a licenciatura em educação física na universidade federal fluminense

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  A LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE: UMA TRAJETÓRIA DE ENFRENTAMENTO. Waldyr Lins de Castro Paulo Antonio Cresciulo de Almeida RESUMO Este estudo narra a trajetória da luta contra hegemônica que vem sendo desenvolvida pelos professores do atual Instituto de Educação Física da Universidade Federal Fluminense desde sua criação no ano de 1975. Tendo como principal foco o choque de concepções que norteiam o nosso curso de licenciatura e a dos alunos que nele ingressam. Palavras chave: educação física, licenciatura e contra hegemonia. ABSTRACT This study tells the story against the hegemonic conceptions that have being developed by the teachers of the Institute of physical education of Federal Fluminense University since its creation in 1975. The main focus of the study is the clash between the conceptions which guides our under graduated course and those of the student. Key words: Physical education, undergraduate course, counter hegemonic movement. RESUMEN Esto estudio cuenta la historia de la lucha contra las concepciones hegemónica que vienen siendo desarrolladas por los profesores del Instituto de Educación Física de la Universidad Federal Fluminense desde su creación el en año de 1975. El principal foco desee trabajo es el choque entre las concepciones que nortean el nuestro corzo de formación de profesores e estas de los estudiantes. Palabras llaves: Educación física, graduación, contra la hegemonía. Introdução Um dos maiores obstáculos a ser transposto no embate contra a lógica hegemônica imposta pela classe dominante é o enfrentamento incipiente à consolidação dos princípios balizadores dessa lógica. A queda do muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, as alegações sobre fim da história e das utopias arrefeceram a luta transmitindo a desesperança, incorporada pela propaganda da inexorabilidade. As iniciativas de contraposição ao modelo hegemônico são opções cujo sucesso só é conseguido com muita luta. Isto se dá, pela dificuldade que temos de desmascarar os conceitos que são estabelecidos pela ideologia e passam a fazer parte do senso comum. Este texto tem como objetivo provocar uma reflexão à cerca das dificuldades que vêm sendo vivenciadas no processo de implantação do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal Fluminense. O embate de opiniões contra e a

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A Licenciatura Em Educação Física Na Universidade Federal Fluminense

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  • Anais do XVI Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte e III Congresso Internacional de Cincias do Esporte

    Salvador Bahia Brasil 20 a 25 de setembro de 2009

    A LICENCIATURA EM EDUCAO FSICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE: UMA TRAJETRIA DE ENFRENTAMENTO.

    Waldyr Lins de Castro Paulo Antonio Cresciulo de Almeida

    RESUMO Este estudo narra a trajetria da luta contra hegemnica que vem sendo desenvolvida pelos professores do atual Instituto de Educao Fsica da Universidade Federal Fluminense desde sua criao no ano de 1975. Tendo como principal foco o choque de concepes que norteiam o nosso curso de licenciatura e a dos alunos que nele ingressam. Palavras chave: educao fsica, licenciatura e contra hegemonia.

    ABSTRACT This study tells the story against the hegemonic conceptions that have being developed by the teachers of the Institute of physical education of Federal Fluminense University since its creation in 1975. The main focus of the study is the clash between the conceptions which guides our under graduated course and those of the student. Key words: Physical education, undergraduate course, counter hegemonic movement.

    RESUMEN Esto estudio cuenta la historia de la lucha contra las concepciones hegemnica que vienen siendo desarrolladas por los profesores del Instituto de Educacin Fsica de la Universidad Federal Fluminense desde su creacin el en ao de 1975. El principal foco desee trabajo es el choque entre las concepciones que nortean el nuestro corzo de formacin de profesores e estas de los estudiantes. Palabras llaves: Educacin fsica, graduacin, contra la hegemona.

    Introduo

    Um dos maiores obstculos a ser transposto no embate contra a lgica hegemnica imposta pela classe dominante o enfrentamento incipiente consolidao dos princpios balizadores dessa lgica. A queda do muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, as alegaes sobre fim da histria e das utopias arrefeceram a luta transmitindo a desesperana, incorporada pela propaganda da inexorabilidade.

    As iniciativas de contraposio ao modelo hegemnico so opes cujo sucesso s conseguido com muita luta. Isto se d, pela dificuldade que temos de desmascarar os conceitos que so estabelecidos pela ideologia e passam a fazer parte do senso comum.

