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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
IRIS CAMPOS DE ANDRADE
A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL
PONTA DO TUBARÃO (RDSEPT) E O CURRÍCULO ESCOLAR:
CAMINHOS E DESCAMINHOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA
PROPOSTA CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO D CAMPO
NATAL
2016
IRIS CAMPOS DE ANDRADE
A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL PONTA DO
TUBARÃO (RDSEPT) E O CURRÍCULO ESCOLAR: caminhos e descaminhos na
construção de uma proposta curricular para a educação do campo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Alessandro Augusto de
Azevêdo
NATAL
2016
Catalogação da Publicação na Fonte
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Andrade, Iris Campos de.
A reserva de desenvolvimento sustentável estadual ponta do tubarão (RDSEPT) e o currículo
escolar: caminhos e descaminhos na construção de uma proposta curricular para a educação do
campo/ Iris Campos de Andrade. - Natal, 2016.
119f: il.
Orientador: Prof. Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.
1. Educação do campo – Dissertação. 2. Currículo escolar – Dissertação. 3. Saberes e experiências
- Dissertação. I. Azevêdo, Alessandro Augusto de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 37.018.51
IRIS CAMPOS DE ANDRADE
A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL PONTA DO
TUBARÃO (RDSEPT) E O CURRÍCULO ESCOLAR: caminhos e descaminhos na
construção de uma proposta curricular para a educação do campo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Aprovada em: ______/_______/_______
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Prof. Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo – UFRN
Orientador
________________________________________________________________
Professora Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro – UFRN
Examinadora Interna (titular)
________________________________________________________________
Professora Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes – UFRN
Examinadora Interna (Suplente)
_______________________________________________________________
Professor Dr. José Mateus do Nascimento - IFRN
Examinador Externo (Titular)
_____________________________________________________________
Professora Dra. Edneide da Conceição Bezerra
Examinadora Externa (Suplente)
Dedico este trabalho de investigação aos
educadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, em
particular, ao Grupo de Elaboração do Projeto
Político Pedagógico da Escola Municipal
Alferes Cassiano Martins, Colaborador desta
pesquisa, por ter se disponibilizado a repensar o
campo em que estão imersos para, então,
ressignificá-lo em sua prática educativa.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento é o ato de reconhecer o apoio daqueles/as que nos ajudaram a alcançar
nossos objetivos, por isso não se constitui tarefa fácil, pois a memória pode nos pregar uma
peça e esquecer-se de mencionar alguém importante em nossa caminhada, no entanto arrisco-
me a realizar tal exercício, neste momento ímpar em minha vida.
Primeiramente eu agradeço a Deus, por ter me fortalecido em mais uma caminhada
acadêmica, e nunca ter permitido que eu desacreditasse de mim mesma, apesar das dores da
caminhada. À Ele toda honra e toda glória!
Ao meu querido orientador Prof. Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo que acreditou em
meu potencial, ajudando-me a percorrer os trilhos desta investigação, com paciência e respeito,
sempre buscando minha superação. Nossas construções estão sendo edificadas, numa nova
relação com o saber.
Ao Grupo Colaborador desta investigação, pela abertura e exposição, ao compartilhar
comigo momentos valiosos de estudo e discussão, partilhando decisões e reflexões que ora se
materializa nesta produção escrita. Sempre serão lembrados em minha jornada acadêmica.
Ao meu esposo, Antônio Marcos, que muito me apoiou nesta investidura, conduzindo-
me todas às vezes, à comunidade na qual se localizava a escola investigada, além de
compreender-me em meus projetos, fazendo-me relaxar nos momentos de cansaço. Seu amor
me faz bem!
Ao meu filho, Ivys Bryam, por compreender minhas ausências, e se responsabilizar a
cuidar do nosso lar, as vezes que se fizeram necessárias durante esta caminhada. Sei que
também tens uma relação muito singular com o saber.
À minha mãe, Socorro Campos, por todas as vezes que se preocupou com minha
formação, com meus projetos, acompanhando-me em minhas viagens para estudo através de
suas ligações. Saiba que tenho orgulho de ser sua filha.
Às minhas irmãs, Deuzanira, Iara e Erineide, por torcerem pelo êxito dos meus projetos,
além de cuidar do meu filho, direcionando-o em minhas ausências necessárias. Sem o apoio de
vocês eu não teria chegado até aqui.
À amiga Maria da Conceição Costa da Rocha, por me apresentar a temática da Educação
do Campo, bem como pelo apoio e companheirismo nas tarefas cotidianas de nosso trabalho,
pela força e pelas palavras de incentivo. Saiba que tenho profunda admiração por ti.
Às colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Educação de Macau, por
compreenderem a importância dessa trajetória em minha vida e me apoiar na realização de
minhas atividades profissionais, suavizando o peso de minhas responsabilidades diárias.
À colega de trabalho Edivânia Inácio, por ter disponibilizado material bibliográfico já
produzido acerca da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão.
Aos colegas, Eduardo Pereira, Jucyana Mirna e Israel Sharon, que durante as orientações
coletivas dedicaram atenção à minha investigação, além de compartilharmos momentos de
estudos em algumas disciplinas comuns. Aprendi muito com a singularidade de cada um.
Às Professoras Doutoras, Érika Gusmão de Andrade, Karine Coutinho, Denise Maria
de Carvalho Lopes, Rosália de Fátima e Silva e Crislane Azevedo pelas ricas contribuições a
minha investigação, durante os Seminários da Linha de Pesquisa. O meu muito obrigada a
todas!
À Secretaria Municipal de Educação de Pendências por ter me disponibilizado tempo
para dedicar-me aos meus estudos acadêmicos, liberando-me de minhas atividades docentes.
Obrigada à compreensão e presteza!
RESUMO
Dissertação que apresenta como objeto de estudo a articulação dos saberes e das
experiências emanadas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão
(RDSEPT) na proposta curricular da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, localizada na
comunidade de Barreiras, município de Macau, Estado do Rio Grande do Norte – RN. Por meio
desta pesquisa objetivamos compreender de que forma o Grupo de Elaboração do currículo da
escola, articula os saberes e as experiências dos sujeitos da RDSEPT, na construção de uma
proposta curricular para a Educação do Campo. Para tanto, discutimos Educação do Campo
(FERNANDES, 2006, 2012; CALDART, 2000, 2004; ARROYO, 1999), evidenciando a
RDSEPT (NOBRE, 2011) na diversidade do campo brasileiro, adentrando nas proposições
sobre currículo escolar (SACRISTÁN, 2002; SILVA 2000; SAVIANI, 2010), como elemento
organizador do saber escolar (CHARLOT, 2000), lugar de integração das experiências e do
saber da experiência (BONDÍA, 2002) à proposta pedagógica da escola. Nesse sentido, o estudo
se configurou enquanto Pesquisa Qualitativa (MINAYO, 2008, 2009), de caráter
interpretativo/reflexivo (FERREIRA, 2007; IBIAPINA, 2008), em que fizemos uso da
entrevista semiestruturada, da observação participante, da aplicação de questionário e das
sessões reflexivas, enquanto procedimentos metodológicos que constituiu a pesquisa enquanto
espaço de formação entre a pesquisadora e o grupo co-partícipe, num processo de reflexão e de
autoformação. Assim, ao mergulhar nas singularidades do campo da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, concluímos que a escola locus desta
pesquisa está em processo de construção de sua identidade enquanto escola do campo, dado o
tratamento pedagógico que vem orientando as práticas curriculares na escola numa perspectiva
urbanocêntrica, onde predomina o saber objeto materializado no livro didático, fato que tem
dificultado a inserção, de forma efetiva, dos saberes e das experiências dos sujeitos educandos
da Reserva, no currículo escolar, haja vista que a instituição apenas articula em seu currículo a
história da RDSEPT tematizando algumas questões ambientais.
Palavras- chaves: Educação do campo. Currículo escolar. Saberes e experiências
RESUMEN
Disertación que tiene como objeto de estudio la articulación de conocimientos y
experiencias que emanan de la Reserva de Desarrollo Sostenible Ponta do Tubarão Estado
(RDSEPT) en la propuesta curricular de la Escuela Alferes Cassiano Martins, que se encuentra
en la comunidad de Barreiras, distrito de Macao, Estado de Río Grande do Norte - RN. A través
de esta investigación tuvo como objetivo comprender cómo el programa de estudios Grupo de
Colaboración, articula los conocimientos y experiencias de los sujetos RDSEPT, en la
construcción de una propuesta curricular para la Educación Rural. Por lo tanto, hablamos de la
Educación Rural (Fernandes, 2006, 2012; CALDART, 2000, 2004, ARROYO, 1999), que
muestra el RDSEPT (Noble, 2011) en la diversidad del campo brasileño, entrando en las
proposiciones en el plan de estudios (Sacristán, 2002; SILVA 2000; Saviani, 2010), como
organizador de la escuela elemento (Charlot, 2000), el lugar de la integración de experiencias
y el conocimiento de la experiencia (Bondia, 2002) a la propuesta pedagógica de la escuela. En
este sentido, el estudio se estableció como la investigación cualitativa (MINAYO, 2008, 2009),
el carácter interpretativo / reflectante (Ferreira, 2007; Ibiapina, 2008), hicimos uso de
entrevistas semiestructuradas, observación participante, y un cuestionario las sesiones de
reflexión, mientras que los procedimientos metodológicos que constituían la investigación
como un espacio de aprendizaje entre el investigador y el grupo co-participante, en un proceso
de reflexión y autoformación. Por lo tanto, mientras que el buceo en las singularidades del
campo del Desarrollo Sostenible Reserva Estatal de Ponta do Tubarão, llegamos a la conclusión
de que la escuela locus de esta investigación se encuentra en el proceso de construcción de su
identidad como una escuela de campo, dado el tratamiento pedagógico que ha guiado las
prácticas curriculares en la escuela una perspectiva urbanocêntrica, el conocimiento materializó
objeto en el libro de texto, un hecho que ha hecho que sea difícil de insertar, de manera efectiva,
el conocimiento y las experiencias de los estudiantes de los sujetos de la Reserva, en el
programa escolar, dado que la única institución depende de su hoja de vida la historia de
RDSEPT tematizar algunos problemas ambientales.
Palabras clave: La educación rural. Curriculum. Conocimientos y experiencia
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Unidades de Conservação do Estado do Rio Grande do Norte .......................... 46
Figura 2 – Mapa contendo os limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual
Ponta o Tubarão ................................................................................................. 47
Figura 3 – Imagem aérea da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do
Tubarão .............................................................................................................. 52
Figura 4 – Imagem gráfica do representando as comunidades da Reserva, de autoria de
Emanoel Amaral ............................................................................................. capa
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Caracterização do Grupo Colaborador .................................................................. 22
Quadro 2 – Sessões Reflexivas: temáticas e objetivos ............................................................. 37
LISTA DE SIGLAS
ADECOB Associação de Desenvolvimento Comunitário de Barreiras
ADECODIL Associação de Desenvolvimento Comunitário de Diogo Lopes
CEIMH- Centro de Educação Integrada Monsenhor Honório
CIPAM Companhia Independente de Proteção Ambiental
CONEMA Conselho Estadual do Meio Ambiente
CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
EJA Educação de Jovens e Adultos
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IDEMA Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande
do Norte
GJLPV Grupo Jovens Lutando Para Vencer
GRPU Gerência do Patrimônio da União –
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PDDE CAMPO Programa Dinheiro Direto na Escola do Campo
PJMP Pastoral da Juventude do Meio Popular
PPP Projeto Político Pedagógico
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PNBE Programa Nacional Biblioteca Escolar
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
RDSEPT- Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão
RN Rio Grande do Norte
UnB Universidade de Brasília
UC Unidades de Conservação
UNESCO Organização das Nações Unidas
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UUS Unidades de Uso Sustentável
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SUMÁRIO
1 PRINCIPIANDO ....................................................................................................... 12
2 UM MERGULHO NAS INVESTIGAÇÕES: TRAÇANDO AS TRILHAS
PARA A PESQUISA ............................................................................................... 18
2.1 CONHECENDO O LÓCUS DA PESQUISA ............................................................. 19
2.1.1 Caracterizando os Sujeitos da Pesquisa ....................................................................... 21
2.2 PESQUISA QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: ADENTRANDO NO
CAMPO DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL
PONTA DO TUBARÃO .............................................................................................. 24
2.3 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA .......................................................................... 30
2.3.1 Observação Participante ............................................................................................... 31
2.3.2 As Sessões Reflexivas: contribuições à pesquisa ......................................................... 35
2.3.3 A Entrevista: apreendendo o sentido dos sujeitos na pesquisa ..................................... 39
3 EMBARCANDO NOS MARES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: um olhar para a
RDSEPT ...................................................................................................................... 43
3.1 CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA
PESQUISA .................................................................................................................. 44
3.2 RDSEPT: UM MERGULHO NA DIVERSIDADE DO CAMPO .............................. 52
3.3 O OLHAR DA ESCOLA SOBRE A RDSEPT: UMA IDENTIDADE EM
CONSTRUÇÃO ........................................................................................................... 62
4 RETORNANDO À SUPERFÍCIE AQUÁTICA: OS ACHADOS
DA PESQUISA ............................................................................................................ 69
4.1 CURRÍCULO ESCOLAR E RDSEPT: UMA CONSTRUÇÃO EM
MOVIMENTO .............................................................................................................. 70
4.2 EXPERIÊNCIA E O SABER DA EXPERIÊNCIA NO CURRÍCULO ESCOLAR:
UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA ............................................................................. 86
5 LANÇANDO A ÂNCORA: TECENDO AS IMPRESSÕES FINAIS
DA PESQUISA ............................................................................................................. 95
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 103
APÊNDICES ............................................................................................................... 107
12
1 PRINCIPIANDO
A Educação do Campo vem sendo construída nacionalmente, desde o final dos anos de
1990, ganhando destaque na agenda das políticas públicas do país, a partir da I Conferência
Nacional Por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia – GO, em 1998. “Tem
um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura,
mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas”
(BRASIL, 2001, p. 4-5). É um fenômeno social da realidade brasileira, que busca contrapor-se
à burguesia agrária, através de um projeto educativo articulado aos movimentos sociais que a
originaram.
Nesse contexto, são consideradas escolas do campo aquelas que têm sua sede no espaço
geográfico classificado pelo IBGE como rural, bem como as identificadas com o campo, mesmo
tendo sua sede em áreas consideradas urbanas. Essas últimas são assim consideradas porque
atendem a populações de municípios cuja produção econômica, social e cultural está
majoritariamente vinculada ao campo.
Para essa classificação, toma-se como referência o disposto nas Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNEB, n. 1/2002), ao estabelecer
que a identidade da escola do campo se define pela sua vinculação às questões inerentes à sua
realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória
coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões
à qualidade social coletiva no país.
Nessa perspectiva, a Educação do Campo lança mão de alguns instrumentos políticos e
pedagógicos, presentes no interior das escolas, que possam contribuir na constituição de um
novo projeto educativo, como por exemplo, o Projeto Político Pedagógico, que traça as
diretrizes para a definição e consolidação dos planos de vida dos sujeitos educandos do campo,
e o currículo escolar que deve ter sua base na consideração do modo de vida das populações do
campo, nas necessidades de transformações sociais, das suas lutas organizadas, no modo como
se produzem.
É sobre este último instrumento, o currículo escolar na Educação do Campo, que
discutimos, se constituindo enquanto tema central desta investigação de mestrado e articula-se
a tematização dos saberes e experiências dos sujeitos educandos da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT) pelo Grupo de elaboração
13
do Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins situada na
comunidade de Barreiras, no município de Macau/RN.
Esta Reserva foi criada através da Lei Estadual n° 8.349 de 18 de julho de 2003, como
resultado dos esforços das comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho, iniciados no
ano de 1995 para proteger a cultura da pesca artesanal das investiduras da indústria imobiliária
e dos projetos de carcinicultura, ramos econômicos que têm despontado na região litorânea
potiguar. Dada a sua localização litorânea, a RDSEPT, torna-se singular, em relação às reservas
de desenvolvimento sustentáveis que se estabeleceram fora da Amazônia, fator que, segundo
pesquisadores potiguares, tem dificultado a elaboração do Plano de Manejo da área.
A problemática desta investigação decorre das dificuldades dos docentes em tematizar
as questões socioculturais, econômicas e políticas, no currículo escolar, de modo a articular os
saberes e experiências locais com os conhecimentos gerais, também necessários ao homem e a
mulher do campo. Nesse caso, propusemos uma discussão em torno da tematização dos saberes
e experiências advindas da constituição da RDSEPT, pelos docentes do campo, entendidos em
nossa pesquisa, enquanto agentes mediadores da formação escolar crítica e emancipadora.
Nessa discussão consideramos a relação que esses professores estabelecem com o saber docente
para definir o currículo da escola, que está implicada numa comunidade pesqueira que, junto a
outras comunidades, formam a Unidade de Conservação denominada de Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão.
A nossa condição de pessoa de origem humilde, filha de gari e neta de um agricultor,
bem como o trilhar das primeiras vivências da docência que iniciou na escola pesquisada
anterior à criação da Reserva, foram aspectos decisivos para a construção deste trabalho
investigativo acerca da tematização dos saberes e das experiências dos sujeitos educandos da
RDSEPT no currículo escolar. Em virtude dessa trajetória pessoal e profissional, fomos
compreendendo o cenário de exclusão social em que vivíamos principalmente no que se refere
aos direitos à educação que muitas vezes nos foram negados por pertencermos às classes sociais
desfavorecidas, oportunizando a construção de nosso entendimento de que o compromisso
social em torno de uma educação crítica, deveria se constituir numa questão primordial em
nossas vidas.
Compreendendo as características físicas, políticas, sociais, econômicas e culturais que
envolveram a constituição da RDSEPT, identificado como campo pesqueiro e considerando a
implicação da escola nesse contexto, propomos inserir nossa investigação nas discussões sobre
Educação do Campo, contribuindo com o debate das construções curriculares dentro desse
paradigma. Entendemos que a escola incide diretamente no modo como os sujeitos devem se
14
comportar frente às problemáticas sociais que os envolvem, em face do projeto educativo que
desenvolvem. Por isso, consideramos a importância da nossa investigação qualitativa em torno
da realidade curricular que permeia a atual proposta pedagógica da escola, e reforçarmos a
necessidade de entendermos a implicação do processo de sua construção no contexto do
movimento social que originou a RDSEPT.
A compreensão que temos acerca da complexidade que envolve a questão curricular na
Educação do Campo, deu origem ao nosso objeto de estudo, que se constitui na articulação dos
saberes e experiências da RDSEPT no processo de construção da proposta curricular do Ensino
Fundamental da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, lugar de reflexão e diálogo, da
prática educativa. Nessa ótica definimos o nosso problema de investigação a partir da seguinte
questão de partida: Quais saberes e experiências dos sujeitos da RDSEPT são tematizadas no
currículo do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins?
O nosso estudo está inscrito na Linha de Pesquisa Educação, Currículo e Práticas
Pedagógicas, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED), do Centro de Educação
(CE), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e tem como objetivo Compreender de que forma o Grupo de Elaboração do currículo da escola, articula os saberes
e as experiências dos sujeitos da RDSEPT, na construção de uma proposta curricular para a
Educação do Campo; identificar nos instrumentos teórico-metodológicos utilizados por esse
grupo as concepções que fundamentam a proposta curricular da escola.
A pesquisa aconteceu na Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, localizada no
distrito de Barreiras, município de Macau – RN, e contou com a relevante contribuição do
Grupo Colaborador, composto por sete pessoas que desempenham atribuições diferentes na
escola, dentre as quais, 1(uma) gestora, 2 (duas) supervisoras, 2 (dois) professores, 1 (um) pais
dos alunos, e 1 (uma) auxiliar de secretaria. A nossa escolha por esta instituição escolar se deu
em virtude da nossa implicação como docente da escola, no período de 1999 a 2003, onde
pudemos vivenciar algumas atividades organizadas pelas comunidades que precederam a
constituição da Reserva, participando da realização dos dois primeiros Encontros Ecológicos.
Esse período de atividade docente na escola foi o bastante para desenvolvermos uma estreita
relação de pertença com a instituição, e com a comunidade na qual estava inserida. Esses
aspectos reforçam nosso envolvimento nas questões que atravessam a Educação do Campo.
A relevância dessa pesquisa consiste na oportunidade de repensarmos as nossas visões
e concepções, como educadores que cuidam da formação escolar de crianças, adolescentes,
jovens e adultos, de uma comunidade pesqueira, que se insere num contexto de lutas, de
exclusão e de negação social.
15
Compreendendo o currículo enquanto identidade e trajetória dos sujeitos do campo, o
percurso investigativo do nosso trabalho fundamentou-se numa abordagem qualitativa que nos
ajudou a explicar o processo de elaboração curricular protagonizado pela equipe da escola
pesquisada, a partir da reflexão que fizeram acerca de suas práticas educativas. Assim
norteamos nosso percurso teórico-metodológico nas orientações de Lüdke e André (2013),
Ibiapina (2008), Ferreira (2007), Minayo (2008, 2009), Córdova (2009), fazendo uso de
observação participante, de aplicação de questionário, de entrevistas semiestruturadas e de
sessões reflexivas. Esses procedimentos asseguraram o alcance de nossos objetivos, nos
aproximando ainda mais da realidade investigada.
Entendendo a relevância da escola do campo enquanto lugar de direito, de partilha de
saberes, fundada na diversidade humana, na empatia, na capacidade dos seus sujeitos de
ressignificar o processo de construção do seu projeto educativo, ampliamos nossas discussões
acerca da Educação do Campo, pautando-nos em Caldart (2000, 2004) e Fernandes (2006,
2012), enfatizando o Campo da RDSEPT, a partir de Nobre (2011), reconhecendo sua
importância enquanto constructo social que resultou de um longo processo de luta social,
envidada pelas comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho.
Numa abordagem ideológica de escola no paradigma da Educação do Campo, refletimos
sobre o currículo escolar, nos reportamos a Arroyo (1999), que nos fornece elementos para se
compreender as matrizes curriculares para a Educação do Campo, dialogando com as questões
de identidade e de trajetórias que permeiam o currículo escolar como defende Silva (2010),
Saviani (2010) e Sacristán (2002). Para tanto discutimos os saberes e as experiências
tematizadas pelo Grupo Colaborador durante o processo de elaboração do currículo da escola
pesquisada, a partir de Charlot (2000) e Bondía (2002), que nos forneceram fundamentação
epistemológica para compreendermos as relações de saber presentes nesse processo.
Dessa forma estruturamos este trabalho em três capítulos, que foram emergindo das
produções junto ao Grupo Colaborador. Para defini-los utilizamos uma analogia aos elementos
presentes no entorno da escola pesquisada, cujas características o identificaram como campo
pesqueiro, assim cada capítulo remete a etapas da atividade pesqueira.
No segundo capítulo, intitulado “Um Mergulho nas Investigações: traçando as trilhas
para a pesquisa”, fizemos analogia ao momento em que os pescadores se preparam para entrar
no mar para pescar, tendo que lançar mão de todos os conhecimentos adquiridos na sua vivência
para lidar com as intempéries que os esperam, e com o manejo do seu equipamento, e
transformar a sua atividade numa arte. Assim, esse capítulo apresenta a metodologia que foi
utilizada em nosso trabalho, articulada às nossas observações interpretativas acerca das
16
perspectivas e dos procedimentos assumidos para a construção dos dados desta pesquisa
educacional que se caracteriza enquanto pesquisa qualitativa. O referencial teórico-
metodológico que nos orientou nesse caminhar investigativo, nos possibilitou uma maior
aproximação com o objeto de estudo, como por exemplo, as sessões reflexivas e as entrevistas
semiestruturadas, que possibilitou redimensionar nossos objetivos, e ampliar nossa discussão
acerca da relevância das questões que nos conduziram a essa investigação reflexiva e
interpretativa.
No capítulo 3, intitulado “Embarcando nos Mares da Educação do Campo: um olhar
para a RDSEPT”, fizemos uma analogia ao momento em que o pescador entra no mar com sua
embarcação para buscar o seu sustento, na (in)certeza do que os aguarda, dada a diversidade de
criaturas viventes que ali habitam. Aqui são abordadas as questões políticas e epistemológicas
que fundam o paradigma da Educação do Campo, tecendo uma contextualização da temática
da pesquisa, apresentando o campo da RDSEPT como uma configuração da diversidade do
campo brasileiro, caracterizado nesta pesquisa como campo pesqueiro. Para tanto utilizamos
Diegues (1983), Pires (2012) e Ramalho (2004), para dialogar conosco acerca das
características da pesca artesanal, modelo de pesca predominante na comunidade. Para
podermos compreender o contexto de criação da RDSEPT e sua articulação com a Educação
do Campo, nos apoiamos em Fernandes (2006) para introduzirmos as discussões acerca do
movimento Por uma Educação do Campo, destacando as questões de territorialidade que
atravessam a construção da educação do campo, situando as discussões atuais acerca desta
temática. Ao ressaltar o processo de criação da RDSEPT, abordamos a questão do
desenvolvimento sustentável na Educação do Campo, dialogando com documentos oficiais
como a Lei Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que cria as Unidades de Conservação do
Ministério do Meio Ambiente, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo (BRASIL, MEC/CNE/CEB, 2002) e o Decreto n. 7.352/2010, que trata do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).
No capítulo 4 intitulado “Retornando à Superfície Aquática: os achados da pesquisa”,
fizemos uma analogia ao resultado da pesca, ao que foi possível encontrar em alto-mar, ao que
conseguiram achar em sua busca. Aqui trazemos nossas análises acerca dos resultados da
pesquisa, que se apresentam articuladas às falas do Grupo colaborador, que tratam das
concepções que possuem acerca do currículo escolar, bem como dos saberes e das experiências
dos sujeitos da RDSEPT tematizados no currículo escolar. Nossa elaboração sobre currículo
escolar fundamenta-se nas concepções de Silva (2010), Saviani (2010) e Sacristán (2002), que
compreendem o currículo como experiência, que permite construir a subjetividade e a
17
identidade humana. Nos apoiamos em Charlot (2000) para discutir a relação de saber que
fundamenta o currículo escolar elaborado pelo grupo colaborador, trazendo para este debate
curricular as proposições epistemológicas de Bondía (2002) acerca da experiência e do saber
da experiência.
Por fim, tecemos as impressões finais da pesquisa, lançando a âncora, em analogia ao
momento de chegada dos pescadores à beira-mar, com suas conclusões acerca da investidura
daqueles dias de pesca. Aqui destacamos nossas análises finais do processo da pesquisa, do que
ela oportunizou.
Entendemos que vivenciar essa experiência investigativa nos permitiu compreender o
contexto sócio educacional em que estão sendo pensados e vivenciados os referenciais
curriculares que orientam as práticas educativas na Educação do Campo, além de nos
possibilitar argumentar, refletir e construir uma interpretação significativa acerca do nosso
objeto de estudo.
Investigamos uma situação local acerca do pensamento e da elaboração do currículo
escolar na educação do campo. No entanto, sabemos que o contexto aqui investigado se trata
de uma realidade presente na maioria das escolas do campo brasileiro, em particular das escolas
da RDSEPT. Por isso, reconhecemos como uma tarefa complexa traduzir todos os aspectos que
envolvem a problemática da articulação dos saberes locais aos saberes gerais no currículo
escolar, dada os limites dessa investigação. Portanto, a entendemos enquanto inacabada e
inconclusa, por não dar conta de todas as questões suscitadas, em virtude dos limites do objetivo
proposto, além do fato de estarmos inseridos no contexto da diversidade do campo brasileiro e
dos movimentos sociais organizados. Essa consciência exige do pesquisador humildade frente
aos desafios encontrados e disposição para dar continuidade à questão que abraçou no universo
da pesquisa científica. Assim sendo, reconhecemos a relevância do nosso trabalho, o qual nos
oportunizou adentrar numa discussão necessária às práticas curriculares na educação do campo,
num viés crítico e reflexivo que ora discorremos.
18
2 UM MERGULHO NAS INVESTIGAÇÕES: TRAÇANDO AS TRILHAS PARA A
PESQUISA
Tão belo sol brilha no horizonte
Pintando no céu novo dia
Um pincel colorindo aquarela
Que o bom pescador principia
Hora de partir para o mar
Enfrentar com certeza o remanso
Depois de um mero descanso
Na rede que aprendeu navegar
Tainheira em sua persistência
Com tantas linhas a arte lhe deu
Sua imagem está retratada
Nas histórias que o tempo escreveu
(CORINGA, Zelito; SOUZA, Élio)
Neste capítulo abordaremos os aspectos metodológicos vivenciados nesta pesquisa, que
se configura enquanto pesquisa qualitativa, cuja organização do trabalho para a construção dos
dados se deu através de ações formativas que auxiliaram no processo de co-produção do
conhecimento entre a pesquisadora e um grupo de professores, denominado aqui de Grupo
Colaborador, co-partícipe deste trabalho, na medida em que assumiram a participação nas
sessões reflexivas, espaços de diálogo gestados na condução do processo de investigação,
referenciadas na abordagem da pesquisa colaborativa, proposta por Ibiapina (2008) e Ferreira
(2007).
Vale destacar que o Grupo Colaborador desta pesquisa, composto por dois professores,
duas supervisoras, uma gestora, um pai dos alunos e uma auxiliar de secretaria, foi formado
pela escola, anteriormente ao desenvolvimento desta pesquisa, através de assembleia, para
orientar as discussões sobre a elaboração do Projeto Político Pedagógico – PPP e do currículo
escolar da instituição. Ou seja, quando nos referimos ao Grupo Colaborador de nossa pesquisa,
estamos fazendo referência, também, ao Grupo de Trabalho do PPP da escola onde
desenvolvemos o trabalho. A seguir, caracterizaremos o locus do campo da pesquisa,
destacando, as estratégias e procedimentos utilizados que permitiram a produção dos dados aqui
apresentados, articulando-os às nossas observações interpretativas, cuja ênfase desvela a
realidade histórico-social em que estão imersos a escola, os sujeitos, o campo investigativo e o
objeto de estudo.
Durante nosso trilhar metodológico pactuamos com os co-partícipes, colaboradores
desta pesquisa, um compromisso coletivo para a realização das sessões reflexivas, que se
constituíram em espaços sistematicamente organizados para a reflexão e discussão de algumas
19
temáticas consideradas relevantes no processo de elaboração do currículo da escola, auxiliando
os professores a analisarem suas práticas e seus objetivos.
A realização destas sessões possibilitou que se revelassem as potencialidades e as
dificuldades que o Grupo Colaborador, encarregado de elaboração do PPP da Escola Municipal
Alferes Cassiano Martins possuía no tocante a elaborar e implementar um projeto educativo
sintonizado com as demandas e problemáticas vividas pelos sujeitos que vivem na/da Reserva,
possibilitando discutirmos acerca dos limites, possibilidades e desafios enfrentados na
construção de um Projeto Político Pedagógico pensado pelo e para o povo do campo, mais
particularmente o campo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do
Tubarão (RDSEPT).
