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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Programa de Pós Graduação (Mestrado) em Estudos da Linguagem
Disciplina: METODOLOGIA DA PESQUISA EM LINGUISTICA
APLICADA
Docente. ALESSANDRA CASTILHO FERREIRA DA COSTA
Obituários no Brasil: Um olhar sincrônico das homenagens póstumas
Autor discente: Francisco José Costa dos Santos (Ppgel/UFRN)
Natal/2011.2
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Autor discente: Francisco José Costa dos Santos (Ppgel/UFRN)
Obituários no Brasil: Um olhar sincrônico das homenagens póstumas
Trabalho apresentado à disciplina Metodologia da
Pesquisa em Linguística Aplicada, sob a orientação
da Profª. Drª. Alessandra Castilho Ferreira da Costa,
como requisito parcial à obtenção de nota e créditos
na disciplina.
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Natal/2011.2
Obituários no Brasil: Um olhar sincrônico das homenagens póstumas
Autor: Francisco José Costa dos Santos
(Ppgel/UFRN)
RESUMO: Partindo do conceito de tradição discursiva, gestado no seio da Linguística
Românica alemã e, defendido por Kabatec (2006), este trabalho se propõe a identificar traços
de permanência em um aspecto peculiar no obituário de jornal publicado na internet: os
substantivos próprios e a formas verbais. Para tanto, recorre à concepção de obituário
proposto por McDonald (1967) para quem obituário é o informe da morte de um indivíduo em
particular. Em caso de pessoas famosas, normalmente traz um resumo de suas realizações em
vida, com destaque para os episódios que as tornaram notáveis. O corpus é composto de
obituários recolhidos na internet, sendo um de cada região do Brasil e assume-se como
objetivo maior, apontar e descrever as regularidades encontradas nos objetos de análise de
forma sincrônica e assim traçar uma linha de compreensão sobre as permanências de
substantivos próprios e de formas verbais em obituários do Brasil, utilizando a divisão por
regiões como campo de análise. Os resultados, possibilitados pelo estudo sincrônico, revelam
a mudança na quantidade de utilização de verbos e de substantivos próprios entre as regiões
brasileiras. Percebeu-se ainda uma mudança bastante acentuada na configuração de formato
do obituário de uma região para outra. Os estudos apresentados não podem ter caráter de
conclusibiliade, mas, antes disso, um pequeno recorte de uma investigação maior ainda em
curso.
PALAVRAS-CHAVE: tradição discursiva; obituário; substantivos próprios e formas verbais
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1. Introdução
Durante o século XX, os estudos em Linguística Textual originaram diferentes
correntes para a análise da textualidade seja ela a partir dos elementos linguísticos específicos
dos textos; do conteúdo temático e de sua estrutura maior tais como textos descritivos,
técnicos, argumentativos, etc, seja ainda por sua inserção situacional ou de acordo com sua
funcionalidade e objetivo comunicativo.
Kabatek (2006) afirma que com o trabalho de Brigitte Schlieben-Lange (1983 e 1993),
tem inicio a perspectiva de uma “pragmática histórica”, uma abordagem que “relacionava a
discussão sobre a oralidade e „escrituralidade‟ com uma visão histórica oferecendo assim
fundamentos para o que mais tarde se chamaria o estudo de Tradição Discursiva” (Kabatek,
2006). Desde esse período, tal conceito foi sendo esmiuçado cada vez mais o que permitiu
reformulações de pesquisadores Peter Koch (1997) e Wulf Oesterreicher (1997) que
apresentaram novos olhares à TD que conhecemos na atualidade.
Partindo da visão histórica da língua enquanto processo, Coseriu (1981) propôs uma
reelaboração definindo a linguagem como uma atividade universal e comum a todos os
homens, que também é histórica, pois quem fala emprega pelo menos uma língua, mas, ao
mesmo tempo a língua é também resultado de uma atividade individual e tem lugar em um
entorno situacional determinado.
Para o autor, a cada nível da língua cabe uma atividade específica. Ele chama de nível
universal aquele em que se atribui a atividade do falar em geral. A língua em particular, ou
seja, o registro específico de que faz uso o falante, realiza-se num eixo histórico e no plano
individual é onde se concretizam os textos ou o discurso.
Cada uma dessas atividades baseia-se em saberes ou competências distintas: o saber
falar em geral é um saber elocucional; o saber expressar-se em uma língua específica é um
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saber idiomático e o saber elaborar textos adequados às situações específicas, de acordo com
os temas e os interlocutores é o saber expressivo.
No modelo de interpretação da linguagem humana em três níveis proposto por
Coseriu, Peter Koch reconhece uma nova subdivisão que afetaria o nível histórico. Segundo
Koch, esse nível precisaria ser subdividido em dois: o nível histórico das línguas em
particular (alemão, francês, inglês, português) e o nível histórico das tradições discursivas –
estas compreendem os gêneros textuais, estilos, gêneros retóricos, atos de fala, etc.
