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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN CENTRO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DANIEL MELO DE OLIVEIRA CAMPOS ANÁLISE ENERGÉTICA DAS INTERAÇÕES INTERMOLECULARES DOS INIBIDORES CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO COM A PROTEASE DE REPLICAÇÃO VIRAL NS2B-NS3 DO ZIKA NATAL-RN 2020

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

    CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

    PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

    MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

    DANIEL MELO DE OLIVEIRA CAMPOS

    ANÁLISE ENERGÉTICA DAS INTERAÇÕES INTERMOLECULARES DOS

    INIBIDORES CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO COM A PROTEASE DE REPLICAÇÃO

    VIRAL NS2B-NS3 DO ZIKA

    NATAL-RN

    2020

  • DANIEL MELO DE OLIVEIRA CAMPOS

    ANÁLISE ENERGÉTICA DAS INTERAÇÕES INTERMOLECULARES DOS INIBIDORES DIPEPTÍDICOS CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO COM A PROTEASE DE

    REPLICAÇÃO VIRAL NS2B-NS3 DO ZIKA VÍRUS

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção de título de Mestre em Ciências Biológicas.

    Orientador: Prof. Dr. Jonas Ivan Nobre Oliveira

    NATAL-RN 2020

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

    Sistema de Bibliotecas - SISBI

    Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - -Centro de Biociências - CB

    Campos, Daniel Melo de Oliveira.

    Análise energética das interações intermoleculares dos

    inibidores dipeptídicos CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO com a protease

    de replicação viral NS2B-NS3 do zika vírus / Daniel Melo de

    Oliveira Campos. - Natal, 2020.

    87 f.: il.

    Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande

    do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em

    Ciências Biológicas.

    Orientador: Prof. Dr. Jonas Ivan Nobre Oliveira.

    1. Zika vírus - Dissertação. 2. Protease NS2B-NS3 -

    Dissertação. 3. cn-716 - Dissertação. 4. Acil-KR-Aldeído -

    Dissertação. 5. DFT - Dissertação. 6. MFCC - Dissertação. I.

    Oliveira, Jonas Ivan Nobre. II. Universidade Federal do Rio

    Grande do Norte. III. Título.

    RN/UF/BSE-CB CDU 616.98

    Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer primeiramente a Deus pela graça da vida. Sem a permissão e

    inspiração d’Ele, a realização deste trabalho não seria possível. À minha família por

    ser meu alicerce com o seu apoio incondicional, em especial à minha mãe (Rejane),

    meu irmão Matheus (que ainda não compreende a minha falta de tempo ultimamente),

    minha avó (Francisca) e a minha namorada (Raphaela) que ficaram ao meu lado nos

    dias difíceis. Ao meu orientador Jonas pela sua benevolência e confiança a mim

    depositada desde o primeiro momento (espero ter correspondido à altura). Ao

    professor Umberto, que embora pareça rígido no primeiro momento, utiliza desta

    casca pra proteger o seu altruísmo em querer o melhor para o programa de pós-

    graduação e seus alunos. Ao professor Eudenilson por ser a referência de humildade

    e sabedoria. À Ana Karla, a minha primeira orientadora que sempre me incentivou e

    acreditou no meu potencial. Aos colegas de laboratório de Biofísica pela convivência,

    companheirismo e solicitude (Katy, Mylene, Lucas, Emmanuel, Anne, John, Xavier,

    Sabrynna), ressaltando os mais experientes (Katy, Emmanuel, Xavier) que sempre

    dispuseram do seu tempo para orientar e contribuir de maneira direta no

    desenvolvimento dos projetos do laboratório. Aos meus amigos que contribuíram

    mesmo que de forma indireta durante esse período (Amanda, Carol, Giselle, Hannaly,

    Ana Flávia, Yanne, Gabriel). Aos que não citei nominalmente, mas influenciaram de

    certa forma, partindo do pressuposto da teoria quântica. Por fim, à UFRN pela

    estrutura cedida, seus funcionários e à CAPES pelo suporte financeiro.

  • “O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa.”

    Sir Roger Scruton.

  • RESUMO

    A infecção emergente pelo zika vírus (ZIKV) se tornou uma ameaça à saúde global

    devido à associação com anormalidades neurológicas graves, como a síndrome de

    Guillain-Barré (SGB) em adultos e a síndrome congênita do zika vírus (SCZ) em

    neonatos. Muitas pesquisas de desenvolvimento e inovação objetivam um composto

    antiviral eficaz contra o ZIKV. A protease NS2B-NS3 é um alvo atraente para a

    elaboração de fármacos devido à sua função essencial na replicação viral, mas até o

    momento, não há nenhum composto comercialmente disponível. Nesse contexto, para

    contribuir com o design racional de fármacos para o desenvolvimento de um anti-ZIKV

    eficiente, realizou-se um estudo qualitativo (natureza dos contatos intermoleculares)

    e quantitativo (energia de ligação) comparativo das interações intermoleculares

    existentes nas estruturas cristalográficas da serino-protease NS2B-NS3 acopladas

    aos inibidores peptidomiméticos ácido borônico (cn-716 – PDB ID: 5LC0) e aldeído

    (Acil-KR-Aldeído – PDB ID: 5H6V). Para a descrição das energias de ligação

    individuais aminoácido-ligante existentes nesses biocomplexos, utilizou-se o esquema

    de fracionamento molecular com caps conjugados (MFCC) dentro do formalismo da

    teoria funcional da densidade (DFT). Os resultados revelaram que o inibidor de

    aldeído mostrou ter mais afinidade do que o inibidor de ácido borônico. Em geral, a

    porção P2 do inibidor de aldeído apresenta mais afinidade com o sítio ativo da

    protease do que o inibidor de ácido borônico devido à presença de dois anéis fenólicos

    que aumentam a distância e diminuem a interação com a protease. Justamente nessa

    porção, o resíduo Asp83 é aquele que mais fortemente interagiu com os ligantes. Além

    deste, destacam-se os aminoácidos Asp83*, His51, Asp129, Ser81*, Gly133, Ala132,

    Tyr161, Asn152 e Asp75 (Asp83*, Asp129 His51, Asn152, Tyr161, Tyr130, Gly153,

    Gly151, Asp75, Pro131 e Gly82) em cn-716/NS2B-NS3 (Acil-KR-Aldeído/NS2B-NS3).

    O aminoácido Asn152 mostrou ser um resíduo chave, influenciando outros

    aminoácidos vizinhos do bolso de ligação a interagirem com maior afinidade com o

    inibidor. Por fim, a avaliação do efeito de mutações missense na desestabilização e

    flexibilização da protease demonstrou que as alterações Tyr161Gly e Tyr130Gly

    promovem maiores danos à protease. Os resultados apresentados servirão de base

    para o processo de descoberta e desenvolvimento de fármacos anti-zika mais

    específicos e potentes.

  • Palavras-chave: Zika vírus. Protease NS2B-NS3. cn-716. Acil-KR-Aldeído. Inibidores

    Dipeptídicos. DFT. MFCC.

    ABSTRACT

    The emergent Zika virus (ZIKV) infection has become a threat to global health due to

    the association with severe neurological abnormalities, namely Guillain-Barre

    Syndrome (GBS) in adults and Congenital Zika virus Syndrome (CZS) in neonates.

    Many studies are being conducted to find an effective antiviral drug against ZIKV.

    NS2B-NS3 protease is an attractive drug target due to essential function in viral

    replication, but to date, there are no commercially available. In this context, to will

    contribute in rational drug design for the development of an efficient anti-ZIKV, we

    conduct a comparative structural study based on quantum mechanical calculations to

    analyses the intermolecular binding energies between the crystallographic structure of

    NS2B-NS3 protease with dipeptides boronic acid (cn-716) and aldehyde (Acyl-KR-

    Aldehyde) peptidomimetic inhibitors. For this, we used the molecular fractionation with

    conjugate caps (MFCC) scheme within the density functional theory (DFT) formalism

    to describe in detail the energies of the complex. Our results reveal that the aldehyde

    inhibitor was shown to have more affinity than the boronic acid inhibitor. The Asp83*

    residue presents the most interaction energy in both inhibitors, binding with P2-residue,

    while Asp129 those that better interact with P1-residue. In general, the P2 residue of

    aldehyde inhibitor presents more affinity with the active site of protease than boronic

    acid inhibitor due to the presence of two phenolic rings that increasing the distance

    and decreasing the interaction. In addition, we highlight the amino acids residues

    Asp83*, His51, Asp129, Ser81*, Gly133, Ala132, Tyr161, Asn152 and Asp75 (Asp83*,

    Asp129 His51, Asn152, Tyr161, Tyr130, Gly153, Gly151, Asp75, Pro131, and Gly82)

    in cn-716/NS2B-NS3 (Acil-KR-Aldeído/NS2B-NS3). The amino acid Asn152 proved to

    be a key residue, influencing other amino acids neighboring the binding pocket to

    interact with greater affinity with the inhibitor. Additionally, we made missense mutation

    analyzes of these residues that compound to evaluate the destabilization and increase

    of flexibilization on protease, showing that mutation of Tyr161 followed by Tyr130

    causes more impact on protease. Our simulations are valuable for a better

  • understanding of the binding mechanism of recognized inhibitors of the NS2B-NS3

    protease and can lead to the rational design and the development of novel IBU-derived

    drugs with improved potency

    Keywords: Zika virus. NS2B-NS3 protease. dn-716. Acyl-KR-Aldehyde. Dipeptides

    Inhibitors. DFT. MFCC.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ΔG – Variação da Energia Livre de Gibbs

    ΔΔG – Estabilidade Térmica

    ΔΔSvib – Energia de Entropia Vibracional

    ADE – Antibody-dependent enhancement (aprimoramento dependente de

    anticorpos)

    C – Proteína do Capsídeo

    CDC – Centers for disease control and prevention (Centro de Controle e Prevenção

    de Doenças)

    CHARMm – Chemistry at Harvard Macromolecular Mechanics

    DENV – Dengue vírus

    DFT – Density Functional Theory (Teoria do Funcional da Densidade)

    E – Proteína do Envelope

    ESPII – Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional

    ESPIN – Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional

    FNO – Febre do Nilo Ocidental

    GGA – Generalized Gradient Approximation (Aproximação do Gradiente

    Generalizado)

    HCV – Vírus da Hepatite C

    IC50 – Metade da concentração inibitória máxima

    IEFPCM – Integral Equation Formalism Variant (Formalismo Variante da Equação

    Integral)

