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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
ILUSTRAÇÃO: A INTERFACE ENTRE IMAGEM E PALAVRA NA FORMAÇÃO
LEITORA
ANDRESSA FERREIRA BARBOSA
NATAL
2015
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ANDRESSA FERREIRA BARBOSA
ILUSTRAÇÃO: A INTERFACE ENTRE IMAGEM E PALAVRA NA FORMAÇÃO
LEITORA
Monografia apresentada ao Centro de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
a obtenção do título de licenciatura plena em
Pedagogia.
Orientadora: Profª. Drª. Marly Amarilha.
NATAL
2015
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ANDRESSA FERREIRA BARBOSA
ILUSTRAÇÃO: A INTERFACE ENTRE IMAGEM E PALAVRA NA FORMAÇÃO
LEITORA
Monografia apresentada ao Centro de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
a obtenção do título de licenciatura plena em
Pedagogia.
Monografia aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Dr. Marly Amarilha (UFRN – Orientadora)
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Diva Sueli Tavares da Silva (UNIFACEX)
___________________________________________________________________
Profª Ms. Sayonara Fernandes da Silva (SME-Natal-RN)
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Até aqui me ajudou o Senhor.
1 Samuel 7:12b
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AGRADECIMENTOS
Agradeço incialmente ao Senhor da minha vida, aquele que me sustentou até aqui e
quem sem Ele nada seria possível. A Ele, toda a glória.
Aos meus familiares, em especial, ao meus pais, Almir Barbosa e Maria de Lourdes
que me deram suporte durante esse tempo e que me apoiaram e me amaram diante
de qualquer situação, assim contribuindo para que esse sonho se tornasse
realidade.
A minha sempre amada vovó Elza por todas as conversas nas tardes dos sábados e
que fizeram ser menos árdua a caminhada.
Ao meu eterno namorado Fernando Oliveira, eu agradeço o companheirismo, a
paciência e todo amor a mim concedido todo esse tempo.
A Jéssica Cabral e Sânzia Marília que construíram comigo uma amizade na época
de escola que se perpetuará para sempre.
Às professoras Marly Amarilha e Alessandra Cardozo, pelos inestimáveis
ensinamentos acadêmicos e para a vida.
Aos colegas e pesquisadores do grupo de pesquisa Ensino e Linguagem, em
especial a Sayonara Fernandes que esteve presente desde o início da minha
trajetória e permaneceu até aqui.
As minhas amigas de iniciação científica Francimara Marcolino, Rayonnara Késia,
Danúbia Moura por todo conhecimento que construímos juntas.
As amigas que o curso de pedagogia me presenteou e que, com toda certeza,
ficarão para a vida toda Helen Mayara, Thyfany Thaynary, Sara Caroline, Mirucha
Mikelle.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte por ter me recebido e acolhido de
braços abertos.
Ao CNPq pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica.
A vocês que contribuíram significantemente para chegar até aqui, meu eterno
agradecimento.
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ILUSTRAÇÃO: A INTERFACE ENTRE IMAGEM E PALAVRA NA FORMAÇÃO
LEITORA
Resumo
O trabalho corresponde a uma pesquisa bibliográfica, em que são abordadas as
contribuições da ilustração em obras literárias destinadas ao público infantil. Objetiva
conhecer a interface entre a palavra e a imagem na produção do livro de poesia com
vistas à formação do leitor de literatura. Elege como referencial teórico os estudos
sobre literatura, ilustração e poesia, principalmente os desenvolvidos por Nakamura
(2003); Luiz Camargo (1991); Amarilha (2009); Pound (1990) e Kirinus (2011).
Toma, para análise, os livros “Quando chove a cântaros/Cuando llueve a cantaros”,
de autoria de Kirinus (2005); “Minha ilha maravilha” de Colasanti (2007) e “Lampião
e Lancelote” de Vilela (2006). Discute a presença do diálogo entre a palavra e a
imagem na composição desse livro de poesia e o seu uso em situação escolar.
Palavras-chaves: Ilustração – Literatura - Formação do leitor
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Convite
Poesia é... brincar com as palavras
como se brinca com bola,
papagaio, pião.
Só que bola, papagaio, pião
de tanto brincar se gastam.
As palavras não:
Quanto mais se brinca com elas,
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
José Paulo Paes
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1.......................................................................................................25
Figura 2.......................................................................................................25
Figura 3.......................................................................................................26
Figura 4.......................................................................................................27
Figura 5.......................................................................................................28
Figura 6.......................................................................................................29
Figura 7.......................................................................................................29
Figura 8.......................................................................................................30
Figura 9.......................................................................................................31
Figura 10.....................................................................................................32
Figura 11.....................................................................................................32
Figura 12.....................................................................................................34
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1.1 JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 10
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................... 11
1.3 APORTE TEÓRICO ......................................................................................... 11
1.4 GUIA DOS CAPÍTULOS .................................................................................. 12
2. AS IMAGENS QUE FALAM ................................................................................. 13
2.1 A HISTÓRIA DA ILUSTRAÇÃO ..................................................................... 13
2.2 RELAÇÃO IMAGEM X PALAVRA ..................................................................15
2.3 FORMAÇÃO LEITORA ................................................................................... 19
3. ILUSTRANDO A TRAJETÓRIA ........................................................................... 23
3.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA ......................................................................... 23
3.2 INTERVENÇÃO ............................................................................................. 24
4. PINTANDO O SETE ............................................................................................. 25
4.1 CONHECENDO OS LIVROS DA PESQUISA ..............................................25
4.2 ANÁLISE DO LIVRO QUANDO CHOVE A CANTAROS .............................26
4.3 ANÁLISE DO LIVRO LAMPIÃO E LANCELOTE ..........................................30
4.4 ANÁLISE DO LIVRO MINHA ILHA MARAVILHA..........................................33
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 36
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 37
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INTRODUÇÃO
Este estudo monográfico é recorte da pesquisa “A multimodalidade na leitura do
poema e do livro de poesia em aprendizes da escola fundamental – estudo
longitudinal”. (AMARILHA - CNPq/UFRN, 2010 – 2014). Esta foi executada pelo
Grupo de Pesquisa Ensino e Linguagem, do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, coordenado pela Profª
Marly Amarilha e possui natureza qualitativa e interventiva. A pesquisa ocorreu em
uma escola estadual de Natal-RN, em turma do 4° ano do ensino fundamental,
sendo acompanhada até o 5° ano, em virtude de sua natureza longitudinal.
