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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS ROGÉRIO SILVÉRIO DE FARIA ÁLCOOL E DIREÇÃO: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI SECA PALMAS 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

ROGÉRIO SILVÉRIO DE FARIA

ÁLCOOL E DIREÇÃO: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI SECA

PALMAS

2011

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ROGÉRIO SILVÉRIO DE FARIA

ÁLCOOL E DIREÇÃO: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI SECA

Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Direito na Universidade Federal do Tocantins, sob a orientação da professora Dra. Ângela Issa Haonat.

PALMAS

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins

Campus Universitário de Palmas

F224a Faria, Rogério Silvério de Álcool e direção: análise da constitucionalidade da Lei Seca / Rogério

Silvério de Faria - Palmas, 2011. 61 f.

Monografia (TCC) – Universidade Federal do Tocantins, Curso de Direito,

2011. Orientador: Prof. Dra. Ângela Issa Haonat

1. Lei Seca. 2. Constitucionalidade. 3. Trânsito. I. Título

CDD 340

Bibliotecário: Paulo Roberto Moreira de Almeida CRB-2 / 1118

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS –A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que me dá forças

e está comigo em todos os momentos.

Dedico também à minha querida esposa, Munique, grande

companheira e que sempre apóia os meus projetos.

Te amo!

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RESUMO

O presente estudo tem o objetivo de verificar se a Lei nº 11.705/2008, denominada de “Lei Seca”, é inconstitucional, comparando seu conteúdo com os princípios e direitos fundamentais presentes na Lei Maior. A justificativa para o trabalho encontra-se na necessidade de novas pesquisas na área do trânsito e sua relação com o álcool, já que o uso desta substância é fator contribuinte para milhares de acidentes todos os dias. Busca-se comprovar a hipótese de que a Lei Seca não afronta a ordem jurídica e nem os direitos e garantias fundamentais presentes na Constituição Federal. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica, através da leitura de livros, artigos científicos e publicações disponíveis na Internet sobre o assunto. Como resultado desta pesquisa, verifica-se que a Lei Seca restringe alguns direitos individuais em detrimento da necessidade do Estado de garantir a segurança da coletividade, o que não contraria a Constituição Federal. Na verdade, o que acontece é a coexistência de princípios que, dada a complexidade do sistema jurídico, colidem entre si, diante do que deve ser feita uma ponderação a fim de solucionar o conflito e estabelecer a ordem de precedência desses princípios, qual seja a melhor opção para a garantia da preservação da ordem pública e da segurança jurídica.

Palavras-chave: LEI SECA; CONSTITUCIONALIDADE; TRÂNSITO

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ABSTRACT

This study aims to verify if the Law nº 11.705/2008, named “Prohibition”, is unconstitutional, comparing its contents with the fundamental principles and rights presents in the Highest Law. The justification for the work is in the need for new research in the area of transit and its relationship with alcohol, since the use of this substance is a contributing factor to thousands of accidents every day. Seeks to prove the hypothesis that the Prohibition does not affront the legal order nor the fundamental rights and guarantees presents in the Federal Constitution. The methodology used was literature research, by reading books, scientific papers and publications available on the Internet about the subject. As result of this research, it appears that Prohibition restricts some individual rights over the need for the State to ensure the safety of the community, which does not contradict the Federal Constitution. In fact, what happens is the coexistence of principles which, due to the complexity of the legal system, collide with each other, requiring a pondering to resolve the conflict and establish the order of precedence of those principles, defining which is the best option to guarantee the preservation of public order and legal security.

Keywords: PROHIBITION; CONSTITUTIONALITY; TRANSIT

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

I CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO TRÂNSITO NO BRASIL ................. 11

1.1 A legislação de trânsito no Brasil .................................................................. 11

1.2 O interesse público na organização e segurança do trânsito ....................... 12

1.3 A problemática dos acidentes e os efeitos do álcool no trânsito ................... 16

II A LEI SECA (LEI Nº 11.705/2008) ..................................................................... 21

2.1 Mudanças promovidas pela Lei Seca ........................................................... 21

2.1.1 Aspecto administrativo ........................................................................... 22

2.1.2 Aspecto penal ........................................................................................ 25

2.2 Interpretação e finalidade da norma ............................................................. 30

III ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI SECA .................................. 33

3.1 Controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro ............. 33

3.2 Alegações de inconstitucionalidades na Lei Seca ........................................ 34

3.2.1 Da proibição da venda e oferecimento de bebidas alcoólicas nas

rodovias federais ............................................................................................ 34

3.2.2 Da competência para fiscalizar e multar estabelecimentos comerciais

nas rodovias federais...................................................................................... 36

3.2.3 Da concentração de álcool para caracterização da infração

administrativa, das medidas de verificação de alcoolemia e do crime de

embriaguez ..................................................................................................... 37

3.3 Princípios e a concorrência de direitos individuais e coletivos ...................... 42

3.3.1 Princípio da legalidade .......................................................................... 43

3.3.2 Princípio de não ser obrigado a produzir prova contra si ....................... 45

3.3.3 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade ................................... 48

3.3.4 Princípio da segurança jurídica.............................................................. 49

3.3.5 Princípio da supremacia do interesse público ....................................... 50

3.4 Conflito de normas e princípios: a ponderação como solução ...................... 52

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 55

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 57

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INTRODUÇÃO

No ano de 2008, o ordenamento jurídico brasileiro experimentou profundas

mudanças no que tange ao combate do uso de álcool por parte de condutores de

veículos automotores. Com a sanção da Lei nº 11.705/2008, denominada de “Lei

Seca”, algumas alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) trouxeram maior

rigor na fiscalização de alcoolemia (concentração de etanol no sangue), além de

impor restrições ao comércio de bebidas alcoólicas.

Muitos são os fatores e evidências que apontam o uso indevido do álcool

como uma problemática relevante no país, sendo a gênese de diversos danos

sociais e econômicos, tanto na esfera do trânsito como sob ótica mais ampla. O

Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007, o qual aprovou a Política Nacional sobre o

Álcool, já dispunha sobre medidas a serem adotadas pelos órgãos e entidades da

administração pública federal para reduzir o uso indevido do álcool – buscando

minimizar e prevenir danos à saúde e à vida.

A proibição da venda de bebidas alcoólicas nas faixas de domínio das

rodovias federais, instituída pela Medida Provisória nº 415/2008 (MP nº 415/2008),

foi uma das medidas implementadas pelo Estado com o propósito de atender às

determinações da Política Nacional sobre o Álcool. Aproximadamente cinco meses

após sua publicação, esta Medida Provisória foi convertida na Lei nº 11.705/2008, da

qual destacam-se alguns pontos principais: a não-aplicação da vedação à venda ou

oferecimento de bebida alcoólica em áreas urbanas; o estabelecimento da

alcoolemia zero (qualquer concentração de álcool para caracterizar a infração de

trânsito); a auto-executoriedade das penalidades e medidas administrativas ao

condutor que se recusar aos procedimentos que permitam certificar seu estado

quanto ao uso de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos; e a

definição do teor alcoólico necessário para caracterizar o tipo penal.

No seio da sociedade, a Lei Seca provocou enorme polêmica, especialmente

em decorrência da tolerância zero quanto à concentração permitida de álcool por

litro de sangue, endurecendo as penas aos condutores que fossem flagrados nesta

condição. Outro ponto de impacto foi decorrente da nova redação dada ao artigo 277

do CTB, a qual ampliou o poder estatal de fiscalização, devendo o condutor sob

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suspeita de dirigir sob efeito de álcool submeter-se a testes ou exames que

permitam certificar seu estado – sob pena de sofrer sanções administrativas.

Com a publicação da norma, surgiram da parte de renomados juristas

alegações de possíveis afrontas a princípios consagrados na Constituição Federal,

tais como o da não auto-incriminação, da presunção de inocência, da legalidade, da

proporcionalidade e da razoabilidade, dentre outros.

Diante do tema em análise, verificam-se divergências entre doutrinadores

sobre a constitucionalidade da Lei Seca. Para Luiz Flávio Gomes (2008, online), a

legislação apresenta falhas e equívocos em alguns dispositivos. Daniel Ferreira

(2009, p. 187) também caminha nessa direção, especialmente na relação entre a

sanção criminal e administrativa. Eduardo Luiz Santos Cabette, por sua vez,

reconhece pontos onde haveria inconstitucionalidade na norma – embora apresente

que, sob certos aspectos, o conflito pode ser sanável pela interpretação dada ao

texto legal, ou ainda por alguns procedimentos a serem adotados pelo agente

público no momento da fiscalização (2009, p. 16).

Combatendo alguns pontos da norma em estudo, foi ajuizada no Supremo

Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4103 pela Associação

Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento – ABRASEL NACIONAL.

Esta ação ainda encontra-se aguardando julgamento.

Assim exposto, o presente estudo se propõe a analisar a seguinte questão: a

Lei Seca é inconstitucional, ferindo princípios e direitos garantidos pela Lei

Fundamental?

A resposta à questão não é simples, como também não o é o caminho a ser

seguido para obtê-la; contudo, sua busca é necessária, pois a lei, caso implique em

infringência à Constituição Federal, coloca em risco todo o ordenamento jurídico.

Como resposta a essa necessidade de um exame detalhado sobre os dispositivos

da Lei Seca, esta monografia se propõe a analisar a norma sob os alicerces dos

direitos constitucional, administrativo e penal.

A metodologia ou método científico empregado para o desenvolvimento de

um trabalho científico consiste na delimitação das formas e procedimentos utilizados

na consecução dos objetivos pretendidos pelo pesquisador. O método científico

buscará sempre definir os fundamentos e critérios básicos que serão aplicados no

processo de investigação científica – trazendo ainda importante diferenciação desta

com o conhecimento adquirido pelo senso comum (KÖCHE, 2009, p.69)

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Dentre os tipos de pesquisa disponíveis, optou-se para a realização da

presente monografia a pesquisa bibliográfica, sendo realizadas leituras e análises de

documentos, tais como leis, livros, artigos, publicações e notícias online, análises

jurisprudenciais e doutrinárias. Registre-se também a leitura de temas correlatos à

questão central do trabalho (buscando ampliar o conhecimento sobre o assunto e

oferecer uma fundamentação satisfatória para a defesa da hipótese levantada).

Segundo Köche (2009, p.122), a pesquisa bibliográfica tem o intuito de tentar

explicar um problema, principalmente através do conhecimento já disponibilizado em

livros ou obras congêneres. Comumente utilizada em trabalhos científicos da área

jurídica, esta técnica, a qual não exige a experimentação, propicia uma rica

construção de conhecimento, pelo estudo de diversas correntes sobre determinado

ramo.

Quanto aos métodos de argumentação, o escolhido para a realização do

presente estudo foi o método dialético, o qual investiga a “realidade pelo estudo de

sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética

que ocorre na natureza e na sociedade”. (ARAÚJO, online). A dialética surge como o

método mais apropriado na pesquisa jurídica, onde busca-se demonstrar uma tese

por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir conceitos mesmo

partindo de premissas opostas.

O principal objetivo do trabalho é analisar e demonstrar a constitucionalidade

da Lei Seca. Os objetivos específicos são: discorrer sobre a legislação de trânsito no

Brasil, reiterar a finalidade da lei em seu contexto social, estudar as diversas

correntes doutrinárias acerca de possíveis ilegalidades na norma e ponderar os

princípios e os conflitos existentes entre os direitos individuais e coletivos.

Pela leitura do texto legal, bem como de outras referências bibliográficas,

busca-se comprovar neste trabalho que a Lei Seca não fere diretamente os direitos

e garantias fundamentais ou outros princípios constitucionais que possam ser

invocados, por exemplo, pelo condutor que deseja eximir-se da fiscalização de

alcoolemia. Da mesma forma, não se percebe afronta aos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, pois a rigidez estabelecida pela norma é um meio

que relaciona-se diretamente, e na medida adequada, com o fim a que se destina,

qual seja evitar que mais condutores alcoolizados continuem promovendo vítimas no

trânsito.

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O que se infere, no caso em estudo, é que ocorrem conflitos entre direitos

individuais e direitos coletivos – havendo a prevalência desses últimos em relação

aos primeiros, em prol da segurança da coletividade. Deste modo, permaneceriam

respeitados, dentro de limites toleráveis e delineados pela lei, os direitos individuais

fundamentais.

A monografia está estruturada em três capítulos. Primeiramente, serão

traçadas as linhas gerais sobre a legislação de trânsito no Brasil, a responsabilidade

do Estado na garantia da segurança e os riscos do uso de álcool por parte dos

condutores de veículos. Posteriormente, será dado enfoque à Lei Seca propriamente

dita, verificando as principais mudanças promovidas na legislação sob os aspectos

administrativo e penal, versando ainda sobre a interpretação dada à norma. Por fim,

no terceiro capítulo, propõe-se realizar uma análise da constitucionalidade da lei,

considerando-se as principais alegações de inconstitucionalidade, os princípios

fundamentais envolvidos e a solução dos conflitos jurídicos existentes.

