resumo do descaminhos da identidade

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177 , Goiânia, v. 10, n. 1, p. 177-190, jan./jun. 2012 HILDEGARDA DE BINGEN. El libro de los merecimientos de la vida. Introducción, traducción y notas de azucena adelina fraboschi. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011. 446 p. A historiadora argentina Azucena Adelina Fraboschi (amiga Azucena), organi- zadora das bianuais Jornadas Hildegardianas, brinda novamente os estudiosos de Santa Hildegarda de Bingen com a tradução, acrescida de uma introdução e de notas de rodapé elaboradíssimas, de mais uma obra da monja beneditina: trata-se agora do segundo livro da Teologia Hildegardiana, que confronta vícios e virtudes, a partir das visões de uma criatura gigantesca, cujos pés se situam no mais profundo abismo e a cabeça num ponto longínquo do céu, que olha para os pontos cardeais e o universo, e move-se com a Terra. Datado do século XII (1158-1163), o livro, rico em conteúdo simbólico, preserva uma atualidade inquietante, assustadora. Na apresentação, Azucena cita eventos da vida de Hildegarda, ocorridos a partir da redação do “Scivias”, primeiro livro da trilogia teológica, para explicar como eles, as visões, músicas e cartas da monja, permearam a elaboração da obra an- terior ao “Livro das Obras Divinas”. A introdução informa a respeito dos livros sobre medicina e obras musicais de Hildegarda; a seguir, detalha “O Livro dos Méritos da Vida”, que nos capítulos de um a cinco apresenta a visão cósmica do gigante, os vícios e sua disputa com as virtudes, a aparição e as palavras do Zelo de Deus, a interpretação (simbólica/alegórica) das visões e os castigos para cada vício; o capítulo seis aborda o fim do mundo e o Juízo Final. Sete pares de vícios e virtudes se confrontam no primeiro e terceiro capítulos, oito no segundo e no quarto, cinco no quinto. Os vícios, simbolizados no oratório “Ordo Virtutum”, percebidos no comportamento de reis, religiosos, heréticos e outros, desmascarados nas missivas e sermões de Hildegarda, pormenorizados no “Livro dos Méritos da Vida”, constituem para a monja uma doença da alma: Azucena compara-os a uma árvore seca e torta, corroída por parasitas, devorada por pragas, com flores e frutos fétidos. Os vícios tentam explorar os desejos insatisfeitos do homem, aprisioná-lo na dúvida e na insegurança, na embriaguez dos sentidos, enredá-lo numa escravidão em R E S E N H A S

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Resumo do descaminho da Identidade

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177 , Goiânia, v. 10, n. 1, p. 177-190, jan./jun. 2012

HILDEGARDA DE BINGEN. El libro de los merecimientos de la vida. Introducción, traducción y notas de azucena adelina fraboschi. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011. 446 p.

Ahistoriadora argentina Azucena Adelina Fraboschi (amiga Azucena), organi-zadora das bianuais Jornadas Hildegardianas, brinda novamente os estudiosos de Santa Hildegarda de Bingen com a tradução, acrescida de uma introdução e de notas de rodapé elaboradíssimas, de mais uma obra da monja beneditina: trata-se agora do segundo livro da Teologia Hildegardiana, que confronta vícios e virtudes, a partir das visões de uma criatura gigantesca, cujos pés se situam no mais profundo abismo e a cabeça num ponto longínquo do céu, que olha para os pontos cardeais e o universo, e move-se com a Terra. Datado do século XII (1158-1163), o livro, rico em conteúdo simbólico, preserva uma atualidade inquietante, assustadora.

Na apresentação, Azucena cita eventos da vida de Hildegarda, ocorridos a partir da redação do “Scivias”, primeiro livro da trilogia teológica, para explicar como eles, as visões, músicas e cartas da monja, permearam a elaboração da obra an-terior ao “Livro das Obras Divinas”. A introdução informa a respeito dos livros sobre medicina e obras musicais de Hildegarda; a seguir, detalha “O Livro dos Méritos da Vida”, que nos capítulos de um a cinco apresenta a visão cósmica do gigante, os vícios e sua disputa com as virtudes, a aparição e as palavras do Zelo de Deus, a interpretação (simbólica/alegórica) das visões e os castigos para cada vício; o capítulo seis aborda o fim do mundo e o Juízo Final. Sete pares de vícios e virtudes se confrontam no primeiro e terceiro capítulos, oito no segundo e no quarto, cinco no quinto.

Os vícios, simbolizados no oratório “Ordo Virtutum”, percebidos no comportamento de reis, religiosos, heréticos e outros, desmascarados nas missivas e sermões de Hildegarda, pormenorizados no “Livro dos Méritos da Vida”, constituem para a monja uma doença da alma: Azucena compara-os a uma árvore seca e torta, corroída por parasitas, devorada por pragas, com flores e frutos fétidos.