    Kcal/mol – Quilocaloria por mol

    Ki = Constante de Inibição

    M – Proteína da Membrana

    MFCC – Molecular Fractionation with Conjugated Caps (Fracionamento Molecular

    com Caps Conjugados)

    MFS – Síndrome de Miller Fisher

    MHC – Major Histocompatibility Complex (Complexo principal de

    histocompatibilidade)

    MM – Molecular Mechanics (Mecânica Molecular)

    MTase - Metiltransferase

  • NAMA – Neuropatia Motora Axonal Aguda

    NASMA – Neuropatia Sensorial Axonal Motora Aguda

    NS – Non-structural (Proteínas não estruturais)

    NS3hel - Domínio helicase NS3

    NS3pro – Non-structural protease 3 (Protease NS3)

    OMS – Organização Mundial da Saúde

    PCM – Modelo de Continuum Polarizável

    PDB – Protein Data Bank (Banco de Dados de Proteínas)

    PIDA – Polirradiculoneuropatia Aguda Desmielinizante Inflamatória

    prM – Proteína Pré-Membranar

    QM – Quantum Mechanics (Mecânica Quântica)

    RdRP – RNA-dependent RNA polymerase (RNA polimerase dependente de RNA)

    RE – Retículo Endoplasmático

    RTP - RNA trifosfatase

    SAM – S-adenosilmetionina

    SCRF – Self-Consistent Reaction Field (Campo de Reação Auto-Consistente)

    SCZ – Síndrome Congênita do Zika

    SGB – Síndrome de Guillain-Barré

    VNO –Virus do Nilo Ocidental

    VFA – Vírus da Febre Amarela

    ZIKV – Zika vírus

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Figura 1 - Etapas da replicação viral do ZIKV .......................................................... 25

    Figura 2 - Esquematização da codificação do genoma do Zika vírus em poliproteína

    e consequentemente em proteínas estruturais e não estruturais. ............................. 26

    Figura 3 - Representação da estrutura secundária do complexo NS2B-NS3pro. As

    setas verdes representam as folhas beta da proteína NS3pro, amarela NS2B e

    Cilindro azul alfa-hélice. ............................................................................................ 31

    Figura 4 - Nomenclatura da especificidade entre substrato e protease. ................... 32

    Figura 5 - Superfície do bolso de ligação do complexo NS2B-NS3, destacando os

    bolsos de ligação S1’-S4. .......................................................................................... 33

    Figura 6 - Passo a passo do mecanismo catalítico da serino protease NS2B-NS3

    (esquerda). Hidrólise do intermediário Acil-enzima pela rota contrária (direita). ....... 35

    Figura 7 - a) Fórmula estrutural do composto cn-716. b) formação do diéster cíclico

    com glicerol. .............................................................................................................. 39

    Figura 8 - Fórmula estrutural do inibidor de aldeído. ................................................ 40

    Figura 9 - Esquema do mecanismo de inibição das serino-proteases, exemplificado

    por um peptidil aldeído no complexo NS2B-NS3 do ZIKV. ....................................... 42

    Figura 10 - Representação das formas ligadas (eZiPro e gZipro) e não ligada (bZiPro)

    na construção do complexo NS2B-NS3. ................................................................... 50

    Figura 11 - Representação dos inibidores. (a) Estrutura química dos inibidores de

    ácido borônico e aldeído, em ordem subdividida em quatro regiões; (b) potencial

    eletrostático isosuperfície do inibidor carregado na mesma ordem, respectivamente.

    .................................................................................................................................. 55

    Figura 12 - Energias de ligação da interação (kcal/mol) entre NS2B-NS3pro com

    inibidores em função da distância do raio (Å). Cada curva apresenta resultados obtidos

    com um valor diferente de constante dielétrica e um tipo de inibidor: linha laranja-

    quadrado-linha (40, ácido borônico); linha azul-triângulo-linha (40, aldeído); traço

    quadrado-traço vermelho (10, ácido borônico) e traço-triângulo-traço azul escuro (10,

    aldeído) ..................................................................................................................... 57

    Tabela 1 - Resíduos que interagem com o Inibidor de ácido borônico em até 9 Å, com

    seus respectivos contatos de menor distância............................................................58

  • Tabela 2 - Resíduos que interagem com o Inibidor de aldeído em até 9 Å, com seus

    respectivos contatos de menor distância....................................................................59

    Figura 13 - Painel gráfico mostrando em ordem crescente de distância (Å) a

    comparação da energia de ligação dos resíduos mais importantes entre NS2B-NS3

    com inibidores do ácido borônico (laranja) e aldeído (azul). A distância mínima e a

    região correspondente da interação também são exibidas (informações dos inibidores

    de aldeído entre parênteses). .................................................................................... 60

    Figura 14 - Sítio de Ligação amplificado da protease NS2B-NS3 contendo os

    inibidores de ácido borônico (a) e aldeído (b) inseridos na cavidade, com os seus

    respectivos resíduos mais importantes. NS2B (amarelo) e NS3pro (verde) são

    exibidos como fita. Os resíduos de bolso S1', S1 e e S2 são mostrados como sticks

    (cor abaixo). a) Inibidor de ácido borônico na cavidade do sítio ativo, mostrado no

    modelo ball and stick com os átomos de carbono em laranja e boro em rosa claro na

    cavidade interna do sítio ativo. b) Inibidor de aldeído no interior da cavidade do sítio

    ativo, mostrado na esfera e no modelo de bastão com átomos de carbono em azul

    ciano. ......................................................................................................................... 62

    Figura 15 - União dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-NS3

    com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (i) para comparação

    detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com o resíduo P2 são cinza

    claros. As linhas tracejadas coloridas representam as interações descritas abaixo. 64

    Figura 16 -união dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-

    NS3pro com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (ii) e (iii) para

    comparação detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com os

    segmentos P1 e P2 são cinza escuro e claro, respectivamente. As linhas tracejadas

    coloridas representam as interações descritas abaixo. ............................................. 67

    Figura 17 - Junção dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-

    NS3 com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (iv) para comparação

    detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com o segmento P1 (P1 'em

    ácido borônico) são cinza escuro. As linhas tracejadas coloridas representam as

    interações descritas abaixo. ...................................................................................... 69

    Tabela 3 - Energia de interação total relacionada as regiões do inibidor de ácido

    borônico e estruturas secundárias do receptor NS2B-NS3 do ZIKV............................72

  • Tabela 4 - Energia de interação total relacionada as regiões do inibidor de aldeído e

    estruturas secundárias do complexo receptor NS2B-NS3 do ZIKV.............................72

    Figura 18 - Visão detalhada das interações intramoleculares que implicam a distância

    de Gly82* ao grupo amina catiônica (b), destacando a influência do resíduo Asn152

    com os aminoácidos vizinhos presentes na figura (a, b). a) Intramolecular cátion-pi

    entre o inibidor de ácido borônico que afeta os resíduos do subsítio S1. Ligações de

    hidrogênio estão em verde escuro, Cátion-pi marrom ............................................... 74

    Tabela 5 - Descrição da desestabilização (ΔΔG) e flexibilização (ΔΔSVib) após

    mutação pontual. (†) representa energia em kcal / mol e (††) em kcal.mol-1.K-1........76

    Tabela 6 - Descrição da desestabilização (ΔΔG) e flexibilização (ΔΔSVib) após

    mutação pontual. (†) representa energia em kcal / mol e (††) em kcal.mol-1.K-1........77

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 17

    1.1 ZIKA VÍRUS ....................................................................................... 17

    1.1.1 Epidemiologia ............................................................................. 17

    1.1.2 Sintomatologia da Infecção pelo Zika vírus ............................. 18

    1.1.2.1 Síndrome de Guillain-barré associada ao Zika vírus .................... 19

    1.1.2.2 Síndrome Congênita do ZIKV ....................................................... 20

    1.1.3 Diagnóstico, Terapêutica e Prevenção ..................................... 21

    1.1.4 O ciclo de vida do genoma e replicação viral em células alvo23

    1.2 ESTRUTURA DO ZIKA VÍRUS .......................................................... 25

    1.2.1 Genoma ........................................................................................ 25

    1.2.2 Proteínas Estruturais .................................................................. 27

    1.2.3 Proteínas não-estruturais ........................................................... 28

    1.3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DA SERINO-PROTEASE NS2B-NS3 DO ZIKV........................................................................................................................ 30

    1.3.1 Sítio de Ligação .......................................................................... 32

    1.3.2 Mecanismo Catalítico das Serino-proteases ............................ 33

    1.4 INIBIDORES DA PROTEASE NS2B-NS3 .......................................... 36

    1.4.1 Inibidores Peptidomiméticos ..................................................... 37

    1.4.1.1 Inibidor Dipeptídico de Ácido Borônico ......................................... 38

    1.4.1.2 Inibidor Dipeptídico de Aldeído ..................................................... 39

    1.4.2 Mecanismo de Inibição dos Peptidomiméticos ........................ 41

    1.5 MODELAGEM MOLECULAR ............................................................. 43

    2. JUSTIFICATIVA .................................................................................... 45

    3. OBJETIVOS .......................................................................................... 48

    3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................ 48

    3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................. 48

    4. METODOLOGIA .................................................................................... 49

    4.1 PREPARAÇÃO DAS ESTRUTURAS CRISTALOGRÁFICAS ............... 49

    4.2 FRACIONAMENTO MOLECULAR COM CAPS CONJUGADOS (MFCC)................................................................................................................ 50

    4.3 CÁLCULO DAS ENERGIAS DE INTERAÇÃO UTILIZANDO DFT ........ 51

    4.4 ESTUDO DE CONVERGÊNCIA ............................................................ 54

    4.5 MUTAÇÃO MISSENSE ......................................................................... 54

    5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................ 55

    5.1 ANÁLISE DE CONVERGÊNCIA............................................................ 56

  • 5.2 COMPLEXO ENTRE O SÍTIO DE LIGAÇÃO COM OS INIBIDORES ... 60

    5.3 REGIÃO i ............................................................................................... 63

    5.4 REGIÃO ii .............................................................................................. 65

    5.5 REGIÃO iii ............................................................................................. 66

    5.6 REGIÃO iv ............................................................................................. 68

    5.7 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INIBIDORES NO COMPLEXO NS2B-NS3 .......................................................................................................... 70

    5.8 ANÁLISES DE MUTAÇÃO MISSENSE ................................................. 75

    6. CONCLUSÃO ........................................................................................ 78

    7. PERSPECTIVAS ................................................................................... 79

    8. REFERÊNCIAS ..................................................................................... 80

  • 17

    1. INTRODUÇÃO

    1.1 ZIKA VÍRUS

    O Zika vírus (ZIKV) é um arbovírus da família flaviviridae e gênero flavivirus

    responsável pela recente infecção epidêmica de caráter global. É transmitido

    predominantemente pelos mosquitos artrópodes fêmeas de Aedes aegypti e

    albopictus infectados, sendo o aegypti o mais frequente por estar em meios urbanos

    (IOOS et al, 2014; AYRES, 2016). A transmissão não vetorial também foi reportada,

    incluindo transmissão sexual, transfusão e materno-fetal (BAUD et al.,2017; HAMER

    et al., 2017). Além da infecção pelo ZIKV, esse gênero é responsável por outras

    doenças reemergentes em seres humanos, como a dengue (DENV) e o vírus da febre

    amarela (VFA). Após a ingestão do sangue do hospedeiro infectado, os vírus se

    multiplicam dentro do inseto em seu intestino e invadem os tecidos subjacentes para

    causar uma infecção disseminada, denominado como período de incubação

    extrínseco, que resulta em uma carga viral alta, particularmente nas glândulas

    salivares, onde se multiplicam entre 8 a 12 dias. Posteriormente, são passados para

    os humanos durante a picada do inseto (IOOS et al., 2015; YOUNG, 2018).