Para aprofundar algumas questões suscitadas durante as sessões reflexivas utilizamos
também como procedimento metodológico nesta pesquisa a entrevista, organizada por eixos
temáticos, cujas palavras recolhidas no gravador tornaram-se elemento central no processo de
apreensão das significações dos interlocutores. Paralelo a esse procedimento,
complementarmente, buscamos nos aproximar dos interesses dos estudantes para confrontá-los
com as discussões produzidas no Grupo Colaborador acerca dos saberes e das experiências
advindos da RDSEPT, que são tematizadas no currículo da escola. Para isso, utilizamos
questionários aplicados junto a uma mostra de quinze alunos do Ensino Fundamental (4º, 8º e
9º anos), intencionando mapear alguns dados considerados relevantes às análises da pesquisa,
como os interesses deles em relação à escola, o olhar que possuem sobre esta e seu currículo,
como também sobre os conhecimentos que tinham acerca da Reserva da qual fazem parte.
Questionários também foram aplicados junto ao Grupo Colaborador com o objetivo de
identificar eventuais necessidades formativas a serem contempladas nas sessões reflexivas
durante a pesquisa. Assim, pudemos analisar de que forma o Grupo de Trabalho do PPP da
Escola Alferes Cassiano Martins, em particular os professores, concebe e considera os aspectos
pedagógicos, históricos, políticos, culturais, econômicos e sociais da Reserva em seu Projeto
Político Pedagógico, ressaltando os saberes e as experiências dos educandos que são
tematizados durante o processo de elaboração do currículo escolar.
2.1 CONHECENDO O LOCUS DA PESQUISA
A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada no período de junho de 2014 a
20
julho de 2015, tendo como locus a Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, localizada no
distrito de Barreiras, município de Macau, estado do Rio Grande do Norte, a 23 quilômetros da
sede do município. Há 56 (cinquenta e seis) anos que essa instituição presta serviços educativos
à comunidade, através da Lei Municipal nº 177, de 22 de março de 1959, que cria a referida
escola. Desde 2003 está inserida na área de Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual
Ponta do Tubarão, participando, das ações promovidas pelo Instituto de Desenvolvimento
Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA) e pelo Conselho Gestor Local
da referida reserva.
Apesar de ser uma entidade mantida pelo poder público municipal, gerenciada pela
Secretaria Municipal de Educação, os recursos financeiros destinados à escola são todos
provenientes de Programas Federais tais como: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE),
Programa Dinheiro Direto na Escola do Campo (PDDE CAMPO) e Programa Mais Educação,
tornando-se essenciais ao funcionamento da instituição. É contemplada também com o
Programa Nacional Biblioteca Escolar (PNBE), Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Ao iniciarmos a pesquisa a escola possuía 294 (duzentos e noventa e quatro) educandos,
distribuídos em três turnos (matutino, vespertino e noturno), nas seguintes etapas e modalidades
de ensino: Educação Infantil (Pré- escola), Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano e Educação de
Jovens e Adultos (EJA) (do 3º ao 5º períodos). Ao término da pesquisa a escola possuía 300
(trezentos) estudantes, divididos nos três turnos (matutino, vespertino e noturno), entre as
mesmas etapas e modalidade já referenciadas, porém a oferta da EJA ficou limitada ao 3º e 4º
período, no turno vespertino, numa turma multianual, em virtude da distorção idade-ano dos
estudantes do 4° e 5º ano, funcionando de forma sutil como uma sala de correção de fluxo.
Os demais alunos que estudavam na EJA foram remanejados para os anos finais do Ens.
Fundamental, onde convivem em turmas bem heterogêneas quanto às idades, cuja ampliação
das turmas possibilitou a oferta desta etapa do ensino no turno noturno, pois segundo a gestão,
esta foi a melhor solução encontrada pela instituição para fugir dos altos índices de evasão da
EJA, sem deixar de ofertar as etapas de ensino na qual correspondia os períodos, antes
ofertados.
Estas modificações resultam não somente de uma decisão de gestão, mas da fragilidade
das práticas pedagógicas desenvolvidas na escola, uma vez que a rotatividade no quadro de
contratados era constante, gerando uma descontinuidade natural nos processos educativos da
escola, pois, ao iniciarmos a pesquisa, a escola possuía em seu quadro de pessoal uma diretora,
uma vice-diretora (cargos comissionados), cinco auxiliares de secretaria (efetivos), duas
21
supervisoras (uma professora efetiva, pedagoga, em desvio de função e uma contratada,
graduada em Ciências Biológicas), uma merendeira, sete ASG, dois vigias e 24 (vinte e quatro)
professores, destes somente 06 (seis) eram do quadro efetivo, os demais eram professores
contratados através de processo seletivo realizado pela Secretaria Municipal de Educação. No
transcurso da pesquisa este quadro funcional sofreu alterações, no que se refere a origem da
contratação docente, pois das dezoito vagas ocupadas no ano anterior pelos professores
celetistas, dezesseis, foram preenchidas com docentes oriundos do concurso público realizado
em 2014 pelo município, e apenas dois professores foram contratados, para suprir as aulas dos
componentes curriculares de Inglês e Arte. Vale destacar que desse quadro somente quatro
docentes residem na comunidade, a maioria mora em outros municípios e desconhece a área de
campo na qual estão inseridos.
Fisicamente a escola é composta por: uma sala da diretoria, outra de secretaria, seis salas
de aula, uma sala de informática, uma cozinha, uma sala de vídeo/sala de leitura, sete banheiros
com sanitários, dois depósitos e uma dispensa, que ainda são insuficientes para atender
dignamente a demanda apresentada pela escola. É considerada uma escola de médio porte
dentro da organização educacional do município.
2.1.1 Caracterizando os Sujeitos da Pesquisa
Na Ciência, a pesquisa se constitui em uma atividade nuclear que possibilita uma
aproximação e uma compreensão maior da realidade a ser investigada, podendo fornecer
subsídios para uma intervenção nessa realidade. Ela pode ser desenvolvida numa abordagem
quantitativa, que busca representar a realidade pesquisada através da linguagem matemática
com dados mensuráveis, garantindo a precisão dos resultados, ou numa abordagem qualitativa
preocupando-se com o significado dos fenômenos e processos sociais, salientando os aspectos
dinâmicos, holísticos e individuais da experiência humana, aprofundando em sua compreensão.
Dessa forma, no intuito de compreender a articulação entre os saberes e experiências dos
sujeitos habitantes da RDSEPT e o processo de elaboração do currículo escolar, da Escola
Municipal Alferes Cassiano Martins, situada numa área de campo, caracterizado como
pesqueiro, optamos por adotar em nossa pesquisa uma abordagem qualitativa, cujo trilhar
metodológico se ocupou de atividades de estudo e reflexão, junto aos sujeitos que compõem o
Grupo de Trabalho do Projeto Político Pedagógico da referida escola, já instituído
22
anteriormente, denominado de Grupo Colaborador, para fins e objetivos desta investigação, por
coproduzirem os conhecimentos desta pesquisa, e buscarem apreender os significados
produzidos pelos sujeitos do próprio grupo, durante este processo da pesquisa.
A escolha de centrar a pesquisa nas atividades desenvolvidas por este grupo deveu-se
ao fato de ele agregar pessoas que pertencem à comunidade e outras que apenas trabalham nela,
oportunizando a presença de diferentes olhares no processo de tematização dos saberes e
experiências dos sujeitos da Reserva processo de elaboração do currículo da instituição, objeto
de investigação desta pesquisa. Sabemos que as abordagens qualitativas na pesquisa fazem
suscitar questões éticas acerca da identidade dos sujeitos pesquisados, por isso, em nossa
pesquisa consideramos o que propõe Lüdke e André (2013, p. 59) “Uma medida geralmente
tomada para manter o anonimato dos respondentes é o uso de nomes fictícios no relato, além,
evidentemente, do cuidado para não revelar informações que possam identificá-los”.
Assim, para preservar a identidade do Grupo Colaborador desta pesquisa, os co-
partícipes receberam nomes de espécies que compõem a fauna local da Reserva, conforme
quadro a seguir, que aparecerão após os registros de suas falas produzidas durante as
interlocuções, e transcritas para análise neste trabalho, este foi um dos compromissos assumidos
com os componentes do grupo durante a apresentação da proposta desta pesquisa na escola.
Quadro 1 – Caracterização do grupo colaborador
COLABORADOR/A IDADE SEXO OCUPAÇÃO
TEMPO
DE
SERVIÇO
FORMAÇÃO SEGMENTO QUE
REPRESENTA
Garça-branca 43 F Gestora
escolar 25 Lic. Pedagogia Gestão da escola
Gavião 42 F Professora 16
Lic. Pedagogia
(especialista em
Supervisão Escolar)
Supervisão Escolar
Canário do Mangue 32 F Professora 12 Lic. Pedagogia Professor – anos
iniciais
Tamatião 47 F Aux. de
Secretaria 17 Ens. Médio Funcionários
Dentão 36 M Professor 12 Lic. História Professor dos anos
finais do Ens.
Fundamental
Muriongo 45 M Vigilante 17
Ens. Médio
(cursando
Pedagogia)
Pais
Galinha do Mangue 30 F Professora 05 Lic. Ciências
Biológicas Supervisão Escolar
Fonte: A autora
Percebe-se, por esta composição, que a maioria dos colaboradores pertencia ao sexo
feminino, fato que evidencia o predomínio das mulheres na área da educação, cuja faixa etária
23
variava entre trinta e quarenta e sete anos, e que todos possuíam entre cinco e vinte anos de
experiência na educação, quer em funções docentes ou não.
Com exceção de uma das supervisoras, os demais colaboradores desta pesquisa moram
na comunidade de Barreiras, mas o colaborador Dentão e a colaboradora Canário do Mangue
não são da comunidade, ele reside há 12 anos e ela há cerca de cinco anos, porém esta última
vivenciou o processo de luta das comunidades pela Reserva, pelo fato de morar em uma delas.
O professor e a professora que participaram do grupo de trabalho do PPP da escola,
estão há mais de 5 (cinco) anos na instituição e demonstraram interesse em participar desse
processo, mas apontaram as dificuldades em conciliar os seus horários de trabalho, a jornada
dupla com os encontros do grupo para estudo e discussão. Essa dificuldade também se refletiu
no cumprimento dos combinados da pesquisa, pois as sessões reflexivas que haviam sido
programadas para acontecerem quinzenalmente, alternando os dias da semana, para que
pudéssemos concluir ainda no ano de 2014, não foi possível, o que nos fez adentrar 2015 com
essas sessões pendentes, concluindo-as em julho desse mesmo ano.
Com a realização de concurso público no município de Macau–RN, a escola somente
conseguiu se reestruturar quanto à alocação de professores, a partir do mês de julho do ano de
2015, fato que fez nossa pesquisa ficar vulnerável, exigindo de nós um contato mais próximo
com alguns destes docentes, porém informal, para nos inteirarmos sobre suas expectativas
profissionais, bem como seus (des)conhecimento sobre a Reserva, o contexto de campo no qual
estão se inserindo profissionalmente. Suas falas foram consideradas para que pudéssemos
compreender o atual contexto vivido pela escola, porém não serão referenciadas nas análises
desta pesquisa.
Estes contatos aconteceram através de observação feita durante um planejamento
realizado pela colaboradora Galinha do Mangue, no dia 31 de julho de 2015, com os professores
da Educação Infantil e Ensino Fundamental e durante a realização de uma palestra na escola
pela equipe do IDEMA no dia 24 do mesmo mês, destinada aos estudantes e professores, para
tratar dos doze anos da constituição da RDSEPT.
O Grupo Colaborador, ao longo da pesquisa, demonstrou interesse, liberdade para se
expressar, desejo de aprofundar o conhecimento, e acima de tudo, vontade em elaborar uma
proposta pedagógica que correspondesse às reais necessidades da comunidade na qual estão
inseridos e que contemplasse os saberes produzidos no entorno da Reserva.
24
2.2 PESQUISA QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: ADENTRANDO NO
CAMPO DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL
PONTA DO TUBARÃO
Ao longo dos anos o currículo escolar, vem ganhando notoriedade, em face das políticas
oficiais de currículo no país, das pesquisas e das produções teóricas que abordam novos temas
que reflete influências nesse campo, tornando-o objeto privilegiado de investigação, debates e
análises, dada sua vinculação ao projeto de sociedade que se pretende formar. Essa questão do
currículo como núcleo para o desenvolvimento das práticas intencionais na formação humana
no seio das escolas, tem se constituído em tema para debates e proposições na Educação do
Campo.
Os estudos nessa área além de teorizar o currículo, possibilitam a compreensão do
impacto das recentes transformações culturais no currículo escolar, na forma de organizá-lo e
concebê-lo. Esta pesquisa se insere nessa discussão, ao propor investigar o processo de
elaboração do PPP e da proposta curricular da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins,
caracterizada geograficamente como escola do campo, destacando sua articulação com os
saberes e as experiências dos habitantes da RDSEPT.
Nesse sentido, reconhecendo a especificidade do objeto ao qual nos propomos a
investigar, nos apoiamos metodologicamente dentro de uma abordagem qualitativa da pesquisa,
que para Minayo (2008, p. 57):
O método qualitativo é o mais adequado aos estudos da história, das representações e
crenças das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das
interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem
seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam.
É no âmbito do estudo das relações, das crenças, dos valores, das motivações e das
atitudes dos sujeitos, que a Pesquisa Qualitativa se insere nas ciências sociais, ocupando-se com
o universo dos significados, compreendendo esses fenômenos como parte da realidade social,
onde o ser humano distingue-se não somente por suas ações, mas por pensar sobre si, sobre o
que faz, refletir e interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com
seus semelhantes.
As abordagens qualitativas têm sido recorrentes nas investigações científicas de grupos,
de histórias sociais, de relações, bem como para análise de discursos e documentos, por suas
25
características e natureza, pois buscam explicar os fenômenos sociais, considerando o ambiente
como fonte direta para a construção dos dados. Vem se configurando numa forma de pensar e
fazer pesquisa que parte do fundamento de que as relações entre indivíduo e sociedade são
dinâmicas, havendo uma interdependência entre sujeito e objeto de estudo, portanto uma
indissociabilidade entre o mundo objetivo e subjetivo do sujeito. A esse respeito Silveira e
Córdova (2009, p. 32) enfatizam que:
As características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno;
hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações
entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre
o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos
buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos;
busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que
defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências.
Entendemos que os elementos da investigação qualitativa se constituem na interação
entre o pesquisador e o objeto de estudo, no registro dos dados construídos e na interpretação
do pesquisador. Assim, optamos por desenvolver essa investigação numa abordagem
qualitativa buscando compreender e explicar a dinâmica do processo de elaboração da proposta
curricular da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, identificando os fatores que
direcionaram e/ou contribuiu para esse processo, à luz dos elementos curriculares propostos
dentro do paradigma da Educação do Campo.
Entretanto, para ajudar na construção e na análise dos dados buscamos referência nos
aportes conceituais da pesquisa colaborativa, propostos por Ibiapina (2008) e por Ferreira
(2007), por considerarmos funcionais ao desenrolar metodológico da pesquisa, em particular as
sessões reflexivas, sobre as quais trataremos mais adiante.
Para Ibiapina (2008, p. 34) o processo colaborativo, no contexto da investigação
científica significa:
Tomada de decisões democráticas, ação comum e comunicação entre investigadores
e agentes sociais que levem à construção de um acordo quanto às suas percepções e
princípios. Nessa perspectiva, a colaboração se efetiva a partir da interação entre pares
com diferentes níveis de competência, isto é, colaboração significa a ajuda que um
par mais experiente, no caso o pesquisador, dá a um outro menos experiente no
momento de realização de determinada atividade, no caso a pesquisa, é também ação
formativa desenvolvida conjuntamente que faz o desenvolvimento pessoal e
profissional de professores.
26
Dessa forma, sabendo do processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico e da
proposta curricular que ora se realizava na escola pesquisada, pensamos em desenvolver um
percurso metodológico que constituísse esta pesquisa enquanto espaço de reflexão coletiva
sobre aquele processo em andamento, numa perspectiva interativa e colaborativa, assumindo
somente um procedimento dessa abordagem, a Sessão Reflexiva, por considerarmos a
contribuição desse procedimento à produção dos dados nessa investigação, sem com isso
caracterizá-la como pesquisa colaborativa, pois reconhecemos os limites metodológicos
impostos pelo tempo dessa investigação, fato que não nos permitiu realizar os procedimentos
necessários que a qualificasse enquanto pesquisa colaborativa.
Vale destacar que o termo Sessão Reflexiva adotado nessa pesquisa está de acordo com
o que propõe Ferreira (2007), para designar o espaço de formação, autoformação, colaboração
entre os sujeitos envolvidos na pesquisa, pois para a Ibiapina (2008) a construção desse espaço
na Pesquisa Colaborativa constituem sessões de estudo. São terminologias diferentes para
designar o mesmo procedimento.
Este processo de reflexão se deu numa abordagem qualitativa, onde o estudo das
experiências humanas deve ser feito entendendo que as pessoas interagem, interpretam e
constroem sentidos, assim a pesquisa qualitativa busca compreender o fenômeno a partir dos
símbolos ou significados atribuídos a eles, elemento fundamental na construção dos dados desta
investigação.
O objetivo de optarmos por inserir, parcialmente, em nossa orientação teórico-
metodológica, alguns aspectos da pesquisa colaborativa, resulta de nossa proposição de
condução desta pesquisa como espaço de reflexão e autoformação, onde os sujeitos envolvidos
– reconhecidos como Grupo Colaborador – pudessem se perceber como investigadores de sua
própria prática e realidade.
Essa percepção se deu ao mesmo tempo em que se reconheciam como objeto de
investigação, co-produtores de conhecimento, de formação, de reflexão e de desenvolvimento
profissional, de forma interativa entre a pesquisadora e o Grupo Colaborador, possibilitando
mecanismos para a transformação da realidade educativa, vivenciada pelos próprios sujeitos.
É neste cenário de investigações que a Educação do Campo tem ganhado destaque no
âmbito das pesquisas sociais1, em face da demanda de ordem política, epistemológica,
1MOLINA (2006) destaca que nos últimos dez anos, os debates sobre da Educação do Campo
possibilitaram aglutinar um conjunto representativo de pesquisadores, por estar em permanente
associação com as questões do desenvolvimento e do território no qual ela se enraíza, acolhendo
investigações sobre a diversidade dos sujeitos do campo.
27
pedagógica, curricular, cultural e social que atravessam sua construção enquanto modalidade
de ensino, cujas produções têm apontado a necessidade de compreendermos o campo como
espaço de vida diverso, que está em constante movimento, que é plural, mas que também possui
singularidades e especificidades.
Esta pesquisa se insere no contexto desses estudos sobre a diversidade do campo, de
suas formas de existência e resistência, tematizando a Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT), pela importância adquirida a partir de sua constituição
enquanto Unidade de conservação (a primeira do nosso Estado), para as comunidades
abrangidas por ela.
A importância desta Reserva enquanto Unidade de Conservação não deve ser vista
somente nos aspectos ambientais, culturais, econômicos e sociais, mas também nos aspectos
educacionais, uma vez que as relações estabelecidas com esta área demandam dos seus sujeitos
novos conhecimentos, que agregados aos saberes e as experiências produzidas na comunidade
possibilitam a preservação dos seus costumes, mas também a construção de novos
comportamentos indispensáveis ao manejo da área, à utilização de suas potencialidades.
A Resolução do CNE/CEB n° 01 de 03 de abril de 2002, ao instituir as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica para as Escolas do Campo, estabelece em seu Art. 2º, que
respeitadas estas diretrizes, visam adequar o projeto institucional das escolas do campo às
demais diretrizes que orientam todas as etapas e modalidades da educação.
Assim, na perspectiva de compreendermos a articulação entre o currículo escolar e os
saberes e as experiências advindas da RDSEPT, é que nos propomos a investigar o processo de
elaboração do currículo da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, locus desta pesquisa,
por entendermos que a escola ocupa um lugar estratégico no processo de formação dos sujeitos
educandos da RDSEPT, cuja ação educativa tanto pode ameaçar a manutenção dos
conhecimentos tradicionais2 da Reserva, como pode possibilitar a construção de uma nova
relação desse sujeito com o seu lugar, fortalecer sua cultura, sua identidade e contribuir para a
construção do “ser sujeito da Reserva”.
Assim, o início de nossa pesquisa na Escola Municipal Alferes Cassiano Martins que
compartilha com a RDSEPT, o espaço social, cultural, político e econômico, da comunidade de
Barreiras, no município de Macau, significou andarmos na direção do que se propõe no âmbito
das investigações na Educação do Campo, evidenciar as múltiplas relações que tecem a
2 Diegues e Arruda (2001, p.31) definem como conhecimento tradicional o “conjunto de saberes e saber-
fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração”, o que
constitui uma ligação orgânica entre natureza, cultura e organização social.
28
diversidade do campo brasileiro, e de como estas relações se fazem presentes no currículo
escolar.
Fernandes (2006, p.31) propõe que as pesquisas nesta área sejam desenvolvidas nos
parâmetros da compreensão do campo como espaço e território, para além dos limites
territoriais geográficos, o campo se constitui, também, num espaço político, que não possui
áreas, mas dimensões, que são tecidas e transformadas continuamente no espaço das relações
sociais, que por sua vez estão contidas no espaço geográfico, e expressam assim a materialidade
da existência humana. Para ele essa compreensão é fundamental para que se supere a lógica do
campo como setor da economia, e afirma:
O campo pode ser pensado como território ou como setor da economia. O significado
territorial é mais amplo que o significado setorial que entende o campo simplesmente
como espaço de produção de mercadorias. Pensar o campo como território significa
compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se
realizam todas as dimensões da existência humana. O conceito de campo como espaço
de vida é multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que o
conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de mercadorias
(FERNANDES, 2006, p. 28-29).
Esta pesquisa, ao discutir a articulação entre a proposta curricular da escola e os saberes
e as experiências advindas dos habitantes da RDSEPT, compreende que a educação se constitui
em uma das dimensões deste território construído socialmente. Para Fernandes (2006, p.37) “as
pesquisas em Educação do Campo são processos de construção de conhecimentos (territórios
imateriais) que procuram contribuir com o desenvolvimento dos territórios materiais – campo
como espaço de vida”.
Como já anunciado anteriormente, na tentativa de caminharmos em direção a esta
construção, adotamos nesta pesquisa, como princípio básico no processo de colaboração, a
busca pelo conhecimento co-construído através da criação de espaços de formação entre
pesquisadora e colaboradores, cujos interesses partilhados, o da pesquisa e o da formação,
puderam se enriquecer mutuamente.
Apesar de ser um dos princípios da Pesquisa Colaborativa, para fins e objetivos dessa
investigação, o processo de colaboração foi utilizado para orientar a construção dos dados, pois
reconhecemos que não utilizamos os procedimentos necessários para qualificar esta pesquisa
enquanto colaborativa, que para Ferreira (2007, p. 21):
Sem renegar todas as contribuições com as quais a pesquisa-ação permitiu uma
melhor compreensão da realidade do currículo e do ensino, seus limites e suas
possíveis derivações levaram à proposta de uma interação mais equilibrada entre
29
pesquisa e formação: esse é o pressuposto da pesquisa colaborativa. A fundamentação
epistemológica e sociológica permanece a mesma: incorporar a competência prática e
reflexiva do ator em seu contexto natural.
Ibiapina (2008, p. 25) também destaca a importância do trabalho colaborativo no
processo de desenvolvimento profissional, ao afirmar que se trata de uma “atividade de co-
produção de conhecimentos e de formação em que os pares colaboram entre si com o objetivo
de resolver conjuntamente problemas que afligem a educação”.
Esses espaços de colaboração vivenciados durante a pesquisa possibilitam uma nova
relação de desconstrução e construção entre os partícipes, das teorias apreendidas em cursos de
formação e nas experiências vividas ao longo de sua prática profissional, como pudemos
identificar na fala da professora Canário do Mangue, em uma de nossas sessões reflexivas, ao
dizer, com surpresa: “Eu não sabia que o Alferes era uma Escola do Campo! Fiz o PNAIC
(Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), o pessoal de Diogo3 ficava na outra turma
que era com as escolas do campo, mas nunca ninguém disse que a gente também era escola do
campo”.
A reflexão crítica sobre sua prática, naquele momento das sessões reflexivas em que se
discutiam as características de uma escola do campo, permitiu à professora localizar-se em um
novo contexto social, político e educacional, confrontando-o com o contexto de tradição da
cultura organizacional das escolas no município de Macau que não reconhecia a sua escola
como sendo Escola do Campo.
No nosso entender, momentos como esses, se constituíram numa das grandes
contribuições da adoção de alguns conceitos da Pesquisa Colaborativa neste trabalho, cuja
participação dos colaboradores com a reflexão como ato coletivo, a autorreflexão e o
autoconhecimento sobre sua prática no processo de elaboração do currículo da escola, subsidiou
a fundamentação epistemológica desta pesquisa.
Sendo assim, buscamos apreender, em cada sessão reflexiva realizada, a cada gravação,
o sentido que a RDSEPT possuía para o Grupo Colaborador, seu envolvimento com esta área,
tentando compreender as múltiplas relações que estabeleciam entre a Reserva, os saberes por
ela emanados, e o Projeto Político Pedagógico que ora discutiam e elaboravam para a Escola
Municipal Alferes Cassiano Martins, em Macau – RN..
3 Referindo-se à Diogo Lopes, comunidade vizinha a Barreiras, que também faz parte da RDSEPT.
30
2.3 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Na abordagem qualitativa, o pesquisador objetiva aprofundar-se na compreensão dos
fenômenos que estuda, das ações dos indivíduos, dos grupos, em seu contexto social,
interpretando-os, de acordo com as perspectivas dos próprios sujeitos que participam da
situação. Para Minayo (2008), os instrumentos de trabalho de campo na pesquisa qualitativa
permitem uma mediação entre o marco teórico-metodológico e a realidade empírica.
Neste sentido, no caminhar desta pesquisa, tivemos nosso primeiro contato com a equipe
gestora da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, no mês de maio do ano de 2014, para
informarmos sobre a pesquisa, seus objetivos e interesse, bem como a possibilidade de sua
realização com a referida instituição. No momento percebemos a satisfação da equipe em nos
acolher, ao mesmo instante em que Garça-Branca, gestora da escola, afirmava verbalmente:
“ainda bem que agora vamos ganhar uma ajuda para a construção do Projeto Político
Pedagógico da escola. Nesse momento toda ajuda é bem vinda”.
Esta fala nos evidenciou, em princípio, que a gestão escolar estava tendo dificuldades
em conduzir o processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico – PPP, ao mesmo tempo
em que viu em nosso trabalho de investigação acadêmica a possibilidade de interação e
colaboração entre academia e escola, aceitando, assim, a proposta, e nos colocando em
articulação com o Grupo de Trabalho do PPP da instituição, já constituído sob a orientação da
Secretaria Municipal de Educação, no contexto de um trabalho de acompanhamento e
orientação ao processo de (re) elaboração do PPP das escolas de sua rede.
Nesse sentido, Ferreira (2007, p. 24) afirma que pesquisar colaborativamente em
educação, “além de desenvolver o sentido social da aproximação entre os pesquisadores
acadêmicos e as carências da prática de ensino dos professores, abre os caminhos para a
autoformação de ambos”. Este processo acontece numa relação complexa em virtude de sua
dupla função: formativa e de produção do conhecimento, fato que requer atenção para o
cumprimento das exigências formais da academia, no tocante ao processo de construção do
conhecimento, sem menosprezar o ponto de vista dos colaboradores no que se refere à reflexão
e compreensão de sua prática.
31
Assim, nosso primeiro contato com o campo4 pesquisado e com o Grupo Colaborador
aconteceu em junho de 2014, para apresentar a proposta de investigação, bem como definir os
caminhos metodológicos a serem trilhados no processo de construção dos dados, iniciando
posteriormente com a observação participante.
2.3.1 Observação Participante
Definimos como observação participante o processo pelo qual vivenciamos na escola
pesquisada, a relação direta com os interlocutores, participando, na medida do possível de sua
vida social, no seu cenário cultural, observando uma determinada realidade social, cuja
finalidade era compreender o contexto da pesquisa, ao mesmo instante em que construíamos os
dados da investigação, buscando apreender os sentidos acerca daquela realidade. A respeito
dessa nossa escolha para a construção dos dados na pesquisa, Minayo (2009, p. 35) destaca:
A filosofia que fundamenta a observação participante é a necessidade que todo
pesquisador social tem de relativizar o espaço social de provém, aprendendo a se
colocar no lugar do outro. Como já dissemos anteriormente, no trabalho qualitativo, a
proximidade com os interlocutores, longe de ser um inconveniente, é uma virtude e
uma necessidade.
A observação pode ser usada como procedimento principal de uma investigação ou
associada a outras técnicas. Para Lüdke e André (2013, p. 30):
A observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o
fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a
experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de
determinado fenômeno.
No intuito de nos aproximar da realidade cotidiana da escola pesquisada, no período de
junho a setembro do ano de 2014, realizamos três5 períodos de observações na escola, duas no
turno vespertino e uma no turno noturno, para apreender sua cultura organizacional, seu
4 O termo campo aqui está sendo utilizado para designar o recorte espacial, no que se refere a
abrangência empírica ao objeto de investigação. 5 O número de observações realizadas ficou comprometido em razão do momento crítico vivido pela
escola com a falta de professor.
32
cotidiano, aproveitando o espaço para a realização de entrevistas exploratórias com a equipe
gestora e pedagógica da escola, a fim de diagnosticar na visão destas, as necessidades
formativas dos profissionais da escola, particularmente dos professores.
Nesse momento notamos que pairava na escola um clima amistoso entre os alunos e os
funcionários, nas salas de aula havia a presença constante dos professores e dos alunos, estes
no intervalo usavam uma área pequena sem cobertura que separa a direção, as salas de aula e a
cozinha da escola, para brincarem, correrem, conversarem. Com frequência, no intervalo,
procuravam a equipe gestora e pedagógica solicitando jogos e bolas para utilizarem em suas
atividades recreativas.
A presença da pesquisadora no ambiente escolar, a princípio, gerou curiosidades por
parte dos alunos e funcionários, que foram sanadas com a explicação do porquê de sua presença
na instituição, que se tratava de uma pesquisa acadêmica. Acerca dessa situação na pesquisa
qualitativa, Lüdke e André (2013, p. 34) explica:
O observador como participante é um papel em que a identidade do pesquisador e os
objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição,
o pesquisador pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo
confidenciais, pedindo cooperação ao grupo. Contudo, terá em geral que aceitar o
controle do grupo sobre o que será ou não tornado público pela pesquisa.