A pesquisa consistiu na realização de sessões de leitura de livros de poesia
executada por um pesquisador do grupo. Ao fim de cada sessão, foi solicitado aos
sujeitos que realizassem uma postagem em forma de comentário em um fórum
eletrônico, criado para essa finalidade. As sessões foram registradas através de
gravações em vídeo, entrevistas, postagens no fórum, transcrições de falas dos
sujeitos registradas in loco e no fórum.
Este trabalho tem como foco o estudo das ilustrações dos livros utilizados nas
sessões de leitura da pesquisa.
1.1 JUSTIFICATIVA
O interesse por este tema teve origem a partir dos estudos como bolsista de
iniciação científica no grupo de pesquisa, sob a orientação da professora Amarilha.
Nessa condição, tive a oportunidade de estudar a ilustração conforme previsto no
plano de trabalho intitulado “Como as imagens colaboram para a leitura dos
sujeitos”.
Estudar os efeitos das ilustrações na formação leitora despertou em nós um
olhar diferenciado acerca das contribuições das imagens e sua importante
colaboração na formação do jovem leitor para a compreensão dos textos lidos. Ao
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fazer relação entre texto e palavra e elaborar seus significados o leitor realiza leitura
inferencial, conforme explicam Souza e Girotto:
Visualizar é, sobretudo, inferir significados, por isso visualização é uma forma de inferência, justificando a razão dessas duas estratégias, serem abordadas mais proximamente. Quando os leitores visualizam, estão elaborando significados ao criar imagens mentais, isso porque criam cenários e figuras em suas mentes enquanto leem, fazendo com que eleve o nível de interesse e, assim, a atenção seja mantida. (SOUZA; GIROTTO, 2010, p. 85).
Isso posto, percebemos a imagem como elemento primordial na etapa da
leitura, sobretudo para os sujeitos que ainda estão se apropriando dos códigos
linguísticos, visto que ao efetuarem inferências através da visualização das imagens,
constroem significados que não alcançariam somente com o texto escrito. Sendo
assim, acreditamos que a interdependência entre imagem e palavra poderá
promover uma melhor compreensão do texto lido, além de estimular a imaginação
do leitor.
1.2 OBJETIVOS
Investigar o potencial cognitivo, semântico e estético na formação leitora
desencadeada pelas ilustrações presentes no livro de poesia destinado a infância.
o Identificar as diferentes funções da ilustração nos livros destinados ao
público infantil.
o Compreender como se dá a articulação entre imagem e palavra em livros
destinados às crianças.
o Identificar aspectos da ilustração que colaboram para a compreensão de
textos para jovens leitores.
1.3 APORTE TEÓRICO
Para desenvolver esta monografia, foram realizados estudos sobre mediação
de leitura (andaimagem) de Graves e Graves (1995); Brunner “Realidade
Mental”; sobre leitura de literatura e de poesia Amarilha (2009; 2013), Pound
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(2006); Kirinus (2011); sobre ilustração Camargo (1995), Nakamura (2000), Faria
(2004).
1.4 GUIA DOS CAPÍTULOS
Este trabalho está organizado em 4 capítulos, a saber:
Na introdução, apresentaremos nosso objeto de pesquisa, objetivos,
motivação, fundamentação, justificativa e demarcação situacional da nossa
pesquisa, estabelecendo a organização estrutural do trabalho.
Em seguida, apresentamos o capítulo Imagens que falam, em que
apresentamos a história da ilustração do livro para a infância em uma perspectiva
histórico-social, a relação de interdependência entre imagem e palavra; aspectos da
formação leitora na infância.
No terceiro capítulo, chamado Ilustrando a trajetória, fazemos a
contextualização de como foram realizados os estudos da pesquisa e os recursos
metodológicos utilizados na intervenção na escola.
O quarto capítulo, Pintando o sete, traz as análises realizadas com os livros
utilizados na pesquisa.
Por fim, nas Considerações finais, apresentaremos os resultados obtidos, de
modo a provocar reflexões acerca da importância da ilustração e da literatura na
formação do jovem leitor e da importância da temática para o professor-mediador.
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2. IMAGENS QUE FALAM
Não tenho bens de acontecimentos. O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo: — Imagens são palavras que nos faltaram.
— Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem. — Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
[...] Poetas e tontos se compõem com palavras.
Manoel de Barros
2.1 A HISTÓRIA DA ILUSTRAÇÃO PARA LIVROS INFANTIS
Desde o início dos tempos, a linguagem se faz presente em nosso meio, e a
apropriação da mesma se dá de forma contínua em nosso cotidiano. Segundo
Feldman, (apud NAKAMURA, 2003, p. 263), o ato das crianças escreverem em
paredes parte do mesmo impulso no homem das cavernas, em que sente a
necessidade de deixar a sua marca. Acreditava-se, inicialmente, que tais pinturas
eram formas mitológicas de informações, logo após as imagens passam a ser
registradas em tamanhos menores, para que pudessem relatar mais fatos. As
imagens foram gradualmente substituídas por símbolos e passaram a receber
valores sonoros, o que resultou na separação da linguagem oral e visual. Passaram-
se então, a usar as duas formas de linguagem em um mesmo texto.
Por muito tempo, não houve registros de literatura voltada para o público
infantil, então as crianças precisavam selecionar suas leituras de acordo com o
acervo adulto, existiam também cartilhas pedagógicas e livros religiosos com
ensinamentos morais.
Segunda Nakamura (2003), somente no séc. XV aparece na Espanha as
primeiras fábulas de Esopo que são destinadas tanto a adultos quanto as crianças.