    Este texto tem como objetivo provocar uma reflexo cerca das dificuldades que vm sendo vivenciadas no processo de implantao do Curso de Licenciatura em Educao Fsica da Universidade Federal Fluminense. O embate de opinies contra e a

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    favor do modelo hegemnico e a alternativa por ns proposta tambm se deu e ainda se d no interior do prprio corpo docente. Nos primeiros anos de vida da ento Coordenao de Educao Fsica da UFF, a idia predominante era que j havia cursos de Educao Fsica em nmero suficiente no Grande Rio e que por esse motivo deveramos ter como objetivo a criao da ps-graduao e no a graduao. Posteriormente essa opinio deixou de prevalecer, e nos anos que se seguiram duas comisses foram formadas com o objetivo de elaborar uma proposta que viesse dar origem a mais um curso de graduao em nossa rea. Todavia, as opinies eram bastante divergentes e as comisses no chegaram a concluses que possibilitassem a criao do curso. Somente na formao da terceira comisso, quando o corpo docente do departamento chegou a um consenso, fomos, finalmente, capazes de criar o curso.

    O embate, todavia, ainda no terminou. Um exemplo a discusso que ora realizamos sobre o tempo que devemos dedicar em nossas aulas ao ensino dos fundamentos. Embora na proposta do curso esteja dito que privilegiaramos o ensino atravs de jogos e estratgias e que os fundamentos ficariam em segundo plano, alguns professores tm contestado essa orientao. Entendemos que essa discusso, na verdade, no se d por causa do mtodo de ensino pelo qual faremos a opo, mas sim pela importncia que alguns professores atribuem tcnica, considerando ainda que s atravs dos fundamentos sejamos capazes de ensinar a tcnica de maneira adequada. Embora os que fazem esse questionamento seja minoria, temos procurado trazer o assunto para debate.

    A luta pela manuteno dos objetivos estabelecidos no projeto pedaggico tem sido uma constante no desenvolvimento do curso. Consideramos que a firmeza na conduo do processo e a inflexibilidade de princpios bsicos so decisivas para a sustentao dos rumos traados em projetos contra hegemnicos como esse. Essa tem sido a tnica do trabalho poltico-acadmico desenvolvido pelo corpo docente dessa Instituio.

    O histrico

    Os professores do departamento de Educao Fsica da Universidade Federal Fluminense, desde a sua fundao em 1975 vm fazendo um movimento contra hegemnico, no que diz respeito implantao das propostas construdas para a rea. Durantes estes trinta e trs anos vimos lutando por uma Educao Fsica crtica, inclusiva, pblica e gratuita.

    A ideologia enquanto mascaramento da realidade dissemina as concepes, e comportamentos como se estas fossem as nicas e verdadeiras (CHAU, 1990). Essas concepes e comportamentos adotados pela populao, em geral, se tornam parte do senso comum, sem que sejam examinadas e criticadas. A Educao Fsica uma rea de conhecimento que est impregnada pelas concepes de senso comum, sobretudo no que concerne o esporte e a esttica corporal.

    Numa sociedade constituda de classes como a brasileira a ideologia tem o papel de atenuar os conflitos entre as classes com fito de manter a ordem e a estabilidade do sistema (CHAU, 1990). Portanto, os movimentos contrrios so vistos enquanto uma ameaa ao sistema que tm que manter seu equilbrio, por esse motivo as opinies contrrias so negadas, rechaadas e os seus autores sempre que possvel, punidos.

    A mdia diariamente exalta os feitos de atletas que apesar de serem filhos de pais pobres, de terem passado fome e de caminharem quilmetros para treinar venceram graas persistncia e a garra. Transformados em heris pela mdia esses jovens tm

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    suas jogadas e gols enaltecidos sendo a todo o momento realado o que fazem por nossos times ou pas. A mensagem que fica que para ser bom atleta preciso ter vontade, disposio e treinar. Portanto, todos que quiserem sero atletas. Ser atleta passa a ser algo que est ao alcance de qualquer membro da sociedade independentemente de seu potencial e da classe a qual pertena. O atleta ganha nesse processo uma enorme importncia e conseqentemente suas declaraes. Nos jornais podemos ler manchetes como a que atribuda a uma declarao do jogador Adriano a quem a mdia atribui o cognome de Imperador Sou mais feliz na favela do que na Itlia (Jornal O Globo de 10 de abril de 2009). Uma declarao como essa faz pelo menos durante algum tempo com que muitos moradores de favelas se sintam confortveis de ali morar. A mdia estampa essa manchete sem se preocupar em analisar criticamente o que foi dito. O que importa chamar ateno, vender o jornal e reforar as concepes que do sustentao ao sistema.