Assim, retomamos a observação em 2015, procurando dialogar com os alunos, com os
docentes recém-convocados em concurso público para trabalhar na escola, e demais
funcionários com o objetivo de torna-los cientes da pesquisa, além de conhecer suas
expectativas em relação à escola, a comunidade, seus interesses (ou não) sobre a RDSEPT.
Em virtude da convocação dos docentes, observando os critérios legais e prazos
estabelecidos, a escola somente conseguiu vislumbrar o seu quadro docente organizado da
Educação Infantil ao 9º ano e EJA, a partir de julho do ano de 2015. O Ensino Fundamental foi
a etapa mais comprometida com a falta de professores por quase um semestre letivo, tanto nos
anos finais quanto nos anos iniciais.
Dessa forma, no mês de julho, do referido ano, retomamos as observações, realizando-
a em dois momentos, uma durante o planejamento entre a supervisora e o grupo de professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, realizado no turno matutino,
onde participamos de um momento solicitado pela supervisora para que falássemos da pesquisa
e de sua temática, e a outra durante uma palestra realizada pelo IDEMA, turno noturno, para
alunos e funcionários, cuja temática em pauta era a RDSEPT. Totalizando cinco momentos
33
distintos de observação na escola, passando pelos três turnos de funcionamento da instituição,
cada observação com duração de quatro horas.
Durante a observação participante no planejamento com os docentes dos anos iniciais e
da Educação Infantil, identificamos um grupo formado por sete docentes quase exclusivamente
por mulheres, havia somente um docente do sexo masculino, destes, somente duas professoras
residiam na comunidade as demais eram de outros municípios e até de outro Estado, mas
demonstravam preocupação com a aprendizagem dos alunos e com sua participação no projeto
Meio Ambiente, que estavam trabalhando. Participamos da palestra sobre a RDSEPT, realizada
pelo IDEMA, no turno noturno, para professores, alunos e funcionários. No momento foram
apresentados aos alunos a história da RDSEPT, e a proposta de uma trilha ecológica para coleta
de lixo às margens do rio, a ser realizada no dia seguinte, pela manhã. Observamos que somente
o turno noturno se fez presente, apesar de terem sido convidados os alunos e os professores do
diurno, fato que poderia comprometer a proposta da equipe. Os alunos ficaram atentos à
apresentação, porém notamos que dos quatro docentes com aulas previstas para esse momento,
somente dois estavam presentes, os demais haviam faltado e justificado sua ausência à
instituição.
O registro dessas observações foi realizado em diário de campo, no qual destacamos o
clima de tranquilidade que permeava as atividades escolares, o envolvimento da equipe gestora
e pedagógica nas atividades cotidianas, a presença dos professores, e preocupação da equipe
pedagógica no que se refere ao apoio material ao docente.
A cada observação participante, tentávamos desvendar as contradições entre as normas
e as regras do cotidiano da escola pesquisada, identificando os possíveis conflitos
organizacionais ali existentes, identificando que ações pedagógicas desenvolvidas pelas
equipes, fragmentavam-se entre os turnos, fragilizando a unidade do projeto educativo da
escola.
Percebemos que os/as alunos/as ficavam à vontade na escola, no que se refere aos
relacionamentos com os funcionários, criavam uma grande expectativa em relação à merenda
escolar, lanchavam nas salas de aulas, haja vista que na escola não há refeitório onde possam
se acomodar. Aproveitamos esses momentos também para aplicar um questionário com esses
alunos/as para apoiar complementarmente nossas inferências em relação aos aspectos
observados.
34
O questionário6 foi organizado por dois eixos que buscavam apreender a forma de
convivência dos educandos na escola e na RDSEPT, totalizando 10 (dez) questões, com
perguntas de múltipla escolha, aplicado com uma mostra de 15 (quinze) alunos do Ensino
Fundamental, 5 (cinco) do 4º ano, 5 (cinco) do 8º ano e 5 (cinco) do 9º ano, sendo 10 (dez)
deles, dos anos finais do Ensino Fundamental, selecionados através dos seguintes critérios:
cursar os dois últimos anos do Ensino Fundamental anos iniciais (4º e 5º) e finais (8º e 9º);
possuir entre 10 (dez) a 16 (dezesseis) anos de idade; ser morador(a) da comunidade; ser filho/a
de pescador e/ou ter algum vínculo com pessoas ligadas à pesca na comunidade.
O questionário apontou que a renda familiar desses alunos varia entre um e dois salários
mínimos, dentre os pesquisados 6 (seis) são filhos de pescadores, 1 (um) de salineiro, 4 (quatro)
de funcionários públicos contratados e 5 (cinco) disseram que seus pais trabalham em empresas
que prestam serviço para a Petrobras. Percebe-se que as atividades econômicas disponibilizadas
na comunidade são provenientes da pesca e da prestação de serviços públicos, isso explica
porque tem crescido, na comunidade, o número de pessoas que buscam outras alternativas de
emprego fora do município, como por exemplo nas firmas no polo de Guamaré.
Dentre os pesquisados, apontou-se as aulas e o bom relacionamento com os docentes,
como motivos pelos quais frequentam a escola. Ao serem questionados acerca do que mais
gostavam na escola, 12 (doze) alunos apontaram as aulas, e apenas 3 (três) disseram gostar mais
dos amigos e do recreio. 9 (nove) alunos disseram que há uma relação entre o conteúdo
trabalhado na escola e seu cotidiano fora da escola, e 10 (dez) deles afirmaram que a escola
relaciona no conteúdo escolar as problemáticas ambientais da RDSEPT. Curiosamente, apenas
os alunos dos anos iniciais disseram não haver relação do conteúdo da sala de aula e a Reserva.
Acreditamos que esse fato esteja atrelado aos problemas de rotatividade docente e
descontinuidade das práticas pedagógicas da escola durante, fato que tem comprometido a
contextualização dos saberes escolares.
Dos quinze alunos que participaram do questionário, 10 (dez) disseram ter participado
de algum Encontro Ecológico, e sinalizaram para a necessidade de se falar mais sobre a Reserva
durante o ano letivo, de sua importância para a comunidade, quando perguntados sobre o porquê
dessa importância, responderam que era por causa das atividades que se desenvolviam na escola
durante os Encontros Ecológicos e pelos momentos que iam para seu entorno realizar algumas
tarefas. Percebemos que a Reserva faz, de alguma forma, movimentar o cotidiano escolar dos
alunos, e liga-los a uma realidade que está fora da escola.
6 Ver apêndice F.
35
Durante o período de observação participante, em negociação com a escola, e
respeitando o tempo e os espaços disponíveis pelo locus da pesquisa, a pesquisadora e a gestão
da escola se articularam para a realização do primeiro encontro com o grupo de trabalho do PPP
da instituição para possível colaboração dos mesmos com a investigação.
Assim, a pesquisadora e a equipe gestora organizaram no mês de outubro do ano de
2014, um encontro para apresentação da pesquisa, objetivos e metodologia para o Grupo de
Trabalho do PPP da escola, ocasião em que foi proposta o desenvolvimento da investigação
numa perspectiva colaborativa, através de sessões reflexivas, para a co-produção do
conhecimento, que de imediato foi aceita pelos participantes do grupo presentes, os quais
assinaram o Termo de Livre Consentimento Esclarecido, assumindo um novo compromisso
com os trabalhos da escola e com a pesquisa.
Dessa forma, o primeiro contato com o Grupo Colaborador, que germinou das
observações participantes, foi muito importante para que pudéssemos estabelecer os passos
seguintes da pesquisa, momento em que definimos a utilização das sessões reflexivas e das
entrevistas, como dispositivos a serem realizados com o Grupo Colaborador.
2.3.2 As Sessões Reflexivas: contribuições à pesquisa
Denominamos de Sessões Reflexivas7 os espaços organizados pelo grupo de
colaboração para a realização dos estudos, análise e discussões, das práticas curriculares
desenvolvidas na escola, dentro do processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico da
escola. Ibiapina (2008, p. 97) as conceituam “como o contexto, o ambiente propício à reflexão,
locus de promoção da reflexibilidade, como espaço colaborativo que motiva a reflexão
intencional e ajuda a mobilizar o saber necessário à condução da pesquisa colaborativa”. O
termo “Reflexivo” está aqui compreendido conforme o que discute a autora:
7 As Sessões Reflexivas se constituem em espaços de formação e autoformação entre pesquisador e co-
partícipes, diferindo-se do Grupo Focal que para Kitzinger (2000), é uma forma de entrevistas com
grupos, baseada na comunicação e na interação, cujo objetivo principal é reunir informações detalhadas
sobre um tópico específico a partir de um grupo de participantes selecionados, buscando colher
informações que possam proporcionar a compreensão de percepções, crenças, atitudes sobre um tema,
produto ou serviços.
36
Refletir significa extrair significados decorrentes das experiências advindas da ação
concreta. O ato de pensar, característico do exercício reflexivo. Esse modelo reflexivo
está atrelado à experiência pessoal e ao modo de agir do professor, antecipando as
consequências que podem ocorrer diante das opções realizadas na prática. Nessa
direção, reflexão é o mergulho consciente no mundo da experiência e das inter-
relações pessoais com o objetivo de desvelar valores, crenças, símbolos, relações
afetivas, interesses pessoais e sociais construídos ao longo do percurso pessoal e
profissional (IBIAPINA, 2008, p. 65).
A utilização deste procedimento dentro da pesquisa deve-se ao fato de objetivarmos a
criação de espaços que possibilitasse ao Grupo Colaborador a análise de seus objetivos e de
suas práticas, no processo de elaboração do PPP que ora vivenciavam, bem como da construção
da proposta curricular para a Educação do Campo, numa perspectiva de mediação, onde
pudéssemos confrontar conceitos, ampliar conhecimentos, co-produzir saberes, como nos
indica Ibiapina (2008, p. 96):
Indico as sessões reflexivas como procedimento que motiva os professores a focalizar
a atenção na prática docente e nas intenções de ensino e incentiva a criação de espaços
de reflexão crítica que auxiliem no desenvolvimento da consciência do trabalho
docente, levando os professores a desenvolver sua profissionalidade à medida que
compartilham problemas, discutem e contrastam pontos de vistas teóricos, analisam
os fatores que condicionam sua atividade, observam os significados e os sentidos
emitidos pelos pares. Assim reconstroem a gênese do próprio significar a partir da
linguagem discursiva do outro.
Podemos confirmar esta importância da sessão reflexiva no processo de colaboração
através da fala da Colaboradora Galinha do Mangue que ao discutir sobre o momento de
formação acerca do PPP, argumenta:
Pra mim esse é um momento novo, pois de todo esse tempo que eu tenho vivido na
escola, para mim é um desafio, pois eu não sou formada em Pedagogia e alguns
conceitos e conhecimentos são novos, então vou agarrando, tentando, abraçando e
aprendendo, para que eu possa contribuir com esse processo de construção do PPP e
do currículo da escola8.
Neste momento de reflexão, a Colaboradora se posicionava a favor da realização e da
importância desse espaço para a discussão de conceitos que não foram abordados em sua
graduação. Remete-se ao curso de Pedagogia como área que domina os estudos sobre PPP e
proposta curricular, demonstrando a necessidade de a escola inserir em sua organização
momentos reservados para estudo e formação continuada com sua equipe. Assim, entendemos
8 Galinha do Mangue, em sessão reflexiva realizada em 10/10/2014
37
que esse procedimento oportunizou ao Grupo Colaborador repensar sua prática, suas definições,
abrindo espaço para as discussões acerca do PPP na Educação do Campo.
Nesse sentido, para construção dos dados da pesquisa realizamos 4 (quatro) sessões
reflexivas cada uma com duração de três horas, cujas temáticas abordadas, expressas no quadro
a seguir, foram importantes para introduzir as reflexões acerca do trabalho educativo
desenvolvido pela escola e sua relação com o contexto social, político, cultural e ambiental que
a cerca, ressaltando a relevância destes espaços no processo de elaboração do Projeto Político
Pedagógico e do currículo escolar, pois ambos precisam ser pensados a partir da realidade
vivida na comunidade.
Quadro 2 - Sessões reflexivas: temáticas e objetivos DATA TEMÁTICA DURAÇÃO OBJETIVO REFERÊNCIAS
10/10/2014
Pesquisa
Qualitativa na Educação do
Campo:
colaborar para
estreitar os laços entre academia e
a escola.
3h
Discutir acerca da Pesquisa
Qualitativa no contexto da
Educação do Campo,
destacando o conceito de colaboração que permeia a
pesquisa colaborativa, e que
será utilizado na condução das
sessões com o grupo co-partícipe, discutindo seus
objetivos e a importância dos
colaboradores no processo de
co-construção do conhecimento.
FERREIRA, Adir Luiz.
Possibilidades e realismo crítico
da Pesquisa e da Formação: a
colaboração entre pesquisadores e professores. In: ______. Pesquisa
em Educação: múltiplos olhares.
Brasília: Líber Livro Editora,
2007, p. 13-27.
26/11/2014
Projeto Político
Pedagógico e Democratização
do ensino –
possibilidades
para a escola do
campo
3h
Relacionar o processo de
democratização do ensino com a construção do Projeto Político
Pedagógico da escola,
reconhecendo sua importância
no processo de construção da
identidade da escola.
LIBÂNEO, José Carlos.
Organização e Gestão da Escola: Teoria e Prática. 6 ed. São Paulo:
Hecus Editora.
21/07/2015
Educação do
Campo e a
Reserva de Desenvolvimento
Sustentável
Estadual Ponta
do Tubarão
3h
Discutir sobre a política nacional de Educação do
Campo, localizando neste
contexto o campo da RDSEPT.
RAMOS, Marise Nogueira; MOREIRA Telma Maria,
SANTOS, Clarice Aparecida dos.
(coord.) REFERÊNCIAS PARA
UMA POLÍTICA NACIONAL
DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: CADERNO DE SUBSÍDIOS.
Brasília: Secretaria de Educação
Média e Tecnológica, Grupo Permanente de Trabalho de
Educação do Campo, 2004.
22/07/2015
Currículo escolar
na Educação do Campo: o que a
escola da
RDSEPT tem
(re) produzido?
3h
Analisar as concepções de
currículo que fundamentam a
prática dos professores, refletindo sobre a presença (ou
não) dos saberes e das
experiências que atravessam os
sujeitos da RDSEPT, no currículo da escola.
LIBÂNEO, José Carlos.
Organização e Gestão da Escola:
Teoria e Prática. 6 ed. São Paulo: Hecus Editora.
BRASIL. Resolução CNE/CEB
n. 1/2002. Diretrizes operacionais
para a educação básica nas escolas do campo. Brasília: MEC/CNE,
2002.
Fonte: A autora
38
Os temas9 trabalhados nestas sessões surgiram das necessidades formativas dos
professores e da equipe pedagógica da escola, identificadas durante a observação participante,
onde mantivemos com eles os nossos primeiros contatos. Em todas as sessões realizamos
estudos norteados por textos impressos e sintetizados em slides, que possibilitaram a reflexão
interpessoal e intrapessoal do grupo, bem como a análise das práticas curriculares
desenvolvidas na escola.
Iniciamos as Sessões Reflexivas discutindo sobre Pesquisa Colaborativa e o papel de
pesquisador e grupo co-partícipe na construção dos dados. Esse encontro aconteceu à noite, na
escola pesquisada, precisamente, na sala do Programa Mais Educação e contou com a
participação de seis colaboradores e quatro professores do turno. Em todas as Sessões
iniciávamos as discussões com questões problematizadoras, discutíamos os textos e
sintetizávamos as discussões com a apresentação de slides.
As demais Sessões aconteceram no turno vespertino, por exigência do Grupo
Colaborador, todas no laboratório de informática. Utilizamos o roteiro das entrevistas como
questões para nortear as discussões nas Sessões Reflexivas, onde pudemos discutir sobre a
estrutura do Projeto Político Pedagógico, do que é Educação do Campo, e como a RDSEPT se
insere no contexto desse novo paradigma, como também sobre currículo escolar e sua estrutura.
Todas as Sessões foram muito ricas para a construção dos dados da pesquisa, oportunizando
diálogos acerca da educação que a escola oferta aos sujeitos da RDSEPT, além de tematizar, na
instituição, a Educação do Campo.
Esta estratégia permitiu a negociação e a co-construção do conhecimento por parte dos
colaboradores, aproximando os interesses formativos da equipe da escola e atendendo também
aos interesses de investigação da pesquisadora. Para Ibiapina (2008, p. 98):
As sessões de estudo precisam partir de problemas advindos da prática ou de lacunas
formativas que representem demandas do professor por formação, por
desenvolvimento de práticas profissionais. (...) Nesse processo, recomendo o uso de
textos didáticos como ferramenta de estudo e de discussão teórica que sustenta a
reflexão crítica, já que a reflexão realizada com base em uma materialidade, nesse
caso, os conhecimentos sistematizados na produção textual, amplia as possibilidades
de desenvolvimento do professor. A estrutura dos textos depende do objetivo da
pesquisa, mas deve conter informações sistematizadas que ajudem na compreensão
do objeto de estudo anunciado pelo pesquisador.
9 Ver apêndice C.
39
Com exceção da primeira sessão reflexiva que foi realizada à noite, todas as outras
aconteceram no turno vespertino, por ser o horário que melhor acomodava os colaboradores,
mesmo assim, ainda houve oscilação na participação dos professores, nestas sessões, por
questões de solicitação de licença-prêmio por uma das colaboradoras, e pela dupla jornada de
trabalho de outro professor.
Estes colaboradores docentes participaram alternadamente, cada um de duas sessões
reflexivas, sendo que em todas as sessões realizadas obtivemos a presença de um docente, seja
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ou dos anos finais. Buscávamos recuperar em linhas
gerais as discussões da sessão anterior para situá-los, nos debates, de modo que obtivéssemos
uma maior participação e envolvimento desse segmento nas produções.
A participação do representante dos pais dos alunos no grupo de elaboração do PPP da
escola se limitou a apenas uma sessão, pelo fato deste trabalhar e estudar, na sede do município,
sem poder conciliar com os tempos dos estudos criados na pesquisa. Dentre os colaboradores,
obtivemos a constância da participação da gestão e da supervisão da escola, em todas estas
sessões, razão pela qual utilizamos outros dispositivos como estratégia para nos aprofundarmos
nas questões suscitadas por eles, durantes estas sessões, bem como para abstrairmos o sentido
de suas significações aos saberes e as experiências dos sujeitos educandos da RDSEPT no
currículo da escola.
2.3.3 As Entrevistas: apreendendo o sentido dos sujeitos na pesquisa
Para muitos pesquisadores, a utilização da entrevista nas pesquisas em ciências sociais
é recorrente por se tratar de um método de fácil acesso, econômico e que permite maior
aprofundamento das informações obtidas, apontando novos aspectos da realidade pesquisada.
Para nós, o uso da entrevista como procedimento metodológico nesta pesquisa qualitativa deve-
se ao fato de a compreendermos em sua dimensão social, como uma produção da linguagem,
cuja construção dialógica, dada na relação entre os interlocutores, permitiu a espontaneidade, a
aceitação e a interação destes na pesquisa, com os assuntos abordados. A esse respeito,
Bourdieu (1997, p. 693) destaca:
[...] eu creio que não há maneira mais realista de explorar a relação de comunicação
na sua generalidade que a de se ater aos problemas inseparavelmente práticos e
40
teóricos, o que decorre do caso particular de interação entre o pesquisador e aquele ou
aquela que interroga.
Considerando as interlocuções como espaço de significações, realizamos as entrevistas
reflexivas individualmente com alguns colaboradores, na escola, no período de agosto de 2014
a agosto de 2015, organizando-as nos seguintes eixos norteadores, que também orientaram as
Sessões Reflexivas: (1) RDSEPT e o Currículo escolar, (2) Projeto Político Pedagógico na
Educação do campo e (3) Práticas Pedagógicas na educação do campo, para que pudéssemos
compreender melhor a realidade pesquisada e seus sujeitos e algumas de suas proposições
acerca da RDSEPT, da educação do campo e do currículo escolar. Para Minayo (2009, p. 65-
66):
Uma entrevista como forma privilegiada de interação social, está sujeita à mesma
dinâmica das relações existentes na própria sociedade. Quando se trata de uma
sociedade ou de um grupo, marcado por muitos conflitos, cada entrevista expressa a
forma diferenciada à luz e à sombra da realidade, tanto no ato de realiza-la como nos
dados que aí são produzidos. Além disso, pelo fato de captar formalmente a fala sobre
determinado tema, a entrevista quando analisada, precisa incorporar o contexto de sua
produção e, sempre que possível, ser acompanhada e complementada por informações
provenientes da observação participante.
Através das entrevistas podemos identificar relações, práticas, cumplicidades, omissões,
dentre outros elementos que estão presentes no contexto pesquisado, além das vozes carregadas
pelos interlocutores, sua produção de sentido acerca da realidade pesquisada. Para Ibiapina
(2008, p. 77):
No desenrolar da interlocução, os sentidos são criados e dependem da situação
vivenciada e dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e o entrevistado. Os
indivíduos, ao se expressarem carregam o tom de outras vozes, o que reflete a
realidade do grupo, gênero, etnia, classe a qual ele pertence.
Essa interação entre pesquisador e o Grupo Colaborador foi fundamental para que
pudéssemos perceber o outro como “sujeito do sentido”, tal como nos indica Augé (1994, p. 9),
para quem “o sentido dos outros nos confronta com a evidência do sentido que os outros,
indivíduos ou coletividade, elaboram”. É um sentido social, que para ele é “o conjunto das
relações simbolizadas, instituídas e vividas entre uns e outros no seio de uma coletividade que
esse conjunto permite identificar como tal”. O autor ainda acrescenta que esse sentido social se
ordena em torno de dois eixos o dos pertencimentos ou identidade e o da relação ou alteridade.
41
Nesse sentido, a entrevista é aqui compreendida enquanto suporte de exploração, que
possibilita a produção de material a partir da relação entre o pesquisador/entrevistador e o
pesquisado/entrevistado.
Sobre essa relação presente na pesquisa, Bourdieu (1997, p. 694) diz que se trata de
uma relação social, que exerce efeitos sobre os resultados, podendo gerar distorções, que devem
ser reconhecidas e dominadas para excluir qualquer forma de violência simbólica. Para o autor
“Só a reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num
“trabalho”, num “olho” sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria
condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ela se realiza”.
Assim, para abstrair o sentido que o Grupo Colaborador expressava acerca da RDSEPT
durante o processo de elaboração do PPP da escola, e identificar as articulações entre a proposta
curricular que se propunham a elaborar e os saberes e experiências dos sujeitos habitantes da
Reserva, durante a elaboração do currículo, priorizou-se inicialmente o eixo “RDSEPT e o
Currículo escolar”, por considerarmos que naquele momento esse eixo era emergente, dado o
trabalho já iniciado pelo Grupo Colaborador, refletindo sobre a forma como os professores
concebem o currículo da escola, das possibilidades e limitações dessa concepção ao currículo
das escolas do campo. Durante as entrevistas ficamos atentos aos gestos, ao tom da fala, e as
hesitações, expressas pelos colaboradores, por compreendermos que a construção dos sentidos
não se dá fora do conjunto das expressões.
Nos eixos “Projeto Político Pedagógico na Educação do Campo” e “Práticas
Pedagógicas na Educação do Campo”, buscamos compreender o sentido que o Grupo
Colaborador atribui ao processo de construção do PPP na escola, sua concepção sobre educação
do campo, quais práticas pedagógicas reconhecem ser necessárias ao trabalho na escola, bem
como sua relação com o campo da RDSEPT.
Realizamos a entrevista com 4 (quatro) colaboradores, dentre os quais, uma gestora,
duas supervisoras e um docente, que aconteceram na escola, em momento reservado somente a
essa atividade, isto é, fora do contexto das observações e das Sessões Reflexivas. Duas
entrevistas aconteceram à noite e duas à tarde.
Todas as entrevistas aconteceram numa relação harmoniosa, receptiva, aberta, e de
confiança entre pesquisador e pesquisado, a partir de um diálogo, flexível e reflexível, que
possibilitou ainda mais a aproximação dos colaboradores com o nosso objeto de estudo, como
podemos observar na fala do Colaborador Dentão:
Uma de nossas dificuldades em participar desses momentos é a questão da falta de
tempo, mas sei que isso também depende da força de vontade de cada profissional, já
42
que nós temos um objetivo comum que é o aluno. Não tenho muito conhecimento
sobre o PPP, mas me disponho a contribuir com a pesquisa e com a escola10.
Podemos inferir na fala do Colaborador, que a pesquisa oportunizou ao Grupo refletir
acerca de sua responsabilidade com o projeto educativo da escola, sobre sua responsabilidade
com os alunos, além de demonstrar suas necessidades formativas, e a vontade de superá-las a
partir de um pequeno esforço coletivo, haja vista que durante a entrevista ficou claro que
somente a gestora e uma das supervisoras já haviam estudado sobre PPP e currículo.
Dessa forma, o roteiro das entrevistas11 foi elaborado pensando nas questões suscitadas
pelo objeto de estudo da pesquisa, dentre as quais, o conhecimento do grupo sobre a educação
do campo, as dificuldades que possuem no processo de elaboração de uma proposta curricular
que considere o campo em que estão inseridos, seus sujeitos e sua relação de pertencimento
com o campo da RDSEPT.
Em síntese este dispositivo metodológico da entrevista, norteada pelos eixos já
discutidos nos possibilitou retomar o objeto de estudo da pesquisa, numa perspectiva
compreensiva e dialógica a cerca do que nos propomos nesta investigação.
10 Colaborador Dentão em entrevista realizada em 25/08/2014 11 Ver apêndice D.
43
3 EMBARCANDO NOS MARES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM OLHAR PARA
A RDSEPT
[...] Diogo Lopes, Barreiras, Sertãozinho
Chico Martins a comunidade
Segue a força da unidade
E desenhada no mesmo pergaminho
O rio na união da Reserva
Faz mais forte, mais fértil esse chão
O estuário que a mãe natureza
Fez juntar litoral com o sertão
Entre campos de dunas leveza
Do vento nas flores da caatinga
Enseada que acolhe a restinga
Com seu povo pleno de gentileza
(CORINGA, Zelito; SOUZA , Élio)
A Resolução CNE/CEB nº 1, de 28 de abril de 2008, que estabelece as diretrizes
complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do Campo, define em seu Art. 1º, quais são os povos
compreendidos no paradigma da Educação do Campo, a saber: agricultores familiares,
extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária,
quilombolas, caiçaras, indígenas e outros, considerando o atendimento educacional a essas
populações suas variadas formas de produção da vida. As Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas escolas do campo, pretende reconhecer o direito das pessoas que vivem
no campo, a uma educação diferenciada daquela oferecida a quem vive na cidade, que busque
atender as especificidades dessas pessoas, através de uma educação de qualidade, cujo projeto
educativo a ser desenvolvido nas escolas adeque-se ao modo de viver, pensar e produzir das
populações identificadas como campo.
O campo que trataremos neste capítulo refere-se a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT), criada através da Lei Estadual n° 8.349 de
18 de julho de 2003, na região compreendida pelo sistema estuarino do Rio Tubarão, a Ponta
do Tubarão, as dunas e as restingas vizinhas dos distritos de Diogo Lopes, Barreiras, município
de Macau e Mangue Seco, município de Guamaré, por meio de abaixo-assinado e de uma
organização sistematizada para proteger o modo de vida local. Esta área é ocupada por um
pouco mais de quatro mil habitantes, os moradores vivem basicamente da pesca e da
mariscagem, no entanto, encontram-se nas comunidades criação de gado em pequena escala e
prestações de serviços.
44
Ao realizarmos esta pesquisa na única escola de Ensino Fundamental da comunidade de
Barreiras, pudemos perceber o quanto a diversidade do campo brasileiro precisa ser discutida,
debatida e disseminada entre os professores para que não reduzamos a Educação do Campo às
questões agrárias, sem desmerecê-las, pois não podemos negar que este se constitui o cenário
de uma das maiores organizações de lutas em prol de uma Educação do Campo.
Assim, nos propomos neste capítulo, a realizar uma discussão mais aprofundada da
maneira pela qual a Educação do Campo se estrutura como paradigma e sua funcionalidade,
sob as lentes desta investigação, adentrando na especificidade do Campo brasileiro através da
RDSEPT, destacando a singularidade do campo das águas, das dunas, da restinga e do
manguezal, no cenário da diversidade do campo no país, cuja forma de produção de existência
humana, revela um cenário de lutas pela manutenção das práticas tradicionais, da pesca
artesanal, bem como dos modos de vida das comunidades da Reserva.
Inicialmente contextualizamos a temática da educação do campo na pesquisa, aqui
identificado como campo pesqueiro, discutindo a concepção de desenvolvimento e
sustentabilidade que atravessa esta modalidade de ensino, bem como a que está presente na
legislação que cria a RDSEPT.
Em seguida tratamos da constituição da Reserva, como resultado de uma ideologia dos
modos de vida tradicionais das comunidades que se beneficiam da área, cujo processo de
mobilização resultou na construção da RDSEPT enquanto Unidade de Conservação.
Por fim, analisamos o olhar da escola pesquisada sobre a RDSEPT e sobre a Educação do
Campo, identificando que a mesma está em processo de construção de sua identidade enquanto
escola do campo, dada a compreensão de campo que o Grupo Colaborador possui, estritamente
ligado às questões agrárias, sem perceber que suas práticas estão situadas na diversidade e
singularidades do campo brasileiro.
3.1 CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA
PESQUISA
A Educação do Campo vem se constituindo num novo paradigma para a população do
campo, uma vez que carrega em si a identidade desses sujeitos, forjadas na organização das
lutas e resistências, nas relações humanas que produzem sua diversidade cultural, contrapondo-
se a lógica do capital que fundamenta o Paradigma da Educação Rural. A Educação do Campo
tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura,
45
mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas
(BRASIL, 2002, p. 4-5).
A Educação do Campo volta-se à formação dos sujeitos do campo, no movimento que
os constitui enquanto povo do campo, na medida em que considera os signos do seu território,
para por eles serem significados. Assim, a Educação do Campo só pode ser compreendida a
partir de uma totalidade que contemple, concomitantemente, a teoria e a ação política.
Esta pesquisa considera em sua análise o contexto sociocultural no qual a Escola
Municipal Alferes Cassiano Martins está inserida, pois não há como dissociar as práticas de
produção da existência humana, produzidas na comunidade, das práticas culturais disseminadas
na escola através de sua proposta pedagógica curricular.
