professores e fonoaudiólogos:

Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,

municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação

de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e

superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante

dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.

Pela Portaria nº 2.678/2002 – MEC são aprovadas diretrizes e normas para o uso,

ensino, produção e difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, com

recomendação de uso em todo o território nacional.

Em 2003 é implementado pelo MEC o Programa Educação Inclusiva: direito à

diversidade, que aponta como objetivos, dentre outros, a transformação dos sistemas de

ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo amplo processo de formação de

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gestores e educadores nos municípios na perspectiva da educação inclusiva.

Embora reconhecendo esforços por parte do MEC na busca de promoção de espaços

educacionais abertos à experiência da inclusão, não podemos abrir mão de reflexões que nos

remetem a um âmbito mais amplo, ou seja, aquelas voltadas a concepções subjacentes e

constitutivas de intencionalidades quer de preservação, quer de transformação da realidade

existente, como apontado por Carvalho (In: Maia, 2011, p. 81):

Sob esse enfoque, a educação escolar poderá ser reprodutora do modelo de

sociedade que valoriza os interesses de grupos que se concentram poder ou poderá

constituir-se em um espaço emancipatório daqueles cuja cultura e história têm sido

silenciadas, ou seja, dos sujeitos da inclusão social e escolar. Examinar o papel

desempenhado pela escola de nosso tempo no interior de uma sociedade capitalista,

historicamente dividida em classes sociais, implica o reconhecimento da educação

como ato político.

Em 2004, o Ministério Público Federal publica documento intitulado O Acesso de

Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, ressaltando nas

Orientações Pedagógicas (p. 6):

Para que as pessoas com deficiências possam exercer o direito à educação em sua

plenitude, é indispensável que a escola de ensino regular se adapte às mais diversas

situações e conforme as necessidades dos alunos inseridos em suas salas de aula. Na

perspectiva de uma educação inclusiva, não se espera mais que a pessoa com

deficiência se integre por si mesma, mas que os ambientes, inclusive o educacional,

se transformem para possibilitar essa inserção, ou seja, estejam devidamente

preparados para receber a todas as pessoas, indistintamente.

Ainda no mesmo ano, o Decreto nº 5.296/2004 regulamentou as Leis 10.048/2000 e nº

10.098/2000, estabelecendo normas e critérios para a promoção de acessibilidade para as

pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, visando promover a acessibilidade humana e

a garantia de acesso universal aos espaços públicos. Em 2005, o Decreto nº 5.626/2005,

regulamenta a Lei nº 10.436/2002, dispondo sobre a inclusão de LIBRAS como disciplina

curricular para alunos surdos e o ensino de Língua Portuguesa com segunda língua para os

mesmos. Dispõe, também, sobre a formação, e a certificação do professor, instrutor e

tradutor/intérprete e a organização da educação bilíngue no ensino regular, como previsto no

Artigo que segue:

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem

proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras -

Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como

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equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e

à educação.

Também em 2005, instalam-se os NAAH/S – Núcleos de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação – em todos os estados e no Distrito Federal, como referência no

atendimento a alunos, como também orientação a pais e professores.

Ainda no tocante à formação de professores, a Resolução n.º 1, de 15 de Maio de

2006, do CNE, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Pedagogia, Licenciatura. Dentre os direcionamentos apresentados, merece destaque o Artigo

5º ao preconizar, dentre outros, que o egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: IX -

identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e

propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de

exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras; X -

demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-

ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades

especiais, escolhas sexuais, entre outras.

A proposição de formação de professores com caráter reflexivo sobre a complexidade

da realidade social e o compromisso com o reconhecimento e respeito à diversidade,

demonstra alargamento na concepção de prática educativa, ou seja, para além de imagens

reducionistas de alfabetizador e professor de recortes, de matérias redimensiona-se a prática

docente, incorporando-se a essa a urgência da percepção do cotidiano escolar em sua

complexidade e pluralidade, “(...) uma experiência humana bem mais plural do que a visão

futurista e cognitivista por vezes nos passa. Uma experiência bem mais permanente e mutável

do que o caráter provisório do texto curricular, dos conteúdos das áreas e das disciplinas”,

afirma Arroyo (2007, p. 232). Educar para a humanização, parece-nos o desafio e a urgência

na formação de professores.

Reiterando-se o desafio discutido, dados do INEP/MEC revelam acentuado aumento

na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais entre os anos de 1998 e 2006

nas classes regulares de ensino, como nítida abertura de espaço para grupo social

historicamente segregado, como demonstrado no gráfico 2 a seguir:22

:

22

Fonte: MEC/INEP

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Mesmo considerando-se a objetividade dos percentuais apresentados, nos quais

observa-se o decréscimo de 33,4% em matrículas em escolas e classes especiais, com o

cosequente aumento no mesmo percentual de matrículas em escolas regulares e classes

comuns, vale refletir sobre a efetividade das ações capazes de legitimá-los no que diz respeito

à qualidade dos serviços oferecidos aos alunos, como ressaltado por Carvalho (In: Maia,

2011, p. 89):

Quando examinamos as estatísticas educacionais brasileiras, particularmente aquelas

que nos trazem índices de matrículas de alunos em situação de deficiência nas

turmas comuns e de seu progresso no fluxo educacional, devemos ser bem críticos,

pois devido à progressão continuada, há certa maquiagem nos resultados estatísticos.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência outorgada pela ONU em

2006, e ratificada pelo Brasil como emenda constitucional por meio do Decreto Legislativo nº

186/2008 e pelo Decreto Executivo nº 6.949/2009, sistematizou estudos e debates mundiais

realizados ao longo da última década do século XX e nos primeiros anos do século XXI,

criando conjuntura favorável à definição de políticas públicas fundamentadas no paradigma

da inclusão social (Revista Inclusão, v. 5, nº 2, 2010).

Importantes posicionamentos se apresentam, dentre os quais se destaca o Artigo 24, ao

afirmar o compromisso dos Estados Partes com a efetivação de um sistema educacional

inclusivo em todos os níveis, rompendo com modelos de segregação que anteriormente

definiram a organização e as práticas da educação especial em diversos países.

Gráfico 2 - Evolução da política de inclusão nas classes comuns do ensino regular - 1998 a 2006

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Com a promulgação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

(ONU, 2006), os municípios foram chamados a assumir a responsabilidade inerente à sua

autonomia política para tomar decisões, implantar os recursos e processos necessários para

oportunizar qualidade de vida aos seus cidadãos. Assim, passa a caber aos municípios o

mapeamento das necessidades de seus moradores, o planejamento e a implementação de

recursos e serviços que se revelem necessários ao atendimento de suas necessidades, nas

diversas áreas da atenção pública.

Corroborando para tal, o Decreto nº 6.215, de 26 de setembro de 2007:

Estabelece o compromisso pela Inclusão das Pessoas com Deficiência com vistas à

implementação de ações de inclusão das pessoas com deficiência por parte da União

Federal, em regime de cooperação com Municípios, Estados e Distrito Federal, institui

o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência – CGPD, e dá

outras providências.

Dados apresentados no gráfico 3 a seguir contribuem para a observação do avanço de

matrícula na modalidade de Educação Especial nas redes municipais de ensino, como possível

resultado das políticas públicas implementadas ao longo dos primeiros anos do século XXI23

23

Fonte: MEC/INEP

Gráfico 3 - Evolução de municípios brasileiros com matrículas na Educação Especial - 2002 a 2006

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Constata-se que a corresponsabilização de ações entre as diferentes esferas públicas

revela-se essencial para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam às necessidades

humanas essenciais. Nesse sentido, a matrícula compulsória de alunos com necessidades

educacionais especiais não é garantidora de sua inclusão. Pois, como analisa Mészáros (2010,

p. 45) “As soluções educacionais formais, mesmo algumas das maiores, mesmo quando são

sacramentadas pela lei, podem ser invertidas, desde que a lógica do capital permaneça intacta

como quadro de referência orientador da sociedade.”

Reiterando e não negando o fundamental avanço constatado quando do aumento de

matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais nas redes municipais de ensino,

há que se refletir sobre o alargamento da escola na perspectiva democrática, que se

contraponha à lógica segregadora e excludente do capital na contemporaneidade.

Lançado em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE – apresenta

direcionamento de ações para a educação inclusiva, ressaltando reconhecimento de cultura

escolar historicamente excludente não só a pessoas com deficiência, mas também às negras e

indígenas e, mais recentemente, a assentamentos das sem-terra (BRASIL, 2007, p. 49):

As diretrizes do PDE contemplam ainda o fortalecimento da inclusão educacional,

reconhecendo que as formas organizacionais e as práticas pedagógicas forjaram

historicamente uma cultura escolar excludente e que, portanto há uma dívida social a

ser resgatada. O PDE procura responder a esse anseio com várias ações. Educação

significa respeitar as especificidades de indivíduos e comunidades, incluir e

preservar as diferenças, realizando a diversidade na igualdade como fundamento

primeiro do ato educativo. Assim se permite considerar as turmas comuns de ensino

regular nas quais haja inclusão, a reserva indígena, a comuna quilombola ou o

assentamento como “territórios de cidadania” ou arranjos educativos específicos nos

quais se promove o desenvolvimento humano de todos e de cada um.

O Decreto nº 6.094/2007, publicado para a implementação do PDE, estabelece nas

diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia de acesso, permanência e

atendimento às necessidades educacionais dos alunos no ensino regular e fortalecimento da

inclusão na escola pública. Nesse sentido, dados do fluxo de matrícula de alunos com

necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, reiteravam aumento numérico

entre os anos de 1998 e 2006, conforme dados do MEC/ INEP24

mostrados no gráfico 4 a

seguir:

24

Fonte: MEC/SEESP.

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Os números apresentados registraram crescimento de 640% de matrícula em escolas

comuns, contra 28% em escolas e classes especiais. A demanda por ações mais efetivas,

frente à notória convergência numérica observada no gráfico 4, fez-se refletir na Política

Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – Documento

elaborado pelo Grupo de Trabalho, nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho

de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, na qual conceitua a

Educação Especial e define como público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais

do desenvolvimento/altas habilidades, reafirmando que:

Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a

proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades

educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais do

desenvolvimento e altas/habilidades.(MEC/SEESP, 2008, p. 20).

Em suas diretrizes, a referida Política preconiza a educação especial como modalidade

que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, bem como realiza o

atendimento educacional especializado, disponibiliza recursos e serviços, orientando quanto à

sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular.

Também, ressalta a importância de a educação especial constituir-se no Projeto

Pedagógico da escola, legitimando-se, assim, como proposta que atenda não somente os

Gráfico 4 - Evolução de matrículas na Educação Especial - 1998 a 2006

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alunos com necessidades educacionais especiais. Mas, a totalidade dos alunos com base em

ações refletidas, para o que Costa (2009, p. 79) instiga à reflexão ao afirmar:

Dessa maneira, viabilizar então que todos os alunos tenham o direito à educação

inclusiva com a participação de professores autônomos e sensíveis na promoção de

atividades diversificadas. É importante e se faz necessário que a escola, em seu

projeto político pedagógico, vise o atendimento à diversidade dos alunos, atentando

não apenas para a questão da efetivação do acesso desses alunos à escola, mas

também o acesso ao conhecimento em espaços escolares democráticos.

Logo, não basta compulsoriamente matricular o aluno, mas possibilitar ao mesmo

experiências educacionais propiciadoras de avanços e garantidoras de sua permanência na

escola em situações de aprendizagem.

Para que a política da educação inclusiva na perspectiva da escola para todos não se

reduza ao acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais às salas

de aula do ensino regular, como se tal bastasse, há que se evitar a constituição de uma cultura

de tolerância na escola.

Caso se permita tal cultura, a escola estará, uma vez mais, negando-se à

responsabilidade para a qual é conclamada: o acesso, permanência e atendimento educacional

de qualidade para todos os alunos, ao reproduzir a barbárie, e não considerando o pensamento

de Adorno (2006, p. 156), ao afirmar que a “(...) a tentativa de superar a barbárie é decisiva

para a sobrevivência da humanidade”.

A proposição do autor nos remete à urgência de se empreender movimento para a

desbarbarização da humanidade, considerado um pressuposto imediato de sua sobrevivência.

Daí a importância da educação, pois se por um lado participa de uma cultura alienada, por

outro é capaz de produzir subjetividades resistentes à mesma. Esse deve ser o objetivo da

escola, por mais restrito que seja seu alcance e suas possibilidades.

O Decreto 6.253 de 13 de novembro de 2007, que regulamentou alguns dispositivos

do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB – instituiu e

definiu, entre outros, o Atendimento Educacional Especializado – AEE – como um conjunto

de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade prestados de forma complementar ou

suplementar à escolarização dos alunos no ensino regular. Introduziu, ainda, o dispositivo do

duplo repasse de verba no âmbito do FUNDEB para os estudantes com necessidades

educacionais especiais que recebessem o AEE em escolas ou instituições especializadas.

Importante avanço para a concepção inclusivista em educação deu-se com a

promulgação do Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, o qual dispunha sobre o apoio

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técnico e financeiro da União aos estados e municípios com a finalidade de ampliar o

atendimento educacional especializado, por meio de: i. implantação de salas de recursos

multifuncionais; ii. formação continuada de professores para o atendimento educacional

especializa do; iii. formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a

educação inclusiva; iv. adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade; v.

elaboração, produção e distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade e vi.

estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior.

Reiteravam-se direcionamentos que apontavam para a inclusão, observando-se

incentivo financeiro para o AEE em contraturno à escolarização regular:

Art. 9o. Admitir-se-á, a partir de 1

o de janeiro de 2010, para efeito da distribuição dos

recursos do FUNDEB, o cômputo das matriculas dos alunos da educação regular da

rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo do

cômputo dessas matrículas na educação básica regular.

Percebia-se, pois, nítida intencionalidade de transformação do espaço escolar em

ambiente democrático, propício ao acolhimento e trabalho com a diversidade ali encontrada,

uma vez que, como nos apresenta Costa (In: MAIA, 2011, p. 70):

Pensar a educação para todos é admitir que todos os alunos podem aprender juntos,

ou seja, uma educação na qual a aprendizagem não ocorra em contextos segregados,

mas, antes, perceber nos alunos, pela experiência com os mesmos, possibilidades de

aprendizagem para todos em salas de aula acolhedoras e solidárias.

Entretanto, o documento em questão foi revogado em seu terceiro ano de vigência,

sendo substituído pelo Decreto Nº 7.611 de 17 de novembro de 2011, que lançou o Plano

Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Viver sem Limites.

Vale questionar o quanto as conquistas, até então, legitimadas não correrão riscos de

retrocesso, uma vez o Artigo acima apresentado ter passado a constar:

Art.14. Admitir-se-á, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o

cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por

instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,

com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder

Executivo competente.25

Ficam as questões: a quê? ou a quem? estaria servindo tal redirecionamento? Se os

caminhos apontavam para a permanência do aluno com necessidades educacionais especiais

25

Grifos do autor.

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na escola regular, com AEE em contraturno como meio de superação da exclusão, a qual até

então lhe fora imposta para que, então, se (re)considera a escola especial como espaço de

legitimidade?

Antecipa-se que o novo Decreto será alvo de críticas, ao se relacionar o mesmo à

modificação imposta à Meta 4 do atual Plano Nacional de Educação (2011-2020)26

quando de

sua tramitação na Câmara de Deputados, o que discutiremos mais adiante.

O desafio da educação inclusiva tornou-se ainda mais contundente ao se constatar que,

ao final da primeira década do século XXI, dados do Censo Escolar (INEP/MEC, 2010),

apontaram, entre os anos de 2008 e 2010, crescimento de 27% das matrículas dos estudantes

público-alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, na faixa

etária de 4 a 17 anos, passando de 321.689 para 408.822.

Com base na estimativa da população com deficiência, projetada pelo IBGE até 2020,

22% desse grupo estava matriculado na educação básica em 2010. O IBGE também projeta

que, se o ritmo de crescimento de matrícula continuar semelhante ao apresentado nos últimos

dez anos, em 2020, os sistemas de ensino atingiriam 66% da população público-alvo da

educação especial na rede regular de ensino.

O Quadro 1 demonstra o crescimento numérico da educação especial no período de

2000 a 2010, apoiando-nos a refletir sobre a necessidade da oferta das políticas públicas, que

não somente indiquem direcionamentos, mas que proponham e qualifiquem ações:

26

Atual PLC – Projeto de Lei da Câmara, nº 103 (2012).

Quadro 1 - Indicadores Numéricos da Evolução da Educação Especial

Indicadores

Censo Escolar/INEP/MEC 2000 2010

Crescimento

%

Municípios com matrícula de alunos

público-alvo da Educação Especial 3.401 5.497 61,6%

Matrícula de alunos público-alvo da

Educação Especial na Rede Pública 208.586 532.620 155,3%

Matrícula de alunos público-alvo da

Educação Especial no Ensino Regular 81.695 484.332 492,8%

Escolas comuns com matrícula de alunos

público-alvo da Educação Especial 13.087 85.090 550%

Escolas públicas com Acessibilidade 6.770 28.650 323%

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Em se considerando que dados do IBGE (2010) registravam a existência de 5.565

municípios e que, desses, 5.497 apresentavam matrículas de alunos público-alvo da Educação

Especial (INEP/MEC, 2010), é notória a evolução na política de inclusão no Brasil nos

últimos dez anos, o que pode ser comprovado pelo aumento de 492% de matrícula de alunos

com necessidades educacionais especiais no ensino regular e de 550% em escolas comuns,

para o que houve a contribuição de investimentos em acessibilidade nas escolas públicas.

2.3 Plano Nacional de Educação 2011-2020: reflexões sobre a Meta 4

O atual Plano Nacional de Educação 2011-2020 – Projeto de Lei nº 8.035/2010 –

preconiza, como um de seus objetivos centrais, a melhoria da qualidade do ensino, o que se

dará por meio da valorização dos profissionais da educação, a universalização da educação

básica e a expansão da oferta da educação superior, respeito e atendimento às diversidades e

financiamento público das instituições públicas.

Ressalta em seus objetivos e metas, a elevação global do nível de escolaridade da

população, a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à

permanência de alunos, com resultados, na educação pública, a democratização da gestão do

ensino público, atendendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na

elaboração do projeto pedagógico da escola.

No tocante à inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, aponta no Art. 8º, §

2º, que “Os entes federados deverão estabelecer em seus respectivos planos de educação,

metas que garantam o atendimento às necessidades educacionais específicas da educação

especial, assegurando um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e

modalidades”.

Com apenas vinte metas fixadas, o PNE 2011-2020, proposto pelo Governo Federal ao

Congresso Nacional, em 15 de dezembro de 2010, dedicou a Meta 4 à Educação Especial,

propondo a universalização para a população de 4 a 17 anos, do atendimento escolar a

estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação no ensino regular.

Reiterou a importância da eliminação de barreiras arquitetônicas nas escolas, a

adequação do material didático-pedagógico e a utilização da tecnologia assistiva, conforme as

necessidades específicas de aprendizagem dos alunos, afirmando o fomento da formação

continuada de professores para o atendimento desses alunos.

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Assim, o texto apresentado revelou-se arrojado em relação ao PNE 2001. Pois,

enquanto o mesmo referia-se à integração/inclusão do aluno com necessidades especiais no

sistema regular de ensino e, se isso não fosse possível em função das necessidades do aluno,

realizar o atendimento em classes e escolas especializadas, prevendo a manutenção de classes

e escolas especiais, o PNE 2011 atual intensificava ações que não apenas propiciassem, como

também garantissem a inclusão e permanência de alunos com deficiência nas escolas

regulares, revelando intenção de superação da segregação instituída ao longo do processo de

sua escolarização.

No entanto, ao ser encaminhado para apreciações na Câmara de Deputados, a Meta 4

recebeu alterações, configurando-se a seguinte redação: “Universalizar, para a população de

4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos(às) alunos(as) com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,

preferencialmente na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional

especializado em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços

especializados, públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, em

escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.”

O “novo texto” suscitou protestos de algumas instâncias da sociedade envolvidas com

a causa da inclusão, uma vez observarem o mesmo como retrocesso às políticas, até então,

instituídas para alunos com necessidades educacionais especiais. Justifica-se: a Meta 4, que

antes se pautava somente pela inclusão, agora abre possibilidades para atendimento em

classes, escolas ou espaços especializados, públicos ou conveniados, para os quais não se

julgue possível o atendimento em escolas regulares.

O conjunto da sociedade que refuta a “nova Meta 4”, alega o resgate de questões

vistas como superadas, tais como a triagem de “quem pode” e “quem não pode estar na escola

comum”, reiterando-se, com isso, o retrocesso à medicalização e à manutenção de interesses

de entidades filantrópicas defensoras da escola especial.

A questão acirra-se mais ainda ao se relacionar o fato à revogação do Decreto nº

6.571, de 17 de setembro de 2008, referido anteriormente, tido como significativo avanço no

campo da educação inclusiva, porque concebia o caráter de complementar aos atendimentos

feitos em instituições especializadas, públicas ou filantrópicas, tendo sido o mesmo

substituído pelo Decreto nº 7.611 de 17 de novembro de 2011.

No que tange ao referido Decreto, afirma-se no Artigo 4º:

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Art. 4o O Poder Público estimulará o acesso ao atendimento educacional

especializado de forma complementar ou suplementar ao ensino regular,

assegurando a dupla matrícula nos termos do art. 9º-A do Decreto nº 6.253, de 13 de

novembro de 2007.27

Em contrapartida tem-se, no Artigo 8º, a retomada do Artigo 14º do Decreto nº 6.253,

de 13 de novembro de 2007:

Art. 14. Admitir-se-á, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o

cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por instituições

comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação

exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente.

§ 1

o Serão consideradas, para a educação especial, as matrículas na rede regular de

ensino, em classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em

escolas especiais ou especializadas.

Observa-se que, enquanto o Artigo 4º afirma que o poder público estimulará o acesso

ao Atendimento Educacional Especializado/AEE, de forma complementar ou suplementar ao

ensino regular, assegurando a dupla matrícula, o parágrafo 1º do Artigo 14º, afirma que serão

consideradas, para a educação especial, tanto as matrículas na rede regular de ensino, como

nas escolas especiais ou especializadas.

Frente à política de dubiedade que se instalou, inúmeras foram as manifestações

públicas que demandavam esclarecimentos sobre o referido Decreto. Em atendimento às

mesmas, o Ministério da Educação publicou a Nota Técnica nº 62, de 08 de dezembro de

2011, tendo por assunto orientações aos Sistemas de Ensino sobre o Decreto nº 7.611/2011,

esclarecendo que:

O apoio financeiro às instituições especializadas mencionadas, referente ao

atendimento de pessoas que não estão matriculadas no ensino regular, destina-se,

especialmente, àquelas que se encontram fora da faixa etária de escolarização

obrigatória, em razão de um processo histórico de exclusão escolar.28

Embora louvável, a tentativa de explicação, ao que nos parece, reitera a educação

segregada. Justifica-se: se há o reconhecimento de demanda significativa “fora da faixa etária

de escolarização obrigatória” e em atenção ao “processo histórico de exclusão escolar”, a

27

O Decreto dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências.

No Art. 9º A: consta que: “Para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, será admitida a dupla matrícula

dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado.” 28

Grifos meus.

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solução pretendida e adequada seria a permanência, manutenção e alimentação de tal

processo?

O fato de se negar à busca de outras possibilidades não se estaria, uma vez mais,

rendendo-se à lógica da exclusão, alimentando-se ainda mais a “cultura do preconceito”,

fortemente influenciada por concepção assentada no capital?

Nesse sentido, Crochík (1995, p. 27) nos alerta:

Além do mundo do trabalho e as demais esferas sociais, pela sua forma de

organização, pedirem por respostas rápidas, outro motivo que contribui para que a

reflexão seja imediata e, assim, pouco refletida, é que se exige do indivíduo, nos dias

de hoje, que se posicione a respeito de quase tudo, posto que a ignorância é

considerada menos como ausência de um saber que pede por ele, do que como uma

falha na formação do indivíduo. Isto leva a ter que se valer de mecanismos rápidos

que configurem o novo à luz dos esquemas ordenadores já prontos, e, com isso, a

experiência é impossibilitada.

Não se pretende aqui apologia ingênua à educação inclusiva. Tampouco, podemos

deixar de refletir sobre a função a ser exercida pelas escolas especiais e instituições

especializadas, as quais apoiam e subsidiam ações inclusivas, uma vez que o ensino especial

não é mais visto como substitutivo do ensino regular. Detentoras de vasta experiência,

conhecimentos e competências acumulados, seus profissionais podem ser de grande

importância na educação inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais, sendo

conclamados a prestar o Atendimento Educacional Especializado – AEE – no contraturno da

escolarização regular.

Também como avalia Mantoan (2008), serão importantes ao ocupar um lugar que lhes

pertence por conquista e trajetória: o de garantir às pessoas com deficiência e a outros

públicos da educação especial, o que lhes é de direito, ou seja, a inserção total e incondicional

no meio escolar, social, laboral, no lazer, nos esportes e na vida cidadã.

Conclui-se que, no tocante à Meta 4 do PNE 2011-2020, frente ao imbróglio e pouca

clareza da legislação, o movimento de forças, ora convergentes, ora reacionárias tende a

fortalecer-se, o que pode vir a contribuir positivamente para tomadas de posições e definições

de direcionamentos necessários às políticas públicas de educação inclusiva.

Em suma, embora diversos sejam os dispositivos legais que se vêm apresentando ao

longo dos últimos dez anos, a educação democrática não se fará única e tão somente por

imposição legal. Há que se considerar a complexidade da tessitura social que se faz e se

materializa na maneira como os sistemas educacionais se organizam e legitimam ações,

inerentes a concepções efetivamente constituídas e socialmente percebidas como necessárias.

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Ao realizar o resgate de aspectos históricos e legais que constituíram e orientaram as

ações voltadas à Educação Especial no Brasil ao longo dos últimos cinquenta anos, analisei os

elementos que contribuíram para subsidiar minhas reflexões sobre o contexto em que se insere

a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública

municipal de ensino de Petrópolis/RJ, considerando-se o questionamento sobre como as

políticas públicas de educação inclusiva tem contribuindo na organização da escola pública.

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CAPÍTULO 3

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

(Fernando Pessoa)

Organização de Escolas Inclusivas no Município de Petrópolis

O trecho do escritor e poeta português Fernando Pessoa (1888 – 1935) instiga-nos a

reflexão sobre o quão marcante é o espaço sócio-histórico em que nos constituímos. De

maneira paradoxal, o poeta afirma que, apesar de belo e imponente, o Tejo não possui a

grandiosidade do rio que corta a sua aldeia, justamente por não ser “o rio de sua aldeia”.

Remeti-me a Pessoa, pois me propus nesse capítulo falar sobre “minha aldeia”,

permitindo-me complexo movimento de aproximação e afastamento, sustentado pela Teoria

Crítica da Sociedade.

Assim, o texto tem por objetivo apresentar as políticas públicas de educação especial

para a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública

municipal de ensino de Petrópolis, RJ.

Refletir sobre esse movimento é trazer à cena a possibilidade de desvelamentos de

mecanismos encontrados na base de processo histórico de constituição de direitos sociais. A

afirmação do direito à educação demanda o enfrentamento do contexto sociocultural, que

historicamente tem obstado o acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais

especiais na escola pública.

Nesse sentido, o movimento ao longo deste capítulo foi (re)conhecer com base em seu

processo histórico, mecanismos subjacentes ao desenvolvimento de políticas públicas na rede

municipal de ensino de Petrópolis, RJ, para atendimento a alunos com necessidades

educacionais especiais na perspectiva inclusiva.