    Considerando a importncia que a sociedade, em geral, atribui ao atleta o que predomina o modelo de esporte de competio. Contrariar as idias dominantes na sociedade sem dvida uma tarefa herclea que temos enfrentado apesar das barreiras a serem transpostas.

    A lei 69450/71 que orientava a implantao da Educao Fsica obrigatria em todos os nveis de ensino tinha como objetivo o desenvolvimento da aptido fsica atravs da pratica desportiva. Num encontro organizado pelo Departamento de Educao Fsica da Universidade Federal Fluminense no ano de 1976 pudemos perceber que as universidades presentes entendiam que o objetivo dessa disciplina era a formao de equipes representativas dos vrios esportes. Um dos principais objetivos dessas Instituies era a participao nos jogos Universitrios, aos quais o governo ditatorial atribua uma grande importncia. A proposta desenvolvida na UFF era voltada para o ensino dos esportes para todos e no exclusivamente para o treinamento dos atletas. (CASTRO, 2005)

    A aqueles que quisessem participar de competies tambm no era negado esse direito, pois organizvamos competies internas que envolviam cerca de 1500 alunos. Entendamos que os eventos organizados pela Federao e Confederao de Esportes Universitrios na verdade reproduziam as competies de atletas federados e os universitrios eram na sua maioria delas excludos.

    Registra-se que por essa opo poltica o Departamento de Educao Fsica da UFF sofreu presses e ataques incisivos da Federao de Esportes Universitrios do Estado do Rio de Janeiro.

    Numa carta oficio enviada ao Magnfico reitor da Universidade Federal Fluminense, em 1979, o ento presidente da Federao de Esportes Universitrios do Rio de Janeiro Benedicto Ccero Tortelli, nos acusava de: estarmos deitados na sombra do boi. Tortelli acrescentava ainda que seria uma tristeza para os alunos da UFF no poderem participar dos eventos esportivos universitrios por absoluta incompetncia de seus professores, que existem e recebem dos cofres pblicos federal, porque eles, alunos, existem e lhes do campo de trabalho (sic). A carta, em nosso poder, contm ainda uma srie de outras acusaes atravs das quais Tortelli procura demonstrar a sua preocupao com os alunos da UFF que se viam privados de participar dos campeonatos Universitrios. Todavia a nossa interpretao que embora Tortelli se refira aos alunos, o que ele estava de fato preocupado era com nus poltico de uma das maiores Universidades do pas ter um posicionamento contrrio a participao nos jogos da Federao Universitria.

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    Entretanto, a convico de que essa resistncia refletia uma concepo acertada de Educao Fsica para a Universidade, levou os professores da UFF a continuarem sua trajetria acadmica j delineada por suas aes poltico-pedaggicas.

    A proposta, inovadora para aquela poca, no era fcil de ser desenvolvida, pois os professores selecionados para participar desse projeto traziam consigo a concepo de formar atletas e no de ensinar a pessoas comuns. Era preciso, portanto, incorporar essa nova concepo e elaborar uma metodologia que se adequasse a esse novo propsito.

    Provavelmente em ritmos diferenciados, a proposta foi gradativamente sendo assimilada. Com relao ao mtodo fomos entendendo que o uso dos fundamentos comumente utilizados, indefinidamente, no ensino dos esportes deveria ter como objetivo apenas preparar os alunos para se tornarem aptos a jogar e tirar prazer do jogo. O aperfeioamento sem fim no era o nosso objetivo. O jogo e o prazer em participar passaram a ser priorizados.

    Foram essas convices que fundamentaram o Departamento de Educao Fsica, a partir de debates e reflexes coletivas, implementar, em 1988, os chamados Objetivos para a Educao Fsica na Universidade Federal Fluminense (LAPA et all, 1996)1.