    1.1.1 Epidemiologia

    Originalmente, o vírus Zika foi identificado na Macaca mulatta, conhecida

    popularmente como macaco Rhesus, em 1947, na reserva florestal homônima em

    Kampala, Uganda. Embora o primeiro relato de infecção humana pelo vírus Zika tenha

    ocorrido em 1952 no Uganda e Tanzânia, o ZIKV é uma epidemia recente, com o seu

    potencial epidêmico anunciado internacionalmente apenas em 2005, atingindo sua

    emergência na Micronésia em 2007 e, principalmente, em 2013, na Polinésia

    Francesa, onde ocorreram os primeiros casos relacionados com a Síndrome de

    Guillain-Barré (SGB) (IOOS et al., 2014; AYRES, 2016). Além da SGB, no recente

    surto brasileiro ocorrido em 2015 e 2016, foram relatados os primeiros casos de

    anormalidades neurológicas associadas a infecção congênita pelo zika virus à

    neonatos. Este conjunto de sintomas foi denominado como Síndrome Congênita do

  • 18

    Zika vírus (SCZ), no qual a microcefalia é a principal característica (HU; SUN, 2019;

    IOOS et al, 2014; AYRES, 2016).

    Apesar de hipóteses sugerirem que o Zika vírus foi introduzido ao Brasil durante

    a Copa do Mundo de Futebol, ocorrida entre 12 de junho a 13 de julho de 2014, ou no

    evento de canoagem Va’a, entre 12 a 13 de agosto daquele mesmo ano, no Rio de

    Janeiro, estudos promovidos por Faria e colaboradores (2016) indicam que o vírus já

    circulava no Brasil entre maio e dezembro de 2013, dois anos antes do surto

    (MARCONDES; XIMENES, 2016; FARIA et al., 2016). Portanto, estima-se que o vírus

    veio pelo aumento da circulação aérea de passageiros vindos de regiões endêmicas

    do ZIKV, ocorrida no mesmo período. Estudos mais recentes por meio da

    filogenômica, apontam que a América Central e o Caribe foram importantes rotas de

    entrada do vírus no Brasil (FARIA et al., 2016; CAMPOS et al., 2018).

    Em razão das associações neurológicas previamente comentadas (maiores

    explicações a seguir), o ZIKV foi declarado Emergência em Saúde Pública de

    Importância Nacional (ESPIN) no Brasil pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

    em 2015. Com o rápido espalhamento do vírus para 84 países ao redor do mundo,

    principalmente na América do Sul, a pandemia foi oficialmente classificada como uma

    séria ameaça à saúde pública global, mais especificamente quando a OMS declarou-

    a como Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em 2016

    (ANAYA et al., 2017; BAUD et al., 2017; MUSSO; GLUBER, 2016).

    1.1.2 Sintomatologia da Infecção pelo Zika vírus

    A infecção pelo Zika vírus geralmente se apresenta de forma assintomática ou

    leve, no qual o período de incubação da picada do mosquito até o início dos sintomas

    é de três a 12 dias, podendo apresentar uma sintomatologia semelhante ao da

    dengue, incluindo febre intermitente, dor retro-orbital, letargia, exantema

    maculopapular com prurido, hiperemia conjuntival sem prurido, artralgia, mialgia e

    cefaleia (IOOS et al., 2014; MUSSO; GUBLER, 2016). Embora o vírus comumente se

    apresente dessas formas, também está associado a formas mais graves da doença,

    apresentando graves alterações neurológicas e oftalmológicas, causadas pela

    Síndrome Congênita do Zika (SCZ) e a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), que

    acarretam em transtornos motores e cognitivos, podendo prejudicar o

  • 19

    desenvolvimento muscular e intelectual do paciente (IOOS et al., 2014; WANG et al.,

    2018)

    1.1.2.1 Síndrome de Guillain-barré associada ao Zika vírus

    A Síndrome de Guillain-Barré consiste em uma polineuropatia aguda autoimune

    rara, rapidamente progressiva, que afeta o sistema nervoso periférico de adultos. As

    neuropatias autoimunes e agudas são encadeadas a partir de respostas imunitárias

    humorais e celulares contra epítopos de antígenos, onde no subtipo

    polirradiculoneuropatia aguda desmielinizante inflamatória (PIDA) o alvo são as

    células de Schwann, e nos subtipos neuropatia motora axonal aguda (NAMA), o alvo

    são os próprios axônios, acentuadas nas raízes do nervo espinhal (ANAYA et al.,

    2016; PINTO-DIAZ, 2017). Além da PIDA e NAMA, também estão inclusos a

    neuropatia sensorial axonal motora aguda (NASMA) e síndrome de Miller Fisher

    (MFS) (STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).

    Normalmente, a síndrome se manifesta dentro de seis a oito semanas, com a

    duração dos sintomas entre 10 a 14 dias, provocando acometimentos ascendentes de

    fraqueza muscular e arreflexia. Porém, 20 a 30% desses pacientes podem

    desenvolver sintomas mais graves, tais como paralisia motora, desordens sensitivas

    ou disautonomia, esta última responsável pela desregulação do sistema nervoso

    autônomo, atingindo os músculos auxiliares da respiração, como o diafragma, e

    levando a insuficiência respiratória neuromuscular, sendo a principal causa de morte

    da síndrome (STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).

    Geralmente é associada a neuropatia axonal motora ou polineuropatia

    desmielinizante inflamatória, resultadas por uma modificação epigenética ou de um

    gatilho ambiental em um hospedeiro geneticamente suscetível, desencadeadas após

    infecções virais, bacterianas e parasitárias. Dentre as infecções virais, os arbovírus

    emergentes e reemergentes responsáveis pela dengue (DENV), Chikungunya, febre

    do Nilo Ocidental (FNO), Encefalite Japonesa e mais recentemente o Zika vírus, são

    associados temporalmente como uma possível causa à SGB. (NICO et al., 2018;

    STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).

  • 20

    A hipótese mais aceita pela literatura é a do mimetismo molecular, na qual é

    sugerida que o mimetismo entre gangliosídios do tecido nervoso humano e

    glicolipídios presentes na proteína de envelope (E) do ZIKV, na qual está incluído os

    gangliosídios. desencadeariam a reação de autoimunidade que gera a síndrome

    (SIROHI et al., 2016, ASHTANA et al., 2015). Segundo ANAYA e colaboradores

    (2016), é possível que durante sua replicação, o vírus incorpore glicolipídios e/ou

    glicoproteínas expressas na membrana da célula infectada através de seus sítios de

    glicosilação, de forma a tornar-se antigênico no hospedeiro, no caso alelos específicos

    do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e outras variantes genéticas

    iniciariam uma resposta imune que também reagiria de forma cruzada com estruturas

    similares expressas por neurônios (ANAYA et al., 2016).

    A resposta imune ao ZIKV provavelmente induz a produção de imunoglobulinas

    IgM e IgG pelo hospedeiro, provocando uma resposta imune prejudicial, que

    reconhece não só o antígeno, mas também os gangliosídios na membrana nervosa,

    reagindo de forma cruzada. Os anticorpos anti-gangliosídeos observados com maior

    frequência são contra o GM1, GD1a, GD1b, GT1a e GQ1b (NAIK et al., 2017). Já os

    gangliosídios especificamente relacionados a SGB e Zika são o GM1, GA1, GM2,

    GD1a, GD1b e GQ1b, ressaltando mais recentemente o GM2 e GD3, os quais foram

    identificados como fortes biomarcadores, correlacionado com a complicação da

    síndrome (CAO-LORMEAU et al., 2016; NICO et al., 2018).

    1.1.2.2 Síndrome Congênita do ZIKV

    A Síndrome Congênita do Zika ocorre pela transmissão de forma vertical da

    gestante ao feto, quando infectada. O vírus passa pelo cordão umbilical e atravessa a

    barreira hematoencefálica devido ao seu intenso neurotropismo, que causa um padrão

    de anormalidades neurológicas congênitas ao feto, sendo mais expressivos quando

    infectados em gestantes no primeiro trimestre de gravidez (COSTELLO et al., 2016;

    HAMER et al., 2017; ABBASI, 2016). A microcefalia causada pela SCZ apresenta um

    caráter singular em comparação a microcefalias causadas por outros tipos de

    infecções congênitas. Possui como característica um padrão de formato “gaveta”, na

    qual a calota craniana é colapsada, com suturas invertidas e ossos predominantes na

    região occipital (RIBEIRO et al., 2017).

  • 21

    Entretanto, os bebês que possuem a SCZ podem desenvolver a microcefalia

    após o nascimento ou não a apresentar (ARAGÃO et al., 2017; MEHRJARDI et al.,

    2017). De acordo com Aragão e colaboradores (2017), os bebês que já nascem com

    microcefalia apresentam malformações e anormalidades mais graves, seguidos pelos

    que desenvolveram a microcefalia pós-natal e pelos que não possuem microcefalia.