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I CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO TRÂNSITO NO BRASIL

1.1 A legislação de trânsito no Brasil

Há pouco mais de cem anos era instituído no Brasil o primeiro regulamento

sobre trânsito. O Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910, que dispunha sobre o

serviço subvencionado de transportes de passageiros ou mercadorias por meio de

automóveis, inaugurou no direito positivo algumas regras primordiais que limitavam

os direitos dos “senhores da velocidade”, como foram denominados pela norma os

condutores de veículos.

Por disciplinar matéria tão importante, a legislação de trânsito está situada no

âmbito do direito público, uma vez que suas regras são estabelecidas pelo Estado

que, por sua vez, impõe a todos o seu cumprimento. A relação do Direito de Trânsito

se dá, principalmente, com o Direito Administrativo e com o Direito Penal. O aspecto

administrativo compreende: medidas para registro e licenciamento de veículos;

procedimentos para habilitação de condutores; definição de infrações de trânsito e

suas respectivas penalidades, dentre outros. O aspecto penal está presente em

capítulo específico sobre os crimes de trânsito.

Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 22, foi estabelecida a

competência privativa à União para legislar sobre trânsito e transporte. Nesse

momento, ainda vigorava no Brasil o Código Nacional de Trânsito de 1966 (Lei nº

5.108/66), uma norma que já exigia atualização. Os veículos automotores passaram

a ser fabricados com motores cada vez mais potentes; novos itens e acessórios

foram implementados; a engenharia de tráfego passou a utilizar equipamentos mais

modernos; enfim, o avanço tecnológico no século XX percorreu passos bem mais

rápidos do que a legislação correspondente.

Assim, em 1993, o Projeto de Lei nº 3710 iniciou sua tramitação no Legislativo

Federal, convertendo-se na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Este novo

Código de Trânsito Brasileiro (CTB) foi promulgado após 31 anos de vigência do

anterior. Complementado pelas normas emanadas dos órgãos de trânsito,

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especialmente as Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), o

CTB é a principal fonte do Direito de Trânsito.

A partir do novo CTB, algumas mudanças importantes foram implementadas:

as sanções previstas para os motoristas infratores tornaram-se mais rigorosas (as

multas, por exemplo, tiveram seus valores majorados); foi criado o sistema de

“pontuação”, atribuída ao prontuário do condutor com o propósito de evitar a

reincidência de infrações; as normas gerais de circulação foram atualizadas; as

infrações tiveram seu rol ampliado, bem como as medidas administrativas. Verificou-

se assim uma melhor adequação das normas de trânsito à realidade atual.

Altamiro J. dos Santos elogia o CTB de 1997, elevando-o ao posto de valioso

instrumento de proteção à vida e à integridade psicofísica do ser humano. Cita

também um dado relevante sobre o novo código: no primeiro ano de sua vigência

(1998), a redução de acidentes em relação ao ano anterior foi de 35%, e de mortes

chegou a 31% (SANTOS, 2003, p. 35).

Lamentavelmente, após certo tempo da edição de uma nova norma, existe

uma tendência de queda nos níveis de obediência, impulsionada principalmente pela

deficiência do Estado em detectar as infrações cometidas pelos condutores, como

apresentam Bottesini e Nodari (2011, p. 81). Por isso acredita-se que os efeitos do

novo CTB foram passageiros em relação à redução das taxas de acidentes (sentidos

apenas nos três ou quatro anos iniciais de sua vigência).

1.2 O interesse público na organização e segurança do trânsito

O Estado, como tutor máximo da coletividade, exerce, além de sua função

legislativa, a função executiva ou administrativa. Não basta a edição de normas

jurídicas e o estabelecimento de regras gerais: é primordial que haja, no Estado

Democrático de Direito, o fiel cumprimento destas regras por parte de todos, com o

fim de subsidiar a ordem pública.

Em seu artigo 1º, o CTB afirma que “o trânsito, em condições seguras, é um

direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional

de Trânsito”. Foi atribuída ao Estado, portanto, a responsabilidade de não apenas

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organizar abstratamente o trânsito – expedindo normas e regulamentações –, mas

também de participar ativamente da promoção desta segurança almejada pelo

legislador.

A normas protetivas do direito de segurança no trânsito não são encontradas

apenas na legislação específica. Conforme afirma Damásio de Jesus, “a segurança

dos cidadãos é tutelada pela nossa Constituição Federal (art. 5º, caput), incluindo a

tutela da incolumidade pública no trânsito.” (2000, p. 11). Ou seja, o dever do Estado

nasce no próprio texto constitucional, irradiando-se pelas leis e normas

infraconstitucionais até a execução de suas atividades finalísticas, através da

fiscalização de trânsito e outras medidas previstas em lei.

Nessa relação entre o poder público e a sociedade, o direito das pessoas de

circularem com segurança e a conseqüente responsabilidade estatal na questão

estão acertadamente demonstrados por Eduardo Alcântara de Vasconcellos:

O mesmo artigo [1º, CTB] enfatiza a responsabilidade, ao afirmar que “órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito respondem [...] por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito ao trânsito seguro”. Paralelamente, o código ainda afirma que os órgãos de trânsito respondem pela falta, insuficiência ou incorreta colocação da sinalização (artigo 90, § 1º). Todas essas determinações deixam clara uma mudança profunda nas relações entre governo e sociedade: as pessoas têm o direito de circular em segurança e os órgãos responsáveis pelo trânsito podem ser processados se não assegurarem esse direito. (VASCONCELLOS, 2005, p.9)

O interesse estatal por um normal funcionamento do trânsito, em todas as

esferas, representa o caráter público desta temática, já que a coletividade é titular

deste direito que, como expresso por Damásio de Jesus, traduz-se inclusive em uma

atividade vinculada do Estado, uma obrigação deste para com todos (2000, p. 12).

Por isso, afirma também o citado jurista, em relação aos danos causados no trânsito,

que “antes de haver lesão a um bem particular, como a vida ou a incolumidade física

da pessoa, o fato atinge a coletividade” (JESUS, 2000, p. 16). Portanto, cabe ao

Estado promover direitos que protejam os indivíduos contra eventuais violações por

parte de terceiros (SILVA, 2008, p. 146)

Quando ocorre um desequilíbrio nessa balança (segurança versus

insegurança), refletida, por exemplo, em um aumento de acidentes e vítimas no

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trânsito, cabe ao Estado adotar todas as medidas cabíveis, dentro dos princípios

gerais admitidos em Direito, para proteger seus cidadãos. Por conseguinte, não se

pode esperar outra atitude do Estado senão a de buscar, através dos meios legais e

regulares, a proteção da coletividade.

Muitos autores ressaltam, contudo, que o dever de promover organização e

segurança em um espaço público, amplo e compartilhado – todas as vias terrestres

abertas à circulação – não pode ser atribuído unicamente ao Estado. A norma

estabelece as regras e procedimentos a serem adotados por todos, impondo

sanções ao descumprimento de seus dispositivos, mas ela por si só não é suficiente.

Por isso, aos condutores de veículos são exigidos atenção e todos os cuidados

indispensáveis à segurança no trânsito – o que determina a abstenção de medidas

que possam colocar terceiros em risco. Nesse sentido:

Os atores sociais do trânsito devem ter presente, sempre, que a convivência entre eles no cenário das vias terrestres não será possível se não respeitarem às normas de circulação e de conduta bem como as demais definidas no CTB, que devem estar sempre acima dos instintos pessoais, porque do contrário tornar-se-ia insuportável o convívio[...] (SANTOS, 2003, p. 91)

Gorboly Laiber ressalta que tal direito representa igualmente uma obrigação,

“pois a segurança do trânsito depende, logicamente, de uma participação de toda a

sociedade” (2007, p. 25). Bottesini e Nodari afirmam que a legislação de trânsito

contribui para a segurança no trânsito na medida em que determina como os

motoristas devem se comportar (2011, p. 81).

O ser humano é um ser social. E essa sociabilidade exige a convivência e a

harmonia social. A convivência e harmonia social “exigem respeito às normas de

Direito que impõem a linha de comportamento de cada pessoa, in casu, perfeita

sintonia com as normas jurídicas de trânsito”. (SANTOS, 2003, p. 63).

Uma breve reflexão quanto à necessidade de harmonia social traz consigo a

idéia de que, no trânsito, devem ser atribuídos a seus atores – condutores,

pedestres, ciclistas – mais deveres do que direitos, pois havendo inúmeras variáveis

envolvidas no trânsito, a segurança deste é prevista como um direito coletivo

(LAIBER, 2007, p. 25). Portanto:

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Os interlocutores sociais do trânsito devem refletir e policiar suas ações ou omissões, normalmente comandadas pela própria vontade de cada um, quando pensar em utilizar o cenário das vias terrstress, não só quanto aos seus direitos, mas, também, quanto aos seus deveres [...]. (SANTOS, 2003, p. 117)

No Manual de Direção Defensiva do DENATRAN (2005, p. 8) são enunciados

quatro princípios importantes para o bom relacionamento e a convivência social no

trânsito: a) a dignidade da pessoa humana, de onde derivam os demais direitos

humanos; b) a igualdade de direitos, tendo a equidade como fundamentadora da

solidariedade; c) a participação, convidando toda a sociedade a organizar-se em

torno dos problemas no trânsito; d) a co-responsabilidade pela vida social, que diz

respeito à atitudes e comportamentos necessários à segurança no trânsito.

Havendo comprovado o interesse de todos por uma efetiva segurança no

trânsito, resta olhar a questão sobre como o Estado pode atuar para organizar e

sistematizar tão complexo tema. Como resposta, os doutrinadores discorrem sobre

um dos poderes do Estado, o “poder de polícia”, que surge como instrumento

garantidor dos direitos dos cidadãos em um regime democrático de Direito (VITTA,

2010, p. 30).

Celso Antônio Bandeira de Mello, importante autor do Direito Administrativo,

define o poder de polícia como a atividade estatal que condiciona “a liberdade e a

propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos” (2010, p. 822). Seu principal

objetivo é estabelecer os contornos que os particulares devem observar em respeito

à coletividade e aos direitos de terceiros. Mello expõe que “a utilização de meios

coativos por parte da Administração [...] é uma necessidade imposta em nome da

defesa dos interesses públicos”. (2010, p. 843).

Heraldo Garcia Vitta, em sua máxima, defende que o poder de polícia “limita,

condiciona, contende o comportamento dos indivíduos, obrigando-os a não fazer

(dever de abstenção)” (VITTA, 2010, p. 35). Carolina G. Salomão, por sua vez, traz

uma percepção do poder de polícia aplicado ao trânsito, reforçando que o alto

potencial de dano, decorrente da condução de um veículo automotor, legitima a

imposição de condições ou a ampliação dos limites penais e administrativos para

tutelar de modo mais eficiente a incolumidade pública (2009, p. 10).

Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando da questão da supremacia dos

interesses públicos, reforça o poder do Estado em impor determinados atos a todos:

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Como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado. Demais disso, trazem consigo a decorrente exigibilidade, traduzida na previsão legal de sanções ou providências indiretas que induzam o administrado a acatá-los. Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto-executoriedade dos atos administrativos. Esta, contudo, não ocorre sempre, mas apenas nas seguintes duas hipóteses: a) quando a lei expressamente preveja tal comportamento; b) quando a providência for urgente ao ponto de demandá-la de imediato, por não haver outra via de igual eficácia e existir sério risco de perecimento do interesse público se não for adotada. (MELLO, 2010, p. 96)

Percebe-se, através dessa leitura, que o Estado pode – e deve – impor a

todos, utilizando-se do poder de polícia a ele inerente, restrições e limitações nos

mais diversos segmentos da vida em sociedade, tendo em vista um fim público que

se firme na necessidade de proteção à coletividade. Em um Estado de Direito, todos

os cidadãos, bem como o próprio Estado, devem submeter-se à ordem jurídica por

ele mesmo criada (MAFFINI, 2006, p. 42).

Do ponto de vista jurídico, ressalte-se, será sempre necessária a observância

simultânea de dois aspectos, indispensáveis para evitar que o poder de polícia seja

eivado de vício: a) a necessidade da medida restritiva imposta pelo Estado (fins); b)

a obediência do Estado às leis e normas gerais, sob pena de incorrer em ilegalidade

ou abuso de poder (meios).

1.3 A problemática dos acidentes e os efeitos do álcool no trânsito

De todos os problemas inerentes ao trânsito moderno (aumento da frota,

congestionamentos, falhas na sinalização, má educação dos condutores, dentre

outros), sem dúvida os acidentes são os mais graves, pois além de causarem danos

materiais – ao veículo, à via e às propriedades públicas e privadas – também ceifam

milhares de vidas todos os dias.