Assim, as sessões reflexivas realizadas no processo de construção dos dados desta
pesquisa, para discutir a Educação do Campo no âmbito do município de Macau, mais
precisamente no distrito de Barreiras, possibilitou a tematização de algumas questões acerca
desta modalidade, no chão da escola, com o Grupo Colaborador que demonstrou que esse
procedimento da pesquisa se constituiu no primeiro espaço de vivência formativa a respeito
desta temática, conforme justifica a colaboradora Canário do Mangue.
Porque pra mim é novidade saber que o Alferes é escola do campo. A gente sempre
recebeu material urbano, porque é o mesmo material que vem pra Macau. Sempre nos
encontros do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), a gente via
que, por exemplo, o pessoal da Salete e da Luzia12 já recebia material diferente, que
era voltado para o campo, mas a gente não.
A fala da colaboradora evidencia que a pesquisa se constituiu num momento
privilegiado para a descoberta de si, da escola que de repente se descobre pertencente ao campo,
mas que nem na formação referenciada foi reconhecida como tal.
O campo a que nos referimos nesta pesquisa trata-se da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, doravante RDSEPT, criada pela Lei Estadual nº 8.349,
de 18 de julho de 2003, na gestão da então governadora Wilma de Faria, tem como objetivos
resguardar o modo de vida tradicional, assegurar atividades baseadas em sistema sustentável de
exploração de recursos naturais, estas desenvolvidas tradicionalmente ao longo de gerações e
adaptadas às condições ecológicas locais e que desempenham papel fundamental na proteção
da natureza e na manutenção da diversidade biológica.
12 Está a se referir às Escolas Municipais Professoras Maria da Salete Martins e Luzia Bonifácio de
Souza, localizadas no distrito de Diogo Lopes.
46
A criação dessa Reserva, observou a recomendação do Ministério do Meio Ambiente
ao criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) para agregar
nacionalmente as Unidades de Conservação (UC) instituídas em qualquer uma das três esferas
administrativas (federal, estadual e municipal), através da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho
de 2000, que normatiza a criação, implementação e gestão dessas Unidades. Nesta Lei, UC é
um:
Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais relevantes, legalmente, instituída pelo Poder Público, com
objetivo de conservação e limites definidos, sob o regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (SISTEMAS, 2003, p. 9).
Assim, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão se
constitui em uma categoria da UC do Estado, conforme mapa a seguir, e que compõe o grupo
das Unidades de Uso Sustentável (UUS), cujo objetivo maior é tornar compatível a conservação
da natureza e o manejo humano no uso da natureza, ou seja, equilibrar o relacionamento entre
o homem e o meio ambiente.
Figura 1 – Unidades de Conservação do Estado do Rio Grande do Norte.
Disponível em: http://www.idema.rn.gov.br Acesso em: 12 mar. 2016.
Para o SNUC a RDS foi criada para prever o uso sustentável e a exploração do ambiente
de maneira a garantir a sobrevivência dos recursos ambientais renováveis e dos processos
ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos.
47
Por isso, ao falarmos em RDS estamos nos referindo a uma área natural que obriga
populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de
exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às
condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção e
que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção
da diversidade biológica. (SNUC, 2008, p. 21).
Para Nobre (2011, p.86):
Essas Reservas são consideradas como UC porque, conforme a Lei também visa
valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo de todo e
qualquer procedimento que vise assegurar a conservação, a diversidade biológica e
dos ecossistemas do ambiente, desenvolvidas por estas populações, sendo de domínio
público.
Esta Reserva está localizada entre os municípios de Macau e Guamaré-RN, abrangendo
uma área de quase 13.000 (treze mil) hectares, que compreende uma parte terrestre e outra
marítima, como podemos observar no mapa a seguir.
Figura 2 – Mapa contendo os limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual da Ponta
do Tubarão.
Disponível em: http://nupeufrn.wordpress.com. Acesso em: 20 abr. 2016
Constituída por um ecossistema formado por mar, estuário, manguezal, dunas, restingas
e caatinga, possui uma população estimada em um pouco mais de 9.000 (nove mil) habitantes,
cuja maior parte se concentra nas comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho, em
Macau, e uma menor quantidade na comunidade de Mangue Seco, em Guamaré, como podemos
observar no mapa a seguir.
48
Esta Reserva, tem atraído vários olhares de pesquisadores de áreas diversas como:
turismo, biologia, geografia, economia, dentre outras, por possibilitar estudos dos diferentes
aspectos (sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais), que ocorreram durante e pós
sua constituição enquanto Unidade de Conservação. Essa investigação considera essa teia de
relações que se estabelecem nesse espaço, que ao analisar suas características socioculturais,
ambientais, políticas e econômicas, em particular do distrito de Barreiras, identifica o campo
em que está situada a escola locus desta pesquisa como campo pesqueiro formado por
marisqueiras e pescadores artesanais. Para a definição de “pescador artesanal”, Pires (2012, p.
53) aponta que:
Pescador (a) artesanal é aquele (a) que, individualmente ou em regime de economia
familiar, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida. Esses (as)
pescadores (as) capturam toda classe de espécies aquáticas, trabalham sozinhos (as)
e/ou utilizam membros da família ou trabalhadores (as) não assalariados (das),
explorando ambientes ecológicos localizados próximos à costa, tendo em vista que a
embarcação e a aparelhagem utilizadas por eles (as) possuem pouca autonomia.
Já para Diegues (1983, p. 193), o ponto definidor dele(a) não se resume ao ato de viver
da pescaria, mas dominar, plenamente, os meios de produção da pesca: “o controle de como
pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte de pesca”, porque sem isso não se faz
pescador(a). Para que isto ocorra não é necessário que o(a) pescador(a) seja o(a) proprietário(a)
de embarcações e de redes. Ao comparar a arte da pesca com outros trabalhos artesanais, o autor
argumenta:
Podemos dizer que no caso da pesca, o domínio da arte exige um período de
experiência mais longo que nas outras formas de artesanato. Se compararmos o
pescador artesanal a um artesão de móveis, constatamos algumas diferenças
importantes. Este adapta seus instrumentos de trabalho a uma matéria-prima
relativamente homogênea: a madeira. Já o pescador artesanal é obrigado a dominar o
manejo de diferentes instrumentos de capturas utilizados para diferentes espécies,
num meio em contínua mudança (DIEGUES, 1983, p. 198).
Para Ramalho (2004) a pesca artesanal sempre se caracterizou como uma atividade não
subordinada à sociedade canavieira nem à sociedade urbana de consumo, fato que interferiu no
modo de vida dos(as) pescadores(as), possibilitando o surgimento da arte da pesca. Esta arte
resulta de sua criatividade, de seu sentimento de liberdade e resistência, pois a pesca artesanal
sempre se caracterizou como uma atividade livre para seus profissionais.
49
Esta caracterização da pesca e dos(as) que dela buscam sua subsistência, reforça a
relevância da temática desta pesquisa acerca dos saberes e experiências dos sujeitos da
RDSEPT tematizados no currículo da escola, visto a especificidade deste campo, dentro das
discussões atuais sobre a Educação do Campo, dialogando com as questões territoriais,
econômicas, de sustentabilidade e desenvolvimento social, que atravessam a construção da
Educação do Campo enquanto modalidade de ensino. Esse cenário de campo tem uma relação
estreita com a população ribeirinha no que se refere à produção de vida entre água, terra e
mangues.
A pesquisa nos desvelou a (des)informação da escola no tocante as questões territoriais,
sociais e culturais presentes na construção do paradigma da Educação do Campo, cujo Grupo
Colaborador demonstrou não fazer nenhuma relação do espaço da produção material da
comunidade com o campo reconhecendo, inicialmente como campo, apenas, as áreas que se
assemelham as questões agrárias como, por exemplo, os assentamentos, através do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) . Nesse sentido Fernandes (2012, p. 15), explica
que:
A Educação do Campo ainda se confunde com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), o que é natural, afinal foram esses os espaços de gênese das políticas
que começaram a construir a Educação do Campo.
Acreditamos que esta visão, que se apresentava entre todos os membros do Grupo
Colaborador se deva ao fato de a Educação do Campo ter se originado no seio dos movimentos
camponeses na busca pela construção de uma política educacional para os assentamentos da
Reforma Agrária. No entanto, a educação empreendida nesses territórios é parte da Educação
do Campo, não sua totalidade, em face da diversidade que atravessa o campo brasileiro em suas
diferentes formas de existir e produzir vida. Para Fernandes (2006, p. 28):
A Educação na Reforma Agrária refere-se às políticas educacionais voltadas para o
desenvolvimento dos assentamentos rurais. Neste sentido, a Educação na Reforma
Agrária é parte da Educação do Campo, compreendida como um processo em
construção que contempla em sua lógica a política que pensa a educação como parte
para o desenvolvimento no campo.
Nesse sentido, não há como dissociar a educação desenvolvida no distrito de Barreiras,
neste caso, através da Escola Municipal Alferes Cassiano Martins, das questões que atravessam
50
a RDSEPT, como por exemplo, o “Desenvolvimento” da comunidade e sua “Sustentabilidade”,
uma vez que não podemos pensar a formação dos seus sujeitos numa perspectiva de
desenvolvimento social que considere apenas os aspectos econômicos, desconsiderando os
históricos, os políticos e os culturais, ignorando a sustentabilidade no território para as gerações
futuras. Tampouco podemos vislumbrar uma formação pautando-se somente na
sustentabilidade, cujo desenvolvimento social seja impossível. É preciso compreender as
relações que estes sujeitos estabelecem entre si, e com o território por eles produzido.
As discussões em torno da concepção do “desenvolvimento” e da “sustentabilidade” no
âmbito da Educação do Campo não são recentes. Elas atravessam toda a construção histórica
da modalidade, colocando em xeque o predomínio da lógica econômica exclusiva como
paradigma do desenvolvimento, desencadeando uma espécie de consenso no que se refere à
necessidade de substituir o padrão de desenvolvimento ora adotado, fazendo emergir o conceito
de ecodesenvolvimento, concebido por Maurice Strong em 1973, que propõe um novo estilo de
desenvolvimento ao terceiro mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais sem
comprometer o esgotamento da natureza.
O desenvolvimento sustentável também foi abordado pelas Nações Unidas, definido no
Relatório de Brundtland como aquele que satisfaz as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades,
através da superação da pobreza e do respeito aos limites ecológicos (BRÜSEKE, 1998).
Este conceito de desenvolvimento sustentável incorpora a multiplicidade das dimensões
que são necessárias para o desenvolvimento humano, como: a social, a cultural, a econômica,
a política e a ambiental, indo de encontro a um leque de questões que perpassam a efetividade
deste desenvolvimento no campo, a saber: o direito a educação, a saúde, a habitação, a nutrição
e a igualdade às oportunidades, extrapolando os enfoques setoriais. É uma proposta de
desenvolvimento pautado nas relações das pessoas, para elas e por elas.
Assim, tratar das questões do desenvolvimento sustentável no contexto da Educação do
Campo, no âmbito da RDSEPT, requer considerarmos as múltiplas relações que se estabelecem
nesse território, suas potencialidades, de modo a conceber esta modalidade de ensino como
política educacional que se volta para o desenvolvimento deste território como parte do campo
brasileiro.
Essa é uma questão importante a ser debatida com a comunidade, para que se ultrapasse
a denotação capitalista das relações econômicas nos termos “desenvolvimento” e
“sustentabilidade”, utilizados oficialmente nos documentos que tratam das Reservas de
Desenvolvimento Sustentáveis-RDS e das Unidades de Conservação-UC, que se não forem
51
bem observados, sutilmente descaracterizam o atual debate do significado destes termos no
contexto da Educação do Campo.
Significa trazer as discussões para o conjunto das relações sociais, fortalecendo o campo
democrático, haja vista que o desenvolvimento sustentável encontra-se respaldado na legislação
brasileira, relativa aos povos do campo, como propõe as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, MEC/CNE/CEB, 2002, Resolução nº 1,
Artigos 3º, 4º, 8º e 13º) ao referenciar que a educação escolar é necessária e importante para o
“[...] o desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referência a justiça social, a
solidariedade e o diálogo entre todos [...]”, e que deve ser “economicamente justo e
ecologicamente sustentável”, além das parcerias nas escolas observarem o “direcionamento das
atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento sustentável”, cujos
jovens, crianças e adultos contribuam como protagonistas “na construção da qualidade social,
da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo”.
O Decreto nº 7.352/2010, que dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), no seu Art. 2º, inciso II,
regulamenta como um dos princípios da Educação do Campo:
O incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos para as escolas do campo
estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de
investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o
desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em
articulação com o mundo do trabalho. (BRASIL, 2010, p. 1).
Neste Decreto fica evidente à vinculação da organização das intencionalidades
pedagógicas da escola em seu Projeto Político Pedagógico (PPP) com as questões sociais que
a cercam, fator considerado para o desenvolvimento desta pesquisa, haja vista que o Grupo
Colaborador estava vivenciando, no momento desta investigação, o processo de (re)elaboração
do PPP da instituição, espaço propício para a tematização da Educação do Campo na RDSEPT,
dos saberes e experiências dos seus sujeitos e do currículo escolar.
Durante a pesquisa, observamos que as discussões que atravessam a construção da
educação do campo nas questões agrárias, nos movimentos camponeses e no MST,
assemelham-se nos aspectos de lutas e organização das comunidades da RDSEPT, sociedade
em prol de um objetivo comum: defender o seu território dos interesses avassaladores dos
grandes empresários. Este foi o motor que fez deslanchar as comunidades de Barreiras, Diogo
52
Lopes e Sertãozinho rumo à criação da Reserva, a primeira do Estado do Rio Grande do Norte,
e garantir suas águas, seus mangues e dunas.
3.2 RDSEPT: UM MERGULHO NA DIVERSIDADE DO CAMPO
A construção da RDSEPT se deu no âmbito da luta por uma ideologia dos modos de
vida tradicionais nas comunidades que dela se beneficiam, consoante com o compromisso da
sobrevivência entre os moradores. Seu ecossistema formado por dunas, mar, estuário,
manguezal, restingas e caatinga, gera uma beleza natural bem singular na região salineira, como
pode ser observado na imagem a seguir, atraindo vários pesquisadores, estudiosos, turista e
empreendedores.
Figura 3: imagem aérea das comunidades de Barreiras e Diogo Lopes localizadas na RDSEPT.
Disponível em https://www.google.com.br/search?q=IMAGENS+DA+RDSEPT&rlz=1C1CHZL_pt-
BRBR706BR706. Acesso em: 10 de março de 2014.
Os conflitos de ocupação dessa região litorânea envolvem desde as questões de limites
e das formas de crescimento das comunidades, às regularizações fundiárias, haja vista que no
litoral potiguar a maioria dos empreendedores busca lucro rápido, sem demonstrar muito
respeito à população nativa.
Sua constituição enquanto Unidade de Conservação-UC deu-se através de um longo
processo de luta social, iniciada no ano de 1995, reavivada em 2000 e efetivada em 2003. Foi
uma grande empreitada das comunidades de Barreiras e Diogo Lopes, para afastar os
estrangeiros e os carcinicultores da Ilha dos Cavalos, que se mobilizaram contra a ocupação da
área de 1.300 hectares, localizada na restinga Ponta do Tubarão, após a disseminação de uma
53
notícia entre as comunidades, de que essas terras haviam sido compradas por italianos à família
Miranda de Guamaré–RN, e que já tinha sido solicitado o aforamento ao Delegado do
Patrimônio da União, em 05 de janeiro de 1995, pela empresa PPE Participações e
Administração Ltda., com sede no Rio de Janeiro. A respeito desse processo de luta com vistas
à criação da RDSEPT, Nobre (2011, p. 45) enfatiza:
Como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável é resultado de lutas sociais travadas
nos anos de 1995, 2000 e 2003, incluindo os intervalos dessas datas, a história da sua
criação mostra que a empreitada para o afastamento dos estrangeiros e dos
carcinicultores da Ilha dos Cavalos uniu a população em torno da problemática e
possibilitou a conquista e a implantação institucional desta como uma Unidade de
Conservação.
Percebe-se que a luta em prol da RDSEPT, se inscreve no mesmo período das grandes
lutas dos movimentos sociais em busca de garantias dos seus direitos, e de serviços públicos
que lhes possibilitassem melhores condições de vida, dentre os quais o direito a educação.
Em 1996, os ranchos de pescaria que existiam na “costinha”, feitos por pescadores para
a prática de suas atividades profissionais e de lazer familiar nos finais de semana, foram
queimados por ordem de um italiano, cuja ação foi denunciada no Jornal de Macau, em maio
do mesmo ano, que divulgou uma nota em protesto contra o ato, e em favor da população das
comunidades.
Desde então a população começou a se posicionar contra a ocupação da área, das
queimadas e da presença de vigias ao longo da restinga, iniciando a mobilização através de
representantes de entidades comunitárias e lideranças da paróquia, que se deslocaram à capital
do Estado, Natal, com a finalidade de denunciar a ocupação aos órgãos públicos competentes
pela proteção e conservação natural do Estado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Gerência do Patrimônio da União (GRPU) e a
imprensa, objetivando frear a ocupação e proteger o patrimônio da comunidade.
O grupo também sensibilizou a Câmara Municipal de Macau, na sede do município, que
no dia 10 de abril de 1996 realizou uma audiência pública para tratar do assunto, e que no dia
seguinte se deslocou ao distrito de Diogo Lopes para debater com a comunidade o pedido de
aforamento da restinga em nome da empresa PPE Participações e Administração Ltda.
A partir daí o movimento foi ganhando novas dimensões com a adesão de moradores
locais, que promoveram pichações nas paredes com frases do tipo, “fora italianos”, bem como
a disseminação de cartazes que demonstravam negação à presença dos intrusos.
54
Houve também uma adesão geral dos pescadores das comunidades de Barreiras e Diogo
Lopes que se recusaram a transportar os predadores, através do estuário até a estinga, negando
o aluguel de seus barcos, fato que dificultou, mas não impediu o reconhecimento dos
estrangeiros sobre o local, que contaram com automóveis e guias oriundos da sede do município
de Macau, porém não persistiram no empreendimento.
No ano de 2000, quando a carcinicultura desponta em nossa região como um
empreendimento promissor, com a geração de empregos, houve um novo atentado predatório a
mando de empresários desse ramo econômico que promoveram a devastação e a queima de uma
área de manguezal, 60.000 m2 aproximadamente, na Ilha dos Cavalos, objetivando a
implantação de projetos para a criação de camarão, fato que chegou ao conhecimento da
comunidade somente no dia 27 de dezembro do mesmo ano, que prontamente se posicionou
contra a ação, se locomovendo em grupos de canoas, em direção ao local.
No dia seguinte a mobilização continua através dos representantes da Colônia de
Pescadores de Diogo Lopes Z-41 e da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Diogo
Lopes (ADECODIL), que denunciaram a ação à Promotoria Publica, à Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e ao IDEMA.
Findo ano 2000 e iniciando o ano de 2001, no dia 10 de janeiro, a população se reúne e
forma um grupo de representação composta por 20 (vinte) membros, que denuncia o fato à
imprensa, ao IBAMA e ao IDEMA solicitando deste, através de abaixo-assinado contendo 522
(quinhentos e vinte e duas) assinaturas, a transformação da região em Área de Preservação
Ambiental. Neste mesmo dia esse grupo foi à Delegacia do Patrimônio da União para se
informar acerca da legalidade da área devastada, onde apresentou ao órgão uma denúncia.
Após essa mobilização a comunidade recebeu a visita do então Prefeito de Macau José
Antônio de Menezes, de representantes da Câmara Municipal de Macau e do Senador Júlio
Alves, do Partido Verde do Acre, no dia 13 de janeiro, a fim de presenciarem a devastação e a
gravidade do problema.
Reiniciava-se uma luta, já travada em 1995, que ora se fazia emergente dado o crescente
desejo de ocupação da área por pessoas de interesses alheios aos das comunidades. Desde então,
várias organizações comunitárias do município de Macau – RN e instituições se organizaram
para realizar o I Encontro Ecológico de Diogo Lopes e Barreiras, em maio de 2001, evento
capaz de chamar a atenção das comunidades envolvidas na problemática, de ambientalistas, da
imprensa e das autoridades governamentais.
Dentre as organizações e instituições envolvidas no evento podemos destacar: a
Associação e Desenvolvimento Comunitário de Diogo Lopes (ADECODIL), Associação de
55
Desenvolvimento Comunitário de Barreiras (ADECOB), Colônia de Pescadores Z – 41,
Paróquia de Macau, Centro de Educação Integrada Monsenhor Honório (CEIMH), Centro
Social Pio XI, Associação de Mulheres Luzia Gomes, Escolas Municipais de Barreiras e Diogo
Lopes, Pastoral da Juventude, Grupo Jovens Lutando Para Vencer (JLPV), Pastoral da
Juventude do Meio Popular (PJMP) e Fundação Ama-Goa. Também buscaram apoio na
comunidade científica, de órgãos governamentais e não governamentais, poder judiciário,
Procuradoria do Direito do Cidadão, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para qualificar
as discussões acerca dessa área de preservação.
O resultado do evento foi bastante positivo, culminando na elaboração de uma moção e
um abaixo-assinado contendo 1.336 (mil trezentos e trinta e seis) assinaturas, cujo objeto se
tratava da solicitação ao IDEMA da efetiva criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Ilha do Tubarão.
Era apenas o início de uma grande luta em prol da criação da Reserva, pois no ano
seguinte, no período de 5 a 9 de junho de 2002, foi realizado o II Encontro Ecológico de Diogo
Lopes e Barreiras, cujo objetivo era fortalecer o movimento e a luta pela proteção e preservação
daquela área, resultando na elaboração de uma moção e uma recomendação, encaminhadas ao
IDEMA, ao IBAMA e ao GRPU, reforçando a solicitação anterior, e pedindo agilidade ao
processo de criação e implantação da Reserva. Esse encontro contou com a participação da
empresa Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), da Prefeitura de Macau e de 17 entidades da
sociedade civil e instituições.
Após esse evento foram organizadas várias reuniões com o propósito de elaborar um
Decreto-Lei para a criação da Reserva e delimitação de sua área. Em abril de 2003 essa proposta
foi encaminhada ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONEMA), sendo aprovada pelo
referido conselho no dia 30 do mesmo mês e ano, e que contou com a presença de mais de 100
(cem) pessoas das comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho, das cidades de Macau
e Guamaré, que manifestava seu desejo em prol da criação da Reserva diante da sede do Centro
Administrativo, na capital do Estado – Natal.
Prosseguindo com as atividades do movimento de luta pela Reserva no período de 05 a
08 de junho do mesmo ano, foi realizado o III Encontro Ecológico de Diogo Lopes e Barreiras,
que contou com a participação de 23 entidades da sociedade civil e instituições de Macau,
resultando na assinatura do Projeto de Lei de criação da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, pela então governadora Wilma de Faria. Na ocasião foi
elaborada uma moção endereçada à Assembleia Legislativa, solicitando em caráter de urgência
a análise e aprovação, na íntegra, do Projeto de Lei aprovado pelo CONEMA, bem como uma
56
recomendação composta de 14 itens que enfatizava a participação das comunidades no processo
de criação do Conselho Gestor da Reserva.
O referido Projeto de Lei foi para votação na Assembleia Legislativa no dia 26 de junho
de 2003, sendo aprovada por unanimidade. Novamente mais de 100 pessoas das comunidades
envolvidas na Reserva participaram do processo de votação. A Lei Estadual N.º 8.349, que cria
a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, foi sancionada no dia
18 de julho do mesmo ano, pela governadora Wilma de Faria, sendo publicada no dia seguinte
no Diário Oficial do Estado. Desde então, ocorreram várias reuniões para definir os membros
do Conselho Gestor da Reserva, formado por 10 entidades não governamentais e nove entidades
governamentais.
A Lei Estadual n. 8.394, de 18 de julho de 2003, que cria a RDSEPT, propõe como
objetivo:
Preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios
necessários para a reprodução, a melhoria dos modos e da qualidade de vida e
exploração dos recursos naturais pelas populações tradicionais, bem como valorizar,
conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente
desenvolvido por estas populações. (RIO GRANDE DO NORTE, 2003, p. 1).
Mesmo a Reserva já tendo sido criada oficialmente, o Deputado Estadual do Partido
Socialista Brasileiro (PSB/RN) Cláudio Porpino, pressionado pelos empresários da
carcinicultura propôs uma Emenda à Lei, sugerindo uma alteração em seu Art. 5º, que versa
sobre a proibição de novos empreendimentos de carcinicultura na área, bem como a ampliação
de empreendimentos já existentes. Ao tomar conhecimento do fato, os representantes da
Reserva, também pressionaram o deputado para suspender sua proposta de alteração da Lei.
Essa proposta foi assumida pelo deputado estadual Ricardo Motta, denominando-a de
Projeto de Lei 2021/03, objetivando a permissão para o licenciamento e implantação de novos
projetos de criação de camarões na Reserva. A proposta não seguiu adiante porque ao chegar
ao conhecimento da comunidade, esta acionou seus representantes para pressionar o deputado
que também retirou sua proposta da pauta de votação.
O Conselho Gestor da Reserva realizou várias reuniões para definir o regimento interno
da RDSEPT, cuja versão final foi posta em votação no dia 19 de abril de 2004, sendo publicado
no Diário Oficial do Estado no dia 20 de setembro de 2005.
Depois de oficialmente criada a RDSEPT, as comunidades continuaram com os
encontros ecológicos, com uma nova denominação, realizando em 2004 o VI Encontro
57
Ecológico da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, que
resultou na elaboração de uma moção e uma recomendação ao IDEMA e ao Conselho Gestor
solicitando que fosse implantada uma agenda ambiental em todas as escolas da RDSEPT, bem
como a consolidação da sustentabilidade social e econômica das comunidades, o levantamento
fundiário da área da Reserva e a preservação das áreas que integram o patrimônio da União
para usufruto da população tradicional, proibindo o repasse dessas áreas para uso em ocupações
privadas.
Junto com Diogo Lopes e Sertãozinho, Barreiras se constitui em um dos distritos de
maior significância no cenário social, político, econômico, cultural e educacional no município
de Macau–RN. Unidas, essas comunidades são possuidoras de uma notável capacidade de
mobilização social entre seus pares, como já relatado. A colaboradora Garça-Branca, ao se
referir ao processo de constituição da RDSEPT, nos permite inferir sobre essa capacidade de
organização e mobilização social, que essas comunidades denotam:
Eu participei bastante da luta pela Reserva, fui para reuniões... Teve reunião que foi
em Natal, e a gente foi pra realmente conseguir que esta Reserva fosse criada... Porque
assim, na verdade, a Reserva foi criada pela necessidade das comunidades preservar
o que era nosso, as comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho tiveram que
se unir pra evitar que pessoas de fora tomassem de conta da nossa costa, que é o que
realmente eles queriam...construir hotéis...destruir os manguezais..., como de fato
iniciaram com queimadas e tudo13.
Podemos situar este movimento de constituição da RDSEPT dentro do paradigma da
Educação do Campo pela lógica de sua organização que compreendeu a relação de
interdependência entre campo – cidade, que mesmo possuindo contradições profundas, busca
soluções para suas questões, que deve acontecer por meio da organização dos movimentos
socioterritoriais desses dois espaços.
Entendemos que a relação de sobrevivência e lazer estabelecida com a comunidade e a
área que hoje se situa a Reserva, foi o principal motivo para os distritos se unirem em prol da
defesa de seu território, constituindo um dos movimentos sociais14 mais reconhecidos no
13 Colaboradora Garça-Branca, em sessão refleviva realizada no dia 27/7/2015 14 O termo movimentos sociais adotados nesta pesquisa refere-se aos “grupos de pessoas com
posicionamentos políticos e cognitivos similares, que se sentem parte de um conjunto, além de se
perceberem como força social capaz de formar interesses frente a posicionamentos contrários de outros
grupos. Pessoas que agem, afirmam posições e se sentem vinculadas. Expressam-se como correntes de
opiniões sobre diversos campos da existência individual e coletiva, sobretudo dos segmentos sociais
explorados, oprimidos e subordinados que passam a competir no mercado das ideias e do sentimento de
pertenças (...) são força social atuante que se manifesta através de organizações e grupos de diversas e
divergentes naturezas, amplitude e vigor.” (SOUZA, 1999, p. 9).
58
município, com organizações de atividades de mobilização comunitária que acontece até os
dias atuais com os Encontros Ecológicos.
Durante a pesquisa observamos nos posicionamentos do Grupo Colaborador que os seus
membros consideram que a criação da Reserva foi exclusivamente para beneficiar a
comunidade pesqueira como afirma a colaboradora Gavião, com foco na dimensão econômica
das comunidades:
Eu acho assim, de que a Reserva foi mais criada pensando no benefício da
comunidade, mas eu acho que não foi pensando tanto na escola. Foi pensando somente
em benefício da comunidade, principalmente a comunidade pesqueira. É tanto que a
escola só é chamada a participar da Reserva quando tem os movimentos do Encontro
Ecológico15.
A comunidade de Barreiras é conhecida por sua beleza exuberante, situada entre dunas
e mar. Encontramos na comunidade lençóis e dunas que se formam na região, além de um
manguezal formado ao longo do Rio Tubarão. Sua população foi formada por colonos que
viviam diretamente da atividade pesqueira, que se constituía na economia local. Atribuímos a
esse último aspecto a razão pela qual evidenciamos na fala da colaboradora o porquê da
comunidade pesqueira está, a princípio, no centro dos objetivos da luta em favor da constituição
da RDSEPT, mas compreendemos que a escola pertence à comunidade e que, portanto, não está
dissociada dessa luta, dos seus resultados.
Ao lutar por melhorias em sua condição de vida, os movimentos sociais ligados às
questões agrárias, reivindicam a sua dignidade enquanto sujeitos de direitos não somente à
saúde, à educação, mas a participação nas decisões no modelo de desenvolvimento econômico
que julgam necessário às suas produções materiais. Entendemos que a luta pela Reserva, se
insere nessa busca pela defesa da forma de como as comunidades se produziam, para além de
um viés econômico, a defesa era pelo modo de vida das comunidades, do seu lazer, da sua fonte
de renda, da sua dignidade.
Com a RDSEPT observamos que independente do espaço em que se dê a luta pelo
direito a terra, neste caso, às águas, sempre estão em conflitos os interesses das comunidades a
uma condição de vida que os dignifique em seus territórios e os dos grandes empresários pela
riqueza da produção material desses territórios. Decorre disto, a necessidade da elaboração do
Plano de Manejo da RDSEPT, que vem se arrastando desde sua constituição, para orientar as
práticas sociais, políticas e econômicas das comunidades, observando os limites, as
15 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada em 21/7/2015
59
possibilidades e as potencialidades da Reserva. Assim, a luta precisa ser fomentada e
reinventada no espaço de formação do próprio movimento e na escola, ao orientar sua prática
considerando os princípios do movimento.