A literatura infantil, semelhante à atual, surge apenas no séc. XVII e com um intuito
educativo, assim vem incorporada ao livro didático. Nesse período, Comenius (1658)
produziu uma enciclopédia composta por 175 imagens, visto que o pensador
defendia que o conhecimento deve se expandir a todas as pessoas, sejam elas
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letradas ou não, por isso acreditava na necessidade do livro ser ilustrado para tornar
acessível os conceitos.
Com o advento da industrialização, no século XVII, fez-se necessária a
criação de novos produtos destinados à infância que iam de brinquedos a livros,
começa-se então a pensar em metodologias que possibilitem o ensinar de forma
prazerosa. Para Amarilha (2009), como os livros passaram ser mais populares e a
leitura se tornou mais individualizada, a voz do narrador vai perdendo seu espaço
para dar lugar às gravuras e os textos diminuem para que as imagens se
sobreponham.
Powers (2008), afirma que antes do séc. XIX, os livros eram comumente
publicados com uma capa de material menos resistente, para que o próprio
comprador pudesse confeccioná-la e ilustrá-la assim como bem entendesse,
normalmente o faziam com uma capa de couro e com informações sobre o autor e o
título do livro. Logo após esse período, surgiram os chapbooks, que eram formados
por uma única folha dobrada até 16 vezes, a capa era composta de modo formal e,
por vezes, continha uma imagem ilustrativa. Apesar de nem todos os chapbooks
serem feitos exclusivamente para crianças, muitos deles traziam contos folclóricos e
místicos que as atraiam.
Apenas no século XVIII, surge a literatura infantil no Brasil, que tinha um
objetivo moralizante e pedagógico. No século XIX, mais especificamente no ano de
1865, a casa Endrizzi Editora, em São Paulo, lançou uma coleção de livros infantis
ilustrados. Em 1897, foi publicado O livro das crianças, escrito por Zalina Rolim
(1869 - 1961), em que todos os poemas nele escritos foram inspirados em uma
imagem que é trazida anteriormente e faz relação com cada poema. Somente após
Monteiro Lobato (1882-1948) que houve motivação para escrever para crianças
sobre variados assuntos. Como Lobato não estava satisfeito com a edição dos livros
brasileiros, decidiu então montar a sua própria editora, contratou ilustradores e
passou a produzir seus muito bem elaborados livros. Lobato foi o primeiro escritor
brasileiro a olhar as crianças como indivíduos pensantes e capazes de desenvolver
raciocínios e opiniões próprias.
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2.1 RELAÇÃO IMAGEM X PALAVRA
Para Camargo (1995), a ilustração é qualquer imagem que acompanha um
texto. As imagens estão mais comumente presentes em livros destinados ao público
infantil, e atualmente é praticamente impossível fazer a dissociação de texto e
imagens em livros infantis, com exceção dos livros que são somente de imagens,
visto que ambos contribuem para uma melhor assimilação da história. Faria (2004),
afirma haver nesses livros uma “dupla narração”, através da qual o ilustrador
assumiria o papel de uma espécie de segundo narrador e contaria outra história
através das ilustrações.
A dinâmica para a leitura do texto escrito se dá pela trajetória do olhar, na
qual o olho percorre a linha na direção horizontal, no sentido esquerda para direita, e
de forma gradual, linha a linha, de cima para baixo, diferente da leitura que ocorre na
leitura de imagens que, por sua vez, ocorre de modo global, em que olho percorre
várias direções e é orientado pelas particularidades da própria ilustração. Para Faria
(2004), na leitura de imagens o leitor é guiado conforme a intenção do ilustrador que
gera uma hierarquização nos componentes das imagens. “Um dos dois elementos
pode ter a faculdade de dizer o que o outro, por causa de sua própria constituição,
não poderia dizer” (DURAND & BERTAND, apud FARIA, 2004, p. 40).
As articulações entre palavra e imagem podem ser pedagógicas ou de
complementaridade. Na primeira, texto e imagem trarão as mesmas informações, as
crianças serão motivadas a identificar nas imagens o que foi relatado no texto escrito
de modo literal. Já, relacionado à articulação de complementaridade, a ilustração e o
texto escrito irão juntos narrar história de modo a se completarem, tornando-se
indissociáveis ao enredo.
O texto escrito possui características próprias que contribuem
significantemente para o desenvolvimento da narrativa. Faria (2004) aponta como
indispensáveis algumas dessas características: articuladores temporais, que são os
responsáveis por descreverem o instante que ocorre a ação; elementos de causa e
efeito, que tem por objetivo explicar os motivos pelos quais ocorreram tais situações.
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O texto escrito também é o responsável por efetuar revelações, fazendo as
descrições dos personagens, ações e locais onde a história ocorre.
A ilustração, por sua vez, tende a propiciar uma espécie de apoio ao leitor,
visto que em sua estrutura traz detalhes minuciosos que, se descritos no texto,
tornar-no-iam cansativo e enfadonho, posto que na imagem o leitor pode fazer uma
leitura global da imagem como um todo e realizar uma percepção instantânea do
que se propõe informar. Faria (2004) afirma que as imagens devem trazer elementos
de hipersignificação: elementos estáticos, que objetivam realizar descrições, através
de propostas em que se sugere o espaço em que as ações ocorrem e
características das personagens; e os elementos dinâmicos, que são responsáveis
por ilustrarem expressões e sentimentos das personagens. Amarilha (2011)
reconhece a importância das imagens para a formação do jovem leitor quando
afirma que:
[...] Nos primeiros estágios de leitura as imagens são tão importantes quanto as palavras. A ilustração, além de deter o enredo da história, também sinaliza sobre o significado das palavras. Assim sendo, a ilustração é instrumento do processo de ler, ainda que a escola tenha a esse respeito pouca clareza. (AMARILHA, 2009, pág. 41).
Em seu livro Ilustração do livro infantil, Camargo (1995) endossa a formação
das muitas funções das ilustrações em livros infantis: “Seja no livro ilustrado, em que
a ilustração dialoga com o texto, seja no livro de imagem, em que a ilustração é a
única linguagem, a ilustração pode ter várias funções” (CAMARGO, 1995, p. 33). O
autor destaca as funções de: pontuar; descrever; narrar; simbolizar;
expressividade/ética; estética; função lúdica e a função metalinguística.