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Embora o Código de Trânsito Brasileiro assegure que a segurança no trânsito

é direito de todos, verifica-se que a violência nesta área já ultrapassa números

aceitáveis: no mundo todo, os acidentes de trânsito são a décima causa geral de

mortalidade, resultando anualmente em 1,2 milhões de mortos e de 20 a 50 milhões

de feridos (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 165).

Segundo dados1 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), da

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, os custos anuais

com acidentes de trânsito no Brasil ultrapassam hoje os R$ 27,7 bilhões, incluídos

os custos decorrentes das perdas materiais e humanas. O país é o quinto colocado

no mundo em número de acidentes, com 35,1 mil mortes em 2007, de acordo com a

Organização Mundial da Saúde.

Tal situação afeta a sociedade como um todo, principalmente no aspecto

econômico, na saúde e na segurança pública. Nos casos de países em

desenvolvimento, o custo resultante dos acidentes de trânsito podem chegar a 2%

do seu produto interno bruto (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 165).

A violação do dever de atuar em sintonia com as normas do Direito de Trânsito resulta num mal com tal magnitude que preocupa autoridades e operadores do SNT – Sistema Nacional de Trânsito, bem como, técnicos juristas, sociólogos, engenheiros de tráfego, psicólogos, psiquiatras, economistas, administradores, comunicadores, médicos, odontólogos e outros cientistas, todos na procura difícil de um remédio para prevenir ou resolver o mal dos acidentes de trânsito no Brasil. (SANTOS, 2003, p. 98-99)

Diante deste cenário tão preocupante, o Estado deve atuar, através de seus

órgãos especializados, na busca contínua pela redução de acidentes, adotando

todas as medidas legais que sejam necessárias. Em síntese, o Estado não pode ser

omisso em sua obrigação de legislar e, muito menos, em aplicar suas normas,

mormente as de caráter coletivo e protetivo – revestidas de uma razão de ser

juridicamente relevante.

1 Obtidos através de estudos sobre acidentes de trânsito no Brasil, realizados pelo IPEA, os quais resultaram em duas publicações: a primeira, lançada em 2004, foi intitulada “Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas; a segunda, em 2006, denominada “Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Rodovias Brasileiras”, disponível em: <http://www.denatran.gov.br>, acesso em: 14 jun 2011.

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Dentre os fatores que influenciam no desempenho e no comportamento dos

motoristas, gerando riscos de acidentes de trânsito, o uso do álcool é um dos mais

freqüentes e perigosos, pois reduzem temporariamente a capacidade de percepção

e atenção do indivíduo (BOTTESINI, NODARI, 2011, p. 79). Seus efeitos no

organismo humano afetam o sistema nervoso central, diminuindo drasticamente a

discriminação sensitiva e o desempenho intelectual e motor. Portanto, uma tarefa

complexa tal como dirigir um veículo, fica prejudicada (LAIBER, 2007, p. 37).

Pesquisas sobre o álcool e sua relação com o trânsito, incrementadas a partir

das últimas décadas, trouxeram contornos científicos a tão importante questão.

Embora pairasse há algum tempo no senso comum a idéia de que o álcool era

responsável direto por muitos acidentes de trânsito, observa-se que, na verdade, tal

afirmação carecia de estudos que comprovassem – pelo menos com certo nível de

precisão – esta tese. Assim, algumas pesquisas importantes foram realizadas no

intuito de verificar a relação dessa droga com as vítimas que constantemente o

trânsito acaba por produzir.

Um dos primeiros trabalhos científicos, que serviu como parâmetro inicial para

os índices de alcoolemia no trânsito, foi realizado em Michigan, nos Estados Unidos

da América (EUA), em 1962. Teve como importante contribuição o estabelecimento

da forte relação entre o uso do álcool e os acidentes de trânsito naquele país. Na

Grã-Bretanha, durante a década de 70, alguns estudos sobre o tema foram

utilizados em comparação com os números de acidentes com mortes e nos

acidentes com feridos2, três meses após novas leis de trânsito serem implementadas

(PAULA; PECHANSKY; MACHADO, 2010, p.21).

Mesmo após a implantação do novo CTB, em 1997, o comportamento de

muitos condutores em dirigir após beber se manteve: verificou-se que cerca de

metade das vítimas analisadas apresentavam álcool no sangue em média quatro

vezes superior ao máximo permitido (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p.

168). Luiz Arthur Montes Ribeiro afirma:

2 A queda registrada no número de acidentes com mortes foi de 23%, enquanto nos acidentes com vítimas feridas alcançou 11%. Contudo, após o período de três anos, estes índices voltaram a subir – reforçando a idéia de que a fiscalização deve ser mais intensa a partir desse momento, pois o receio do indivíduo de que poderá ser fiscalizado trará, provavelmente, uma maior atenção no que diz respeito à obediência das leis (PAULA, PECHANSKY, MACHADO, 2010, p.21).

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O consumo de álcool por homens e mulheres tem sido objeto de estudos em todo o mundo e, no Brasil, isto não é diferente, uma vez que os motoristas alcoolizados têm sido grandes causadores de acidentes de trânsito. O uso de bebidas alcoólicas, por motoristas, além de expô-los constantemente ao perigo, expõe os demais condutores e pedestres a uma situação de insegurança nas vias públicas. Os mais recentes estudos e estatísticas brasileiros apontam que 75% dos acidentes automobilísticos com vítimas fatais envolveram pessoas alcoolizadas [...]. (RIBEIRO, 1998, p.26)

Em uma análise mais crítica desta questão, infere-se que não se pode atribuir

unicamente ao álcool a culpa pelos índices elevados de acidentes, pois estes

raramente tem apenas um fator como causa, decorrendo geralmente de duas ou três

causas concomitantes (VASCONCELLOS, 2005, p. 84-85). Contudo, o autor afirma:

A presença de álcool no sangue de grande parte das pessoas acidentadas tem sido registrada em vários estudos; no estudo da ABDetran, realizado com 865 vítimas de acidentes em Recife, Salvador, Brasília e Curitiba em 1997, 61% das vítimas tinham algum álcool no sangue, sendo que 27% tinham níveis de álcool superiores ao limite permitido pelo CTB. (VASCONCELLOS, 2005, p. 85).

Mesmo sem apresentar dados estatísticos, Eduardo Luiz Santos Cabette

endossa os riscos que o álcool oferece a todos os participantes do trânsito,

reforçando que é uma situação “clara e evidente de perigo que constitui a direção

sob efeito de álcool ou de substâncias psicoativas”. (CABETTE, 2009, p. 50).

É preocupante o fato de que o álcool é a droga preferida dos brasileiros,

representando 90% das internações por dependência de drogas (LAIBER, 2007, p.

35). O acesso ao álcool é muito amplo: estabelecimentos comerciais e alimentícios

oferecem uma vasta oferta de bebidas alcoólicas. Em contrapartida, o alcoolismo é a

terceira doença que mais mata no mundo. Mais de 350 doenças, físicas e

psiquiátricas, são causadas pela ingestão dessa substância (LAIBER, 2007, p. 35).

Os impactos do consumo de álcool também se estendem, numa visão macro,

à esfera econômica de todo o país. Os custos com o uso do álcool oneram os cofres

públicos e decorrem, principalmente: da perda da saúde dos usuários do álcool; da

perda de produtividade das vítimas lesionadas ou mortas em acidentes e homicídios;

dos custos médicos envolvidos no socorro e tratamento das vítimas; dos danos

causados à propriedade, pública e privada, e outros. “Todos esses custos são de

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difícil mensuração, mas de impacto real e significativo sobre o desenvolvimento

sustentável de um país ou região.” (PORTO JÚNIOR et al., 2010, p. 35)

Justamente por ser prática comum no Brasil o consumo de bebidas

alcoólicas, aliada à facilidade de acesso ao álcool (nas cidades e nas rodovias), o

trânsito é diretamente afetado pois um grande número de condutores, diariamente,

potencializam os riscos de ocorrerem acidentes, sedimentando uma clara

contradição: se por um lado há o desejo de todos por um trânsito seguro e incólume,

por outro seus próprios atores (condutores) põem em risco o mesmo bem que

pretendem proteger. Em importante declaração de Gorboly Laiber:

Percebe-se então uma real dicotomia: ao mesmo tempo em que consumo de bebida alcoólica é permitida no seio social, as tragédias (conseqüência) provocadas por condutores embriagados (causa) são abominadas por essa mesma sociedade. (2007, p. 36)

Com o fim de reduzir acidentes e vítimas no trânsito, há atualmente uma

tendência no mundo em reduzir os níveis máximos de alcoolemia permitidos. Nos

EUA já existe uma pressão pública para diminuir o índice de 0,8g para 0,5g de álcool

por litro de sangue, enquanto na Suécia e Noruega o limite é de 0,2 g/l (LEYTON;

PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 166).

Ao observar este aspecto no Brasil, compreende-se que a Lei nº 11.705/2008

é um exemplo de legislação rigorosa que, aliada à políticas de fiscalização e

controle, pode contribuir para a redução dos acidentes e males causados pelo álcool

(DUARTE; STEMPLIUK, 2010, p. 18). Nesse contexto, o Brasil é alçado a uma

“posição de vanguarda em relação à implementação de políticas públicas sobre o

álcool” (DUARTE; STEMPLIUK, 2010, p. 18), atuando não apenas na área do

trânsito como em outros meios sociais.

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II A LEI SECA (LEI Nº 11.705/2008)

Em maio de 2007, o Governo Federal aprovou a Política Nacional sobre o

Álcool, através do Decreto nº 6.117. Tal normativa demonstrou a preocupação com o

uso indevido de álcool, exigindo a elaboração de ações de governo voltadas à

redução e prevenção dos danos à saúde e à vida.

A relação entre o álcool e o trânsito ocupou um item específico da Política

Nacional sobre o Álcool, propondo a revisão dos conteúdos nos cursos de formação

de condutores e para a renovação da carteira de habilitação. Destaque-se também,

no item 7.5 do seu Anexo II, a exigência de medidas para a proibição da venda de

bebidas alcoólicas nas faixas de domínio das rodovias federais.

Como resposta a esta necessidade de se reduzir o número de acidentes e

vítimas no trânsito, o Poder Executivo Federal editou, em janeiro de 2008, a MP nº

415/2008, vedando a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas

alcoólicas nas rodovias federais. Com a edição deste instrumento legal, culminaram

no meio social inúmeros debates quanto aos impactos desta medida para os

motoristas, para os comerciantes e para a fiscalização.

Após tramitação no Poder Legislativo, a MP nº 415/2008 converteu-se na Lei

nº 11.705/2008. Seu principal objetivo foi inibir o consumo de bebida alcoólica por

condutores de veículos automotores. Além de alterar a Lei nº 9.503/1997 (CTB),

também acrescentou à Lei nº 9.294/1996 o Artigo 4º-A, determinando a obrigação de

afixar advertência escrita, em locais em que se vende bebida alcoólica, contendo a

informação de que é crime de dirigir sob influência de álcool.

2.1 Mudanças promovidas pela Lei Seca

Como a Lei nº 11.705/2008 trouxe alterações tanto no âmbito administrativo

como no penal, estes dois aspectos serão verificados separadamente, analisando-se

seus principais pontos e conseqüências jurídicas.

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2.1.1 Aspecto administrativo

O primeiro ponto relevante verificado na lei foi o contido em seu artigo 2º: a

proibição da venda varejista e o oferecimento de bebidas alcoólicas na faixa de

domínio das rodovias federais. Esta medida, já presente na MP nº 415/2008, foi

mantida na lei, exceto quanto à sua não aplicação em áreas urbanas. O legislador

definiu a Polícia Rodoviária Federal como sendo órgão competente para fiscalizar e

aplicar as multas decorrentes do descumprimento desta lei.

As principais mudanças administrativas promovidas pela Lei Seca foram no

CTB, no qual importantes dispositivos trouxeram rigidez na forma de apuração da

embriaguez. A nova redação dada ao art. 165 do CTB foi assim definida:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

No caput deste artigo, a única mudança foi o uso do termo “substância

psicoativa” ao invés de “substância entorpecente”, como trazia a redação anterior.

Quanto à natureza da infração (gravíssima), a penalidade da multa e a medida

administrativa, não houve inovação do legislador.

No entanto, a medida administrativa de suspensão do direito de dirigir, cujo

prazo não era especificado no texto anterior – cabendo à autoridade administrativa

defini-lo, nos termos do art. 261 do CTB – , passou a prever a sanção fixa de doze

meses. Assim, qualquer pessoa que for flagrada dirigindo sob influência de álcool ou

de outra substância psicoativa que determine dependência deverá ter suspenso seu

direito de conduzir veículo automotor pelo prazo de doze meses,

independentemente da quantidade de álcool (ou substância psicoativa) presente em

seu organismo. Até mesmo a recusa do condutor aos procedimentos de verificação

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do índice de alcoolemia, como será em seguida melhor exposto, incorrerá nesta

penalidade.