Para tanto, devem se nortear, dentre outras bases legais, do Decreto nº 6.040/2007, que
institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, em seu Art. 3º, inciso III, concebe o desenvolvimento sustentável como “o uso
equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente
geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras”.
É a necessidade e a busca pela elaboração e implementação desse novo projeto para
as comunidades atravessadas pela RDSEPT, que a luta por uma escola engajada no
movimento se deu paralelamente, uma vez que essa instituição foi, e ainda é,
convidada a participar de todo esse processo, estreitando laços com as famílias através
de um trabalho educativo que evidencie a luta, os seus resultados e a necessidade de
não deixa-la adormecer, apesar dos embates políticos que se colocam às comunidades,
em particular ao Comitê Gestor Local da Reserva, para articular essas instituições,
como podemos observar na falada colaboradora Garça-Branca. No último ano que
eles (Conselho Gestor da Reserva) vieram entregar um cartãozinho dizendo que ia
haver reunião, eles diziam assim se não participar da próxima reunião a instituição
não vai ser nem mais chamada. Eles falaram que já fazia três reuniões que eu não ia,
então eu me justifiquei, dizendo que eles só fazem reunião em Diogo Lopes e à noite,
neste horário eu não posso ir, não vou que não sou louca de pegar minha moto e ir
sozinha pra Diogo Lopes à noite... Aí tentaram contornar a situação16.
Notamos que ao longo das mobilizações para a constituição da Reserva, as escolas se
tornaram espaços estratégicos de sensibilização e mobilização das comunidades, disseminando
entre as crianças, jovens e adolescentes, os interesses, a importância e a responsabilidade de
todos com a criação e manutenção de uma RDS, por isso o Conselho Gestor Local, insere estes
espaços em suas estratégias de ação, para que essas instituições venham a contemplar em seu
projeto educativo os sujeitos e a sociedade na qual estão inseridas.
Para tanto, faz-se necessário que a escola se organize em seu interior, com sua equipe
vendo a disponibilidade e a possibilidade de se fazer presente nesses espaços de discussão e
articulação que se constitui com o Conselho Gestor Local da Reserva, para que sejam superados
esses embates no que se refere à agenda de reuniões e deliberações que envolvem as escolas e
suas participações nos Encontros Ecológicos. O Conselho Gestor, por sua vez, deve repensar
os espaços e os horários das reuniões para que possa atingir o maior número possível de
representantes das escolas para as deliberações acerca desses Encontros.
16 Colaboradora Garça-Branca durante sessão reflexiva realizada em: 1/4/2015
60
Consideramos que as escolas localizadas na Reserva tiveram, e ainda têm papel
relevante na constituição da Reserva, uma vez que possuem condições de desenvolver um
trabalho intencional e sistematizado no processo de formação dos sujeitos que habitam a
RDSEPT, se assim inserirem essa temática em seus Projetos Políticos Pedagógicos, em suas
propostas curriculares, motivo pelo qual são convidadas constantemente a participarem das
atividades dos Encontros Ecológicos, movimento pensado e organizado para envolver a
população em prol da importância da RDSEPT e das questões socioeconômicas, políticas e
culturais que a atravessa, bem como das reuniões do Conselho Gestor, como foi afirmado pela
colaboradora Garça-Branca.
Apesar de oficialmente ainda não ter vinculado ao seu PPP a temática da Reserva, a
escola pesquisada realiza todos os anos projetos de ensino voltados para o meio ambiente,
contemplando as questões históricas e ambientais que envolvem a RDSEPT, e inclui em suas
atividades as ações que o IDEMA desenvolve nas escolas, no período próximo ao aniversário
da Reserva, constituindo-se em ação sistematizada já prevista na organização pedagógica anual
da instituição.
Contudo, identificamos durante as sessões reflexivas e as entrevistas, nas falas dos
membros do Grupo Colaborador que, em decorrência da rotatividade do quadro docente da
escola, sua atual equipe pedagógica, embora reconheça a singularidade do contexto
sociocultural no qual estão imersos, ainda não conseguiu perceber a importância da articulação
do projeto educativo da instituição com os saberes e as experiências emanadas da RDSEPT,
bem como a relação da formação dos sujeitos da comunidade e o projeto de emancipação
humana, fatores que consideramos negativo ao fomento do movimento pró-Reserva, e ao
fortalecimento da identidade dos sujeitos que ali habitam.
Isso evidencia a necessidade de fortalecimento do processo de condução pedagógica da
equipe gestora e pedagógica da escola, e a não consolidação de um projeto educativo que
dialogue com as questões sociais, políticas, ambientais que se fortaleça nesse diálogo, apesar
da realização pontual dos projetos de ensino, já mencionados, que enfatiza a RDSEPT.
No entanto compreendemos que a escola possui uma grande capacidade de mobilização
que precisa ser potencializado, pois no ano de 2015, por falta de apoio financeiro, o Conselho
Gestor se articulou com as escolas inseridas na RDSEPT, e juntos deliberaram que cada
instituição de ensino iria se comprometer em mobilizar a sua comunidade escolar e local para
participar do Encontro Ecológico que aconteceria na própria comunidade com programação
definida pela instituição. Assim em outubro do referido ano, a escola pesquisada organizou e
61
realizou o Encontro nas suas dependências com uma programação local, contribuindo para o
fomento do movimento.
Mesmo ocorrendo divergências na agenda da escola e do Conselho Gestor da Reserva,
no tocante as reuniões para a articulação das atividades a serem desenvolvidas nos Encontros
Ecológicos, em virtude de possíveis privilégios em relação à gestão da Reserva, a escola
pesquisada participou da realização de todos eles, tendo como representante da instituição a
gestora, moradora da comunidade de Barreiras, que sempre esteve à frente da articulação entre
os membros de sua equipe para participar das oficinas, além de colaborar na organização de
eventos, mobilizando os alunos e os seus pais a participarem das oficinas destinadas para
ambos, durante os Encontros Ecológicos.
Notamos que é importante para o Conselho Gestor da Reserva manter o elo entre suas
ações e o processo formativo das escolas, em virtude da vinculação da escola com a vida, à
formação e à preparação para o trabalho, no caso da RDSEPT, significa a possibilidade dessas
instituições considerar as práticas necessárias ao manejo desta área por aqueles que nela e dela
vivem, atribuir um novo significado ao que é de todos e para todos, convidando a sua
comunidade a pensar uns nos outros, com os outros, isto é, ser uma escola arraigada no
solo/água de seu povo, dessa forma cumprirá sua maior missão, educar no contexto da vida,
vinculando suas práticas educativas a vivência dos/as educandos/as.
A nosso ver, a RDSEPT possui grande relevância não só nos aspectos ecológicos e
culturais, mas também, educacional, por agregar saberes e experiências que se traduzidos
pedagogicamente no ambiente escolar possibilitará o fortalecimento da identidade de seus
povos, cuja reflexão sobre o modo como se pratica a agricultura, a pesca, a caça, bem como se
gerenciam os empreendimentos locais, se faz necessária à adoção de práticas cotidianas que
preservem o meio ao qual pertencem, bem como nos aspectos culturais e nas tradições da
comunidade.
Nesse contexto, as lutas ambientais, antes de se configurarem em ações
preservacionistas, são ideológicas, políticas, sociais, econômicas e pedagógicas, uma vez que
desvelam as diferentes manifestações acerca da relação homem–natureza, dentro de um sistema
capitalista hegemônico, onde a dominação dos meios de produção por alguns, provoca a
privação de bens exclusivamente usufruídos por esses dominantes, sejam na forma de uso ou
de lucro. Vale salientar que na luta social envidada pelas comunidades em prol da RDSEPT foi
usada a arma da sensatez, cuja existência sociocultural articulada às condições de vida nas
mesmas foram as principais munições contra a invasão de empresários estrangeiros.
62
A criação da RDSEPT trouxe novas responsabilidades para as comunidades por ela
atravessadas, emanadas das novas relações requeridas, fato que exige do Conselho Gestor da
Reserva uma articulação constante com os seus moradores e suas instituições, numa perspectiva
dialógica para que se redimensionem as relações políticas, econômicas e culturais com a área,
o que pode desencadear novos embates, tanto de ordem interna (interesses individuais e
coletivos dos moradores, comunidades, organizações) quanto de ordem externa (interesses
contínuos para novos empreendimentos, falta de apoio dos órgãos competentes), dentre outros.
Para o IDEMA, trouxe a responsabilidade e o desafio de fazer presente nas questões
ambientais de interesses locais, acadêmicos, econômicos, culturais e sociais. Pensando nessas
questões foi construída uma sede conhecida como Ecoposto, formado por um conjunto de três
prédios, em uma mesma área, cada um com finalidades diferentes: uma sede administrativa,
uma casa do pesquisador e uma casa para alojamento da Companhia Independente de Proteção
Ambiental (CIPAM). Está localizado no quilômetro 10 da RN 403, entre as comunidades de
Barreiras e Diogo Lopes, no Município de Macau/RN. Este espaço tem sido utilizado para as
reuniões do Conselho Gestor, para a realização de oficinas de meio ambiente, estando
disponível para visitação do público, bem como para as instituições de ensino e pesquisa.
Compreendemos que o maior desafio posto para as escolas do campo, em particular para
as escolas da RDSEPT, consiste em situar dentro de suas práticas educativas (na realidade local,
territorial, nacional e mundial) o desenvolvimento sustentável, tendo como referência a
solidariedade, o diálogo e a justiça social, considerando um desenvolvimento economicamente
justo e ecologicamente sustentável, contribuindo para o conhecimento, o aprofundamento, a
discussão e a análise crítica da dimensão econômica do campo brasileiro, com a atual e as
futuras gerações de educandos/as, a partir do campo ao qual pertencem, inserir-se na dinâmica
do movimento social, ampliando os horizontes e as perspectivas da população da RDSEPT,
fortalecendo sua identidade.
3.3 O OLHAR DA ESCOLA SOBRE A RDSEPT: UMA IDENTIDADE EM
CONSTRUÇÃO
A forma da escola se perceber diante dos movimentos em torno da RDSEPT é fator
relevante para o fortalecimento, ou não, das práticas de mobilização desenvolvidas na
comunidade, para a disseminação das potencialidades da RDSEPT, dos cuidados com o seu
63
manejo, bem como para o processo de construção da autonomia dos/as seus/suas educandos/as,
pois como espaço privilegiado para formação de pessoas, o contexto histórico, político, cultural,
econômico e social da comunidade não deve ficar a deriva de suas práticas educativas, já
sinalizadas pela colaboradora Tamatião que diz “É preciso explorar mais a história e as
potencialidades da Reserva na escola.” A esse respeito à colaboradora Galinha do Mangue
ressalta:
Com relação à história, tem alunos que realmente não conhece a história da Reserva,
uns é porque são mais novos, outros é porque estão morando aqui agora. Às vezes eles
não sabem de que aqui é uma Reserva, e que fazem parte dela. Eu acredito que assim,
em relação a Reserva mesmo, só se ouve falar naquele período que já está próximo do
Encontro Ecológico, que a gente faz aquele trabalho, aquela mobilização, faz
caminhada, aí alguns já conhecem a trajetória, já tá ciente daquilo que realmente está
se falando (referindo-se as palestras do Encontro Ecológico)17.
A história da luta pela RDSEPT, já relatada anteriormente, evidencia a resistência do
povo do campo aos projetos de desenvolvimento econômico desvinculado do projeto de
sociedade que emana nas comunidades, ao mesmo instante em que lançam um olhar futuro para
o projeto de vida nas comunidades nela envolvidas. Toda essa trajetória, como já vimos,
envolve diretamente as escolas no processo de mobilização social em prol da constituição da
Reserva, pelo fato destas lidarem com a comunidade de forma diferente, é ponto de encontro
dos diversos olhares sobre a Reserva. Segundo Nobre (2011, p. 131):
A história da criação da RDS Ponta do Tubarão, ao nosso ver, significa a história de
um movimento de ações comunitárias em defesa da preservação do território e dos
seus modos de vida tradicionais. Foi tecida em momentos de conflitos, de encontros
e discussões entre lideranças, conversas informais na rua, nas esquinas, em casa,
durante as refeições, nos ambientes de trabalho, nos momentos de lazer. Essa sua
história parece ter se incorporado à vida daqueles moradores em decorrência das lutas
implementadas para a efetiva proteção daquela área.
O fenômeno da RDSEPT modificou o modo de vida das comunidades de Barreiras,
Diogo Lopes e Sertãozinho, não somente nas relações interpessoais, mas principalmente com o
meio natural. Essa mudança de relação produzida pela RDSEPT não ficou, pelo menos não
deveria, ficar à margem da escola, já que esta se constitui em parte integrante da comunidade,
local de diferentes relações, construtor e promotor de encontro entre saberes e experiências
diversos, de culturas.
17 Colaboradora Galinha do Mangue durante sessão reflexiva realizada em: 1/4/2015
64
Essas relações foram discutidas durante as sessões de reflexão propostas nesta pesquisa,
ocasião em que se evidenciaram as angústias do Grupo Colaborador quanto a existência de
divergências internas entre os espaços assumidos por cada comunidade em relação à RDSEPT,
o reconhecimento de se aprofundarem nos estudos e formação sobre Educação do Campo, bem
como a necessidade de se repensar as suas práticas educativas, em face das questões
geográficas, sociais, econômicas, ambientais, políticas e culturais advindas na comunidade com
a criação da Reserva. A esse respeito a colaboradora Gavião ressalta:
Assim, nós não temos um conhecimento mais aprofundado da Educação do Campo,
mas acho que uma das questões que a gente pode tá pensando em aprofundar é a
questão da sustentabilidade, já que a gente vive numa reserva, acho que é uma das
questões que a gente pode pensar em discutir e implantar também no PPP18.
Apesar de a colaboradora dizer não ter conhecimento aprofundado da Educação do
Campo, sua fala revela que o princípio da sustentabilidade que fundamenta esta modalidade é
facilmente apreendido pelo grupo em virtude de a escola situar-se numa área de reserva. Isso
demonstra que a escola reconhece a especificidade do seu lugar, e a importância deste estar
presente em seu PPP, o que pode sinalizar o início de um processo de construção de uma nova
identidade, enquanto escola do campo. No entanto, se faz necessário refletirmos: de que projeto
educativo as escolas da RDSEPT, e particularmente a Escola Municipal Alferes Cassiano
Martins, precisam construir?
Para Caldart (2000) esse projeto passa pela mudança da postura dos professores, e o
jeito de ser da escola como um todo, sensibilizando-os para que entrem no movimento da luta,
da história, no caso da RDSEPT, da manutenção e do manejo da Reserva, dos Encontros
Ecológicos, dos projetos como: o Barco solidário, as trilhas ecológicas, para acolher seus
sujeitos, em suas perspectivas, seus objetivos. Para a autora:
Um mexe com o outro, num movimento pedagógico que mistura identidades, sonhos,
pedagogias... E isto só pode fazer muito bem a todos, inclusive aos educadores e às
educadoras que assumem esta postura. E também à escola, que ao se fechar e
burocratizar em uma estrutura e em um jeito de ser, costuma levar os educadores a
esquecer, ou a ignorar, que seu trabalho é, afinal, com seres humanos, que merecem
respeito, cuidado, todos eles. (CALDART, 2000, p. 27).
18 Colaboradora Gavião em entrevista realizada em: 25/8/2014
65
Para sensibilizar sua equipe a entrar nesse movimento, a equipe gestora, precisa
empreitar uma nova luta no âmbito da gestão de seus profissionais para garantir, junto a
Secretaria Municipal de Educação, pelo menos, o direito de ter um corpo docente que complete
sua carga horária, ou maior parte desta, na própria escola, de modo que cada professor possa
sentir a comunidade em que trabalha, viver seu cotidiano, compartilhar saberes entre seus pares
e seus discentes, possibilitando um maior tempo de convívio com a comunidade, e assim
possam desenvolver o sentimento de pertença em relação a escola onde trabalham, haja vista a
atual situação dos docentes dos anos finais do Ensino Fundamental, como destaca a
colaboradora Gavião, com tom de indignação:
Tem cabimento um professor dar uma aula aqui e correr pra dar aula em outra escola,
noutra comunidade, quando não existe nem intervalo entre essas aulas? O professor
sai daqui de 13h50min pra dar aula às 13h50min em outra comunidade. Tem
condições de ele sair daqui de 13h50min pra chegar lá e dar a segunda aula? Me diga,
essa pessoa vai ter condições de sentar com outro professor? Não é questão dele não
querer, é questão dele não poder. Ele não pode. Ele pode até ter a boa vontade de
participar, ele tem a vontade de participar, até porque ele está chegando agora19, mas
ele não tem condições pra isso20.
Notamos que a organização e distribuição da carga horária dos docentes do Ensino
Fundamental – anos finais, dificulta o envolvimento destes com a escola, com seu cotidiano,
pois a correria para ir de uma comunidade para outra para dar aula impossibilita-os de
efetivamente se envolverem com a escola.
A fala da colaboradora também nos revela o quanto se faz necessário a implementação
da educação da Reserva na agenda da Secretaria de Educação do município, em suas
organizações e diretrizes, bem como da importância dessas questões na composição das pautas
do Conselho Gestor, uma vez que as escolas localizadas na área da RDSEPT, já existiam antes
mesmo de sua constituição, enquanto tal, fato que deve ser considerado no processo de
formação dos sujeitos que nela habitam.
A criação da Reserva trouxe novos desafios e conflitos para as comunidades, no tocante
a sua gestão e a de programas e projetos destinados a ela, como nos revela a colaboradora
Galinha do Mangue em sessão reflexiva: “A verdade é que Diogo Lopes está sendo beneficiada
até hoje, tudo que vem, todos os programas, tudo é pra lá. Não sei se é por falta de alguém de
19 A colaboradora está se referindo ao concurso público realizado em 2014 no município, e a recém-
convocação de professores para a escola. 20 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada em: 21/07/2015
66
Barreiras que vá, nos represente, que assuma...”. Durante a mesma sessão reflexiva a
colaboradora Garça-Branca reafirmou:
Tudo aconteceu com as queimadas dos ranchos na Ponta do Tubarão que fica aqui, de
frente a Barreiras, mas lá existia[sic] barracos que eram do povo de Diogo Lopes e
começaram o movimento por lá, mas para que conseguissem que se tornasse reserva
eles tinham e precisavam da gente, sozinhos eles não conseguiriam.(...) O maior grupo
de pessoas era de Diogo Lopes e Barreiras, que eram as comunidades mais próximas.
No primeiro e no segundo ano você via um grande número de pessoas de Barreiras
integradas aos movimentos da Reserva, mas com um tempo essas pessoas foram se
afastando, ficando revoltadas, com raiva... Por que é que só Diogo Lopes é a Reserva?
(...) Já existiu pessoas que foram, que brigaram, que exigiram que as cotas fossem
divididas por igual, mas isso nunca existiu. Então as pessoas desistiram. A gente tinha
pessoas dentro desse movimento, que hoje em dia, não querem mais21.
Desde o início da mobilização das comunidades em prol da RDSEPT que a comunidade
de Diogo Lopes liderou a articulação com as demais comunidades, além de reunir um maior
número de pessoas que usam a pesca como atividade principal e se constituir na maior
comunidade da Reserva. Os critérios que definiram Diogo Lopes como sede da gestão local da
Reserva são pontos de divergências internas entre as comunidades, como já observado na fala
das colaboradoras Galinha do Mangue e Garça-Branca, e estão diretamente ligados aos
interesses econômicos individuais, e não das necessidades dos pescadores locais.
Nota-se que há uma clara ausência de outras instituições da comunidade de Barreiras
para negociar essas e outras questões, o que tem fragilizado a organização da comunidade, e
sobrecarregado a escola que se vê diretamente ligada ao movimento através do Conselho Gestor
Local, e tem assumido essa responsabilidade junto à comunidade. Nesse sentido, Caldart (2000,
p. 30) ressalta:
A luta social educa para a capacidade de pressionar as circunstâncias para que fiquem
diferentes do que são. É a experiência de que quem conquista algo com luta não
precisa ficar a vida toda agradecendo favor. Que em vez de anunciar a desordem
provocada pela exclusão, como a ordem estabelecida, e educar para a domesticação,
é possível subverter a desordem e reinventar a ordem, a partir de valores verdadeira e
radicalmente humanistas, que tenham a vida como um bem muito mais importante do
que qualquer propriedade.
Mais do que garantir um espaço natural que já era das comunidades, a luta pela RDSEPT
pode ser considerada como uma luta de resistência contra-hegemônica, mesmo que em pequena
escala, pois, como já foi discutido anteriormente, se constituiu num movimento de iniciativa
21 Colaboradora Garça-Branca durante sessão reflexiva realizada em: 21/07/2015
67
comunitária, promovida por populares, que foi ganhando força e o apoio de entidades
defensoras do meio ambiente, comunidade acadêmica, instituições locais e de trabalhadores da
pesca, no momento em que o processo de globalização econômica apontava em nosso Estado,
a ilusão da carcinicultura e da rede hoteleira como progresso para a região.
Dizemos “ilusão de progresso”, não porque sejamos contrários aos avanços
tecnológicos, mas por considerarmos que o método do cultivo de camarão que ora vem se
desenvolvendo em nosso Estado, o qual consiste na construção de viveiros nas proximidades
de manguezal para serem abastecidos com as águas das marés, tem provocado a devastação de
mais de 444 hectares de mangues potiguares, contrapondo-se ao método local que se dá pela
utilização dos tresmalhos, pelos pescadores, para realizar o arrastão na praia, para pescar o
crustáceo. A implantação desses empreendimentos, ou a ampliação dos já existentes na restinga,
provocaria uma desordem na estrutura natural deste complexo socionatural, como também no
modo de vida tradicional das comunidades.
Assim, na contramão do avanço capitalista, os movimentos de lutas ecológicas têm
ganhado novas dimensões no cenário mundial, através de intervenções diretas realizadas por
meio de denúncias utilizando a Rede Mundial de computadores – a internet, fomentando e
fortalecendo ações de Organizações Não Governamentais como, por exemplo, o Greenpeace22.
As ações de tais órgãos buscam, não somente evitar uma crise ecológica, mas também garantir
a existência de diversas espécies, dentre as quais a humana. Busca-se frear a ação depredatória
dos seres humanos, cuja história remonta fatos sombrios.
Esses movimentos intencionam e tencionam o despertar de uma consciência ecológica
mundial, que começou a ganhar corpo na década de 1970 com a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente em Estocolmo (1972). Este foi o início de uma discussão que tem
atravessado décadas, quanto aos problemas de degradação do meio ambiente provocado pelo
crescimento econômico. Passa-se então, a ser percebido como um problema global que supera
amplamente diversas questões pontuais que eram arroladas nas décadas de 1950 e 1960 pelas
agências estatais de meio ambiente dos países desenvolvidos.
Entendemos que independente das dimensões alcançadas pelos movimentos ecológicos,
estes propõem um novo sistema de valores sustentado no equilíbrio ecológico, na justiça social
e na solidariedade com as gerações futuras. É neste contexto que situamos a RDSEPT como
resultado dos movimentos locais com reflexos positivos no cenário municipal e estadual das
22 O Greenpeace é uma organização global cuja missão é proteger o meio ambiente, promover a paz e
inspirar mudanças de atitudes que garantam um futuro mais verde e limpo para esta e para as futuras
gerações.
68
lutas ambientais, aderindo aos movimentos nacionais pela defesa do meio ambiente, ao tornar-
se uma Unidade de Conservação.
Nesse contexto de lutas e conquistas, já discorridas nesta pesquisa, compreendemos que
para a escola construir uma nova identidade enquanto escola do campo (visão de si em relação
a outras instituições, autoconsciência de quem é, a que lugar pertence) é necessário, que
desenvolva seu projeto educativo na perspectiva da “Pedagogia do Movimento”23, se arrisque
ao novo, enfrente uma batalha interna, se reorganize, deseje ser diferente, mude seu currículo,
inserindo os saberes e as experiências de lutas da comunidade, fortalecendo-se enquanto locus
de formação, comprometida com a comunidade de Barreiras e com as lutas por ela empreitadas.
Como afirma Caldart (2004, p. 23):
Não se trata de propor algum modelo pedagógico para as escolas do campo, mas sim
de construir coletivamente algumas referências para processos pedagógicos a serem
desenvolvidos pela escola e que permitam que ela seja obra e identidade dos sujeitos
que ajuda a formar, com traços que a identifiquem com o projeto político e pedagógico
da Educação do Campo.
Essas referências são construídas no interior de cada escola, na introdução de elementos
que constituem a RDSEPT no cotidiano escolar, no modo como seus sujeitos significam o
espaço em que vivem, de como se veem na cultura local que se destaca na escola, nos modos
de organização dos tempos e dos espaços escolares, na forma de como a escola valoriza seus
hábitos singulares.
Para tanto, pode-se inserir em seu projeto educativo o estudo das potencialidades da
Reserva, nos aspectos econômicos, geográficos, turísticos e políticos, dentre outras
possibilidades, o uso das trilhas ecológicas, que tem seu percurso iniciado na própria
comunidade, utilizar o barco-escola para embarcar no coração da Reserva, desvendando-a de
um novo jeito, ressignificar o campo da RDSEPT, junto com os educandos, num processo de
ação-reflexão-ação.
Enfim, sintonizar-se com os processos sociais vivenciados por seus educandos (as) e
suas famílias, onde a escola se constitua num processo social capaz de fortalecer as identidades
dos sujeitos da Reserva e sua própria identidade enquanto escola do campo.
23 No processo de humanização dos sem-terra, e da construção da identidade sem terra, o MST vem
produzindo um jeito de fazer educação que pode ser chamado de Pedagogia do Movimento. É do
Movimento por ter o sem terra como sujeito educativo e ter o MST como sujeito da intencionalidade
pedagógica sobre esta tarefa de fazer educação. E é também do Movimento porque se desafia a perceber
o movimento do Movimento, a transformar-se transformando. (CALDART, 2000, p. 30).
69
4 RETORNANDO À SUPERFÍCIE AQUÁTICA: OS ACHADOS DA PESQUISA
Sempre firme nessa caminhada
Sustentando a luta com atitude
Pra ensinar a nossa juventude
Preservar essa terra sagrada
[...] O facheiro brota no cristalino
Traz o cheiro da preta jurema
O caranguejo correndo ligeiro
Menino cata como um poema
Lição do mestre carpinteiro
Que constrói barco da quixabeira
Vai subindo a maré pesqueira
E motivando cada companheiro
Qualidade de vida que move
Respeitando o mangue sapateiro
Pra tirar dele vosso sustento
Tem nas mãos o bravo canoeiro
O boto vez em quando aparece
E enaltece o cavalo marinho
O milagre de cada peixinho
Faz a vela se erguer numa prece
(CORINGA, Zelito; SOUZA, Élio)
Ao longo dos anos a escola vem se constituindo como espaço de excelência no processo
de formação humana, introduzindo os conhecimentos e os modos de condutas requeridas pela
vida adulta, contribuindo para a internalização das normas e dos valores no processo de
socialização dos sujeitos. Tem sido considerada local de encontro das diversas vivências
coletivas dos diferentes sujeitos sociais, fato que pode incidir sobre sua organização, ao acolher
as nuances da atuação desses mesmos sujeitos, em seu currículo.
Nesse processo, as subjetividades podem, ou não, serem aguçadas, os poderes pode ser
impostos ou delegados, os comportamentos podem ser moldados ou construídos, de acordo com
as intencionalidades que predominam na estrutura organizacional e curricular da escola, visto
que geralmente, são reproduzidos através de um currículo escolar que historicamente tem
atendido aos interesses de determinados dos grupos sociais, em detrimento dos demais,
excluindo e silenciando, na maioria das vezes, os saberes e as experiências dos sujeitos que nela
buscam formação.
Os estudos sobre currículo escolar nos apontam que não há neutralidade política na ação
pedagógica, pois ela sempre revela uma intencionalidade, uma forma de conceber o mundo e
seus sujeitos, que fundamenta a elaboração do currículo escolar, lugar de diferentes interesses,
território de poder.
70
A educação escolar tornou-se parte da existência humana ao ser requisitada no processo
de vivência e formação social, fato que tem tornado a escola um lugar fértil no processo de
investigação do seu cotidiano, de sua dinâmica organizacional, dos saberes dos educandos e
educadores, das práticas pedagógicas, do currículo escolar, dentre outros.
Neste capítulo nos propomos a dialogar sobre as noções de currículo que permeiam as
discussões e construções da proposta curricular do Ensino Fundamental, na escola pesquisada,
compreendendo-o como instância representativa de poder, que atravessam as vivências dos
sujeitos educandos e a prática docente.
Fundamentamos nossa elaboração sobre currículo escolar à luz das concepções de Silva
(2010), Saviani (2010) e Sacristán (2002) que veem o currículo como experiência, local de
interrogação da experiência, que permite construir a subjetividade e a identidade humana,
conectando o individual ao social, através do conhecimento escolar, da história de vida dos
sujeitos educandos, lugar de transformação do próprio eu, trazendo para este diálogo a análise
das relações com o saber proposta por Charlot (2000) para tentarmos compreender as relações
que os professores estabelecem com o saber, durante a elaboração do currículo na escola
pesquisada.
Por fim, reportamo-nos a Bondía (2002), que ao fazer uma análise epistemológica sobre
a experiência e o saber da experiência, nos fornece elementos substanciais para refletirmos
sobre a importância da experiência e do saber da experiência no currículo escolar, nas escolas
do campo, pelo fato de ser o currículo território do conhecimento oficialmente disseminado na
escola, no qual alunos e professores estabelecem relações diferentes e singulares com os saberes
e as experiências que atravessam a comunidade de Barreiras, em particular com a construção
da RDSEPT.
4.1 CURRÍCULO ESCOLAR E RDSEPT: UMA CONSTRUÇÃO EM MOVIMENTO
Apesar de não se constituir num objeto de estudo novo em nosso país, desde a década
de 1980 que as discussões e os questionamentos acerca do currículo escolar têm ganhado
destaque nacional, em virtude do que ele representa na escola, das relações de poder que o
envolvem, ampliando-se consideravelmente o número de equipes que se dedicam a investiga-
lo, que conforme dados do CNPq passam de 147 equipes somente na área da Educação.
71
No que tange a Educação do Campo este debate tem-se feito presente desde o início do
movimento “Por uma educação Básica no Campo”, no ano de 1998, em Luziânia – GO, a partir
da I Conferência Nacional de Educação do Campo, evento organizado pelo MST, CNBB,
UNICEF, UNESCO e UnB, com o objetivo de recolocar o campo e a educação que se vincula
a ele, na agenda política do país, e repensar sobre: Qual educação os sujeitos do campo
necessitam? A qual projeto de desenvolvimento de campo deve estar articulada? Esta
Conferência constitui um marco histórico acerca da educação para a população do campo no
país, por nos apresentar um novo jeito coletivo de pensar e lutar por educação no país.