    Quando comparados os achados neurológicos em recém-nascidos acometidos pela

    SCZ, não são encontradas diferenças significativas, apenas entre os que nasceram

    sem microcefalia com os que desenvolveram microcefalia pós-natal (ARAGÃO Et al.,

    2016; 2017).

    1.1.3 Diagnóstico, Terapêutica e Prevenção

    Para o diagnóstico da infecção pelo ZIKV, somente a avaliação clínica não é

    confiável, pois a sintomatologia do Zika vírus é semelhante à de outras arboviroses,

    como CHIKV e DENV. Portanto, são necessários exames laboratoriais específicos

    para a confirmação da doença, divididos como testes moleculares e sorológicos

    padrões (FAUCI; MORENS., 2016). O primeiro procedimento para a confirmação do

    ZIKV, por meio dos testes de RT-PCR em tempo real e KIT NAT, é o principal meio

    de confirmação da doença, realizado através das provas laboratoriais por testes

    moleculares definidas pela presença de RNA do vírus Zika em soro. O segundo

    método de diagnóstico é através do ensaio sorológico, pela presença de anticorpos

    IgM de vírus anti-Zika no soro, sendo mais utilizado o ensaio de MAC-ELISA (CUNHA

    et al., 2016; PLOURD; BLOCH, 2016). Todos esses testes utilizados são aprovados

    pela autorização de uso de emergência (EUA) pela Food and Drug Administration

    (FDA) (ODUYEBO et al., 2017; CDC, 2017).

    De acordo com o CDC (Center for Diseases Control and Prevention), os testes

    para o ZIKV são recomendados para indivíduos sintomáticos com possível exposição

    à áreas de transmissão do vírus. São incluídas as gestantes assintomáticas, no qual

    o seu feto tenha apresentado achados de ecografia pré-natal sugestivos da Síndrome

    congênita do Zika, como: microcefalia, artrogripose e anormalidades oculares e

    auditivas. Para as gestantes assintomáticas que obtiveram contato com as áreas de

    risco, mas o feto não apresenta anormalidades neurológicas sugestivas da SCZ, é

    discutida a necessidade da realização do exame de acordo com cada caso e protocolo

  • 22

    da região (CDC, 2017). Para as gestantes cujo feto apresente características

    sugestivas da SCZ, é necessária a utilização do exame STORCH (Sífilis,

    Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus e Herpes) para diferenciar das outras

    infecções congênitas que também possam provocas degenerações do sistema

    nervoso central do feto, tais como a toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes

    e sífilis (CUNHA et al., 2016; ARAGÃO et al., 2017).

    De forma complementar, são realizados exames laboratoriais inespecíficos

    com o intuito de parametrizar o estadiamento e investigação da doença. São

    constituídos pelo hemograma; dosagens séricas para AST/ALT, bilirrubina direta e

    indireta, lactato e desidrogenase e marcadores de atividade inflamatória; e ureia e

    creatinina. As alterações típicas associadas à infecção pelo vírus Zika, ao decorrer da

    doença, são a leucopenia, trombocitopenia leve e moderada, ligeira elevação da

    desidrogenase láctica sérica, gama glutamil transferase e de marcadores de atividade

    inflamatória, sendo elas a proteína C reativa, fibrinogênio e ferritina, embora a

    contagem sanguínea completa seja geralmente normal. Não há relatos de infecção

    secundária pelo fato de o vírus apresentar um único sorotipo (CUNHA et al., 2016).

    Por ainda não existirem medicamentos específicos contra o ZIKV, a terapêutica

    utilizada para os pacientes infectados pelo vírus consiste na hidratação, descanso,

    uso de medicamentos com propriedade antipirética e analgésica, como o

    acetaminofeno (paracetamol) para aliviar a febre e a dor. De acordo com o CDC, é

    aconselhável não tomar medicamentos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs)

    como a aspirina. Para os casos em que o indivíduo esteja tomando medicamentos

    para outra condição médica, ou em que as manifestações clínicas se agravem, deve-

    se seguir o conselho do profissional de saúde capacitado (SAXENA et al., 2016).

    Com base nos sintomas e pela disposição dos flavivírus promoverem o

    aprimoramento dependente de anticorpos (ADE – do inglês Antibody-dependent

    enhancement), o que facilita a entrada de vírus nas células hospedeiras e aumenta a

    infectividade celular, até o momento não foi desenvolvida ou aconselhada a criação

    de uma vacina específica (KANG et al., 2017; SHI; GAO, 2017; SAXENA et al., 2016).

    A medida e o controle preventivo dependem principalmente da redução dos locais de

    reprodução dos mosquitos e diminuição do contato com humanos. Para isso, devem

    ser utilizados certos procedimentos e cuidados, a saber: o programa de controle de

    vetores deve ser iniciado para evitar uma disseminação rápida da infecção pelo ZIKV;

  • 23

    uso de repelentes de mosquitos e redes mosquiteiras; de inseticidas sugeridos pela

    OMS pode ser utilizado como larvicidas para o tratamento de extensos

    compartimentos de água, o uso; uso de teste rápido para infecção por ZIKV durante a

    transfusão de sangue; evitar viagens para regiões endêmicas da doença; se houver

    sintomas da doença, deve-se evitar a automedicação e procurar uma consulta médica;

    para as mulheres, evitar engravidar até a erradicação da infecção pelo ZIKV devido

    as anormalidades neurológicas ao feto causadas pela SCZ (SAXENA et al., 2016).

    1.1.4 O ciclo de vida do genoma e replicação viral em células alvo

    O ciclo de replicação do ZIKV inicia com a ligação do flavivírus à célula

    hospedeira, gerando subsequentemente a sua entrada por meio da endocitose

    mediada por receptor. O provável candidato a permitir essa adsorção é o gene AXL,

    responsável por codificar o receptor tirosina-quinase. Os tipos celulares permissíveis

    e os receptores da célula hospedeira relacionadas a mediação da entrada do ZIKV

    ainda estão sendo investigados, porém, a clatrina é reconhecida pelos flavivirus por

    mediar sua entrada na célula (WANG et al., 2018; BIDET; GARCIA-BLANCO, 2018).

    Recentemente, estudos in vitro demonstraram que além de apresentar uma

    superexpressão durante o desenvolvimento do córtex cerebral humano, tal gene

    permite a entrada do ZIKV nas células da pele humana, juntamente com outros

    receptores da família TYRO3-ALXL-MERTK (TAM) (WANG et al., 2018). No entanto,

    em estudos in vivo com camundongos, a deleção dos receptores TAM não apresentou

    redução da replicação viral do Zika, insinuando que tais receptores podem não

    desempenhar um papel na infecção pelo ZIKV, ou que existem vários outros

    receptores de entrada redundantes para o vírus (WANG et al., 2018).

    Após o processo de endocitose, a glicoproteína E sofre uma mudança

    conformacional ocasionada pela acidificação da vesícula endocítica, mediando a

    fusão da membrana do envelope viral com a membrana do hospedeiro. Tal fusão leva

    a liberação do nucleocapsídeo (estrutura viral do capsídeo associado ao genoma) no

    citoplasma da célula hospedeira. A partir daí o genoma se dissocia do capsídeo, e no

    retículo endoplasmático (RE) o RNA é traduzido em uma única poliproteína e replicada

    pelo tráfego de vesículas (WANG et al., 2018; BIDET; GARCIA-BLANCO, 2018).

    Acredita-se que a tradução do RNA viral ocorra de maneira semelhante a a tradução

  • 24

    de mRNAs, utilizando da maquinaria de síntese proteica da célula hospedeira. Os

    fatores de iniciação da tradução se ligam a estrutura Cap 5’ e recrutam ribossomos,

    iniciando o processo de decodificação e alongamento da cadeia polipeptídica. No

    entanto, pode haver mecanismos não-canônicos de tradução dos flavivírus que não

    necessitem dos fatores celulares do hospedeiro para a tradução celular em massa.

    (BIDET; GARCIA-BLANCO 2018)

    A poliproteína formada é clivada de forma co e pós-traducionalmente nas

    estruturas membranares derivadas do RE por proteases virais (NS2B/NS3 e NS5) e

    hospedeiras (sinalase e furina), produzindo dez proteínas virais. A peptidase sinal

    localizada no RE do hospedeiro é responsável por clivar as junções C/prM, prM/E,

    E/NS1 e NS4A/NS4B; enquanto a serino protease NS3 do vírus cliva entre

    NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A e NS4B/NS5 (HILGENFIELD et al., 2018; LI et

    al., 2018;).

    Durante o ciclo de vida dos flavivírus, as partículas infecciosas do vírus, os

    vírions, possuem três estados principais: imaturo (estado de ligação não infecioso),

    maduro (tornando infeccioso) e fusogênico (de membrana hospedeira). O vírus

    inicialmente montado no RE é imaturo, consistindo em uma partícula pontuda não

    infecciosa, contendo 60 pontas triméricas de heterodímero E:prM (HILGENFIELD et

    al., 2018; LI et al., 2018; SIROHI et al., 2016).

    Ainda no RE, a maturação em um vírion maduro contendo 90 dímeros E:prM

    se inicia no lúmen, onde o virus imaturo são montados e levados até a rede trans-

    Golgi, que por sua vez os modifica por glicosilação. Posteriormente, ocorre a clivagem

    proteolítica da prM por uma protease hospedeira ainda desconhecida, mas

    semelhante a furina, e homodimerização (formação de dímeros semelhantes) da

    proteína do envelope na rede trans-golgi (WANG et al., 2018). Além da liberação de

    partículas virais infecciosas amadurecidas, esse processo gera partículas subvirais

    não infecciosas, que não possuem a proteína do capsídeo e o genoma do RNA. Tanto

    a progênie viral infecciosa madura quanto as partículas subvirais são liberadas das

    células hospedeiras através da exocitose (WANG et al., 2018).

  • 25

    Figura 1 - Etapas da replicação viral do ZIKV

    Fonte: adaptado de Hu; Sun, 2019.