Os dados aqui contidos constituíram-se de duas diferentes formas: através de

entrevistas não estruturadas, ou seja, encontros e conversas informais realizados no próprio

espaço de trabalho, com profissionais que implantaram o atendimento a alunos com

necessidades educacionais na rede municipal de ensino e por meio de pesquisa a documentos

e cadastros da Secretaria Municipal de Educação, o que me foi oportunizado e facilitado por

fazer parte da equipe técnico-pedagógica da mesma desde o ano de 2001, o que justifica o

tratamento em primeira pessoa que, por vezes, permeia o texto.

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67

O movimento inicial para a coleta de parte dos dados que aqui se encontram deu-se no

ano de 2006, quando me vi à frente da Equipe de Educação Especial do município, e

responsável pela dinamização de ações voltadas à inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais em turmas regulares de ensino.

À ocasião, fui instigada a organizar documento que servisse como fonte de pesquisa

para os professores no tocante ao (re)conhecimento de alguns transtornos e patologias

frequentemente observáveis na escola, com sugestões de abordagens pedagógicas e

adaptações em ambiente escolar.

Ao longo do processo, constatei, a princípio, a necessidade de apresentação de aportes

legais que contemplassem a Educação Especial no Brasil, o que se fez por meio de pesquisa

que subsidiariam a inserção de documentos oficiais até então publicados, no material a ser

apresentado. Porém, ao término da produção percebi a grande lacuna existente: de onde estava

falando? Como se haviam constituído, até então, as concepções e as intencionalidades para o

aluno com necessidades educacionais especiais na rede municipal de ensino de Petrópolis?

Quais os seus princípios norteadores? Como se vinham legitimando as mesmas?

Em busca do levantamento, inicialmente histórico apenas, da educação especial na

rede municipal de ensino, qual não foi a minha surpresa ao obter a informação de que a

responsável pela implantação do atendimento a alunos com necessidades educacionais

especiais ainda se encontrava atuante, e era minha colega na Secretaria, à ocasião trabalhando

em Equipe de Projetos. A pessoa da qual falo é Alda Gomes Infingardi, Orientadora

Pedagógica, com a qual obtive informações através de relato de sua experiência como

primeira profissional a atuar à frente da educação especial na rede municipal de ensino de

Petrópolis.

Como seu período de atuação deu-se entre os anos de 1982 a 1992, indicou-me a

Inspetora de Ensino Luciany Perez como uma das profissionais responsáveis pela

continuidade do trabalho na educação especial para informações complementares à sua

gestão.

Valendo-me de narrativas livres, ambas subsidiaram parte dos dados desta pesquisa,

sustentando resgate histórico até o ano de 2001, a partir do qual passei a atuar na Secretaria

Municipal de Educação e tive a oportunidade de maior aproximação a questões sobre os quais

me debrucei.

Ressalta-se que, embora como fonte histórica apenas, parte das narrativas acima

citadas (aquelas coletadas em 2006), fazem parte do documento “O Fazer Educacional Frente

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68

aos Desafios da Inclusão”, publicado em 2007, com tiragem de duzentos exemplares para

circulação apenas nas escolas municipais. Houve aproveitamento do texto, também, para o

Plano Municipal de Educação publicado através da Lei Municipal Nº 6.709, de 15 de

dezembro de 2009.

No ano de 2012, então voltada especificamente à pesquisa que aqui apresento, retomei

o contato com as mesmas profissionais, com as quais me encontrei ao longo do mês de junho,

por duas vezes com cada uma, a fim de retomada, complementação e leitura do que havia

produzido a partir da escuta das narrativas. Permito-me o parêntese para registrar momento de

grande aprendizagem e emoção que vivenciei neste contato com pessoas sensíveis e

comprometidas com a causa da educação especial no município de Petrópolis, RJ.

3.1 De onde falamos?

Petrópolis é um município do Estado do Rio de Janeiro, situado no topo da Serra da

Estrela, distando 68 km da Capital, pertencente à mesorregião metropolitana do Rio de

Janeiro e à microrregião serrana29

Historicamente reconhecido como “Cidade Imperial”, o

município teve sua instauração feita por Decreto Imperial datado de 16 de março de 1843.

Com área territorial de 796 km2, conta com população de 296.044 habitantes (2010)

30

e, segundo dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o

município está entre as regiões consideradas de elevado desenvolvimento humano. Em

comparação com outros municípios brasileiros, Petrópolis se encontra na 93ª posição. Entre

os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro ocupa a 7ª posição. Ainda segundo a fonte

acima, Petrópolis apresenta urbanização de 95,04%, com densidade demográfica de 371,85

hab./km². Representando 1,8% da área do Estado do Rio de Janeiro e 11,5% da Região

Serrana, encontra-se distribuído em cinco distritos; a saber: 1º Petrópolis: 143 Km², 2º

Cascatinha: 274 Km², 3º Itaipava: 121 Km², 4º Pedro do Rio: 210 Km² e 5º Posse: 63 Km².

Possui como municípios limítrofes: Areal, Duque de Caxias, Guapimirim, Magé,

Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, São José do Vale do Rio Preto e Teresópolis,

conforme a seguir ilustrado31

:

29

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2008). 30

Censo Populacional 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 31

Fonte: mapasblog.blogspot.com.

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69

Dados do Censo Demográfico (IBGE) indicam que em 2010, 99,1% dos domicílios

petropolitanos particulares permanentes contavam com o serviço de coleta de resíduos e

99,7% tinham energia elétrica distribuída pela companhia responsável (uso exclusivo). A

proporção de domicílios, em 2010, com acesso ao direito de propriedade (própria ou alugada)

atingia 92,3%, indica a fonte.

Segundo a mesma fonte, em 2010, 58,7% dos domicílios tinham acesso à rede de água

geral e 82,9% possuíam formas de esgotamento sanitário consideradas adequadas.

O número de óbitos de crianças menores de um ano no município, de 1995 a 2010, foi

1.57732

. A taxa de mortalidade de menores de um ano estimada a partir dos dados do Censo

2010 é de 16,7% o que se encontra acima da média nacional com estimativa de 15,6% a cada

1.000 crianças menores de um ano.

No tocante aos indicadores relativos à proporcionalidade de munícipes abaixo da linha

da pobreza e indigência, dados do Censo (IBGE – 2010) revelam que 14,1% de moradores de

Petrópolis se encontram entre a linha da indigência e a pobreza, ou seja, cerca de 27.400

pessoas, e 7,5% abaixo da mesma33

, somando-se aproximadamente 14.700 indivíduos, o que

32

Fonte: Ministério da Saúde – DATASUS. 33

Para estimar a proporção de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza foi somada a renda de todas as

pessoas do domicílio, e o total dividido pelo número de moradores, sendo considerado abaixo da linha da

pobreza os que possuem rendimento per capita menor que 1/2 salário mínimo. No caso da indigência, este valor

será inferior a 1/4 de salário mínimo (IBGE/2010).

Figura 1 - Localização de Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro

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instiga reflexão sobre o papel da educação como elemento de conscientização e consequente

melhoria na qualidade de vida de tais pessoas, na medida em que a prática educacional estiver

comprometida com o papel emancipatório e formador de consciências críticas e autônomas,

inerentes ao caráter de uma educação democrática (Adorno, 2006).

Em relação aos dados da educação, assim se encontra distribuída a população em

idade escolar no município de Petrópolis (IBGE/2010):

Segundo os números acima apresentados, cerca de 71% da população municipal em

idade escolar é público-alvo do ensino fundamental, cabendo, pois, à rede pública municipal

de ensino o compromisso de atendimento à maior demanda dentre aqueles a frequentar escola.

Dados do IBGE/2010, apontaram que 12,8% das crianças de 7 a 14 anos não estavam

cursando o ensino fundamental e a taxa de conclusão, entre jovens de 15 a 17 anos era de

54,2% em Petrópolis.

O fato de cerca de 46% de jovens entre 15 e 17 anos evadirem-se da escola e de 12,8%

de crianças em idade escolar sequer chegarem à mesma, permite-nos perceber que a educação

oferecida ainda não contempla adequadamente a necessidade da demanda do município; quer

no que tange ao acesso, quer no que se refere à permanência dos alunos no espaço escolar.

Gráfico 5 – População em idade escolar no município de Petrópolis: números percentuais

Gráfico 6 – População em idade escolar no município de Petrópolis

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71

No que concerne à rede pública municipal de ensino, no ano de 2011, apresentava a

seguinte configuração:34

Quadro 2 - Perfil da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis, RJ – 2011

ESCOLAS Urbana Rural Total

Escolas com turno parcial com Educação Infantil 55 34 89

Escolas com Salas de Recursos Multifuncionais 23 7 30

Escolas com Projovem 5 _____ 5

Escolas com Educação de Jovens e Adultos 14 8 22

Escolas com Mais Educação 32 7 39

Escola com Ensino Médio 1 _____ 1

Escolas municipais 57 33 90

Escolas conveniadas 32 5 37

Centros de Educação Infantil Municipais 33 3 36

Centros de Educação Infantil Conveniados 12 1 13

Escolas por zona de localização 134 42 176

Com quantitativo de escolas marcadamente instaladas em região urbana, constatou-se

que das 127 escolas geridas pelo município, 90 são integralmente públicas e 37 conveniadas

com entidades de cunho assistencial e filantrópico, custeadas pelo poder público municipal, o

que implica em 70,9% de escolas e 73,5% de Centros de Educação Infantil totalmente

públicos.

Ressalta-se que financeira e pedagogicamente, a manutenção de 100% das unidades

acima citadas são de responsabilidade do município, cabendo às entidades conveniadas a

oferta das instalações prediais e participação na seleção do corpo docente daquele espaço

educacional.

34

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis. Ano base 2011. Optou-se por trabalhar com dados

relativos aos anos de 2010 e 2011 uma vez os estudos se fazerem ao longo do ano de 2012, o que implicaria em

oscilação de dados coletados no ano corrente da pesquisa.

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Observou-se adesão a programas governamentais como o Projovem, o Mais Educação

e implantação de Salas de Recursos Multifuncionais e a existência de uma escola municipal

com oferta de Ensino Médio, o que se evidencia como atribuição da rede estadual de ensino.

Dados da Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis, contabilizaram, em 2011,

50.841 alunos regularmente matriculados e 1.997 professores em seu quadro efetivo. Abaixo,

apresentamos o número de escolas por modalidades de atendimentos:35

Frente ao exposto, conclui-se que ao nos voltarmos para o reconhecimento do espaço-

tempo de onde falamos, entendemos não ser possível pensar a educação independente da

sociedade em que esteja inserida, uma vez que os indivíduos se formam pela interiorização da

cultura.

Logo ao nos propormos caracterizar o município de Petrópolis e mais especificamente

sua rede pública municipal de ensino, buscamos refletir em que sentido os elementos culturais

e sócio-históricos constitutivos e instituintes do mesmo contribuem para a legitimação ou

negação de posturas que legitimem ações, mais especificamente aquelas voltadas para a

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública, considerando-

se as tensões político-administrativas e as práticas pedagógicas que então se (re)produzem.

35

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis-RJ/2011.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Escolas Municipais/Conveniadas

Centros de Ed. Inf. Municipais/Conveniados

Total de Escolas

127

49

176

Gráfico 7 – Escolas por Modalidade de Atendimentos – 2011

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3.2 Histórico da Educação Especial na Rede Municipal de Ensino de Petrópolis: um

olhar sobre o passado

Partindo-se do entendimento de que no passado são encontradas muitas das

explicações para as situações observadas no presente, tem-se que a alienação da memória

obsta ao homem o esclarecimento essencial ao desenvolvimento da consciência crítica e

consequente autonomia no pensar. O esvaziamento do passado e sua negação contribuem para

o afastamento do reconhecimento de questões objetivas materiais reprodutoras de ideologias

vigentes na sociedade contemporânea.

Em Adorno (2006, p. 48) temos que “A elaboração do passado, como esclarecimento é

essencialmente uma tal inflexão em direção ao sujeito, reforçando a sua autoconsciência e,

por esta via, também o seu eu”. Sob tal perspectiva, o ato de pensar o passado torna-se

elemento de resistência à sua repetição ao propiciar a dúvida, o questionamento e a crítica

capazes de subverter a cultura da dominação e segregação impostas às minorias.

Corroborando com a afirmativa de Adorno, estudos de Damasceno (2010), destacam a

importância de mapearmos um cenário ao qual não somos imunes, uma vez que ao visarmos

os entendimentos histórico-políticos constitutivos das tessituras históricas, seremos capazes

de reconhecer e problematizar possibilidades que se constituíram ao longo de diferentes

épocas.

Nesse sentido, entendemos que ao historicizarmos a educação especial no município

de Petrópolis, buscamos subsídios que contribuam para o tensionamento e problematização de

questões, dentre as quais a organização político-pedagógica do sistema municipal público de

ensino de Petrópolis, que serve como sustentação à estruturação e dinâmica das escolas para a

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.

3.2.1 Educação Especial: passos e (des)compassos na caminhada

O atendimento escolar aos alunos com necessidades educacionais especiais na rede

pública municipal de ensino de Petrópolis teve seu início na década de 1980, mais

precisamente no ano de 198236

.

A primeira providência neste sentido contava com a parceria da rede estadual de

ensino, através da cessão de uma orientadora pedagógica, a qual atuava tanto em escolas

36

Fonte: relato obtido junto à orientadora pedagógica que atuava à época, Srª Alda Gomes Infingardi, contratada

pela Rede Municipal de Ensino por intermédio da Portaria nº 27, maio de 1982.

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estaduais quanto em escolas municipais, para acompanhar o desenvolvimento de estudantes

com necessidades educacionais especiais e orientar a professora de duas classes especiais,

situadas na Escola Municipal Lions Clube de Petrópolis e na Escola Monsenhor Gentil.

Posteriormente – ano de 1982 – com a implantação de novas turmas de classes

especiais – 10 turmas – formou-se uma equipe multidisciplinar que contava com profissionais

das áreas de Saúde e Educação; a saber: um fisioterapeuta, uma fonoaudióloga, uma

supervisora pedagógica e uma orientadora educacional.

Entre as unidades escolares envolvidas, além das já citadas anteriormente, havia:

Escola Municipal Companhia Petropolitana, posteriormente Escola Municipal Professor

Amadeu Guimarães;

Escola Municipal Barros Franco (situada na zona rural do município);

Escola Municipal Carlos Canedo (situada na zona rural do município);

Escola São Judas Tadeu;

Escola Municipal Rosalina Nicolay;

Instituto Saul Carneiro – atendia a deficientes auditivos e deu origem a atual Escola

Municipal de Educação Especial Santos Dumont, especializada em atendimento a alunos

com tal deficiência;

Instituto Metodista de Petrópolis (atendia os casos mais graves de “deficiência mental e

problemas neurológicos”)37

.

Quando da implantação dessas classes, a equipe acima citada encontrava-se sob a

supervisão da Coordenadoria de Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro, situada

inicialmente na cidade de Niterói, antiga capital do Estado e, posteriormente, na cidade do Rio

de Janeiro.

Em 1985 a equipe foi acrescida de seis psicólogos e permaneceu durante sete anos

realizando assistência a alunos e professores. Com o passar do tempo, o trabalho

desestruturou-se e a equipe foi desfeita no ano de 1992.

A partir daí, o acompanhamento às classes especiais passou a ser realizado por apenas

uma psicóloga remanescente da equipe anterior, auxiliada por uma orientadora educacional38

pertencente ao quadro de servidores concursados do município. O trabalho concretizava-se

mediante visitas periódicas às turmas e encontros quinzenais com os respectivos professores

das classes especiais.

37

Utilizou-se nomenclatura de como à época se fazia referência a tal especificidade de alunos. 38

Refere-se à Psicóloga Marise Soares Costa Duvanel e à Supervisora Luciany Peres.

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75

Em 1998 a orientadora educacional afastou-se da equipe e a psicóloga, já existente,

passou a contar com o apoio de outra psicóloga do Núcleo de Saúde Mental do município39

,

atuando junto aos professores em encontros periódicos e realizando atendimento clínico dos

alunos provindos das classes especiais, na referida Unidade de Saúde.

Com o afastamento do único elo com o sistema educacional, representado pela

orientadora educacional, observa-se que tal período contribuiu para que a visão de caráter

clínico se acentuasse, recaindo o estigma da “doença” não só sobre o aluno que revelasse

aparente deficiência, mas também sobre o que apresentasse dificuldades de aprendizagem sem

adequada avaliação clínica. A constatação sustenta-se pelo fato de serem encaminhados,

durante tal período, para classes especiais aqueles alunos que permanecessem como

repetentes por mais de três anos (em sua grande maioria nas classes iniciais).

Deste modo, o caminho trilhado para a solução da “problemática” da repetência

passava pelo pressuposto de estar no aluno, e não no sistema como um todo, a necessidade de

adaptar-se, modificar-se e disponibilizar-se a mudanças, como podemos constatar em Caputo

(2003, p. 94):

O crescimento desenfreado das populações urbanas, associado ao processo de

democratização da educação básica, acarretou aumento na demanda de matrículas

escolares, provocando um volume significativo no número de pessoas com

deficiência em busca de escolaridade, nos estabelecimentos regulares de ensino. A

reação quase imediata do sistema educacional foi a criação de classes e escolas

especializadas, funcionando como verdadeiros depósitos de crianças, não só das que

apresentavam alguma deficiência, mas de todas consideradas “problemáticas”,

livrando o sistema regular de ensino da presença de tais alunos.

Reiterando-se o comentário de Caputo, a referida democratização da escola pública

por meio da oferta de matrículas não se fez acompanhada de organização do espaço

pedagógico para atendimento à diversidade do alunado que ingressava na mesma. Logo, a

exclusão que até então se fazia como negativa de entrada na escola passa a se constituir no

interior desta.

O quadro descrito permaneceu até meados do ano de 2001, quando do início de uma

nova gestão municipal. Vale ressaltar não haver cadastro de dados específicos sobre o

quantitativo de alunos regularmente atendidos nas classes especiais da rede pública municipal

de ensino de Petrópolis de 1981 a 2000, os quais só se farão presentes a partir do ano de 2001,

conforme nos propomos apresentar no capítulo que segue.

39

Psicóloga Maria Célia Machado.

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76

3.2.2 Novo Milênio: a busca por identidade

O capítulo que se apresenta buscará explicitar ações voltadas à educação especial na

rede municipal de ensino de Petrópolis, tomando-se como referência dois distintos períodos:

do ano de 2001 ao ano de 2008, quando do início do redimensionamento da educação especial

em uma perspectiva inclusiva e de 2009 a 2011, quando da consolidação de ações.

No que se refere ao segundo período citado, partimos do direcionamento de ações

capitaneadas pela Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (MEC/SEESP, 2008), e por outros documentos oficiais apresentados entre os anos

de 2009 e 2011.

Optamos pela apresentação de capítulo específico sobre a implantação das Salas de

Recursos Multifuncionais, a fim de reflexões sobre os impactos do Atendimento Educacional

Especializado – AEE, sobre o processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais nas escolas da rede municipal de ensino.

3.2.3 Sistema Municipal de Ensino: o impacto da autonomia

Conforme preconizado no Art. 11 da LDB 9394/96: “Os Municípios incumbir-se-ão

de: I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de

ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados”, o município

de Petrópolis, até então ligado ao Sistema Estadual de Ensino, instituiu seu Sistema a partir do

ano de 2000, através do Decreto Nº 459 de 17 de dezembro de 1999, ocasião em que se

encontrou diante da necessidade de estabelecer caminhos próprios que atendessem às suas

peculiaridades no âmbito educacional.

A partir do ano de 2001, quando do início de uma nova gestão municipal, a educação

especial ficou sob a responsabilidade do Departamento de Educação da Secretaria de

Educação e Esportes, tendo à frente a Equipe de Apoio Pedagógico. Inicialmente contando

com a presença de uma pedagoga, uma fonoaudióloga e com o apoio de duas psicólogas

pertencentes à Equipe de Psicologia Educacional, implementou-se trabalho referente ao

acompanhamento dos alunos das classes especiais, iniciando-se o processo de

redimensionamento quantitativo e orientação a professores.

Embora diretamente ligada ao Departamento de Educação, observava-se a exemplo de

anos anteriores, a preponderância de profissionais ligados à área da Saúde em detrimento

daqueles específicos da Educação, o que nos instiga a refletir sobre o quanto ainda se

mantinham subjacentes concepções clínicas que por séculos se fizeram hegemônicas quando

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da educação da pessoa com deficiência, assentadas no estigma e preconceito histórico e

culturalmente transmitidos de geração a geração, conforme afirmado por Crochík (1995, p.

22): “Assim, na transmissão da cultura para as gerações mais jovens, já são transmitidos

preconceitos: ideias que devem ser assumidas como próprias sem que se possa pensar na sua

racionalidade e consequente adesão ou não a elas”.

Como reflexo do cenário histórico apresentado, o cenário numérico da educação

especial, na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, no início do ano de 2001,

apresenta-se assim:40

Quadro 3 - Quantitativo de Alunos na Modalidade de Educação Especial – 2001

ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS

Classes Especiais 22 175

Escolas Especiais 02

1 escola especializada no atendimento a alunos

com deficiência auditiva →53 alunos;

1 escola especializada no atendimento a alunos

com deficiências múltiplas →50 alunos

Total: 285

Com um número total de 285 alunos, a equipe recém-formada optou por iniciativas até

então pioneiras, ao organizar-se para algumas ações iniciais: a busca por cursos de formação

para professores e a reavaliação de alunos que compunham as classes especiais.

Enquanto parte da equipe se dedicava a visitas às escolas, outra parte buscava meios

para a implementação de cursos com vistas a subsidiar ações pedagógicas, tendo como

primeira iniciativa neste sentido a oferta de “Curso de Educação Física e Desportos para

Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais”, no total de 80 horas realizado ao longo do

mês de maio de 2001.

Ao final do ano de 2001, após análise da situação de cada aluno atendido nas classes

especiais, chegou-se às seguintes constatações: muitos dos sujeitos nelas inseridos lá se

encontravam ora por motivos de ordem disciplinar, ora por dificuldades na aprendizagem,

acarretando-se, assim, significativa defasagem idade-série. Outros alunos, embora revelando

déficits, já haviam esgotado as possibilidades oferecidas por aquela classe, necessitando de

40

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2001.

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novos desafios e de novos espaços que lhes permitissem avanços. Por não “demonstrarem” o

“saber” socialmente esperado, tais sujeitos permaneciam como que depositados à espera,

quem sabe, de um passe de mágica.

Tal constatação instiga-nos resgate de Adorno (2006, p. 140), quando em diálogo com

Becker41

afirmou: “É bastante conhecida a anedota infantil da centopeia que, perguntada

quando movimenta cada uma de suas pernas, fica inteiramente paralisada e incapaz de

avançar um passo sequer.”

A colocação de Adorno permite-nos inferir que a escola, fruto de atravessamentos e

legados culturalmente instituídos, não se organizou para a reflexão e consequente superação

de conflitos inerentes a espaço social democrático. Assim, a exemplo da centopeia, quando

questionada em seu fazer, imobiliza-se, uma vez que ao se constituir assentada na

racionalidade técnica de meios e fins, àqueles considerados “diferenciados” vem negando o

acesso ao saber, por não se ajustarem a padrões previamente estabelecidos e socialmente

legitimados.

Ao iniciar-se o ano de 2002 um novo quadro se fez, totalizando-se o número de 100

alunos regularmente atendidos na especificidade das classes especiais, numa clara tentativa de

redefinição de caminhos42

, conforme abaixo demonstrado:

Quadro 4 - Quantitativo de Alunos Matriculados em Classes e Escolas Especiais

ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS

Classes Especiais 16 100

Escolas Especiais 02

1 escola especializada no atendimento a alunos com

deficiência auditiva →53 alunos;

1 escola especializada no atendimento a alunos com

deficiências múltiplas →50 alunos

Total: 203

No tocante às escolas especializadas (deficiências múltiplas e deficiência auditiva),

não houve alterações significativas do quadro inicial.

Vale ressaltar que, durante o ano de 2002, quando da reestruturação do Regimento

Escolar das Escolas da Rede Municipal de Ensino, em vigor a partir do ano de 2003 procurou-

41

. Trata-se de uma discussão desenvolvida, a pedido da rádio estatal de Hessen, entre Adorno e o educador

Hellmut Becker, que à época era diretor do Instituto para a Pesquisa Educacional, Fundação Max Planck, em

Berlim, gravada em julho de 1969, um pouco antes de sua morte, ocorrida em 6 de agosto. 42

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2002.

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se garantir tal entendimento, uma vez o mesmo ter dedicado a Seção VI à educação especial,

conforme artigos abaixo colocados43

:

Art. 55. A Educação Especial constitui modalidade da educação, oferecida aos

educandos portadores de necessidades educativas especiais, desde a Educação

Infantil, preferencialmente, na rede regular de ensino.

Art. 56. A inclusão de alunos portadores de necessidades educativas especiais na

Rede Municipal de Ensino é obrigatória e deverá, por ocasião da matrícula de cada

aluno, ser exigido laudo médico especializado sobre a deficiência apresentada.

Constata-se o reconhecimento de política voltada ao atendimento de alunos com

necessidades educacionais especiais desde a Educação Infantil, estabelecendo-se, assim, o

direito de tais sujeitos a participarem de situações de aprendizagem sistemática desde a tenra

idade. Observemos o Artigo seguinte:

Art. 57. Caberá à escola, com apoio da Secretaria de Educação, oferecer o

atendimento pedagógico especializado para os alunos portadores de necessidades

educativas especiais matriculados em suas classes regulares.

Este Artigo evidencia a necessidade de o espaço escolar preparar-se para o

atendimento às diferentes necessidades de seus alunos, o que remete à importância da

construção e constante revisão do Projeto Pedagógico, o qual deverá se constituir em

documento gerador de ações pedagógicas coerentes e necessárias aos diferentes espaços

educacionais e aos atores dele participantes.

No tocante ao Artigo 58, o mesmo remete ao compromisso a ser compartilhado entre

os diferentes sujeitos que compõem o espaço escolar, em seus fazeres quer de modo explícito,

quer de maneira implícita a fim de que ações inclusivas perpassem todo o ambiente, conforme

abaixo colocado:

Art. 58. A Rede Municipal de Ensino assegurará, ainda, aos educandos com

necessidades especiais:

I - organização, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização

específicos para atender às suas necessidades;

II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido

para a conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficiências, e

aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados

para a inclusão desses educandos nas classes comuns;

43

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2003.

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IV - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares

disponíveis para o respectivo nível do Ensino Regular.

V - garantia de processos de avaliação adequados ao seu desenvolvimento.

No Artigo 59 explicitava-se o cuidado e respeito ao aluno atendido em sistema de

inclusão, bem como a necessidade de que sejam resguardadas as inter-relações entre os

diferentes sujeitos, uma vez ressaltar que:

Art. 59. As classes regulares com atendimento a alunos portadores de necessidades

educativas especiais deverão respeitar o limite de 2 (dois) alunos incluídos.

Ao Artigo 60 coube tratar daqueles alunos cujas especificidades demandavam

acompanhamento em classes especiais ou escolas especializadas:

Art. 60 – Os alunos portadores de necessidades educativas especiais, cuja inclusão

na rede regular de ensino não seja recomendada, serão atendidos em classes

especiais nas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino ou em escola

municipais especializadas.

Finalmente o Artigo 61, no qual se buscava resguardar a corresponsabilidade e

necessária parceria entre unidades escolares e a Secretaria de Educação:

Art. 61 – Os casos em que haja dúvida quanto à inclusão na modalidade de

Educação Especial, deverão ser encaminhados à apreciação do setor responsável

pela Educação Especial, do Departamento de Educação da Secretaria de Educação.