Eduardo Luiz Santos Cabette tece críticas a esta opção do legislador,

destacando que, sem a previsão de balizas mínima e máxima deste dispositivo, não

há que se falar em proporcionalidade e individualização sancionatória (2009, p. 10).

Portanto, um condutor que consumiu um único copo de cerveja pode ser equiparado

a outro que ingeriu quantidade muito maior, incorrendo ambos na mesma infração

(dirigir sob a influência de álcool) e consequentemente sofrendo igual sanção

administrativa.

Embora, no caso exemplificado acima, e em nível meramente de suposição,

um dos condutores esteja indubitavelmente sob efeitos do álcool, enquanto o outro

apenas apresentaria um leve hálito alcoólico, é difícil diferenciar os reais riscos que

cada um oferece à segurança no trânsito. Pode acontecer, inclusive, que o primeiro

condutor, embora com reflexos e percepção mais alterados, dirija e não cause dano

concreto a si mesmo ou a terceiro, enquanto o segundo provoque acidente grave3.

Exatamente por essa dificuldade de diferenciação o legislador determinou que todos

os condutores sob efeito de álcool sofram idêntica penalidade. A observância pelo

Estado do princípio da individualização sancionatória é relativa, e não vinculada –

em especial tratando-se de Direito Administrativo – , sendo assim válida a opção do

legislador.

Como exposto por Cabette (2009, p. 12), as outras duas modificações

relevantes na esfera administrativa – e por isso mesmo causadoras de maior

polêmica – foram nos artigos 276 e 277 do CTB:

Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. (...) Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios

3 Como já observado no capítulo anterior, o álcool não é a única causa de acidentes. Nessa suposição, não se trata de minimizar o fator da presença desta substância no organismo do motorista que provocou um acidente, e sim de exemplificar que, no caso fático, nem sempre o álcool será o único fator determinante para a sua ocorrência.

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técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

No art. 276, a redação anterior estabelecia a concentração de seis

decigramas de álcool por litro de sangue como parâmetro para a caracterização da

infração tipificada no art. 165. Porém, o rigor trazido pela lei em estudo estabeleceu

a chamada tolerância zero: qualquer concentração de álcool por litro de sangue

incorre na infração de trânsito e nas suas penalidades. Como garantia da

preservação da segurança jurídica, consta no parágrafo único a previsão do

estabelecimento de margens de tolerância para casos específicos4. Cabette elogia a

postura do legislador neste ponto pois, sem a definição de uma tolerância, o mesmo

“causaria uma situação de dúvida e insegurança jurídica, que fatalmente beneficiaria

o infrator”. (CABETTE, 2009, p. 13).

Para normatizar o procedimento necessário à caracterização e constatação

da direção sob influência de álcool, o art. 277 também foi alterado pela Lei Seca. Foi

mantida a redação do caput; deste modo, “os testes para aferição da alcoolemia [...]

permanecem os mesmos (exame de sangue, exames clínicos, etilômetro,

constatação pelo senso comum do agente [...]).” (CABETTE, 2009, p. 14).

O parágrafo segundo do art. 277, cujo conteúdo já havia sido incluído pela Lei

nº 11.275/2006, teve sua redação aperfeiçoada. Ele estipula que a caracterização da

infração prevista no art. 165 pode ser obtida mediante outras provas em direito

admitidas. Para Cabette, “isso equivale a liberar, para fins administrativos, a forma

de comprovação da embriaguez [...], desatrelando a prova de uma única modalidade

imprescindível que poderia ser a prova pericial” (CABETTE, 2009, p. 14). Saliente-

4 Na mesma data da publicação da Lei nº 11.705/2008, o Poder Executivo regulamentou esse dispositivo através do Decreto nº 6.488/2008. As margens de tolerância devem ser propostas pelo Ministro de Estado da Saúde e submetidas ao CONTRAN para expedição de resolução. Até esta data tal resolução não foi editada, permanecendo o índice de 2 dg/l de sangue (ou 0,10 mg/l de ar, no caso de aferição por etilômetro) como margem de tolerância, conforme o art. 1º do citado decreto.

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se, sobretudo, que o campo de incidência é restrito ao aspecto administrativo, dada

a referência expressa ao art. 165. No campo criminal permanece a necessidade da

prova pericial ou a documentação formal do teste do etilômetro (CABETTE, 2009, p.

15).

Entrementes, o novo § 3º do artigo em análise trouxe o aspecto de maior

questionamento por parte da doutrina: a obrigação do condutor a submeter-se aos

testes e exames previstos no caput, sendo-lhes imputadas as penalidades e

medidas administrativas do art. 165 no caso de recusa. Trata-se de “uma espécie de

infração administrativa por equiparação” (CABETTE, 2009, p. 15). Dentro das

mudanças produzidas pela Lei Seca, esta é a que melhor exemplifica o poder de

polícia, tratado em capítulo anterior.

Para muitos juristas, tal obrigatoriedade de submissão ao etilômetro, aliada à

imposição de penalidade para quem recusar-se ao teste, foi o que revestiu a lei de

inconstitucionalidade. Esta tese será analisada com maior profundidade a seguir.

2.1.2 Aspecto penal

No que diz respeito aos crimes de trânsito, a Lei Seca também trouxe

importantes mudanças. O artigo 291 do CTB manteve seu caput inalterado, contudo

o parágrafo único foi dividido em dois novos parágrafos, dispondo de algumas

questões processuais especificamente aplicáveis ao crime de lesão corporal

culposa.

No texto pretérito, o legislador previa a aplicação de alguns artigos da Lei nº

9.099/19955 (Lei dos Juizados Especiais) aos crimes de trânsito de lesão corporal

culposa (art. 303), de embriaguez ao volante (art. 306) e de participação em

competição não autorizada (“racha”; art. 308). A nova lei restringiu esta incidência

aos casos de lesão corporal culposa, com importantes exceções (incisos do § 1º):

5 Os artigos 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099/1995 tratam da composição dos danos civis em acordo homologado pelo juiz, da proposição pelo Ministério Público de aplicação de pena restritiva de direitos ou multa e da exigência de representação à ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

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Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber. § 1º Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver: I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora). § 2º Nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal.

Como explica Cabette, a Lei Seca excluiu definitivamente a aplicação dos

institutos relativos a infrações de menor potencial ofensivo para os casos de crime

previsto no art. 306 do CTB (2009, p. 21). Afirma ainda que, a partir do início da

vigência da Lei nº 11.705/2008, “o único instituto da Lei 9.099/95 cabível para a

embriaguez ao volante é a chamada ‘suspensão condicional do processo’ ou ‘sursis

processual’ [...]” (CABETTE, 2009, p. 21).

Resta esclarecer, por fim, que ocorrendo qualquer das hipóteses do § 1º,

incluindo as exceções previstas em seus incisos, deverá ser instaurado inquérito

policial para a investigação da infração penal, independentemente da detenção do

autor (em alguns casos o infrator foge do local e não é identificado). A redação do

parágrafo 2º deixou clara essa obrigação da autoridade policial, pondo fim à

divergência doutrinária anterior quanto à extensão dos termos da Lei nº 9.099/95 aos

crimes de trânsito.

Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.

No art. 296 do CTB, a Lei Seca tornou vinculada a aplicação, pelo juiz, da

penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor

nos casos de reincidência no cometimento de crime de trânsito. Segundo o texto

anterior, era facultado ao magistrado tal imposição. Trata-se de uma medida

declarada no âmbito penal, mas de natureza administrativa – tendo como objetivo

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impedir (ou dificultar), por prazo determinado, que o infrator reincidente volte a dirigir

veículo em via pública.

Quanto ao crime de embriaguez ao volante, o legislador alterou o caput do

art. 306, incluindo também o parágrafo único:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Em comparação ao texto original, o qual não determinava a quantidade de

álcool exigida para caracterizar o crime6, houve profundas mudanças: agora, a lei

exige a comprovação da concentração mínima de 6 (seis) decigramas de álcool por

litro de sangue – o que demanda a realização de “exames periciais e testes

legalmente previstos [...]” (CABETTE, 2009, p. 31).

Para Cabette, o legislador, rigoroso na questão administrativa – já que

qualquer concentração de álcool enseja a infração ao artigo 165 do CTB –, exige

tecnicamente, para fins criminais, a comprovação do mínimo de concentração de

álcool prevista em lei (0,6 g/l de sangue):

Portanto, na atualidade, não bastará a mera constatação da “influência de álcool”, nem mesmo da embriaguez do condutor por outros meios de prova ou até mesmo pelo exame pericial médico-legal clínico. Isso porque em nenhum desses procedimentos é possível aferir o grau de concentração de álcool no sangue [...]. Para a comprovação de infração ao artigo 306, CTB, devido ao álcool, mister se faz atualmente o exame químico-toxicológico de sangue e/ou o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) [...]. (CABETTE, 2009, p. 32)

6 A redação anterior trazia como descrição do tipo: “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Por utilizar o termo “sob a influência”, não especificando tecnicamente a concentração adequada, a análise deveria ser casuística, devendo-se aferir e comprovar que a quantidade de álcool ingerida pelo infrator era suficiente para alterar seu sistema nervoso e gerar o perigo de dano potencial no trânsito (CABETTE, 2009, p. 30). Desse modo, só as situações indubitáveis (condutor visivelmente embriagado) eram penalizadas.

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De fato, percebe-se que a alteração promovida pela Lei Seca acabou

dificultando a caracterização do tipo penal, exigindo do Estado um maior esforço

para comprovar, técnica e juridicamente, que o condutor incorreu no crime de

embriaguez na condução de veículo automotor.

O Decreto nº 6.488/2008 regulamentou o artigo 306 do CTB, estabelecendo a

equivalência entre os distintos testes de alcoolemia: 6 dg de álcool por litro de

sangue (exame de sangue) ou 0,3 mg por litro de ar (no caso de teste com

etilômetro). Pertinente essa definição expressa da equivalência pelo Poder

Executivo, já que o teste mais freqüentemente realizado é o do etilômetro, o que

poderia dar margem a questionamentos judiciais quanto aos resultados registrados

neste aparelho.

Um importante ponto a destacar sobre o crime de embriaguez do art. 306 é

quanto à sua espécie de delito (concreto ou abstrato). A divergência ainda

permanece na doutrina, embora majoritariamente entenda-se como sendo o crime

um delito de perigo abstrato.

Damásio de Jesus afirma que os elementos subjetivos do crime de

embriaguez são o dolo e a influência do álcool ou substância de efeito análogo

(2000, p. 160). O dolo seria, em sua definição:

Vontade livre e consciente de dirigir veículo automotor, com o conhecimento de que ingeriu substância inebriante e que, com sua condução anormal, expõe bens jurídicos da coletividade a perigo de dano. O motorista não quer o dano nem assume o risco de produzi-lo, tendo consciência de que, com sua conduta, expõe a incolumidade pública a perigo de dano. (JESUS, 2000, p. 160)

Portanto, Damásio de Jesus afirma que o crime do art. 306 é configurado com

a simples conduta do condutor de estar sob efeito de álcool, gerando perigo de dano

independentemente de comprovação. Se antes era necessária a demonstração de

que o sujeito dirigia de maneira anormal (2000, p. 163), considera-se que com a

mudança legislativa não restam dúvidas:

Como ficou designado, nos delitos de perigo abstrato este não precisa ser comprovado. É suficiente a realização da conduta, sendo a situação de perigo presumida pelo legislador [...]. A presunção completa o tipo penal, não permitindo prova em contrário. (JESUS, 2000, p. 4)

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Cabette compartilha do mesmo pensamento:

É criminalizada a mera conduta de conduzir veículo automotor, na via pública, “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou sob a influência de qualquer substância psicoativa que determine dependência”. Aboliu-se a literalidade da exigência de perigo concreto [...] (CABETTE, 2009, p. 47).

Em tese contrária, Luiz Flávio Gomes (2008, online) defende que o crime de

embriaguez não pode ser interpretado como delito de perigo abstrato. Seria

inadmissível, para este jurista, esta espécie de delito no âmbito do Direito penal, por

violar o princípio da ofensividade. Por isso, defende que o crime previsto no art. 306

exige mais do que a condição objetiva (concentração de álcool de acordo com o tipo,

ou sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine

dependência): o motorista também deve estar dirigindo de forma anormal (por

exemplo, em zigue-zague), pois somente assim estaria colocando em risco a

segurança coletiva.

Não havendo ainda a uniformidade entre os doutrinadores, cabe citar, neste

diapasão, recente decisão no Supremo Tribunal Federal, demonstrando que o

entendimento desta Corte paira sobre a hipótese de crime de perigo abstrato:

Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I – A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. II – Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente. III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. V – Ordem denegada. (HC nº 109269/MG, Min. Ricardo Lewandowski, 2011, online, grifo nosso)

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Portanto, mesmo com a mudança na redação do caput do art. 306 (retirando

o texto “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”), o crime permanece

sendo como de perigo abstrato, não dependendo do resultado concreto alcançado

pelo sujeito ativo. O que o legislador fez foi dotar de maior objetividade a

caracterização do tipo penal – o que por um lado favorece ao condutor, pois

transfere o ônus da prova ao agente fiscalizador, que deverá obter, mediante

aparelho ou outros meios disponíveis, a real comprovação do teor alcoólico do

condutor examinado.