    1.2 ESTRUTURA DO ZIKA VÍRUS

    1.2.1 Genoma

    O genoma do ZIKV é constituído por um RNA de fita simples e polaridade

    positiva ((+)ssRNA), possuindo capeamento na extremidade 5’ e ausência da

    poliadenilação na 3’, com cerca de aproximadamente 11 kb e 11.000 bases

    complexadas com múltiplas cópias da proteína do capsídeo. (LEI et al., 2016; SIROHI

    et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018). Tal genoma é responsável por codificar uma

    única poliproteína de aproximadamente 3.000 aminoácidos, na qual é processada

    para produzir dez proteínas virais: sendo três proteínas estruturais, a do capsídeo (C),

    proteína precursora da membrana (prM) e envelope (E), envolvidas na formação da

    nova partícula viral; e sete não estruturais, a NS1, NS2, NS2A, NS2B, NS3, NS4A,

    NS4B e NS5, (LEI et al., 2016; SIROHI et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018).

  • 26

    Durante a replicação viral, o genoma (+)ssRNA codifica o genoma traduzindo

    em uma única poliproteína com 3.000 aminoácidos no citoplasma das células

    hospedeiras infectadas. Posteriormente, é pós-traduzido por peptidases de sinal do

    hospedeiro e proteases virais em três proteínas estruturais (C, prM e E) e sete não

    estruturais (NS) (NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5). Os genes proteicos

    estruturais estão na porção 5 'do genoma e os genes da proteína NS na porção 3'

    (MUSSO; GLUBER, 2016; HASAN et al., 2018; WHITE et al., 2016). A organização

    do genoma dos flavivírus, referente à expressão da proteína arranjada na ordem 5'-

    C-prME-NS1-NS2a-NS2b-NS3-NS3a-NS4a-NS4b-NS5-3'5. As proteínas estruturais

    se reúnem para construir as partículas virais maduras, enquanto as proteínas não

    estruturais são responsáveis pela replicação e propagação viral (MUSSO AND

    GLUBER., 2016; HASAN et al., 2018; HILGENFIELD et al., 2018).

    Figura 2 - Esquematização da codificação do genoma do Zika vírus em poliproteína e consequentemente em proteínas estruturais e não estruturais.

    Fonte: Adaptado de Abrams et al., 2017.

  • 27

    1.2.2 Proteínas Estruturais

    O genoma do virus é envolvido pelas proteínas do capsídeo que formam o

    nucleocapsídeo, cercados por uma camada icosaédrica (comum aos flavivírus)

    composta pela proteína E (aproximadamente 53 kDa) e pela proteína M

    (aproximadamente 8 kDa) ou pela sua proteína precursora, a prM (aproximadamente

    21 kDa), ancorados em uma membrana lipídica que circunda o nucleocapsídeo

    (SIROHI et al 2016; HU; SUN, 2019). A proteína prM (aproximadamente 165

    aminoácidos) é a precursora da proteína de membrana. Tais proteínas estruturais

    apresentam grandes variações conformacionais durante o ciclo viral, incluindo a forma

    imatura, madura e fusogênica do vírion.

    A estrutura do vírion maduro do ZIKV é semelhante a outros flavivírus, como a

    Dengue e vírus do Nilo Ocidental, constituído por um pequeno vírion icosaédrico (com

    40-50nm de diâmetro) e envelopado. A técnica de microscopia crioeletrônica (Cryo-

    EM) demonstrou que a proteína do envelope é composta por 180 cópias de

    glicoproteínas da proteína E (aproximadamente 500 aminoácidos) e pela proteína de

    membrana (aproximadamente 75 aminoácidos), ancorados em uma membrana

    lipídica (SIROHI et al 2016; HU; SUN, 2019; DAI et al., 2016). Tal arranjo icosaédrico

    é constituído por 90 dímeros da proteína E, cobrindo totalmente a superfície viral.

    Por ser responsável pela entrada do vírus, a proteína E representa um dos

    principais alvos de neutralização de anticorpos. Apresenta uma estrutura

    característica de espinha de peixe, contendo o ectodomínio em sua região N-Terminal

    (aproximadamente 400 aminoácidos, uma região do tronco (aproximadamente 50

    resíduos) e por fim, a região transmembranar em seu C-terminal. De forma

    semelhante a outros flavivírus, o ectodomínio da proteína E do ZIKV consiste em três

    subdomínios: um domínio central barril-beta I (DI), um domínio alongado em forma de

    dedo (DII) e um domínio C-terminal do tipo imunoglobulina (DIII) (SIROHI et al., 2016;

    HU; SUN., 2019; DAI et al., 2016).

    A região do tronco está situada entre o ectodomínio e as hélices

    transmembranares da proteína E, composta por duas hélices e localizada na camada

    lipídica externa. A proteína M consiste em uma alça N-terminal (alça M ou M solúvel),

    uma região-tronco e duas hélices transmembranares. Os domínios transmembranares

  • 28

    das proteínas E e M formam hélices antiparalelas que ancoram a membrana viral na

    bicamada lipídica (SIROHI et al., 2016; HU; SUN., 2019; DAI et al., 2016)

    .

    1.2.3 Proteínas não-estruturais

    Complementando as três proteínas estruturais, o genoma codifica sete não

    estruturais: a NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5. Tais proteínas são

    produzidas com o intuito de formar o complexo de replicação genômico, mediar a

    replicação do RNA, formação de partículas virais, montagem e neutralização do

    sistema imune inato da célula hospedeira. A proteína NS3 é responsável pelo

    processamento polipeptídico e replicação genômica, enquanto a NS5 atua no

    capeamento e replicação do RNA. As demais estruturas, NS1, NS2A, NS4A e NS4B

    estão envolvidas na patogênese viral e resposta imunitária em humanos. Dentre as

    proteínas não estruturais do ZIKV, destacam-se a NS1, NS3 e NS5 pelas suas funções

    desempenhadas e por serem altamente conservadas, apresentando um alto grau de

    homologia com outros flavivirus, como a DENV e VNO (SHI; GAO, 2017; RASTOGI;

    SHARMA; SINGH., 2016).

    A NS1 é uma proteína altamente conservada, considerada enigmática e

    multifacetada por apresentar diversas formas e funções ainda não tão bem elucidadas

    pela literatura, como a patologia mediada por essa enzima no contexto do ciclo viral

    (RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016; WATTERSON et al., 2018). Sabe-se que a

    maior concentração de NS1 se correlaciona diretamente com a gravidade da doença

    e o aumento da viremia (RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016).

    Seu monômero apresenta o peso molecular entre 46-55 kDa, variando de

    acordo com a extensão da glicosilação. Está presente em diferentes localidades

    celulares apresentando-se em duas formas oligoméricas (duas subunidades

    idênticas): um dímero ligado a membrana celular (mNS1) e a forma hexamérica

    secretada (sNS1). A forma dimérica intracelular mNS1 desenvolve um importante

    papel cofator na infecção viral e replicação do genoma, enquanto a sNS1 está

    envolvida na fuga ao sistema imune do hospedeiro, esta utilizada como biomarcador

    para o diagnóstico precoce na detecção inicial da infecção por flavivirus (RASTOGI;

    SHARMA; SINGH., 2016).

  • 29

    A proteína mNS1 é subdivida em 3 domínios funcionalmente distintos: o

    domínio β-roll, formado pelos resíduos iniciais (1-29 resíduos) da alça N-terminal, o

    α/β Wing semelhante à dobra do tipo RIG-I (38-151 resíduos) e o β-ladder central

    (181-352 resíduos), estabilizados por ligações dissulfeto. Essa organização do dímero

    demonstra uma estrutura semelhante a anfipática, com a face hidrofóbica interna

    composta pelo β-roll e a estrutura de alça associada intercalando com o folheto da

    face lúmen da membrana do RE (RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016).

    A NS5 é maior proteína não estrutural do ZIKV (~100 kDa), operando na

    replicação genômica, capeamento e supressão de interferon. Esta proteína é

    compreendida em três domínios: o domínio metiltransferase (MTase) nos resíduos 1-

    261 na região N-Terminal, a polimerase dependente de RNA (RdRp) nos resíduos

    273-903 da região C-terminal, e uma região inter-domínios que consiste nos resíduos

    263-272 (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017).

    O domínio MTase pertence à família das enzimas dependentes de S-

    Adenosilmetionina (SAM), compreendendo uma estrutura α/β/α que atua na metilação

    dos nucleosídeos -2’O e N-7, adicionando cap na região 5’ do RNA viral. Como

    consequência, facilita a tradução e melhora a proteção da poliproteína, diminuindo as

    ações da resposta imune inata do hospedeiro. Após a conclusão da metilação, o SAM

    é convertido em S-Adenosil Homocisteína (SAH) e é liberado do domínio MTase

    (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017). Tal domínio consiste em uma enzima bi-substrato,

    no qual possui sítios de ligação específicos tanto para RNA, como para SAM. Além

    disso, compartilha o sítio de ligação para o RNA cap e trifosfato de guanosina (GTP)

    (ZHANG et al., 2017). Portanto, a inibição da MTase prejudica a progressão do ZIKV,

    o que torna este domínio um importante alvo para o desenvolvimento de fármacos

    anti-zika (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017).

    O domínio conservado RdRp (resíduo 306-903) está direcionada ao processo

    de replicação do RNA-genoma. Como na maioria das polimerases, a estrutura da

    enzima apresenta três subdomínios funcionais que se assemelha de forma análoga à

    mão direita: a região dos dedos (resíduos 321-488 e 542-608), polegar (715-903) e

    palma (resíduos 489-541 e 609-714). Devido a não existência de uma enzima RdRp

    ou análogos no corpo humano, seus inibidores podem não causar efeitos tóxicos

    graves, fazendo com que este domínio também seja apontado como um alvo para o

  • 30

    design de medicamentos (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017; SHANMUGAM et al.,

    2015).

    1.3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DA SERINO-PROTEASE NS2B-NS3 DO ZIKV

    Dentre as proteínas não estruturais, a proteína NS3 é um componente

    fundamental do ZIKV devido ao seu papel no processamento de polipeptídeos e

    replicação genômica, etapa obrigatória no ciclo de vida viral (HILGENFIELD et al.,

    2018; HU; SUN., 2019). É uma proteína altamente conservada nos flavivírus com

    função enzimática multifuncional, incluindo a de protease. Sua região C-Terminal

    possui a função helicase e RNA trifosfatase (RTP), para captar um RNA viral nascente

    e desenrolar a forma replicativa do RNA de fita dupla, respectivamente, o domínio

    helicase da NS3 (NS3hel) está envolvido na replicação do RNA viral juntamente com

    a RNA polimerase dependente de RNA da NS5, com a qual interage (PHOO et al.,

    2016; SHIRYAEV et al., 2017; LI et al., 2018; SAIZ et al, 2018).