Segundo Kabatec (2006) os três níveis estão concomitantes quando se fala e
unicamente se podem derivar a partir de atos concretos, já que não se pode falar
“universalmente” sem falar uma língua e sem produzir textos, e não se pode falar uma língua
como sistema de signos sem que seja mediante textos. Existe, porém, a possibilidade e até a
necessidade de separação desses níveis na investigação de uma questão linguística concreta.
Ainda mergulhado no conhecimento do mesmo autor, pode-se dizer que a atividade do
falar, com uma finalidade comunicativa concreta, atravessaria dois filtros concomitantes até
chegar ao produto do ato comunicativo ou enunciado: um primeiro filtro correspondente à
língua e um segundo, correspondente às tradições discursivas, segundo o seguinte esquema:
Assim sendo, Kabatek (2006) propõe em seus textos que se entenda o conceito de
tradições discursivas como um modelo de análise linguística que transcende o próprio
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domínio proposto por Coseriu, pois crê que esse nível estabelece um elo de ligação entre os
demais domínios. Essas premissas servem de pano de fundo para a definição do conceito de
TD:
“Entendemos por Tradição Discursiva (TD) a repetição de um texto
ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou
falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável).
Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou
qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação
de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode
estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de
enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada
forma textual ou determinados elementos linguísticos empregados”
(Kabatek, 2006).
A definição proposta por Kabatek responde em parte a crítica que se tem feito a
respeito do que seriam verdadeiramente as TDs. Comumente se tem dito que falar de uma TD
é a mesma coisa que se referir a um gênero textual. No entanto, a preocupação quando se fala
em conceitos como repetição, evocação, atualização e tradição é a de, por um lado, 1) não só
analisar a composicionalidade dos textos, a exemplo do que se tem feito comumente nas
várias correntes da Linguística Textual, sejam eles processos de construção do texto, ou seja,
suas propriedades formais e funcionais, mas também, (2) observar em que medida a norma de
uma língua particular é afetada em decorrência das transposições, atualizações ou
permanências de tradições discursivas, promovendo assim a mudança linguística strictu
sensu.
Alguns críticos do modelo podem até afirmar que a adoção do termo TD seria
equivalente a atribuir uma perspectiva diacrônica aos modelos de Linguística Textual. Muitas
destas críticas referem-se ao fato de que o modelo de TD ainda não desenvolveu uma
metodologia clara, dotada de instrumentos e conceitos claramente definidos e que tomou por
empréstimo a terminologia específica de outras correntes de análise, como os modelos
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teóricos da Gramaticalização, da Análise do Discurso, ou até mesmo da Análise da
Conversação. Talvez a crítica seja procedente e resta aos defensores do modelo explicitar os
seus instrumentos de análise, dispondo-os com a terminologia adequada.
2. Obituários
Um obituário é o informe da morte de um indivíduo em particular. Em caso de pessoas
famosas, normalmente traz um resumo de suas realizações em vida, com destaque para os
episódios que as tornaram notáveis. Pode também ser um simples comunicado publicado em
jornais, na forma de anúncio pago ou em seções de utilidades públicas. McDonald (1967).
O obituário ou necrológio refere-se ao gênero biográfico, à narração de vidas, uma
tradição no jornalismo. Não é uma tarefa fácil de fazer, demanda pesquisa, apuração, e porque
não dizer paixão.
Os jornais são um dos melhores meios de descobrir datas de falecimento na seção de
obituários. Em alguns deles, chega-se a conhecer uma pequena biografia do morto,
descrevendo relações de amizade em cada família deixada. No posfácio do livro O livro das
vidas, Matinas Suzuki Jr. explica que a seção de obituários foi ganhando importância nos
jornais americanos e ingleses ao longo das últimas quatro décadas. Para Suzuki, o obituário
talvez seja o único lugar da imprensa diária que chegou perto do jornalismo literário
sistematicamente.
No Brasil não há necessariamente uma secção destinada ao obituário em todos os
jornais, porém observa-se que em todas as regiões do país um ou outro veículo informativo
demonstra preocupação com esse gênero e é apenas dedicada uma tira, que na maioria das
vezes apenas notifica o falecimento. São poucas as notas que narram à história do morto. Uma
das explicações dadas por Matinas Suzuki Jr. é que os americanos e ingleses celebram o
morto, enquanto que aqui, a morte é marcada pelo estigma da dor e do silêncio.
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3. Metodologia
O tema surgiu no transcurso da disciplina Tópicos de Linguista II ministrada no
Programa de Pós graduação Strictu sensu da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
sob a orientação do Prof. Dr. Lucrécio Junior quando da solicitação desse por uma temática a
ser desenvolvida durante a disciplina.
O interesse pelo tema se deve a necessidade de compreender a dinâmica de uso de
formas verbais e substantivos próprios no corpo do texto que compõe o gênero obituário e,
partindo dessa compreensão, verificar como tais ocorrências se materializam nas cinco
regiões brasileiras.