2.2 Interpretação e finalidade da norma

Antes do exame quanto à adequação da Lei nº 11.705/2008 diante da Lei

Maior, a Constituição Federal, cabe aqui discorrer sobre alguns conceitos de

interpretação das normas, buscando-se também comprovar a relação da Lei Seca

com sua finalidade, seu motivo de existir.

Luís Roberto Barroso afirma que a interpretação constitucional tem como

objeto “a determinação dos significados das normas que integram a Constituição”

(2004, p. 106). Eros Grau afirma que “a interpretação do direito é (deve ser)

dominada pela força dos princípios. Os princípios cumprem função interpretativa e

conferem coerência ao sistema” (GRAU, 2003, p. 193)

Segundo Eros Roberto Grau, a interpretação do direito ocorre não apenas

“porque a linguagem jurídica é ambígua e imprecisa, mas porque [...] interpretação e

aplicação do direito são uma só operação” (GRAU, 2003, p. 71). Reforça ainda o

conceito de que o intérprete não se limita à análise de textos isolados,

desassociados do direito no seu todo. Assim, qualquer lei ou norma sempre será

considerada “em relação à posição que ocupa no todo do ordenamento jurídico”

(GRAU, 2003, p. 121).

Assim, entende o jurista que a interpretação não é do texto singular, mas do

ordenamento jurídico como um todo – embora, por vezes, o foco direcionado do

intérprete sobre uma norma aumente o grau de qualidade desta interpretação. Por

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fim, “a interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete [...] o caminhar

pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição” (GRAU,

2003, p. 122).

Os métodos interpretativos, ou técnicas de interpretação, “são definidos como

instrumentos/mecanismos rigorosos, eficientes e necessários para o alcance do

conhecimento científico do direito” (STRECK, 2007, p. 108). Com o propósito de

aplicar a norma, o intérprete utiliza os meios gramatical ou literal, lógico, sistemático,

histórico e sociológico ou teleológico, que são nada mais do que meios técnicos

(STRECK , 2007, p. 108).

A interpretação da norma em estudo deve ser feita, prioritária e

simultaneamente, nos aspectos finalístico (teleológico) e sistemático. Barroso

explica que a interpretação teleológica é um método que procura “revelar o fim da

norma, o valor ou bem jurídico visado” (BARROSO, 2004, p. 138). Já o método

sistemático surge como fruto do conceito de unidade do ordenamento jurídico,

devendo o direito objetivo ser visto como parte de um organismo, e não um

“aglomerado aleatório de disposições legais” (BARROSO, 2004, p. 136).

Embora a mudança na legislação não promova necessariamente uma

imediata alteração nos hábitos de uma população – não se pode esperar a

resolução total do problema em curto prazo –, a entrada em vigor da Lei Seca

apresentou resultados que refletiram no sistema de saúde: nas capitais brasileiras,

entre o segundo semestre de 2008 e o segundo semestre de 2007, houve redução

de 23% no total de internações e de 22,5% nas mortes causadas por acidentes de

trânsito (DUARTE; STEMPLIUK, 2010, p. 18). A redução de acidentes com mortes

chegou a 13,6%, sendo que as capitais que promoveram fiscalização mais intensa

apresentaram resultados mais positivos (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009,

p. 173).

No tocante à interpretação teleológica, pode-se afirmar que a elaboração da

Lei Seca se tinge de uma tentativa do Estado de promover maior segurança no

trânsito (fim da norma). Laiber salienta que “os índices alarmantes de acidentes

automobilísticos e sua correspondente mortalidade que motivaram as mudanças na

legislação de trânsito brasileira” (2007, p. 27). Reforça o legislador no CTB:

Art. 269 [...]

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§ 1º A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa.

Neste caso, como define Cabette, o bem jurídico e supra-individual, violado

por quem dirige embriagado, é a “segurança viária”. Segundo o citado jurista, este

bem jurídico é efetivamente atingido, e não apenas colocado em risco por este

condutor sob efeito de álcool e outras substâncias psicoativas. (2009, p. 46).

Infere-se que a Lei Seca, analisada neste trabalho, não tem como objetivo

punir de forma geral os condutores, nem a intenção de penalizar injustificadamente

quem está sendo alvo de fiscalização. Sua principal finalidade é prevenir a violência

no trânsito, através do combate ao uso do álcool por condutores de veículos

automotores.

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III ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI SECA

3.1 Controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro

No Estado Democrático de Direito, a Constituição possui o status de norma

máxima. É ela quem cria ou reconstrói o Estado, organiza e limita o poder político,

além de definir os direitos considerados fundamentais, os valores e os fins públicos

(BARROSO, 2010, p. 75). A Constituição é o documento que confere unidade ao

sistema jurídico, definindo como serão produzidas e quais os limites das normas

dela decorrentes.

Como no Direito nem sempre tudo está em perfeita sintonia, algumas normas

infraconstitucionais podem apresentar forma ou conteúdo que entrem em colisão

com a Carta Magna. Assim, ocorre o que se denomina “inconstitucionalidade da lei”,

ensejando em um dos maiores vícios no sistema jurídico. Quando verificada tal

situação, é necessária uma adequação da norma – ou até mesmo sua extinção do

ordenamento jurídico, mediante um procedimento denominado “controle de

constitucionalidade”.

Luís Roberto Barroso explicita que uma norma incompatível com a

Constituição sempre poderá ensejar um juízo de inconstitucionalidade, tanto da lei

anterior como da editada posteriormente ao texto constituinte (2004, p. 80). Em

alguns casos, a inconstitucionalidade pode ser formal (quanto à forma e rito) ou

material (quanto ao conteúdo da lei).

No sistema jurídico brasileiro, o controle de constitucionalidade é judicial, ou

seja, o Poder Judiciário pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma editada

pelo Executivo ou pelo Legislativo. Segundo o artigo 102 da Constituição Federal, é

competência do Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar a ação direta de

inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade.

Diante deste controle de constitucionalidade, o qual busca impedir que norma

contrária à Constituição Federal permaneça no ordenamento jurídico, cumpre-nos

discorrer sobre os direitos e garantias fundamentais como importantes premissas

estabelecidas nesta Lei Maior – e que protagonizam os divergentes pontos de vista

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na relação desta com as demais leis existentes dentro de um sistema (TAVARES,

2006, p.184).

Como será feito posteriormente, a análise desses direitos e garantias,

materializados em decorrência dos princípios, será o viés de verificação quanto à

constitucionalidade da Lei Seca.

3.2 Alegações de inconstitucionalidades na Lei Seca

Após a publicação da Lei Seca, em junho de 2008, foi protocolada no

Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4103 (ADI

4103), impetrada pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de

Entretenimento (ABRASEL NACIONAL).

Nesta ação, a ABRASEL pleiteia junto à Suprema Corte a declaração de

inconstitucionalidade de determinados dispositivos da Lei Seca. Desde 2008 essa

ação tramita no STF, estando ainda pendente de julgamento. Estão previstas a

realização de audiências públicas em 2012 para discussão do assunto, mediante

iniciativa do relator, Ministro Luiz Fux.

Passa-se a seguir à demonstração dos termos legais questionados, além de

breve análise quanto ao mérito.

3.2.1 Da proibição da venda e oferecimento de bebidas alcoólicas nas rodovias

federais

O artigo 2º da Lei nº 11.705/2008 trouxe a seguinte redação:

Art. 2º São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia, a venda varejista ou o oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local.

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§ 1º A violação do disposto no caput deste artigo implica multa de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). § 2º Em caso de reincidência, dentro do prazo de 12 (doze) meses, a multa será aplicada em dobro, e suspensa a autorização de acesso à rodovia, pelo prazo de até 1 (um) ano. § 3º Não se aplica o disposto neste artigo em área urbana, de acordo com a delimitação dada pela legislação de cada município ou do Distrito Federal.

Segundo a impetrante da ADI 4103, o legislador impôs tratamento

diferenciado entre estabelecimentos comerciais que vendem bebidas alcoólicas na

cidade e os que vendem nas rodovias federais, o que feriria o Princípio da Isonomia.

Alega que trata-se de uma punição de forma injustificada aos estabelecimentos

comerciais, violando o “direito adquirido” dos empresários de bares, restaurantes e

similares estabelecidos em rodovias federais de explorarem seu ramo de atividade.

Enunciando os princípios da Liberdade Econômica e o da Mínima Intervenção

Estatal na Vida Privada, a ABRASEL defende que “os condicionamentos que da lei

resultem para os direitos só serão legítimos quando vinculados à realização de

interesse público real, importante e claramente identificado” (MARICATO; AKASHI,

2008, p. 14). Neste sentido, busca caracterizar a medida adotada pelo Estado como

abusiva, limitadora da liberdade individual e desproporcional ao fim desejado.

O “direito adquirido”, diversamente de como foi apontado pela impetrante, não

figura neste caso. A liberdade econômica e a iniciativa privada, embora protegidas e

incentivadas pelo Estado, estarão sempre submetidas às normas gerais motivadas

pelo interesse público. Os estabelecimentos atingidos pela medida restritiva em foco

continuam funcionando normalmente, sendo-lhes permitida a comercialização dos

demais produtos que não contenham álcool em sua composição.

O fim desejado pelo dispositivo questionado é, em essência, reduzir a oferta

de álcool aos motoristas que trafegam nas rodovias, consequentemente

minimizando os riscos de ocorrerem acidentes. A razão de ser da norma, já

abordada neste trabalho, reveste-se de legalidade e proporcionalidade, pois

combater este inimigo tão poderoso que é o álcool exige e justifica as medidas

rigorosas substanciadas pela Lei nº 11.705/08.

Existe ainda a argumentação de que o condutor pode comprar a bebida

dentro das cidades e depois se dirigir às rodovias. Tal suposição é correta, contudo

dois pontos podem ser destacados nesse sentido. Primeiro, se o motorista adquire e

consome álcool dentro da cidade, o risco à coletividade já está materializado. Ou

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seja, na própria cidade, onde também se busca reduzir os acidentes no trânsito, já

se verificou a desobediência à norma; Segundo, a redução da oferta de bebidas na

rodovia, pelo menos em certo grau, minimiza a possibilidade do motorista consumir

álcool neste local.

Difícil é afirmar se essa medida, a médio e longo prazo, será ou não efetiva

para os fins desejados. O fato é que a restrição da venda e oferecimento de bebidas

alcoólicas nas rodovias reduz a sua oferta nessas vias por onde passam milhares de

motoristas todos os dias. Sob tal ponto de vista, o art. 2º da Lei nº 11.705/2008 já

encontra uma motivação claramente identificada, não sendo portanto

inconstitucional.

3.2.2 Da competência para fiscalizar e multar estabelecimentos comerciais nas

rodovias federais

A ABRASEL questiona a designação da Polícia Rodoviária Federal (PRF)

para fiscalização e aplicação das multas aos estabelecimentos comerciais

abrangidos pela Lei Seca. Em tese, seria um desvio de finalidade a fiscalização

praticada por este órgão da União, o qual não teria a função de fiscalizar o comércio

e sim policiar e patrulhar as rodovias federais.

Art. 4º Competem à Polícia Rodoviária Federal a fiscalização e a aplicação das multas previstas nos arts. 2º e 3º desta Lei. § 1º A União poderá firmar convênios com Estados, Municípios e com o Distrito Federal, a fim de que estes também possam exercer a fiscalização e aplicar as multas de que tratam os arts. 2º e 3º desta Lei. § 2º Configurada a reincidência, a Polícia Rodoviária Federal ou ente conveniado comunicará o fato ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT ou, quando se tratar de rodovia concedida, à Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, para a aplicação da penalidade de suspensão da autorização de acesso à rodovia.

A declaração de inconstitucionalidade deste artigo provavelmente não será

confirmada pelo STF. Não há na legislação federal vigente qualquer proibição à

atuação da Administração direta ou indireta em assuntos de interesse público que

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sejam relacionados à sua área de atuação, desde que prevista em lei. Tanto no

Decreto nº 1.655/1995 (define a competência da Polícia Rodoviária Federal) como

no Código de Trânsito Brasileiro, constam as funções essenciais deste órgão de

segurança pública, não sendo contudo taxativas. Embora haja aparente afronta ao

princípio da especialidade, não há no caso em tela qualquer desvirtuamento dos

objetivos legais definidos, o que seria um vício (DI PIETRO, 2011, p. 69-70), já que a

PRF é responsável por medidas que preservem a ordem, a segurança, a

incolumidade das pessoas e do patrimônio nas rodovias federais.

Demonstrado o interesse público em evitar o consumo de álcool nas rodovias,

o qual diretamente contribui para a ocorrência de acidentes, foi designado

competente pela lei o órgão de mais fácil acesso aos estabelecimentos em questão.