Não podemos negar que o documento apresentado buscou pautar-se no respeito às leis

à época vigentes e, embora não totalmente explícita, percebe-se intenção do direcionamento

de ações indicadoras de condutas menos excludentes no tocante ao acesso de alunos com

necessidades educacionais especiais às escolas públicas municipais.

Em junho de 2002, iniciou-se a implantação de classe para a escolarização de alunos

acometidos de paralisia cerebral, internados no Sanatório Oswaldo Cruz contando,

inicialmente, com 10 alunos, todos institucionalizados, tendo o hospital como moradia e sem

possibilidade de oferta de transporte adaptado para a locomoção dos mesmos à unidade

escolar próxima, organizou-se ação pedagógica ministrada por duas professoras e pela Equipe

de Apoio Pedagógico do Departamento de Educação da Secretaria Municipal.

Encontrando-se diante de situação jamais vivenciada pela educação da rede municipal

de ensino, subsídios legais se fizeram por meio de orientações contidas na Resolução

CNE/CEB nº 2 de 11 de setembro de 2001 (BRASIL), a qual preceitua:

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81

Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde,

devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados

de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação

hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.

§ 1º As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar

continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de

alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e

reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças,

jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu

posterior acesso à escola regular.

§ 2º Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de frequência deve ser

realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o

aluno.

Embora inseridos em ambiente hospitalar, aos estudantes não se apresentava a

possibilidade de retorno a ambiente familiar, uma vez se encontrarem, com pouquíssimas

exceções, tutelados pelo próprio hospital, devido ao abandono sofrido ao longo de seu

processo de internação.

Ao início do ano de 2003, mais precisamente no mês de abril, buscou-se orientação

junto à Secretaria de Educação Especial do Município do Rio de Janeiro, a fim de que ações

pedagógicas se fizessem a contento. Na ocasião, contou-se com a ajuda da professora Eneida

Simões, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – a qual esclareceu no tocante

às adaptações pedagógicas a serem feitas e ao estabelecimento de rotinas necessárias ao

planejamento de atividades e envolvimentos pedagógicos.

O passo seguinte deu-se com leituras e estudos realizado com os professores

envolvidos em tal proposta, pois como apresentado por Simões (2004, p. 25):

O professor da escola hospitalar é, antes de tudo, um mediador das interações da

criança com o ambiente hospitalar. Por isso não lhe deve faltar noções sobre s

técnicas e terapêuticas que fazem parte da rotina da enfermaria, sobre as doenças

que acometem seus alunos e os problemas (até mesmo emocionais) delas

decorrentes para as crianças e também para os familiares e para as perspectivas da

vida fora do hospital.

O papel mediador exercido pelo professor da escola hospitalar contribui para o aspecto

“normalizador” da vida do aluno, diante da oportunidade que lhe é oferecida de ligação com

os padrões de vida cotidiana, com a rotina comum de uma criança ou de um jovem, como o é

a frequência à escola.

Ao final do ano de 2002, o grupo responsável pela Educação Especial se desfez,

permanecendo somente a pedagoga, a qual é substituída em maio do ano de 2003, por

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82

profissional com formação em Inspeção Escolar e especialização em Educação Especial

Inclusiva.

Ainda inserida na Equipe Pedagógica do Departamento de Educação, ações passam a

ser desenvolvidas em conjunto com as equipes de Supervisão Pedagógica, Inspeção Escolar e

de Psicologia Educacional.

Ao longo dos anos de 2003 e 2004 implementaram-se trabalhos em parceria com a

Secretaria Estadual de Saúde – Programa Saúde da Criança – sendo oferecidos aos educadores

cursos de capacitação, enfocando-se aspectos voltados para as dificuldades de aprendizagem,

seu reconhecimento e ações afirmativas no sentido de busca de soluções para as mesmas.

Esta parceria, à época inédita dentro do contexto municipal entre a Saúde e a

Educação, revelou-se positiva para a definição dos diferentes papéis a serem atribuídos aos

profissionais de tais áreas, desmistificando-se o aspecto da “doença” que frequentemente recai

sobre as mais diversas dificuldades de aprendizagem vivenciadas na escola. Observa-se que a

concepção que se vai descortinando, a partir de então, pauta-se na busca por princípios da

inclusão44

.

O ano de 2003 marca o início, embora tímido, da inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais em turmas regulares. Apesar de a Secretaria de Educação e Esportes, à

época, envidar esforços para desenvolver trabalho direcionado à capacitação de profissionais

para atuar dentro de tal contexto, a constatação de que paradigmas não são mudados de uma

hora para outra, tornou-se latente frente às dificuldades vivenciadas quando do início da

inserção de tais escolares em escolas ditas regulares.

A certeza de ser preciso haver mudanças de atitudes para que, posteriormente, ações

sejam revistas tornou-se o grande desafio a ser enfrentado para que se pudesse garantir a todos

o direito à igualdade de oportunidades educacionais, independentemente das condições,

limitações ou dificuldades apresentadas.

Neste sentido, agilizou-se processo de reestruturação organizacional do público-alvo

da educação especial junto às escolas com vistas a atender aos novos paradigmas propostos.

A reflexão sobre a prática pedagógica e as responsabilidades assumidas diante da

mesma tornou-se um dos principais enfoques destes estudos, pois no dizer de Corazza (2001,

p.22):

44

Esse conceito refere-se a um sistema educacional modificado, organizado e estruturado para atender às

necessidades específicas, interesses e habilidades dos diferentes alunos.

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83

Os “olhos” que olham a criança na escola e na sala de aula não são nunca isentos,

sequer desinteressados, muito menos descritivos. Seus “olhares” – sejam curriculares,

didáticos, pedagógicos, psicológicos, sociológicos, filosóficos, antropológicos – estão

historicamente comprometidos com determinadas relações de poder-saber e

implicados na constituição de certas políticas de identidade e de representação

culturais, e não de outras.

Tais momentos ajudaram a subsidiar ações que em muito contribuiriam para a redução

do número de alunos indicados para as classes especiais, ao se buscar como temas de reflexão

a contextualização do processo histórico de exclusão da pessoa com deficiência e a necessária

reorganização do fazer pedagógico como possibilidade de redimensionamento de dimensões

culturais, conforme acima exposto por Corazza.

Desse modo, assim se constituía o perfil da Educação Especial em 2003: 45

:

Quadro 5 – Perfil da Educação Especial – 2003

ESPECIFICIDADE QUANTIDADE NÚMERO DE ALUNOS

Classes Especiais 11 66

Escolas Especiais 02

1 escola especializada no atendimento a alunos

com deficiência auditiva →70 alunos;

1 escola especializada no atendimento a alunos

com deficiências múltiplas →50 alunos

Total: 186

Com relação às escolas especiais, a alteração se dá na Escola Municipal de Educação

Especial Santos Dumont voltada ao atendimento de alunos deficientes auditivos, que

aumentou seu percentual de atendidos por iniciar, no ano de 2003, em parceria com a

Secretaria Estadual de Educação, envolvimento a alunos do Segundo Segmento do Ensino

Fundamental em sistema de módulos. No entanto, tal ação não se revelou satisfatória,

desfazendo-se a parceria ao final do ano em questão.

Outro fator relevante no mesmo ano refere-se à demanda para matrículas de alunos

com diferenciadas deficiências em idade superior a 18 anos. Embora se procedesse à oferta de

inserção dos mesmos em turmas de Educação de Jovens e Adultos – EJA – no período

noturno, a recusa das famílias se fazia imediata, justificada pela pouca autonomia revelada por

tais sujeitos, os quais vivenciavam situação de longa reclusão ao espaço doméstico.

45

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ. Ano base 2003.

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84

A latência da dificuldade de enfrentar o novo, de permitir-se viver experiências ainda

não claramente “permitidas” pela cultura, aí se revela. “A mesmice também regula a relação

com o passado. A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está

na exclusão do novo”, afirmam Adorno e Horkheimer (2009, p. 27).

Na inobservância de possibilidades outras, procedeu-se à abertura de classe especial

no período diurno para tal público, apoiando-se em pressupostos legalmente definidos à época

pelo Governo Federal que, ao apontar ações a serem observadas no Plano Municipal de

Educação46

, ressalta que:

Os municípios brasileiros conquistaram maior autonomia, a partir da opção pela

descentralização do poder estabelecida pela Constituição Brasileira de 1988.

Desde essa data, cada município adquiriu o poder de, tendo como parâmetros as

políticas nacionais e estaduais, analisar sua realidade local e decidir como se

caracterizarão os serviços que serão disponibilizados para sua população. Que tipo e

qualidade de atendimento à saúde necessitam? Que tipo de educação desejam? Que

tipo e qualidade de transporte urbano necessitam?

Questões como estas devem ser feitas para todas as áreas da atenção pública, tendo

como referências as características da realidade local e em suas respostas, os norte

adores para a definição das políticas públicas municipais.

Assim, toda área de atenção pública necessita de um planejamento para garantir que as

necessidades da população sejam atendidas. Nesse contexto, somente por meio de um

planejamento sistemático é que se pode definir objetivos e metas a serem alcançados

ao longo do tempo, bem como priorizar em que e como investir a verba pública de

forma racional e consequente.

Não se pode julgar se a ação prevista para o envolvimento a tais sujeitos foi ou não a

adequada, mas sim refletir-se sobre o porquê de tal público ser excluído das escolas sem

opções outras para o seu desenvolvimento. Que diferenciadas ações se fariam necessárias,

quais seriam as instâncias responsáveis pelas mesmas, são questões que nos instigam, uma

vez que ao nos apoiarmos em Adorno (2006), constatamos que o passado não é para ser

esquecido, mas para servir como possibilidade de reflexão para que caminhos considerados

inadequados não voltem a ser percorridos, ou, nos ensinem sobre o que não mais desejamos.

Ainda sob a perspectiva da necessidade de investimento na formação continuada de

profissionais para que práticas se constituíssem devidamente embasadas em adequadas

concepções teóricas, a então Secretaria de Educação e Esportes promoveu, no mês de

setembro de 2004, em pareceria com a Faculdade de Educação da Universidade Católica de

Petrópolis, o I Fórum de Educação Inclusiva, aberto a cento e vinte profissionais da educação.

Rever ações, repensar caminhos, buscar horizontes para mudanças paradigmáticas é,

46

Fonte: Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. MEC – SEESP, 2004.

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85

efetivamente, um dos mais prementes desafios para a construção de um Sistema que se quer

inclusiva.

Ao final do ano de 2004, assim se configurava a Educação Especial na Rede

Municipal de Ensino47

:

Gráfico 8 – Classes Especiais x Escolas Especiais – 2001 a 2004

Como se pode observar, houve acentuado decréscimo no número de alunos atendidos

em classes especiais, em contrapartida, aumenta o quantitativo daqueles inseridos em escolas

especiais. Tal fato deve-se, inicialmente, à oferta de Segundo Segmento do Ensino

Fundamental para alunos deficientes auditivos, entretanto, outros fatores contribuiriam para o

aumento de tal percentual, conforme se comprovará quando de apresentação de dados

relativos aos próximos anos.

O ano de 2005 apresentou como desafio o envolvimento de orientadores pedagógicos,

coordenadores de creche, centros de educação infantil e professores regentes de classes

especiais em momentos de formação e capacitação com vistas a uma educação inclusiva.

A “equipe” de até então composta por uma só profissional desde o ano de 2003 é

acrescida de mais duas pessoas; a saber, uma pedagoga e uma psicóloga, esta advinda da

Secretaria de Trabalho, Assistência Social e Cidadania – SETRAC.

47

Fonte: Fonte: Secretaria de Educação da Rede de Ensino do Município de Petrópolis, ano base 2004.

175

100

66

76

103

103120

120

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

2001 2002 2003 2004

Classes Especiais x Escolas Especiais2001 a 2004

Alunos em classes especiais Alunos em escolas especiais

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86

Ao longo do ano de 2006, intensificou-se assessoria às unidades escolares, bem como

a captação, triagem e direcionamento de alunos a serem acompanhados em escolas regulares

ou em unidades especializadas. Acentuaram-se direcionamentos para a inserção de alunos

com necessidades educacionais especiais em turmas regulares.

Ainda em 2006, criou-se, através do Decreto Municipal Nº 316 de 14 de julho de

2006, a Escola de Educação Especial Doutor Accácio Branco, com atendimento voltado à

especificidade da deficiência visual. O espaço em questão visava, a exemplo do Instituto

Benjamin Constant48

, tornar-se referência no atendimento e produção de material de suporte a

alunos deficientes visuais.

A instauração de mais uma escola especial nitidamente percebida na contramão de

caminhos até então traçados em uma perspectiva inclusiva, leva-nos a refletir, uma vez mais,

sobre o quão difícil se faz romper com concepções e instituir políticas públicas que não se

encontrem atreladas a concepções filosóficas. Por mais que instâncias superiores indiquem

caminhos a serem trilhados, tal fato não assegura que os mesmos se farão a contento.

Inúmeros são os atalhos possíveis quando não se tem clareza sobre rotas por outros indicadas.

O rompimento com certezas, mesmo que aparentes, gera desconforto e dúvidas.

Permanecer na rota conhecida e lidar com o previsível torna-se muito mais cômodo, o que

instiga reflexão sobre a formação que nos é socialmente imposta que em muito pouco

contribui para a ousadia da vivência do novo. “Mas a democracia não se estabeleceu a ponto

de constar da experiência das pessoas como se fosse um assunto próprio delas, de modo que

elas compreendessem a si mesmas como sendo sujeitos dos processos políticos”, constata

Adorno (2006, p. 35).

Em uma sociedade pouco autônoma e administrada por forças externas não se propicia

a criação de consciências capazes de subverter a ordem instituída, como demonstrado por

Freire (2006, p.114) ao afirmar:

O que teríamos de fazer, uma sociedade em transição como a nossa, inserida no

processo de democratização fundamental, com o povo em grande parte emergindo,

era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ele na indispensável

organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe pusesse à disposição

meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua

realidade, por uma dominantemente crítica.

48

Centro precursor para escolarização de alunos cegos e deficientes visuais, criado em 1854, na cidade do Rio de

Janeiro como Imperial Instituto dos Meninos Cegos.

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87

Conforme apresentado por Adorno e Freire, a captação crítica da realidade permite-

nos a apropriação de elementos necessários a seu reconhecimento e transformação.

Ao final do ano de 2006, o desenho apresentado pela educação especial na rede

pública municipal de ensino de Petrópolis era o seguinte:49

:

Gráfico 9 – Quantitativo de Alunos Público-alvo da Educação Especial – 2006

O grande aumento no quantitativo de alunos incluídos em turmas regulares justifica-se

por à época ter-se procedido à parceria com a rede de saúde através de aproximação ao

Ambulatório de Saúde Mental, ao Centro de Atendimento Psicossocial Infantil (CAPSI) e ao

Centro Municipal de Saúde o que possibilitou atendimentos a alunos que há muito se

encontravam em filas de espera. Sem parecer e cuidados clínicos específicos esses alunos

eram classificados ora como sujeitos desinteressados e pouco envolvidos com as tarefas

propostas, ora como detentores de gravíssimas dificuldades na aprendizagem, permanecendo

por anos retidos nas séries iniciais do ensino fundamental.

A esse respeito, estudos de Damasceno (2006) constatam que a lógica dominante na

escola que temos não dá conta de atender a diversidade humana, pois educa para a

homogeneização desconsidera diferenças, hierarquiza os indivíduos e reproduz as classes

existentes na organização social: só os mais fortes resistem.

Outro fator relevante para a justificativa de alargamento do percentual acima

refere-se ao fato de aí também se encontrarem educandos inseridos nos chamados

“transtornos funcionais específicos”, aqueles relativos a déficits de atenção e hiperatividade,

49

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2006.

415217

112Alunos incluídos em turmas regulares

Alunos em escolas especiais

Alunos em classes especiais

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88

dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, entre outros, ao que nos parece, devido à pouca

clareza sobre o público-alvo da educação especial.

3.2.4 Caminhos que se definem: 2007 e 2008

Ao início do ano de 2007, publicou-se a Resolução Municipal Nº 01 de 02 de janeiro,

com a aprovação da revisão efetuada, ao longo do ano de 2006, no Regimento Escolar das

escolas da rede municipal de ensino. Contemplada na Seção V, as normatizações relativas à

Educação Especial permaneceram inalteradas em relação ao Regimento de 2003, previamente

citado, constatando-se, apenas, o acréscimo do Artigo 62, relativo à avaliação, inexistente no

documento anterior e a seguir apresentado:50

Art. 62. A avaliação dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais

será realizada mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, na

forma de relatórios bimestrais, levando-se em consideração as adaptações

curriculares estabelecidas, podendo também ser utilizado o critério determinado no

Artigo 68 deste Regimento51

.

Embora à primeira vista singelo, o artigo acima proposto é de suma importância na

medida em que ao se redirecionar a ação avaliativa do aluno com necessidades educacionais

especiais para a forma descritiva, por meio de relatórios do desenvolvimento do mesmo e

considerando-se as adaptações curriculares propostas, propicia-se ao professor a reflexão

sobre o envolvimento pedagógico direcionado ao aluno bem como os resultados advindos do

mesmo.

Ainda durante o mesmo ano, embora sem recursos advindos do Governo Federal,

iniciou-se a implantação de salas de recursos em duas escolas da rede municipal; a saber:

Escola São Judas Tadeu e Escola Germano Valente, cujas diretoras assumiram o

compromisso de disponibilização de espaço físico e aquisição de materiais, cabendo à

Secretaria de Educação subsídios e orientações no tocante à formação de professores e à

dinâmica organizacional e pedagógica do espaço.

Mesmo com pouca clareza sobre os objetivos a serem traçados e trabalhados, colocou-

se como intenção inicial não só o atendimento aos alunos incluídos nas turmas regulares,

como também àqueles inseridos em classes especiais.

50

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2007. 51

O Artigo 68 versa sobre o processo de avaliação, o registro numérico a ser atribuído e os pesos diferenciados

nos quatro bimestres.

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89

Visando amparar ações, duas grandes frentes de formação foram abertas: o Programa

Educar na Diversidade, com assessoria do MEC, com 40 horas de duração e a capacitação em

Sala de Recursos Multifuncionais, também com um total de 40 horas, organizado e ministrado

pela equipe técnica da Secretaria de Educação.

Ambas as formações foram abertas a toda a rede municipal de ensino, através do

processo de livre adesão e ministradas por duas profissionais da Equipe de Educação Especial

com eventuais parcerias advindas de profissionais da Saúde.

O esforço rendeu bons frutos, pois cerca de 150 profissionais aderiram aos cursos ao

longo dos anos de 2007 e 2008.

Também em 2007, a então Equipe de Educação Especial procedeu à construção do

documento “O Fazer Educacional Frente aos Desafios da Inclusão”, com vistas a subsidiar

ações inclusivas nas escolas. Com tiragem de duzentos exemplares, oportunizou-se que todas

as escolas fossem contempladas com a obra.

Sancionada a 17 de abril de 2007, a Lei Municipal Nº 6.435 dispôs sobre a prioridade

de matrícula para “paraplégico e filhos de paraplégicos”, em escola municipal mais próxima

de sua residência, conforme consta: Art. 1º Fica assegurada, pela presente Lei, a prioridade a

paraplégico e filhos de paraplégico, de se matricularem em escola municipal mais próxima de

sua residência.

Vale ressaltar que a Lei promulgada torna-se importante quanto à organização e

adaptação arquitetônica das escolas da rede pública municipal, uma vez propor que sendo o

aluno ou o/a responsável pelo mesmo deficiente físico, cabe-lhes o direito à escolha pela

escola mais próxima de seu domicílio, concluindo-se pela responsabilização da instância

pública sobre a oferta.

Em 2008, iniciou-se a inclusão de alunos deficientes auditivos no Segundo Segmento

do Ensino Fundamental na Escola Municipal Salvador Kling. Para tal, a escola organizou-se

com a presença de dois profissionais intérpretes de linguagem de sinais – LIBRAS – e um

professor surdo voltado para a capacitação do corpo docente da unidade escolar. Constata-se,

pois, o afinamento com as orientações propostas pelas políticas governamentais voltadas a

esse alunado, conforme constante no Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005:

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem

proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras -

Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como

equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e

à educação.

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90

§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre

a especificidade linguística do aluno surdo.

§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal,

estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas

referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência

auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação. 52

No mesmo ano, procedeu-se à implantação de nova classe em hospital (Hospital

UNIMED), estando a mesma ligada à Escola Municipal General Heitor Borges, configurando-

se dois hospitais com tal atendimento no município.

Frente à demanda que se acentuava, a equipe foi acrescida de mais uma pedagoga

contabilizando-se quatro profissionais envolvidos em ações voltadas à educação especial,

quando do término de mais uma gestão municipal.

Ao final do ano de em tela, enquanto se acolhiam as novas diretrizes ditadas pela

Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP,

2008), o município de Petrópolis buscava caminhos para sustentação e permanência de

práticas inclusivas.

Tal afirmativa se comprova, quando de observação de aspectos cadastrais do

quantitativo de alunos inseridos na modalidade da Educação Especial em 2008, na rede

municipal de ensino, conforme gráfico 10 que segue:

Gráfico 10 – Perfil da Educação Especial – 2008

52

Grifos meus.

975

245

119

20

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1000

Alunos incluídos em turmas regulares

Alunos em escolas especiais

Alunos em classes especiais

Alunos em Centros de Educação Infantil

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91

Os números apresentados revelaram grande avanço no quantitativo de alunos incluídos

em turmas tidas como regulares. Análise mais criteriosa de dados demonstra alguns pontos

essenciais à reflexão, uma vez constatar-se como parte desse quadro numérico alunos com

transtornos funcionais (o que se encontrará ilustrado mais à frente).

A constatação acima, ao que nos parece, foi reflexo de situação confusional que se fez

ao início da implementação da Política anteriormente citada, na qual não se fazia claro o lugar

ocupado por alunos que apresentassem transtornos funcionais, uma vez constarem ao lado

daqueles definidos como público da educação especial. Vejamos:

Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta

pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades

educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de

desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que

implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de

forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às

necessidades educacionais especiais desses alunos53

.

O fato em análise pode ser mais bem compreendido ao nos debruçarmos sobre

documentos cadastrais da Equipe de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação,

em que assim se apresentava o perfil da educação especial por especificidades:

Gráfico 11 – Perfil da Educação Especial por Especificidades – 200854

53

Grifos do autor. 54

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2008

230224

126

8372

65

42

26 25 23 19 16 12 12

0

50

100

150

200

250

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92

Chama a atenção o alto índice de educandos categorizados como com dificuldades na

aprendizagem assim como aqueles incluídos nos chamados transtornos funcionais: dislexia,

disortografia, dislalia, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dentre outros, o que

nos instiga refletir sobre o lugar a ser ocupado por alunos “tidos como problemas”, os que

não se inserem “no ritmo da turma”, “que não respondem a contento o esperado”, enfim, os

fadados ao fracasso “por não revelarem a prontidão necessária para avançar” e prontamente

inseridos em alguma especificidade clínica que contribua para justificar as pretensas

impossibilidades.

Constata-se que a solução possível se faz por meio da apresentação de tais sujeitos

como “público-alvo” da educação especial, ou seja, como se tal se configurasse objetivo de

uma educação “paralela”, minimizando ou até mesmo descomprometendo a escola de suas

responsabilidades em relação a esses alunos, depositando-se nos mesmos e em seus

responsáveis a culpabilidade pelo fracasso na aprendizagem.

Pode-se concluir pela reafirmação do discurso liberal das “desigualdades naturais”,

que reiteram a ação e a responsabilidade individuais sobre o sucesso ou fracasso do sujeito.

3.2.5 De 2009 a 2011: consolidação de ações

Ao longo do ano de 2009, o município foi contemplado pelo MEC com 13 Salas de

Recursos Multifuncionais que só se fizeram totalmente implantadas em 2010.

Ainda em 2009, Petrópolis é instituído como Polo do Programa Educação Inclusiva:

direito à diversidade, tendo como atribuição a formação de gestores e educadores de treze

municípios componentes do Polo, por meio de disseminação de referenciais políticos,

pedagógicos e legais da educação inclusiva, a fim de garantir a inclusão escolar de alunos

público alvo da educação especial. Em dezembro de 2010 realiza-se o “I Seminário de

Educação Inclusiva: Direito à Diversidade”.

Ressalta-se que embora tenha havido modificações políticas na área administrativa

através de mudanças na gestão municipal, manteve-se a equipe técnica responsável pelo

acompanhamento à educação especial.

Fato relevante se dá com a publicação da Lei Municipal Nº 6.709, de 15 de dezembro

de 2009, instituindo o Plano Municipal de Educação, em que se encontra inserido capítulo

referente a diagnóstico, objetivos e metas da Educação Especial em âmbito municipal.

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93

O documento em foco, afirma que a rede municipal de ensino apoia-se nas Diretrizes

da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

(MEC/SEESP, 2008), ressalta que a inclusão escolar tem início na Educação Infantil e deve

acompanhar o aluno durante todo o seu processo de escolarização, afirma o Atendimento

Educacional Especializado – AEE, como complementar e/ou suplementar à escolarização,

com vistas à independência e autonomia do aluno dentro e fora da escola, ressaltando tal ação

como não substitutiva à escolarização e estabelece sete metas e sete objetivos a serem

atingidos em um prazo de dez anos, a contar da publicação do Plano, conforme segue:

4. Objetivos e Metas

4.1 Objetivos

1. Favorecer e apoiar a inclusão dos educandos com necessidades especiais em

classes regulares, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam;

2. Garantir parceria entre educação, saúde e assistência social para encaminhamento

e acompanhamento a educandos com necessidades especiais;

3. Assegurar no Projeto Político Pedagógico das escolas referências específicas de

ações que possibilitem a inclusão de alunos com necessidades educativas

especiais;

4. Garantir oferta de curso de formação continuada e curso de especialização na

especificidade que se fizer necessária para professores e outros profissionais da

educação;

5. Firmar parcerias com instituições devidamente habilitadas para o desenvolvimento

de curso de capacitação para o trabalho com surdos, deficientes visuais,

deficiências múltiplas, deficiência mental e física, transtornos globais e funcionais,

altas habilidades e superdotação para professores e demais profissionais da

educação;

6. Garantir a existência nos sistemas de ensino um setor responsável pela Educação

Especial com profissionais com formação específica, em número suficiente ao

atendimento da demanda, para atuarem na Educação Inclusiva;

7. Assegurar proposta curricular construída na perspectiva de viabilizar a articulação

dos espaços de ensino especial com os e do ensino regular, que promova o

desenvolvimento das competências, habilidades, a ampliação dos conhecimentos,

experiências de vida e valorização dos percursos da aprendizagem e inserção no

mercado de trabalho.

No tocante aos objetivos propostos, observa-se maior ênfase na oferta do ensino

regular para alunos com necessidades educacionais especiais, o que se faz presente através da

proposição de ações inclusivas no Projeto Pedagógico das escolas e de proposta curricular que

viabilize articulação entre o ensino regular e o especial. ressaltando-se a indicação de busca de

parcerias com instituições habilitadas para a formação continuada e/ou especializada de

professores e demais profissionais da educação.

Ao afirmar parecerias da Educação com áreas da Saúde e Assistência Social e a

existência, nos sistemas de ensino, de setor responsável pela Educação Especial, com vistas à

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94

qualidade no envolvimento do alunado em foco, a propositura contida no texto demonstra-se

afinada com direcionamentos à época propostos pelo MEC.