Para a coleta de dados, lança-se mão da rede mundial de computadores através dos
sites de buscas, entre eles o Google, Aonde e Yahoo, em que foram localizadas e coletadas as
informações a serem trabalhadas neste trabalho.
Dada à multiplicidade1 de variações denominadas de obituário que ocorrem no Brasil,
optamos inicialmente por selecionar os dados coletados por aqueles que maior proximidade
apresenta da forma prototípica do Obituário defendido por McDonald (1967) no período
compreendido entre 2006 e 2011. Feito isso, selecionamos um obituário por região brasileira
para em seguida, realizar o tratamento dos dados que apresentaram os resultados a seguir.
1 Não há uma unicidade de formatação do gênero Obituário no Brasil, se na região sul, costuma-se escrever longos textos sobre a vida do morto homenageado, em outras regiões, o texto limita-se a informações sobre o
local e horário de sepultamento. Percebe-se nesta lacuna, a necessidade de um trabalho investigativo mais
apurado que poderá ser desenvolvido a posteriori.
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4. Dados, análises e resultados.
Região Norte
Os dados mostram que na Região Norte há uma maior recorrência dos substantivos
próprios se comparado com as formas verbais.
0,00000000
0,20000000
0,40000000
0,60000000
0,80000000
1,00000000
1,20000000
1,40000000
1,60000000
% Subs. Próprios% Formas Verbais
1,5
0,5
Região Norte
10
Região Centro Oeste
Na Região Centro Oeste do Brasil há a ocorrência maior dos substantivos próprios, o
que nos leva a inferir que é uma tradição a “pessoalização” dos obituários. Hipotetiza-se que
tal fenômeno se dê pelas tradições culturais da região.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
% Subs. Próprios % Formas Verbais
3,4
1,1
Região Centro Oeste
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Observa-se que, diferentemente da Região Centro Oeste, a Região Nordeste,
“despessoaliza” o obituário quanto apresenta uma ocorrência maior de formas verbais. Esta
característica se fez observar em outros obituários da mesma região, o que nos leva a crer que
poderia haver uma tradição mais informativa no gênero obituário.
1,8
1,85
1,9
1,95
2
2,05
2,1
% Subs. Próprios % Formas Verbais
1,9
2,1
Região Nordeste
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Os dados mostram uma aproximação consistente com as práticas nordestinas. Nesta
região, as formas verbais assumem posição de predominância em relação aos substantivos
próprios.
0
0,5
1
1,5
2
% Subs. Próprios % Formas Verbais
0,9
1,9
Região Sudeste
13
Região Sul
A Região Sul brasileira, assim como as regiões Sudeste e Nordeste, apresenta uma
utilização maior de formas verbais que de substantivos próprios.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
% Subs. Próprios % Formas Verbais
1,9
3,1
Região Sul
0
50
100
150
200
250
Região Norte Região CentroOeste
RegiãoNordeste
RegiãoSudeste
Região Sul
82
184 149
100
219
Nº de Palavras 734
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Quanto ao número de palavras se pode observar que a região sul, apresenta maior
ocorrência seguido da região Centro Oeste. Isso é recorrente em todos os veículos
consultados, dessas regiões, para este trabalho.
As regiões nordeste e sudeste se aproximam no número de palavras utilizadas, com um
registro maior para o Nordeste enquanto que a região norte, mostram os dados, não se observa
um texto de maior densidade.
Se pode perceber que há, em obituários nas cinco regiões brasileiras, uma similaridade
numérica no uso dos substantivos próprios e das formas verbais. Assumimos aqui que não se
pode considerar que os dados apresentados reflitam uma verdade suprema, contudo nos
apontam uma tendência de uso destes elementos na tessitura do gênero obituário.
Os dados coletados para esta pesquisa nos apontam que as regiões Norte e Centro
Oeste do Brasil tendem, no gênero obituário, para uma proximidade mais profícua da
oralidade ou, como o dissemos anteriormente, da “pessoalização” do texto.
Por outro lado, as demais regiões brasileiras, assumem como costume (tradição
discursiva) uma forma mais próxima da textualidade e consequentemente o afastamento da
oralidade.
0
200
400
600
800
Total de Palavras; 734
Subs. Próprios; 70
Formas Verbais; 63
Ocorrências Gerais
15
Referencias:
Kabatec, Johannes; Tradições discursivas e mudança linguística; 2006.Texto recolhido na
internet em www.uni-tuebigen.de/kabatec/discurso/itaparica.pdf Acessado em 10/10/2011 as
22.04
McDonald Bill; Talk to the Newsroom: Obituaries Editor - New York Times Journal; New
York; US; 1967
SUZUKI Jr. M. (org.). O livro das vidas. Denise Bottmann (trad.). São Paulo: Companhia
das Letras, São Paulo, 2008.