    O domínio N-terminal do ZIKV codifica uma serino-protease (NS3pro) do tipo

    quimotripsina, contendo 177 resíduos. Dá-se o nome pela presença da serina como o

    resíduo central do sítio ativo, inserida na clássica tríade catalítica (His51-Asp75-

    Ser135), enquanto a quimotripsina está relacionado com a especificidade com o

    substrato. A tríade catalítica é uma estrutura flexível e coordenada na qual cada

    resíduo desempenha tarefas específicas no processo de catálise (PHOO et al., 2016;

    SHIRYAEV et al., 2017; LASKOWSKI AND KATO, 1980). É definida como uma

    endopeptidase alcalina proteolítica, que clivam proteínas por hidrólise no interior da

    cadeia polipeptídica (KRAUT, 1977; LASKOWSKI AND KATO, 1980).

    A NS3pro é fundamental na maturação viral por atuar em todas as clivagens

    citoplasmáticas, incluindo: proteína do capsídeo estrutural C, as proteínas não

    estruturais NS4, NS4A e as junções NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A e

    NS4B/NS5, resultando na liberação de proteínas funcionais (LASKOWSKI AND

    KATO, 1980; PHOO et al., 2016; SHIRYAEV et al., 2017). Portanto, devido a sua

    função essencial na replicação do vírus, a protease é o alvo de maior potencial para

    as drogas anti-zika dirigidas ao hospedeiro, que tem como alvo os componentes

    celulares necessários para o ciclo de vida viral. (PHOO et al., 2016; HILGENFIELD et

    al., 2018; LI et al., 2018; SAIZ et al, 2018).

  • 31

    No entanto, para que o domínio da protease NS3 seja acionado e desempenhe

    sua ação enzimática, é necessário a ação da proteína NS2B atuando como cofator.

    Desse modo, é formado o complexo enzimático NS2b-NS3, composto pelo domínio

    protease da região N-terminal da NS3 e da região citoplasmática do NS2B. (PHOO et

    al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018; LEI, 2017; LI et al., 2017). A NS2B é uma

    proteína pequena, contando com apenas 14 kDa de massa, composta por três

    domínios: hélices N- e C-terminais e o fragmento central hidrofílico com cerca de 40

    aminoácidos (45-96), responsável por atuar como cofator essencial para promover o

    dobramento e a catalise da NS3pro (SHIRYAEV et al., 2010; PHOO et al., 2016; LEI

    et al., 2016; HU; SUN., 2019; ZHANG et al., 2016).

    A estrutura do domínio NS3pro é composta por dois barris-β, no qual a tríade

    catalítica (contendo o sítio ativo está localizada entre eles, lembrando o enovelamento

    da quimotripsina (PHOO et al., 2016; ERBEL et al., 2006). O barril-β situado na região

    N-terminal da NS3pro é formado por sete folhas-β e uma α-hélice, enquanto o C-

    Terminal contém oito folhas-β (veja a figura 1) (CHEN et al., 2016; PHOO et al., 2016;

    LEI et al., 2016). O NS3pro é cercado pelo cofator NS2B composto por quatro folhas-

    β, em que seu segmento N-terminal forma uma folha-β (resíduos 52*-57*) inserida no

    barril-β da região N-terminal do domínio da protease. (PHOO et al., 2016; LEI et al.,

    2017; LI et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018).

    Figura 3 - Representação da estrutura secundária do complexo NS2B-NS3pro. As setas verdes representam as folhas beta da proteína NS3pro, amarela NS2B e Cilindro azul alfa-hélice.

    Fonte: produzido pelo autor.

  • 32

    1.3.1 Sítio de Ligação

    Utilizando da nomenclatura de Schechter e Berger (1967), no qual as regiões

    “S” são os locais ativos da enzima (bolsões/subsítios) que se ligam especificamente

    com o seu respectivo resíduo do substrato “P”, estudos com tetrapeptídeos que

    ocupam os bolsões S1-S4 na cavidade do seu sítio de ligação destacam os subsítios

    S1, adjacente ao sítio ativo (Ser135), e S2 como os principais locais de

    reconhecimento de peptídeos, apresentando especificidade com aminoácidos básicos

    (SCHECHTER; BERGER, 1967; SHYRIAEV et al., 2010; HILL et al., 2018).

    Figura 4 - Nomenclatura da especificidade entre substrato e protease.

    Fonte: Duschak e Couto, 2009.

    Análises demonstram que o bolsão S2 (S1) do receptor apresenta preferência

    pelo segmento P2-lisina (P1-arginina) do inibidor (RUT et al., 2016). O Asp83

    pertencente a proteína NS2B é a responsável ela especificidade com a lisina,

    interagindo melhor com esse composto, e a arginina no bolsão S1 (SHYRIAEV et al.,

    2010; HILL et al., 2018). A alça-S1 (152-167 resíduos) e S2 (69-87) são críticos para

    a formação desses bolsões, apresentando aminoácidos fundamentais para a ativação

    enzimática, estabilização de interações e direcionamento do substrato/inibidor ao

    receptor (ZHANG et al., 2016; KNOX et al., 2006; PHOO et al., 2016; CHEN et al.,

    2016).

    O bolsão S3 é relativamente largo e raso, no qual um lado da bolsa é constituído

    por cadeias laterais hidrofóbicas e o outro composto por átomos doadores/

    aceitadores de ligações de hidrogênio na espinha dorsal da NS2B e NS3. Por esses

  • 33

    motivos, a forma deste bolsão faz com que seja de difícil distinção. O bolsão de ligação

    S4 é completamente composto por resíduos hidrofóbicos, sendo descrito como um

    “adesivo” devido a sua má definição (KNOX et al., 2006).

    Figura 5 - Superfície do bolso de ligação do complexo NS2B-NS3, destacando os bolsos de ligação S1’-S4.

    Fonte: PHOO et al., 2016.

    1.3.2 Mecanismo Catalítico das Serino-proteases

    Dentre as proteases, o mecanismo de catálise enzimática das serino-proteases

    é o mais bem elucidado pela literatura científica até o momento. Tal mecanismo é

    orquestrado pela tríade catalítica, divididos em duas fases e apresentando dois

    processos de catálise enzimática: as fases de acilação e deacilação; e as catálises

    acido-básica geral e covalente. O processo é iniciado pela etapa de acilação por meio

    da catálise ácido-basica, que consiste na transferência de prótons do sítio ativo da

    enzima (Ser135) para o grupamento imidazol da His51, tornando-a mais reativa. A

    cadeia lateral da Ser135 (-CH2-OH) é ativada por uma catálise básica mediada pela

    His51 e Asp75, na qual se mantém ligada por ligação de hidrogênio à histidina, que

  • 34

    por sua vez se liga ao aspartato (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980;

    HEDSTRON, 2002).

    Geralmente, a hidroxila da Ser135 fica protonada em pH neutro, deixando-a

    instável. Para prevenir a formação da carga positiva e consequentemente a sua

    instabilidade, a His51 atua como uma base geral, retirando um próton (hidrogênio) da

    serina, resultando na formação de um hidróxido de nitrogênio em seu anel aromático.

    A histidina protonada formada é estabilizada pela interação eletrostática com a carga

    negativa do Asp75, um aminoácido polar ácido. Este processo forma um íon alcóxido

    na porção hidroxila da cadeia lateral da Ser135, tornando este oxigênio altamente

    nucleófilo devido ao excesso de elétrons, funcionando como uma base de Lewis

    (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTRON, 2002).

    Para se estabilizar, o oxigênio carregado negativamente da Ser135 realiza um

    ataque nucleofílico ao substrato peptídico Bz-Nle-Lys-Arg-Arg-AMC, ocasionando a

    catálise covalente. Esta catálise se caracteriza pela ligação covalente transitória entre

    a serina e o substrato por meio da reação de substituição nucleófila ao carbono

    eletrófilo (pobre em elétrons). A serina catalítica esterifica a sua porção hidroxila

    alcóxida com o grupo carboxila C-terminal do substrato, resultando em um

    intermediário tetraédrico (estado de transição) ligado à enzima. Esta reação entre

    protease e substrato acarreta na formação da carga negativa em seu oxigênio,

    tornando-a instável (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTRON, 2002).

    Contudo, este ânion é estabilizado pelos resíduos presentes na cavidade do

    oxiânion, uma região formada para acomodar este intermediário. Geralmente o

    grupamento NH da Ser135 e Gly133 se mantem ligados pela interação de ligação de

    hidrogênio ao átomo de oxigênio do intermediário e moléculas de água, como no caso

    da quimotripsina. Estes átomos atuam criando uma carga positiva nesta região,

    produzindo a ativação do grupo carbonila (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980;

    HEDSTRON, 2002).

    Com o auxílio da histidina protonada, a região C-terminal do substrato

    intermediário é rompido pela transferência de próton da His, formando uma amina e

    um intermediário acil-enzima. Posteriormente, ocorre a etapa de deacilação, onde

    enzima é deacilada pelo reverso das interações anteriores, com o intuito de restaurar

    a hidroxila da serina. Uma molécula de água é introduzida para hidrolisar o

    intermediário acil-enzima, o que ocasiona na liberação da sua porção N-terminal e

  • 35

    leva ao ataque da carboxila do substrato, formando o fragmento C. A molécula de

    água é ativada pela histidina, e o seu posicionamento deste resíduo contribui na

    remoção do próton da água. A hidroxila gerada atua novamente como nucleófilo,

    atacando o carbono da porção carbonila do substrato, ao ponto de formar um segundo

    intermediário tetraédrico. Com o retorno da carga negativa do oxigênio da carbonila

    para o carbono da ligação, quebra-se a ligação covalente com a serina catalítica,

    regenerando assim a enzima (KRAUT, 1977; LASKOWSKI AND KATO, 1980;

    HEDSTRON, 2002).

    Figura 6 - Passo a passo do mecanismo catalítico da serino protease NS2B-NS3 (esquerda). Hidrólise do intermediário Acil-enzima pela rota contrária (direita).

    Fonte: Adaptado de Szabó et al., 2013.