Sob tal aspecto, passemos à observação das metas apresentadas no documento:

4.2 Metas

1. Estabelecer programas para equipar em um prazo de 04 (quatro) anos 20% e em

08 (oito) anos 50% das escolas das respectivas redes com Salas de Recursos

Multifuncionais, devidamente aparelhadas para atenderem às diferentes

necessidades de aprendizagem dos alunos;

2. Construir prédios escolares em conformidade aos requisitos de infraestrutura para

atendimento aos alunos especiais (rampas, alargamento de portas e banheiros,

etc.);

3. Adaptar 20% em 04 anos e 50% em 08 (oito) anos dos prédios escolares já

existentes, de forma a atender aos requisitos de infraestrutura para atendimento

aos alunos especiais;

4. Assegurar em um prazo de 03 (três) anos a criação de Centros de Referência em

Educação Especial Inclusiva para atendimento e acompanhamento a alunos com

necessidades especiais, nos respectivos distritos, integrando setores da saúde e

assistência social;

5. Estabelecer em até 02 (dois) anos a contar da publicação deste documento

mecanismos de cooperação entre órgãos governamentais e não governamentais

para o desenvolvimento de programas de qualificação profissional para alunos

com necessidades especiais, provendo sua inserção no mercado de trabalho;

6. Promover e assegurar em 02 (dois) anos a oferta de transporte gratuito escolar

com adaptações necessárias aos alunos que apresentem necessidades de

locomoção de forma a garantir a sua escolarização;

7. Oferecer, a partir da vigência do plano, através de mecanismos de cooperação

entre órgãos governamentais e não governamentais, cursos de formação

continuada e cursos de especialização na especificidade que se fizer necessária

para professores e outros profissionais da educação, de modo a atingir 100% dos

profissionais com atuação na Educação Especial e a cada ano 10% dos

profissionais da educação que não atuem diretamente com a Educação Especial.

Não nos podemos furtar observações sobre o arrojo das metas propostas. Em se

considerando o Sistema Público Municipal de Educação, valem algumas considerações.

Em relação às metas 1, 2, 3 e 7 não nos foi possível criteriosa observação, uma vez a

pesquisa aqui apresentada ter como base o ano de 2011 o que impossibilitou a análise das

metas acima, devido ao não cumprimento do prazo legalmente definido para a concretização

das mesmas. Porém, no que tange às metas 4, 5 e 6, foram-nos possíveis algumas

considerações.

No tocante à meta 4, que previa a criação de Centros de Referência de Educação

Especial Inclusiva integrados a setores da saúde e assistência social nos distritos, constatou-se

que o mesmo não se efetivou, permanecendo a equipe técnica da Secretaria de Educação,

sediada no 1º distrito como referência única de atendimento e acompanhamento a alunos com

necessidades educacionais especiais matriculados na rede.

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95

Não foram encontrados registros, desde a publicação do Plano em análise até o ano de

2011, de parcerias entre as instâncias governamentais e não governamentais com vistas a

programas de qualificação profissional para inserção no mercado de trabalho de alunos com

necessidades educacionais especiais, conforme estabelecido na meta 5.

No que tange à meta 6, constatou-se respeito à oferta do transporte a alunos com

dificuldades na locomoção, o que passou a ser feito a partir de cadastro encaminhado ao Setor

de Transportes da Secretaria Municipal de Educação, porém os veículos ofertados, em sua

maioria, não se encontravam adaptados.

Diante exposto, cabem considerações sobre a lacuna observada entre as propostas

contidas nos documentos legais e normativos e a concretização das mesmas. As proposições

não se concretizam na inobservância da ação, o que demanda postura administrativa e

supervisora das diferentes instâncias públicas responsáveis pela efetivação das ações

propostas.

Retomando o ano de 2009, vale ressaltar que, realinhando estratégias, a partir do ano

citado, a equipe técnica da Secretaria de Educação responsável pela educação especial buscou

maior proximidade com as escolas, com o objetivo de valorizar momentos de trocas com

orientadores pedagógicos e esclarecer sobre protocolo55

de encaminhamento de alunos para

avaliações junto à mesma, os quais passaram a se apresentar mediante prévio envio de

relatórios descritivos elaborados pela professora em parceria com a orientação pedagógica da

unidade escolar.

Desse modo, após atendimento ao aluno e seu responsável, devolutivas de

observações, encaminhamentos e possíveis orientações são feitas ao corpo pedagógico da

escola pela Equipe de Educação Especial.

O direcionamento a partir de então constituído, conduz-nos à constatação de que a

oportunização de reflexões conjuntas contribui para a percepção do outro em suas dúvidas e

possibilidades, bem como propicia autorreflexão essencial a novas buscas e o rompimento

com a “ingenuidade do saber”. Nesse sentido, Freire (2006, p.38) nos apresenta:

O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir dele como um ‘dado

dado’, que se conforma a prática docente crítica, implicante do pensar certo,

envolve movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o

fazer. O saber que a prática docente espontânea, “desarmada”,

indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito,

55

A partir de então, os alunos são encaminhados para atendimentos/avaliações junto à equipe técnica da

Secretaria de Educação, acompanhados de relatórios descritivos com apreciações da professora em parceria com

a orientação pedagógica.

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96

a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade

epistemológica do sujeito.

Reiterando a colocação do autor acima, em uma prática que se quer reflexiva,

autêntica e necessária, não nos podemos conformar com a ingenuidade do “dado dado” como

justificativa para o limite do fazer. A prática docente desprovida da “curiosidade

epistemológica” reduz-se ao fazer pelo fazer, obstando-se o pensar sobre o fazer.

Nesse sentido, avaliamos que as medidas acima descritas e o movimento de

aproximação à escola através de abertura de diálogo, oportunizou o alargamento do

quantitativo de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas, ao compararmos

a oscilação numérica ocorrida entre os anos de 2009 e 201056

, conforme gráfico a seguir:

Constata-se aumento no percentual de alunos incluídos e decréscimo daqueles

atendidos em escolas especiais. Importante observação se faz quanto ao público considerado

como especificidade da educação especial, uma vez ter-se optado por atendimento baseado

em duas vertentes: alunos indicados, a partir do ano de 2009, por meio de documentos

oficiais, classificados como público-alvo MEC, ou seja:

56

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2010.

967

197138

31

1184

172138

37

0

200

400

600

800

1000

1200

Escola regular Escola especial Classe especial Centro Ed. Inf.

2009 2010

Gráfico 12 – Alunos Público-Alvo da Educação Especial – 2009/2010

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97

Art. 4º Para fins destas Diretrizes, considera-se público-alvo do AEE:

I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de

natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um

quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas

relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição

alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno

desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.

III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um

potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,

isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.

(Resolução CNE/CEB 4/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro de

2009, Seção 1, p. 17).

Diferenciando-se daqueles incluídos nos ditos “transtornos funcionais”, os quais

passam a ser inseridos na nomenclatura “município”. Tal opção se fez diante da necessidade

da constituição de entendimentos e delimitação de fronteiras quanto às especificidades dos

alunos e às responsabilidades das diferentes instâncias com os mesmos envolvidas.

O gráfico abaixo ilustra a dinâmica em questão:57

57

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.

Gráfico 13 – Alunos incluídos 2009 - 2010

543613

790

888

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1000

2009 2010

Alunos incluídos 2009-2010

Público-alvo MEC Público-alvo Município

Público-alvo MEC:

Alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento

e altas habilidades/superdotação.

Público-alvo Município

Alunos com distúrbios funcionais.

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98

Importante salientar que ao se adotar tal referencial, possibilitou-se perspectiva de

reflexão a respeito do papel da educação especial e da perspectiva inclusiva da Educação

como um todo.

Aprofundando-se a questão, podemos observar que ao se optar por tal entendimento,

instigou-se reflexão sobre fato de o aluno não ser elegível pelo MEC não implicar dizer que o

mesmo não necessite de atenção e cuidados, mas sim que a escola venha a perceber-se como

instância comprometida com os diferentes sujeitos, o que se coloca para além do

reducionismo contido nos laudos clínicos, os quais, em sua maioria são percebidos como

negação à humana possibilidade de aprendizagem, o que nos vem sendo apresentado nos

estudos de Costa (2009, p. 78) sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais na escola pública:

As narrativas das professoras revelam a necessidade da reflexão sobre suas

concepções de educação e prática pedagógica para a autonomia no exercício da

docência, possibilitando uma formação para além da adaptação, não necessitando do

diagnóstico das deficiências dos alunos, esse historicamente utilizado como

instrumento para legitimar a exclusão e segregação, impostas aos alunos por grupos

sociais hegemônicos.

Ao afirmar a formação docente para além da adaptação ao instituído, a autora reitera a

premência de quebra de concepções latentes em se tratando da espaço escolar inclusivo.

Fato é que à reboque das ações envidadas, em 2010 inicia-se o processo de inclusão de

alunos cegos e com baixa visão em escolas regulares, os quais passam a ser acompanhados

por professora itinerante, e inseridos em Atendimento educacional Especializado – AEE,

conforme orientações contidas no item VI da Política Nacional da Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, que ao tratar das Diretrizes afirma (MEC/SEESP, 2007):

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e

organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a

plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As

atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se

daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização.

Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à

autonomia e independência na escola e fora dela.

O ano também se fez profícuo em ofertas de cursos, oficinas e grupos de estudo

voltados a subsidiar ações inclusivas nas escolas; a saber, formações em Soroban, Braille,

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99

Sala de Recursos, Dificuldades de Aprendizagem e estudos voltados a autismo e psicoses,

conforme gráfico comparativo58

a seguir:

Se em 2009, foi de 375 o quantitativo de professores a frequentar momentos de

formação na perspectiva da educação inclusiva, no ano de 2010, observou-se acréscimo de

cerca de 30% no quadro em tela, ou seja, 487 profissionais aderiram a capacitações

oferecidas.

Em agosto de 2010 somavam-se 35 escolas contempladas com Salas de Recursos

Multifuncionais, algumas já implantadas e outras em fase de implantação. Respeitou-se o

direcionamento somente de alunos que se encaixassem nas especificidades indicadas pelo

MEC como elegíveis para tal ação.

No mês de dezembro do mesmo ano ocorreu, por solicitação do Tribunal de Contas do

Estado, o descredenciamento de convênio entre a Secretaria Municipal de Educação e unidade

58

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.

Gráfico 14 – Formação Continuada – 2009 - 2010

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escolar de caráter privado especializada no atendimento a deficiências múltiplas, à época com

cerca de 130 alunos matriculados. No mesmo período a rede estadual de ensino procedeu a

fechamento de 5 classes especiais, redirecionando os alunos para a rede municipal.

Frente ao inusitado da situação e o curto período de tempo para realocação dos cerca

de 180 alunos, em sua maioria acima dos 18 anos de idade, optou-se por abertura de nova

escola em região central do município, absorvendo-se parte do alunado em tal espaço e parte

sendo redistribuída nas demais escolas municipais.

Criada através do Decreto Nº 468 de 22 de março de 2011, a Escola Municipal Paulo

Freire absorveu cerca de 150 alunos com necessidades educacionais especiais e, embora se

buscasse atribuir à mesma o caráter de escola regular, o elevado número de alunos com

deficiência ali matriculados vem se apresentando como justificativa de responsáveis por

alunos ditos regulares por não quererem a inserção de seus filhos na unidade escolar. Assim

em universo de 176 estudantes, apenas 15 não se encontram inseridos na modalidade da

educação especial.

Cabe-nos, pois, considerar que, apesar de documentos oficiais legislarem em prol da

educação inclusiva, a tensão advinda da construção cultural é fator que constantemente

emerge e se revela através de valores e atitudes que denunciam o preconceito.

No texto Educação após Auschiwtz, Adorno (2006, p. 121), ressalta a importância do

contexto educativo para o fortalecimento de indivíduos autônomos, por considerar que as

condições objetivas que geram a violência não são facilmente alteradas, uma vez que como

constructos sociais apresentam-se de fora para dentro, afirmando que:

É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais

atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se

tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma

consciência geral acerca desses mecanismos.

Fundamentando-nos na afirmativa acima, embora fruto de construção cultural

socialmente disseminada de geração a geração, o homem carrega em si uma instância psíquica

que lhe permite, de maneira individual e subjetiva, refletir e resistir a mecanismos

externamente colocados.

Retomando-se o ano de 2010, constatou-se que como continuidade do processo de

política educacional inclusiva, a Secretaria de Educação procedeu a redimensionamento da

Escola Municipal de Educação Especial Doutor. Accácio Branco, voltada a atendimento a

alunos cegos e deficientes visuais, transformando-se o espaço em Núcleo de Atendimento

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101

Educacional Especializado, conforme o Decreto Municipal Nº 341 de 13 de outubro de 2010,

em vigor ao início do ano seguinte. Ressalta-se que o movimento de inclusão de alunos da

unidade em escolas comuns já se vinha configurando ao longo do ano referendado.

O ano de 2011 foi significativo para a consolidação das Salas de Recursos

Multifuncionais, como espaço de suporte à inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais nas escolas comuns da rede pública municipal. Tal constatação levou-nos a

aprofundar reflexões sobre os impactos do Atendimento Educacional Especializado –AEE –,

o que se fará no capítulo que segue, em atendimento a um dos objetivos deste estudo.

Problematizarmos a nós mesmos não é tarefa fácil. Quando revisitamos nosso lugar,

nossa história, permitimo-nos constatações e surpresas, ora agradáveis, ora desconcertantes.

No entanto, para além de conclusões possíveis, a importância está em permitir-se o ato de

refletir criticamente sobre a realidade em que nos encontramos e foi a isso que me propus e,

espero ter conseguido, ao buscar o resgate dos aspectos históricos e legais que serviram (e

vêm servindo) como sustentação da educação especial na rede pública municipal de ensino de

Petrópolis, RJ e a percepção de como se inserem os desafios para a inclusão escolar na

perspectiva inclusiva.

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CAPÍTULO 4

Nem nós somos meros espectadores da história do mundo transitando mais ou menos imunes em seu âmbito, e

nem a própria história do mundo, cujo ritmo frequentemente assemelha-se ao catastrófico, parece possibilitar

aos seus sujeitos o tempo necessário para que tudo melhore por si mesmo.

(Adorno, 2006)

Organização da escola pública na perspectiva democrática:

desafios e demandas da educação inclusiva

Este capítulo refere-se à apresentação e análise dos dados. Apoiando-nos no

pensamento contido na epígrafe acima, buscamos tensionar o espaço-tempo da escola e seu

ser-estar no mundo, não apenas como espectadora e mera observadora da realidade social

circundante, mas como instância crítica e comprometida com ações transformadoras.

No que se refere ao material e aos procedimentos de coleta de dados, foram realizadas

observações no cotidiano escolar, análise documental, aplicação de questionário e entrevistas

semiestruturadas com os participantes deste estudo, professores da Escola São Judas de

ensino fundamental de Petrópolis, RJ, focando questões ligadas às práticas docentes, à

organização e estruturação da escola em relação à educação inclusiva e ao atendimento

educacional especializado/ AEE – realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,

como apoio à escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais na escola

pública.

Para tal, utilizou-se como suporte teórico-metodológico a Teoria Crítica da Sociedade,

especialmente representada pelo pensamento de Theodor W. Adorno (1903-1969), a qual

subsidiou a crítica reflexiva sobre as questões deste estudo, como também a análise dos

dados. Também, estabeleceu-se diálogo com Crochík, Costa, Arroyo e Gadotti, em apoio à

discussão das categorias de análise.

Assim, os objetivos deste estudo são:

1. Caracterizar as políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva para

alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública municipal de ensino de

Petrópolis, RJ.

Em relação a esse objetivo, os resultados obtidos encontram-se apresentados no

Capítulo 3 que trata da Organização de Escolas inclusivas no Município de Petrópolis.

2. Avaliar a atuação de uma escola municipal de Petrópolis, RJ quanto à implementação da

educação inclusiva, considerando a articulação entre as práticas docentes dos professores das

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103

classes regulares e dos professores que ministram o Atendimento Educacional

Especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs.

Uma vez os objetivos estabelecidos, elenquei as seguintes questões como orientadoras

de minhas reflexões/problematizações:

Quais as demandas das atuais políticas públicas de educação especial na perspectiva

inclusiva no que se refere à formação de professores, implementadas no âmbito do

município de Petrópolis, RJ?

Quais as contribuições das políticas públicas de educação especial na perspectiva

inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da acessibilidade

arquitetônica na escola pública, com ênfase no âmbito do município de Petrópolis, RJ?

Como se articulam as práticas docentes e o atendimento pedagógico às necessidades

educacionais especiais no cotidiano da escola estudada?

Quais os impactos do atendimento educacional especializado/AEE na Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais na Escola São Judas Tadeu?

A dinâmica em campo constituiu-se de visitas semanais à Escola São Judas Tadeu ao

longo dos meses de setembro, outubro e novembro do ano de 2012, sendo que, no mês de

dezembro, compareci por duas vezes à unidade escolar para participação em reuniões de

Conselhos de Classe.

O contato inicial com o espaço propiciou-me, por cerca de duas semanas, a

aproximação ao locus de estudo, com observações sobre a dinâmica organizacional do

mesmo, tais como: a dinâmica de professores, o movimento de alunos e seus responsáveis, as

atribuições dos profissionais de apoio e a atuação da equipe gestora.

Após contato inicial, elaborei questionários (em anexo), os quais orientaram minhas

entrevistas com as professoras, orientadora pedagógica e gestora. Tem-se a destacar que as

professoras (são todas do sexo feminino) constantes dessa pesquisa, foram escolhidos pela

direção da escola (turmas do 1º ao 5º ano), a partir de minha solicitação de serem 2 (duas)

professoras, atuantes em classes com alunos com necessidades educacionais especiais/NEEs

incluídos e recebendo apoio do AEE em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs e 2 (duas)

professoras de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs, com atuação de cada em diferentes

turnos na unidade escolar; a saber 1º e 2º turnos.

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104

Ao elaborar o questionário (roteiro) de entrevista com os professores participantes

dessa pesquisa busquei o estabelecimento de diálogo a partir de investigação do aspecto

acadêmico e resgate do contexto de formação.

Estabelecido o contato, procedi a questionamentos com vistas à caracterização do atual

processo inclusivo e seus desafios, em especial as barreiras atitudinais, físicas, o preconceito,

estereótipos, a organização do espaço pedagógico e as possibilidades representadas pelo

atendimento educacional especializado – AEE – em Sala de Recursos Multifuncionais.

Além do contato com as professoras, ao longo dos três meses em que compareci à

escola, tive acesso à orientadora pedagógica, com quem me encontrei por três vezes, na sala

de coordenação, durante intervalos de seus atendimentos ao espaço. Com a mesma, estabeleci

diálogo sobre a organização pedagógica da escola, as orientações relativas à escolarização de

alunos com necessidades educacionais especiais e à dinâmica de organização e funcionamento

da Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs.

Também me foi oportunizada entrevista com a diretora da escola, o que ocorreu em

dois momentos de acesso à sua sala, ocasião em que busquei investigar aspectos referentes à

organização da escola, percepção do trabalho dos professores, relacionamento interpessoal

entre professores, profissionais de apoio da escola, estudantes com necessidades educacionais

especiais e demais alunos, dentre outros.

Constatei que, ao longo das entrevistas, enquanto questões eram propostas,

inicialmente em formato de questionamento, outras tantas se faziam naturalmente

incorporadas ao contexto, em processo ora reflexivo, ora de desabafo, observando-se a

dialogicidade com a metodologia semiestruturada no desenrolar da ação.

Ao contemplar os objetivos e questões propostos, essa pesquisa, de maneira crítico-

reflexiva, abordou questões referentes à formação de professores em uma perspectiva

emancipatória e à organização de escolas democráticas para a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais, o que se buscou por meio de problematizações voltadas

à educação inclusiva no município de Petrópolis, RJ, sua trajetória, limites e possibilidades.

4.1 Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs: impactos do Atendimento Educacional

Especializado/AEE sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais na Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis

Este capítulo versa sobre a implantação das Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs

e o seu impacto sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em

turmas de escolas regulares da rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ.

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105

Como a pesquisa apresentada transcorreu ao longo do ano de 2012, optou-se por coleta

de dados até o ano de 2011, sob pena de se incorrer em imprecisão numérica pela variação

inerente ao processo em movimento.

Ressalte-se que vivenciei a narrativa que se apresenta, como partícipe da Equipe de

Educação Especial da rede municipal de ensino, o que me facilitou o acesso a dados

quantitativos e à construção da trajetória histórica da implantação das Salas de Recursos

Multifuncionais/SRMs nas escolas municipais.

Quanto à fundamentação teórica, optou-se por diálogo com Costa (2011b, 2009) e

Crochík (1997, 2011) tendo-se em Adorno (2006) o eixo norteador das necessárias reflexões.

Nesse sentido, o papel que a educação especial assume constitui-se, cada vez mais, de

fundamental importância na perspectiva de atender de forma digna, democrática, ética e

cidadã a uma parcela da população que deve ser orientada para vivência em uma sociedade

em constantes transformações e renovadas exigências.

No entanto, em se tratando de contemporaneidade, não podemos ingenuamente discutir a

“inclusão”, sem problematizá-la à luz da sociedade de classes, que a tudo dá um ar de

semelhança, com o objetivo de dominar e submeter à lógica produtivista.59

Nesse contexto, emergem as questões: até que ponto a proposta do Atendimento

Educacional Especializado – AEE – não estaria contribuindo à manutenção da negação do

indivíduo, a partir da exigência de sua adaptação a padrões, em caráter dicotômico à

exclusão? Aprofundando-nos um pouco mais: estaria essa forma de inclusão propondo

efetivas formas de igualdade de oportunidades e condições para a superação de obstáculos

existentes?

Ressalte-se que a crítica a que nos propomos não significa a negação da proposta do

AEE, mas sim a reflexão sobre o trabalho pedagógico oferecido. Pois, conforme salientado

por Crochík (1997, p. 17):

Embora possamos pensar que as diferenciações estabelecidas entre os alunos na

escola decorram dos critérios objetivos ligados ao propósito de melhorar o

desempenho do aluno, são esses critérios e esse desempenho que devem ser

refletidos, antes que se diga que um dos problemas da escola seja o de mau emprego

dos métodos que sustentam a discriminação.

A proposta do Atendimento Educacional Especializado – AEE – em contraturno à

escolarização regular, e com o objetivo de complementar ou suplementar a formação de

59

Como indicação de leitura: ADORNO T. W. & HORKHEIMER M. A Indústria Cultural. O Iluminismo como

Mistificação das Massas. In: ADORNO, T. W. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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106

alunos, há tanto excluídos na e da escola, remete-nos a novas perspectivas e importantes

mudanças no papel da educação escolar. Entretanto, apoiando-nos nas considerações de

Crochík, é preciso refletir sobre as funções ideológicas subjacentes à homogeneização de

grupos diferenciados, o que contribuiria para a negação da diversidade inerente à constituição

do ser em sua humanidade, ou seja, uma inclusão sombreada pela exclusão.

O público-alvo de tal proposta se encontra explicitado no Art. 4º das Diretrizes

Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,

modalidade Educação Especial (Resolução, nº 4 de 2 de outubro de 2009, MEC/SEESP):

Para fins destas Diretrizes considera-se público-alvo do AEE:

I - Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de

natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II - Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam

um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento

nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa

definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett,

transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra

especificação.

III - Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um

potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,

isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.

Entretanto, fica-nos a questão: estaria a delimitação desse foco de atendimento

implicada, realmente, com a qualidade do envolvimento aos alunos para os quais se destina?

Para além de leis, diretrizes e decretos, há que se buscar o devido reconhecimento, percepção

e reflexão sobre o sujeito alvo da ação pedagógica, sob pena de se repetirem práticas que mais

se aproximem ou se identifiquem com o artefato cultural da “correção”, “reforço”,

“normalização e outros tantos constructos presentes na cultura escolar.

Atentar para tais questões torna-se importante, a fim de que barreiras venham a ser

vencidas e as SRMs não se constituam em um outro espaço de velada segregação e até

mesmo modismo de uma época. Para o que Costa (2011, p. 69) orienta:

Os professores, ao assumirem o compromisso de atuar em salas de aula inclusivas,

demandarão o aprendizado do acolhimento das diferenças sensoriais, físicas e

cognitivas dos alunos, buscando, assim, compreender, enfrentar e superar os

estereótipos existentes em relação às minorias, no caso, os alunos da educação

especial, buscando nos desafios da educação inclusiva as perspectivas para uma

escola pública democrática e aberta à diversidade dos alunos, tendo isso como

princípio norteador de sua práxis.

Vale a escola ser pensada por intermédio de ampla e necessária discussão de seu

Projeto Político Pedagógico, rico campo de entrecruzamento de ideias e reflexões críticas em

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107

que seus atores constitutivos se façam conhecidos e reconhecidos em suas necessidades,

especificidades e expectativas.

É necessário destacar o papel do MEC no tocante às políticas centradas na visão

educacional inclusiva ao longo da primeira década do século XXI. Documentos vários, desde

as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução nº

2/2001/CNE/CEB (BRASIL, 2001), que no artigo 2º determinam que “Os sistemas de ensino

devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos

educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias

para uma educação de qualidade para todos”, até a Política Nacional da Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva/MEC/SEESP (BRASIL, 2008), em suas Diretrizes reitera

que “A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e

modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e

serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas

comuns do ensino regular”, se configuraram no limiar do século XXI.

No entanto, faz-se urgente perceber que políticas não se constituem independentes de

concepções, ideologias e construções culturais dos grupos que as implantam, o que sinaliza

que, para além da oferta, torna-se fundamental o estudo e a apropriação que permitam sua

sustentação, sem o que se corre o risco da simples matrícula compulsória de alunos com

necessidades educacionais especiais em escolas regulares, em atendimento único e tão

somente à prescrição legal. Então, cabe a questão: como se vem constituindo o movimento de

implantação e dinamização das SRMs na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ,

como aporte às políticas inclusivas na rede em estudo e, mais especificamente, quais os

impactos de tal ação como suporte à inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais?

4.1.1 Reflexão e ação: passos iniciais

O início de implantação de SRMs em escolas da Rede Municipal de Ensino de

Petrópolis dá-se no ano de 2007, por iniciativa da Equipe de Educação Especial em parceria

com duas diretoras de escolas com classes especiais.

A ação inicial foi a de elaborar conhecimento sobre a dinâmica de uma Sala de

Recursos quanto à organização física e pedagógica, como também de formação de professores

para atuação nesse espaço de atendimento pedagógico, uma vez que, segundo Costa (2009, p.

70):

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108

Faz-se urgente uma formação de professores para a reflexão e a crítica que

ultrapassem os limites baseados na deficiência, alcançando o pensar sobre os alunos

com deficiência de maneira a atender sua necessidade por aprendizagem pelas

experiências entre diferentes professores e colegas.

Assumir a postura apresentada por Costa implica que valores como acolhimento,

respeito, tolerância e solidariedade, atravessem os projetos educativos propostos pelos

professores, a fim de que se percebam aptos ao enfrentamento de situações, que somente se

fazem perceptíveis, quando da vivência da experiência por meio da aproximação do objeto.

A partir desse entendimento, tomou-se como referência para discussão o livro Salas de

Recursos Multifuncionais, de Denise Alves & et al, editado pelo MEC/SEESP (2005), o qual

subsidiou momentos de estudos e reflexões, inicialmente voltados somente para os

professores atuantes em classes especiais, que posteriormente assumiriam docência em Salas

de Recursos.