Os vícios tentam explorar os desejos insatisfeitos do homem, aprisioná-lo na dúvida e na insegurança, na embriaguez dos sentidos, enredá-lo numa escravidão em

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que perde a liberdade interior e a dignidade; para tanto, expressam-se através de meias verdades, numa linguagem atraente, sedutora. As verdades, detalha-das no “Scivias” e na Regra da Ordem Beneditina, rebatem os argumentos falaciosos dos vícios com uma linguagem direta, forte e profunda, rica em seu fundamento histórico-teológico. Azucena especula: estaria no domínio pelos vícios e falsos valores a explicação para a crise ecológica do mundo atual? Para o homem purificar-se, precisa religar seu corpo e sua alma, e a si mesmo com o universo e com Deus. Autores como Umberto Eco, Romano Guardini, Eduard Gronau e Bento XVI, presentes nas notas de rodapé da introdução preparada por Azucena, corroboram suas interpretações e comentários.

Esta obra difere das outras da trilogia teológica hildegardiana por não apresentar imagens pictóricas; porém, as imagens simbólicas do texto incitam o leitor a interagir com elas por meio de sua imaginação, segundo entende a tradutora.

No curto prólogo do texto propriamente dito da obra, Hildegarda relata: uma visão in-tensa, maravilhosa, que ela teve aos sessenta anos de idade, levou-a a redigi-la. Na primeira parte, o homem imenso (Deus Uno e Trino) mira o leste e o sul; na segunda, o oeste e o norte; na terceira, o norte e o leste; na quarta, o sul e o oeste; na quinta, todo o universo; na sexta, ele se move em conjunto com as quatro regiões da Terra. As mais de mil notas de rodapé de Azucena Fra-boschi se baseiam no Velho Testamento (Gênesis, Salmos, Cânticos, Profetas, Provérbios, Deuteronômio, Sabedoria etc.), nos Evangelhos, nas Epístolas de São Paulo, no Apocalipse, em Orígenes, Boécio, São Bento, João Escoto Erígena, São Gregório Magno, Honório de Autun, São Bernardo de Claraval, Hugo de São Vítor, na própria Hildegarda, em outros autores medievais, em pesquisadores atuais como Barbara Newman, Cesare Ripa e Josef Pieper. Um curioso destaque cabe às observações sobre a simbologia dos animais, das cores e dos objetos, obtidas a partir de dicionários sobre símbolos, como o de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, e de livros sobre bestiários, como os de Louis Charbonneau-Lassay e de Ignacio Malaxecheverría.

No final do livro, a historiadora argentina elenca uma “Bibliografia Consultada”, com as obras e os autores com quem dialoga ao longo de suas notas de rodapé, na apresentação e na introdução do livro.

Márcio QuarantaBiólogo e Mestre em Educação

ICMBio – Instituto Brasileiro de Conservação da BiodiversidadeE-mail: [email protected]

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OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Caminhos da identidade: ensaios sobre etnicidade e multiculturalismo. São Paulo: Edunesp, 2006. 258 p.

Aobra publicada pelo professor Roberto Cardoso de Oliveira pela editora da UNESP é uma coletânea de ensaios. Os ensaios abordam principalmente as questões da identidade, do reconhecimento, da etnicidade e do multicultura-lismo. Nos quatros ensaios que compõe o livro, Oliveira revisita temáticas e conceitos trabalhados em suas inúmeras e importantes obras que servem de alavanca para o desenvolvimento da Antropologia no Brasil. O livro, consti-tuído de 25 páginas, é fruto de uma maturidade acadêmica ímpar. A obra veio para retificar e ratificar os conceitos até então por ele apresentados.

Já no primeiro ensaio, identidade étnica e moral do reconhecimento (p. 19-57), Oli-veira discute a formulação e o entendimento que os conceitos de identidade e reconhecimento têm para a Antropologia. Reconhecendo o caráter polissêmico de ambos os conceitos, o autor apresenta a discussão a partir do congresso L’identité – Paris, 1977 – cujo mentor foi Claude Lévi-Strauss. Fala sobre o valor do termo identidade para o antropólogo e de como esse conceito interage com as relações entre grupos humanos. Após demonstrar como diversos pensadores da antropologia trabalham a temática, e lançando mão do referencial teórico principalmente de Fredrick Barth, o autor demonstra que, para se tomar o melhor caminho para a conceituação de identidade, deve-se articular a interpretação explicativa, metodologia estruturalista, com a interpretação compreensiva, pers-pectiva hermenêutica (p. 28). A seguir apresenta questionamentos tais como “o que significa a uma pessoa ou a um grupo ter sua identidade reconhecida? Esse reconhecimento tem sua expressão maior no âmbito da cognição ou no âmbito moral?” (p. 9). Em resposta, Oliveira trabalha, principalmente a partir de Paul Ricoeur e Axel Honneth, a conceituação de reconhecimento, explicitando aquilo que o termo implica nas relações sociais, abordando as obrigações e normas de comportamento oriundas do mecanismo de reconhecimento mútuo. Neste ensaio ainda aborda o papel da cultura no processo de construção e preservação da identidade e, por conseguinte, do reconhecimento, até que, por fim, demonstra a aplicabilidade dos conceitos nas relações das etnias indígenas Tükúna e Te-rêna. Ao final, questiona “a ausência da dimensão ética ou moral no trato das relações interétnicas no âmbito da formulação e execução de políticas públicas dirigidas às etnias indígenas” no Brasil (p. 46).