O repasse desta atribuição a outros órgãos também imbuídos do poder de polícia

mas que, por outro lado, estão situados apenas nos municípios, inviabilizaria a

fiscalização em trechos rodoviários afastados das cidades. Finalmente, a criação de

um órgão somente para realizar essa fiscalização dos bares e restaurantes nas

rodovias seria absolutamente desnecessária e dispendiosa para o Estado.

3.2.3 Da concentração de álcool para caracterização da infração administrativa,

das medidas de verificação de alcoolemia e do crime de embriaguez

A ADI 4103 pleiteia ainda a declaração de inconstitucionalidade dos incisos

III, IV e VIII do art. 5º da Lei nº 11.705/2008:

Art. 5º A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes modificações: [...] III - o art. 276 passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.” IV - o art. 277 passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 277................................................................................................ § 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras

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provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.” [...] VIII - o art. 306 passa a vigorar com a seguinte alteração: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: ...................................................................................................... Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.”

Conforme já demonstrado no Capítulo II deste trabalho, a nova lei, no art. 5º,

inciso III, alterou o caput do art. 276 do CTB. A ABRASEL questiona o “extremo

rigor” do texto legal, já que qualquer quantidade de álcool no sangue é o suficiente

para caracterizar a infração de dirigir sob influência de álcool, o que seria em tese

desproporcional e não razoável.

Na tentativa de desqualificar a medida adotada pelo legislador em reduzir a

tolerância para zero, o impetrante afirma, sem qualquer dado técnico:

[...] os acidentes de trânsito provocados pela influência do álcool ocorrem somente a partir da concentração de 8 decigramas de álcool por litro de sangue, como é o limite em países em países considerados mais civilizados [...] (MARICATO; AKASHI; 2008, p. 18)

Questionável a posição adotada pela ABRASEL, que traz implícita a idéia de

que somente os países mais desenvolvidos detém dados confiáveis sobre o nível

aceitável de teor alcoólico permitido ao condutor no trânsito. Ora, sabe-se que os

efeitos do álcool divergem subjetivamente de pessoa para pessoa, e em cada

organismo variam os níveis de embriaguez e sua relação com a quantidade de

álcool ingerida (LAIBER, 2007, p.40). Por isso, na ausência da comprovação do teor

aceitável de álcool, impôs o legislador o rigor de considerar “qualquer concentração”

como punível nos termos do artigo 165 do CTB.

Ademais, o responsável pela comparação da legislação brasileira com a de

outros países também deve levar em conta outros aspectos envolvidos que

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influenciam diretamente na temática da segurança no trânsito: a cultura e nível

médio de conhecimento da população quanto à legislação; os itens de segurança

dos veículos; as condições técnicas das vias públicas e qualidade da sinalização; a

tecnologia empregada para constatação da embriaguez alcoólica; a quantidade de

pessoal que atua na fiscalização, dentre outros.

Outro ponto combatido pela impetrante da ADI 4103 diz respeito à possível

antinomia (incompatibilidade de normas) presente nos artigos 165 e o 276 do CTB

(já que o primeiro optou pelo termo “dirigir sob a influência de álcool” enquanto o

segundo por “qualquer concentração de álcool”). A demonstração da diferença entre

“estar sob influência” e estar com “qualquer concentração de álcool” no sangue resta

desnecessária, pois já estão definidos juridicamente os critérios técnicos para o caso

do art. 276, inclusive com margem de tolerância.

Contudo, para sanar a questão, uma melhor redação do caput do art. 165

seria: “Dirigir sob influência de álcool, com qualquer concentração deste no sangue,

ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

O inciso IV da Lei Seca, que alterou o artigo 277 do CTB, é duramente

questionado pela ABRASEL, em especial quanto à obrigatoriedade de submissão ao

teste com o etilômetro, o que feriria o “direito à intimidade e à imagem do cidadão”, o

qual seria “submetido a práticas vexatórias com as quais não concorda e que podem

ser consideradas invasivas e até humilhantes”. (MARICATO; AKASHI; 2008, p. 26)

O procedimento de verificação da alcoolemia por etilômetro, ao contrário do

argumentado acima, não é prática vexatória ou humilhante. O condutor

simplesmente assopra no aparelho. É sempre utilizado um bocal descartável, por

isso não há risco de contágio. A prática não é invasiva e ainda é indolor. Pela leitura

da ADI 4103, percebe-se a tentativa do impetrante em desqualificar não só o

equipamento em si – o qual consegue verificar com precisão a presença de álcool

nos pulmões de um indivíduo – , mas a própria razão de sua aplicação, colocando

em descrédito todo o procedimento realizado pelo agente público.

Quanto ao novo artigo 277 do CTB, alterado pela Lei Seca, entende-se que

este acertadamente preencheu uma lacuna que existiria para responder a seguinte

pergunta: “e se o condutor não quiser soprar o etilômetro?”. Por isso o parágrafo 3º

disciplinou a questão, tornando a lei clara quanto à hipótese de recusa. Portanto,

pode-se afirmar que o teste com o etilômetro não é obrigatório.

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Caso houvesse essa omissão do legislador, certamente seria grande a

procura à prestação jurisdicional. Inclusive, quando da edição da lei em 2008, muitos

cidadãos impetraram habeas corpus preventivos7 para que fosse determinado pelo

juiz que, no caso de serem alvo de fiscalização de trânsito, poderiam recusar-se ao

teste sem sofrer qualquer constrangimento, numa espécie de “salvo conduto”. A tese

não se susteve, pois não há o constrangimento ilegal na liberdade de locomoção do

condutor examinado, requisito essencial para a concessão do habeas corpus.

Destaque-se uma observação relevante, apontada por Cabette, no que diz

respeito à formulação do direito de dirigir trazido pela “Common Law” (sistema

presente na Inglaterra e EUA). Nesse sistema, tal direito é visto como um “privilégio”

do condutor, recebido do Poder Público caso preencha determinados requisitos e

sujeite-se ao cumprimento das normas relacionadas à segurança do trânsito

(CABETTE, 2009, p. 17). Assim, o condutor que possui tal “privilégio”

automaticamente consente na realização de qualquer teste ou na imposição de

restrições em seu direito (CABETTE, 2009, p. 18).

É evidente a diferença de conceitos quando se compara a “Common Law”

com o sistema brasileiro, onde muitos defendem seus direitos com enormes

“bandeiras” mas poucos querem sujeitar-se ao controle estatal sobre os mesmos.

Resta assim observar imatura a percepção dos cidadãos brasileiros de que dirigir

veículo automotor em via pública é um direito, um privilégio. Coutinho e Alves

reforçam que tal direito não é absoluto, e sim concedido pelo Estado “após a

observância de vários requisitos8”, todos exigidos para proteger a sociedade dos

maus condutores, que colocam em risco a segurança da coletividade (COUTINHO;

ALVES; 2009, p. 5).

Ora, nenhuma pessoa é obrigada a fazer parte do grupo de condutores de

veículos automotores: a adesão é sempre voluntária. Contudo, não é facultativa a

observância de todos os requisitos legais decorrentes do exercício desse direito.

Percebe-se daí uma grande contradição: não se tem conhecimento de que pessoas

7 Nesse sentido, vide: a) HC nº 95287/MG/STF; b) Autos nº 005.08010744-8, da 2ª vara criminal de Balneário Camboriú/SC; c) Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus Nº 25.118-MG. 8 A legislação de trânsito prevê diversas medidas a serem adotadas por aqueles que optam por exercer o direito de dirigir. O condutor deve entrar no órgão de trânsito com um processo específico, deve freqüentar aulas teóricas e práticas de direção para a categoria de veículo à qual está se habilitando, passar por exames médicos e psicotécnicos, recolher as taxas devidas, dentre outras.

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tenham se voltado contra outros requisitos legais (pagamento de taxas, aulas

teóricas sobre trânsito, etc); já contra a aparente obrigatoriedade do teste há um

levante injustificado, como sendo este um retrato de ilegalidade e abuso de

autoridade. No entanto, o teste de alcoolemia pode ser equiparado com as outras

exigências existentes para que os condutores possam continuar fazendo jus ao

direito de conduzir veículo, não havendo qualquer ilegalidade na norma. Em uma

interpretação mais rigorosa, a recusa ao teste com o etilômetro poderia enquadrar-

se no crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).

Quanto ao crime de trânsito previsto no art. 306, a ABRASEL alega

inconstitucionalidade amparando-se na não observância dos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, da isonomia e da individualização das penas.

Considera também inconstitucional a imposição de detenção de 6 meses a 3 anos

de prisão para um motorista que “toma dois copos de vinho ou de chope”

(MARICATO; AKASHI; 2008, p. 28). Afirma que a lei “afronta à cultura e aos

costumes populares, absolutamente corriqueiros e lícitos” (MARICATO; AKASHI;

2008, p. 29).

Ora, os argumentos apresentados pela impetrante são inconsistentes,

pairando mais em um apelo injustificado ao sentimentalismo do julgador do que em

tese jurídica fundamentada. Ademais, as penas (detenção, multa e suspensão do

direito de dirigir) mantiveram-se as mesmas do texto anterior e, conforme já

verificado no capítulo específico, a alteração do citado artigo fez dotar de maior

objetividade a caracterização do ilícito penal.

Por todo o conteúdo exposto neste trabalho, em especial ao interesse público

envolvido, é que se combate tal tese. Não há falta de razoabilidade ou

proporcionalidade, pois a conduta tipificada no art. 306 é crime. Conduzir veículo nos

termos ali definidos representa perigo para toda a sociedade; é, indubitavelmente,

conduta criminosa.

Frequentemente, são noticiados na imprensa relatos de mortes causadas por

motoristas embriagados. Muitas vezes, as únicas penas sofridas pelo criminoso são

o pagamento de uma fiança e, depois de condenado, prestação de medida

alternativa (fornecimento de cestas básicas, por exemplo), o que gera a idéia de

impunidade no Brasil. Desproporcional é ser tão pouco penalizado quem mata no

trânsito por causa do uso de álcool.

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Quanto à falta de isonomia e individualização das penas, não há

inobservância pelo legislador, pois permaneceu no texto a margem concedida ao juiz

para definição do período de imposição da pena de detenção.

Concluindo, a alegada inconstitucionalidade do novo artigo 306 do CTB não

apresenta fundamentos técnicos ou jurídicos aceitáveis, devendo tal dispositivo

permanecer em vigor.

3.3 Princípios e a concorrência de direitos individuais e coletivos

Após a verificação dos artigos que teriam, em tese, ferido garantias

fundamentais da Carta Magna, torna-se necessário, ao adentrar no âmago da

análise de constitucionalidade, expor os princípios fundamentais relacionados à

questão, pois, como, salienta Eros Roberto Grau, “a interpretação das regras

contempladas na Constituição é determinada pelos princípios” (GRAU, 2003, p.

148). Luís Roberto Barroso também reforça que “o ponto de partida do intérprete há

que ser sempre os princípios constitucionais” (BARROSO, 2004, p. 151).

Os princípios, cujas raízes constitucionais configuram a base do sistema

jurídico, não se confundem com as regras, pois aqueles estabelecem uma direção

ou diretriz, devendo ser observada tanto pelo Estado como pelos particulares.

Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. (BARROSO, 2010, p. 311)

Pode-se afirmar com precisão que a fixação de princípios constitucionais é, e

sempre será, importante condição para resguardar, no Estado Democrático de

Direito, um conjunto de valores sociais, individuais, éticos e humanistas, protegendo-

os de agressores externos. Como ainda escreve Maurício Lopes, os princípios são

institutos de proteção, necessários para conferir estabilidade ao direito e sobre

determinadas matérias, contribuindo para manter a paz social (LOPES, 1999, p. 69).

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Para Rafael Maffini, o elemento nuclear do conceito de princípio jurídico

reside em seu aspecto finalístico, estipulando os fins a serem buscados – muito mais

do que os meios empregados (MAFFINI, 2006, p. 38-39). Ao priorizar um fim, e não

um meio, os princípios exigem sempre que o direito seja realizado na maior medida

possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes, para alcançar seu

objetivo de proteção ao indivíduo ou à coletividade (SILVA, 2008, p. 146).

No presente estudo, verifica-se a existência de determinados princípios

constitucionais, implícitos e explícitos, relacionados ao conteúdo normativo

estabelecido pela Lei Seca. Resta em seguida adentrar à análise dos mesmos

quanto à sua natureza e a extensão de sua aplicação ao objeto deste trabalho.

3.3.1 Princípio da legalidade

Nascido juntamente com o Estado de Direito, o princípio da legalidade

“constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais” (DI

PIETRO, 2011, p. 64). Tem como expressão máxima o contido no art. 5º, II, da

Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da legalidade traz consigo a idéia de organização do Estado de

Direito, definindo competências, funções e atividades de diversas naturezas.

