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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS RENATO LUNA DE LIMA DESVENDANDO O ESPAÇO URBANO: ESTUDO DE CASO SOBRE A EMERGÊNCIA DA FRAGMENTAÇÃO URBANA NATAL-RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E

REGIONAIS

RENATO LUNA DE LIMA

DESVENDANDO O ESPAÇO URBANO: ESTUDO DE CASO SOBRE A

EMERGÊNCIA DA FRAGMENTAÇÃO URBANA

NATAL-RN

2017

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RENATO LUNA DE LIMA

DESVENDANDO O ESPAÇO URBANO: ESTUDO DE CASO SOBRE A

EMERGÊNCIA DA FRAGMENTAÇÃO URBANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Estudos Urbanos e Regionais para

obtenção do título de Mestre em Estudos Urbanos

e Regionais da Universidade Federal do Rio

grande do Norte.

Natal-RN

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -

CCHLA

Lima, Renato Luna de.

Desvendando o espaço urbano: estudo de caso sobre a emergência

da fragmentação urbana / Renato Luna de Lima. - 2017. 126f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas e Artes. Programa de Pós

Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, 2017.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Roberto de Jesus.

1. Conjuntos habitacionais. 2. Condomínios fechados. 3.

Segregação. 4. Fragmentação urbana. I. Jesus, Claudio Roberto de.

II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 711.582(813.2)

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade que Deus me deu em ter

alcançado o título de mestre. Foram muitas angustias e vários sinais de perseverança que

pude captar nesses dois anos.

Agradeço а todos оs professores do PPEUR, em especial a Cláudio e Patrick,

pоr mediarem о conhecimento racional, bem como a manifestação dо caráter е da

afetividade dа educação nо processo dе pesquisar e ensinar. Com isso, posso afirmar que,

com a atenção dedicada а mim, nãо somente mе ensinaram como ainda me fizeram

aprender. А palavra mestre nunca fez tanto sentido ao relacionar aos tantos professores

dedicados, оs quais terão оs meus eternos agradecimentos.

Agradeço a minha família, em especial, a meus pais que, por vezes, deram tudo

que tinham para eu sempre continuar a estudar. Meus tios, em especial, a Sidney, que

também fez a diferença ao longo da minha formação. A meus avós, inclusive os que

partiram, pois tenho certeza que estarão vibrando como todos os presentes.

E por fim, agradeço a minha companheira, Larissa Maria, e sua família, que já é

como se fosse a minha. Mas, sem ela, não teria conseguido ir até o fim. Soube me ouvir

e ajudar com as mais belas ações, que são somente explicadas pelo admirável sentido do

amor

Obrigado a todos!

“Mil motivos pra sorrir. Não se deixe desistir

Você estará seguro, não se esqueça que essa dor, também é o que

nos dá força!” Sign - Flow

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Regiões administrativas por bairros ............................................................ 51

Figura 2 − Natal: Localização dos conjuntos habitacionais .......................................... 55

Figura 3 − Produção imobiliária na década de 1990 .................................................... 59

Figura 4 − Natal: rendimento médio mensal por bairro ................................................ 60

Figura 5 – Natal, distribuição das incorporações década de 2000 ................................. 63

Figura 6 – Natal, distribuição renda média mensal por bairros ..................................... 65

Figura 7 – Mapa do município de Parnamirim ............................................................. 67

Figura 8 – Evolução demográfica do município de Parnamirim (dados mais atuais) .... 68

Figura 9 − População residente por bairro em Parnamirim/RN 2000 ........................... 69

Figura 10 – Localização do Condomínio Jardim Atlântico .......................................... 71

Figura 11 − Planta Locacional – Condomínio Jardim Atlântico ................................... 83

Figura 12 – Planta Locacional 3D – Jardim Atlântico .................................................. 84

Figura 13 − Mapa Situacional – Condomínio Jardim Atlântico .................................... 84

Figura 14 – Área de lazer ............................................................................................ 85

Figura 15 − Estrutura administrativa do Condomínio Jardim Atlântico ........................ 85

Figura 16 – Folder de venda do condomínio ................................................................ 95

Figura 17 – Deslocamentos peculiares do morador 5 ................................................. 113

Figura 18 – Deslocamentos peculiares da moradora 3 ............................................... 114

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RESUMO

A fragmentação urbana é um fenômeno recente que se propaga no mundo inteiro.

Tem como um dos seus principais sintomas a criação de distâncias físicas e simbólicas.