Repensar a educação no contexto do campo brasileiro significa colocar na pauta do
projeto educativo das escolas os saberes e as experiências dos sujeitos do campo para que sejam
reconhecidos por sua equipe enquanto saberes válidos, necessários ao seu desenvolvimento no
campo bem como ao desenvolvimento das comunidades em que estão imersos, inserindo esses
saberes e essas experiências no currículo Escolar. A esse respeito Pacheco (2005, p.82-83)
aponta a necessidade de o currículo do campo “incorporar os saberes que preparam para a
produção e o trabalho, os saberes que preparam para a emancipação, para a justiça, os saberes
que preparam para a realização plena do ser humano como humano”.
A Resolução nº 1/2002, do Conselho Nacional de Educação, que versa sobre as
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo, nos Artigos 4º e 5º,
destaca que os temas a serem trabalhados nas escolas devem ligar-se ao mundo do trabalho e
ao desenvolvimento no campo, inseridos numa parte específica do currículo, devendo resgatar
os conhecimentos que germinam das experiências e das lutas das comunidades, transformando-
as num espaço de conhecimento que deve ser investigado e potencializado. A defesa dessa
perspectiva tem se constituído em uma das lutas e reivindicações dos movimentos sociais, que
buscam o direito a uma educação que esteja pautada em projetos interdisciplinares que se
articulem à diversidade cultural; preconizando uma atenção particular a públicos escolares
específicos; fato que exige um forte protagonismo dos coletivos docentes na formulação e
implementação do currículo na escola.
Esta pesquisa se inseriu nessa discussão, com o objetivo de Compreender de que forma
o Grupo de Elaboração do currículo da escola, articula os saberes e as experiências dos sujeitos
da RDSEPT, na construção de uma proposta curricular para a Educação do Campo, no momento
em que repensam o Projeto Político Pedagógico (PPP) e a proposta curricular da escola. Os
dados aqui analisados foram construídos dentro das interlocuções com os colaboradores durante
as sessões reflexivas e as entrevistas, onde destacamos a concepção dos colaboradores acerca
do currículo escolar, a compreensão de disciplina escolar como elemento curricular, e a relação
72
que estabelecem com a articulação dos saberes e das experiências dos sujeitos moradores da
RDSEPT, durante o processo de elaboração da proposta curricular da escola.
Durante a pesquisa observamos, nas sessões reflexivas, que o grupo colaborador
compreende comumente o currículo como a listagem de disciplinas que compõem um curso,
com suas respectivas cargas horárias anuais, constituída de um conjunto ordenado de conteúdos,
cuja definição nos remete ao termo programa e/ou estrutura curricular, como pode ser sinalizado
na fala da colaboradora Tamatião que destaca “Currículo é a disciplina, com os conteúdos e os
dados dos alunos”24.
Logo em seguida o colaborador Dentão arrisca-se em dizer o que entende por currículo,
“Então, na minha concepção o currículo seria justamente isso, o que é oferecido aos alunos nas
áreas que competem às aprendizagens, com os conteúdos trabalhados”25.
Esse entendimento de currículo pela colaboradora Tamatião nos remete às primeiras
ideias do termo, ligadas ao registro da vida estudantil de cada educando, uma espécie de carreira
do estudante, sendo utilizado para certificar a conclusão de um curso, contendo a avaliação dos
resultados de cada aluno. Essa compreensão de currículo nos faz pensar, hoje, no histórico
escolar do aluno, cujo objetivo seria informar sobre o percurso do educando em uma
determinada etapa de ensino, localizar no tempo as ordenações de seus estudos na escola,
indicando a estrutura que orientou a organização disciplinar da instituição.
Isso se deve ao fato de que desde sua gênese podemos identificar alguns elementos
presentes na ideia que elaboramos sobre currículo escolar, como por exemplo, ao de referir-se
ao conjunto de disciplinas que organizam o conhecimento na forma de conteúdos que devem
ser construídos com os alunos dentro de um determinado curso, voltando-se à formação do
sujeito que se pretende para a sociedade, evidenciado na fala do colaborador Dentão. Sobre
esses elementos que nos permitem generalizações acerca do currículo, Saviani (2010, p. 30-31),
em estudo sobre o processo histórico do currículo escolar destaca:
A contribuição dos historiadores, nesse campo – mesmo quando da análise de
processos específicos em períodos determinados e em contextos particularmente
localizados (uma cidade, um país ou um conjunto de países) – está no fato de que,
pela descrição e interpretação de acontecimentos e fenômenos, revelam certas
regularidades que permitem o estabelecimento de algumas generalizações.
Dessa forma podemos compreender que quando os colaboradores Tamatião e Dentão
referem-se ao currículo como conjunto de disciplinas que organizam o conhecimento escolar
24 Sessão reflexiva realizada em: 22/7/2015 25 Colaborador Dentão em sessão reflexiva realizada em: 22/7/2015.
73
necessário à formação dos sujeitos educandos da Reserva, recorrem a uma das generalizações
do currículo que é a de que a elaboração do currículo escolar obedece a prioridades de acordo
com as finalidades da educação que se pretende para a sociedade a qual se destina. Concebem
o currículo como um aglomerado de conteúdos, “elementos provenientes de campos
especializados do saber mais elaborado (...) restringem-se aos clássicos componentes derivados
das disciplinas ou materiais” (SACRISTÁN, 2002, p. 55).
Para o autor, ao se tratar de escolaridade obrigatória, é importante que se pense um
currículo onde se reflita um projeto educativo globalizador, que agrupe a multiplicidade
cultural, do desenvolvimento pessoal e social dos educandos, de necessidades vitais para o seu
desempenho individual em sociedade, do desenvolvimento de competências e habilidades
consideradas fundamentais ao seu convívio em sociedade, compreendendo por conteúdos algo
mais que uma seleção de conhecimentos pertencentes a diversos âmbitos do saber elaborado.
Para Charlot (2000, p. 60):
Adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do mundo, no qual se vive,
comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com eles, viver certas experiências
e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais independente. Existem outras
maneiras, entretanto, para alcançar os mesmos objetivos. Procurar o saber é instalar-
se num certo tipo de relação com o mundo; mas existem outros. Assim, a definição
do homem enquanto sujeito de saber se confronta à pluralidade das relações que ele
mantém com o mundo.
Podemos dizer que o currículo escolar se constitui em uma das formas de se relacionar
com o saber, carregando em si tantas outras relações, nas quais professores e alunos se engajam
de forma singular. A compreensão de currículo enquanto locus do saber cultamente elaborado
pode conduzir à marginalização dos saberes que os sujeitos do campo elaboram em suas
relações, no modo pelo qual, lutam, resistem se afirmam como sujeitos de direitos. Acerca dessa
questão, Ramos; Moreira e Santos (2004, p. 37) ressaltam que:
A educação do campo deve compreender que os sujeitos possuem história, participam
de lutas sociais, sonham, têm nomes e rostos, lembranças, gêneros, raças e etnias
diferenciadas. Cada sujeito individual e coletivamente se forma na relação de pertença
à terra e nas formas de organização solidária. Portanto, os currículos precisam se
desenvolver a partir das formas mais variadas de construção e reconstrução do espaço
físico e simbólico, do território, dos sujeitos, do meio ambiente. O currículo precisa
incorporar essa diversidade, assim como precisa tratar dos antagonismos que
envolvem os modelos de agricultura, especialmente no que se refere ao patenteamento
das matrizes tecnológicas e à produção de sementes.
74
Pode-se inferir que no paradigma da Educação do Campo a definição do currículo
escolar pelas escolas do campo é basilar no processo de formação dos sujeitos, pois possibilita
o fortalecimento dos povos do campo através da incorporação dos signos de seu cotidiano, das
suas resistências, da sua cultura, oportunizando-o novas formas de se relacionar e significar a
sua realidade. Nessa perspectiva Arroyo (1999, p. 25) nos alerta:
A escola rural é muito pobre em saberes e conhecimentos. Só ler, escrever, contar,
pronto? A escola tem que ser mais rica, tem que incorporar o saber, a cultura, o
conhecimento socialmente construído, mas cuidado! A pergunta que vamos ter que
nos fazer é esta: Que saberes sociais foram construídos historicamente? Alerto a vocês
para uma coisa: nem todos os saberes sociais estão no saber escolar, nem tudo que
está no currículo urbano, é saber social, logo não tem que chegar à escola do campo.
Cuidado, há muitos saberes escolares nos programas que são inúteis! Totalmente
inúteis, alienantes, que não acrescentam nada em termos de democratizar os saberes
socialmente construídos.
Percebemos que o autor nos chama a atenção para a inserção de saberes que estão para
além de seu utilitarismo na sociedade, mas que se articule com as formas de os sujeitos do
campo significar sua existência com tantas outras. Assim Ramos; Moreira e Santos (2004, p.
38) destacam os elementos que devem transversalizar a construção curricular nas escolas do
campo.
Os elementos que transversalizam os currículos nas escolas do campo são a terra, o
meio ambiente e sua relação com o cosmo, a democracia, a resistência e a renovação
das lutas e dos espaços físicos, assim como as questões sociais, políticas, culturais,
econômicas, científicas e tecnológicas.
Dos elementos citados podemos destacar a temática do meio ambiente e da história da
RDSEPT, já inseridas no currículo da escola através de projetos de ensino. Outra análise que
podemos fazer do modo como é concebido o currículo na escola pesquisada, diz respeito ao
currículo como construção social que resulta de processos conflituosos e de decisões
negociadas, como pode se observar na fala da colaboradora Gavião:
Quando elaboramos os projetos definimos o que é que vai ser trabalhado em cada
área, por exemplo, no projeto meio ambiente o que é que pode ser trabalhado na
disciplina de História? É a história da Reserva, então esse ponto já não é mais com as
outras disciplinas, assim... procuramos ver o que combina mais com a disciplina26.
26 Colaboradora Gavião, em sessão reflexiva realizada em: 22/7/2015.
75
Durante a mesma sessão reflexiva, o colaborador Dentão enfatiza que “nesse processo
a gente define os conteúdos, mas cada um acaba que puxando para sua área, sem fugir do
objetivo geral que é proposto no projeto”. Assim, podemos compreender que a elaboração do
currículo expressa um modo particular dos docentes se relacionarem com a realidade,
pressupondo diversos níveis de negociação entre o grupo frente ao que se pretende produzir e
reproduzir. Silva (2010, p. 148) nos aponta que:
O currículo é uma invenção social como qualquer outra: o Estado, a nação, a religião,
o futebol... Ele é o resultado de um processo histórico. Em determinado momento,
através de processos de disputa e conflito social, certas formas curriculares – e não
outras – tornaram-se consolidadas como currículo.
Dessa forma, compreendemos que o currículo da escola organizado por projetos27 de
ensino, cujas temáticas abordadas visam organizar o saber em forma de conteúdo, resulta de
debates e embates internos, de contendas, de disputas, em vários níveis: no programa da
disciplina, na definição do que é importante ser considerado, nas discussões com a equipe
docente, para poder se desenhar uma possível articulação entre os componentes curriculares no
tratamento da temática, nos recursos didáticos que serão utilizados para operacionalizar os
conteúdos a serem tematizados, na organização do ensino em si. Para Goodson (1995), no
âmbito do currículo escrito, esses conflitos se constituem em prova visível das lutas que
envolvem as aspirações e objetivos de escolarização, e ainda destaca:
Entretanto, como se tem observado, o conflito em torno do currículo escrito tem, ao
mesmo tempo, um “significado simbólico” e um significado prático, quando
publicamente indica quais aspirações e intenções devidamente inseridas nos critérios
do currículo escrito servem para a avaliação e análise pública de uma escolarização.
(GOODSON, 1995, p. 17).
Significa dizer que na hora de definir oficialmente as temáticas e os conteúdos que serão
tratados no currículo da escola pesquisada, os trabalhos direcionados pelos docentes pautam-se
nas intencionalidades particulares das disciplinas que lecionam, no valor que atribuem a cada
27 Fernando Hernández (1998) define os projetos de trabalho não como uma metodologia, mas como
uma concepção de ensino, uma maneira diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os
conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los a construir sua própria identidade. Os Projetos
de Trabalho traduzem, portanto, uma visão diferente do que seja conhecimento e currículo e representam
uma outra maneira de organizar o trabalho na escola. Caracterizam-se pela forma de abordar um
determinado tema ou conhecimento, permitindo uma aproximação da identidade e das experiências dos
alunos, e um vínculo dos conteúdos escolares entre si e com os conhecimentos e saberes produzidos no
contexto social e cultural, assim como com problemas que dele emergem
76
uma delas em relação às outras, predominando a visão particular do que é educação e do que
significa a escolarização no processo de formação dos sujeitos, que nem sempre é
compartilhada entre os membros do grupo.
São essas prioridades realizadas pela escola que podem limitar a base curricular a
processos históricos de negação dos saberes dos povos do campo, vinculando-se a tradições
curriculares pautados no controle social, em que o currículo inevitavelmente está determinado
por interesses de reprodução socioeconômicos. Para Arroyo (1999, p. 26):
Partindo dessa visão teremos que responder a questões concretas e incorporar no
currículo do campo os saberes que preparam para a produção e o trabalho, os saberes
que preparam para a emancipação, para a justiça, os saberes que preparam para a
realização plena do ser humano como humano. (...) Não podemos separar tempo de
cultura e tempo de conhecimento. O que estou propondo é que os próprios saberes
escolares têm que estar redefinidos, têm que vincular-se às matrizes culturais do
campo aos novos sujeitos culturais que o movimento social recria. É por aí que a gente
avança.
Dessa forma, no processo de negociação dos conflitos no âmbito do currículo escolar,
identificados na escola pesquisada, devem situar a educação, a cultura, a tecnologia, a ciência
e o conhecimento como direitos dos sujeitos educandos, vinculando as matrizes curriculares ao
modo de produção da vida na RDSEPT.
Outro aspecto a ser observado no modo como a escola concebe o currículo é a
importância que é dada às disciplinas, como elemento do currículo escolar. Na visão dos
colaboradores todo o conhecimento deve partir de uma disciplina, esta tem sido o eixo
estruturante para se definir o conteúdo discutido na escola, dentro dos projetos de ensino. Para
Saviani (2010, p. 37):
Como parte integrante de currículos, as disciplinas escolares estão sujeitas às
contingências de sua elaboração e implementação. Mas, ao mesmo tempo, têm suas
próprias particularidades, chegando mesmo em alguns casos a interferir na história do
currículo.
Sobre esse aspecto, Silva (2010, p.148) aponta que isso decorre das formas curriculares
que foram se consolidando como currículo, e enfatiza que:
É apenas uma contingência social e histórica que faz com que o currículo seja dividido
em matérias ou disciplinas, que o currículo se distribua sequencialmente, em
intervalos de tempo determinados, que o currículo esteja organizado
hierarquicamente... é também através de um processo de invenção social que certos
conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não.
77
Isso porque o termo “disciplina escolar”, com exceção da referência que se faz às regras
e normas e aos mecanismos de punição dentro do sistema de ensino, está associado à ideia de
matéria e/ou conteúdo a ser ensinado, compreendido como componente curricular, sendo
considerada relevante na elaboração do currículo das escolas.
Assim, as disciplinas constituem em referência para a organização do processo de
ensino e aprendizagem, uma vez que articulam os saberes epistêmicos, selecionados pelos
docentes para que, no momento da relação pedagógica os alunos se apropriem de tais saberes.
Esta é uma forma reducionista de compreender e organizar o currículo escolar, e sinaliza a
percepção dos docentes acerca do aprender. Sobre esta relação com o saber, presente entre o
grupo colaborador, identificada no momento de elaboração da proposta curricular na escola,
durante a pesquisa, Charlot (2000, p. 68), nos explica que:
Do ponto de vista epistêmico, aprender pode ser apropriar-se de um objeto virtual (o
“saber”), encarnado em objetos empíricos (por exemplo, os livros), abrigados em
locais (a escola...), possuído por pessoas que já percorreram o caminho (os
docentes...). Aprender, então, é “colocar coisas na cabeça”, tomar posse de saberes-
objeto, de conteúdos intelectuais que podem ser designados de maneira precisa (o
teorema de Pitágoras, os galos-romanos...), ou imprecisa (“na escola, se aprende um
montão de coisas”).Aprender é uma atividade de apropriação de um saber que não se
possui, mas cuja existência é depositada em objetos, locais, pessoas.
Ao tematizar os saberes que julgam necessários aos sujeitos educandos da Reserva, o
grupo colaborador identifica o saber virtual que precisa ser realmente apropriado pelos alunos,
onde aprender é passar da não-posse à posse, como afirma Charlot (2000).
À luz da Educação do Campo, podemos inferir que as questões até aqui analisadas, a
forma de conceber o currículo escolar, nas escolas do campo pode limitar ou ampliar o que os
professores “oferecem” aos alunos, uma vez que costumeiramente nesse conjunto de conteúdos
o que prevalece, na maioria das vezes, é o conteúdo (saber virtual) que é trazido pelo livro
didático, como destaca o colaborador Dentão ao tratar sobre a mudança de carga horária da
disciplina de História, na nova estrutura curricular do 6º ao 9º ano, na qual as turmas do 6º e do
7º ano possuem quatro aulas semanais da disciplina, enquanto o 8º e o 9º ano possuem apenas
duas aulas semanais.
Eu, particularmente, discordo de quatro aulas de História numa turma de 6º ano.
Praticamente já estou terminando o livro. Aí no 9° ano, que eu precisaria de mais aulas
dessa, eu só tenho duas. Havia um equilíbrio, aí agora é muito conteúdo de História
78
pro 6º ano. O 9º ano que está indo embora, vamos dizer assim, praticamente não tem
conteúdo28.
A escola pesquisada segue orientação da Secretaria Municipal de Educação, que por sua
vez, segue as orientações da rede estadual de ensino, no tocante a distribuição da carga horária
das disciplinas escolares. Percebe-se, na fala do colaborador, que atualmente no currículo da
escola, o conhecimento valorizado é o que é disseminado pelo livro didático, cujo conteúdo é
concebido como o “resumo do saber culto”, um saber-objeto.
É nítida a falta de autonomia da escola a esse respeito, além observarmos a estranheza
do colaborador em “bater” o livro em uma turma, isto é, concluir em um ano letivo os estudos
acerca dos conteúdos que o livro didático prevê para determinado ano escolar, e faltar tempo
para “repassar” o conteúdo para outra, o que lhe tem causado preocupação.
Esta preocupação das escolas com o conteúdo trazido pelo livro didático constitui um
dos pontos para a discussão atual acerca do currículo escolar que se desenvolve nas escolas do
campo, uma vez que este material não tem dialogado com a realidade desses sujeitos, em
particular com os dos sujeitos da RDSEPT, o que faz com que as questões locais não se façam
presentes, como deveriam, no currículo escolar, como aponta, ainda, o colaborador Dentão
“Como antes a gente tinha a disciplina Cultura do RN na grade curricular eu sentia que a gente
tinha uma abertura maior para trabalhar a nossa realidade”29.
Como já dito anteriormente essa visão da escola em possuir disciplinas que deem maior
abertura para o trabalho com temáticas locais é algo bem presente entre os colaboradores, visto
que se relacionam com o conjunto de conhecimentos de certo domínio ou área do saber, fato
que revela um modo de se pensar o conhecimento local à parte o conhecimento geral, criando
uma fronteira entre os conhecimentos locais e os gerais, fragmentando-os ainda mais. Para a
colaboradora Garça-Branca: “Acho que hoje deveria ter uma disciplina que contemplasse o
meio ambiente. Aqui em nossa Reserva tem uma época que a gente aflora mais essa questão
que é quando temos os Encontros Ecológicos”30.
Essa forma de significar a disciplina escolar no currículo da escola evidencia não só o
quanto os colaboradores desconhecem as questões de currículo na Educação do Campo, pois
demonstra a dificuldade da escola em inserir no seu cotidiano elementos que fazem parte da
vivência dos sujeitos educandos na comunidade, reservando um momento específico para tratar
28 Colaborador Dentão em sessão reflexiva realizada em: 22/7/2015. 29 Colaborador Dentão em sessão reflexiva realizada em: 22/7/2015. 30 Colaboradora Garça-Branca em entrevista realizada no dia 25/8/2014.
79
das questões ambientais que envolvem a comunidade, como revela a urgência em se tratar desta
temática neste momento tão importante que tem sido vivido pela escola, que é a elaboração do
seu PPP e de sua proposta curricular. Para Saviani (2010, p. 40-41):
As disciplinas escolares também sofrem alterações à medida da
renovação/estabilidade do corpo docente e das exigências e pleitos que as carreiras
profissionais passam a apresentar. Mas as mudanças mais determinantes advêm,
inegavelmente, da transformação social e cultural, dos públicos escolares, que, mesmo
com a permanência das finalidades educacionais, determina alterações no conteúdo
do ensino, interferindo na evolução das disciplinas escolares.
É necessário que os docentes, as escolas e sistemas de ensino compreendam a que parte
diversificada do currículo se refere à LDB nº 9.394/96 em seu Art. nº 26 ao tratar que os
currículos das etapas da Educação Básica devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos seus educandos, visto que no momento, em nosso Estado, constitui parte
diversificada na estrutura curricular da rede pública estadual, para fins de efeito e registro da
vida escolar dos alunos, apenas o componente curricular de Língua Inglesa.
Entendemos que o grupo colaborador está tendo a oportunidade de ressignificar as
disciplinas no currículo da escola, superando a fragmentação e a desarticulação entre os saberes
que as disciplinas se propõem a discutir e os saberes e as experiências locais.
Essa concepção do grupo colaborador acerca das disciplinas como elemento do
currículo escolar revela, também, as relações que estabeleceram, e estabelecem com os saberes
construídos nas escolas, nas academias, ao longo de suas experiências formativas, cujo
conhecimento válido e necessário é encontrado no livro didático.
As falas dos colaboradores Tamatião, Dentão e Garça-Branca demonstram a dificuldade
que a escola possui em articular em seu currículo os saberes e as experiências emanadas da
Reserva, aos conteúdos clássicos propostos pelo livro didático, deixando subtendido que o
ponto definidor para a tematização dos saberes locais no processo de elaboração do currículo
da escola tem sido os projetos de ensino com temáticas locais. Esses projetos geralmente são
elaborados no início do ano letivo, sendo dada maior ênfase no período dos Encontros
Ecológicos, e exploram atitudes de conservação à natureza, que devem ser desenvolvidas pelos
moradores e visitantes da Reserva.
Acreditamos que apesar da escola pesquisada já tratar em seu currículo de alguns
saberes e experiências locais, faz-se necessário que a equipe docente da escola, se aproprie das
80
questões que fundamentam a Educação do Campo, das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, para que possam redimensionar sua organização curricular, haja
vista que:
A identidade da escola do campo se define pela sua vinculação às questões inerentes
à sua realidade ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na
memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na
sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva do país. (Resolução
CEB/CNE nº 1/02).
O Art. 5º das mesmas Diretrizes ressalta que as propostas pedagógicas das escolas do
campo devem contemplar sua diversidade em todos os aspectos: culturais, sociais, econômicos,
políticos, de gênero, geração e etnia. A instituição de tais Diretrizes, complementada mais tarde
pela Resolução CEB/CNE nº 2/08, demarcam um novo olhar acerca da Educação do Campo,
reconhecendo a importância dos projetos e de práticas educativas que ressignifiquem o campo
brasileiro.
Essa é uma discussão que também precisa ganhar destaque, na escola, visto que
atualmente muito se têm falado de competências e habilidades necessárias aos educandos em
cada ano escolar e etapa da Educação Básica, que definirá oficialmente os conhecimentos
válidos a cada estudante do país, fato que pode impactar negativamente no fortalecimento das
identidades dos coletivos diversos que singulariza e identifica nossa Pátria, caso não seja bem
compreendido por aqueles que, de fato, pensam e elaboram o currículo nas escolas. Para Silva
(2010, p. 16):
Nas discussões cotidianas quando pensamos em currículo pensamos apenas em
conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está
inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo
que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. Talvez possamos dizer
que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de
identidade.
Considerando que o currículo é um planejamento que projeta o futuro face às propostas
do momento, e que se constitui como recurso futuro no qual, provavelmente, a criança, o jovem,
o adolescente e o adulto do campo atuarão, faz-se necessário que as questões que permeiam a
RDSEPT, campo específico para análise desta pesquisa, seja elemento deste projeto, uma vez
que sua constituição enquanto Reserva requer dos seus sujeitos uma nova forma de relação com
o meio em que vivem a construção e o fortalecimento de sua identidade enquanto Reserva.
81
Esse é um desafio que ora se impõe à escola pesquisada, mesmo que inserindo as
temáticas ambientais em seu currículo, não faz com ações sistematizadas, fato que pode
contribuir para as limitações dos horizontes da RDSEPT, pois apesar de já contemplar questões
comportamentais necessários aos sujeitos da comunidade em relação ao meio ambiente, em
particular a Reserva, além do resgate histórico dos processos políticos e sociais que resultaram
na constituição da Reserva, e integrar-se ás ações educativas propostas pelo IDEMA, ainda não
consegue pensar um projeto educativo sistematicamente articulado as múltiplas dimensões do
contexto social em que está implicada, como podemos observar, durante entrevista, na fala da
colaboradora Gavião:
A escola ainda não tinha pensado nesse tema da Reserva dentro do PPP, é um pecado,
mas nós não tínhamos pensado. Mas, é um fato importante a ser contemplado no PPP
já que aqui é uma Reserva. Acho que podemos pensar em elaborar projetos
pedagógicos para serem trabalhados pelo menos uma vez por ano, direcionando-os à
Reserva, já que a gente trabalha mais de um projeto por ano, um deles poderia estar
relacionado à história da Reserva31.
Isso significa que os saberes e as experiências dos sujeitos moradores da RDSEPT
precisam ser tematizados, articulados e considerados relevantes no currículo escolar, não
somente como forma de valorização dos conhecimentos e da cultura produzidos na
comunidade, mas como elemento problematizador do cotidiano desses sujeitos, cuja reflexão
possibilite aos educandos percebê-la de uma forma diferente, identificando suas possibilidades,
suas limitações, seu potencial enquanto área ecológica, econômica, cultural e política. Nesse
processo de elaboração do currículo, não podemos ignorar e deixar à margem da educação
formal, desenvolvida na comunidade, os saberes por ela produzidos, como propõe as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, já mencionadas anteriormente.
Passados doze anos de sua constituição, a RDSEPT ainda não foi pensada no currículo
da escola, como algo importante a ser trabalhado com os sujeitos que nela residem, fator que
pode refletir negativamente na relação de pertença dos sujeitos da comunidade com o campo
em que vivem, uma vez que a partir da criação da RDSEPT, esta deveria ter-se tornado em
referência maior para seus moradores. Antes de ser da comunidade, eles são (ou deveriam ser)
reserva.
Identificamos que a história da RDSEPT tem momentos específicos para serem
tematizados na escola, como conteúdo curricular, durante os Encontros Ecológicos, fato que
31 Colaboradora Gavião em entrevista realizada no dia 25/8/2014
82
revela que as questões do cotidiano dos sujeitos moradores da Reserva, o manejo com a área e
tudo que ela proporciona à comunidade, não são considerados importantes de serem
compartilhadas no dia-a-dia da escola.
Observamos que na escola pesquisada predomina uma educação pautada nos
conhecimentos materializados nos livros didáticos, onde não se reflete os saberes e as
experiências coletivas da comunidade. É um projeto de educação deslocado da realidade dos/as
alunos/as, de sua cultura, como podemos observar na fala da colaboradora Gavião ao se referir
ao currículo da escola e a RDSEPT:
No momento a gente só tem as informações que tem nos livrinhos do Encontro
Ecológico, e a gente foca mais esse tema da Reserva quando a gente trabalha projeto
sobre o meio ambiente, aí a gente direciona ao ambiente no qual estamos inseridos,
mas nosso currículo mesmo não tem nada que se refira especificamente à Reserva32.
Essa é uma importante questão que precisa ser refletida pelo grupo colaborador, uma
vez que ao tematizar os saberes que serão articulados no currículo escolar podem oportunizar,
ou não uma relação de identidade entre os educandos e esses saberes. Sobre essa questão,
Charlot (2000, p. 72), nos afirma:
Toda relação com o saber, enquanto relação de um sujeito com seu mundo, é uma
relação com o mundo e com uma forma de apropriação do mundo: toda relação com
o saber apresenta uma relação epistêmica. Mas qualquer relação com o saber comporta
também uma dimensão de identidade: aprender faz sentido por referência à história
do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção de vida, às suas
relações com os outros, à imagem que tem de si e a que quer dar a si e aos outros.
A constituição da RDSEPT revela os diferentes modos de ser, de pensar e de existir das
comunidades por ela atravessadas. São essas diferenças que precisam dialogar com os saberes
considerados válidos pela escola no processo de formação dos sujeitos educandos que habitam
na comunidade, pois o que está em jogo não é somente a apropriação de um saber-objeto, por
esses educandos, mas a construção de si mesmos, sua identidade. Sobre esta questão, Caldart
(2004, p. 21) destaca que:
A cultura também forma o ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo;
são os processos culturais que ao mesmo tempo expressam e garantem a própria ação
educativa do trabalho, das relações sociais, das lutas sociais. A Educação do Campo
precisa recuperar a tradição pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz
formadora, que nos ensina que a educação é uma dimensão da cultura, que a cultura é
32 Colaboradora Gavião em entrevista realizada no dia 25/8/2014
83
uma dimensão do processo histórico, e que processos pedagógicos são constituídos
desde uma cultura e participam de sua reprodução e transformação simultaneamente.
Sobre esse aspecto, Sacristán (2000, p. 34) nos afirma que:
O currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na cultura-conteúdo do
sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma concreta. A
análise desse projeto, sua representatividade, descobrir os valores que o orientam e as
opções implícitas no mesmo, esclarecer o campo em que se desenvolve condicionado
por múltiplos tipos de práticas, etc. exige uma análise crítica que o pensamento
pedagógico dominante tem evitado.
Essa é uma questão importante, pois o currículo pode assim ser definido como um
projeto seletivo de cultura, que encontra na escola tal como ela é, as condições necessárias para
conduzir o modelo de sociedade, de política e de cultura que se pretende. Dessa forma a
elaboração do currículo consiste na seleção de elementos da cultura passíveis de serem
ensinados e aprendidos na educação escolar.
Por isso é importante que a escola pesquisada reflita sobre que cultura-conteúdo se faz
necessária no processo de formação dos sujeitos educandos da RDSEPT, uma vez que não há
como dotar os educandos dos instrumentos necessários a uma efetiva participação social, sem
considerar o contexto da luta e da manutenção da RDSEPT, sem contemplar as condições de
produção de existência dos seus sujeitos.