Confere à lei o poder sobre o Estado-administrador e sobre a população, pois, como

explica Celso Antônio Bandeira de Mello, “tem como raiz a idéia de soberania

popular, de exaltação da cidadania” (MELLO, 2010, p. 100).

Em um Estado regido pelas leis9, que são – ou deveriam ser – a expressão da

vontade de seu povo, é que o princípio da legalidade se consolida como um dos

pilares do Direito moderno. “Por isto se diz, na conformidade da máxima oriunda do

Direito inglês, que no Estado de Direito quer-se o governo das leis, e não o dos

homens” (MELLO, 2010, p. 101).

9 A lei é contextualizada aqui em seu sentido amplo, ou seja, todas as espécies normativas: Constituição Federal, leis ordinárias, complementares, decretos, portarias, resoluções e outras, as quais incidirão sobre todos ou determinado grupo, definindo situações jurídicas.

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O princípio da legalidade garante aos indivíduos a liberdade de fazer tudo o

que a lei não proíbe. Já para a Administração Pública, o efeito é inverso: esta só

pode fazer o que a lei permite. Portanto, é dever do Estado estabelecer uma ordem

jurídica, definida por lei, à qual aquele estará sempre submetido:

Uma ordem pública democrática [...] é aquela estruturada pela Constituição e pelas leis. Preservar a ordem pública significa, sobretudo, preservar o direito, a ordem juridicamente estruturada, garantir a legalidade. Políticas públicas e ações policiais que desconsiderem os direitos fundamentais transgridem, até não mais poder, a própria ordem pública que pretendem preservar. (SOUZA NETO, 2008, p.90)

Celso Antônio Bandeira de Mello ainda tece importante contribuição ao

discorrer sobre o princípio da legalidade:

[...] o Legislativo, que deve, impessoalmente, definir na lei e na conformidade da Constituição os interesses públicos e os meios e modos de persegui-los, cabendo ao Executivo, cumprindo ditas leis, dar-lhes a concreção necessária. (MELLO, 2010, p. 100-101)

Diante desta breve análise a tão relevante princípio, percebe-se que a Lei

Seca, tanto em sua tramitação (aspecto formal) como em seu conteúdo (aspecto

material) não fere o princípio da legalidade. Mediante regular procedimento

legislativo, a lei foi publicada e delineou nova situação jurídica quanto à venda de

bebidas nas rodovias, à fiscalização de alcoolemia e aos demais pontos abordados

neste trabalho.

Pode-se considerar que nem mesmo a obrigatoriedade de submissão ao teste

com etilômetro é ilegal, tendo em vista que o § 3º do art. 277 do CTB prevê a sua

recusa. Do mesmo modo, a auto-executoriedade da penalidade administrativa,

presente nesse mesmo dispositivo, é perfeitamente legal – embora realmente

afronte, em certo nível, o princípio da presunção da inocência10.

10 Nesse sentido, cabe comparar o teste com etilômetro ao exame de DNA para comprovação de paternidade. Presume-se como sendo pai, em muitos casos, aquele que não se submete ao exame laboratorial de DNA, quando inquirido judicialmente. Em tese, também seria uma afronta ao princípio da presunção de inocência – em certo nível de análise, pois figura violado concretamente tal princípio no âmbito de um processo administrativo ou penal, o que não se adequa ao caso do teste com etilômetro, que é apenas um procedimento.

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3.3.2 Princípio de não ser obrigado a produzir prova contra si

Um dos mais incisivos argumentos da tese que defende a

inconstitucionalidade da Lei Seca pousa no princípio da não auto-incriminação

(nemo tenetur se detegere): o “direito de não ser obrigado a produzir prova contra si

mesmo”, consagrado no Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana

sobre Direitos Humanos), promulgado pelo Decreto nº 678/1992:

Art. 8º Garantias judiciais [...] g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem confessar-se culpada.

Na Constituição Federal do Brasil, não consta expressamente o princípio da

não auto-incriminação, o qual por vezes confunde-se com o princípio da presunção

de inocência (conforme o art. 5º, LVII, da CF). O princípio da presunção de inocência

traz o direito ao réu processado de ser considerado inocente até o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória, sendo-lhe também garantido o direito ao

silêncio (inciso LXIII do art. 5º), enquanto o princípio da não auto-incriminação,

presente na norma internacional, busca garantir direitos judiciais mínimos que

protegessem os indivíduos contra a violação dos seus direitos pelos Estados-Partes

(SILVA, 2008, p. 70).

Tal dispositivo representou uma grande conquista naquele contexto histórico,

em que diversos regimes ditatoriais instalados no continente americano praticavam

toda forma de abusos contra os direitos humanos. Sua aplicação no âmbito do

processo penal é legítima e já consagrada, estando a pretensão punitiva estatal

submetida a esta garantia individual de não ser o indivíduo obrigado a produzir prova

contra si mesmo.

Entretanto, na seara do direito administrativo não há de se pleitear, sob tal

alegação, imunidade ao poder de polícia efetivado pelo Estado. Se de outro modo

fosse, a fiscalização administrativa seria absolutamente ineficaz, pois o agente

público necessitaria da colaboração do fiscalizado na maioria das circunstâncias (por

exemplo, numa simples medida como solicitar a um condutor que apresente sua

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habilitação, ou um fiscal de tributos exigir a apresentação do documento fiscal a um

comerciante), tornando inócua a lei e prejudicando sua própria razão de ser

(COUTINHO; ALVES, 2009, p. 7). Diante deste quadro, deve-se ponderar entre “o

significado da intervenção do Estado através da norma ao atingido e os objetivos

perseguidos pelo legislador (MENDES, 1999, p. 72).

Se na Convenção Americana existe a proteção a esse direito individual aqui

evocado, é mister destacar que no próprio Pacto consta a limitação deste direito:

Art. 32 Correlação entre deveres e direitos [...] 2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.

Reforça o texto da Convenção que, mesmo garantidos alguns direitos

individuais essenciais, existem limitações impostas pelos “direitos dos demais”. A

coletividade é também titular de direitos, devendo ser protegida pelo Estado – pois

sempre existirá conflitos entre interesses individuais e coletivos.

Não parece razoável afirmar, contudo, que exista conflito entre a Constituição

Federal do Brasil e o Pacto internacional ora analisado. Ambos trazem direitos e

princípios fundamentais que delinearão a legislação ordinária. Porém, caso reste

comprovada a incompatibilidade, a Constituição deverá predominar, como afirma

Luís Roberto Barroso:

Em síntese apertada de tudo que se vem de expor, é possível assentar que, no conflito de fontes interna e internacional [...] é no sentido de que: a) os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. [...] b) O tratado celebrado na vigência de uma Constituição e que seja com ela incompatível, do ponto de vista formal (extrínseco) ou material (intrínseco), é inválido e sujeita-se à declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, por qualquer órgão judicial competente (...) O tratado que se encontrar em vigor quando do advento de um novo texto constitucional, seja este fruto do poder constituinte originário ou derivado, será tido como ineficaz, se for com ele incompatível. (BARROSO, 2004, p. 33)

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No caso da análise de constitucionalidade da Lei Seca, o conflito jurídico

instala-se nos seguintes termos: se o Estado, através de seus agentes de

fiscalização, obrigar o condutor a submeter-se a um teste de alcoolemia, ou outro

exame que certifique seu estado, estará aquele abusando de seu poder em

detrimento do direito deste de recusar-se à obrigação que lhe é imposta? Qual

direito deverá prevalecer? Ou, antes, qual direito é absoluto?

Dada a mutabilidade dos direitos dito humanos, estando estes sempre

suscetíveis à transformação, é que afirma-se que nenhum direito é absoluto.

(BOBBIO, 2004, p. 32). Os costumes e as normas jurídicas são alterados – cada um

no seu tempo – juntamente com a sociedade, e sempre serão requeridos aos

operadores do direito novas análises e interpretações com o objetivo de alcançar a

segurança jurídica e o equilíbrio social.

Partindo-se da premissa de que nenhum direito é absoluto, cabe aqui

ressaltar certa hierarquização (ou classificação) entre a eficácia das normas

constitucionais. Como afirma Guilherme Braga Peña de Moraes:

As regras constitucionais que prevêem liberdades individuais [p] são normas constitucionais de eficácia contida, de sorte que os direitos de resistência têm o conteúdo determinado, essencialmente, a nível constitucional, havendo, no entanto, a possibilidade do alcance do dispositivo ser restringido pela atividade do legislador infraconstitucional. (MORAES, 1997, p. 138)

Atualmente, com o nível de maturidade democrática alcançada pela

sociedade brasileira, o princípio de não ser obrigado a produzir prova contra si,

considerado aqui como norma constitucional de eficácia contida11, não pode

continuar sendo alegado indistintamente e sem critérios jurídicos consistentes. Ainda

menos no caso do teste com etilômetro tal princípio adquire voz ativa, pois o

condutor não é obrigado, ele pode recusar-se ao teste, conforme previsão legal.

Contraditoriamente, a concordância do condutor ao soprar o etilômetro pode

produzir “prova a seu favor”. Se solicitado pelo agente de trânsito, durante uma

abordagem, que o motorista faça o teste, e o mesmo concorda, o resultado, caso

11 Moraes classifica as disposições constitucionais de eficácia contida como aquelas que contém aplicabilidade direta e imediata, porém não integral, podendo ter seu alcance reduzido mesmo pela legislação infraconstitucional. Já as de eficácia plena revestem-se do princípio da aplicabilidade direta, imediata e, principalmente, integral, não podendo sofrer contenção pelo legislador ordinário (MORAES, 1997, p. 131).

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retorne como “negativo” para a presença de álcool no organismo, favoreceu o

examinado. Ou seja, soprar no bafômetro é a oportunidade de provar a ausência de

álcool em seu organismo. Embora sem base em dados científicos, cabe uma

reflexão empírica diante desta situação: há grande probabilidade de que o condutor

que se recusa ao teste – principalmente após tomar ciência da penalidade que lhe

será imposta – o faz porque já se encontra sob efeito de álcool, portanto oferecendo

algum risco para o trânsito.

Finalmente, a exposição de Juliana Coutinho e Geovana Alves resume como

tal princípio não se aplica no caso da Lei Seca:

Desta forma, a restrição a um direito fundamental individual é possível sempre que for indispensável para o alcance de uma finalidade relacionada à comunidade [...]. E é exatamente o que ocorre aqui: a restrição ao direito de dirigir, materializado na proibição de dirigir embriagado e de ter que se submeter ao teste de embriaguez quando solicitado, fundamenta-se nos direitos fundamentais à vida e à segurança que alcança toda a comunidade, inclusive o cidadão fiscalizado, diante do que não se pode invocar uma suposta afronta ao direito de não produzir provas contra si mesmo. (COUTINHO; ALVES; 2009, p. 6)

3.3.3 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade

O princípio da razoabilidade reveste-se da necessidade de que haja uma

adequação de sentido entre a atuação do Estado, através da produção de normas, e

os fins almejados. “É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio,

moderação e harmonia” (BARROSO, 2004, p. 224)

Luís Roberto Barroso define: “o princípio da razoabilidade é um parâmetro de

valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor

superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça” (BARROSO, 2004, p. 224).

O bem jurídico, que está protegido por uma norma, deve sempre ser avaliado

pelos valores constitucionais de âmbito e relevância maiores, em especial a busca

pela justiça e pelo equilíbrio social. Surgem então os princípios da proporcionalidade

e razoabilidade, orientando que haja sempre uma medida de justo equilíbrio entre a

gravidade do fato e a sanção imposta pela lei (LOPES, 1999, p. 91).

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Há, contudo, riscos da má aplicação desses dois princípios. Eros Grau afirma

existir certa “banalização” nessa questão, como se o intérprete e aplicador da lei

pudesse “corrigir” o legislador simplesmente evocando os princípios da

proporcionalidade e razoabilidade (2003, p. 179). Acrescente-se, ainda, tal

banalização com o uso do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual também

pode ser indevidamente utilizado quando não se deseja aplicar plenamente uma lei,

abrandando seus efeitos.

A proporcionalidade e razoabilidade, no caso da Lei Seca, verificam-se

observadas quanto à rigidez na fiscalização e apuração da infração, tendo em vista

seus objetivos: reduzir a insegurança e garantir incolumidade no trânsito. Mesmo ao

estabelecer a tolerância zero, obrou o legislador acertadamente, já que não há uma

correlação clara entre os limites máximos de alcoolemia e suas conseqüências.

Para os estabelecimentos comerciais situados nas áreas rurais das rodovias

federais, os quais não podem vender bebida alcoólica, a medida foi proporcional e

razoável, pois estes podem vender diversos outros produtos. A “penalidade” a eles

imposta não os impede de exercer a livre iniciativa em sua atividade econômica.

Por fim, quanto ao teste para verificação de alcoolemia, este é perfeitamente

razoável, pois o agente público precisar garantir, na medida do possível, que o

condutor abordado, que se encontra sob sua responsabilidade (mesmo que

temporariamente), não saia dirigindo colocando sua vida e a de outros em risco.