Com o intuito de estudar comparativamente as manifestações do fenômeno sociocultural identidade social, Oliveira apresenta o segundo ensaio da obra, intitulado de o Eu, suas identidades e o mundo moral (p. 59-86). A partir da distinção entre o Eu e a Identidade, o autor preenche algumas lacunas de trabalhos anteriores e esclarece polémicas surgidas a partir de suas obras. Dialogando com Martin

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Sökefeld e com Anthony Giddens, busca entender a conexão entre Eu (self) e suas Identidades e a reflexividade e irreflexividade do Eu (p. 68). Tenta explicar a construção do “Eu” inserido no “Nós” e a questão do “Eu social”, abordando assim a problemática da esfera moral.

No terceiro ensaio, Os (des)caminhos da identidade (p. 87-115), o professor Oliveira afasta-se da questão do Eu e concentra-se no Nós, buscando explorar as ma-nifestações das identidades globais, generalizantes. Para tal, o caminho, ou o descaminho, se concentra em sociedades cujas identidades estão em crise, pois em sua conclusão são nelas que se apresentam os elementos identificadores das ditas coletividades e da identidade de grupo básico. Neste tópico trabalho com o referencial teórico de autores como Talcott Parsons e Ali Mazrui. A partir de casos empíricos, busca a reflexão sobre temáticas tais como: as “condições de possibilidade de etnização das identidades nacionais de imigrantes residentes em sociedades anfitriãs” (p. 89); a dinâmica das identidades na questão das nacionalidades, com foco principal na situação europeia (p. 95); e a dialética entre identidade étnica e identidade nacional no contexto de fronteiras (p. 101).

O quarto ensaio, Identidade catalã e ideologia étnica (p. 117-200), traz em seu bojo todo o cabedal teórico apresentado nos três ensaios anteriores publicados nesta obra. Nesse ensaio, o autor parte de um caso empírico, a questão da identidade catalã, acompanhando a observação com os pressupostos advindos das reflexões anteriores. O autor aponta que o estudo específico se afasta daquilo que tradicionalmente vem estudando: etnias indígenas, ágrafas, pois neste estudo ele direcionou sua análise para uma sociedade com uma história profunda e ricamente documenta-da, complexa e industrializada, estando, pois, nos marcos de uma antropologia nacional. O autor discute inicialmente o problema da antropologia catalã e sua inerente contaminação com o objeto de estudo por questão de identidade, enalte-cendo a própria possibilidade pela questão do estranhamento, tão importante no trabalho antropólogo. Com o intuito de mostrar ao leitor o que vem a ser o “ser catalão”, o autor apresenta um breve histórico da etnia enfocando a construção da identidade nacional, o nacionalismo representado na expressão “Volkgeist catalão” e a sacralização da cultura catalã. Em seguida, ele mostra a questão da identidade étnica catalã dentro do contexto nacionalista espanhol. Por fim, retorna à questão da contaminação da disciplina antropológica na Catalunha pela própria etnicidade de seus pesquisadores.

Como desfecho desse conjunto de ensaios interligados, o professor Oliveira nos brinda no anexo com mais dois textos: um (p. 203-223) em homenagem aos 20 anos de publicação da obra Carnavais, malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro, de Roberto Da Matta, no qual enfoca a importância do exercício da comparação na antropologia social e cultural; e o outro (p. 225-239), cujo título “o mal-estar da ética na antropologia prática” foi originalmente

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apresentado como uma comunicação no simpósio da Associação Brasileira de Antropologia.

Apesar do pouco tempo de publicação, esse conjunto de ensaios do professor Roberto Cardoso Oliveira já se tornou uma obra indispensável não só para a disciplina da Antropologia no Brasil, mas para todo o pesquisador das relações humanas e sociais. As discussões apresentadas sobre os conceitos identidade, reconhe-cimento, etnicidade, identidade nacional e multiculturalismo constituem novos paradigmas para as ciências sociais no Brasil. A leitura do livro é importante para toda pessoa estudiosa no campo da Antropologia, mas também é impor-tante para os estudos na área das Ciências da Religião, com um recorte teórico enraizado no campo dos estudos antropológicos.

Elvis Rodrigues SampaioDoutorando em Ciências da Religião na PUC Goiás

GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade – sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.

Anthony Giddens é sociólogo inglês e membro do Kings College, de Cambridge. Tornou-se conhecido do público brasileiro principalmente a partir da publicação do livro: “a transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas”. O autor também é reconhecido por seus trabalhos em Ciências Políticas. O livro está dividido em 10 capítulos, perfazendo um total de 228 páginas.

Giddens na obra A transformação da intimidade... investiga a revolução sexual do nosso tempo e questiona algumas das interpretações correntes sobre o papel da se-xualidade na cultura moderna. Para o autor a transformação da intimidade, na qual as mulheres exercem o papel mais importante, assegura a possibilidade de uma democratização radical da esfera pessoal. Tal transformação possibilita a definição dos contornos de uma nova configuração da subjetividade em relação à sexualidade. O referido autor também pesquisa a subjetividade numa pers-pectiva pós-edípica e pós-patriarcal, cuja plasticidade (a sexualidade liberada da sua ligação intrínseca com a reprodução) é fundamental para a construção de uma noção ampliada de democracia.