Entretanto, observamos que, nessa direção, a escola adota de forma não sistematizada,
algumas práticas que valorizam a autonomia dos discentes, na organização e decisão do que vai
ser trabalhado pela instituição em eventos escolares, como por exemplo, o desfile cívico, que
geralmente possui como tema o meio ambiente, nas festas promovidas pela escola para a
comunidade, inserindo-os num processo de partilha de negociações entre os mesmos, para o
alcance de um objetivo comum, como destaca a colaboradora Gavião.
Os meninos do 9º ano já me perguntaram: Qual é o tema que vamos trabalhar para o
7 de setembro? Que é o Meio Ambiente. Eles estão querendo fazer uma camisa e
querem colocar o tema do projeto na camisa. Muitas de nossas apresentações são
organizadas por eles. Até mesmo para a festa das mães... Basta dar o tema, eles
procuram a música, fazem a coreografia33.
33 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada no dia 22/7/2015.
84
Entendemos que alguns educandos, culturalmente, já adotam uma postura de
participação, procurando se envolver de forma ativa na programação da escola, atitude que deve
ser potencializada por toda a equipe no currículo escolar, não apenas em um momento
específico, mas durante todo o ano letivo, em sua programação. Dar vez e voz aos estudantes é
uma forma de valorizar e potencializar sua autonomia, vivenciando e compartilhando situações
de decisões coletivas.
Para que isso aconteça é necessário expandir essas discussões para além do grupo de
elaboração do PPP da escola, mas entre a equipe, abrindo-se para ouvir os seus sujeitos
educandos, os pais, a comunidade e que juntos, discutam quais saberes são necessários ao
processo de formação dos sujeitos moradores da RDSEPT, que escola será necessária ao
atendimento das necessidades formativas destes indivíduos, no contexto das relações
estabelecidas com a RDSEPT.
Durante a pesquisa observamos que se faz necessário à equipe da escola debruçar-se
mais sobre os estudos acerca de currículo na Educação do Campo, uma vez que foi a abordagem
metodológica adotada nesta investigação que possibilitou um primeiro contato do grupo com
esta temática, cujo tempo foi insuficiente para que se consolidassem algumas questões acerca
do currículo entre os colaboradores, como podemos identificar na falado colaborador Dentão.
É por isso que hoje em dia existem diversas formas da gente repassar o conhecimento.
O aluno não vai ter que aprender só aquele conteúdo puro e batido. É por isso que se
tem falado em trabalhar os conhecimentos prévios, o que ele traz pra sala de aula, tudo
isso é importante. Assim, pode-se dizer que o currículo está muito mais além do que
a concepção que a gente focou. Ele dá conta da porta da escola ao final da escola34.
É compreensível a confusão do colaborador, ao se dar conta que o currículo escolar deve
ser pensado para além do que comumente vem sendo praticado pela escola, através do livro
didático, no entanto o currículo possui um lugar definido no fazer escolar, porque se assim não
o fosse não o tinha razão de ser, e não daria conta de nada. Refere-se ao que se faz e para que
se faz, está no plano das relações de saber que de acordo com Charlot (2000, p.85) se define
como as relações sociais consideradas sob o ponto de vista do aprender, fundada sobre as
diferenças de saber. e das experiências consideradas pela escola no processo de formação dos
sujeitos. Para Silva (2010):
34 Colaborador Dentão em sessão reflexiva realizada no dia 22/7/2015.
85
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é
trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae:
no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O
currículo é documento de identidade (SILVA, 2010, p. 150).
O currículo carrega em si, construções e representações de outras pessoas, de suas
histórias, de suas caminhadas, que são confrontadas com o sujeito educando, que pode ou não
se reconhecer, ou reconhecer os outros com os quais convive, durante a relação que estabelece
com o saber ora apresentado.
É na especificidade social, cultural, territorial e econômica, que estão imersos os sujeitos
educandos da RDSEPT, no modo como se inscrevem nesse contexto, que vão construindo sua
identidade individual ao mesmo tempo em que fortalecem a identidade coletiva da comunidade
a que pertencem , produzindo sentidos para sua existência, em relação a outras formas de existir,
a partir de uma rede de sentidos que os constituem enquanto moradores de uma Reserva de
Desenvolvimento Sustentável.
Quando nos referimos aos sujeitos educandos da RDSEPT, os consideramos a princípio,
como indivíduos ou coletivos de indivíduos identificados de modo singular, em relação aos
aspectos sociais, econômicos, políticos, naturais e culturais, no qual estão imersos, associados
a uma narrativa e um determinado grau de valoração, em detrimento da forma de organização
social da comunidade em defesa do seu modo de produção vida, em comparação com outros
sujeitos. São constituídos e históricos, estão imersos numa complexa relação de negociação de
conflitos entre eles, em relações de poder, além de dialogar com as tradições culturais,
intelectuais, com a natureza, e com suas heranças genéticas.
Nesse sentido, compreendemos que o olhar e a concepção que se vem tendo sobre este
território – o currículo escolar, na escola pesquisada, concebendo-o como um aglomerado de
conhecimentos provenientes do livro didático, é resultado de uma prática histórica, das relações
epistêmicas que a equipe docente estabelece com o saber encarnado em objetos e que tais
objetos , por não dialogar com a realidade local, têm negado as especificidades dos sujeitos
educandos da RDSEPT, desenvolvendo uma prática que não reflete o contexto no qual a escola
está inserida.
Assim, faz-se necessário que a instituição fortaleça internamente o processo de
elaboração de seu currículo, numa perspectiva dialógica e coletiva, como aponta as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo e as Diretrizes nacionais para a
Educação Básica, considerando as particularidades do meio em que estão inseridos os
educandos, na parte diversificada, de forma consciente e sistematizada.
86
Não podemos esquecer que discutir com as escolas do campo de que forma será essa
inserção dos saberes, locais e regionais, na parte diversificada do currículo, é fator relevante no
atual contexto educacional, para que não seja gerada uma situação de retrocesso nessas escolas,
haja vista que o princípio do respeito à diversidade, do direito à educação, dentro da educação
do campo é fundamento das investiduras dos movimentos sociais como já foi mencionado neste
trabalho, onde as situações de vida dos educandos precisa se fazer presente no currículo da
escola.
No entanto, evidenciamos que, mesmo compreendendo o currículo como programa, os
docentes reconhecem a importância de implementar os conhecimentos prévios dos alunos, seus
saberes e suas habilidades no currículo escolar, ainda que inconscientes e de forma não
sistematizada.
Quando destacam os aspectos históricos e ambientais da RDSEPT na escola, através de
projetos didáticos que envolvem toda a comunidade escolar, estabelecem uma valoração desse
processo, na construção do conhecimento com os educandos. Assim quando participam das
atividades promovidas pelo IDEMA, bem como dos Encontros Ecológicos articulados pelo
Comitê Gestor da RDSEPT e junto com este realiza tal evento, demonstra o quanto é importante
que se reavive o movimento de luta social nas comunidades, no processo de ensino e
aprendizagem.
Assim, reconhecemos que ao organizar junto com os alunos trabalhos que ressaltem
seus talentos, deixando-os decidirem sobre formas de apresentações de suas produções
artísticas e culturais na escola, a equipe sinaliza uma abertura para a inserção dos saberes locais
no currículo da escola, ainda que por meio de eventos pontuais, além de fortalecer o processo
de partilha de decisões coletivas entre os alunos.
4.2 EXPERIÊNCIA E O SABER DA EXPERIÊNCIA NO CURRÍCULO ESCOLAR: UMA
DISCUSSÃO NECESSÁRIA
Ao longo dos anos o saber escolar, na forma de conteúdos, tem sido uma questão central
a ser debatida pelos professores durante o processo de elaboração da proposta curricular, isso
porque “selecionar” os conhecimentos válidos e necessários de serem abordados e expandidos
para um determinado grupo, em um determinado ano escolar, na área de conhecimento e na
disciplina, não constitui tarefa fácil, e deve estar em consonância com um projeto educativo
87
maior, o Projeto Político Pedagógico – PPP, da instituição. Esta pesquisa nos apontou algumas
situações cruciais ao grupo colaborador, quando da tematização e da articulação dos saberes e
das experiências dos sujeitos da RDSEPT, no currículo da escola.
Estamos imersos cotidianamente em acontecimentos que apesar de vividos por várias
pessoas ao mesmo tempo, não são significados da mesma forma por elas, ou seja, cada um de
nós estabelece uma relação diferente com os acontecimentos e as marcas por eles deixados em
nós, vão se constituindo nas experiências, nos ensinamentos, nas aprendizagens, em nossos
conhecimentos.
Essa é a concepção de experiência que assumimos em nosso trabalho, ancorados em
Bondía (2002, p. 25) que ao discorrer etimologicamente sobre a palavra experiência nos ressalta
que nos ressalta que:
A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se
experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum,
perigo. A raiz indo-europeia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de
travessia, e secundariamente a ideia de prova. Em grego há numerosos derivados
dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera,
mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas
línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês.(...)
A palavra experiência tem o ex de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e
também o ex de existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de
um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-
iste” de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente.
O autor ainda destaca que o modo pelo qual vamos respondendo a esses acontecimentos,
os sentidos que vamos produzindo sobre eles se constitui em um saber específico da
experiência, propício a ela. Ele afirma:
Durante séculos, o saber humano havia sido entendido como um pátheimáthos, como
uma aprendizagem no e pelo padecer, no e por aquilo que nos acontece. Este é o saber
da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai
lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer
do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as
coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece (BONDÍA, 2002, p.
27).
Esse é o conceito de saber como uma relação, produção de sentidos e de experiência que
assumimos em nossa questão de partida: “Quais saberes e experiências dos sujeitos da RDSEPT
são articulados no currículo do Ensino Fundamental da Escola Municipal Alferes Cassiano
Martins?”, por compreendermos que o contexto sociocultural da RDSEPT, que envolve a
comunidade de Barreiras, se faz concreto e singular, coletivo, cuja forma de existência parte da
88
subjetividade e da relação estabelecida entre os sujeitos com ela, nas comunidades por ela
atravessadas.
O processo de constituição da RDSEPT deixou marcas históricas de lutas, organização
social e resistências, nas comunidades que abrange, requerendo dos moradores um novo modo
de se relacionar com o meio ambiente, no desenvolvimento das atividades pesqueiras, nos
cuidados com o saneamento básico, nas formas de manejar os recursos naturais ali existentes,
trazendo novas responsabilidades para os moradores, para que de fato se tornem comunidades
sustentáveis.
Tal acontecimento fez mudar, de alguma forma, o cotidiano daquelas pessoas, as
necessidades de se discutir com a comunidade novas relações a serem estabelecidas com a área,
a realização de cursos para pescadores sobre meio ambiente, a iniciativa ao turismo de base
comunitária, a instalação de uma rádio local na Reserva, a realização de curso de especialização,
dentre outros aspectos, além de, se tornarem objetos e locus de pesquisa nas mais diversas áreas,
turísticas, econômicas, ambientais, biológicas, geográficas, educacionais, tornando-se
referência de investigação científica naquelas comunidades.
A relação dos pescadores artesanais, das marisqueiras, dos pequenos agricultores, dos
caçadores, com esse espaço de produção da subsistência dos sujeitos que nela/dela vivem,
demandou do Conselho Gestor e dos órgãos competentes um diálogo constante com a
comunidade e o compartilhamento de decisões coletivas, que incidem sobre o modo de vida nas
comunidades. Tais diálogos realizam-se nos espaços organizados para esse fim, nas reuniões
do Conselho Gestor, nos Encontros Ecológicos, para garantir junto a comunidade um novo
modo de viver e ser Reserva, sem com isso, descaracterizar as comunidades já existentes.
São as novas formas de significar as relações entre os moradores das comunidades e a
Reserva, a partir dos acontecimentos históricos já mencionados nesse trabalho, o
desenvolvimento de habilidades e competências35 que possibilitem a sustentabilidade dessas
relações que precisam ser repensados, discutidos no território do currículo escolar, sem ignorar
a rede de conhecimento advinda com a construção da Reserva. Mais do que uma área ambiental,
ela constitui um lugar específico nessas comunidades, com suas trilhas ecológicas, dunas,
restingas, manguezais..., abrigando a vida na diversidade de sua existência.
35 Segundo Perrenoud (1999), as competências são traduzidas em domínios práticos das situações
cotidianas que necessariamente passam compreensão da ação empreendida e do uso a que essa ação se
destina. Já as habilidades são representadas pelas ações em si, ou seja, pelas ações determinadas pelas
competências de forma concreta (como escovar o cabelo, pintar, escrever, montar e desmontar, tocar
instrumentos musicais etc.)
89
Esta é a importância e o desafio da Educação do Campo, não só para Macau, mas para
todo o país, reconhecer as diferentes formas da existência humana em sua relação com a terra,
as águas, com as florestas, dentre outros campos, no currículo escolar. Inserir os saberes
tradicionalmente produzidos na comunidade, conectando-os às perspectivas futuras, ao
desenvolvimento, à sustentabilidade, tarefa que deve ser construída no diálogo, nos consensos.
Entendemos que nesse momento em que se repensa o currículo escolar o grupo
colaborador também lança mão de saberes e de experiências docentes para materializar a
proposta curricular da escola, num documento vivo, ativo, orientador das práticas pedagógicas,
sendo necessário levantarmos alguns questionamentos que puderam ser utilizados pela equipe
para nortear a reflexão: O que aconteceu (acontece) na comunidade que nos tocou/a? O que tem
atravessado os nossos educandos? Que experiências trazem consigo? Onde essas experiências
se desenvolvem (na família, nas relações sociais na comunidade, nos movimentos)? Quais
saberes são necessários aos sujeitos da Reserva? De quais comportamentos econômicos,
socioculturais a Reserva necessita para se manter sustentável? Qual é o papel da escola diante
da Reserva? O que podemos ensinar e aprender com o movimento Pró- reserva? Qual é o
significado dos Encontros Ecológicos para comunidade (escolar e local)? O que deve ser
considerado e inserido no currículo da escola? De que forma? Quais saberes escolares precisa
dialogar com os saberes produzidos na Reserva?
Estes questionamentos longe de buscarem, ou terem uma única resposta, oportunizaram
o Grupo Colaborador refletir sobre a escola, sua função social, seu papel, seus sujeitos, seu
entorno, sua forma de existir na comunidade.
Vale ressaltar que no contexto da Educação do Campo, esse diálogo entre os saberes da
experiência no currículo escolar, compreendido como vivenciar o conjunto de experiências,
tornando-as próprias, subentende-se a possibilidade do encontro, da interação e do deixar-se
permear pelo outro, ao mesmo tempo diferenciar-se dele. Este encontro com o outro nos remete
a nós mesmos, à construção de nossa própria identidade, ou da nossa identidade coletiva, o que
nos é próprio, singular em relação a outros grupos, outros campos. Nessa direção, Sacristán
(2000, p. 41) destaca:
Partindo do pressuposto de que os aspectos intelectuais, físicos, emocionais e sociais
são importantes no desenvolvimento e na vida do indivíduo, levando em conta, além
disso, que terão de ser objeto de tratamentos coerentes para que se consigam
finalidades tão diversas, ter-se-á que ponderar, como consequência inevitável, os
aspectos metodológicos do ensino, já que destes depende a consecução de muitas
dessas finalidades e não de conteúdos estritos de ensino. Desde então, a metodologia
e a importância da experiência estão ligadas indissoluvelmente ao conceito de
90
currículo. O importante do currículo é a experiência, a recriação da cultura em termos
de vivências, a provocação de situações problemáticas.
Ou seja, o currículo escolar deve voltar sua atenção, não só para os saberes-objeto, mas
para os processos educativos, tendo em vista o desenvolvimento do educando e sua relação com
a sociedade. Nesse sentido, faz-se necessário refletir qual o lugar que a experiência ocupa no
currículo da escola pesquisada, tendo em vista as discussões já apresentadas neste trabalho
acerca do pensamento do grupo colaborador sobre o currículo escolar, atualmente definido pelo
que propõe o livro didático. Não se trata de privilegiar um saber, em detrimento do outro, mas
de como articular as experiências dos educandos, com os conhecimentos e com a cultura
elaborada, numa complexidade necessária à atual sociedade, em seus mais variados aspectos.
Retomamos o pensamento de Bondía (2002, p. 19) quando este nos chama a atenção
para a formação do sujeito da experiência, que para ele, “seria algo como um território de
passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo,
produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos”, ou seja,
um sujeito disponível, receptível, aberto, perene, é território onde os acontecimentos têm lugar.
Este sujeito se expõe e se arrisca, protagoniza as transformações sociais, sem temê-las porque
sua formação foi forjada no encontro das experiências, nas travessias.
Garantir no currículo escolar a experiência e o saber da experiência requer compromisso
não somente com a formação desse sujeito, mas com a formação docente, uma vez que a prática
destes profissionais também exige vivências formativas. Nessa perspectiva, para que a escola
se constitua numa fonte de pensamento, deve reconfigurar o seu espaço de formação docente,
fazendo uma interrupção entre a pressa de seu fazer cotidiano e os acontecimentos, sentindo-os
com mais lentidão, indo devagar nas formulações dos juízos e opiniões. Ter tempo, fazer bom
uso deste.
O autor, ainda faz ressalvas com relação ao uso da palavra "experiência" no campo da
ciência moderna, nos convidando à reflexão para o fato desta palavra remeter comumente à
compreensão de um conhecimento inferior, menosprezada e tratada como linguagem menor, no
âmbito da ciência moderna, porque para a ciência, a experiência é sempre subjetiva, contextual,
finita, liga-se à fugacidade do tempo, a situações concretas e particulares, impossível de ser
objetivada e universalizada.
No entanto, compreendemos que a experiência está para além de um método, de um
caminho seguro, de um experimento, porque ela é singular, de acordo com o modo pelo qual os
91
sujeitos constroem os sentidos, ela vai se diferenciando de tantas outras experiências. Sobre
essa questão da experiência, no âmbito do currículo escolar, Sacristán (2000, p. 44) alerta:
O enfoque experiencial costuma se referir, geralmente, aos níveis mais básicos do
sistema educativo. A “psicopedagogização” do pensamento e da prática educativa, se
assim pode ser denominada, afeta os primeiros níveis do sistema educativo, a
formação de seus professores e a própria concepção da profissionalização docente. À
medida que ascendemos de nível, o peso dos conteúdos especializados,
correspondentes a diversas parcelas do saber científico, social, humanístico, técnico,
etc., adquire o valor de referenciais para pensar e organizar o currículo. Um problema
iminente nas sociedades mais desenvolvidas, colocadas pelo próprio prolongamento
da escolaridade obrigatória.
Podemos inferir que este aspecto experiencial apontado pelo autor tem predominado nas
etapas da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que pode se
constituírem um dos motivos para a dificuldade que alguns professores e escolas, apresentam
ao tentar inserir os saberes e as experiências dos educandos no currículo escolar, principalmente
nos anos finais do Ensino Fundamental, como aponta o colaborador Dentão:
As meninas (ao referir-se aos docentes dos anos iniciais) estão com todas as
disciplinas nas mãos delas, os meninos (alunos) estão todos os dias, por isso fica mais
fácil delas trabalharem de uma forma diferente, mais articulada com as questões da
comunidade, de forma interdisciplinar. O que se quer dizer é que do 6º ao 9º vai puxar
cada um pra sua área (sobre os projetos da escola), não fugindo do objetivo geral, mas
acaba que a disciplina direcionando pra sua área. Quer queira, ou não, a gente ainda
está muito acostumada a trabalhar dessa forma36.
O colaborador entende que a mudança dos anos iniciais para os anos finais, não é
impactada somente pela maturação biológica do educando, mas pela própria forma de
organização escolar, onde a fragmentação do saber se acentua na medida em que se avança nas
etapas de escolarização, cujo ensino desconecta-se de uma realidade onde há um professor
organizando e articulando os saberes entre as disciplinas que leciona, num processo que busca
a interdisciplinaridade, para uma realidade onde os saberes estão compartimentalizados entre
as disciplinas e seus professores.
Diante da pesquisa identificamos que esse germinar do trabalho escolar de forma mais
sistematizado, planejado e reflexivo, quanto ao trabalho pedagógico, acontece apenas nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, como nos aponta a colaboradora Gavião, reforçando o aspecto
fragmentado das práticas curriculares nos anos finais do Ensino Fundamental, como já havia
apontado o colaborador Dentão.
36 Colaborador Dentão em Sessão reflexiva realizada em 22/7/2015.
92
Trabalhamos com o projeto Meio Ambiente com todas as etapas e modalidades, só
que geralmente ele é mais acentuado no Ensino Fundamental anos iniciais, ele tem
um enfoque maior. Quando a gente (referindo-se aos professores do 6º ao 9º ano)
chega no 2º semestre é que a gente começa a trabalhar esse projeto que já foi elaborado
lá, no início do ano letivo, devido a esses entraves maiores, do tipo: falta de professor,
de aula, questão de não reunir todo mundo para o planejamento [...]37
A perpetuação de algumas situações como a rotatividade no quadro docente da escola e
a falta de professor, típicas da falta de atenção ao longo dos anos às escolas do campo, tem
agravado a observação de Sacristán (2000) quanto ao desenvolvimento da presença do nível
experiencial do currículo das escolas, nas primeiras etapas de escolarização.
Podemos perceber que a mudança nas etapas de escolarização traz novos desafios à
organização escolar e ao currículo da escola. Da Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o educando convive numa realidade, onde há um único docente pensando e
organizando as situações de aprendizagem, os saberes e as experiências necessárias ao
desenvolvimento do educando, nestas etapas, ao passo que, a partir dos anos finais do Ensino
Fundamental são vários professores que precisam de tempo e disponibilidade para se articular
entre si, de maneira que pensem de forma mais inteira as necessidades formativas dos educando,
e de que maneira contemplá-las, de como torna-las menos fragmentadas no currículo escolar.
A fragmentação da prática curricular desenvolvida na escola pesquisada pode
corroborar para a marginalização dos saberes locais, no cotidiano da escola e provocar o
descrédito dos alunos sobre o modo de vida local, ignorando as possibilidades de
desenvolvimento socioeconômico da comunidade, como podemos observar na fala da
colaboradora Garça-Branca:
Eu não sei lá (referindo-se a Diogo Lopes), mas aqui os pais não querem que seus
filhos sejam pescadores, porque é uma vida sofrida que têm. Eles dizem que não
querem que seus filhos sejam iguais a eles. Apesar de que em alguns momentos na
nossa conversa com os alunos, em quererem uma coisa melhor para eles, dizem assim:
Ah! Qualquer coisa eu vou pescar38.
Assim como os pais, a escola também considera a pesca uma atividade profissional sem
muito retorno econômico, que não é digna de ser seguida pelos educandos, como se pode
observar na fala da colaboradora, refletindo nas respostas dos educandos. Isso evidencia que os
saberes advindos da pesca artesanal não são valorizados no currículo da escola, tampouco esta
37 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada no dia 22/7/2015 38 Colaboradora Garça-Branca em sessão reflexiva realizada em 21/7/2015.
93
profissão, o que pode provocar a extinção de pescadores in loco, como nos aponta as
colaboradoras, Galinha do Mangue e Gavião “Aqui, agora, a maioria da nossa comunidade não
são mais filhos de pescadores. Aqui os pais trabalham mais nas empresas do polo de Guamaré,
em Recife, como Pedreiro [...]”39
Hoje o número de pescadores se concentra mais em Diogo Lopes, mas há dez anos
aqui havia um número bom de pescadores. Hoje em dia os rapazinhos não querem
mais ser pescador. Os filhos dos pescadores também não querem porque tão vendo a
dificuldade. Têm pessoas que saem para pescar e voltam quase sem nada. Na própria
comunidade você mal consegue peixe. Os pescadores vão para alto-mar e quando
voltam já deixam o pescado no machante para ser repassado para as pessoas de fora.
Não tem ficado quase nada na comunidade.40
As marcas das experiências da pesca artesanal como atividade econômica, forma de
subsistência, parece ter deixado marcado negativamente a comunidade. Entendemos que ao
longo dos anos essa prática não foi sendo ressignificada, nem valorizada pelos moradores da
comunidade, em virtude dos riscos, do sofrimento e do pouco retorno financeiro. Sem um olhar
mais sensível, sem investimentos e sem conhecimentos mais elaborados, a característica maior
da Reserva, o desenvolvimento e a sustentabilidade, parece estar em risco. Sobre essa questão
a colaboradora Gavião reflete que:
Se as pessoas da comunidade estão migrando para outras áreas de trabalho que não
têm nada a ver com a Reserva e o que ela pode possibilitar economicamente, então
não está sendo sustentável. Acho que isso é pra ser pensado em nosso currículo41.
A reflexão da colaboradora evidencia que se faz necessário inserir no currículo da escola
as questões que problematizam o desenvolvimento sustentável nas escolas do campo, refletindo
com os educandos as possibilidades de desenvolvimento local, constituindo-se em espaço de
difusão de valores e conhecimentos que viabilizem a sustentabilidade dos ecossistemas e a
manutenção dos recursos naturais considerados a base para a reprodução social dos coletivos
que ali habitam.
Para a colaboradora Tamatião, essa questão da sustentabilidade e desenvolvimento
econômico já começou a ser repensado na comunidade vizinha pelo setor da economia
pesqueira ao afirmar que:
39 Colaboradora Galinha do Mangue em sessão reflexiva realizada no dia 21/07/2015 40 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada em 21/7/2015 41 Colaboradora Gavião em sessão reflexiva realizada em 21/7/2015
94
Em Diogo Lopes fizeram um frigorífico, fizeram um rancho de pesca de sardinha e
agora está sendo feito um de Peixe-voador. Lá eles estão buscando alternativas, só
não sei dizer se tem tido articulação com os pescadores daqui42.
Estas questões revelam a importância de se considerar no currículo da escola
pesquisada, os saberes tradicionais da pesca artesanal articulado as possibilidades coletivas de
organização econômica, oportunizando novas formas dos sujeitos educandos se relacionar com
os acontecimentos de sua comunidade, criando oportunidades para que se exponham, deixem
suas marcas, construam novos saberes acerca desta atividade na comunidade.
Nesse sentido, podemos dizer que o espaço de formação do currículo na escola
pesquisada, não tem servido para os alunos produzirem sentido, acerca da realidade local, isto
é, compreender e significar o processo de constituição da RDSEPT, como locus de saber,
observando a equivalência entre identidade e diferença, visto que mais se aproxima da
disseminação de saberes-objeto, encarnados nos livros didáticos.
Sabemos que os processos educativos passam pelo conjunto de experiências, de
vivências que o ser humano tem ao longo de sua vida. Essas experiências que marcam a todos
são as produções de sentido, isto é, nas relações e nas valorações que consideramos pertinentes,
no modo como nos produzimos como pessoas. Ao produzir seu alimento, suas roupas, suas
ferramentas, seu conhecimento, o ser humano se produz como pessoa. É esta atividade que dá
sentido à vida. É esse o cultivo do ser humano, como sujeito cultural que não deve ser separado
do currículo da escola.
42 Colaboradora Tamatião em sessão reflexiva realizada em 21/7/2015
95
5 LANÇANDO A ÂNCORA: TECENDO AS IMPRESSÕES FINAIS DA PESQUISA
O trabalho investigativo ora apresentado trata de quais saberes e experiências dos
sujeitos da RDSEPT são tematizadas no currículo do Ensino Fundamental, da Escola Municipal
Alferes Cassiano Martins, Macau – RN. A relevância desse constructo investigativo
interpretativo consiste na análise das concepções curriculares que permearam o processo de
discussão para a elaboração da proposta curricular da referida escola, localizada numa área de
campo, para ser desenvolvida formalmente com os sujeitos educandos da RDSEPT.
Para tanto, desenvolvemos nossa pesquisa numa abordagem qualitativa, de caráter
interpretativo, nos guiando por um processo de reflexão acerca da construção da proposta
curricular da escola pesquisada, que nos possibilitou repensar os nossos objetivos na pesquisa,
e nos aproximarmos ainda mais do nosso objeto de estudo e das construções dos dados, a partir
dos procedimentos adotados na pesquisa, com a colaboração do grupo de elaboração do Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola.
Assim, mergulhados numa perspectiva reflexiva e dialógica, realizamos observações,
entrevistas semiestruturadas e sessões reflexivas, que ao destacar o campo da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT) nos permitiu constatar,
dentre outros aspectos, que a escola pesquisada, por estar situada numa área pesqueira, de mar,
restinga e duna, tem dificuldades de se reconhecer enquanto escola do campo, uma vez que sua
concepção acerca desta modalidade ainda está limitada ao campo agricultor / campesino /
assentamento. Compreendemos que esta percepção da escola sobre si em relação as demais
escolas do campo, decorre do fato de o movimento por uma educação do campo ter nascido no
seio do MST.
Constatamos, também, que a metodologia adotada oportunizou o primeiro espaço
formativo acerca da educação do campo para o Grupo Colaborador, onde os questionamentos
levantados possibilitaram a equipe a repensar no processo de reelaboração do currículo e do seu
Projeto Político Pedagógico, a sistematização de sua ação educativa de forma que venha a
contemplar os saberes e as experiências dos seus sujeitos educandos, sinalizando a entrada da
escola num processo de reconstrução de sua identidade enquanto escola do campo, para
construir uma nova forma de existência e pertença com os seus sujeitos na comunidade em que
está inserida.
Construímos essa análise conclusiva a partir de eixos de análise, tomados como ponto
reflexivo entre as questões identitárias da educação do campo, em particular da RDSEPT, as
96
concepções sobre o currículo escolar a partir do paradigma da educação do campo,
identificando alguns elementos necessários à construção da proposta curricular para a Educação
do Campo, tais como os saberes e experiências que nele se inserem. Nessa ótica, analisamos as
elaborações do grupo colaborador acerca do currículo na escola, como o concebem, quais
saberes e experiências são consideradas válidas e articuladas na proposta curricular da
instituição, pelo mesmo.
Sabemos que em uma investigação os dados e os fatos não se revelam direta e
gratuitamente aos olhos do pesquisador, mas a partir das interrogações que fazemos sobre eles,
pautado no que conhecemos e pressupomos sobre a realidade investigada, dessa forma o nosso
primeiro eixo de análise refere-se à construção da identidade da escola do campo, tomando
como referência a escola pesquisada, ao adentrarmos nos mares da Educação do Campo,
desvelando sua diversidade com as lentes da RDSEPT.