    Esse texto aponta os princpios balizadores da atividade fsica curricular na UFF. A proposta para a Prtica Desportiva reformulada se contrapondo mais uma vez lgica do modelo hegemnico

    O aprimoramento da condio fsica foi mantido como finalidade dessa prtica, porm numa viso de corporeidade e qualidade de vida, deixando para trs o conceito positivista de aptido fsica (SOARES, 1994: p. 62)

    Nessa linha de pensamento, alguns objetivos foram traados e passaram a nortear a Prtica Desportiva na UFF. Alm da prpria aptido fsica as atividades visavam: provocar uma reflexo crtica sobre os padres de esttica corporal, propiciar momentos de vivncias de atividades de lazer, promover a interao entre os participantes e, finalmente proporcionar aos alunos da instituio uma educao para autonomia.

    Apesar de todas essas aes transformadoras, a Prtica Desportiva continuava obrigatria, na UFF. Esse rano herdado dos militares da ditadura incomodava consideravelmente um grupo de professores lotados no Departamento de Educao Fsica. Esse era um tema que j permeava discusses em algumas instituies em nvel nacional.

    O Ministrio de Educao e Cultura decide, ento, abrir essa discusso e cria, em 1989, uma Comisso Nacional composta por professores de Educao Fsica do Ensino Superior que deveria centralizar o debate e formular sugestes a respeito 2.

    Esta Comisso fundamentou suas aes na lgica corporativa e elaborou textos nessa linha, entendendo que devesse prevalecer, prioritariamente, a defesa de mercado de trabalho.

    Na contra mo desses encaminhamentos que eram feitos a nvel nacional, a plenria do nosso departamento aps deliberao em 1992, encaminhou para os Conselhos Superiores a solicitao de suspenso da Obrigatoriedade da Prtica Desportiva na Universidade Federal Fluminense. Tal indicao, que foi aprovada no

    1 Embora os Objetivos tenham sido definidos em 1988, o documento foi publicado em 1996.

    2 Uma portaria Ministerial nomeou professores dessas Instituies Pblicas e Privadas procurando

    contemplar critrios regionais.

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    Conselho Universitrio sob a Resoluo 154/92 depois de tramitar em todas as instncias, mereceu do relator do processo no Conselho do Centro de Estudos Gerais, consideraes registrando o desprendimento corporativo dos professores do departamento de Educao Fsica.

    Este ato, muito mais poltico do que pedaggico, sinaliza a significativa mudana de rumos na atuao acadmica do conjunto do Departamento de Educao Fsica. A Prtica Desportiva deixar de ser obrigatria e passar a ser facultativa, significava a substituio da arbitrariedade e do autoritarismo pela prtica democrtica, que oportunizava a liberdade de escolha.

    Uma outra preocupao do Departamento de Educao Fsica da UFF tem sido o desenvolvimento da atividade na rede escolar. A Escola provavelmente a nica oportunidade para a grande maioria de a populao ter contato com a Educao Fsica. Com base nesta premissa decidimos criar no ano de 1989 um curso de ps-graduao na rea de Educao Fsica Escolar em nvel de lato Senso. A inteno era mais uma vez atender aqueles que mais necessitam da Educao Fsica, pois privilegiando esse segmento teramos a oportunidade de expor aqueles professores a uma concepo crtica da Educao Fsica.

    No ano de 1989 criamos um curso de ps-graduao em nvel de lato senso voltado para a Educao Fsica da Escola. A inteno era atender mais uma vez aqueles que mais necessitam da Educao Fsica na instituio onde essa oportunidade talvez seja a nica para a grande maioria da nossa populao. A concepo que desenvolvemos na Prtica Desportiva nos forneceu princpios orientadores como o da participao de todos e a no priorizao da participao em campeonatos. Hoje, estamos desenvolvendo o XX curso e o nosso principal parmetro tem sido o desenvolvimento da capacidade de reflexo dos alunos.

    Dando prosseguimento a linha de conhecimento voltada para a Educao Fsica na Escola, criamos a revista Perspectivas em Educao Fsica Escolar e Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar. Publicamos trs nmeros da revista que por uma srie de dificuldades est suspensa. Quanto ao Encontro EnFEFE - doze edies j foram realizadas. Esse evento vem se consolidando como um importante evento cientifico na rea de Educao Fsica voltada para a Escola.

    Por concepo de sua plenria departamental e contrariando a tendncia das Instituies Pblicas de Ensino, todas as atividades foram e permanecem gratuitas. Resistindo onda privatista que se propaga pela Universidade Federal Fluminense no so cobradas taxas, mensalidades ou investimentos para o Curso de Educao Fsica Escolar, para o EnFEFE ou para as atividades de Extenso. A concepo do pblico se materializa conforme concepo de que ... pblico o que de todos e para todos e apresenta-se por sua formulao histrica, em oposio ao privado. (XAVIER, 2006).