  • 36

    1.4 INIBIDORES DA PROTEASE NS2B-NS3

    Os inibidores de serino-proteases atuam inativando a atividade biológica

    proteolítica da protease cognata. Os mecanismos de inibição enzimática pelos

    inibidores peptídicos podem ser de forma reversível ou irreversível. O mecanismo

    padrão de inibição reversível é demonstrado de maneira conclusiva nas serino-

    proteases, sendo o mais comum, no qual são divididos entre inibidores competitivos

    e não competitivos. Os inibidores competitivos interagem fortemente com o sítio ativo

    da protease, de modo semelhante ao da ligação enzima-substrato (podendo ser

    clivado ou não). Os não competitivos não interagem com o sítio ativo, mas sim com o

    sítio alostérico da enzima. A inibição irreversível é específica às endopeptidases

    (dependente da clivagem enzimática da ligação peptídica no interior da cadeia do

    inibidor) que leva a desnaturação da enzima. Atua por ligação covalente à enzima,

    ocasionando alteração na estrutura tridimensional e desalinhamento dos aminoácidos

    catalíticos do sítio ativo (SILVA-LOPEZ, 2009).

    Além disso, os inibidores são classificados em três classes: a Serpina,

    (abreviação do inglês de Serine Protease Inhibitors); inibidores não canônicos; e os

    canônicos, constituídos em 18 famílias. As famílias são classificadas de acordo com

    o seu peso molecular e estrutura primária, na qual acredita-se que os inibidores da

    mesma família sejam relacionados evolutivamente. Mesmo não sendo homólogos, a

    maioria destes inibidores interagem com a enzima seguindo o mesmo modelo padrão

    enzimático (HILGENFIELD et al., 2018; LASKOWSKI; KATO, 1980; SILVA-LOPEZ,

    2009).

    Os inibidores canônicos representam o maior grupo. Compostos por

    polipeptídeos de 14-200 resíduos, apresentam uma forte interação enzima-substrato

    que se assemelha ao complexo de Michaelis, mas não se ligam de forma covalente

    com o sítio ativo da protease. As Serpinas são distribuídas em animais, plantas,

    bactérias, archaea e alguns vírus, constituindo a maior família de inibidores da serino-

    protease. Consideradas de médio tamanho (aproximadamente 400 aminoácidos), a

    grande maioria controla cascatas proteolíticas, enquanto outras não atuam na inibição

    da protease, mas atuam em outros processos, como: armazenadoras de proteínas,

    proteínas de transporte de hormônios e supressoras de genes tumorais (SILVA-

    LOPEZ, 2009).

  • 37

    Os inibidores não-canônicos é o grupo que apresenta uma alta especificidade

    com a protease cognata, pois além da interação enzima-substrato se aproximar do

    complexo de Michaelis (como é visto nos inibidores canônicos) se ligam de forma

    covalente ao sítio ativo da protease, elevando a seletividade de inibição. Devido a

    essa especificidade, os inibidores não-canônicos são os que apresentam grande

    potencial no desenvolvimento de fármacos contra determinadas patologias que

    apresentem enzimas do tipo serino-protease, no qual a infecção pelo Zika vírus é um

    exemplo (SILVA-LOPEZ, 2009).

    1.4.1 Inibidores Peptidomiméticos

    O melhor ponto de partida para a descoberta de drogas de serina proteases é

    pelo uso de compostos peptídicos que mimetize o substrato da protease, os

    peptidomiméticos. Em geral, o desenvolvimento de compostos peptidomiméticos tem

    sido bem-sucedido, inclusive contra outras proteases NS2B-NS3 de flavivírus, como

    DENV e VNO (vírus do Nilo ocidental) (KNOX et al., 2006; ERBEL et al., 2006; LI et

    al., 2017). Tais peptídeos podem ser transformados em inibidores nanomolares

    através da adição de compostos eletrofílicos como o ácido borônico, aldeído e α-

    cetoamida, fornecendo inibidores potentes. A única estratégia disponível para

    transformar peptídeos polares em drogas potenciais é a transformação gradual em

    peptidomiméticos, que devido a redução do peso molecular do inibidor permitem a

    edição de suas cadeias laterais, melhorando as suas propriedades. (KANG; KELLER;

    LUO, 2017).

    Portanto, devido ao seu baixo peso molecular e à alta eficiência, os inibidores

    peptidomiméticos dipeptídicos apresentam vantagens contra os tetrapeptídicos

    (KANG et al., 2017; LEI et al., 2016; PHOO et al., 2016). Devido à presença de

    resíduos ácidos nas estruturas S1 e S2 do sítio ativo do ZIKV, estudos anteriores como

    o desenvolvido por Shiryaev e colaboradores (2010) mostraram a preferência desses

    subsítios por aminoácidos básicos que ocupam nas posições P1 e P2,

    respectivamente. Também foi observada que a preferência por Arginina na posição

    P1 do inibidor e Lisina na P2, possibilitando a formação de interações iônicas, críticas

    para a ligação (SHIRYAEV et al., 2010; SHIRYAEV et al., 2017.

  • 38

    Estudos revelam que a estrutura da protease forma um complexo ativo com

    inibidor covalentemente ligado, adotando uma conformação fechada. Duas folhas-β

    localizadas na região C-terminal (resíduos 69 ~ 71–87) do cofator NS2B se dobram

    em um gancho-β, envolvendo o local ativo da protease NS3 e a modelagem do bolsão

    S2 (CHEN et al., 2016; PHOO et al., 2016; LEI et al., 2016). Esses resíduos atuam

    competindo contra o substrato, ocupam o sítio ativo e induzem alterações

    conformacionais do cofator NS2B (resíduos 62-96) para dobrar próximo ao local ativo

    e participar da ligação do ligante. Inibidores com compostos eletrofílicos em seu sítio

    reativo, como ácido borônico ou aldeído, são cruciais devido à sua capacidade de

    formar uma ligação covalente com a Ser135 catalítica do sítio ativo, imitando uma pré-

    clivagem clássica de complexo de enzima Michaelis, de acordo com o mecanismo

    catalítico de uma serino protease (SHIRYAEV et al., 2010).

    1.4.1.1 Inibidor Dipeptídico de Ácido Borônico

    O composto de ácido borônico dipeptídico tamponado (cn-716) (ver figura 7a)

    é um inibidor do tipo não-canônico e reversível, no qual o átomo de boro situado no

    sítio reativo se liga covalentemente a região da hidroxila da cadeia lateral da serina

    catalítica, levando a protease NS2B-NS3 do ZIKV à uma conformação fechada. É um

    inibidor potente, no qual a metade da concentração inibitória máxima (IC50) = 0,25 ±

    0,02 μM e sua constante de inibição (K i) = 0,040 ± 0,006 μM (na presença de 20% de

    glicerol). A fração de ácido borônico forma um diéster cíclico com glicerol (ver figura

    7b), que estava presente durante o processo de purificação e cristalização do

    complexo. Os ácidos borônicos tendem a formar ésteres com dióis e trióis,

    principalmente se anéis de cinco ou seis membros puderem ser formados. O

    segmento P1 é constituído por uma Arginina, enquanto o P2 por um 4-

    aminometilfenilanina (LEI et al., 2016).

    Os ácidos peptídicos borônicos já foram testados experimentalmente como

    fármacos. O inibidor do proteassoma bortezomibe (Velcade) foi aprovado para o

    tratamento de múltiplos mielomas, enquanto o ácido tetrapeptídeo-borônico se

    mostrou um potente inibidor contra a NS2B-NS3pro do DENV-2. Os ácidos peptídicos

    borônicos geralmente não são citotóxicos para as células Huh7 desenvolvidas em

  • 39

    laboratório. Por tanto, serve como um bom ponto de partida para o design racional de

    fármacos anti-ZIKV mais específicos (LEI et al., 2016).

    O inibidor de ácido borônico forma um aduto tetraédrico covalente estável,

    análogo ao intermediário tetraédrico no mecanismo de reação de hidrólise da serina

    protease (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTROM et al., 2002). No

    inibidor de ácido borônico, a His51 está no estado HIP (carregado com +1, protonados

    por δ e ε-nitrogênio) (KIM et al., 2013), no qual seu anel imidazol desprotonou o grupo

    hidroxila nucleofílico de Ser135 no complexo Michaelis, e o átomo de boro é carregado

    negativamente, estabilizado por interações com os resíduos His51 e Gly133

    constituintes da cavidade do axiânion (ver figura 7b) (KRAUT, 1977; LASKOWSKI;

    KATO, 1980; HEDSTRON, 2002; LEI et al., 2017).

    Figura 7 - a) Fórmula estrutural do composto cn-716. b) formação do diéster cíclico com glicerol.

    Fonte: Adaptado de Hilgenfield et al., 2018.

    1.4.1.2 Inibidor Dipeptídico de Aldeído

    Assim como o inibidor de ácido borônico, o composto de aldeído dipeptídico

    (Acil-KR-aldeído) (ver figura 8) é um inibidor do tipo não-canônico e reversível, onde

    o oxigênio da carbonila do aldeído, situado no sítio reativo, se liga covalentemente a

    região da hidroxila da cadeia lateral da serina catalítica, levando a protease NS2B-

    a) b)

  • 40

    NS3 do ZIKV a uma conformação fechada. Também é um inibidor potente, no qual a

    metade da concentração inibitória máxima (IC50) = 0,208 µM, possuindo uma eficácia

    semelhante ao do inibidor de ácido borônico. Assim como o dipeptídeo borônico, a

    porção P1 é constituída por uma Arginina; porém, além do sítio reativo, possui como

    diferença o grupamento P2, composto por uma lisina (LI et al., 2017; LEI et al., 2016).

    O inibidor de aldeído forma um aduto hemiacetal neutro covalentemente ligado,

    semelhante ao estado acil-enzima estável. Essa etapa é subsequente ao tetraédricos

    carregado visto no inibidor de ácido borônico, sendo mais estável devido a sua carga

    neutra e restritos à compostos de aldeído. A neutralidade da carga se deve a

    desprotonação natural da His51 ao oxigênio carbonil previamente aniônico, inibidor

    que não interage mais com os resíduos que compõem a cavidade do oxiânion

    (HEDSTRON, 2002; LASKOWSKI; KATO, 1980; NUTHO et al., 2019). Para gerar

    compostos com maior semelhança à medicamentos, o grupo aldeído pode ser

    substituído por um composto mais seletivo, α-cetoamida. Esta fração é comum em

    fármacos, como nos inibidores da serino-protease NS3 do HCV (Telaprevir e

    Boceprevir) e imunossupressores (Rapamicina) (STEUER et al., 2011; LI et al., 2017).

    Figura 8 - Fórmula estrutural do inibidor de aldeído.

    Fonte: Li et al., 2017.