Desse modo, a ilustração deve ser entendida também como forma de
comunicação tornando-se, assim como a linguagem escrita, capaz de transmitir
informações essenciais no texto. Lima (1985) afirma que o relacionamento entre
imagem e palavra
É bem mais amplo e complexo a uma interação entre palavra escrita e a imagem visual é, antes de mais nada, circunstancial e tanto cada uma pode atuar como expressão autônoma e suficiente, como num momento seguinte ambas poderão se tornar dependentes e indispensáveis uma à outra. (LIMA,1985, p. 107).
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Sipe (1998) sustenta da mesma forma a importância da relação texto-imagem
ao afirmar os inúmeros papeis assumidos por ambos, constando muitas vezes
serem inseparáveis e fundamentais para a compreensão eficiente da narrativa.
Várias vezes se complementam, acrescentam ou se descrevem. Para exemplificar
tais papeis, dentre seu aporte teórico, Sipe (1998) traz um estudo que divide a
relação palavra-imagem em duas vertentes, denominadas de “congruência” e
“desvio”. A primeira delas caracteriza essa relação em forma de complementaridade,
em que a imagem antecederá o que virá no texto escrito e ambos irão narrar a
história alternadamente. Já no desvio, a ilustração se contrapõe ao texto escrito.
O autor defende o conceito de Sinergia em que afirma que palavra e imagem
são indissociáveis, acrescenta ainda que para haver eficácia na compreensão é
preciso ocorrer interações e troca entre ambos. Ele utiliza os estudos de outro
estudioso para justificar a participação efetiva do leitor como co-criador de
significação, em que o leitor fará uso de suas significações para dar sentido ao texto,
preenchendo os espaços que estão vazios, ou seja, o que não está escrito. Assim,
em virtude das inúmeras possíveis significações de incontáveis leitores, o texto terá
também, incalculáveis significados.
O professor Sipe (1998) faz uso da teoria de Noldeman e Lessing (1988) para
ilustrar a potencialidade de transferência de informações da imagem e da palavra. A
imagem daria de forma mais clara informações espaciais, enquanto que o texto,
informações temporais. Porém, esta classificação não os limita (imagem/texto) a
passarem somente tais informações, pois, em nossa mente estão se formando, o
que o autor chama de “fluxos temporais”. Segundo Sipe (1998), ao olharmos a
imagem tendemos a observar os mais variados detalhes e a procurá-los, diferente
do que acontece na leitura do texto verbal, em que a sua estrutura nos condiciona a
irmos adiante.
Dessa forma, percebe-se a relação de interdependência entre imagem e
palavra em que ao nos depararmos com a imagem, somos levados a observar
detalhes que o texto escrito não nos permite enxergar. O texto escrito por sua vez
nos traz informações que não seriam percebidas na imagem.
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A teoria da transmediação, conceituada por Charles Suhor (1984), também é
citada por Sipe (1998) e se define pelo processo que realizamos ao relacionar
texto/imagem. O autor afirma que ao lermos livros ilustrados, alternamos do sistema
de signos da ilustração para o sistema de signo do texto escrito e vice-versa, desta
forma construímos a cada alternância, novos significados.
Para exemplificar essa alternância, Sipe (1998) utiliza estudos realizados por
Peirce (1955) que divide esse processo em três partes: representação, interpretação
e objeto, formando um triângulo em que cada uma dessas partes representa um dos
ângulos e a interpretação se encontra no topo e seria, justamente, a construção de
significado efetuada pelo leitor, através do objeto e da representação, que se
localizam nos dois ângulos restantes.
Esse processo ocorre em leitura de livros ilustrados ou não. Porém, o autor
destaca que ao realizarmos a leitura de imagens, automaticamente as
transformamos em texto e o texto em imagens. Este processo torna-se, então,
interminável em virtude das muitas interpretações e relações que podem ser
efetuadas através da singularidade de cada leitor.
2.2 FORMAÇÃO LEITORA EM LITERATURA
O mais difícil, mesmo, é a arte de desler.
Mario Quintana
O processo de aquisição da leitura depende de modo indissociável da
decodificação e da compreensão para se efetivar. Desta forma, é possível atrelar o
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ato de ler ao prazer pela leitura, visto que o indivíduo poderá aferir significados
inerentes a sua realidade. Gomes (2003) afirma que
Se a compreensão é uma habilidade cognitiva, sem a qual não há aprendizado, então o ensino e aprendizagem de leitura literária serão favoráveis se o fenômeno da compreensão estiver imbricado às contingências do prazer. Compreender é promover significados a um determinado texto. (GOMES, 2003, p. 43).
Gomes (2003, p. 42) afirma ainda que no ato da leitura o leitor passa a
pertencer aos dois mundos: do imaginário e do real. Tal trajetória permite que o leitor
atribua novos significados à sua própria constituição humana e ao meio em que vive,
possibilitando uma visão crítica do mundo.
Para Yunes (1995)
ler significa descortinar, mudar de horizontes, interagir com o real, interpretá-lo, compreendê-lo e decidir sobre ele. Desde o início a leitura deve contar com o leitor, sua contribuição ao texto, sua observação ao contexto, sua percepção do entorno (YUNES, 1995, p. 186).
Dessa forma, a leitura não pode ser vista somente como um processo
mecânico e sistemático, já que para que se efetive o ato de ler se faz necessária a
atribuição de significação e ressignificação do texto, exigindo do leitor uma atividade
de reflexão; além de propiciar prazer através da identificação com o mundo ficcional
e relação com a realidade em que vive. Assim, a leitura ultrapassa o âmbito da
decodificação e o sujeito leitor passa a atribuir sentido e significado ao que lê.