Implantadas em duas escolas, com o objetivo inicial de atender exclusivamente os

alunos inseridos em classes especiais das unidades escolares, o atendimento nas Salas de

Recursos foi se ampliando para os demais alunos que apresentassem algum denominado

‘transtorno’ ou ‘dificuldade’ na aprendizagem.

Ao final do ano de 2007, observou-se necessidade de reestruturação os espaços dessas

Salas de Recursos, uma vez observar-se que estavam se constituindo mais em salas de reforço

ou de apoio pedagógico do que efetivamente em lócus de complementação e/ou

suplementação de aprendizagem, objetivo primeiro da Sala de Recursos.

Ao longo do ano de 2008, intensificaram-se ações de formação, então abertas à

totalidade dos professores em sistema de adesão. A iniciativa teve resultados, com a adesão de

cerca de 100 profissionais. Ao final do ano, estabeleceu-se, junto ao Departamento Técnico da

Secretaria de Educação, que somente professores com a formação mínima de 40 horas de

Curso específico, oferecido pela Equipe de Educação Especial da Secretaria de Educação de

Petrópolis, poderiam ser encaminhados para exercer função pedagógica em Sala de Recursos,

posto que é importante a formação teórica que dê suporte à prática docente, sendo

fundamental para sua sustentação qualificada. Quanto a isso, Adorno (2006, p. 211) afirma

que:

A aversão à teoria, característica de nossa época, seu atrofiamento de modo nenhum

casual, sua proscrição pela impaciência que pretende transformar o mundo sem

interpretá-lo, enquanto, em seu devido contexto, afirmava-se que os filósofos até

então tinham apenas interpretado - tal aversão à teoria constitui a fragilidade da

práxis.

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109

A atitude analisada por Adorno, aliada à continuidade da Equipe Técnica de suporte à

Educação Especial, mesmo com mudanças na gestão municipal decorrentes das eleições,

contribuíram para que, no ano de 2009, quando da chegada das SRMs, por intermédio do

MEC, fosse ampliada sua organização e distribuição nas escolas da Rede Municipal de Ensino

de Petrópolis.

Com oferta inicial de 13 (treze) SRMs (no ano de 2009) estabeleceu-se, a partir do ano

de 2010, que somente teriam matrícula em SRMs, os alunos que pudessem frequentar em

contraturno e que considerassem as orientações contidas na Resolução nº 4/MEC/SEESP

(BRASIL, 2009).

À medida que se efetivavam ações pedagógicas, em âmbito organizacional, alargava-

se o leque de adesão de escolas à implementação de SRMs, o que não implicou na superação

dos desafios postos ao seu funcionamento.

Durante dos anos de 2010 e 2011, o quantitativo se amplia, demandando outras

estratégias de organização e acompanhamento por parte da equipe técnico-pedagógica

responsável, perfazendo-se o total, a seguir:60

60

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.

Posse - 5º Distrito

2 Salas de Recursos Pedro do Rio - 4º

Distrito

2 Salas de Recursos

Itaipava - 3º Distrito

3 Salas de Recursos

Centro- 1º Distrito

12 salas de Recursos

Cascatinha - 2º Distrito

11 Salas de Recursos

30 Escolas com Salas de Recursos

Multifuncionais

Figura 2 – Organização de Salas de Recursos Multifuncionais por Região – Ano 2011

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110

A estratégia de distribuição das SRMs atentou desde os critérios de quantitativo de

alunos incluídos nas escolas da região, até à possibilidade de espaço físico e à existência de

profissional com formação disponibilizado para atuação especializada.

No que concerne à qualificação do professor para atuação em SRMs, a partir do ano de

2010 reiterou-se a necessidade da formação comprovada em nível de especialização em

Educação Especial ou Atendimento Educacional Especializado, admitindo-se ainda aquele

que tenha formação mínima de 40 horas em curso específico oferecido pela Secretaria de

Educação, em consonância com as orientações do MEC que preconizam a necessidade, para

atuação no AEE, do professor ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência

e formação específica para a Educação Especial (Resolução n.º 4, MEC/SEESP (BRASIL,

2009).

Embora seja curto o trajeto trilhado pelas SRMs na Rede Municipal de Ensino de

Petrópolis, alguns dados apoiam na percepção de possível impacto na inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais61

:

61

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011.

40

0 0 00

60

0 00 0

185

453

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

2008 2009 2010 2011

Alunos Atendidos em Salas de Recursos - 2008 a 2011

Alunos classes especiais

Alunos classes especiais e dificuldade de aprendizagem

Público específico/MEC

Gráfico 15 – Alunos Atendidos em Salas de Recursos – 2008 a 2011

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111

Assim, o avanço percentual entre os anos de 2010 e 2011 é visível. Certamente alguns

aspectos contribuíram para isso, como o fechamento de Escola Especial conveniada com a

Prefeitura de Petrópolis, a extinção de classes especiais nas escolas estaduais situadas no

município, e a inclusão de alunos cegos e surdos em turmas regulares.

A educação inclusiva, revolução que se instala no âmago das escolas, demanda que, a

exemplo de qualquer movimento revolucionário, atenção, cuidado e reflexão caminhem lado a

lado com a ação político-pedagógica. Logo o movimento, ainda que inicial e tateante tem

validade, como constatado a seguir, nos resultados obtidos desde o início da implantação das

SRMs na rede municipal de ensino de Petrópolis62

Diferentemente do entendimento que por muito tempo se fez, ou seja, que a educação

especial deveria ser organizada de forma paralela à educação comum, enfatizando aspectos

relacionados à deficiência, o que atualmente se almeja é a reestruturação das escolas

62

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Petrópolis – RJ, ano base 2011. Os dados relativos ao ano de

2011 referem-se ao mês de junho.

543

613651

0

100

200

300

400

500

600

700

2009 2010 2011

Gráfico 16 – Evolução do Quantitativo de Alunos Atendidos em SRMs – Anos de 2009 a

2011

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112

regulares, passando a educação especial, na perspectiva da educação inclusiva, a integrar a

proposta pedagógica, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais dos

alunos, público-alvo dessa modalidade de atendimento pedagógico, como suporte à inclusão

nas salas regulares de ensino.

A proposta do Atendimento Educacional Especializado – AEE, em contraturno à

escolarização regular e com o objetivo de complementar ou suplementar a educação de alunos

há tempos excluídos da escola pública, como suporte à inclusão em salas de aula regulares,

pode contemplar outras perspectivas e mudanças no papel da educação escolar na

contemporaneidade.

Longo é o caminho percorrido pelos indivíduos com deficiência, na busca de sua

inserção na sociedade em seus diversos níveis. Na escola, seu espaço constituído e

constituinte, não poderia ser diferente.

Não se podem negar os avanços obtidos no processo de inclusão escolar de alunos

com necessidades educacionais especiais, sobretudo ao longo dos últimos três anos, com a

implantação das SRMs na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, RJ.

No entanto, muito ainda há que se caminhar. Pois, na tessitura que se faz entre escola e

sociedade uma não se transforma sem a participação da outra, posto que crenças e ações

humanas encontram-se atreladas a condições em que se vive e trabalha. Há que se pensar em

transformações mais amplas e profundas. Porém, caminhos se fazem sinalizados, passos estão

sendo dados e este estudo poderá contribuir para que isso se torne possível.

4.2 Lócus e Participantes do Estudo

O lócus deste estudo foi a Escola São Judas Tadeu, justificando-se a escolha por ser a

unidade da rede pública municipal de Petrópolis, RJ com o maior número de alunos com

necessidades educacionais especiais incluídos.

A Escola São Judas Tadeu é uma instituição pública municipal, conveniada com a

Mitra Diocesana de Petrópolis63

, através do Processo Administrativo nº 3797/2001,

observadas as normas contidas na Deliberação Municipal n° 2.729/1968 e o Decreto nº

204/1969, vinculada à Secretaria de Educação.64

63

Embora seja instituição pública municipal, manteve-se o nome sem o termo ‘Municipal’ em respeito à

identidade inicial da escola, que surgiu como anexo da Igreja de São Judas Tadeu com vistas a atender à

demanda de escolarização de crianças do emergente Bairro da Mosela. 64

O convênio em questão é feito pela cessão do espaço físico (edificação predial) da escola.

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113

A referida escola está localizada à Rua Mosela, nº 1.445, no Bairro Mosela, Zona

Oeste da cidade. É um bairro de colonização alemã, tipicamente residencial e oferece

comércio de apoio que atende às necessidades do bairro.

O prédio da escola passou por ampla reforma, concluída em 2006, porém não possui

rampas. O espaço físico é constituído por: 15 (quinze) salas de aula; 1 (uma) sala de recursos

multifuncionais; 1 (uma) biblioteca; 1 (um) laboratório de informática; 1 (uma) secretaria; 1

(uma) sala de direção; 1 (uma) sala de orientação pedagógica; 1 (uma) sala de professores; 1

(um) depósito de material; 1 (uma) cozinha; 1 (um) refeitório; 11 banheiros, sendo 1 (um)

adaptado para pessoas com deficiência física e que usam cadeira de rodas; 1 (um) pátio

aberto, 1 (um) pátio coberto e 1 (um) almoxarifado.

Inserido na escola, se encontra o CACI – Centro de Atividades Corporais e de

Inteligência – composto pela Banda Marcial Frei Aniceto, coral, grupo de dança moderna e

grupo de danças folclóricas alemãs, judô, handball e futsal. As atividades do CACI acontecem

no contraturno da escolarização e aos sábados.

A maior parte de seus 783 alunos são moradores do próprio bairro, com faixa etária

variando entre os 06 (seis) e 15 (quinze) anos, aproximadamente, divididos nos nove anos do

Ensino Fundamental.

Como atende alunos com necessidades educacionais especiais incluídos e em 1 (uma)

classe especial, alguns apresentam distorção idade-ano de escolaridade, atingindo até o

momento, 19 (dezenove) anos de idade.

A Escola São Judas Tadeu possui um corpo docente com estabilidade de tempo de

serviço na unidade com uma média de permanência de oito anos, tendo obtido média 5,7 no

IDEB e 8,7 na Prova Petrópolis.

Há voluntariado constituído por pais/responsáveis e pessoas da comunidade, que

formam a Associação de Apoio, a qual atua como suporte aos projetos, ações festivas e

cívicas desenvolvidas ao longo do ano.

O horário de funcionamento dos turnos é o seguinte: 1º turno (matutino), das 7h às

12h30; 2º turno (vespertino), das 12h40 às 18h.

Quanto ao quantitativo de alunos matriculados na unidade escolar, assim se dividem

por segmentos:

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114

Quadro 6 – Número de Turmas e Quantitativo de Alunos da Escola São Judas Tadeu65

Seriação Nº de Turmas Quantitativo de Alunos

1º ao 5º ano 20 441

6º ao 9º ano 10 342

TOTAL 30 783

Em relação ao quantitativo de alunos incluídos, ilustra-se:

Gráfico 17 – Quantitativo Total de Alunos Matriculados x Quantitativo de Alunos

Incluídos66

Verifica-se que dos 783 alunos matriculados, 21 se encontram inseridos na modalidade

de educação especial, o que implica em 2,68% o percentual de alunos incluídos na instituição

escolar.

65

Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012 66

Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012

783

21

Total de Alunos

Alunos Incluídos

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115

Quanto à especificidade do alunado incluído, assim se apresentam os quantitativos:

Gráfico 18 – Quantitativo de Alunos x Tipologia de Deficiência67

Dos 21 alunos, tem-se que 15 se encontram na especificidade de deficiência

intelectual, em se considerando aqueles com Síndrome de Down, o que corresponde a 71%

das inclusões na escola em estudo.

No tocante ao quadro de profissionais, assim se organiza:

Quadro 7 – Quantitativo de Profissionais Atuantes na Escola São Judas Tadeu

Funcionário/as – Função Quantitativo

Professores/as 36

Diretor/a 01

Diretores/as adjuntos/as 02

Orientadores/as Pedagógico/as 02

Secretários/as 02

Inspetores/as 03

Merendeiros/as 04

Auxiliares de Serviços Gerais 02

TOTAL 52

Quanto aos participantes desse estudo, embora a escola vá até o nono ano do ensino

fundamental, para efeito dessa pesquisa serão considerados os cinco primeiros anos (1º ao 5º

ano), e, de acordo com questionário aplicado, traça-se o perfil a seguir:

67

Fonte: Arquivos da Escola São Judas Tadeu – 2012

2 2

5 10

2 Autismo

Def. Motora

Síndrome de Down

Def. Intelectual

Def. Visual

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116

Quadro 8 – Caracterização dos Participantes da Pesquisa

68

Pseudônimo Idade Formação Área da

atuação

Tempo de

atuação no

magistério

Tempo de

atuação

em SRMs

Tempo de

atuação na

escola

LAURA 43 Graduação em

Pedagogia

Ensino

Fundamental 22 anos _______ 22 anos

VANESSA 36 Graduação em

Pedagogia

Ensino

Fundamental 20 anos _______ 14 anos

CRISTIANE 32

Graduação em

Pedagogia

Especialização em

AEE

Ensino

Fundamental

SRMs

15 anos 4 anos 8 anos

BEATRIZ 48

Graduação em

Pedagogia

Curso de Extensão em

AEE

Ensino

Fundamental

SRMs

25 anos 2 anos 19 anos

BIANCA 46

Graduação em

Pedagogia

Especialização em

Psicopedagogia

Gestão e Orientação

Educacional

Mestrado Educação

Orientação

Pedagógica 27 anos _______ 7 anos

CLÁUDIA 45

Graduação em

Pedagogia

Especialização em

Psicopedagogia

Inspeção e Supervisão

Escolar. MBA Gestão

Empreendedora-

Educação.

Direção 23 anos _______ 20 anos

68

Os participantes desse estudo encontram-se identificados por pseudônimos.

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117

4.3 Narrativas dos Educadores da Rede Pública Municipal de Ensino de Petrópolis/RJ:

experiências de um trajeto investigativo

As observações no cotidiano da Escola São Judas Tadeu, locus deste estudo, as

experiências docentes e as narrativas obtidas na entrevista semiestruturada, como instrumento

metodológico deste estudo, foram analisadas considerando a Teoria Crítica, com destaque ao

pensamento de Adorno (2006, 1995, 1993), que inspiraram as categorias de análise adotadas

neste capítulo.

1. Formação docente e emancipação: categorias centrais na educação inclusiva

Através do enfoque dado à categoria “emancipação”, um dos conceitos fundamentais

para a Teoria Crítica da Sociedade, buscou-se contemplar reflexões sobre as demandas que as

atuais políticas de educação especial trazem para a formação do professor na

contemporaneidade, pois, apoiando-nos no pensamento de Adorno (1993, p. 58), acredita-se

que "(...) é no olhar para o desviante, no ódio à banalidade, na busca do que ainda não está

gasto, do que ainda não foi capturado pelo esquema conceitual geral, que reside a derradeira

chance do pensamento".

Frente ao exposto, para a categoria em tela, elaborou-se a seguinte questão: Quais as

demandas das atuais políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva no que

se refere à formação de professores? Obtivemos as seguintes colocações:

“Acho que o professor precisa ler mais, se preparar mais. Não sabemos em muitos

casos como fazer. Na teoria é uma coisa, mas na prática. Eu leio, busco, mas na hora

de fazer, acaba sendo diferente. Fico frustrada. Às vezes penso que estou fazendo

certo, uso material concreto, mas na hora H, o aluno não consegue fazer como eu

esperava. Eu acho fundamental desenvolver a autonomia para o “especial”. A

autonomia é fundamental, não acha? Aí se ouve ‘o aluno não vai atingir a

autonomia’, mas e o nosso objetivo, como fica? Por isso muitas vezes se desiste.”

(Beatriz, professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)

“O professor precisa perceber que toda criança tem a sua individualidade. Com a

inclusão, o professor precisa ter maior atenção com os alunos. Tem momentos em

que eu me sinto sugada. Trabalhar com alunos com deficiência mexe com o nosso

emocional. É complicado! Quando cheguei, no primeiro dia, pensei ‘como vou

trabalhar’? O que se aprende na Faculdade não dá conta. A gente precisa buscar

mais. É preocupação sempre. É um desafio. Acho que tem que ter mais estudo, algo

a mais e não fomos preparadas. Sinto falta de mais ajuda de diferentes instâncias,

principalmente da Saúde e da Assistência Social. É preciso trabalho em rede. Acho

que a escola tenta e faz muito, mas fica sobrecarregada. Acho que para o incluído

faz bem a escola e para as outras crianças também.” (Laura, professora regente)

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118

“Olha, eu acho que a demanda maior é o conhecimento sobre as diferentes áreas de

deficiências e as atividades específicas. Conhecer a patologia ajuda o trabalho do

professor, pois ele vai saber o porquê da oferta de algumas atividades. Eles chegam

com pouco conhecimento de mundo e o professor necessita desenvolver a

autonomia do aluno.” (Cristiane, professora de Sala de Recursos

Multifuncionais/SRMs)

“A principal demanda é o aperfeiçoamento do professor. A direção e a orientação

precisam ter entendimentos para fazer a inclusão acontecer realmente senão é

somente no papel. Acho que tem que ter maior integração e ajuda entre os

professores. Tem que perceber que o aluno é da escola e não da professora X.”

(Vanessa, professora regente)

“Acho que a inclusão exige maior pesquisa por parte do professor. É preciso fazer

estudos de caso e buscar apoio em livros, sites, sugestões diversas para um trabalho

diferenciado. Eu procuro trazer materiais para os professores, quando percebo que

estão inseguros. Também, quando faço algum curso, procuro dividir com eles.”

(Bianca, orientadora pedagógica)

As narrativas apresentadas são unânimes quanto à necessidade de o professor atualizar

os seus saberes, entretanto, nem sempre se percebem contemplados pela formação que lhes é

possibilitada. Para tal, com base no pensamento de Adorno (2006), a alternativa é pensar a

formação para além da adaptação, ou seja, pelo rompimento com estruturas assentadas na

lógica da padronização e racionalização intrínsecas à formação burguesa, latente na sociedade

contemporânea.

Sob tal perspectiva, formação e formação continuada constituem-se autoformação pelo

delineamento de ideias autênticas e próprias, o que nos remete a diálogo com Arroyo (2007,

p. 55) em considerações de que: “A resistência de alguns e a perplexidade de muitos docentes

têm como raiz a quebra da cultura e do pensamento únicos. É o entulho cultural de tempos

autoritários que a sociedade e também a escola e os docentes custamos remover”.

As considerações acima corroboram para a problematização sobre as narrativas das

professoras Beatriz: “Não sabemos em muitos casos como fazer” e Laura: “O que se aprende

na Faculdade não dá conta”, “(...) não fomos preparadas”. Tem-se que as concepções “do

como fazer” “do não ter aprendido” “o de não ser preparado” apresentam-se como

obstaculizadoras do esclarecimento necessário à qualidade da ação. Trata-se de preocupações

reais e que devem ser consideradas.

A esse respeito, no que tange à concepção de “esclarecimento”, Adorno (2006) apoia-

se em Kant sobre a premência de o homem liberta-se da “autoinculpável menoridade”69

alimentada pela tutela externa, pois somente assim abrirá caminhos para sua emancipação. A

questão apresenta-se como desafio à formação de professores, em perspectiva democrática na

69

Autoinculpável menoridade: conceito anteriormente explicitado.

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119

sociedade contemporânea, conforme afirmado pelo autor acima (ibid, p. 168): “A democracia

repousa na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela se sintetiza na

instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado irracional é preciso pressupor

a aptidão e a coragem de cada um de se servir de seu próprio entendimento”.

O ato de “servir-se de seu próprio entendimento” pressupõe a abertura de

possibilidades para a constituição de consciências autônomas, perspectiva essencial à

educação emancipatória. Ilustra-se a reflexão por meio da narrativa da professora Laura, que,

apoiada em escuta externa, sente-se impotente quando se vê questionada no objetivo traçado

para envolvimento ao aluno com necessidades educacionais especiais. A esse respeito Adorno

(ibid, p. 178), destaca que “(...) as pessoas aceitam com maior ou menor resistência aquilo que

a existência dominante apresenta à sua vista e ainda por cima lhes inculca à força, como se

aquilo que existe precisasse existir dessa forma”.

Logo, o caráter heterônomo da formação, contribui para a perpetuação de consciências

pouco esclarecidas e propensas à reprodução e perpetuação de modelos sociais existentes que,

de modo autoritário, apontam para a barbárie social, contra qual a educação assentada na

formação crítica e autônoma é capaz de se contrapor, como afirmado por Adorno (ibid. p.

134) “(...) se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece

com todas as outras, excetuando o punhado com que mantêm vínculos estreitos, [...] então

Auschwitz não teria acontecido”.

Ao referir-se à função do esclarecimento, Adorno (ibid., p. 164), de maneira alguma,

propunha a conversão de todos os homens em seres inofensivos e passivos, isto porque essa

forma de passividade poderia constituir-se em uma barbárie, na medida em que estaria pronta

para contemplar o horror e se omitir diante dele. Para ele, o esclarecimento consistiria no

fortalecimento do sujeito por meio de sua autoconsciência crítica.

Nesse sentido, parece-nos que a afirmativa da professora Laura, de que “(...) para o

incluído faz bem a escola e para as outras crianças também”, demonstra abertura para a

sensibilização no acolhimento à diversidade humana e, ainda, para a reflexão crítica, o que é

fundamental à estruturação da escola inclusiva, e, conforme Costa (2009, p. 75): “(...) a

educação inclusiva é efetivamente um avanço na questão da igualdade e da justiça social,

mesmo considerando os obstáculos em efetivação ainda presentes nas escolas ...”

Ainda, a postura assumida pela professora acima, de que a inclusão escolar não

depende só dela, é observação a ser considerada. De fato, não se deve cultivar a imagem do

professor como o redentor de todos os males da humanidade, aquele em cujas “mágicas

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mãos” se encontram as soluções de problemas sociais objetivos e latentes. Entretanto, há que

se afirmar a figura do professor como elemento essencial à transformação dessa realidade,

através de postura reflexiva e crítica, que lhe impulsione a busca por soluções e apoios para as

situações desafiadoras enfrentadas no cotidiano de sua prática pedagógica.

Sendo assim, afirma-se a intrínseca relação entre teoria e prática, razão pela qual nos

detemos na consideração da professora Beatriz de que: “Na teoria é uma coisa, mas na

prática...”. A esse respeito, Adorno (1995, p. 204) foi categórico ao afirmar que “Pensar é um

agir, teoria é uma forma de prática.” Logo, equivocam-se aqueles que fazem essa separação,

uma vez associarem a prática a um apanhado de ideias direcionadoras da ação e não a um

pensar qualificado sobre as contradições sociais observadas, essencial ao desenvolvimento de

consciências autônomas.

Essa incapacidade de reflexão é ratificada pelo autor (id, p. 211), quando afirma: “Ela

manifesta-se, antes de mais nada, já como incapacidade do sujeito para assumir na

consciência, mediante reflexão, as condições objetivas que não pode resolver ...” Constata-se

que, para Adorno, a práxis educacional deve-se constituir em papel emancipatório.

Outro aspecto relevante refere-se à narrativa da professora Laura e sua percepção de

necessidade de trabalho em rede, de ações conjuntas, especialmente com a Saúde e a

Assistência Social. Essas ações já existiram, especialmente como suporte clínico a alunos com

dificuldades na aprendizagem, contribuindo, por vezes, para a legitimação do fracasso escolar.

Profissionais diversos são essenciais ao desenvolvimento de estudantes com necessidades

educacionais especiais, entretanto, no que diz respeito à escolarização, a ação é de

responsabilidade da escola, a qual não se deve permitir cair na armadilha de deslocar parte de

suas funções educativas para outras instâncias profissionais.

No que tange à questão levantada pela professora Vanessa, de que: “A direção e a

orientação precisam ter entendimentos para fazer a inclusão acontecer realmente, senão é

somente no papel”. E ainda: “Acho que tem que ter maior integração e ajuda entre os

professores. Tem que perceber que o aluno é da escola e não da professora X”, permite-nos a

constatação de que a promoção de espaço democrático, aberto a escutas e trocas, contribui

para o desenvolvimento de subjetividades sensíveis a aproximações e reconhecimento da

diversidade humana que o constitui.

Desse modo, o fortalecimento de subjetividades capazes de confrontar e questionar

conceitos propicia negação de identificação pelo rompimento com barreiras culturais, o que se

constata com a assertiva de Adorno (2006, p. 134) de que “A incapacidade para a

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identificação foi sem dúvida a condição psicológica mais importante para tornar possível algo

como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensivas”.

No âmbito da categoria de análise, para a gestora da escola, propôs-se o seguinte

questionamento: Sob seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe à gestão escolar?

Para o qual obtivemos a resposta:

“Com o processo de implantação de políticas públicas para atender a inclusão,

aumentou a nossa preocupação em pensar nas melhores práticas educacionais e

pedagógicas para o atendimento ao aluno. Na verdade, como gestora, como esse

processo foi acontecendo naturalmente, não senti uma demanda “sufocante” de

trabalho. Precisava garantir o atendimento com qualidade, principalmente nos anos

finais do EF onde o professor é mais resistente e não conhecedor desse trabalho.

Vejo hoje, principalmente para os alunos a partir do 6º ano, a importância do

estagiário no seu acompanhamento. É algo que preciso garantir de maneira efetiva!

Além de estabelecer cada vez mais uma parceria da saúde com a educação a fim de

garantir o atendimento desses alunos, pois assim nossos resultados seriam

melhores.” (Cláudia, gestora)

Sobre a narrativa da gestora, duas questões nos chamam a atenção. A primeira é

aquela relativa à “resistência do professor, por não ser conhecedor do trabalho com a

inclusão, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental”, a segunda, refere-se à

“importância do estagiário para acompanhamento aos alunos em questão”.

No que tange à questão inicial, remetemo-nos à estrutura de formação de professores

tidos como “especialistas”, a qual se baseia na razão instrumental70

, na racionalidade técnica

da divisão e fragmentação do conhecimento por diferentes áreas, reflexo da sociedade

capitalista burguesa, organizada em classes e grupos sociais. Ou seja, é a supremacia do

pensamento científico, em forma de dados quantificados e mensuráveis, condições

exemplificadas no texto Horkheimer (1975, p. 131): “Dentro da divisão social do trabalho, o

cientista tem que conceber e classificar os fatos em ordem conceitual e dispô-los de tal forma

que ele mesmo e todos os que devem utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamente

possível”.

Horkheimer (op. cit.) evidencia que, na divisão do trabalho, o cientista revela um

mesmo padrão de comportamento, semelhante à prática de classificar, ordenar e tornar

manipulável certo saber. Esse comportamento tem uma função objetiva, ou seja, mesmo que

imprima características individuais ao modo de trabalho, não se percebe a necessidade de

auto-reflexão, posto ser construção coletiva, externa. Semelhante é a formação do professor

70

De acordo com o contexto da Teoria Crítica da Sociedade, a razão instrumental nasce quando o sujeito do

conhecimento toma a decisão de que conhecer é dominar e controlar a Natureza e os seres humanos. À razão

instrumental, Horkheimer opõe a razão crítica.

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especialista. A resistência se justifica pela adesão ao coletivo, reflexo da heteronomia no

pensar, o que foi percebido e analisado por Adorno (2006, p. 129), ao colocar que “Pessoas

que se enquadram cegamente em coletivos, convertem a si próprios em algo como um

material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de

tratar os outros como sendo massa amorfa”. Dessa forma, “a resistência do professor” dá-se

pela fragilidade em desvelar a sua autonomia.