Afirma Giddens que durante muito tempo, os ideais do amor romântico afetaram pro-fundamente as aspirações das mulheres.

O ethos do amor romântico teve um impacto duplo na situação das mulheres. Por um lado, ajudou a colocar as mulheres “em seu lugar” – o lar. Por outro lado, entretanto, o amor

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romântico pode ser encarado como um compromisso ativo e radical com o ‘machismo’ da sociedade moderna (p. 10).

Para Giddens, o amor romântico seria uma invenção dos homens, para influenciar as mulheres com utopias referentes à possibilidade de vínculos emocionais du-ráveis. Levando em conta os romances e novelas que invadiu o século XIX, pode-se considerar que a ideia de amor romântico é relacionada a um conjunto de influências, como por exemplo, à subordinação da mulher ao lar e ao isola-mento do mundo exterior (público).

Giddens aponta a sexualidade plástica, “sexualidade descentralizada e liberta da necessi-dade de reprodução” (p. 10), como um dos caminhos para a emancipação e para a reivindicação da mulher ao prazer sexual. Representaria uma combinação de amor com liberdade. A descentralização da sexualidade e a quebra do vínculo entre esta e as necessidades de reprodução só se originou a partir do final do século XVIII, graças às invenções das novas tecnologias reprodutivas.

Se, para as mulheres, a sexualidade estava vinculada à regra do falo, à importância da experiência sexual masculina, para o homem as buscas sexuais são mantidas separadas de suas identidades públicas e centradas no controle destes sobre a mulher. Sendo assim, a sexualidade plástica traz consequências diferentes para um e outro: enquanto para as mulheres representa uma reivindicação ao prazer, para o homem representa a perda de controle sobre a mulher. À medida que esse controle de separação começa a fracassar, há um fluxo crescente da violência masculina sobre as mulheres. Com isso, abre-se um abismo emocional entre os sexos. “A vida pessoal tornou-se um projeto aberto, criando novas demandas e novas ansiedades (p. 18). Afirmam os homens que as mulheres “perderam a capacidade para a bondade, que não sabem mais como entrar em acordo” (p. 21). Ou seja, submeter-se a subordinação.

No entanto, se as mulheres perderam a capacidade da bondade e da submissão para os homens, percebe-se, com isso, que o poder aparece aqui, acima de tudo, como uma força de repressão. Por isso, a sexualidade não deve ser compreendida somente como um impulso que as forças sociais têm de conter. “Ela é um ponto de transferência especialmente denso para as relações de poder, algo que pode ser subordinado como um foco de controle social pela própria energia que, impregnada de poder, ela gera (p. 28).

Para Foucault, a sexualidade emergiu como fonte de preocupação para as mulheres. Até o final do século XIX, era aceito pela medicina que “as mulheres que almejavam prazer sexual eram definitivamente anormais” (p. 33). Com isso, acrescenta Giddens, percebe-se que a sexualidade é uma elaboração social que opera dentro dos campos do poder, e não simplesmente um conjunto de

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estímulos biológicos. O poder, o discurso e o corpo, nos escritos de Foucault, são considerados por Giddens como uma das limitações de análise. Foucault entende que “o poder se movimenta de maneiras misteriosas e a história, como a realização ativamente elaborada das questões humanas, mal existe” (p. 33). Giddens aceita os argumentos de Foucault sobre as origens sociais da sexuali-dade, porém interpretados dentro de uma estrutura diferente. Ou seja, Foucault colocou demasiada ênfase na sexualidade em detrimento do gênero sexual. Silenciou quanto às conexões com o amor romântico, fenômeno vinculado às mudanças na família. Além disso, se deve colocar em questão a sua concepção do eu em relação à modernidade (p. 34).

Para Giddens, deve-se levar em consideração que até a última parte do século XIX, a maior parte da população na Europa não era alfabetizada. Por outro lado, o confinamento da sexualidade somente disponível para as áreas técnicas era uma forma de censura de fato. Essa censura atingia principalmente às mulhe-res. “Muitas mulheres casavam-se virtualmente sem qualquer conhecimento sobre sexo, exceto o de que ele estava relacionado aos impulsos indesejáveis dos homens e tinha que ser suportado” (p. 34)

Ainda na última parte do século XIX, os homens e as mulheres tinham clareza que o desejo masculino firmava-se pela conquista tanto material quanto afetiva. Com isso,

os homens procuravam obter a auto-identidade no trabalho (...), e sua confiança emocional inconsciente nas mulheres era o mistério cuja resposta eles buscavam nas próprias mulheres, e a busca pela auto-identidade ficou dissimulada nesta não reconhecida dependência (p. 71).

Para Giddens, o desejo inconsciente de alcançar a confiança emocional por parte dos

homens era algo que as mulheres, de certa forma, já haviam alcançado. O drama masculino era que o acúmulo das conquistas amorosas não desvendaria o mistério da confiança emocional, que tanto abalaria o universo masculino.