    Esta vivncia coletiva e a experincia acumulada durante dcadas nos permitiram finalmente criar um curso de licenciatura.

    Possveis parmetros causadores de conflito...

    Nesse ponto do estudo procuraremos elencar alguns parmetros que orientam o curso procurando focar os pontos que entendemos ser os que entram em choque com a concepo de Educao Fsica que os alunos tm, e na qual eles se basearam para procurar o curso.

    Antes de pensarmos o professor de Educao Fsica projetamos o educador, o formador. Algum que seja capaz de identificar os problemas e de procurar solues

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    contextualizando-as historicamente. Um dos nossos principais objetivos e formar professores que tenham uma boa capacidade de reflexo, de anlise e de crtica. Nesse sentido temos procurado dar uma formao aos nossos alunos que extrapolem os contedos especficos da Educao Fsica. Alem das disciplinas da rea humana que so cursadas em outras Unidades procuramos complementar o rol inserindo outras disciplinas que contribuem para a formao geral como as Oficinas de Formao Cultural; de Linguagens e Tcnicas udio Visuais e Leitura e Elaborao de textos I e II.

    A disciplina O corpo no mundo procura transmitir a idia da necessidade de vermos o corpo de maneira contextualizada. Indicando que a ateno com o corpo no deve ficar restrita as aulas de Educao Fsica, mas que ele deve ser pensado enquanto trabalhando, lutando, amando, enfim vivendo. Embora essa disciplina expresse no seu nome a idia da contextualizao essa no uma prerrogativa exclusiva dela, todas as outras devem cumprir papel semelhante.

    Mesmo as disciplinas que so consideradas enquanto especificas da Educao Fsica tem como proposta uma abordagem contextualizada e crtica.

    Os esportes tm sido, sem dvida, o instrumento mais utilizado pela Educao Fsica, todavia no nosso entender, de maneira equivocada, pois tm como objetivo quase que exclusivo a formao de atletas e a conseqente valorizao do aperfeioamento mximo da tcnica. Esse mtodo de ensino dos esportes frequentemente generalizado como se fosse o nico. Como o nosso objetivo ensinar os esportes com fim educativo, procurando realar suas caractersticas ldicas, procuramos minimizar a importncia da tcnica at mesmo quando criamos os nomes das disciplinas. Nesse rol, inclumos Esporte Jogo I, II, III e IV. Entendemos que grupando os esportes diminuiremos a importncia do aperfeioamento tcnico, pois com a carga horria disponvel para uma disciplina desenvolvemos vrios esportes3. O acrscimo da palavra jogo ao lado do termo esporte tem como objetivo dizer que o esporte deve ter um carter ldico. Tivemos uma atitude semelhante com relao s disciplinas Atividades aquticas em substituio a natao, A mesma lgica foi utilizada para criar a disciplina Lutas. As lutas so, em geral, ensinadas separadamente de forma a caracterizar cada luta enquanto uma disciplina.

    No lugar das ginsticas com fins estticos ou sade que convencionalmente fazem parte do currculo dos cursos de Educao Fsica inclumos a disciplina Promoo da sade. Entendemos que as aulas de ginstica, que ensinam os alunos a reproduzir gestos, no deveriam ter lugar em nosso currculo, pois consideramos que quem tem os conhecimentos bsicos da fisiologia do exerccio, da biomecnica e conhece os conceitos que fundamentam as possibilidades de uso do exerccio fsico no teriam problema de dar aulas de ginstica.

    Em todas as disciplinas procuramos analisar criticamente temas candentes como esporte de alto nvel e a esttica corporal.

    As nossas aulas so desenvolvidas com base numa metodologia que seja capaz de ajudar ensinar os contedos que selecionamos de maneira ldica e por estratgias. Utilizamos pouco material e as nossas instalaes, embora suficientes, so bastante simples. Valemos-nos freqentemente de improvisaes e da construo de materiais alternativos. Entendemos que dessa forma estaremos preparando os alunos para a realidade que iro encontrar quando forem trabalhar nas escolas.

    3 Grupando vrios esportes numa s disciplina tambm estaremos contribuindo para ampliar o leque das

    modalidades esportivas para alem do Futsal, Basquetebol, Voleibol e Handebol.