Especificamente, esse fenômeno muito se relaciona à crescente polarização entre o

mundo público e privado, que culmina na quebra da conexão física e simbólica desses

dois mundos. As cidades também apresentam velhos sintomas da autossegregação das

camadas médias, muitas vezes associados aos chamados condomínios fechados. Esses

espaços são oferecem fortificação e proteção dos “infortúnios” da cidade, bem como

asseguram uma aparente qualidade de vida. O presente trabalho procura analisar,

considerando a conexão entre o local e o global, como um condomínio fechado contribui

para o fenômeno da fragmentação urbana, com base no estudo de caso do Condomínio

Jardim Atlântico, localizado na zona de conurbação entre Natal/RN e Parnamirim/RN.

Para considerar o global e o local, realiza a pesquisa aos moldes etnográficos,

especificamente a observação direta associada à análise documental, e entrevistas

qualitativas, associando sua totalidade à dinâmica da cidade. O estudo conclui que a

dinâmica interna do condomínio junto à dinâmica da cidade exerce influência nas

representações de seus moradores, o que acaba acentuado a distinção entre o mundo

público e privado desses indivíduos. Para eles, a cidade é repleta de ilhotas organizadas

de forma peculiar frente ao objeto público, as quais são transitáveis por meio de seus

veículos. Esses deslocamentos, junto ao desejo de se chegar a uma ilhota, formam

verdadeiros hiatos que exprimem a negação da cidade.

Palavras-chave: Segregação. Condomínios fechados. Fragmentação urbana.

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ABSTRACT

The urban fragmentation is a recent phenomenon that spreads over the world.

It has as the main characteristic physical and symbolical distances. Specifically, this

phenomenon is related to the polarization that is growing between public and private

world, resulting in the broken of physical and symbolical connection of those worlds.

Cities also present old symptoms of media classes’ self-segregation, many times

associated to the closed condominiums. Those habitations give protection and strengthens

from the “treat” of the city, as well as they assure an apparent quality of life. This study

aims to analyze, considering connection between local and global, how a closed

condominium contributes to the phenomenon of urban fragmentation, based on case study

of Jardim Atlântico condominium, situated between Natal and Parnamirim/RN. To

consider global and local, it is an ethnographic research, specifically direct observation

associated to the documental analyze, and qualitative interview related to the city

dynamics. It concludes that condominium intern dynamic linked to the city dynamic have

influence in the resident representations, that detaches differences between public and

private world of those people. To them, the city is full of organized little islands in a

peculiar way to the public object, made to pass through by their cars. Those routes

connected to the desire to go to the little island are the real gaps that expresses city

negation.

Keywords: Segregation. Closed condominium. Urban fragmentation.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

2 REFLEXÃO HISTÓRICA: DA SEGREGAÇÃO À FRAGMENTAÇÃO

URBANA ................................................................................................................... 18

2.1 A CIDADE E O URBANO: AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES 19

2.2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: REFLEXÕES SOBRE SEUS FUNDAMENTOS NA CIDADE

CONTEMPORÂNEA 23

2.3 FRAGMENTAÇÃO 28

2.4 CONCLUSÃO PARCIAL 30

3 CONCEITUAÇÕES GERAIS SOBRE CONDOMÍNIOS ................................... 31

3.1 CONDOMÍNIO FECHADO: DEFINIÇÃO LEGAL 35

3.2 SOBRE A MORADIA: CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS 37

3.3 CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS (BRASIL) E GATED COMMUNITIES: SEMELHANÇAS E

DIFERENÇAS 40

3.3.1 Estados Unidos ................................................................................................. 41

3.3.2 Brasil ................................................................................................................. 45

3.4 CONCLUSÃO PARCIAL 47

4 CICLOS IMOBILIÁRIOS E A FRAGMENTAÇÃO URBANA ......................... 49

4.1 NATAL: CICLOS IMOBILIÁRIOS E CRESCIMENTO DO EIXO SUL 51

4.1.1 Primeiro ciclo: mercado de terras, produção estatal e incorporações

imobiliárias. ............................................................................................................... 53

4.1.2 Segundo e terceiro ciclo: produção estatal e as incorporações imobiliárias .. 54

4.1.3 Quarto ciclo (1982-1990): capitais privados .................................................... 56

4.1.4 Quinto ciclo − condomínios fechados/autofinanciados e turismo imobiliário/

Programa Minha casa minha vida ........................................................................... 57

4.2 PARNAMIRIM/RN: CONURBAÇÃO E ATRAÇÃO RESIDENCIAL NO BAIRRO DE NOVA

PARNAMIRIM 66

4.3 BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM 69

4.4 CONCLUSÃO PARCIAL 72

5 EXPLORANDO O CAMPO .................................................................................. 73

5.1 PIERRE BOURDIEU: OS CAMPOS E A PONTE PARA RELAÇÃO FRAGMENTAÇÃO URBANA

74

5.2 CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO 77

5.2.1 Primeira convenção: aspectos importantes ..................................................... 77

5.2.2 Segunda convenção: mudanças no poder de coerção ...................................... 79

5.3 ESTRUTURA DOS CAMPOS: CULTURA DE MORAR, CONDOMÍNIO E DISTÂNCIAS 79

5.3.1 Espaço físico ..................................................................................................... 82

5.4 O CONFLITO: DOMINÂNCIA E SUBVERSÃO 87

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5.4.1 Diferença nos campos: a antiga moradia......................................................... 88

5.5 DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM

ATLÂNTICO 94

5.6 CONCLUSÃO PARCIAL 116

6 CONCLUSÃO FINAL ......................................................................................... 118

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 125

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se dispõe a debater alguns dos aspectos mais evidentes da

era moderna recente: o crescimento do movimento de autossegregação residencial das

camadas de porte médio, sob a égide da expansão da moradia nos condomínios fechados.