Quanto à relação de pais e filhos, afirma Giddens que nas sociedades tradicionais as relações entre ambos eram marcadas na autoridade total dos pais e das pessoas mais velhas. Nesse caso, para os filhos “Declarar independência emocional dos pais é um meio de ao mesmo tempo começar a modificar a narrativa do eu e fazer uma defesa dos próprios direitos” (p. 122).

Quanto ao papel desempenhado ao interno das relações pela divisão sexual do traba-lho, afirma Giddens que as mudanças são mínimas, tanto no espaço privado como no público (trabalho profissional) na maioria dos contextos da sociedade moderna. Os homens em sua maioria não desejam soltar as rédeas do poder. O poder está subordinado a relações de interesses. Na sociedade moderna, o drama do homem está baseado na cumplicidade das mulheres, e nos préstimos econômicos e emocionais que as mulheres proporcionam (p. 148).

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Na sociedade moderna, em tese as mulheres são mais capazes de estabelecer indicadores de intimidade com suas amigas mulheres que um marido ou um amante homem. “Confiar em alguém significa renunciar às oportunidades de controlá-lo ou de forçar as suas atividades dentro de algum molde particular” (p. 155). As mulheres começam a relativizar a sistematização das regras do jogo masculino. E por outro lado, os homens ainda estão aprisionados no papel de provedores, muito embora os benefícios econômicos que os homens promovem para as mulheres causem, atualmente, mais ressentimentos do que apreço (p. 165).

Por isso, segundo Goldberg (apud Giddens, 1993) a ideia que os homens são privile-giados vai contra todas as estatísticas de deterioração pessoal: “com respeito à longevidade, à propensão à doença, ao suicídio, ao crime, a acidentes, ao alcoolismo e ao vicio de drogas, as mulheres são em média, mais favorecidas que os homens” (p. 165).

No século XIX, a expectativa de vida dos homens era mais alta que a das mulheres. À medida que as doenças tropicais e a morte no parto tornaram-se rara, às mu-lheres começaram em média, a sobreviver mais aos homens.

Apesar de todas essas vantagens, o autor analisa que na sociedade moderna, os homens ganharam a sua liberdade, enquanto as mulheres ainda esperam a delas. Ou seja, a independência econômica obtida pelos homens não se tornou disponí-vel às mulheres, que tiveram de assumir as responsabilidades que os homens abandonaram (p. 168).

Analisando a modernidade na perspectiva da sociedade atual, afirma o autor que o sonho de consumo da modernidade é a busca do prazer. A sexualidade gera prazer. O prazer, ou pelo menos a sua promessa, proporciona um incentivo para quase todos os produtos comercializados em uma sociedade capitalista. As imagens sexuais aparecem em quase toda parte no mercado. O prazer é cercado por demasiadas tendências compensatórias para tornar plausível a ideia de que a sexualidade é o ponto central de uma sociedade de consumo (p. 195).

Como explicar o histórico repressivo da sexualidade em relação à centralidade da se-xualidade numa sociedade de consumo? Giddens alega que a sexualidade foi sequestrada ou privatizada como parte dos processos em que a maternidade foi inventada e tornou-se um componente básico do mundo feminino. A priva-tização da sexualidade ocorreu, em grande parte, como resultado da repressão social do que da repressão psicológica. Isso ocorreu devido a dois fatores: a negação da resposta sexual feminina, e a aceitação generalizada da sexualida-de masculina como não problemática (p. 196). Quanto mais a sexualidade se desincorporou da reprodução e integrou-se a um projeto reflexivo do eu, mais o sistema institucional ficou sob tensão.

Foram as mulheres que ficaram incumbidas da administração e da transformação da in-timidade que a modernidade colocou em andamento. A exclusão das mulheres

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da esfera pública causava uma tensão institucional constante. A intimidade das mulheres até então não era reconhecida, e, sobretudo, a sociedade institucio-nalizada não tinha acesso a ela. Por isso, a sexualidade tornou-se uma questão nevrálgica para ambos os sexos. “Para as mulheres, o problema era fazer do amor um meio de comunicação e de autodesenvolvimento, tanto em relação aos filhos quanto em relação aos homens. Para os homens a atividade sexual tornou-se compulsiva a ponto de ficar isolada destas mudanças exigidas socialmente pela modernidade (p. 196).

Em síntese, Giddens propõe a ideia do amor confluente, ou seja, a compreensão de que está em curso na atualidade uma democratização das relações interpessoais compatível com a democracia da esfera pública, e acima de tudo, com a capa-cidade de ter influências sobre as instituições. Por isso, o autor considera que a independência sexual, é o caminho para democratização da vida pessoal, que é desdobrada a todo convívio social das pessoas. O autor parece crer na possi-bilidade da transformação da sociedade a partir de uma realização emocional, capaz de substituir a lógica da maximização do lucro.

Clóvis EccoDoutorando em Ciências da Religião na PUC Goiás. Docente Universitário na

Faculdade Unida de Campinas (FAC-UNICAMPS),Goiânia. Bolsista da Capes.