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    Consideramos que a preparar os alunos para a realidade no significa, todavia, conformismo, pois tambm nosso objetivo educ-los para que reivindiquem. Trabalhamos com a idia do real, mas procurando politizar os alunos para que lutem pelo ideal.

    Os conflitos...

    Durante anos os professores do Departamento de Educao Fsica da UFF conviveram com o compromisso da criao desse curso de graduao na rea. Seguidas gestes da administrao da Instituio sugeriam essa iniciativa se justificando nas necessidades regionais e no clamor da sociedade de Niteri. As necessidades, obviamente, seriam as demandas do mercado de trabalho, alm de interesses fisiolgicos.

    Ao longo do processo de elaborao do projeto, do trmite administrativo e das discusses nos espaos deliberativos da Universidade j se percebia a divergncia de concepes a cerca de um curso superior de educao fsica. Enquanto o coletivo do departamento pensava um curso de licenciatura, seus interlocutores raciocinavam o bacharelado na rea.

    A clara opo pela educao pblica e a credibilidade adquirida com o Curso de Ps Graduao em Educao Fsica Escolar deram a sustentao necessria para a aprovao do curso de licenciatura em todas as instncias, muito embora a polmica tenha se instalado em vrios momentos. A assimilao da proposta pedaggica desse curso, entretanto, no significou a adeso incondicional da Instituio ao modelo, como veremos mais frente.

    A chegada dos alunos e os primeiros contatos deles com as idias do curso tem sido significativos no embate com as concepes do senso comum. Embora haja a prvia divulgao4 dos princpios norteadores, dos pressupostos pedaggicos e do carter exclusivo de licenciatura, a grande maioria dos calouros se apresenta com a expectativa de encontrar uma educao fsica voltada para as academias, para os esportes de competio e mais especificamente, para a formao de tcnicos esportivos. Esse choque de conceitos sentido em todas as disciplinas do primeiro semestre letivo e citado como uma das dificuldades a serem superadas pelos professores. A desconfiana e a rejeio inicial aos conceitos que adotamos tm sido constantes nas relaes professor-aluno, nos perodos iniciais. O desencontro tem provocado interessantes debates, mas tambm desapontamento e evases. A primeira turma, por exemplo, perdeu cerca de 40% de seus matriculados. Todavia gratificante observar que alunos que entendem os princpios pedaggicos do curso incorporam a sua defesa.

    A viso reduzida e pragmtica, trazida por essa amostra da sociedade, pode ser explicada pelo perfil historicamente materializado sobre a educao fsica. Isso se deve ao fato das faculdades de educao fsica em todo o Brasil ofertarem sociedade milhares de professores reprodutores desse modelo. Conseqncia disso a viso restrita e focalizada do papel da educao fsica na escola. Fazer a desconstruo disso muito difcil, at porque componentes poderosos de nossa sociedade contribuem para a manuteno desses valores.

    4 Nas publicaes referentes ao Concurso Vestibular da UFF e no Portal do GEF, esto divulgados os

    princpios balizadores do Currculo do Curso de Licenciatura.

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    O poder pblico, a gesto escolar pblica ou privada a mdia e o polmico Conselho Regional tm sido decisivos para a aparente invulnerabilidade do estigma que a educao fsica consolidou ao longo da histria brasileira.

    Embora as, ainda recentes, Diretrizes Curriculares e os Parmetros Curriculares Nacionais tragam concepes crticas e epistemolgicas em alguns momentos, o que vimos historicamente estimuladas na educao fsica escolar, pelas esferas governamentais, foram as competies estudantis. Ainda no houve tempo histrico para se apagar os efeitos dos Jogos Estudantis Estaduais e sua culminncia, os Jogos Estudantis Brasileiros JEBs. Muitos professores que hoje atuam nas redes escolares so oriundos dessa poca e ainda estimulam, nas aulas curriculares, a iniciao desportiva com objetivos competitivos.

    Esses contornos da educao fsica foram assumidos pelas administraes escolares de tal forma, que as direes, genericamente, vem com suspeio trabalhos pedaggicos no convencionais.

    Outro fator determinante para a materializao dessa viso monoltica da educao fsica na escola, foi e tem sido os meios de comunicao de massa. sabido por todos que eles esto a servio da elite dominante e, portanto, tm funo definida neste modelo poltico em que vivemos. Com a nossa atividade no diferente.