Especificamente, trata do eixo sul da cidade de Natal/RN em direção à zona de

conurbação com Parnamirim/RN.

Este estudo objetiva caracterizar, por meio da dinâmica social interna do

condomínio fechado Jardim Atlântico, a relação dos seus moradores com o fenômeno da

segregação, em especial, a fragmentação urbana. Portanto, qual seria a contribuição, no

caso do condomínio citado, para a fragmentação urbana na região? A partir desse

questionamento, espera-se evidenciar quais seriam os impactos dessa vivência interna no

condomínio, no uso da cidade por parte dos moradores. Por fim, busca caracterizar um

suposto movimento de negação da cidade.

A expansão dos condomínios fechados, tipologia de moradia denominada na

literatura “enclaves fortificados” (CALDEIRA, 2000), é um dos sintomas das

transformações urbanas recentes mais observáveis. Várias pesquisas se dispõem a

evidenciar suas características, tais como Glasze (2002 apud SPOSITO; GOES, 2015, p.

14), que mostra esses espaços como sendo os novos habitats da era moderna que

evidenciam uma nova questão urbana. Esta última ganha atenção nesta pesquisa, pois se

mostra como suporte para observação da emergência de novas formas de relação entre os

espaços públicos e privados. Consequentemente, isso envolve as relações sociais e suas

derivadas construções coletivas (BLAKELY; SNYDER, 1997).

Com base nisso, é comum ver a disseminação de estudos sobre esses espaços no

Brasil partindo do paradigma estruturalista. Isto é, trata de evidenciar, por meio das

explicações na macroescala, supostas implicações no espaço urbano. Também há estudos

evidenciando as dinâmicas referentes à microescala e seus impactos locais. Nesse

sentido, Hannertz (2015) comenta que é necessário se atentar com relação a esses estudos,

visto que podem cometer o erro de generalizar uma questão, destoando das escalas locais,

ou, ao contrário, estudos locais podem ficar presos a sua pequena territorialidade e se

desconectar das questões globais.

Vale salientar que a análise estruturalista não é considerada neste estudo como

algo errôneo. As análises realizadas por essa corrente se mostraram bastante importantes

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ao longo do século XX, vide a importância de Talcot Parsons. A observação apresentada

é mais uma tentativa de elucidar que o uso único e exclusivo desta análise na macroescala

pode revelar mais informações se for considerada a microescala.

Portanto, é comum estudos que se comprometem a se debruçar sobre a

macroescoala e a microescala, mas que se fixam em tais níveis, formando zonas de

atuação e com consequências. Os dados dessas pesquisas muitas vezes evidenciam

questões ligadas à crescente criminalidade, à disputa por territórios na cidade ou à

apropriação da classe dominante, que serão explicitados posteriormente. Porém, se

considerarmos o alerta de Hannertz (2015), no intuito de atentar para as problemáticas

ligando o global ao local, acredita-se que se poderiam evidenciar mais informações sobre

o fenômeno da fragmentação urbana.

Isso fica evidente quando se relacionam alguns dos principais estudos sobre a

expansão dos condomínios fechados. A esse respeito, Ellin (2003) e Bauman (2010)

comentam que essa proliferação se dá a partir da cristalização do medo típico da pós-

modernidade. Já Blakely e Snyder (1997) relacionam vários fatores, que incluem a busca

por estilos de vida distintos. Svampa (2001), por sua vez, conclui, em seu estudo na

Argentina, que isso implica problemas do contexto urbano, como, por exemplo, a falta de

urbanidades, o que dá origem à crise do espaço público. Ademais, Duhau (2001)

menciona a fraca atuação do Estado para resolver essa problemática. Por fim, Caldeira

(2000) justifica o fenômeno, em grande proporção, com base na ação do mercado

imobiliário. Desse modo, fica claro que estudos evidenciam o paradigma estruturalista

veementemente.