No tocante à questão que afirma a premência de profissional de apoio ao aluno

incluído, permitimo-nos dialogar com Crochík (2011, p. 122-123) sobre a concepção de que:

Como essa sociedade não vive sem exclusão, devemos estar atentos a que

mesmo que as minorias possam frequentar as classes regulares, outras formas

de segregação podem ser desenvolvidas [...]. A imposição de um educador ou

uma pessoa próxima ao aluno considerado em situação de inclusão, para

auxiliá-lo em seu aprendizado, não deixa de ser também outra modalidade de

discriminação.

O levantamento da questão não implica em posicionamento reativo à necessidade

apresentada pela escola. O que se busca é refletir sobre se o uso de “alguns artifícios”,

(soluções que, por vezes, excluem e segregam) não estariam contribuindo para a perpetuação

da cultura do professor desqualificado, da escola não preparada e outros tantos clichês

comuns na sociedade contemporânea, em se tratando da democratização da escola pública.

Sob tal perspectiva, a educação inclusiva nos permite pensar a educação no seu todo.

As dificuldades que as escolas demonstram no tocante à inclusão revelam falhas no sistema

organizacional da mesma e, reiterando Crochík (2011, p. 123), “(...) apenas comprovam que a

noção de educação está pouco clara para essas instituições”.

Ainda nesta categoria apresentamos as narrativas referentes à seguinte proposição:

Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar, na atuação com os alunos com

necessidades educacionais especiais, destacamos as seguintes:

“Na Orientação, vejo que um dos principais desafios é trabalhar com o entendimento

de alguns professores. É difícil mostrar ao professor e fazê-lo entender que o aluno

tem potencial, mas em um tempo e um modo diferente. É difícil romper com o

discurso ‘Ele não consegue, ele é especial’. Observo que aqui na escola a resistência

não é tanta, mas tem. O maior desafio mesmo é a angústia que se percebe pela

expectativa de o aluno avançar, aprender e o professor tentar de tudo e não perceber

avanços. Aí em pergunto: como conviver com isso sem se acomodar ou se

imobilizar? Me preocupa a desistência de muitos. Como devo agir para incentivar o

professor que a todo momento se encontra envolvido por avanços e retrocessos do

aluno? E o que vai ser desse aluno quando sair daqui? Enquanto está aqui nós

cuidamos, mas, e depois? E ainda tem os pais, eles envelhecem. Como vão

sobreviver em uma sociedade que exclui? Isso causa desconforto.” (Bianca,

orientadora pedagógica)

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123

“O aluno com deficiência tem poucas oportunidades, tem pouco conhecimento de

mundo e isso é desafio para o professor.” (Cristiane, professora de Sala de Recursos

Multifuncionais/SRMs)

“A demanda do trabalho do gestor em relação à inclusão é exatamente o que as

escolas precisam hoje: recursos físicos e humanos. Na Escola São Judas Tadeu,

destaco o recurso humano, sempre! Preciso de pessoas/profissionais para estarem

desenvolvendo nesses alunos o que precisam. Dentro da escola são os estagiários

relatados acima e, claro, toda a equipe gestora e pedagógica que já tenho. Fora da

escola, os profissionais da saúde.” (Cláudia, gestora)

Nos moldes burgueses da sociedade, em que impera a razão instrumental, que tem

como base a lógica formal do pensar, todos os objetos são submetidos à mesma lógica. As

observações da orientadora Bianca e da professora Cristiane são reveladoras dessa

perspectiva. Assim, alimenta-se a estereotipia – “Ele não consegue, ele é especial”- “Tem

poucas oportunidades, tem pouco conhecimento de mundo”. Crochík (1995, p. 31),

claramente expõe esta ideia, afirmando que: “Os estereótipos, por deturparem a realidade (...)

servem de justificativa para a dominação. Enquanto tal, naturalizam uma situação de

opressão”.

Assim, à naturalidade do “não aprender”, soma-se a dificuldade de o professor

perceber progressos no aluno, pois independentemente de suas particularidades, os sujeitos

são percebidos segundo as categorias da lógica formal. Para Adorno (2006, p. 112):

Os professores têm tanta dificuldade em acertar justamente porque sua profissão

lhes nega a separação entre se trabalho objetivo – e seu trabalho em seres humanos

vivos [...]. Pois seu trabalho realiza-se sob a forma de uma relação imediata, um dar

e receber, para o qual, porém, este trabalho nunca pode ser inteiramente apropriado

sob o jugo de seus objetivos altamente mediatos.

De acordo com a reflexão, em busca de uma educação emancipatória, vê-se a

necessidade de formação de professores sob a perspectiva de que, através do trabalho docente,

novas leituras de mundo sejam provocadas, tendo-se a compreensão que a escola, sendo

expressão do mundo do trabalho, a este não se deve sujeitar de maneira servil, pois o seu

“objeto de trabalho” exige envolvimentos que fogem à lógica da padronização de uma

sociedade imutável e homogênea, ou seja, de uma “sociedade humana”. Tal se faz constatado

pela colocação da gestora Cláudia: “Na Escola São Judas Tadeu, destaco o recurso humano,

sempre!”

A análise da categoria em questão possibilitou-nos perceber que as limitações

impostas pela inadequação de técnicas e métodos baseados no ensino tradicional, aliadas a

hábitos enraizados e construções culturais que privilegiam a lógica produtivista, permeiam o

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espaço escolar, dificultando o trabalho pedagógico em perspectiva emancipatória. No entanto,

também nos foi possível a constatação de haver movimento de acolhida aos estudantes com

necessidades educacionais especiais e reconhecimento da escola inclusiva em seu potencial

humanizante e transformador.

2. Educação Inclusiva: a experiência que impulsiona, ou, “aprende-se a fazer, fazendo!”

Ao nos voltarmos para a categoria “experiência”, como mote impulsionador de

percepção sobre como se deu a aproximação do professor com a educação inclusiva,

buscamos abrir caminhos para a análise da articulação entre as práticas docentes e o

atendimento às necessidades educacionais especiais no cotidiano da sala de aula, um dos

objetivos dessa pesquisa.

As concepções, aprendizados e experiências que o educador traz de suas vivências,

refletem-se em sua prática pedagógica, de modo a alargarem ou obstarem escutas e reflexões.

À pergunta: fale sobre a sua experiência com a educação inclusiva, destacamos os

relatos:

“Esse é o ano mais significativo para mim, porque tenho um aluno autista na sala.

Antes, só via na escola. Agora que tenho aluno na sala de aula, me sinto sugada

emocionalmente. Também a preparação da aula exige mais. A abordagem com o

aluno tem que ser mais voltada pro concreto. Percebo que os colegas acolhem, acho

que não estranham porque já conheciam o menino. Ele já era da escola. Eles (os

colegas) se preocupam porque são cuidadosos.” (Laura, professora regente)

“Eu tenho uma filha especial, ela sempre estudou em escola regular. Sabe, acho o

Sistema falho, há professores que correm atrás e outros que se acomodam. Com os

alunos que tive e tenho, aprendi que não adianta ficar ansiosa, tem que esperar.

Primeiro tem que conquistar o aluno, chegar perto, se aproximar. Tem que entender

o jeito dele. O tempo dele. Não é só ficar esperando o tempo, não é bem isso que

quero dizer. É observar que ele tem um tempo diferente. A gente é ansiosa. Mas

também tem que ter determinação, senão não consegue dar conta.” (Vanessa,

professora regente)

“Trabalho na escola há muito tempo e sempre tivemos alunos com necessidades

educacionais especiais. Antes só ficavam nas classes especiais. Sabe, percebo que a

classe regular ainda não atende a necessidade dos alunos incluídos. Eles necessitam

de atenção contínua da professora, o que acarreta perda de rendimento dele e da

turma. Já na SRMs, é mais tranquilo trabalhar com o aluno, pois é trabalho

individualizado, em ambiente tranquilo. Mas, percebo que nem sempre o trabalho

das SRMs se reflete na sala de aula, porque lá não há tanta proximidade do

professor. Aqui (na SRMs), há momentos em que o aluno surpreende o que não é

observado na sala de aula. Por exemplo: trabalho com jogos complexos e o aluno dá

conta, chega à turma regular e não consegue dar conta de dificuldades ortográfica,

como o uso de M antes de P e B. Não entendo!” (Beatriz, professora de Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs)

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“Meu contato inicial foi na Sala de Apoio Pedagógico que havia na escola. Fui

encaminhada para lá. Observava que a escola tinha muitas inclusões, mas a minha

experiência mesmo foi nessa sala. Depois fiz um curso de Formação Continuada

sobre Sala de Recursos Multifuncionais, oferecido pela Secretaria de Educação e fui

convidada a atuar na escola. Já como professora de SRMs fiz Especialização em

AEE, oferecido pelo MEC, através da UAB.” (Cristiane, professora de Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs)

“Eu só tive contato com alunos com necessidades educacionais especiais, quando

cheguei, em 2005, à Escola São Judas Tadeu. Até então, não tinha muita noção.

Aqui eu busco acompanhar o trabalho das professoras, ouvir, observar. Depois

disso, tive uma experiência com um aluno deficiente visual na Universidade em que

leciono. Foi muito rico. Na ocasião, era oferecida uma apostila com letras

aumentadas, porém o aluno tinha muitas dúvidas. Busquei me aproximar e orientar o

estudo. Foi gratificante ouvir do aluno: “A Srª tem muito cuidado comigo”. Aqui na

São Judas tem muitos alunos incluídos e a demanda é grande. Quando tenho

dúvidas, procuro ler, estudar. Acho que é também hábito por ser professora

universitária.” (Bianca, orientadora pedagógica)

Na fala da professora Laura, podemos perceber certa dificuldade na aproximação ao

aluno com necessidades educacionais especiais, o que se justifica pela afirmativa de se sentir

“emocionalmente sugada”. A esse respeito, remetemo-nos à afirmativa de Crochík (1995, p.

17): “(...) se o processo de socialização só pode ser vivenciado pelo indivíduo, as formas, os

instrumentos e os conteúdos pertencem à cultura, o que significa que a relação entre os

indivíduos é sempre mediada por aquela, e que, portanto, o indivíduo é fruto desta mediação”.

Assim, a estruturação das relações sociais vivenciadas pelos sujeitos reflete-se em suas

atitudes. Mesmo em contexto propício à vivência da experiência da educação inclusiva, a

constituição individual do sujeito ressente-se, quer de maneira explícita, por meio de atitudes

de afastamento, quer de forma latente, o que se reflete no sentimento de fragilidade frente às

construções culturais impostas ao objeto. Reiterando e parafraseando o pensamento de

Crochík (id, ibid., p. 18), tem-se que se o indivíduo não consegue se contrapor às imposições

da cultura, torna-se reprodutor dessa, sem expressar críticas que lhe permitiriam modificá-la.

Assim, não se trata somente da ausência da experiência, mas de sua negação, daí a percepção

de “maior carga de trabalho” e a sensação de sentir-se “emocionalmente sugada” expressa

pela educadora.

Em contrapartida, observa-se que a professora constata a boa convivência dos demais

alunos com o colega autista, o não estranhamento e a acolhida, o que nos permite refletir com

Becker (apud Adorno, 2006, p. 147), sobre a necessidade de que “(...) desde o início, na

primeira educação infantil, o processo de conscientização se desenvolva paralelamente ao

processo de promoção da espontaneidade (...)”. O fato comprova que, ao se possibilitar a

aproximação e convivência entre os diferentes sujeitos desde a tenra infância, as experiências

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dessas vivências propiciarão o desenvolvimento de subjetividades mais sensíveis, críticas e

refratárias ao estranhamento do que se apresentar como diverso ao padrão social externamente

imposto.

Para a professora Beatriz, a classe regular ainda não atende a necessidade dos alunos

incluídos, por necessitarem de atenção contínua da professora, o que acarreta perda de

rendimento dele e da turma. Enfatizando que sua experiência na SRMs, aponta para trabalho

individualizado, em ambiente tranquilo. A fala da mesma denota latência de estereotipia, uma

vez atribuir à presença de alunos com necessidades educacionais especiais entraves no

desenvolvimento da turma, assim como a necessidade de espaço “outro” que contemple a sua

aprendizagem.

A esse respeito Crochík (1995, p. 25) esclarece que “embora o estereótipo não se

confunda com o preconceito, é um de seus elementos”. Proporcionados pela cultura, os

estereótipos revelam-se como reação individual dos diferentes sujeitos, frente a atributo

culturalmente concebido àquele sobre o qual recai.

Isto posto, através da colocação da professora Beatriz, tem-se que para que haja

envolvimento qualificado aos alunos com necessidades educacionais especiais, faz-se mister

que os mesmos recebam atenção contínua, diferenciada dos demais estudantes, ressaltando a

importância de espaço individualizado e tranquilo para o seu desenvolvimento pedagógico.

Evidencia-se, assim, a dificuldade da educadora em vivenciar a experiência com a

inclusão por meio de ação autorreflexiva, sobre o que Adorno (2006, p. 148) afirmou: “O

defeito mais grave com que nos defrontamos atualmente, consiste em que os homens não são

mais aptos à experiência, mas interpõem entre si mesmos e aquilo a ser experimentado aquela

camada estereotipada a que é preciso se contrapor”.

As considerações da professora Vanessa levantam instigante questão sobre a relação

teoria-prática e a inaptidão à experiência assentada na pouca autonomia do professor em seu

fazer diário. Considerando “o Sistema falho”, fica-nos a ideia de que compete ao Estado

prover meios para que a ação se constitua, ou seja, percebe-se um afastamento do cultivo da

autonomia e elaboração de conhecimento necessário à ação requerida, o que foi percebido por

Costa (2009, p. 68), quando tecendo considerações sobre a perspectiva de o professor, no

cotidiano escolar, se formar para pensar e elaborar seus métodos próprios de ensino observou

que “Antes, nele impera a lógica do Estado provedor, até daquilo, sobretudo, que se refere ao

professor que atua cotidianamente com um determinado objeto: a racionalidade técnica”.

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Enquanto não se percebem como autores de sua prática e demandam “técnicas de

ensino” que lhes “qualifiquem a ação”, os professores vivenciam a angústia de não se

sentirem aptos para a demanda que lhes é solicitada.

Em contrapartida, a narrativa da mesma professora apresenta haver “professores que

correm atrás e outros não”, ou seja, profissionais sensíveis a novas experiências e propícios a

buscas e reflexões. Essa consideração encontra eco na afirmativa da professora Cristiane, de

que “observava as crianças”, e “procurava ajudá-las”, ou seja, mesmo que, aparentemente,

com pouca clareza, a professora buscava, através de suas observações, a reflexão sobre a

demanda daquele alunado. Posteriormente, ao aderir a cursos de formação, ao que nos parece,

houve maior qualificação em suas ações, daí afirmar “tudo isso me ajudou muito”. Tal atitude

é sugestiva de inclinação à conscientização sobre o desafio instalado e de abertura à vivência

da experiência. A esse respeito Adorno (2006, p. 150) considera que “A constituição da

aptidão à experiência consistiria, essencialmente, na conscientização e, desta forma, na

dissolução desses mecanismos de repressão e dessas formações reativas que deformam nas

próprias pessoas sua aptidão à experiência”.

A narrativa da orientadora Bianca, um tanto semelhante à da professora Cristiane, ao

colocar que quando lhe foi oportunizado contato com aluno com necessidades educacionais

especiais “Busquei me aproximar e orientar o estudo”, ainda “Foi gratificante ouvir do

aluno: ‘A Sr.ª tem muito cuidado comigo’”, permite-nos concluir pelo enriquecimento que a

escola inclusiva propicia à prática pedagógica, na medida em que o professor se conscientiza

de que as marcas impostas pela cultura podem e devem ser constantemente atualizadas, desde

que confirmadas na experiência individual e coletiva, capazes de propiciar alternativas

pedagógicas enriquecedoras para a diversidade humana que na escola se constitui.

Na abordagem feita à diretora, optou-se pela questão: Fale sobre a sua experiência

como diretora de uma escola pública agora também inclusiva, sobre a qual obtivemos a

narrativa abaixo:

“Antes das políticas públicas para a inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais, nossa escola já fazia um trabalho voltado para essas crianças.

Tínhamos as “classes especiais”, com um conceito diferente de hoje, que realizavam

um trabalho de atendimento especial àqueles alunos que não conseguiam

acompanhar o ritmo dos demais. A preocupação na época era a repetência e a

distorção idade-série. Aos poucos, apesar da atuação do professor dessa turma ser

diferenciado dos demais, fomos percebendo que todos os professores podiam

aprender essas práticas pedagógicas diferenciadas para serem aplicadas nas turmas

de um modo geral. Dessa forma, nossos professores começavam a apresentar um

destaque em relação às suas habilidades e conhecimento. Costumo dizer que

começamos a tomar CHA bem antes das outras escolas! CHA significa

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Conhecimento, Habilidade e Atitude. Foi exatamente um processo construído na

escola por meio da formação interna e muita dedicação. Aprendemos a fazer,

fazendo! Essa foi uma experiência muito significativa que fez com que a escola

tomasse rumo, de maneira avançada, em direção à inclusão desses alunos.” (Cláudia,

gestora)

O relato da gestora remete-nos a momento de transformação vivenciado pela escola

pública, em especial ao longo da primeira década do século atual, período em que se

acentuaram ações relativas a políticas de educação e movimentos pela inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais nas escolas.

Ao assumir que os demais professores poderiam se beneficiar de práticas

pedagógicas oferecidas a alunos matriculados em classes especiais, alguns limites

conceituais foram colocados à prova, isto é, propiciou-se a reflexão sobre a educação especial

não ser considerada como metodologia e/ou técnicas para uma conjunto específico de alunos,

mas um conjunto de medidas e ações desenvolvidas no âmbito escolar, como possibilidade de

respostas para todos aqueles ali inseridos.

À afirmativa de que: “Costumo dizer que começamos a tomar CHA bem antes das

outras escolas! CHA significa Conhecimento, Habilidade e Atitude. Foi exatamente um

processo construído na escola por meio da formação interna e muita dedicação”, sugere-nos

que a gestora colocou-se aberta às recentes demandas da escola e receptiva a (re)pensar a

realidade da mesma, abrindo-se a novas experiências, e ao livre pensar, traços essenciais a

uma gestão democrática e emancipatória. A esse respeito, resgatamos a colocação de Adorno

(2006, p. 151): “Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a

experiência é idêntica à educação para a emancipação”.

Assim, ao mesmo tempo em que se propiciava a aproximação entre professores de

turmas regulares e de classes especiais, contribuía-se para a reflexão sobre a prática

pedagógica e sobre o fato de que as dificuldades apresentadas por alguns alunos são

resultantes, dentre outros, do modo como o ensino é ministrado e a aprendizagem é concebida

e avaliada, o que encontra eco na constatação de Arroyo (2007, p. 54) que: “O ofício de

mestre, de pedagogo vai encontrando seu lugar social na constatação de que somente

aprendemos a ser humanos em uma trama complexa de relacionamentos com outros seres

humanos”.

Ao finalizar sua narrativa, a gestora afirmou que: “Aprendemos a fazer, fazendo! Essa

foi uma experiência muito significativa que fez com que a escola tomasse rumo, de maneira

avançada, em direção à inclusão desses alunos”. Não há fórmulas prontas, há o

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conscientizar-se sobre a realidade vigente e tomar posicionamentos a seu respeito, conforme

enfatizado por Adorno (2006, p. 151) “Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência

é pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de

pensamento do sujeito e aquilo que este não é”.

Pensar a escola nessa perspectiva é considerar que a inclusão escolar envolve uma

mudança de atitude em relação ao “outro”. Não um qualquer, com o qual esbarramos ao longo

de nossa existência, mas um ser com quem nos devemos relacionar e formar numa perspectiva

justa, humana, ética, respeitosa, ou seja, “Não se trata, portanto, apenas da ausência de

formação, mas da hostilidade frente à mesma, do rancor frente àquilo de que são privados”

Adorno (id, ibid, p. 150), razão pela qual a vivência da experiência nos parece essencial para

o desenho de caminhos e possibilidades à democratização da escola pública para o

atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais.

3. Organização da escola pública na perspectiva inclusiva: aspectos arquitetônicos,

curriculares e pedagógicos.

O êxito da educação inclusiva decorre, dentre outros aspectos, da adequação do

processo e do espaço escolar à diversidade dos alunos. Logo, em atendimento aos objetivos

dessa pesquisa, as narrativas docentes referentes à categoria de análise em foco, visam atender

à seguinte questão de estudo: Quais as contribuições das políticas públicas de educação

especial na perspectiva inclusiva da gestão escolar, da organização pedagógica e da

acessibilidade arquitetônica na escola pública?

Inicialmente, procedeu-se abordagem às professoras de turmas regulares com alunos

incluídos, à orientadora pedagógica e à gestora, propondo-se a questão: Considera o colégio

acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos? Teça comentários.

“O colégio não é acessível, temos escadas e não há rampas. Quanto ao pedagógico,

julgo que sim. A orientadora é presente, conversamos e buscamos as adaptações.

Também tem as conversas com as outras professoras, as trocas.” (Laura, professora

regente)

“O colégio não é acessível, temos escadas. A gente procura fazer as adaptações

pedagógicas. Por exemplo, a aluna X faz avaliação com material concreto, aí

percebo que o conhecimento foi atingido. Se sei que precisa de mais recursos e não

ofereço, aí não tem inclusão! Incluir, de fato, é ter estratégias, para a pessoa poder

realizar de um modo diferente. Mas eu acho que acontece melhor no segmento de 1º

ao 5º ano.” (Vanessa, professora regente)

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130

A acessibilidade arquitetônica não há. Quanto á pedagógica e curricular, acho que

sim. A gente procura adaptar o currículo e justar para os alunos com necessidades

educacionais especiais. O pedagógico é mais difícil, porque o número de alunos

incluídos é grande. Sinto falta de mais suporte, de “bons profissionais”. Os

estagiários nem sempre sabem o que fazer. A gente tem que atender a turma como

um todo. Mesmo reduzindo o número de alunos em sala, falta uma Política, sabe?

No 1º e 2º anos quando o aluno está sendo alfabetizado e temos que cumprir os

objetivos de leitura e escrita, é mais difícil... Temos que dar conta da expectativa das

famílias, dos alunos com alunos com necessidades educacionais especiais e dos

outros também.” (Beatriz, professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)

“A acessibilidade arquitetônica não há. Temos escadas. A curricular e pedagógica, a

SRMs não tem objetivo de reforço, mas buscamos suporte para a sala regular.

Observo a preocupação das professoras para dar conta dos alunos incluídos, mas a

diversidade é grande, sem falar no número de alunos que atendem. A gente conta

com o apoio da orientadora pedagógica, que ajuda. (Cristiane, professora de Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs)

“O colégio não tem acessibilidade arquitetônica, porque as escadas não podem ser

transformadas em rampas devido à arquitetura do prédio. Temos um banheiro

adaptado. O aluno que não anda é carregado no colo. Quanto ao pedagógico,

considero que o registro é uma forma de garantir a continuidade do trabalho. Os

alunos com NEEs são avaliados por registros. Buscamos fazer as adaptações

pedagógicas. Acho que acertamos em 60%, talvez.” (Bianca, orientadora

pedagógica)

“Nossa escola, por ser um prédio de mais de meio século de existência, não atende

completamente aos alunos com necessidades especiais. Não devemos receber alunos

cadeirantes, por exemplo, pois nosso único acesso aos andares e pelas escadas.

Arquitetonicamente não atende, mas quanto ao currículo e aos aspectos pedagógicos

estamos sempre procurando inovar a procura de melhores práticas.” (Cláudia,

gestora)

Quanto às adaptações arquitetônicas, apesar da existência de 1 (um) banheiro

adaptado, as professoras são unânimes em reconhecer a inadequação do prédio para alunos

com dificuldades na locomoção. A esse respeito, Crochík (2011, p. 71) alerta:

Não bastam adaptações arquitetônicas e atitudes favoráveis dos que convivem na

escola, no trabalho, com as pessoas que têm deficiência, para que essas não sofram

preconceito, mas a ausência dessas adaptações e atitudes indica uma negligência,

uma indiferença, que já é ofensiva a quem é esquecido; esse tipo de negligência é

uma forma de preconceito expressado pela frieza das relações existentes.

Logo, ao nos voltarmos para a constituição da escola inclusiva, não nos podemos

furtar à reflexão sobre o “currículo oculto” que perpassa o espaço no seu todo, e o que é

“revelado” por certas inexistências ou ocultamentos. Retomando as considerações do autor

acima, pode-se concluir que a “ausência” é, também, forma de “presença”.

Em relação aos aspectos curriculares e pedagógicos, observou-se atenção e

disponibilidade por parte das professoras e orientadora pedagógica em buscarem recursos e

estratégias para atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais. O ato de

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afirmarem momentos de trocas, indica a percepção de que a inclusão escolar não é fazer

isolado. Constitui-se coletivamente.

O professor necessita sentir-se acolhido e o apoio pedagógico, quer por parte de seus

pares, quer da equipe pedagógica da escola, contribui para reflexões sobre a prática e o papel

central que exerce na dinâmica da sala de aula, o que nos possibilita diálogo com Costa (2009,

p. 82) ao considerar “(...) que a responsabilidade pela inclusão dos alunos com deficiência

deve ser compartilhada pelos professores e demais profissionais da educação, considerando o

professor ator central na efetivação da inclusão”.

Importante aspecto considerado pela orientadora Bianca, diz respeito ao processo de

avaliação dos alunos incluídos, o qual se dá por meio de relatórios descritivos.

Contrapondo-se à forma tradicional de avaliar, rompe-se com a perspectiva da

comparação e competitividade entre os estudantes, o que, no dizer de Adorno (2006, p. 161),

contribui para a desumanização da educação, ou seja, “(...) acredito também que um ensino

que se realiza em formas humanas, de maneira alguma ultima o fortalecimento do instinto da

competição”. Ou seja, a prática adotada pela escola contribui para o rompimento com

concepção seletiva e reprodutivista da avaliação, obstáculo à concretização dos objetivos da

inclusão escolar.

Outra questão nos dá elementos para pensar a organização da escola pública na

perspectiva inclusiva, para tanto, propusemos às professoras regentes, à orientadora

pedagógica e à gestora considerações sobre a relação entre o Projeto Pedagógico da escola e

a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e para as professoras de Salas

de Recursos Multifuncionais dirigimos o questionamento: Há no Projeto Pedagógico de sua

escola alguma previsão específica que aponte para o Atendimento educacional

Especializado/AEE dos alunos com necessidades educacionais especiais? Comente.

A esse respeito, consideramos as respostas:

“O Projeto Pedagógico, ele foi feito com as professoras. Mas, não estou muito

lembrada da articulação. Não lembro.” (Laura, professora regente)

“O Projeto Pedagógico não chegou pronto. Foi construído com os professores. Os

professores puderam se colocar.” (Vanessa, professora regente)

“Bem, acho que sim, porque aqui na escola sempre se fala de inclusão.” (Beatriz,

professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)

“Eu sei que o Projeto Pedagógico, quando foi feito, tratava da Sala de Apoio

Pedagógico. Pelo que sei ele está sendo atualizado. Talvez não tenha nada tão

focado. Mas a escola realiza um trabalho de inclusão, isso sim.” (Cristiane,

professora de Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs)

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“O Projeto Pedagógico foi construído com a participação dos professores. Foi um

movimento que buscou apresentar o perfil de nossa escola, que há tempos convive

com alunos com necessidades educacionais especiais.” (Bianca, orientadora

pedagógica)

“Sim. O Projeto Pedagógico é a cara da escola e é nele que relatamos todos os

processos de uma escola. Sendo assim, a inclusão faz parte desse documento.”