    BETTI (2004) nos chama a ateno para as relaes estabelecidas entre corpo, cultura, mdia e educao fsica. Segundo o autor, h um processo para fixao de um modelo que atenda a lgica mercantil.

    Concordando com essa tese, avaliamos que a busca pelos esteretipos de beleza corporal ditados pelo mercado e a ratificao dos esportes de competio so conseqncias dessa lgica.

    Desta maneira se torna normal que o aluno procure num curso de educao fsica, capacitao para que possa entrar no mercado de trabalho e atender aos anseios da sociedade. O que justificaria a busca pelo vis do trabalho nas academias e das iniciaes esportivas.

    A valorizao das competies esportivas, a projeo de dolos, a transmisso da crena de uma eventual ascenso social ou do pretenso papel redentor do esporte propagado pela mquina miditica so determinantes para que o aluno chegue UFF com a concepo oposta do projeto pedaggico do curso de licenciatura. Se junta a isso a culpabilizao da escola pelos fracassos olmpicos. Em ao conjunta, ouve-se a sentena do Presidente do Comit Olmpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, que credita aos professores da educao fsica escolar os inexpressivos resultados olmpicos ou pan-americanos, diagnstico este reforado pelos brados indignados de Galvo Bueno, o porta voz da Rede Globo para assuntos esportivos. Essa associao do esporte de rendimento com a educao fsica escolar corrobora para solidificar esta tese.

    Focalizando este vis, oportuno retomar as iniciativas da Universidade Federal Fluminense que, por meio da Pro Reitoria de Assuntos Acadmicos, ignorando as concepes do curso de licenciatura da Universidade e lana o UFFesporte, um programa que destina verbas pblicas para que atletas e equipes possam participar de competies nacionais de esportes de rendimento. No difcil imaginar as contradies que emergem desse procedimento.

    Entendemos como sendo compreensveis as incoerncias que surgem em decorrncia de embates dessa natureza. O que se aponta , como a falta deliberada de sintonia entre a administrao institucional e o departamento da rea, prejudica a conduo pedaggica do curso de licenciatura em educao fsica.

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    Essa associao do esporte de alto rendimento com a educao fsica tem dificultado os dilogos iniciais entre o curso e seus alunos, que nutrem a expectativa de encontrar nos espaos da UFF ambientes e instalaes favorveis para suas prticas esportivas.

    Outro obstculo a ser transposto pelo coletivo tem sido a despolitizao da sociedade no trato das relaes esporte e poder. Na esteira desse debate, conveniente lembrar alguns aspectos relevantes que acabam por justificar determinadas tendncias apresentadas pelos calouros da educao fsica da UFF.

    PENNA (2008), ao refletir sobre prticas corporais e senso comum, chama a ateno para o natural processo de alienao a que so submetidos os homens na perspectiva da manuteno de valores imprescindveis para sustentar a ordem. A autora recupera Kruppa que alerta para o fato de que fatores como espontaneidade, a probabilidade, o pragmatismo, a f, a confiana e a generalizao so necessrios socializao e aprendizagem do homem, enquanto ser humano, o problema est em sermos capazes de termos liberdade para rever esses procedimentos.

    Pois bem, a ausncia da viso epistemolgica que permitiria entender posicionamentos crticos a respeito impede a adeso imediata aos princpios que aliceram aquela proposta pedaggica. Negamos-nos a aceitar automaticamente a idia da educao, e consequentemente a educao fsica enquanto instrumentos de manuteno ideolgica. O desafio est em estimular a reviso reivindicada por Kruppa.

    Ainda na esfera da politizao do tema, significativo indicar tambm como obstculo a ser transposto a no percepo da desagradvel influncia que o reordenamento do mundo do trabalho tem exercido sobre o professor de educao fsica. Para atender essa demanda de adequao, a rea acadmica da educao fsica viveu um longo e penoso perodo de discusso sobre a diviso das suas atividades em aes que se enquadrariam como inerentes a licenciatura ou ao bacharelado. O professor passou a ser chamado de profissional e a polarizao se instalou.

    RIBEIRO (2008) aponta para as dificuldades que esto postas para as aes pedaggicas, neste momento de crise do capitalismo mundial. Mais especificamente aponta as contradies da educao pblica e sinaliza o conflito da educao fsica em enfrentar a dicotomia: seus professores, na escola, so profissionais da sade ou trabalhadores da educao? Este questionamento instaura uma crise de pertencimento que procuramos combater reafirmando nossa condio de trabalhadores da educao.