A formação do leitor começa a partir do momento em que o indivíduo inicia a
sua trajetória no mundo antes mesmo de seu ingresso na vida escolar, isto é,
quando imerge nos mais diversos gêneros textuais. Este processo dá continuidade
ao seu processo inserção na cultura da lecto-escrita, qualificando a sua formação
leitora, a qual se estenderá por toda a vida. Segundo Yunes (2009, p.9):
[o leitor precisa sentir-se] sujeito histórico para interagir no ato de ler. E não apenas livros, mas imagens e outras linguagens com o repertório de sua vivência e com acervo cultural que lhe sustenta uma visão de mundo.
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Sendo assim, ao adentrar na escola espera-se que a mesma sirva de ponte e
oriente o jovem leitor, iniciando-o no processo de alfabetização. Para tanto, a escola
deve, assim como sustentado por Yunes (2009), fazer uso da realidade do aluno
para que desta forma possa haver sentido para o educando, resultando assim que o
indivíduo possa sentir-se sujeito integrante e participante da sociedade e do meio
em que vive.
Nesse sentido, Nakamura (2000) afirma que o ambiente escolar apresenta ao
educando um ambiente mais regrado e baseado em rotinas, diferente de seu mundo
habitual, antes repleto de ludicidade. Assim, o aluno trará essas vivências para a
escola, visto que através da brincadeira e do faz-de-conta a criança consegue
estabelecer relações com o mundo.
Em uma pesquisa realizada por Sampaio (2003), na qual analisou qual a
interferência do livro didático quanto à leitura, a pesquisadora pode perceber que
escrita e leitura sempre estão ligados intrinsecamente e o papel do leitor é somente
decodificar as palavras no atual sistema escolar.
O estudo mostra ainda que pouca ou nenhuma relação se faz entre os
conteúdos propostos no livro ou em sala de aula e a realidade dos sujeitos
aprendizes. Isso transforma o ambiente escolar em um lugar enfadonho e o ato de
aprender pouco relevante por meio de exercícios que enfocam unicamente os
aspectos gramaticais do texto, não permitindo a produção de novas ideias,
autorizando somente a encontrar as que estão explicitadas no texto. Esta
metodologia resulta em desinteresse pela leitura por parte dos alunos, já que não
conseguem encontrar sentido em realizar leituras e atividades que possuem pouca
ou nenhuma semelhança com a sua realidade. Isso gera o efeito contrário ao
esperado, visto que os alunos entenderão que a leitura se limita ao estudo da
gramática.
Amarilha (2012) reconhece que é possível trabalhar a estrutura da língua e ao
mesmo tempo estimular o prazer pelo gênero literário, quando afirma que:
Ao ter contato com a literatura, a criança familiariza-se com estruturas linguísticas mais elaboradas porque é o resultado de um
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escritor – alguém que se especializou em propor desafios, inteligentes, lúdicos através da língua. Ainda que não leitora, a criança pode e deve participar da literatura através da audição de poemas, relatos de histórias ou da leitura de livros de imagens. (AMARILHA, 2012, p. 56).
Nakamura (2000) sugere que a Instituição apresente a literatura infantil desde
os primeiros anos da vida escolar, em que a criança irá encontrar elementos do
lúdico e do imaginário presentes na narrativa, permitindo assim a construção da
relação com a sua realidade.
Assim como Nakamura (2000), Abramovich (1991) defende que a leitura
suscita o imaginário e, por vezes, responde a curiosidades, em outras horas a
aguça. Abramovich destaca o caráter lúdico da leitura, conforme se lê:
um lazer que pode ser saboreado a qualquer hora e que até dispensa companhia... É um dos poucos brinquedos com que se pode brincar sozinho (ou junto com as personagens...). (ABRAMOVICH, 1991, p. 152).
Ao falar acerca da formação do jovem leitor, Amarilha (2013) ressalta a
importância de a escola estar qualificada às novas demandas de linguagem e
recepção de informações da atual sociedade que gera diferentes modos de leitura.
Destacando também o papel significativo do mediador, o professor, sendo ele
aquele que irá apoiar e incentivar o aluno a ser protagonista de sua própria formação, ser um par mais experiente e solidário ao acompanhá-lo a se adentrar no mundo literário. (AMARILHA, 2013, p. 130).
A autora ressalta a importância de o mediador de leitura ser também um
leitor, para que assim possa instigar seus alunos para o universo literário.
É difícil falar de prazer para quem nunca o experimentou. No entanto, entendo que mais difícil ainda é ensinar a encontrar prazer no texto quando nós mesmos não nos deparamos com esse momento (...) de onde se conclui que professores sem prazer não podem formar leitores desejantes. (AMARILHA, 2012, p. 25).
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Amarilha também aponta as tecnologias de informação disponíveis na
instituição escolar que, apesar de existirem, não são utilizadas para promovem a
leitura de literatura. A autora contesta a formação acadêmica proporcionada aos
professores em exercício atualmente, questionando se tal formação os possibilita
realizar uma mediação para a formação de leitores, haja vista que ter a disposição
uma avançada tecnologia de informação, não garante a efetivação de um trabalho
pedagógico de qualidade. Visto que, para tanto se faz necessário a competência de
refletir acerca do que se objetiva alcançar e como fazê-lo, unindo assim teoria e
prática.
Desse modo, o professor deve além de ter ciência da teoria e domínio das
novas tecnologias da informação, possuir a sensibilidade de pensar nas demandas e
peculiaridades presentes em sua turma e, sobretudo ser um leitor ativo, inclusive de
imagens.
Essa prática exige que o docente busque novas fontes de informação e
permita que seus alunos reflitam em seu fazer em sala de aula, fazendo-os sujeitos
pensantes e reflexivos. Se faz necessária uma maior atenção na seleção do material
didático, mas principalmente, em seu uso em sala de aula.
A formação de leitores deve ultrapassar os muros da escola, capacitando os
sujeitos para ler o mundo onde vivem. Ao ler são ativados os conhecimentos já
estabelecidos pelo leitor, tendo para cada indivíduo um grau de significância
diferente.
Ao colocar em prática a formação de leitores, é necessário que a escola
esteja preparada, pois para gerar resultados profícuos, requer um árduo trabalho.