QUADROS, Eduardo Gusmão. Evangélicos e mundo estudantil: uma história da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (1957-1987). Rio de Janeiro: Novos Diálogos Editora, 2011.

Eduardo Gusmão de Quadros é doutor em História pela Universidade de Brasília e mestre em Ciência da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Estadual de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Escreveu diversos artigos sobre história e religião, história do cristianismo, teoria da história e metodologia de pesquisa. É membro da Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina e Caribe (CEHILA) e da Associação Brasileira de História das Religiões.

Esta obra faz parte da Coleção Protestantismo e Sociedade, na qual, reúne textos origi-nalmente escritos como teses e dissertações que retratam interfaces do protes-tantismo com diferentes dimensões da vida social do país. A coleção quer por em evidência os diversos percursos dessa relação.

A bagagem de conhecimento do autor, atrelada à sua habilidade de escrita proporciona uma leitura de fácil entendimento. A obra Evangélicos e mundo estudantil trata de uma análise da história da Aliança Bíblica Universitária do Brasil – ABUB. O autor utiliza como fonte para seus estudos a documentação arquivada

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pela instituição e também de depoimentos orais, através de entrevistas com líderes da organização. Ele parte da problematização em relação “às tramas identitárias constituídas, localizando-as nas relações de interdependência e conflito que marcam uma configuração social” (p. 10).

O livro composto está dividido em seis capítulos. No primeiro o autor apresenta a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), abordando como surgiu e o que preten-dia tal movimento. No segundo capítulo faz-se uma rápida descrição histórica, analisando a situação da universidade no Brasil até o início dos anos 1960. Busca também compreender em que configuração religiosa os dois movimen-tos missionários estudantis, ACA e ABU, puderam se desenvolver. O terceiro capítulo objetiva apresentar o conturbado período pós-golpe militar e a acirrada polarização política dos grupos sociais. O quarto capítulo aborda a atividade da ABU de modo mais específico, “lembrando que após o quinto Ato Institucional esta organização tornou-se hegemônica em termos de atividade religiosa no am-biente universitário”. No quinto capítulo o autor centra a análise no eixo de sua investigação histórica, a questão da identidade. A qual modificou-se bastante no período pesquisado. O sexto e último capítulo mostra como os grupos da ABU enfrentaram a tarefa de reconstruir o Movimento em sua organicidade, ou seja, encontrar seu lugar na configuração religiosa pós-ditatorial. A partir da página 115 estão anexados documentos da instituição que foram analisados.

No texto introdutório (p. 09-15), o autor deixa claro sua pretensão de não se fazer uma abordagem demasiadamente centralizada na política, mesmo que ela perma-neça importante. Afirma que o tema da pesquisa é religioso. Adota a História Cultural como referencial teórico básico explorando as noções de representação e apropriação.

Na primeira parte, Mais um campo para se lançar a semente (p. 17-25), o autor busca contextualizar historicamente o Movimento estudantil. Discute o processo his-tórico pelo qual passou o mundo ocidental: a divisão da cristandade, o Estado, apresentado como a nova autoridade reguladora dos costumes, dos valores, da cultura e da vida social, e o consequente afastamento da influência religiosa do ambiente universitário.

Neste novo contexto, segundo o autor, foi organizada a primeira entidade missionária voltada para a juventude: a Associação Cristã de Moços (ACM). A partir daí diversos grupos universitários cristãos foram surgindo.

No segundo capítulo, Testemunhar a fé no mundo estudantil (p. 27-41), o autor busca destacar os dois movimentos missionários do Brasil: a Associação Cristã Aca-dêmica (ACA) e a Aliança Bíblica Universitária (ABU), com vista de auxiliar na compreensão das diferenças e relações entre elas. Enfoca, prioritariamente, as tramas identitárias construídas por cada uma, entre a teologia e a identidade social. Faz um retorno no tempo histórico na tentativa de responder alguns

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questionamentos. Por exemplo: se o protestantismo no Brasil expandiu-se predominantemente pelos setores mais pobres e rurais, conforme Mendonça (1995), como puderam surgir em nosso país missões protestantes voltadas para a universidade? E porque elas seriam importantes (p. 29).

Ainda nesse capítulo, o autor discute a relação do pensamento cristão com o marxismo, uma importante corrente que começava a influenciar os estudantes universitários na década de 1950. A relação entre o comunismo e a fé cristã passou a ser um tema de debate nas denominações protestantes, causando divergências entre os grupos. Provocou redefinições teológicas, especialmente uma nova concepção de missão e de identidade (p. 35). Encerra o capítulo afirmando que a constru-ção identitária da ABUB ocorreu perante as forças presentes na configuração religiosa, aliando-se, a princípio, às posições não renovadoras para conquistar seu espaço no contexto eclesiástico e universitário (p. 41).