(Cláudia, gestora)

No que tange ao Projeto Pedagógico da escola em foco, apoiamo-nos nas

considerações de Gadotti (2001, p. 16) que: “Não se constrói um projeto sem uma direção

política, um norte. Por isso todo projeto pedagógico da escola é também político”. Logo,

optamos por tratar o Projeto de “pedagógico”, assumindo a redundância ensejada pelo termo

“político”.

Em análise documental tivemos acesso ao Projeto Pedagógico da escola locus desse

estudo. Cabe destaque de que a Escola São Judas privilegia a perspectiva humanista da

educação e compreende a escola como espaço de formação de cidadãos críticos e

participativos, privilegiando a Pedagogia de Projetos71

.

A menção a alunos com necessidades educacionais especiais é feita no capítulo

referente à Metodologia da Escola, afirmando-se que para eles são oferecidas adaptações

curriculares. Anexado ao Projeto Pedagógico, encontra-se projeto específico para a

implantação de salas de recursos multifuncionais/SRMs na escola.

Considerando-se as narrativas referentes às considerações propostas, duas questões se

evidenciaram. A primeira assenta-se no fato de que na construção do Projeto Pedagógico da

Escola São Judas Tadeu, houve movimento de participação dos professores, fator indicativo

da perspectiva democrática que se buscou estabelecer.

Em contrapartida, o segundo elemento a nos chamar a atenção refere-se à impressão

de ter havido “certo distanciamento” dos professores em relação ao Projeto Pedagógico a

partir de sua construção, razão que justifica a pouca clareza nas respostas sobre a articulação

de ações relativas à educação inclusiva e sua correlação entre o que e para que se fizeram as

reflexões que resultaram no texto do Projeto.

A esse respeito, remetemo-nos ao pensamento de Adorno (1995, p. 205) que: “(...)

Enquanto o pensamento se restringe à razão subjetiva, suscetível de aplicação prática, o outro,

aquilo que lhe escapa, vem a ser submetido a uma práxis cada vez mais vazia de conceito e

que não conhece outra medida que não ela própria”. Infere-se, a partir da colocação do autor,

71

Pedagogia de Projetos - metodologia de trabalho educacional que tem por objetivo organizar a construção dos

conhecimentos em torno de metas previamente definidas, de forma coletiva, entre alunos e professores.

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que a dicotomia entre teoria e prática distancia o sujeito de questionamentos, reflexões e

críticas inerentes ao emancipado pensar.

Ainda na perspectiva da organização do espaço escolar para a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais, buscamos a percepção sobre a sistematização de

reflexões conjuntas por meio do questionamento: Há espaços sistematizados de discussão e

reflexão sobre a inclusão durante os bimestres letivos, envolvendo a direção, orientação

pedagógica, e professores? Teça comentários:

“Atualmente, não muito. Já aconteceu. Especialmente quando tínhamos mais classes

especiais, hoje não muito.” (Laura, professora regente)

“As trocas são mais no dia a dia. Temos a reunião pedagógica, mas nem sempre dá

tempo pra tudo. A orientadora pedagógica ajuda bastante. Traz sugestões, conversa

se preocupa. Já tivemos ocasião com mais discussões sobre inclusão. Nesse ano,

não.” (Vanessa, professora regente)

“Nesse ano não temos tido muitas oportunidades de encontros para estudo sobre

inclusão. Nos outros anos tivemos encontros falando sobre a educação especial, até

mesmo porque alunos de classes especiais estavam indo para as turmas regulares.

Lembro que a princípio estranhamos e comentamos, mas aos poucos eu observei que

a escola já trabalhava com a inclusão, mesmo não dando nomes. Atualmente, as

trocas maiores são nos Conselhos de Classe.” (Beatriz, professora de Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs)

“Há momentos de reuniões pedagógicas. Não especificamente para falar sobre

inclusão. Quando necessário, fazem-se outras.” (Cristiane, professora de Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs)

“Há agendamento de dia no mês para reunião pedagógica. São duas horas em cada

turno. Nesse dia, buscamos algum assunto de interesse para todos. Esse ano está

sendo um pouco confuso, mas o foco é a avaliação. Também no Conselho de Classe

busco refletir com os professores. Também aproveito momentos em que estejam

com aulas vagas ou alguma atividade extracurricular para alguma discussão e estudo

de caso.” (Bianca, orientadora pedagógica)

“A inclusão em nossa escola é um processo bem definido, pois durante muitos anos

a equipe gestora e pedagógica vem realizando o trabalho de informar, criando

condições de trabalho. Boas práticas são copiadas ou criadas para melhor atender

aos nossos alunos. Os espaços de discussão sempre foram bem planejados com os

professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Nosso desafio, como já disse

anteriormente, são os professores dos anos finais. Esses espaços de discussão para o

segundo grupo de professores ainda não estão bem definidos, pela dificuldade de

reunir todo o grupo. Mas todos os professores com dificuldades são atendidos

separadamente, sempre que observamos problemas ou mesmo quando nos

procuram. Lembro que construímos o plano de ação de formação interna segundo os

interesses dos professores. E, nos últimos planos o assunto inclusão não tem sido

solicitado.” (Cláudia, gestora)

Tanto as professoras quanto a orientadora pedagógica e a gestora reconhecem a

importância da reunião pedagógica como momento de partilhas e trocas, no entanto, não

demonstraram premência em discussões sobre a educação inclusiva. Não nos parece que o

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assunto se tenha esgotado, e sim que ao se propiciar momentos de discussão sobre o mesmo,

quando do processo de inclusão de alunos provenientes de classes especiais em turmas

regulares, houve ruptura com o impacto inicial, o que demonstra abertura do grupo para a

experiência formativa.

Vale ressaltar o “estranhamento” e “comentários” observados pela professora Beatriz,

o que, de acordo com Crochík (1995, p. 20) constitui-se atitude saudável, desde que se

apresente como rompimento com “(...) uma educação hipócrita que nos impede de

manifestarmos a nossa estranheza de forma espontânea (...) se desde pequenos desenvolvemos

a nossa curiosidade, mas não a rejeição frente a pessoas desconhecidas”. Sob esse aspecto, a

diferença percebida no outro, se concebida como de natureza humana, não se torna impeditivo

a aproximação e relacionamento com ele.

A categoria analisada evidenciou a barreira representada pela inadequação

arquitetônica da escola. Em contrapartida, constatou-se receptividade, por parte das

professoras e da equipe gestora, à vivência da experiência com a educação inclusiva e

movimento pelo enfrentamento de iniciativas/posições autorais para a escolarização de alunos

com necessidades educacionais especiais em turmas inclusivas.

4. Atendimento Educacional Especializado/AEE: possibilidades de democratização da

escola pública

A educação inclusiva implica na afirmação dos direitos humanos dos alunos, inclusive

de acesso e permanência na escola comum, tendo suas necessidades específicas de

aprendizagem atendidas. Assim, é possível que os alunos com necessidades educacionais

especiais se desenvolvam nos aspectos cognitivos, sociais, culturais, dentre outros.

Dentre as propostas pedagógicas contidas na Política Nacional de Educação Especial

na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), o atendimento educacional especializado –

AEE, apresentou-se como um serviço da educação especial que “(...) identifica, elabora e

organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena

participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008). A

ação proposta implica organização da escola e provoca o professor a assumir atitude reflexiva

e investigativa, pois demanda que o planejamento e a oferta de atividades se constituam a

partir de observações sobre cada aluno atendido.

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A partir do exposto e, em consideração a um dos objetivos desse estudo, buscou-se

investigação sobre os impactos do atendimento educacional especializado/AEE na Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais na escola, propondo-se como questão inicial direcionada às professoras

regentes, orientadora pedagógica e gestora participantes da pesquisa: Como você qualifica o

Atendimento Educacional Especializado – AEE, como suporte à inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais na escola? Abaixo, as narrativas:

“Acho bastante positivo. Há troca entre as professoras. Conversamos sobre as

dificuldades, sobre o desenvolvimento do aluno. Também tem apoio na hora das

provas. Quando o aluno não consegue terminar, ou tem alguma adaptação, a

professora da SRMs ajuda. Leio os relatórios dos alunos, recebo dicas. Pena a SRMs

não ser expandida para os outros alunos.” (Professora Laura)

“O AEE funciona bem. Como as professoras aqui trabalham os dois turnos na

escola, nos encontramos sempre. Assim, não tem trabalho isolado. Elas contribuem

com sugestões para a prática na sala de aula. Acho que veio somar.” (Professora

Vanessa)

“Considero um bom trabalho o da SRMs. As professoras são interessadas,

pesquisam, perguntam, apoiam. Mas, os alunos faltam muito, acho que é por ser no

contraturno, porque nem sempre os pais têm condições de retornar com a criança.”

(Bianca, orientadora pedagógica)

“O suporte do AEE é extremamente necessário, pois as escolas, de um modo geral

precisam de ajuda. Tenho que comentar que a escola sempre teve um ótimo

atendimento, mas, infelizmente, nos últimos tempos, devido às situações específicas

que surgiram (carência de professores na rede), impediram que resolvêssemos com

mais tranquilidade alguns impasses e dificuldades.” (Cláudia, gestora)

Ao analisar as narrativas dos participantes que conhecem o atendimento educacional

especializado/AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, constatou-se unanimidade

no entendimento da ação como suporte aos alunos e apoio a professores que com estes atuam.

Quanto ao desejo expresso pela professora Laura sobre a expansão da Sala de

Recursos Multifuncionais/SRMs para os outros alunos, evidencia-se que o movimento de

inclusão, por suas bases democráticas, vem se afirmando na garantia de relações mais justas

na escola, ao que nos parece, presente na fala da professora. Ou seja, se a ação oferecida é

qualificada e producente para o desenvolvimento de alguns, por que não estendê-la a outros?

Prosseguindo na análise, ainda com foco no mesmo grupo de referência acima, foram

solicitadas observações acerca da articulação de ações entre as professores de turmas

regulares e as do atendimento educacional especializado/AEE, realizado em Salas de

Recursos Multifuncionais/SRMs, obtivemos as respostas:

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“Como eu falei, não há trabalho isolado porque nos encontramos ... trocamos, mas

devíamos ter mais reuniões, um tempo maior para trocas.” (Professora Laura,)

“As professoras das SRMs ajudam bastante. Quando a gente recebe um aluno com

NEEs, o susto inicial é grande, dá insegurança. Aí queremos saber mais, e elas

ajudam com trocas. Auxiliam, também, com dicas sobre materiais e recursos para as

avaliações.” (Professora Vanessa)

“Há bom entrosamento entre as professoras da SRMs e das turmas regulares. Esse

ano, todas trabalham em tempo integral na escola e isso facilita muito. Percebo uma

boa convivência das professoras do AEE com as demais. Elas também participam do

conselho de classe e isso ajuda e facilita a troca.” (Bianca, orientadora pedagógica)

“Aqui na escola é muito bom. As duas professoras recursistas fazem um bom

trabalho articulando suas atividades com as atividades das salas de aula. Nunca

recebi queixas ou reclamações do trabalho da SRMs. Pelo contrário, são muito

elogiadas.” (Cláudia, gestora)

No tocante às professoras, observou-se trabalho conjunto com as responsáveis pelo

atendimento educacional especializado/AEE, o que lhes é um tanto enriquecedor. As

narrativas nos apontam que, através movimento vivenciado na escola dividem expectativas,

ansiedades e partilham experiências. Quanto a isso, Costa (2009, p. 68) afirma: “(...) o

trabalho muitas vezes, declarado como solitário, encontra respostas no trabalho em equipe, no

diálogo e na experiência entre diferentes subjetividades.”

Constata-se, pois, que a abertura para reflexão conjunta e troca de experiências entre

os profissionais possibilitam o enfrentamento e a superação de barreiras objetivas materiais

que “assombram” a escola, em se tratando da matrícula de alunos com necessidades

educacionais especiais em turmas regulares.

Para as 2 (duas) professoras atuantes em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,

propusemos questões que nos possibilitassem observações sobre o atendimento educacional

especializado/AEE e sua inserção no espaço/cultura da escola. Iniciamos com a questão:

Como você percebe o envolvimento da equipe pedagógica, incluindo o gestor da escola com a

SRMs?

“Quando eu cheguei para trabalhar na escola, já sabia da fama de que era inclusiva.

Aqui todos os professores têm alunos com NEEs. Há muitas inclusões, assim o

trabalho é de toda a equipe. No início do ano letivo a diretora faz reunião com os

pais de alunos de SRMs para explicar o que é. A orientadora pedagógica faz

entrevista com os pais e depois nos passa. Acho que há preocupação e interesse da

direção e orientação pedagógica com a SRMs.” (Professora Cristiane)

“Eu não me sinto sozinha. Estou há dezenove anos na escola e não me sinto

solitária. Quando tenho dúvidas, procuro a orientação pedagógica. Ela é presente.

Falo das minhas dificuldades. Percebo envolvimento da direção, também. A SRMs

não fica isolada.” (Professora Beatriz)

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Para as professoras Cristiane e Beatriz, a organização da escola é favorável à inclusão.

Percebe-se organização horizontal do espaço, com o favorecimento de trocas entre a equipe

gestora/pedagógica e professores. Isso significa que existe reconhecimento de

responsabilidades compartilhadas, o que contribui para o enfrentamento de dificuldades e

dúvidas vivenciadas pelos diferentes sujeitos da escola. A esse respeito, remetemo-nos a

considerações de Crochík (2011, p. 123), de que pensar a educação inclusiva na perspectiva

da Teoria Crítica da Sociedade, “(...) permite movimento social consciente dos limites de suas

possibilidades nesta sociedade”, entretanto, “sem abandonar a luta por uma sociedade mais

humana”.

Em continuidade, solicitamos às mesmas professoras: Fale sobre os principais

entraves vivenciados por você na dinamização do atendimento educacional

especializado/AEE em Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs. Abaixo, as narrativas:

“Meu maior entrave é quando não consigo atingir o aluno. Aí penso: o que fazer?

Como trabalhar? Eu não falo só do cognitivo, não. Tem aluno que eu custo a

conquistar, perceber a necessidade, me aproximar como acho que preciso... Tem

também o problema das faltas. Acho que o contraturno dificulta.” (Professora

Beatriz)

“É o contraturno. Os alunos necessitam de acompanhamento para irem e virem e é

difícil para os pais. Acho que se fosse atendimento no mesmo turno seria bem mais

fácil. A gente tenta ajustar, esticar o horário do aluno na escola, mas não dá pra

fazer pra todos.” (Professora Cristiane)

O relato da professora Beatriz corrobora para a concepção do atendimento educacional

especializado/AEE constituir-se a partir da observação do aluno. Há percepção, por parte da

professora, de que o planejamento de trabalho deve ser construído com base em considerações

individualizadas e não em sequência rígida de atividades tecnicamente concebidas e

previamente estabelecidas. A esse respeito, estudos de Costa (2011a, p. 49) comprovaram que

“(...) os professores que reduzem sua atuação docente e pensamentos às técnicas não

conseguem promover intervenções pedagógicas que contemplem o acesso ao conhecimento

aos alunos, considerando, assim, sua singularidade”.

Outra questão abordada por ambas as professoras, refere-se às faltas de alunos às Salas

de Recursos Multifuncionais/SRMs o que, no entendimento das mesmas se deve ao fato de a

atividade se oferecida em contraturno à escolarização regular, o que dificulta o retorno do

estudante à escola. Por essa razão, demonstraram-se favoráveis ao atendimento ao aluno no

mesmo turno de sua escolarização regular.

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Frente às colocações, procedeu-se ao seguinte questionamento: Se efetuada no turno,

não haveria perdas para o aluno? Como ajustar o atendimento educacional

especializado/AEE e a sala de aula concomitantemente? Obtivemos as respostas:

“Pois é, ia ter que criar estratégia. Pensar numa maneira.” (Professora Beatriz)

“Eu acho que é uma questão de organização interna, entre as professoras e a

orientadora. Eu entendo que dá para ajustar.” (Professora Cristiane)

Embora preocupadas com as faltas dos alunos, as professoras não apresentaram

alternativas claras para a solução da questão. A esse respeito, consideramos que mesmo não

sendo independente de seu sistema de ensino, a escola, apoiada em seu Projeto Pedagógico,

pode e dever prever saídas próprias para particularidades de sua comunidade, de seu espaço

de ensino.

Mudanças requerem discussões, estudos, levantamentos, iniciativas a serem

compartilhadas, buscando-se redimensionar o espaço da escola em atendimento às

necessidades do aluno. Isto posto, problematiza-se: não se poderiam ajustar horários de modo

que, alunos residentes em localidades distantes da escola permanecessem em período

estendido ou chegassem mais cedo à unidade em dias de atendimento em Salas de Recursos?

Diferentemente, os alunos moradores na circunvizinhança frequentariam em horários que

permitissem a flexibilidade de atendimento aos demais. Soluções outras poderiam ser

pensadas.

Enfim, somente leis não democratizam a educação. A democratização da escola é

construída no dia a dia e requer atenção constante dos diferentes atores constitutivos desse

espaço. Nesse sentido, e apoiando-nos na Teoria Crítica da Sociedade, tem-se que a educação

não deve ser para a negação da realidade, mas também não deve ser para a conservação, e sim

para além da experiência vivida, buscar novas e democráticas possibilidades.

Ao final da abordagem com as professoras atuantes nas Salas de Recursos

Multifuncionais/SRMs e objetos desse estudo, perguntamos: Quais ações no apoio aos

professores na inclusão de alunos NEEs são desenvolvidas por você? Assim responderam:

“Eu ajudo no que me solicitam. Dou sugestões sobre atividades, auxilio na aplicação

de avaliações. Não tem uma sistematização, entende? É quando pedem alguma

coisa.” (Professora Beatriz)

“O apoio é mais com sugestões, conversas sobre os alunos. Às vezes a orientadora

pedagógica solicita alguma coisa, de acordo com a necessidade do aluno e da

professora. As coisas não são muito combinadas. Fazemos de acordo com a

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necessidade que é observada. Também auxilio na aplicação de avaliações para

alguns alunos.” (Professora Cristiane)

Reafirma-se a horizontalidade organizacional da escola, no que tange ao trabalho

oferecido em Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs. As ações se desenvolvem a partir das

necessidades observadas. Convive-se com o caráter de imprevisibilidade, compartilhando-se

experiências, saberes e ideias, elementos inerentes ao potencial democrático da educação, pois

ao nos afirmarmos no pensamento de Adorno (2006, p. 71), verificamos que “Na

incapacidade do pensamento em se impor, já se encontra à espreita o potencial de

enquadramento e subordinação [...], do mesmo modo como hoje, concreta e voluntariamente,

a gente se curva ao existente.”

A ruptura com o existente implica um pensar emancipado, e os desafios da educação

inclusiva demandam superação da homogeneização da escola e enfrentamento das condições

utilitárias heterônomas e alheias à realidade de cada instituição educacional. Logo, reflexões

sobre o “curvar-se ao existente”, o que nos leva a concluir que as condições objetivas

materiais estão postas. Porém, há um movimento político-pedagógico na escola pública para

seu enfrentamento e o atendimento educacional especializado/AEE é reconhecido como

aliado nessa ação pelos participantes deste estudo.

Pensar o modo como a escola pode constituir, organizar e ampliar ações para

desenvolver consciências emancipadas nos indivíduos, aptas a refletir sobre as condições

objetivas materiais que lhes são impostas e criticamente avaliá-las, foi questão latente ao

longo da elaboração deste estudo.

É notória a premência de democratização da escola pública com vistas à transformação

da realidade social, marcadamente assentada na sociedade de classes, reprodutora de

condições identitárias, alienantes, excludentes e propensas à naturalização da barbárie. A esse

respeito, apoiamo-nos na afirmativa de Adorno (2006, p. 36), de que “(...) quanto mais as

pessoas estiverem submetidas a contextos objetivos em relação aos quais são impotentes,

tanto mais elas tornarão subjetiva essa impotência”.

Portanto, evidencia-se o papel da escola como instância crítica e socialmente

comprometida com as questões educacionais contemporâneas. Para tal, não lhe compete

ausentar-se ou ignorar as condições sociais existentes, mas contribuir para a formação de

indivíduos livres pensantes, capazes de se contrapor a toda e qualquer ação que desrespeite e

desconsidere os indivíduos no que os identifica e diferencia: sua humanidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A couraça oculta a ferida.

(Adorno, 2006)

O olhar crítico centrado na educação contemporânea demonstra que, por intermédio

das atuais políticas de educação inclusiva para democratização da escola, couraças estão

sendo rompidas evidenciando-se profundas fraturas e feridas na escola pública.

A chegada de alunos com necessidades educacionais especiais às escolas regulares

lança instigante desafio às mesmas quanto à necessidade de seu redimensionamento desde o

aspecto físico, àquele de sua conjuntura ideológica por onde perpassam os currículos

instituídos e ocultos, o projeto pedagógico, as relações inter e intrapessoais e as nuances

várias próprias a espaço tão rico quanto o é a escola.

Constata-se que o êxito da inclusão escolar depende, dentre outros fatores, da

concepção que se tem sobre a diversidade humana. Verifica-se estar nesse enfoque, dentre

outros, grande desafio a ser enfrentado ao se vislumbrar uma educação democrática, uma vez

que a própria sociedade vem, ao longo de séculos, excluindo aqueles que se revelem

diferentes dos padrões socialmente estabelecidos.

Nesse sentido, não mais podemos fugir ao debate sobre o reconhecimento e

valorização da diversidade humana como imperativo ético para a constituição da escola

democrática, que contemple o ensino-aprendizagem de seus alunos considerando suas

diferenças.

Como, então, trilhar caminhos diferenciados, sabendo-se que concepções tão

fortemente estabelecidas ainda se fazem presentes? Em quais outras concepções buscar apoio

e sustentação diante da necessidade urgente de atendimento a grupo social há tanto

marginalizado? E como promover o envolvimento e a conscientização dos profissionais da

educação, para que se comprometam com a educação na perspectiva democrática intrínseca à

escola inclusiva?

Essas questões foram centrais ao longo do processo de elaboração deste estudo.

Apoiando-nos na Teoria Crítica da Sociedade, pensamos com apoio do pensamento de

(Adorno, 2006, p. 185) que: “Aquele que quer transformar provavelmente só poderá fazê-lo

na medida em que converter esta impotência, ela mesma, juntamente com a sua própria

impotência, em um momento daquilo que ele pensa e talvez daquilo que ele faz.”

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Com base no entendimento de que “impotências” serão vencidas quando confrontadas

e percebidas nos diferentes fios da teia que as compõem, propusemo-nos analisar a rede

pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ, a fim de conhecer como esta constitui a

articulação entre escola comum e a educação especial, não mais como substitutiva ao ensino

regular, mas intrinsecamente instituída na escola que se faz para o atendimento à diversidade

inerente à constituição do ser humano.

Assim, a discussão sobre a educação, em seu aspecto emancipatório e crítico-

dialético, como método de análise educacional e social, para tensionar e desvelar as

contradições sociais presentes na escola, que contribuem para a manutenção de sua estrutura

organizacional, como expressão material das relações sociais excludentes, contribuíram para

problematizar a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, por meio

de políticas públicas de educação como suporte ao seu acesso e à permanência na escola

pública.

A aproximação à Escola São Judas Tadeu, lócus deste estudo, possibilitou-nos refletir

criticamente sobre sua estrutura organizacional, em seus aspectos arquitetônicos,

pedagógicos, curriculares e de concepções relativas à formação de professores como reflexo

de políticas de educação, desenvolvidas pela rede pública municipal de ensino de

Petrópolis/RJ.

Nesse sentido, considerando os objetivos e questões deste estudo, seguem as

Considerações Finais:

No que se refere às contribuições das atuais políticas públicas de educação especial na

perspectiva inclusiva e a formação docente, verificou-se:

Os professores não se sentem contemplados pela formação inicial que lhes é

possibilitada na Universidade e, embora percebam a necessidade de

aprimoramento profissional, por intermédio de leituras e atualização de

saberes, não se mostraram autônomos para assumir esse movimento, o que se

faz latente em narrativas de que “O que se aprende na Faculdade não dá

conta.” e ainda “Não fomos preparadas.”;

A necessidade de maior interação entre os diferentes atores da escola eclodiu

como elemento essencial à sua constituição como espaço de formação, não

somente para professores atuantes em salas de aula, como também à totalidade

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da equipe de apoio e técnico-pedagógica, o que revela reconhecimento de que,

pela formação compartilhada com reflexões e compartilhamentos de saberes,

contribui-se à constituição de subjetividades propícias a analisar os aspectos

culturais e a enfrentar os limites sociais vigentes;

Constatou-se que a formação heterônoma do professor contribui para que

espere de instâncias outras, como Saúde e Assistência Social, respostas/apoios

que validem o sentimento de impotência frente às necessidades educacionais

especiais de seus alunos com deficiência;

Evidenciou-se que concepções, impregnadas de estereotipias perpassam o

espaço escolar, naturalizando-se a não aprendizagem de alunos com

necessidades educacionais especiais, o que contribui para a manutenção da

opressão e a discriminação na escola pública;

Embora as narrativas revelem que o professor percebe-se solitário no seu fazer

e, por vezes, incerto quanto às suas ações. Em contrapartida, fez-se notório o

avanço e o reconhecimento, por parte das professoras, da escola como espaço

que contribui democraticamente para a educação inclusiva e o

desenvolvimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, por

contribuir na sensibilização e no acolhimento à diversidade humana.

Na perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade, à educação cabe o papel da

emancipação. Essas considerações reiteram o aspecto heterônomo da formação de professores

como componente crucial para que se reconheçam como indivíduos capazes de intervir em

sua realidade. Retomando o pensamento de Costa (2009, p. 70), ao afirmar que: “(...) faz-se

urgente uma formação de professores para a reflexão e a crítica, que ultrapassem os limites

baseados na deficiência (...)”, é necessário que a formação docente, na perspectiva crítica,

possa contribuir tanto para o enfrentamento e superação dos limites impostos à educação

inclusiva, quanto para a construção de alternativas, necessariamente fundamentadas em bases

democráticas e emancipatórias da educação para os indivíduos, professores e alunos.

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Evidencia-se que a razão instrumental e a racionalidade técnica, inerentes à formação

docente, contribuem para que, na escola, sejam reafirmados os limites impostos à sociedade

administrada, cuja predominância é a da adaptação e reprodução social.

Viver experiências durante seu fazer docente propicia ao professor a reflexão

essencial à elaboração de conceitos, possibilitando o enfrentamento das (in)certezas e dúvidas

gestadoras e alimentadoras de estereotipias e preconceitos, pois para Crochík (1995, p. 18):

“Como a experiência e a reflexão são as bases da constituição do indivíduo na sua relação

com a cultura, a sua ausência caracteriza o preconceito”.

Daí, a importância da reflexão no coletivo e no cotidiano escolar no desenvolvimento

de ações coletivas compromissadas com a cultura da educação inclusiva, ou seja, aquela que

busca e encontra respostas, segundo Costa (2009, p. 68) “(...) no diálogo e na experiência

entre diferentes subjetividades”. Desse modo, assumindo-se como protagonista de sua

formação, o professor romperá com a lógica reprodutora da racionalidade técnica de que

respostas se encontram prontas e externamente construídas.

Ou seja, reflexões compartilhadas contribuem, dentre outras, para a percepção da

insuficiência dos conhecimentos a priori impostos para o enfrentamento das exigências

materiais da sociedade vigente, conforme constatado por Costa (id, p. 71) em seus estudos, ao

conceber que:

À medida que esses profissionais vão elaborando conhecimentos acerca da inclusão

dos alunos, reconhecem a diferença como essência da humanidade, passando a

perceber as possibilidades de crescimento, de troca de experiências e de

aprendizagens inerentes à inclusão, desenvolvendo a consciência crítica a respeito

das relações humanas.