Para Bettelheim (2006) “a tarefa mais importante e também a mais difícil na criação
de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida.” (BETTELHEIM, 2006,
p.11).
Os resultados desse esforço serão indivíduos pensantes que refletem sobre
sua existência, em que a leitura e o livro de literatura podem ocupar importante
função.
23
3. ILUSTRANDO A TRAJETÓRIA
3.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA
Este estudo focaliza o estudo das ilustrações dos livros utilizados durante a
pesquisa realizada em escola pública de Natal-RN.
O projeto “A multimodalidade na leitura do poema e do livro de poesia em
aprendizes da escola fundamental – estudo longitudinal” (AMARILHA, 2010-2014)
dispôs de várias etapas desde a seleção das obras, planejamento das seções, bem
como estudos teóricos realizados por todos os participantes do grupo de pesquisa,
juntamente com a criação do fórum eletrônico intitulado Pesquisa e Poesia no qual
os sujeitos deveriam realizar suas postagens.
A escola selecionada precisava atender aos seguintes critérios: ser pública,
possuir uma equipe de gestores, ter laboratório de informática e ter localização de
fácil acesso. Ao ser escolhida, foi realizado um pré-teste que consistiu na exploração
do local, onde foi observada a relação e interação entre os sujeitos do 4° ano e o
computador. Através dos dados do pré-teste, observou-se que poucos deles
possuíam uma boa interação com esse instrumento eletrônico, então foram
disponibilizados alguns teclados para que pudessem se familiarizar com o objeto e
foram ministradas aulas de informática para se alcançar o mínimo de domínio digital.
Entretanto, não foi possível dar continuidade a pesquisa na referida escola,
tendo em vista a insuficiente manutenção no laboratório de informática, bem como
na inconstância da internet que não foi assegurada por parte da escola.
A pesquisa prosseguiu em uma escola pública estadual de Natal-RN. A
referida escola foi selecionada pelo fato da gestão e corpo docente terem aderido ao
projeto, por possuir boa estrutura, dispor de um laboratório de informática e por se
situar nas proximidades do campus universitário da UFRN.
Os sujeitos foram acompanhados do 4° ao 5° ano, e inicialmente era
composta por 30 alunos, porém em decorrência da pesquisa ser longitudinal o
estudo continuou somente com os que permaneceram. Desta forma, o corpus da
pesquisa se constitui por 16 sujeitos entre 9 a 11 anos.
24
3.2 INTERVENÇÃO
Foram realizadas 15 sessões de leitura, que ocorriam quinzenalmente. No
momento das sessões, todos os sujeitos tinham em mãos o livro de poesia a ser lido
pela professora/mediadora.
Ao fim de cada sessão de leitura, os estudantes eram orientados a realizarem
uma postagem no fórum eletrônico, utilizado como um instrumento de registro dos
comentários e como atividade de andaimagem, na etapa de pós-leitura. No
momento da postagem no fórum, o aluno dispunha do livro em mãos, para que
pudesse ser utilizado como apoio e mediação no momento de escrita.
No decorrer deste trabalho, iremos analisar os livros que foram lidos na
pesquisa: “Minha ilha Maravilha” de Marina Colasanti (2007) “Quando Chove a
Cântaros/Cuando llueve a cantaros” da autora Gloria Kirinus (2005), e “Lampião e
Lancelote” de Fernando Vilela (2011) que foram selecionados levando-se em conta
a qualidade da linguagem literária,de suas ilustrações e a facilidade de acesso.
4. PINTANDO O SETE
4.1 CONHECENDO OS LIVROS DA PESQUISA
Figura 1 – Capa do livro Quando chove a Cântaros
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O livro “Quando chove a cântaros” (2005) de Gloria Kirinus foi selecionado
para ser utilizado na pesquisa pela qualidade literária do seu texto, de suas
ilustrações e por se tratar de uma obra bilíngue apresentando-se em português e em
espanhol. Ao ser selecionada, esperava-se observar a sensibilidade e a recepção
melódica de outra língua por parte dos sujeitos.
O livro trata da história da cidade de Lima, capital do Peru, onde chove
raramente e quando este acontecimento ocorre o povo, os astros e o céu celembram
o evento. A obra possui um projeto gráfico bem colorido e apresenta aspectos
culturais do povo do Peru, como suas vestimentas, aparência física e cor de pele.
Figura 2 – Capa do livro Minha ilha maravilha
O livro “Minha Ilha Maravilha” (2007) é de autoria de Marina Colasanti e foi
por ela também ilustrado. A obra foi selecionada em virtude da qualidade de sua
expressão verbal, gráfica e semântica, tendo em vista que nem sempre as imagens
irão expressar diretamente o que está expresso no texto escrito, classificando-se
como imagens de “desvio”, conforme concepção de Sipe (1998).
O livro traz poemas articulados que objetivam realizar a apresentação de uma
ilha maravilhosa.
Figura 3 – Capa do livro Lampião e Lancelote
26
O livro “Lampião e Lancelote” (2006) foi escrito e ilustrado por Fernado Vilela
e recebeu diversos prêmios como menção honrosa do Prêmio Bolonha Ragazzi
(Itália), em 2007. Foi escolhido devido às suas particularidades verbais, ilustrativas e
ao seu projeto gráfico.
A obra relata a briga entre Lancelote, o cavaleiro da Távola Redonda, e
Lampião, cangaceiro nordestino. Tudo começa quando uma feiticeira envia
Lancelote ao início do século XX, no sertão nordestino. Ao chegar ao referido tempo,
encontra Lampião e seu bando. Este encontro desencadeia então uma disputa.
4.2 ANÁLISE DO LIVRO “QUANDO CHOVE A CÂNTAROS”
Para efetuar a análise do livro “Quando Chove a Cântaros” elegemos as
funções das imagens descritas por Camargo (1995).
A primeira função por nós destacada é a função descritiva, que descreve os
elementos presentes no texto escrito; esse tipo de função está comumente presente
em livros didáticos e formativos. No livro “Quando chove a cântaros”,conforme
mostra a figura 3, essa função se faz presente quando o texto escrito descreve
quem são os ocupantes do barco.