3.3.4 Princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica, pode-se afirmar, decorre do sobreprincípio

do Estado de Direito, sendo também decorrente de uma interpretação de várias

outras normas (MAFFINI, 2006, p. 47). Rafael Maffini diz que este origina-se de uma

confluência das noções de certeza, estabilidade, previsibilidade e confiança,

buscando sempre a maior regularidade das situações jurídicas (2006, p. 48-49).

No sentido objetivo, a segurança jurídica relaciona-se com a previsibilidade e a irretroatividade dos atos estatais, além de todos aqueles institutos previstos no artigo 5º, XXXVI, da CF/88 (ato

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jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada) [...]. Por sua vez, no sentido subjetivo, a segurança jurídica se relacionaria com a proteção da confiança depositada pelos cidadãos em relação aos atos, procedimentos e condutas estatais [...]” (MAFFINI, 2006, p. 54)

Maria Sylvia Di Pietro afirma que a segurança jurídica tem relação com a idéia

de respeito à boa-fé, e é importante para garantir aos cidadãos que a Administração,

ao adotar determinada interpretação como sendo a correta, não deve depois anular

seus atos, retroagindo em prejuízo ao administrado (2011, p. 86).

Se uma norma fere de fato o princípio da segurança jurídica, encontra-se na

verdade um elemento perigoso, que causa grave desequilíbrio na balança sob a qual

assenta-se o Estado de Direito. Não parece ser o caso da Lei Seca: por versar sobre

assunto polêmico e que pode penalizar um grande grupo de pessoas, que por vezes

não desejam mudar seus hábitos (beber antes de dirigir), por ora se encontram

afirmativas, um tanto subjetivas, de que esta norma deve ser extirpada do conjunto

de leis brasileiras.

Sob outro ponto de vista, a real insegurança jurídica seria sentida no caso da

declaração de inconstitucionalidade da Lei Seca. Barroso afirma que, em regra,

“todos os efeitos produzidos por uma norma inconstitucional devem ser fulminados”

(BARROSO, 2004, p. 91). Em decorrência, portanto, de seu efeito retroativo (ex

tunc), essa declaração invalidaria diversos processos criminais e administrativos por

todo o país, nos quais em sua maior parte figuram comprovadas flagrantes situações

de desrespeito às leis e à coletividade.

Finalmente, se o Estado e seus agentes atuarem nos limites legais, sem

abusos ou excessos, não há que se falar em insegurança jurídica quanto aos efeitos

da Lei Seca, pois os contornos jurídicos por ela definidos não prejudicam o Estado

Democrático de Direito.

3.3.5 Princípio da supremacia do interesse público

Um dos principais argumentos em defesa da constitucionalidade da Lei Seca,

sendo também um pilar do direito administrativo brasileiro, é o princípio da

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supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Defende tal princípio que

as normas de direito público devem, primeiramente, atender aos direitos coletivos,

ao bem-estar social. Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

Ora, a Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social – que tem de agir , fazendo-o na conformidade da intentio legis. Portanto, exerce “função”, instituto – como visto – que se traduz na idéia de indeclinável atrelamento a um fim preestabelecido e que deve ser atendido para o benefício de um terceiro. É situação oposta à da autonomia da vontade, típica do Direito Privado. De regra, neste último alguém busca, em proveito próprio, os interesses que lhe apetecem, fazendo-o, pois com plena liberdade, contanto que não viole alguma lei. (MELLO, 2010, p. 98)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro justifica o por que da sobreposição dos direitos

coletivos aos individuais:

[...] As normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando [...] substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais. (DI PIETRO, 2011, p. 66, grifo nosso)

É salutar a observação, quanto ao princípio da supremacia do interesse

público, de dois aspectos importantes. O primeiro diz respeito à validade dos atos da

Administração, só podendo ser assim reputados “se respeitados os pressupostos

procedimentais previstos na legislação e, sobretudo, inspirados em princípios

constitucionais” (NETO, 2008, p. 111). O segundo serve mais como um alerta, um

risco de manipulação do que se deva – ou se possa – compreender como sendo

interesse público, como critica Rafael Maffini. Para o doutrinador, esta noção pode

ser facilmente manipulável por quem detém o poder. Jamais tal princípio da

supremacia do interesse público terá o condão de outorgar poderes ilimitados ao

Estado (MAFFINI, 2006, p. 72).

Percebe-se que o interesse público, uma vez demonstrado, deve conviver de

forma equilibrada com os interesses particulares (NETO, 2008, p. 51), e não

contrapor-se a esses injustificadamente. Não obstante a importância dos direitos

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fundamentais individuais, é necessária uma interpretação harmônica desses

(COUTINHO; ALVES; 2009, p.3), cabendo ao Estado sempre limitar os direitos

individuais com moderação e vislumbrando um objetivo bem definido.

Em alguns casos, a ponderação entre os interesses públicos e os privados

poderão até mesmo resultar em conclusões favoráveis a estes últimos, como afirma

Maffini (2007, p. 75). Contudo, pelo exposto no presente trabalho, a

constitucionalidade da Lei nº 11.705/08, em suma, sustenta-se pela supremacia do

interesse público, refletido na necessidade da preservação de um bem maior, qual

seja a incolumidade pública e a segurança no trânsito.

3.4 Conflito de normas e princípios: a ponderação como solução

O Direito, por não ser uma ciência exata, é de certo modo um reflexo da

complexidade do mundo e das relações sociais que envolvem a vida humana. Como

é inevitável que hajam conflitos nos mais diversos níveis e áreas, não seria diferente

com o Direito. Novas normas são criadas constantemente, aumentando a teia de

relações jurídicas, sendo que as novas acabam invadindo áreas abrangidas por

outras pré existentes. Pertinente a observação de Norberto Bobbio ao afirmar que

“são bem poucos os direitos considerados fundamentais que não entram em

concorrência com outros direitos também considerados fundamentais” (2004, p. 20).

Diversos doutrinadores reconhecem que não há Direito, sob um aspecto

amplo, sem existência de conflitos. Até mesmo a opção do intérprete por um

princípio, em detrimento de outro que a ele se opõe, é um fenômeno natural no

trabalho do aplicador do Direito (GRAU, 2003, p. 182). Nesse sentido, Luís Roberto

Barroso traz importante lição:

“A existência de colisões de normas constitucionais, tanto as de princípios como as de direitos fundamentais, passou a ser percebida como um fenômeno natural – até inevitável – no constitucionalismo contemporâneo. As Constituições modernas são documentos dialéticos, que consagram bens jurídicos que se contrapõem. [...] (BARROSO, 2010, p. 311).

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Virgílio Afonso da Silva ressalta que diante da colisão entre princípios, não se

trata de declarar a simples invalidade de qualquer um deles, nem um será a exceção

de outro. De fato, o que deve ocorrer “é a definição de relações condicionadas de

precedência” (SILVA, 2008, p. 34).

O método comumente utilizado pelo aplicador do Direito é o raciocínio da

subsunção. Barroso a define como sendo a base de um silogismo, no qual a

premissa maior, que é a norma, incide sobre a premissa menor, os fatos, e produz o

resultado como fruto da aplicação da norma ao caso analisado pelo jurista

(BARROSO, 2010, p. 334).

Embora muito útil diante dos casos mais simples, a subsunção revela-se

insuficiente em situações complexas, como quando o intérprete ou aplicador

encontra-se, por exemplo, diante de colisões de princípios ou de direitos

fundamentais (BARROSO, 2010, p. 334). Numa hipótese como essa, não existe

apenas uma premissa maior incidindo sobre uma premissa menor: podem haver

duas ou mais premissas maiores, sendo que, por obediência ao princípio da unidade

da Constituição, não se pode estabelecer hierarquia entre essas normas

constitucionais (BARROSO, 2010, p. 335).

Para Barroso, a interpretação constitucional teve de avançar, buscando

“desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e

de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão” (BARROSO,

2010, p. 335). A subsunção revelou-se inadequada, apresentando “três cores

distintas e nítidas”, conquanto esta nova técnica representa uma “pintura moderna,

com inúmeras cores sobrepostas” (BARROSO, 2010, p. 335). Esta técnica é

denominada de ponderação, sendo compreendida como sendo um processo a ser

utilizado em casos difíceis, diante dos quais “a subsunção se mostrou insuficiente”

(BARROSO, 2010, p. 335).

A ponderação de normas, bens ou valores é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite (ii) procederá à escolha do bem ou direito que irá prevalecer em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. (BARROSO, 2010, p. 312)

Didaticamente, a técnica da ponderação pode ser dividida em três etapas. Na

primeira, o intérprete ira detectar quais são as normas relevantes que poderão

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solucionar o caso, verificando os conflitos existentes entre elas. Na segunda etapa,

os fatos serão melhor examinados, bem com as circunstâncias concretas do caso,

estabelecendo a natureza e extensão de sua relação com os elementos normativos.

Por fim, na terceira etapa da ponderação é que esta adquire sua

especialidade, diferenciado-se da subsunção. Luís Roberto Barroso afirma que

ocorre aqui a atribuição de “pesos” às partes conflitantes:

Os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Pois bem: nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso (BARROSO, 2010, p. 336)

Após a confirmação quanto ao grupo de normas preponderantes, como alerta

Barroso, deve-se ainda “decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a

solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais” (BARROSO,

2010, p. 336). Haverá assim a ponderação, a gradação das “cores sobrepostas”,

quais sejam os princípios de maior ou menor relevância que se misturam e fornecem

uma solução para o aplicador do Direito.

Cabe ao Estado, portanto, não apenas fazer o possível no sentido de

propiciar a realização dos direitos e garantias fundamentais, mas também identificar

e fazer prevalecer a ordem de precedência desses, determinando que o de maior

peso possua maior abrangência com o fim de garantir a segurança de todos e

promover o bem comum (COUTINHO; ALVES; 2009, p. 3).

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CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho aqui apresentado, buscou-se comprovar a hipótese de

que a Lei Seca é constitucional. As teses, contrárias ou favoráveis a ela, foram

expostas com base no levantamento bibliográfico, buscando-se sempre a maior

imparcialidade possível do pesquisador.

Nesta conclusão é pertinente registrar, quanto ao assunto estudado, a

indignação da sociedade quanto à impunidade. São freqüentes as mortes causadas

por motoristas alcoolizados, que avançam no sinal vermelho, sobem em calçadas e

em pontos de ônibus, atingindo pessoas e resultando em grandes tragédias. A

sociedade anseia por penas mais severas e que sejam efetivamente cumpridas. É

só conversar com quem já perdeu uma pessoa querida no trânsito, causada por

condutor alcoolizado, para perceber o grau de insatisfação quanto à pena imposta

ao infrator.

Somente a lei não será eficaz para combater tão grave quadro de violência no

trânsito. Além de uma fiscalização rigorosa e contínua, o Estado deve buscar

diminuir a oferta de álcool em locais estratégicos e, ao mesmo tempo, trabalhar para

conscientizar o condutor de que dirigir embriagado é crime. As intervenções e

políticas públicas devem ser eficientes e capazes de evitar (ou reduzir) o consumo

indevido do álcool. A prevenção é melhor do que a repressão, buscando-se portanto

combater os danos antes que estes ocorram. Esta prevenção resulta em preservar

vidas e amenizar diversos problemas de saúde.

O reforço da publicidade institucional, a promoção de eventos públicos de

incentivo à saúde, o trabalho de organizações não-governamentais e a discussão e

debate no meio acadêmico e em toda a sociedade surgem como algumas idéias de

ações preventivas que, somadas aos esforços de fiscalização, contribuem para um

trânsito mais seguro. A caminhada nesse sentido é longa, e demanda tempo até que

se sinta uma profunda mudança social, mas é necessária, por parte do poder público

e de todos os cidadãos.

Diante desse quadro é que a Lei Seca tornou mais rigorosas as penalidades

aos condutores embriagados. É uma lei que não contraria a Constituição Federal:

pelo contrário, trabalha na busca de garantir a segurança de todos, direito previsto

na Lei Maior. Por tudo o visto nesta monografia, entende-se que alguns princípios,

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como o da legalidade e o da supremacia pública, prevalecem sobre os demais.

Assim, os princípios de não ser obrigado a produzir prova contra si, bem como o da

liberdade econômica e da livre iniciativa têm seus efeitos reduzidos diante da

verificação da constitucionalidade aqui realizada.

Por fim, após a análise da norma e do equacionamento e ponderação dos

princípios fundamentais individuais e coletivos envolvidos, pode-se afirmar que a Lei

Seca não é inconstitucional, devendo a mesma permanecer em vigor no

ordenamento jurídico brasileiro. Ressalte-se, contudo, que a discussão não encerra

o assunto: novos debates podem contribuir para futuras legislações, que

modernizem e, principalmente, tornem mais efetivo o combate ao uso de álcool por

condutores de veículos.

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