    O conjunto dessas reflexes vem ratificar a necessidade de se estabelecer um dilogo incisivo com a comunidade estudantil que procura o curso de graduao em educao fsica, pois eles vm impregnados por todas essas concepes do senso comum. Isso dificulta as primeiras abordagens conceituais que procuramos realizar se contrapondo a bagagem que eles trazem. Todavia, a firmeza de princpios e a inflexibilidade necessria neste momento de consolidao de concepes so fundamentais para a materializao da proposta pedaggica. Esta ao do coletivo do Departamento de Educao Fsica demarca a coerncia com sua histria de luta contra hegemnica e o credencia a encaminhar propostas que subvertam o estabelecido.

    Segundo XAVIER (2000), legtimo e justificvel a construo pedaggica formulada por grupos e coletivos que, ao exercerem sua autonomia em relao ao Estado e soberania em face de presses de grupos externos, elaboram propostas educacionais ousadas e transformadoras. Citando Castoriadis, a autora destaca a validao das aes pela insero de todos os membros de um coletivo na busca de um modelo alternativo e democrtico.

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    SEMERARO, (2006) ao se referir filosofia da prxis elaborada por Gramsci, nos chama a ateno para o equvoco da suposio de que os homens so coisas e os grupos sociais permanecem sempre passivos". Afirmando que essa concepo denota anlise superficial, o autor complementa:

    o resultado de um preconceito que induz a crer que no existe ao poltica, que no h espaos de liberdade, de envolvimento apaixonado, de co-participao ativa e consciente, de criatividade e de decises que promovem a responsabilidade e as transformaes inesperadas no lugar do conformismo e de comportamentos mecnicos(p. 26)

    Nesse sentido, fica a inabalvel convico do acerto na opo pelo oferecimento, pelo Departamento de Educao Fsica da Universidade Federal Fluminense, exclusivamente do curso de licenciatura em Educao Fsica.

    Referncias Bibliogrficas

    BETTI, Mauro. Corpo, cultura, mdias e educao fsica: novas relaes no mundo contemporneo. Revista Digital, ano 10, n 79, dez 2004. Disponvel em: www.efdeportes.com. Acesso em 27 dezembro, 2007 CASTRO, Waldyr. Proposta de anteprojeto da comisso para criao de uma escola de Educao Fsica na UFF. In: IX Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar, 2005, Niteri. Anais...Niteri: UFF, 2005. CHAU, Marilena. Cultura e democracia. So Paulo: Cortez, 1990 COMISSO DE IMPLANTAO DA EDUCAO FSICA NA UFF. Projeto de Implantao da Educao Fsica e Desportiva na Universidade Federal Fluminense. Niteri, 1975. Mimeografado. LAPA, Ana Maria R. G. et. all. Poltica de Educao Fsica do Departamento de Educao Fsica e Desportos da Universidade Federal Fluminense. Perspectivas em Educao Fsica Escolar. Rio de Janeiro: Niteri, Departamento de Educao Fsica da UFF, n Especial. p. 7 13, 1996. SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os novos embates da filosofia da prxis. Aparecida, SP: Idias e Letras, 2006. SOARES, Carmen Lcia. Educao Fsica Razes Europias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994. XAVIER, Gelta Terezinha Ramos. Saberes sociais, saberes escolares: Dinmicas Sociais, Cultura e Currculo. Belo Horizonte: UFMG, 2000. (Tese de Doutoramento). ____________________________. Democracia na Escola e Construo do Pblico. Notas de Pesquisa sobre as vivncias nos CIEPS RJ. In: Revista Movimento. Niteri: Faculdade de Educao, UFF, 2006 PENNA, Adriana. A Educao fsica escolar e as prticas corporais: para alm do conhecimento do senso comum. In: XII Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar, 2008, Niteri. Anais...Niteri: UFF, 2008 RIBEIRO, Jorge Augusto Correa. A educao fsica e o reordenamento do mundo do trabalho: dificuldades para a ao pedaggica. In: XII Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar, 2008, Niteri. Anais...Niteri: UFF, 2008. Paulo A Cresciulo de Almeida Av. Ary Parreiras, 399/306 Icara Niteri RJ - CEP 24 230-320 [email protected]

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