  • 41

    1.4.2 Mecanismo de Inibição dos Peptidomiméticos

    Assim como ocorre com o mecanismo catalítico, o mesmo é válido quanto à

    interação entre os inibidores proteicos e sua protease cognata. Por serem

    peptidomiméticos, os inibidores se comportam de forma semelhante ao substrato, se

    ligando de maneira altamente específica à sua enzima alvo e obedecendo ao

    mecanismo padrão de associação enzima-inibidor, no qual a enzima interage pelo seu

    sítio ativo de maneira semelhante ao seu substrato. Contudo, o resíduo presente no

    sítio reativo P1 localizado na região N terminal do inibidor, responsável por interagir

    especificamente com o sítio S1 de reconhecimento da enzima, ao invés de se

    dissociar completamente pela clivagem proteolítica, se mantém fortemente ligado de

    forma covalente ao sítio ativo. O complexo proteína-ligante encontra-se ativo e na

    conformação fechada neste estado de transição do sistema, onde o inibidor está na

    sua forma intermediária de alta energia, impedindo a ação enzimática

    Os Inibidores peptidomiméticos de serina protease formam uma ligação

    covalente com a Serina 135 da tríade catalítica da protease NS3, fechando a

    conformação da protease e inibindo a atividade de replicação do vírus. Tal inibição

    ocorre pelo ligante competir com o substrato pelo sítio catalítico. Por impedimento

    estérico, a presença do ligante ocupa a nuvem elétrica permitida pelo raio atómico

    deste sítio, impedindo que o substrato se ligue e desenvolva a sua reação química,

    influenciando também na conformação do complexo, que passa a ser fechada, na qual

    a cadeia do cofator NS2B se enrola ao redor da protease NS3 (LIM et al., 2011;

    HILGENFIELD et al., 2018). (modelo chave-fechadura)

    O mecanismo de inibição dos peptidomiméticos se dá por meio da formação de

    intermediários adutos tetraédricos e pela forma acil enzima, ambos estáveis.

    Comumente, as famílias de inibidores das serino-proteases formam um aduto

    tetraédrico que mimetiza o estado de transição intermediário do substrato durante a

    reação enzimática das serino-proteases, no qual a His51 é protonada e o oxigênio

    hemiacetal do inibidor adquire carga negativa, mantendo-se ligado à cavidade

    oxiânica. Tais inibidores apresentam compostos bastante licos, que se ligam de forma

    irreversível ou não ao sítio ativo da enzima. Peptídeos contendo aldeídos,

    trifluorometilcetonas, ácidos borónico e compostos semelhantes formam adutos

    tetraédricos reversíveis com a Ser135.

  • 42

    Alguns inibidores, como o próprio aldeído citado acima, imitam a forma acil

    enzima, que representa uma etapa posterior ao da formação do aduto tetraédrico

    intermediário no mecanismo de reação enzimática padrão. Nesta segunda posição, o

    oxigênio hemiacetal desprotonado aniônico não é considerado o produto final para a

    reação de inibição, mas sim a sua forma neutra, ocasionada pela transferência

    espontânea do próton da histidina catalítica antes carregada positivamente. Por

    apresentar uma carga neutra, a estrutura não necessita interagir com a cavidade do

    oxiânion para se estabilizar. (NUTHO et al., 2019)

    Estruturas cristalográficas tanto do ZIKV como de outros flavivirus, como DENV

    e FNO, revelam que quando as proteases estão livres, formam uma conformação

    aberta, na qual a parte C-terminal da região do cofator NS2B não faz parte do sítio

    ativo. Ao ligar-se a um inibidor, a parte C-terminal forma uma conformação fechada e

    interage com o inibidor no sítio ativo (PHOO et al., 2016; LI et al., 2017). Estudos como

    os de espectroscopia por Ressonância Magnética Nuclear (RMN) evidenciam que as

    proteases livres contêm tanto conformações abertas e fechadas, e que os inibidores

    são responsáveis por estabilizar a conformação fechada (LI et al, 2017).

    Figura 9 - Esquema do mecanismo de inibição das serino-proteases, exemplificado por um peptidil aldeído no complexo NS2B-NS3 do ZIKV.

    Fonte: Adaptado de Nutho et al., 2019.

  • 43

    1.5 MODELAGEM MOLECULAR

    A evolução dos computadores está intimamente ligada aos avanços da

    pesquisa científica. Seu desenvolvimento vem permitindo a realização de novas

    abordagens e conceitos científicos e teóricos, que por meio de modelos de estudo por

    simulações computacionais, visam elucidar aspectos dos campos da ciência, pela

    união compartilhada entre áreas como a física, química e biologia, antes inalcançáveis

    devido a inexistência ou limitações de ferramentas apropriadas (TOMASI et al., 2005).

    A simulação computacional proporcionou as inovações mais relevantes

    relacionadas a esse ramo de estudo. Iniciada em meados da década de 1950, evoluiu

    significativamente nas últimas três décadas devido a sua fusão com a mecânica

    quântica (QM), abrangendo e tornando a base de nossa compreensão sobre a física

    da matéria condensada, definidas como sistemas compostos pelo elevado número de

    constituintes microscópicos (moléculas, átomos, elétrons, etc) e interações, no qual

    os sólidos e líquidos são os exemplos mais conhecidos (TOMASI et al., 2005).

    A modelagem molecular é uma técnica de simulação computacional com

    cálculos quânticos que desempenha um papel importante na projeção de fármacos de

    forma racional, possibilitando a compreensão das interações fármaco-alvo para

    melhorar a afinidade dos compostos e investigar a reatividade de biomoléculas,

    desenvolvendo novas drogas e inibidores mais eficientes. A técnica é capaz de

    fornecer informações detalhadas em nível atômico a respeito das propriedades

    estruturais, dinâmicas, mecânicas e eletrônicas dos sistemas biológicos, integrando,

    apoiando e complementando as abordagens experimentais habitualmente utilizadas

    (SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013).

    Essas simulações são capazes de descrever com alto grau de precisão os

    aspectos e estruturas de moléculas isoladas em escalas nanométricas. Isso é possível

    devido a utilização de cálculos baseados em métodos baseados em QM, na qual os

    graus eletrônicos de liberdade são tratados explicitamente resolvendo a equação de

    Schrödinger (TOMASI et al., 2005; SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013). No

    entanto, a maioria dos cálculos eram utilizadas com base em potenciais de mecânica

    molecular (MM) devido ao tamanho e complexidade dos sistemas biológicos

    (SGRIGNANI et al. 2013). Os cálculos de MM são baseados em parâmetros empíricos

    predefinidos, nos quais os átomos se movem em uma superfície de energia potencial

  • 44

    também predefinida, não fornecendo aspectos importantes suficientemente precisos

    do sistema investigado (SGRIGNANI et al., 2013).

    Graças ao constante aperfeiçoamento de hardwares, o aumento da

    disponibilidade dos cristais de biomoléculas em bancos de dados de proteínas (PDB),

    e o surgimento de métodos de fragmentação (como o MFCC), estudos envolvendo

    simulação computacional estão sendo cada vez mais abordados. O método de

    Fracionamento Molecular com Capas Conjugadas (MFCC) permitiu a realização de

    estudos baseados na QM em sistemas biológicos, proporcionando uma boa relação

    entre o custo computacional e a precisão nos cálculos. Desenvolvido primeiramente

    por Zhang e Zhang (2003), o método possibilita caracterizar de forma quantitativa e

    eficiente as propriedades do sistema em estudo. Tal partição possibilita cálculos que

    demonstrem a energia de interação entre o ligante e aminoácido, bem como entre a

    proteína e o ligante pela soma de todas as densidades eletrônicas individuais

    (ZHANG; XIANG; ZHANG, 2003; GAO et al., 2004; MAGISTRATO et al., 2013).

    Por muitos anos, a equação de Schrodinger era tradicionalmente resolvida por

    método ab initio, como o aproximativo Hartree-Fock. Entretanto, tal método

    negligencia a correlação elétron-elétron, apresentando problemas em sistemas com

    este fenômeno é relevante. Em contraste ao método ab initio tradicional, a Teoria do

    Funcional da Densidade (DFT, do inglês Density Functional Theory) corrige este

    problema. Provida pelo teorema de Kohn-Sham, determina o potencial externo e o

    número total de elétrons em um sistema de muitos corpos por meio da densidade

    eletrônica do sistema. A obtenção da densidade eletrônica e o potencial eletrostático

    por meio de sistemas moleculares permitem compreender a estrutura química,

    reação, ligação, catálise e solvatação do sistema biológico em estudo (ZHANG;

    XIANG; ZHANG, 2003; GAO et al., 2004; SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013).

  • 45

    2. JUSTIFICATIVA

    Embora o primeiro relato de infecção humana pelo Zika vírus tenha ocorrido em

    1952 no Uganda e Tanzânia e tenha tido uma maior relevância em 2013, onde

    ocorreram os primeiros relatos de associação entre o ZIKV e a SGB durante a

    epidemia ocorrida na Polinésia Francesa (AYRES, 2016), o vírus persistia sendo

    considerado um patógeno quase negligenciado até sua recente introdução nas

    Américas, especialmente no Brasil, em 2015. (AYRES, 2016; SAIZ et al., 2018)

    Sua relevância foi intensificada durante a epidemia ocorrida no Brasil entre

    2015 e 2016, quando se tornou uma Emergência de Saúde Pública de Importância

    Nacional (ESPIN) em 2015. Em 2016, foi considerada uma ameaça à saúde global,

    reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Emergência de Saúde

    Pública de Importância Internacional (ESPII), demostrando maior virulência, rápida

    disseminação e uma associação com complicações neurológicas graves, como o

    aumento inesperado dos casos de microcefalia em fetos e recém-nascidos e um

    aumento notável nos casos de síndrome de Guillain-Barré. (BRASIL, 2015, 2016;

    CUNHA et al., 2016; SAIZ et al., 2018)

    Até o momento, não existem medicamentos que combata diretamente o ZIKV.

    O tratamento existente é limitado e paliativo, amenizando apenas os sintomas e não

    a doença, como a administração de antipiréticos para a febre, anti-histamínicos para

    a erupção cutânea e ingestão de líquidos para a desidratação (SHAILENDRA et al.,

    2016). Estudos indicam que as vacinas demonstraram não ser uma alternativa eficaz

    devido a sua sintomatologia e pela conhecida tendência dos flavivírus a promov