Vale destacar que as professoras, participantes deste estudo, reconheceram e

validaram a necessidade da escola inclusiva em respeito à diversidade humana. Nesse sentido,

reafirma-se o caráter crítico-dialético e emancipatório da educação, que não somente deve se

voltar ao reconhecimento da necessidade de transmissão e desenvolvimento de valores

humanistas, como indicar, confrontar e romper as condições sociais que impedem esse

movimento.

Em relação à articulação entre as práticas docentes e o atendimento às necessidades

educacionais especiais dos alunos, no cotidiano da sala de aula, constatou-se que:

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A vivência da experiência da inclusão vê-se dificultada pela constituição

individual do sujeito, mediada pela cultura. Nesse sentido, os professores ainda

se revelam inseguros quanto às práticas pedagógicas na escola inclusiva; por

não mais se assentarem na uniformização e reprodução de conteúdos

curriculares;

A ação pedagógica, com base na auto-reflexão crítica, ainda é pouco presente

no cotidiano do professor, o que lhe dificulta reconhecer-se como autor de sua

prática, demandando, por vezes, modelos e técnicas.

A imagem do Sistema falho, da necessidade de profissionais outros

apresentadas nas narrativas das participantes, denota heteronomia do professor

na elaboração de conhecimento que contribuirá para sua autonomia e o

enfrentamento dos desafios pedagógicos, presentes cotidianamente na sala de

aula, transferindo sua solução às instâncias externas;

Percebeu-se que avanços se constituíram, ao se debater e analisar os limites

sociais presentes na escola, por meio da constatação de que todos os alunos

poderiam ser beneficiados pela oferta de práticas pedagógicas oferecidas

àqueles com necessidades educacionais especiais;

Por fim, apesar das dificuldades impostas, quer do ponto de vista cultural, quer

pelos limites da escola em reconhecer-se como instância social transformadora,

não se observou, por parte das professoras, participantes deste estudo, atitude

refratária à vivência da experiência com a educação inclusiva.

Nesse estudo constatamos que a relação teoria-práxis coloca-se central, em se tratando

da educação, como instrumento para se pensar as contradições sociais, que contribuem para os

limites impostos à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e,

consequentemente à segregação na escola pública.

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Para Adorno (1969, p. 1)72

teoria e prática não se separam, ao afirmar que: “(...) creio

que uma teoria é muito mais capaz de ter consequências práticas em virtude de sua própria

objetividade, do que quando se submete de antemão à prática”. Logo, a interdependência

entre teoria e prática é elemento essencial para que o professor experiencie e problematize

condutas pedagógicas. Ou seja, “pense por si”.

Nesse sentido, o fundamento da estrutura social predominante, tal como concebido

pelo modo de produção capitalista, contribui para que o professor deposite em terceiros –

Saúde, Assistência Social, dentre outros – a resposta às demandas para as quais não se vê

preparado. Coloca-se a questão da importância dos professores, assim como os demais

profissionais da escola, assumirem suas responsabilidades com a escola

inclusiva/democrática, e não transferi-las a terceiros, o que evidencia a heteronomia

vivenciada no lócus da escola na atualidade. Desse modo, apoiamo-nos no posicionamento de

Costa (2009, p. 82), ao problematizar que:

(...) para além dos desafios enfrentados pelos professores, sobretudo pelo fato de se

julgarem despreparados para atuar em classes inclusivas, é importante afirmar não

haver necessidade de estar preparado para atuar com a diversidade dos alunos, pois

esses são seres humanos subjetivos e singulares e se encontram em processo de

diferenciação, sobretudo quando participam das diversas instâncias sociais, com

destaque para a escola pública.

Assim, são equivocados os limites postos às diferenças existentes nos alunos com

necessidades educacionais especiais, visto a diferença ser característica inerente à

subjetividade, ou seja, à humanidade dos indivíduos, com ou sem necessidades educacionais

especiais, decorrentes de deficiência.

Logo, o objetivo da práxis pedagógica é a emancipação, por contribuir para a tomada

de consciência sobre o reducionismo da razão, que impõe discurso único e hegemônico à

escola contemporânea. A esse respeito, Adorno (2006, p. 181) enfatiza ser: “(...) preciso

começar a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõe à emancipação nessa

organização do mundo. [...] O motivo evidentemente é a contradição social”.

Sob tal perspectiva, essa pesquisa revelou o cenário da escola perpassado pela latência

das contradições sociais massificadoras e excludentes. No entanto, também foi possível

entrever, pelas narrativas das professoras, participantes deste estudo, predisposição às

mudanças.

72

O trecho se encontra em entrevista concedida à revista alemã "Der Spiegel" (nº 19) em 1969, com o título de

“Meu pensamento sempre esteve numa relação muito indireta com a prática”. Disponibilizado no site:

nupese.fe.ufg.br/. Acesso em 30 de maio de 2013.

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No que tange à organização da escola em seus aspectos arquitetônicos, curriculares e

pedagógicos, evidenciou-se que:

Do ponto de vista arquitetônico a escola em estudo deixa a desejar. Sua

construção vertical demanda construção de rampa, o que foi descartado pela

diretora em virtude da estrutura predial, cogitando-se instalação de elevador

externo, ainda em estudo;

Em relação aos aspectos curriculares e pedagógicos, observou-se

disponibilidade por parte das professoras, orientadora pedagógica e diretora, na

busca por recursos e estratégias para a escolarização de alunos com

necessidades educacionais especiais. Ressalta-se o valor atribuído aos

momentos de encontros e experiências entre professores como

potencializadores de ações inclusivas. Nesse sentido, voltando-se para

discussões coletivas, oportuniza-se que os professores compartilhem dúvidas e

medos, fortalecendo-se reciprocamente para seu enfrentamento;

Merece destaque a concepção desenvolvida na escola no tocante à avaliação

dos alunos incluídos. A mesma se dá por meio de relatórios bimestrais

descritivos, em que constam os objetivos traçados, os atingidos e as propostas

ainda em processo. Tem-se que a prática observada contribui para o

rompimento com a perspectiva seletiva e competitiva da avaliação, afirmando-

se a abertura do espaço escolar à perspectiva democrática da educação;

Em relação ao Projeto Pedagógico da escola, a análise documental revelou-nos

que o mesmo apoia-se em perspectiva Humanista, privilegia a Metodologia de

Projetos e compreende a escola como espaço de formação de indivíduos

críticos e participativos. No entanto, constatou-se que, embora tenha sido

elaborado com a participação da comunidade escolar no ano de 2004,

observou-se afastamento do mesmo, uma vez não haver clareza nas respostas

das professoras sobre a correlação entre o Projeto Pedagógico e ações

inclusivas desenvolvidas na escola. Nesse sentido, afirma-se o distanciamento

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entre teoria e práxis, dificultando-se a promoção de prática pedagógica

emancipada e emancipadora.

A escola pública somente será inclusiva, quando organizada de modo a favorecer

acesso e permanência à totalidade dos alunos. Nesse sentido, os desafios de mudanças devem

ser assumidos pelo coletivo de profissionais da escola, desde o aspecto físico estrutural àquele

assentado na perspectiva do instituinte do espaço.

Nesse contexto, o Projeto Pedagógico não pode ser documento que não atravesse a

realidade da escola. Sua produção deve ser percebida como em contínuo, porque inacabada.

A esse respeito, apoiamo-nos em estudos de Damasceno (2010, p. 260) pela constatação de

que:

(...) como movimento instituinte, é possível afirmar que o Projeto Pedagógico pode

contribuir para a afirmação da democratização escolar e, por conseguinte, para a

educação inclusiva, tendo que atentar para os ativismos da realidade instituída, que

devem ser objeto de reflexão crítica.

Vale destacar que os obstáculos impostos pela inadequação arquitetônica da escola

estudada, e o distanciamento da comunidade escolar de reflexões sobre o Projeto Pedagógico,

como elemento norteador de ações e definidor de relações constitutivas e constituintes na/da

escola, reiteram o escasseamento de vivências/experiências democráticas, o que contribui para

os mecanismos de exclusão na escola pública.

Entretanto, embora aparentemente contraditório, cabe evidenciar ações, no que se

refere à predisposição das professoras, participantes deste estudo, de redimensionamento da

prática e de compartilhamento de experiências, como percebido no processo de avaliação e na

busca de estratégias pedagógicas para a escolarização dos alunos incluídos. A esse respeito

referendamo-nos à afirmativa de Becker (apud Adorno, 2006, p. 170), posto que:

(...) isto não significa emancipação mediante a escola para todos, mas emancipação

por intermédio de uma oferta formativa bastante diferenciada e múltipla,

possibilitando o desenvolvimento da emancipação em cada indivíduo, o qual precisa

assegurar a emancipação em um mundo que parece particularmente determinado a

dirigi-lo heteronomamente.

Ou seja, Adorno alerta para a o aspecto emancipatório da educação, como rompimento

com as condições sociais objetivas, que contribuem para o ajustamento alienado e heterônomo

dos indivíduos, uma vez que embora reconheçam a validade de novas alternativas à prática

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pedagógica, os professores, pela formação que lhes foi/é possível, sentem-se inseguros em

inovar suas práticas docentes, rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.

Por fim, a categoria analisada evidenciou que as relações concebidas e construídas

entre o instituído e o instituinte, revelam e desvelam o espaço-tempo da escola, conforme

Linhares (2009, p. 17), ao destacar que: “(...) as ações instituintes podem ter tamanhos e

tempos de duração variáveis, reduzidos, feitos por percursos imprevisíveis de avanços e

recuos”. Desse modo, o enfrentamento da realidade desafiadora para os professores não se

sustenta pelo que é concebido/imposto pelo instituído. Ao longo da elaboração deste estudo,

pôde-se refletir e constatar o conflito existente entre essas duas perspectivas nas escolas

petropolitanas.

Finalmente, as observações sobre os impactos do atendimento educacional

especializado/AEE, na Sala de Recursos Multifuncionais/SRMs como suporte à inclusão na

escola pública, revelaram-nos que:

Há unanimidade no reconhecimento do atendimento educacional

especializado/AEE como suporte aos alunos e apoio aos professores,

evidenciando-se desejo de sua extensão aos demais alunos, uma vez percebido

como ação qualificada e producente;

Constatou-se horizontalidade organizacional da escola, em se tratando de

trocas entre professores de sala regular, professores de atendimento

educacional especializado/AEE e equipe gestora/pedagógica, configurando-se

o aspecto democrático da ação desenvolvida;

Em relação aos entraves vivenciados na dinamização do atendimento

educacional especializado/AEE em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs,

as faltas dos alunos apresentaram-se como ponto crucial, justificadas pela

dificuldade de retorno à escola no contraturno. Entretanto, não se percebeu, por

parte das professoras partícipes deste estudo, reflexões sobre a questão,

evidenciando-se, uma vez mais, a dificuldade de o professor frente às

condições objetivas materiais que lhe são impostas, perceber-se como capaz de

problematizar e confrontar questões com vistas a soluções democráticas e

emancipatórias;

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Em relação ao apoio oferecido aos professores pelo atendimento educacional

especializado/AEE, na inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais, as ações se desenvolvem naturalmente, mediante partilhas,

convivendo-se com a imprevisibilidade e necessidades observadas. O

movimento observado é sugestivo de espaço receptivo ao enfrentamento de

dificuldades por meio de experiências compartilhadas.

Pensar a educação inclusiva significa romper com o imaginário da educação marginal

e marginalizada, porque não reconhecida como direito de cidadania. O momento histórico é

favorável à democratização da escola pública, o que é percebido pelas políticas de educação e

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola pública.

Na perspectiva da educação inclusiva, a oferta do atendimento educacional

especializado/AEE, em Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs, vem se revelando

importante aliada na organização da escola, ao articular serviços necessários à interlocução

entre a educação especial e a escola regular. Tal fato pôde ser constatado neste estudo. Pois,

mesmo considerando a curta trajetória das políticas públicas de educação especial na

perspectiva inclusiva na rede pública municipal de ensino de Petrópolis, as narrativas foram

unânimes no reconhecimento da validade do AEE.

No entanto, não podemos deixar de refletir sobre as condições organizacionais, que

demandam ações emancipatórias das escolas públicas. Ou seja, por fazerem parte de uma rede

de ensino, historicamente as escolas públicas se mantiveram em situação de dependência

administrativa, funcional, e até mesmo pedagógica, ou seja, limitadas em sua autonomia. A

organização da escola pública e inclusiva demanda mudanças em sua cultura organizacional

cultura e nas práticas pedagógicas. Quanto a isso, Costa (2006, p. 6) afirma ser importante:

(...) destacar que um projeto educacional democrático inclusivo não se realizará com

base apenas em leis. Mas, principalmente como decorrente de uma auto-reflexão

crítica por parte de toda a sociedade, com ênfase, nesse momento, nos professores

das redes públicas de ensino.

Apoiando-nos no pensamento de Costa, pudemos observar que conflitos relativos às

dificuldades de retorno dos alunos para o AEE, no contraturno da escolarização inclusiva,

provocam dúvidas nos professores quanto à sua validade da pedagógica. Assim, reafirmam-se

os limites da escola pública e a urgência de seus atores reconhecerem que, no atual estágio de

transição do processo educacional inclusivo, a efetividade das ações pedagógicas não se

encontra exclusivamente nos dispositivos legais. Mas, principalmente na convicção de que a

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escola precisa mudar e da determinação em promover mudanças no contexto educacional, ou

seja, transformações de ideias, de atitudes e de práticas pedagógicas.

Concluindo, este estudo afirma que, ao nos propormos problematizar as políticas de

educação, voltadas ao atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais,

desenvolvidas ao longo dos últimos trinta anos na rede pública municipal de ensino de

Petrópolis/RJ, e à formação dos professores, em particular os que atuam ou irão atuar em

classes inclusivas, deparamo-nos com as dimensões do instituído, aquelas identificadas na

existência de leis, decretos, diretrizes, dentre outros, e na do instituinte, isso é, aquilo que é

tecido no interior dos espaços escolares, no dia a dia, em meio às dúvidas, aos medos, aos

enfrentamentos, às problematizações, aos avanços e retrocessos.

Isso posto, o resgate histórico da trajetória da Educação Especial na rede pública

municipal de ensino de Petrópolis propiciou-nos a observação de que, embora jovem em

trajetória, revestiu-se a mesma de fortes marcas próprias de um século ora marcado por lutas

sociais altamente humanitárias, ora assentado em ações extremamente excludentes e capazes

de agressões profundas ao ser em sua humanidade.

Tendo como nascedouro os anos mil novecentos e oitenta do século passado, nos quais

a sociedade brasileira vivia a turbulência da legitimação de uma nova Constituição e se

atravessavam períodos em que a educação brasileira se via frente às contrastantes influências:

quer aquelas voltadas para uma concepção desenvolvimentista de país, de caráter competitivo

e individualista, quer as que se apresentavam sob a perspectiva do reconhecimento da

educação como “direito de todos”, como ressaltado pela Declaração de Salamanca (UNESCO,

1994), certo é que marcas próprias se fizeram na Educação Especial nas escolas municipais da

rede municipal de ensino em Petrópolis.

Quanto a isso, nos referimos a Marina Colassanti73

, escritora brasileira

contemporânea, narra uma bela história no conto, a seguir74

, o qual é ilustrativo à reflexão

sobre o afirmado anteriormente:

De nada adiantou a couraça contra o fio da espada. O sangue jorrou entre as

frestas metálicas e o jovem rei morreu no campo de batalha. Tão jovem, que

não deixava descendente adulto para ocupar o trono. Apenas, da sua

linhagem, um filho menino.

Antes mesmo que a tumba fosse fechada, já os seus fiéis capitães se reuniam.

A escolha de um novo rei não podia esperar. E determinaram que o menino

73

Marina Colasanti (Asmara, Etiópia, 1937) chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de

Janeiro. 74

In: Revista Nova Escola, dez/1997.

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haveria de reinar, pois a coroa lhe cabia de direito. Que começassem os

preparativos para colocá-la sobre sua cabeça.

Aprontavam-se as festas de coroação, enquanto os capitães instruíam o

menino quanto ao seu futuro. Mas porque o rei seu pai havia sido muito

amado pelo povo e temido pelos inimigos, e porque o rosto do menino era tão

docemente infantil, uma decisão sem precedentes foi tomada.

No dia da grande festa, antes que a coroa fosse pousada sobre os cachos do

novo rei, a rainha sua mãe avançou e, diante de toda a corte, prendeu sobre

seu rosto uma máscara com a figura do pai. Assim, ele haveria de ser

coroado, assim ele haveria de governar. E os sinos tocaram em todo o reino.

Muitos anos se passaram, muitas batalhas. O menino rei não era mais um

menino. Era um homem. Acima da máscara, seus cabelos começavam a

branquear. Seu reino havia crescido. As fronteiras, agora longas, exigiam

constante defesa.

E, na batalha em que defendia a fronteira do Norte, perseguido pelos

inimigos, o rei foi abatido no fundo de uma ravina, sem que de nada lhe

valesse a couraça.

Antes que fechasse os olhos, acercaram-se dele seus capitães. Retiraram o

elmo. O sangue escorria da cabeça. O rei ofegava, parecia murmurar algo.

Com um punhal, cortaram as tiras de couro que prendiam a máscara. Soltou-

se pela primeira vez aquele rosto pintado ao qual se haviam acostumado

como se fosse carne e pele. Mas o rosto que surgiu por baixo dele não era um

rosto de homem. A boca de criança movia-se ainda sobre mudas palavras, os

olhos do rei faziam-se baços num rosto de menino.

Assim como o “reizinho”, não estará a ação educativa permitindo-se o uso de

‘máscaras’ que não mais lhe convém, chegando mesmo ao ponto de deformar sua fisionomia?

Da mesma forma como as fronteiras do reino se alargaram, exigindo maiores cuidados em sua

defesa, também as necessidades de nossas escolas não mais são as mesmas de tempos

passados; por que, então, insistir em organizá-las da mesma maneira? Como de nada valeu a

‘velha couraça do reizinho’ no enfrentamento dos inimigos, constatam-se incertezas, dúvidas

várias frente às questões instituídas e instituintes à organização e democratização das escolas

na rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ.

A escola inclusiva cumpre o papel de romper com a perspectiva da segregação e

exclusão, ao aproximar a escola comum da educação especial, logo está sendo construída e

mudanças ainda são necessárias.

Não se pode negar que refletir sobre as possibilidades de um espaço escolar inclusivo

leva muito além da discussão sobre metodologias, currículos e planejamentos, uma vez

estarem os mesmos intimamente atrelados às concepções pré-existentes. Logo, ao se voltar ao

fazer inclusivo, volta-se, sim, às mudanças de concepções há muito arraigadas. E mudanças

requerem, por vezes, sofrimento e coragem.

Sofrimento, por não ser fácil renunciar-se aos fazeres há tanto estabelecidos; e

coragem por ser o mergulho no novo um ato de muitas incertezas, o que, ao que parece, vêm

vivenciando os educadores petropolitanos.

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Romper com o estabelecido para a vivência de novas experiências é aspecto a ser

considerado pelo educador consciente de seu papel crítico e emancipatório, ou seja, aquele

que se assume como protagonista de sua formação,

Educar para a inclusão é permitir-se o movimento de constante reflexão, pois sem a

mesma corre-se o risco de um engessamento o qual poderá levar a irreparáveis deformações.

Em relação à rede pública municipal de ensino de Petrópolis/RJ, constata-se que dos

primórdios dos anos 1980 do século passado, à primeira década do século atual, as

concepções que se vão constituindo contribuem para a percepção de movimento constante de

buscas.

Resguardar adequado atendimento aos alunos com necessidades educacionais

especiais, ainda que sob perspectivas inerentes às possibilidades das diferentes épocas e de

concepções que se faziam e fazem latentes, apresenta-se como política nitidamente instituída

na rede de ensino de Petrópolis.

Os impactos verificados, a partir do ano de 2009 e mais especificamente ao longo do

ano de 2010, quando da implantação do atendimento educacional especializado/AEE em

Salas de Recursos Multifuncionais/SRMs nas escolas da rede pública municipal de Petrópolis,

demonstraram avanços para a constituição de ações de reconhecimento da diversidade

humana, tendo a escola como espaço capaz de gestar novas concepções pedagógicas, capazes

de romper com concepções culturalmente instituídas.

Ao se remeter ao conto de Marina Colassanti, é possível imaginar qual teria sido o

destino daquele reino, caso o reizinho tivesse se recusado ao uso da máscara que lhe fora

imposta. Inúmeras são as possibilidades. No entanto, qualquer que fosse o caminho que o

reino tomasse sob sua liderança, se revestiria de sua marca própria, de suas idiossincrasias, de

suas crenças, de suas necessidades, de suas forças e fraquezas, de sua face.

Finalizando, tem-se que trilhar caminhos próprios e permitir-se buscas, apresenta-se

como desafio que vem sendo enfrentado para que ações se concretizem de forma ética,

reflexiva e democrática, sem que se percam a identidade e as (in)certezas intrínsecas e

constitutivas das escolas públicas municipais de Petrópolis, quando da inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais, sob pena de, a exemplo do “reizinho”, estar se sujeitando

à deformidade que poderá vir a ser irreparável. Pois, como afirmado por Adorno (2006, p.

70): “A couraça oculta a ferida”.

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REFERÊNCIAS

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___________________. Notas marginais sobre Teoria e Práxis. In: ADORNO, Theodor W.

Palavras e Sinais: Modelos Críticos 2. Petrópolis: Vozes, 1995.

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Filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2006.

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Assuntos Jurídicos, Brasília, DF, 2008.

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providências. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 2007.

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com Municípios, Distrito Federal e Estados. Presidência da República. Casa Civil, Brasília,

DF, 2007.

_______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura.

Brasília, DF, 2006.

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de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. nº 18 da Lei

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2004.

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de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº

10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a

promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade

reduzida, e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 2004.

_______. Ministério da Educação. Portaria nº 2.678, de 24 de setembro de 2002. Aprova o

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nacional. Brasília, DF, 2002.

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155

_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº. 10.436, de 24 de

abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras

providências. Brasília, DF, 2002.

_______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1/CNE/CP, de 18 de fevereiro de

2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, 2002.

_______. CNE - Câmara de Educação Básica. Resolução nº 2/CNE/CEB, de 11 de

setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

Básica. Brasília, DF, 2001.

_______. CNE - Câmara de Educação Básica - Parecer nº 17 de 3 de julho de 2001, trata da

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especiais. Brasília, DF, 2001.

_______. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano

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_______. Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção

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158

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO

PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.

ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa

MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva

1. Dados Pessoais/Pseudônimo*: ____________________________________________

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Data de Nascimento: _____/_____/_____

2. Formação Acadêmica

2.1 Qual é sua formação acadêmica?

( ) Nível Médio – Curso:___________________________________________________

( ) Nível Superior – Curso:_________________________________________________

( ) Pós-Graduação: Cursando ( ) Concluído ( )

Mestrado ( ) Doutorado ( )

Mestrado e/ou Doutorado em:_________________________________________

Especialização em: _________________________________________________

Outro: ___________________________________________________________

3. Experiência Profissional

3.1 Qual sua função/cargo na escola: ______________________________________

3.2 Há quanto tempo leciona? ___________________________________________

3.3 Há quanto tempo trabalha nesta escola?_________________________________

3.4 Atualmente trabalha em quais escolas? ________________________________

3.5 Qual sua carga horária semanal de trabalho? ____________________________

*Utilizou-se pseudônimo, em respeito à preservação da identidade dos entrevistados.

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159

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO

PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.

ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa

MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva

ROTEIRO DE ENTREVISTA

I. Entrevista com o/a Diretor/a Geral:

1. Qual a sua formação inicial?

2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?

3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?

4. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais são desenvolvidas na escola?

5. Fale sobre sua experiência como diretor/a de uma escola pública agora também inclusiva.

6. Sob seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe à gestão escolar?

7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com

necessidades educacionais especiais incluídos.

8. O projeto pedagógico da escola contempla a inclusão? Comente sobre isso.

9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?

Comente.

ANEXO 2

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160

10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre

letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.

11. Como você qualifica a atuação o suporte do Atendimento Educacional Especializado –

AEE – realizado na Sala de Recursos Multifuncionais? Justifique.

12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs

no atendimento às necessidades especiais dos alunos? Comente.

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161

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO

PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.

ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa

MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva

ROTEIRO DE ENTREVISTA

II. Entrevista com os/as orientadores/as pedagógicos/as:

1. Qual a sua formação inicial?

2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?

3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?

4. Fale sobre sua experiência com a educação inclusiva.

5. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com NEEs são desenvolvidas

por você? Comente.

6. Sob o seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe para a orientação pedagógica?

7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com

NEEs.

8. O projeto pedagógico da escola contempla a educação inclusiva? Comente sobre isso.

ANEXO 3

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162

9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?

Comente.

10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre a educação inclusiva durante o

bimestre letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a

respeito.

11. Como você qualifica a atuação do Atendimento Educacional Especializado – AEE –

realizado na Sala de Recursos Multifuncionais? Justifique.

12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs

para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos? Comente.

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163

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO

PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.

ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa

MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva

ROTEIRO DE ENTREVISTA

III. Entrevista com os/as professores/as de turmas regulares:

1. Qual a sua formação inicial?

2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?

3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?

4. Fale sobre sua experiência com a educação inclusiva.

6. Sob o seu ponto de vista, quais demandas a inclusão trouxe para os professores?

7. Comente sobre os desafios enfrentados no cotidiano escolar na atuação com os alunos com

NEEs.

8. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?

Justifique.

ANEXO 4

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9. Você estabelece alguma relação entre o projeto pedagógico da sua escola e o movimento de

inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais? Comente.

10. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre

letivo envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.

11. Como você qualifica a atuação do Atendimento Educacional Especializado – AEE –

realizado na Sala de Recursos Multifuncionais no atendimento aos alunos com NEEs?

Justifique.

12. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs

no atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos? Comente.

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165

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO E DOUTORADO

PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NA REDE

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE PETRÓPOLIS/RJ.

ORIENTADORA: Prof.ª Drª. Valdelúcia Alves da Costa

MESTRANDA: Wanda Lúcia Borsato da Silva

ROTEIRO DE ENTREVISTA

IV. Entrevista com os/as professores/as de Salas de Recursos Multifuncionais – SRMs

1. Qual a sua formação inicial?

2. Possui curso de extensão ou pós-graduação (lato sensu e/ou stricto sensu)? Quais?

3. Algum outro curso que tenha contribuído para sua formação?

4. Fale sobre sua experiência atuando na SRMs com o AEE no apoio à inclusão escolar de

alunos com NEEs.

5. Que demandas a política de inclusão escolar trouxe para a formação dos professores de

educação especial?

6. Como você percebe o envolvimento da equipe pedagógica, incluindo o gestor da escola,

com a SRMs?

ANEXO 5

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7. Há espaços sistematizados de discussão e reflexão sobre inclusão durante o bimestre letivo

envolvendo direção, orientação pedagógica e professores? Teça comentários a respeito.

8. Há no projeto pedagógico de sua escola alguma previsão específica que aponte para o

Atendimento Educacional Especializado – AEE – dos alunos com necessidades educacionais

especiais? Comente a respeito.

9. Considera o colégio acessível nos aspectos arquitetônicos, curriculares e pedagógicos?

Justifique.

10. Fale sobre os principais entraves vivenciados por você na dinamização da SRMs.

11. Quais ações no apoio aos professores na inclusão de alunos com NEEs são desenvolvidas

por você? Comente.

11. Como você percebe a articulação entre o professor da sala regular e o professor da SRMs

no atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos incluídos? Comente.