“Quando chove a cântaros,
muito a contragosto,
quem menos quer
muda logo de ofício,
e também de função...
27
o bombeiro planta
bananeira na calçada.
O padeiro rema contra a corrente
e o funcionário público
navega numa canoa
virada.”
A imagem os traz descritos e enriquecidos em detalhes, o padeiro, por
exemplo, vem ilustrado próximo ao cesto de pães, em que se pode perceber as
dimensões do cesto, do pão, aspectos não revelados pelo texto verbal.
Figura 4 – Livro Quando chove a cântaros
Páginas 22 e 23
A segunda função destacada é a função narrativa, que ocorre quando a
ilustração mostra uma ação que está explícita no texto. Na figura 5, abaixo,
percebem-se movimentos das lavadeiras, assim como foi descrito no texto que o
antecede. O movimento dos lençóis sugere atividade festiva, agregando ao texto
verbal o aspecto visual de um bailado de esperança, que subverte o conceito de
lavar roupa como um trabalho cansativo. Diante do contexto, as imagens enfatizam
a festa em que se torna toda atividade cotidiana, quando há chuva em Lima.
Figura 5 – Quando chove a cântaros
28
Páginas 26 e 27
A terceira função que pode ser atribuída à ilustração é a função simbólica
que faz a representação metafórica da ideia do texto escrito. A função simbólica se
faz presente na figura 6, nas páginas 24-25, quando a ilustradora Graça Lima sugere
a personificação do rio, podendo-se entendê-lo como a mãe natureza, conforme se
pode ler: “As ruas viram rios, e os rios carregam raios de bicicleta sem rumo e sem
destino. As rodas fazem o papel de boias e os fios de telefone se enroscam nelas,
com jeito de jiboias...” (KIRINUS,p.24-25). Desta forma, o rio a tudo toma e a figura
da mulher é dominante na ilustração, sugerindo a sua presença onipotente sobre o
evento e a vida das pessoas.
Figura 6 – Quando chove a cântaros
Páginas 24 e 25
29
A próxima é a função expressiva/ética, que expressa sentimentos e
emoções através da caracterização dos personagens. Pode-se perceber a função
expressiva, na imagem abaixo (figura 7), ao voltarmos o olhar para as expressões
dos personagens, pois mesmo enfrentando os tormentos da chuva, os traços e
curvas e a expressão dos rostos mostram que estão felizes, agradecidos pela chuva
tão rara em sua cidade.
Figura 7 – Quando chove a cântaros
Páginas 10 e 11
A quinta e última função é a função lúdica, apresenta-se quando o jogo
lúdico está presente na própria ilustração ou na disposição da imagem na página do
livro. No caso em análise, ao virar o livro de cabeça para baixo, nas páginas 4-5,
pode-se perceber a presença de vários seres mitológicos no céu da cidade.
Entendemos, então, que a ilustradora brinca com a percepção do leitor,
incentivando-o a buscar compreender a imagem mudando seu olhar da perspectiva
usual, de uma página de livro. Com o movimento da página, a ilustração se torna
mais explícita e esse jogo lúdico agrega interesse e significação ao texto.
Figura 8 – Quando chove a cântaros
30
Páginas 4 e 5
4.3 ANÁLISE DO LIVRO “LAMPIÃO E LANCELOTE”
Faria (2004) destaca um recurso técnico denominado por ela por
simultaneidade, que objetiva fazer a reunião dos elementos principais da narrativa
em uma única cena. Para exemplificar de forma clara, faremos a análise de algumas
imagens de “Lampião e Lancelote”, destacando três desses elementos pertencentes
à simultaneidade.
O primeiro deles é vários ambientes em um só plano. Aqui, a ilustração traz
inúmeros elementos que não estão presentes no texto escrito. Segue o texto:
“[...] De velho contos e lendas Lá da Távola-Redonda Invoco aqui este herói Que venha como onda E se espraie neste livro De rosto sereno e altivo
Sem nada que o esconda. ”
O leitor pode ser desafiado a encontrar os detalhes que não estão presentes
no texto. Como exemplo da imagem utilizada, o texto descreve a vinda do cavaleiro
e a imagem retrata a sua aparência.
Figura 9 – Lampião e Lancelote
31
Páginas 06 e 07
O segundo elemento destacado é chamado de várias ações num só plano,
em que uma mesma cena comporta as ações de diversos personagens ao mesmo
tempo. Pode-se associar com as relações de tempo e espaço. O leitor será
questionado a respeito das diversas cenas e ações presentes na ilustração. Na
imagem abaixo, pode-se perceber no texto escrito e nas imagens o bando de
cangaceiros, a fogueira e a movimentação. No texto escrito, lê-se o seguinte:
“A poucas léguas dali, o bando de Lampião descansava de longa e árdua viagem, escondido no Raso da Catarina, ao fim de uma tensa batalha com os macacos, a polícia, nas proximidades da cidade de Mossoró. O sol apeava de sua rotina diária e descia no horizonte devastado e seco. Os cangaceiros preparavam o acampamento e juntavam gravetos para a fogueira, pois a noite prometia muita cantoria com viola e sanfona para comemorar a vitória.” (VILELA, 2006, p. 19)
Em paralelo, na ilustração podemos imaginar que o bando era numeroso pela
imagem compacta de pernas e botas. A ilustração é também redundante e enfática
quando mostra os instrumentos musicais citados no texto, entretanto, agrega outra
possível significação, pois tanto quanto as armas, os cangaceiros também carregam
consigo os instrumentos de lazer: a sanfona e a viola, sugerindo que a vida no
bando não era só luta, mas também diversão.
Figura 10 – Lampião e Lancelote
32
Páginas 18 e 19
O terceiro e último elemento é denominado por várias ações em
perspectiva, que traz as personagens e demais elementos gráficos em perspectivas
e planos diferentes visualmente, de modo a dar a entender o quão distante estão.