Entre Cristo e Marx é o terceiro capítulo da obra (p. 43-56). Neste ponto, o autor apre-senta os conflitos entre o movimento estudantil e a polícia. O movimento civil-militar que derrubou o Presidente da República em 1964 acirrou a polarização política dos grupos sociais. Alguns grupos entraram em conflito com a direção de suas igrejas, outros não queriam saber de debates eclesiásticos. É o caso da União Cristã de Estudantes do Brasil que decidiu pelo “imediato compromisso com a atividade revolucionária”.

Diante de vários conflitos e do esfacelamento da maioria dos movimentos estudantis universitários, o autor faz o seguinte questionamento: o que teria acontecido com as igrejas? Trabalha com a hipótese de que “a inclusão da atuação político-social como parte da missão eclesiástica era algo bastante restrito. Empolgava setores da juventude, atraía uma elite intelectualizada, mas boa parte das igrejas, e principalmente suas bases, ficavam assustadas com tal postura.” (p. 49). Sobre esta questão, Quadros caminha na mesma direção do pensamento de Rubens Cesar Fernandes. Para esse pesquisador “as bases das igrejas, as gerações mais antigas, estavam muito assustadas com tudo isso e as bases populares muito por fora de tudo isso. Esse movimento (da busca de um maior engajamento político-social) sofria de uma fragilidade básica, de certo isolamento dos meios intelectualizados, do meio universitário ou dos seminaristas”.

O quarto capítulo Cristo é o Senhor (p. 57-69) tem como foco, de modo mais específico, na atividade da ABUB. Para Quadros, a ditadura militar não chegou a atrapalhar esses grupos porque de maneira geral, nesse período, eles mantiveram-se afas-tados da ação político-social. “Após o quinto Ato Institucional esta organização tornou-se hegemônica em termos de atividade religiosa no ambiente universitá-rio” (p. 67). Mas, como o próprio autor afirma, o trajeto histórico descrito pelo trabalho ressalta as diversas facetas da ABUB, nos permitindo compreender que a identidade é múltipla e variável. No percurso histórico estudado, foi constata-

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do pelo pesquisador que a ABUB assumiu posições reacionárias, progressistas, fundamentalistas, ecumênicas, e muito mais.

Encarnando a palavra libertadora é o quinto capítulo da obra (p. 71-87). Nele encon-tramos a discussão da filosofia de atuação dos grupos, a preocupação com a manutenção da identidade, os projetos missionários, a militância política cristã. A participação de católicos romanos intensificou-se, segundo o autor, gerando um debate interno. Juntamente com conflitos com as igrejas, problemas finan-ceiros, a tentação de definir-se politicamente produziu uma crise da identidade teológica. Isso fez com que a ABUB passasse por sérias dificuldades. Nesse capítulo se percebe claramente o objetivo da pesquisa que originou o livro, versando sobre a constituição variável das tramas identitárias.

O sexto, e último capítulo, A reconstrução dos muros (p. 89-100), trata da análise dos problemas, das sérias dificuldades pela qual passou o movimento, e o impasse na decisão de que direção tomar. É um texto em que o autor nos presenteia, dada a habilidade com que foi articulado. É visível a sensibilidade do autor na análise dos documentos e dos depoimentos, também a felicidade na escolha do título.

Eduardo Quadros se propõe a um debate ousado, afirmando a impossibilidade de se colocar um “rótulo” nos grupos da Aliança Bíblica Universitária. O autor vai na contramão do “modelo imperialista postulado pelas ciências sociais”. Afirma categoricamente que o tema da pesquisa é religioso e sua lógica é específica. É através de pesquisa minuciosa nos documentos da ABU, e também de relatos de pessoas que participaram do processo, que Quadros afirma as tendências, as aspirações, as tentativas e realizações de grupos evangélicos em termos de participação organizada e articulada no processo político do país.

Nas entrelinhas da obra Evangélicos e mundo estudantil está visível a valorização da espiritualidade e da mística aplicadas à vivência da política. No dizer de Pedro Oliveira (2004), esta análise ajuda quem está imerso na política a ver o que está ali escondido atrás do aparente, “tornando-se então capaz de contemplar o mistério do Reino de Deus que se realiza (também) no espaço político”.

Vale a pena ler Evangélicos e mundo estudantil. Esta obra é indicada não somente para os estudiosos do Cristianismo como para qualquer área do conhecimento: Ciência da Religião, História, Sociologia ou pessoas que se interessam pelo assunto. A escrita do texto mostra-se dentro das regras formais metodológicas, apesar de alguns erros que passaram na revisão ortográfica (p. 12: falta um ‘s’ na palavra ‘sua’; p. 31: troca das vogais no hiato da palavra ‘presbiteriana’; p. 33: troca de lugar da vogal ‘i’ na palavra ‘seria’; p. 36: falta a vogal ‘o’ na palavra ‘depois’; p. 74: falta a vogal ‘a’ na palavra ‘uma’; p. 100: a palavra ‘diferente’ está no plural; p. 102: na palavra ‘historicamente’ falta a vogal ‘e’). Sentimos também a falta de uma página específica com a lista das siglas, o que facilitaria o decorrer da leitura. Mas é uma obra relevante.

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Ireni Soares da MotaMestranda em História na PUC Goiás.

Especialista em História de Goiás pela UEG.Graduada em História pela UEG.