Compreendemos que por desconhecimento das questões territoriais, sociais, históricas,
culturais e econômicas que cerceiam a construção da Educação do Campo, a equipe da escola
não tem legitimado no processo de construção do seu PPP e de sua proposta curricular os
princípios da construção identitária da Educação do Campo, que é a vinculação da prática
educativa com a realidade dos sujeitos educandos, pois percebemos que o diálogo entre a prática
educativa da escola e as questões socioeconômicas, culturais, políticas e geográficas, nas quais
os sujeitos educandos da RDSEPT estão imersos, acontece numa perspectiva acrítica por parte
da equipe, com organização de momentos específicos para tratar dessas questões. Essa
problemática foi tematizada durante as sessões reflexivas e as entrevistas onde pudemos
repensar com o Grupo Colaborador quais características identificam a escola pesquisada
enquanto escola do campo.
Notamos, também, que a rotatividade no quadro docente da escola, ao longo dos anos,
constituiu em fator relevante para o desenvolvimento de uma prática curricular desenraizada
dos signos locais, das trajetórias de vida da comunidade, nutrindo o pensamento de que era
preciso que o ensino local se desse da mesma forma que na sede do município, para que os
alunos da Reserva possam alçar novos voos. Há que se ressaltar que a própria organização da
escola, por turmas anuais, difere comumente das salas multisseriadas presente nas escolas do
campo, fato que contribui para a compreensão de uma visão urbana nos modos de fazer escola,
uma vez que no município a multisseriação está presente nas escolas do Centro Municipal de
Ensino Rural.
Nesse sentido, identificamos que há a necessidade dos profissionais da escola se
perceberem e se reconhecerem como pertencentes ao campo, e que a organização das práticas
97
educativas da escola, longe de se constituir numa extensão do modelo urbano de se pensar e
fazer escola, deve se inscrever num projeto educativo para a sua realidade, para as formas de
organização social da comunidade, fomentando e fortalecendo o debate local acerca da
constituição e manutenção da RDSEPT. Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de
formação continuada, que oportunize aos docentes a problematização de suas práticas no
contexto da Educação do Campo, de modo a contribuir com a implementação desse debate na
escola.
Entendemos que esse desconhecimento resulta, também, da tensão que existe na
organização escolar em lidar com a diversidade, com a articulação dos conhecimentos locais e
o conhecimento geral, com outros coletivos, no reconhecimento das diferentes vozes, na
compreensão de que há múltiplas formas e espaços em que acontece o ensino e a aprendizagem.
Constatamos que as concepções curriculares da escola encontram-se enraizadas nos
modelos tradicionais, onde prevalecem as adaptações dos conteúdos dos livros didáticos, como
forma de instrumentalizar o educando, onde a cultura livresca indica uma forma de representar
o campo como local de atraso, pois fica subtendido que o aluno da RDSEPT tem que ter o
mesmo conteúdo que os alunos da sede do município.
No entanto observamos que na prática a escola tem se desprendido, em alguns
momentos específicos, desse modelo, para inserir as questões ambientais locais, no currículo
da escola, ao adotar em seus projetos de ensino o tema da RDSEPT. Esta é uma questão
importante, pois esta abertura da escola para inserir elementos do contexto do aluno no currículo
da escola, mudando o seu conteúdo, toca num aspecto fundamental da cultura, onde serão
insinuados outros comportamentos culturais, fato que pode contribuir para o fortalecimento da
identidade dos sujeitos da RDSEPT, dos seus sentimentos de pertença.
Essas percepções foram elaboradas no desenrolar dos procedimentos metodológicos da
pesquisa, pois notamos que mesmo de forma acrítica, o Grupo Colaborador evidenciou a
importância de a escola explorar mais o contexto sociocultural que envolve os educandos na
sua proposta pedagógica, o que nos faz inferir que esta questão emerge da participação da escola
nos Encontros Ecológicos. Consideramos que esses Encontros se constituem em espaços de
mobilização das comunidades em prol da ação contínua de refletir o modo de vida nas
comunidades numa perspectiva da sustentabilidade, onde saberes são compartilhados e
negociados.
Outro fator a ser considerado acerca da organização curricular da escola, diz respeito a
importância dada pela equipe às disciplinas enquanto campos de articulação entre saberes
necessários aos educandos. Apesar de no paradigma da Educação, a criação de novas disciplinas
98
ser algo possível, entendemos que no contexto da escola pesquisada, para além desta questão,
é denunciado o abismo que separa no currículo, os conhecimentos locais dos conhecimentos
gerais. As falas dos co-partícipes revelaram a dificuldade da escola lidar com os saberes que
não estão prescritos, que não estão enquadrados no saber escolar, gerando, portanto, uma
indefinição na elaboração do currículo escolar.
Dessa forma consideramos que no tocante a elaboração da proposta curricular para a
escola, a luz do paradigma da educação há uma prática curricular cambiante, em que a oscilação
entre o pensamento crítico e acrítico reflete na fragilidade da articulação dos saberes e das
experiências dos sujeitos educandos no processo de elaboração da proposta curricular da escola
pelo Grupo Colaborador, constituindo-se num entrave para a construção de uma proposta
curricular que respalde um projeto educativo emancipador para os sujeitos da Reserva.
Analisando a composição do Grupo de Trabalho do PPP da escola pesquisada,
reconhecemos que houve uma tentativa da escola em representar os vários segmentos que a
compõem, mas também identificamos que apesar de a maioria dos representantes possuírem
formação acadêmica, aspectos conceituais e operacionais acerca da elaboração do PPP e da
proposta curricular são desconhecidos pelo grupo, fato que fragiliza a condução dos trabalhos
para repensar esses instrumentos na escola, podendo comprometer a autonomia da escola, ao
mesmo tempo em que revela as fragilidades na formação inicial de tais profissionais.
Contudo, vimos no Grupo Colaborador, o desejo de se apropriarem dessas questões para
materializarem as suas proposições través da elaboração do PPP e da proposta curricular da
escola, compromisso que aconteceu no desenrolar dessa investigação, onde pudemos
acompanhar parte desse processo, que se constituiu em objeto de análise nessa pesquisa,
considerando o PPP que já existia na escola, elaborado em 2002, com o apoio da equipe técnica
da Secretaria de Educação do município. O grupo reconheceu a necessidade de reelaborar o
PPP da escola, porque sua proposta não mais correspondia à realidade da escola no contexto da
Reserva.
Durante as sessões reflexivas pudemos observar que o atual momento de construção
coletiva do PPP no qual o Grupo Colaborador vivenciava, se diferia do processo de elaboração
ocorrido em 2002, por possibilitar a participação da comunidade escolar através de
representações, possibilitando a construção de um projeto educativo pensado pelos seus
sujeitos, fato que não ocorreu em 2002, pois tiveram um PPP elaborado pela equipe técnica da
Secretaria Municipal de Educação.
No tocante aos saberes e as experiências dos sujeitos educandos da Reserva, notamos
que a escola consegue articular o processo histórico que constituiu a RDSEPT no currículo
99
escolar por considerar que este saber dialoga com os conteúdos da disciplina de História,
demonstrando o pensamento do grupo de que os saberes presentes nas salas de aula precisam
se enquadrar em um determinado componente curricular, o que dá certo status no grau de
importância das disciplinas pela equipe da escola. Essa questão revela que a escola apesar de
tratar o saber local enquanto saber-objeto busca construir referências para os educandos,
trazendo elementos da trajetória coletiva da comunidade para serem discutidos no seu interior,
o que oportuniza aos educandos a construção de novas relações com o saber.
No que se refere às questões de conservação do espaço físico da Reserva, a escola
problematiza temáticas ambientais locais através dos materiais produzidos para os Encontros
Ecológicos, relacionando-as com outras situações presentes nos livros didáticos, engajando as
turmas nas atividades propostas pelo IDEMA. No entanto, a escola não amplia as questões de
conservação para além do espaço físico, uma vez que notamos nas falas dos colaboradores a
relação entre conservação e recursos extraídos das águas e dos mangues, por exemplo, questão
central no tocante a sustentabilidade das comunidades, uma vez que é preciso aprender a
equalizar a exploração de tais recursos.
Consideramos a importância dos Encontros Ecológicos no processo de mobilização das
comunidades, no engajamento da escola nas questões que atravessam a Reserva, mas sentimos
ausência de atividades que integrem outros espaços de formação constituídos após a RDSEPT,
como o “Rancho” espaço voltado para a integração das comunidades através de eventos
culturais, da capacitação de pessoal e da formação de grupos teatrais locais, o Projeto Rede
Cidadã no Barco Solidário, constitui-se em alternativa para o desenvolvimento econômico em
face das dificuldades advindas da pesca artesanal, buscando potencializar a comunidade para
outras perspectivas econômicas, a partir da pesca e das belezas naturais das comunidades, além
de oferecer aulas de campo em trilhas de barco ou terrestre, e o Ecoposto espaço destinado às
atividades do Conselho Gestor, além de preservar a memória coletiva da constituição da
Reserva através de registros bibliográficos e fotográficos.
As ausências desses espaços na organização da prática educativa da escola foram
refletidas em nossas sessões reflexivas, onde o Grupo Colaborador pode reconhecer a
importância de se somar estes espaços nas estratégias de formação propostos pela escola, o que
demonstra certa consciência acerca da função social da escola, oportunizando a negociação em
se compreender diferentes espaços formativos na Educação do Campo. Com isso, visamos
desenvolver a capacidade de criticidade do Grupo Colaborador, frente às questões de Educação
do Campo na escola, em face da RSDEPT. Para isso retomamos como ponto de reflexão a
100
tematização dos saberes e das experiências dos sujeitos da Reserva nas discussões propostas
pelo grupo para a construção da proposta curricular da instituição.
O Grupo Colaborador considerou que a inserção dos saberes e das experiências dos
sujeitos da RDSEPT no currículo escolar significa modificar a relação do ensino com a tradição
escolar aceita por todos da atual equipe da escola pesquisada, e que isso introduzirá uma
problemática política contrária ao modelo cultural da seleção de conteúdos prescritos nos livros
didáticos dos alunos e professores. Essa reflexão emergiu das discussões propostas na pesquisa
revelando que uma nova forma de compreender os saberes e as experiências locais no currículo
escolar oportuniza uma nova forma de professores e alunos se relacionarem com o saber no
paradigma da educação do campo.
Outro fator relevante das reflexões coletivas propostas nessa investigação foi
constatarmos que o Grupo Colaborador compartilha da ideia de se rever a articulação entre os
componentes curriculares na organização curricular da escola, que se dá por projetos de ensino.
Identificaram que em sua proposta o diálogo entre as disciplinas estava sendo comprometida
pela forma de como compreendiam o projeto na escola. Com isso, a equipe demonstrou a
possibilidade de realização de uma prática educativa numa perspectiva interdisciplinar, o que
vem sendo discutido na Educação do Campo.
Defendemos que o currículo escolar da escola do campo se expressa enquanto
identidade e trajetória dos sujeitos envolvidos no processo de formação escolar, ao passo em
que compreende os elementos da realidade que circunda esses sujeitos, por isso a importância
do Grupo Colaborador se apropriar das questões conceituais que fundamentam a elaboração do
currículo escolar no campo. Essa compreensão pressupõe um processo de conscientização que
se funda numa permanente autorreflexão instalada sobre a prática educativa da escola crítica e
emancipadora.
Ao referenciarmos o aspecto cultural do currículo, nos reportamos aos saberes
tematizados pelos professores durante o processo de elaboração da proposta curricular para a
escola, sobretudo, na legitimidade da identidade coletiva dos sujeitos da Reserva, uma vez que
a questão central que serve de pano de fundo para a elaboração e implementação do currículo
na escola é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado. Dessa assertiva, advém a
concepção de que o currículo na educação deve valorizar a dimensão cultural dos sujeitos do
campo, além de considerar os aspectos socioeconômicos que envolvem os educandos e suas
famílias.
Comprovamos que a tematização, dos saberes e experiências da RDSEPT no currículo
escolar, revela uma forma dos professores se relacionarem, também, com o saber, onde a
101
compreensão do saber-objeto, materializado nos livros didáticos tem se constituído em
referência na elaboração da proposta curricular. Entendemos que esse aspecto na definição do
currículo escolar precisa ser redimensionado, pois os livros didáticos, em particular os do 6º ao
9º ano, não dialogam com as questões políticas, sociais, culturais e econômicas que implicaram
na constituição e na manutenção da Reserva.
Acreditamos que esse posicionamento que o Grupo Colaborador demonstra em relação
aos saberes e experiências emanadas da constituição da Reserva tenciona a relação
escola/sociedade, fazendo emergir reflexões em torno do papel da escola na sociedade, bem
como das implicações da organização dos movimentos sociais para a estruturação do saber
escolar, para superar a dicotomia entre saber científico e saber escolar, em que o currículo em
sua organicidade dos diversos conhecimentos linguísticos, matemáticos, tecnológicos,
científicos, artísticos e humanísticos, possa expressar a luta pela compreensão e apreensão dos
processos socioeconômicos, culturais e políticos que influenciam e delimitam a formação do
ser humano, capaz de intervir nos direcionamentos individuais e coletivos, na história.
Percebemos nessa relação, marcas da ausência de formação continuada para os
professores da escola na temática da educação do campo, o que revela o silenciamento das
políticas públicas educacionais no chão dos municípios, no que tange a essa temática e suas
implicações na organização do sistema de ensino da rede.
Nessa realidade poderíamos indagar: Há uma política educacional no município de
Macau que trata da Educação do Campo? As instituições de estudo e pesquisa que se instala na
RDSEPT a tem compreendido em sua dimensão educativa? Qual a importância da RDSEPT no
contexto do campo brasileiros? O que podemos apreender no contexto da Educação do Campo
com a organização social em torno da RDSEPT? Essas indagações não têm o objetivo de
receber respostas prontas e acabadas, mas tão somente instigar um processo de autorreflexão
coletiva, que se faz necessário no atual contexto pesquisado, por reconhecermos a importância
de se debater essas questões no processo de elaboração da proposta curricular da escola, para
que redimensionem seu olhar acerca do campo em que estão imersos.
Essa experiência de pesquisa nos possibilitou concluir que a cultura livresca do currículo
tende a reforçar o campo como local de atraso, pois fica subtendido que a necessidade formativa
do sujeito da RDSEPT é igual aos dos alunos da sede, e que portanto deve acompanhar os
mesmos conteúdos. Essa forma de pensar e fazer escola cria uma falsa ilusão de que nas
comunidades o aluno tem o mesmo tratamento que na cidade, e compreendemos que isso seja
um risco pois só reforça as diferenças e a dicotomia ente campo e cidade, além de ignorar a
102
realidade local do aluno como elemento basilar na construção do currículo da escola, bem como
fragiliza a construção coletiva da identidade da comunidade enquanto Reserva.
Constatamos que o currículo da escola pesquisada não parte das questões que emergem
do contexto sociocultural dos educandos, uma vez que sua estrutura se caracteriza pela
organização formal, linear e fragmentada de disciplinas convencionais e por uma excessiva
carga horária de disciplinas obrigatórias com grandes vínculos de pré-requisitos.
Esta realidade redimensiona a relevância desta investigação para a comunidade, para a
escola e em especial para o Grupo Colaborador, bem como para as produções acadêmicas
acerca da RDSEPT, em face aos achados que oportunizou, porém somos conscientes da
incompletude e do inacabamento nas pesquisas científicas, por isso nos comprometemos a
retomar as questões aqui suscitadas numa perspectiva de continuidade a partir de nossa prática
investigativa, bem como de outros parâmetros de análise.
Ao finalizar nossa investigação, esperamos que o estudo ora realizado possa colaborar
com as discussões que envolvem o currículo na Educação do Campo, e que venha a dialogar
com os debates acerca da importância em se tematizar no currículo das escolas do campo os
saberes e experiências que atravessam a diversidade do campo brasileiro, em que se pese a
especificidade da RDSEPT, nessas proposições.
103
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107
APÊNDICES
108
Apêndice A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –
TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: A RESERVA DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL PONTA DO TUBARÃO (RDSEPT)
E O CURRÍCULO ESCOLAR: caminhos e descaminhos na construção de uma proposta
curricular para a educação do campo, que tem como pesquisadora responsável, IRIS CAMPOS
DE ANDRADE.
Esta pesquisa pretende compreender a articulação dos saberes e das experiências dos
sujeitos da RDSEPT no Currículo escolar pelo Grupo de Elaboração do Projeto Político
Pedagógico - PPP da escola.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é a necessidade de se compreender de que
forma a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão se faz presente no currículo
da escola, considerando os atuais debates sobre Educação do Campo. Para isso, serão feitas
entrevistas, aplicação de questionários e sessões de estudos reflexivos com o Grupo de Trabalho
acerca do PPP na escola, composto por professores, supervisor, pais dos alunos e gestor escolar,
colaboradores desta pesquisa, que deverão ser registradas em áudio para posterior edição e
publicação.
Caso você decida participar, você deverá ter sua voz gravada e, para isso, solicitamos
sua autorização. O áudio produzido será analisado pela pesquisadora, para fins de se fazer
artigos e para a produção da Dissertação de Mestrado. Com isso, esperamos poder contribuir
para que a comunidade escolar reflita sobre a articulação entre os saberes produzidos na escola
e os que são produzidos no seu entorno, e repense seu currículo.
Durante a realização da entrevista, serão feitas perguntas sobre a vida profissional e
prática docente na escola (no caso dos professores, gestora e supervisores) e você poderá não
responder a (s) pergunta (s) que considerar inadequada (s). Poderá, também, sugerir perguntas
ou abordagens que considerar mais pertinentes. As entrevistas podem ser realizadas na escola
109
onde você trabalha ou em qualquer outro espaço que você considerar mais confortável e/ou
adequado.
Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá
direito a assistência gratuita que será prestada pela própria pesquisadora, na pessoa da
professora IRIS CAMPOS DE ANDRADE.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para IRIS
CAMPOS DE ANDRADE, cujo telefone de contato é (84) 9945-4718.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer
fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar.
O gestor da escola poderá consentir, ou não, o uso do nome da instituição pesquisada na
Dissertação de Mestrado da pesquisadora e em eventos científicos cuja pesquisadora vier
participar.
Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local
seguro e por um período de 05 (cinco) anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a
pesquisadora responsável, professora IRIS CAMPOS DE ANDRADE.
Consentimento Livre e Esclarecido
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os
dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios
que ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da
pesquisa A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL PONTA
DO TUBARÃO (RDSEPT) E O CURRÍCULO ESCOLAR: caminhos e descaminhos na
construção de uma proposta curricular para a educação do campo, e autorizo a divulgação das
informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum
dado possa me identificar.
Macau - RN, _______ de ________________ de 2014.
________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
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Apêndice B - DECLARAÇÃO DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL
Como pesquisador responsável pelo estudo A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL ESTADUAL PONTA DO TUBARÃO (RDSEPT) E O CURRÍCULO
ESCOLAR: caminhos e descaminhos na construção de uma proposta curricular para a educação
do campo, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os
procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao
participante desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do
mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.
Macau - RN, ________de _____________ de 2014.
___________________________________________
Iris Campos de Andrade
Pesquisadora
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Apêndice C - PLANO DE TRABALHO PARA AS SESSÕES REFLEXIVAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Iris Campos de Andrade
Orientador: Professor Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo
1ª SESSÃO DE ESTUDOS REFLEXIVA
DATA/HORÁRIO 10/10/2014 às 19h LOCAL: Sala do Programa Mais
Educação/EMACM
EIXO
TEMÁTICO
Pesquisa Qualitativa na Educação do Campo: colaborar para estreitar
os laços entre academia e a escola.
OBJETIVO Discutir acerca da Pesquisa Qualitativa no contexto da Educação do
Campo, destacando o conceito de colaboração que permeia a pesquisa
colaborativa, e que será utilizado na condução das sessões com o grupo
co-partícipe, discutindo seus objetivos e a importância dos
colaboradores no processo de co-construção do conhecimento.
2ª SESSÃO DE ESTUDOS REFLEXIVA
DATA/HORÁRIO 26/11/2014 às 14h LOCAL: Laboratório de Informática/EMACM
EIXO
TEMÁTICO
Projeto Político Pedagógico e Democratização do ensino –
possibilidades para a escola do campo.
OBJETIVO Relacionar o processo de democratização do ensino com a construção
do Projeto Político Pedagógico da escola, reconhecendo sua
importância no processo de construção da identidade da escola.
3ª SESSÃO DE ESTUDOS REFLEXIVA
DATA/HORÁRIO 21/07/2015 às 14h LOCAL: Laboratório de Informática/EMACM
EIXO
TEMÁTICO
Educação do Campo e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Estadual Ponta do Tubarão.
OBJETIVO Discutir sobre a política nacional de Educação do Campo, localizando
neste contexto o campo da RDSEPT.
4ª SESSÃO DE ESTUDOS REFLEXIVA
DATA/HORÁRIO 22/07/2015 às 14h LOCAL: LOCAL: Laboratório de
Informática/EMACM
EIXO
TEMÁTICO
Currículo escolar na Educação do Campo: o que a escola da RDSEPT
tem (re) produzido?
OBJETIVO Analisar as concepções de currículo que fundamentam a prática dos
professores, refletindo sobre a presença (ou não) dos saberes e das
experiências que atravessam os sujeitos da RDSEPT, no currículo da
escola.
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Apêndice D - QUESTÕES NORTEADORAS DA PESQUISA PARA A REALIZAÇÃO
DA ENTREVISTA COM O GRUPO DE TRABALHO DE REELABORAÇÃO DO PPP
DA ESCOLA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Iris Campos de Andrade
Orientador: Professor Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo
1 IDENTIFICAÇÃO
1.1 Qual é o seu nome?
1.2 Possui quantos anos?
1.3 Há quanto tempo exerce esta função na escola?
1.4 Desse tempo, há quantos anos está na supervisão da EJA?
1.5 Mora na comunidade? Há quanto tempo?
1.6 Qual é a sua formação?
2 RDSEPT E O CURRÍCULO ESCOLAR
2.1 A escola possui uma Proposta pedagógica? Quando e como foi elaborada?
2.2 O que tem sido ensinado/vivenciado aqui na escola pelos alunos e professores? De que
forma?
2.3 Já há algum estudo pedagógico previsto para discussão desta questão no PPP? Como
pretende realizar?
2.4 Você conhece bem a história da RDSEPT? O que sabe sobre ela?
2.5 Você participou deste processo histórico? De que forma?
2.6 A escola tem contemplado conteúdos relacionados à Reserva? Quais?
2.7 Qual é a importância da Reserva para a comunidade na qual a escola está inserida?
2.8 A seu ver, de que forma a escola pode abordar em seu currículo às questões pertinentes à
reserva?
3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
3.1 O que aconteceu que fez surgir à necessidade de reelaboração do PPP?
3.2 Quando iniciou as atividades de reorganização/reelaboração da referida proposta?
3.3 De que forma a escola tem conduzido este processo?
3.4 Quais as dificuldades encontradas?
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3.5 Todos os professores se integram nesse trabalho?
3.6 Quais são as questões que a supervisão considera ser importante para refletir com os
docentes durante este momento vivido pela escola?
4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
4.1 Você se sente seguros no que se refere aos conteúdos de sua disciplina? Por quê?
4.2 Você conhece o Paradigma da Educação do Campo?
4.3 Como a escola organiza seu trabalho pedagógico?
4.4 Quais saberes consideram relevantes ao processo de ensino e aprendizagem vivenciados na
escola?
4.5 Como são desenvolvidas as aulas?
4.6 De que forma a escola organiza os tempos e os espaços pedagógicos?
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Apêndice E - QUESTIONÁRIO DE PESQUISA APLICADO AO GRUPO DE
TRABALHO PARA REELABORAÇÃO DO PPP DA ESCOLA MUNICIPAL
ALFERES CASSIANO MARTINS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Iris Campos de Andrade
Orientador: Professor Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo
DADOS PESSOAIS:
Idade:__________ sexo: ( ) m ( )f cor: _____________________________
Profissão: ___________________________________________________________
Segmento que representa no grupo de trabalho do PPP:
( ) pais ( )alunos ( )comunidade ( )funcionários ( ) professor ( ) supervisão ( ) gestão
SOBRE A METODOLOGIA DE TRABALHO DO GRUPO:
( ) Promove encontro com os seus pares para discutir ideias e trazer para o grupo
( ) Promove estudo para os demais membros da escola
( ) Promove encontro para estudo entre o próprio grupo de elaboração do PPP
( ) Realiza momento coletivo para discussão e elaboração da proposta com o grande grupo
( ) Realiza momento coletivo para discussão e elaboração da proposta com o grupo de trabalho
( ) Socializam o material produzido com o grande grupo
( ) Realizam palestra/oficina com os professores e funcionários sobre a RDSEPT
SOBRE A REALIZAÇÃO DOS ENCONTROS:
Já realizaram: ______________ encontros/ ( )nenhum encontro realizado
Destes: ( ) foi/foram para estudo ( ) para discussão e escrita da proposta ( ) para formação
do grupo de trabalho ( ) para socialização do material já produzido
Definiram cronograma de encontro para o grupo:
( ) quinzenal ( ) semanal ( ) mensal ( ) bimestral ( ) outro
Definem pauta anteriormente ao encontro:
( ) com a participação do grupo ( )somente com a equipe gestora ( )supervisora
SUA PARTRICIPAÇÃO:
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Por que participa do grupo de trabalho do PPP da escola? De quantos encontros do grupo você
já participou?________________________________________________________
Tem colaborado na definição da pauta dos encontros: ( ) sim ( )não
Pesquisa assunto de interesse coletivo para discutir com o grupo: ( )sim ( )não
Melhor horário que facilita sua participação nos encontros: __________________
Há obstáculos que impedem sua participação nos encontros do grupo? Qual (is)?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Para que tenha uma participação maior nos encontros promovidos pelo grupo, você sugere que:
____________________________________________________________
TEMÁTICAS DISCUTIDAS DURANTE A ELABORAÇÃO DO PPP:
( ) RDSEPT ( )Educação do Campo ( ) Currículo ( ) Avaliação da aprendizagem
( ) Processo de ensino e aprendizagem ( ) EJA ( ) Ed. Infantil ( ) alfabetização
( ) disciplina/indisciplina na escola ( )indicadores escolares ( ) outros:______________
Os assuntos discutidos no grupo de trabalho são sugeridos:
( ) pela gestora ( ) pela supervisora ( ) pelos professores ( ) pela secretaria de educação
( ) pelos alunos ( ) pelos pais ( ) pelos funcionários ( ) outros
SOBRE A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PONTA DO
TUBARÃO:
( ) Não foi realizada nenhuma discussão no grupo sobre a RDSEPT
( ) O grupo só discutiu aspectos históricos da criação da RDSEPT
( ) O grupo não considera a RDSEPT importante para ser considerada na proposta curricular
da escola
( ) O grupo já discutiu aspectos econômicos, geográficos, políticos, sociais e turísticos da
RDSEPT
( ) O grupo não sabe como abordar a RDSEPT na proposta curricular da escola
( ) As pessoas do grupo desconhece a RDSEPT
( ) Você desconhece a RDSEPT
( ) outros: ___________________________________________________________
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Apêndice F - QUESTIONÁRIO DE PESQUISA APLICADO AOS ALUNOS (AS) DA
ESCOLA MUNICIPAL ALFERES CASSIANO MARTINS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Iris Campos de Andrade
Orientador: Professor Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo
DADOS PESSOAIS:
Idade:______________ Sexo: ( )M ( )F Ano Escolar/Período: __________
SITUAÇÃO ECONÔMICA DA FAMÍLIA:
Renda mensal: ( ) até 1 salário mínimo ( ) 1-2 salário ( )2-3 salário ( ) 3-4 salário
Fonte de renda: ( ) emprego público efetivo ( ) emprego público contratado ( ) pesca
artesanal ( ) empresa privada ( ) outros: _______________________________
VIVÊNCIA NA ESCOLA:
Você está na escola há:
( ) 1-5 anos ( ) 6-10 anos ( ) 10-15 ( ) 16-20
O que lhe motiva a vir para a escola?
( ) o lanche ( ) encontrar com os amigos/as ( ) as aulas ( ) a relação com os professores (
) o desejo em construir conhecimento/ novos saberes ( ) passear ( ) a relação que a escola
estabelece entre os conteúdos e a sua comunidade ( ) o horário das atividades ( ) não tenho
motivação
Na escola, eu mais gosto:
( ) de brincar ( ) de conversar com os amigos/as ( ) das aulas ( ) do lanche ( ) do intervalo
( ) dos professores ( ) dos assuntos trabalhados
Os conteúdos que são trabalhados na escola:
( ) têm sentido com minha realidade ( ) utilizo em minha vivência fora da escola ( )aplico-
os em casa, ajudando meus irmãos/meus pais ( ) não faz sentido para minha vida
Os professores, em suas aulas, relacionam suas atividades com os seguintes aspectos da
RDSEPT:
( )Históricos ( )ambientais ( )econômicos ( )políticos ( )culturais ( ) geográficos ( ) turísticos
( ) os professores não estabelecem relação entre as atividades e a RDSEPT
Gostaria que na escola:
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( ) mudasse a forma de como os professores desenvolvem as aulas
( ) os conteúdos tivessem ligação com minha vida fora da escola
( ) os problemas de interesse coletivo da minha comunidade fossem discutidos na escola
( ) discutíssemos e estudássemos mais sobre nossa RDSEPT.
VIVÊNCIA NA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADUAL
PONTA DO TUBARÃO:
Mora na RDSEPT há:
( ) 1-5 anos ( ) 6-10 anos ( ) 11-15 anos ( ) 16-20 anos ( ) mais de 20 anos
Conheço bem a história da RDSEPT: ( ) sim ( ) não ( ) um pouco
Considero a RDSEPT:
( ) muito importante para nossa comunidade.
( ) pouco importante para a nossa comunidade.
( ) importante para a nossa comunidade.
A RDSEPT é importante para mim por que:
( ) é o resultado de uma luta da comunidade.
( ) é através dela que a minha família garante o sustento.
( ) é parte integrante da minha comunidade que tem importância histórica, cultural, econômica,
política e social em nossa formação.
( ) é ponto turístico e através dela estabelecemos novas relações.
Envolvimento com RDSEPT:
( ) me engajei no processo de luta das comunidades pela criação da Reserva.
( ) meus pais se engajaram no processo de luta das comunidades pela criação da Reserva.
( ) meus avós se engajaram no processo de luta das comunidades pela criação da RDSEPT.
( ) meus tios/tias se engajaram no processo de luta das comunidades pela criação da RDSEPT.
( ) participo das atividades comunitárias para fortalecimento da RDSEPT.
( ) minha família participa das atividades comunitárias para fortalecimento da RDSEPT.
( ) participo de grupos que defendem a RDSEPT.
( ) não participo de nenhum grupo, mas me interesso pelas questões da RDSEPT.
( ) participo dos encontros ecológicos desenvolvidos na comunidade.
Pesquiso/estudo sobre a RDSEPT: ( ) sim ( ) não ( ) às vezes