Esse elemento discute a variação proporcional dos objetos e trabalha a observação
e possíveis relações semânticas com o texto verbal, conforme imagens abaixo:
Figura 11 – Lampião e Lancelote
Páginas 20 e 21
Nessa passagem, o texto escrito mostra a solidão do líder do bando,
conforme se lê: “Lampião, cansado e com sede, montou num jegue e se desgarrou
do bando para buscar água” (VILELA, p. 21), acompanhando essa condição, a
imagem acentua a solidão do personagem e o seu cuidado como chefe pelo bem
estar do bando. Ele se afasta para buscar água, também porque “Queria ficar só”.
Com a imagem em perspectiva, evidenciam-se a aridez da paisagem, com uma
árvore de galhos desfolhados, a intensidade do sol, já no final do dia, e a sombra
33
alongada mostra a figura pequena e solitária do guerreiro frente a imensidão do
ambiente. O impacto imagético do painel em página dupla convida o leitor a longa
observação e a busca de inferências sobre a condição de vida do personagem e o
momento em que se encontra. Essa reflexão só é possível porque a ilustração em
sua exuberância chama a atenção sobre si mesma e convida o leitor a parar para
pensar.
4.4 ANÁLISE DO LIVRO “MINHA ILHA MARAVILHA”
O livro “Minha ilha maravilha” apresenta particularidade no que se refere à
ilustração, visto que suas imagens nem sempre se relacionam explicitamente com o
texto. A abordagem utilizada por Colasanti (2007) pode ser classificada como
ilustrações de “desvio” conforme Sipe (1998), em que o leitor deve empreender
esforço relacional mais profundo para compreender a relação entre palavras e
imagens. É o que ocorre com o poema “Avião não é ave”, na página 22. Segue o
poema:
Avião Não é Ave
Um avião no céu
Não é pássaro
Que vai à caça
Não é nuvem
Que vem e passa
É máquina
Que por mais que eu faça
Nunca voa ao léu.
Isto posto, pode-se perceber que a ilustração que acompanha o poema, uma
borboleta, não se relaciona diretamente, de maneira óbvia, aos elementos descritos
no texto escrito. O poema requer que o leitor realize inferências que o possibilitem
estabelecer relações entre imagem e palavra, neste caso sobre o ato de voar que é
desempenhado tanto pela borboleta quanto pelo avião. Desta forma, ocorre o desvio
que demanda o leitor um maior esforço.
Essa homologia, requer do leitor a busca por um campo semântico mais
amplo, de maneira a responder de forma compreensiva à provocação feita por
ambos texto e imagem. Nesse sentido, a ilustração de “desvio” atua como sugestão
34
para o leitor explorar outras relações de sentido, em que se toma como referência
algo que voa, isto é, assim como avião voa, mas não é ave, também a borboleta voa
e não é ave.
Outra ilustração da obra de Colasanti, que elegemos para análise é a que
acompanha o poema: Vou, voo e volto que foi lido na segunda sessão da pesquisa.
“Vou, voo e volto Cavalo de vento
Cavalo de ar Salto na sela E vou galopar
Galopo na praia Galopo no mar
A crina é uma vela Que faz navegar
Navega na onda Navega no sal
A vela abre asa Me leva a voar
Voando no alto
Começo a cansar Ao ver minha casa Já quero voltar. ”
Figura 12 – Minha Ilha Maravilha
35
Página 23
Este poema narrativo trata de uma viagem nos ares realizada pelo narrador
em que se encontra cavalgando um cavalo no alto. A ilustração que o acompanha
provoca o leitor a realizar, ele também, uma viagem pelos seus pensamentos
criativos e imagéticos. A imagem que ilustra a página do poema (p.23) é de uma
região, um bairro talvez, de uma cidade montanhosa; essa leitura é possível pela
densidade do aglomerado de casas que projetos em terrenos montanhosos
promovem. Essa percepção sobre a condição geográfica do local é reforçada por um
ângulo em que o leitor se depara com uma visão ampla, quase panorâmica, como
de alguém que esteja aterrissando no nível do chão, de volta de uma viagem,
conforme está expresso no poema “Ao ver minha casa/Já quero voltar”.
A relação entre imagem e palavras, nesse caso, mais uma vez, exige do leitor
percurso de articulação entre possíveis sentidos, acompanhando a criação verbal do
texto que provoca uma viagem imaginária.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela observação dos aspectos analisados no decorrer do trabalho acerca das
diferentes funções da ilustração nas obras literárias estudadas, percebemos a
significante participação das imagens no diálogo do leitor como o texto, que pode ser
de reafirmar o que já está explícito no texto escrito ou de provocar novas relações de
sentido, expandindo, acrescentando detalhes, localizando no tempo e no espaço os
eventos apresentados pela obra.
Entendemos que a ilustração pelo apelo visual das cores, das dimensões,
dos traços do desenho permite que o livro de literatura para a infância seja
beneficiado pela linguagem imagética. Assim sendo, não há limites às possibilidades
de leitura que as imagens poderão desencadear no processo de leitura do texto
escrito, visto que o leitor se vê desafiado não só a ver e observar imagens, mas
também a imaginar possíveis relações com o texto verbal apresentado. Esse
36
processo de “transmediação” torna a formação do leitor mais habilitado a explorar a
potência semântica de obras com as quais interage.
As obras “Quando chove a cântaros”, “Lampião e Lancelote” e “Minha ilha
Maravilha” e suas ilustrações são ricas em oportunidades significativas de
percepção visual, observação e relações semânticas, permitindo ao leitor
aprofundamento em diferentes perspectivas de leitura, seja verbal, seja visual, seja
na articulação de ambas.
Diante dessa constatação, pensamos que seja relevante ao professor que
realiza atividades de leitura com livros de literatura infantil, em sua função de
mediador de leitura, saber utilizar os recursos oferecidos pelas imagens em sala de
aula. Conforme evidenciamos, as imagens propiciam aos leitores um espaço de
interação, aberto a questionamentos, resultando assim na formação de um leitor
sensível a perceber as significações que são construídas a partir das imagens em
articulação com o texto, descobrindo os novos sentidos que as ilustrações sugerem,
enriquecem e agregam à leitura do texto de literatura.
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