Professora na rede estadual de ensino. E-mail:[email protected]

BARTOLOMÉ RUIZ, Castor. Os paradoxos do imaginário. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

Castor M. M. Bartolomé Ruiz é Doutor em Filosofia pela Universidade de Deusto, Espanha. Possui Pós-Doutorado em Filosofia, pelo Instituto de Filosofia do Consejo Superior de Investigaciones Científicas da Espanha e Mestrado em História, pela UFRGS, além de outros cursos. Atualmente é Professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Filosofia pela UNISINOS. É autor de várias obras publicadas no Brasil e no exterior, das quais merecem destaque: As encruzilhadas do Humanismo. Petrópolis, Vozes, 2006; Justiça e memória. Por uma crítica ética da violência. São Leopoldo: Unisinos, 2009; El Poder de los desposeidos, Madri: Nova Utopia, 2000.

A obra Paradoxos do imaginário, de autoria de Castor M. M. Bartolomé Ruiz foi pu-blicada em 2003, pela Editora Unisinos. Esse livro faz parte da coleção Focus, daquela editora, que reúne ensaios contemporâneos sobre filosofia ou ciências humanas, compondo um acervo bibliográfico atual e com alto padrão científico.

O livro de Ruiz está estruturado em três capítulos, subdivididos em sessões, perfa-zendo um total de 267 páginas, em que o autor constrói seus textos, sempre recorrendo a conceitos anteriores, para formular novos conceitos, obedecendo a uma sequência lógica que dá unicidade e coerência a todo o conteúdo. No primeiro capítulo, Ruiz apresenta o imaginário de forma dinâmica, partindo de um estado de harmonia, em que se dá a fratura humana, em função da au-toconsciência conquistada, o que provoca no indivíduo um desejo insaciável, devido à insatisfação pela harmonia perdida, levando-o à construção de sentido, por meio de representações do mundo, por ele criadas e recriadas, de forma simbólica. Para Ruiz o imaginário é indescritível, podendo quando muito ser conhecido por aquilo que produz. Não está sujeito à determinação racionalista e é exatamente por sua indeterminação que se torna a mola propulsora do poder criador do sem-fundo do ser humano. No segundo capítulo o autor traça uma trajetória descrevendo a passagem de um mundo mítico-mágico para um mundo mítico-lógico. Da inconsciência para a autoconsciência, em que constructos científicos que afirmam uma oposição entre o imaginário e o simbólico, entre

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o logos e a razão, são desconstruídos pelo autor que mostra a importância do imaginário como instância impulsionadora do sem-fundo humano como po-tência criadora capaz de interpretar e significar o mundo por meio de conexões lógicas e inteligíveis. O equilíbrio entre o imaginário e a racionalidade, que se dá pela complementaridade é essencial para evitar que se caia no narcisismo ou no utopismo. Ou seja, nem narciso, nem utopos, mas a via do meio, a via do equilíbrio entre o mundo empírico da racionalidade e o mundo abstrato, mitológico, simbólico do imaginário. No terceiro capítulo Ruiz descreve como o imaginário depende do simbolismo e da linguagem para existir e de como o mesmo se dá na práxis humana. A origem da linguagem se situa exatamente na fratura humana. Antes os indivíduos possuíam uma linguagem funcional igual à dos animais, que se dava de forma denotativa, por meio de signos predefinidos e transmitidos de maneira uniforme. Foi exatamente por meio da linguagem em sentido conotativo, não mais baseada em signos, mas em símbolos, que o indivíduo dá um salto qualitativo, se distanciando da unicidade em que vivia num mundo mágico, despertando-se para a autoconsciência, humanizando-se. A linguagem e o símbolo são elementos indispensáveis e imprescindíveis para o estabelecimento da relação entre o indivíduo e o mundo, através das representações por ele construídas e que dão sentido à sua vida, em sua eterna busca por suturar a fissura causada pela fratura humana.

Bartolomé Ruiz perpassa toda sua obra construindo o seu conceito do imaginário de forma paradoxal, num paralelo entre o mundo natural e o mundo racionalizado, o que lembra o processo de racionalização da Religião descrito por Max Weber, em sua Sociologia da Religião. Aos poucos Ruiz vai costurando seus conceitos de forma magistral, tendo como centralidade a práxis humana, evidenciando os paradoxos existentes entre um mundo natural de harmonia, e o mundo da alteridade, da eterna procura da harmonia perdida; entre o mundo abstrato e o mundo empírico; entre o mundo simbólico e o mundo racional, mostrando o imbricamento dos conceitos, cuja tensão existente entre os vários paradoxos que apresenta é o que ativa o poder criador do sem-fundo da psique humana, em sua busca por construção de representações que dê sentido para a sua vida.

Essa obra é recomendada principalmente para aqueles que se empenham em compre-ender o fenômeno religioso pós-moderno, como se perpetuaram os mitos, os ritos e os símbolos, bem como os valores éticos e morais ensinados por nossos antepassados e que após gerações e gerações, chegaram até nós, de forma intacta.

Antônio Lopes RibeiroDoutorando em Ciências da Religião na PUC Goiás