Ainda se chama a atenção para a quantidade de justificativas que existem

referentes à fragmentação urbana, cuja causa envolve somente o Estado, a distinção, o

crime etc. Kessler (2009) comenta sua preocupação com a ligação de diferentes escalas

de análises, junto a este, Souza (2000) evidencia que o fenômeno se trata de um estilo de

segregação que envolve o tecido social, espacial e político, elucidando assim a

importância do olhar entre o global ligado ao local. Assim, este estudo procura realizar

seu objetivo encarando o condomínio fechado Jardim Atlântico como um caso singular,

mas que faz parte de um todo, sendo, desse modo, um elo fundamental na sua participação

como estruturante e estruturador do espaço em que está inserido.

Dissertar sobre o condomínio escolhido perpassa necessariamente pelo

conhecimento da capital do Estado do Rio Grande do Norte, Natal, devido a sua relação

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simbiótica1, nos termos da Escola de Chicago. Um dos estudos mais relevantes para o

entendimento da expansão recente da capital potiguar dá-se pelo estudo de Queiroz

(2010). O autor cita, por exemplo, que a cidade tem apresentado especificidades no

mercado imobiliário. Durante os anos 1990, segundo Queiroz (1998), o processo de

verticalização aumentou, proliferando muitos condomínios de alto padrão se estendendo

até a década de 2000. Somado a isso, o censo entre 2000 e 2010 mostra a população de

Natal com um crescimento de 73,405 habitantes (IBGE, 2010). Baseado nas observações

de Queiroz (2012), se distribuídos os habitantes a uma divisão de 3 pessoas por habitação,

seriam necessárias 24.000 unidades habitacionais.

Porém, o mercado imobiliário local foi além, uma vez que registrou em cartórios

32.000 unidades somente na modalidade incorporação, ou seja, foi um avanço

extraordinário na construção. Além disso, deve-se considerar a tipologia dos

empreendimentos, em especial, a do Condomínio Clube, construído em grande número,

pois se caracterizam por empreendimentos de grande porte, em alguns casos ultrapassam

500 unidades habitacionais. O avanço construtivo foi além dos limites da capital, e se

encontra atualmente bastante presente na conurbação entre Natal e Nova Parnamirim –

bairro de Parnamirim RN –, mais especificamente nas avenidas Maria Lacerda e Abel

Cabral.

O Condomínio Jardim Atlântico está situado na Avenida Abel Cabral. Foi

fundado em 2007, em pleno momento do “boom imobiliário”. É voltado para a classe

média, possuindo 109 lotes de residência, com uma área de lazer coletiva que dispõe de

diversos serviços típicos dos condomínios club e uma sede administrativa. O condomínio

Jardim Atlântico reproduz o ambiente de cidade jardim2 e, apesar de existirem outros

condomínios de residências, esse é o que mais exige custos para manutenção de padrão

de vida3 nessa avenida. Além de possuir essas peculiaridades, o motivo da escolha

1 Consiste na interação entre meio ambiente, população e organização.

2 Faz-se referência a Garden City de Howard (1898) por conter em seu ambiente a reprodução

temática da cidade integrada a vastas áreas verdes.

3 Segundo algumas entrevistas realizadas na pesquisa de Luna (2014) com proprietários de

empresas de imóveis que atuam na localidade, em relação ao preço médio de um condomínio

clube de uma unidade habitacional na Avenida Abel Cabral, girava em torno de 180 mil a 300

mil no ano de 2014. O condomínio Jardim Atlântico possui apenas no terreno esse valor, é

acrescido ainda o valor da construção da moradia ao valor da casa e a taxa da administração.

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também perpassa pelo fato de conseguir livre acesso ao interior para a atividade de

pesquisa, que foi possível firmar com a administração do condomínio.

Compreender a relação do estudo de caso do condomínio Jardim Atlântico

requer uma análise sobre sua definição e a explicação de alguns processos e conceitos.

Portanto, para realizar o estudo, será realizado, inicialmente, um levantamento

bibliográfico. Dessa maneira, esta pesquisa pretende realizar uma pesquisa na literatura

da área que se justapõe às descrições mais estruturalistas que envolvem a segregação

(SOUZA, 2000; JANOSCHKA, 2002; PARK, 1987; EUFRASIO, 1999; CASTELS,

1983). Como elo entre o global e o local, usam-se alguns princípios de Bourdieu (1979)

ligados ao conceito de habitus para quebrar o paradigma estruturalista.

Dessa forma, a bibliografia servirá como apoio para entender a evolução das

perspectivas sobre a segregação, bem como as características de sua manifestação atual,

a fragmentação urbana. Além disso, o conhecimento teórico sobre pesquisas que

envolvem os condomínios fechados se faz presente no apanhado bibliográfico. Com isso,

delimitam-se características da natureza do termo condomínio fechado dada a cultura em

que está inserido.

Em seguida, vale comentar que esta pesquisa se trata de um estudo de caso de

base etnográfica, ou seja, seu olhar é voltado para a vivência dentro do condomínio

fechado. Dessa forma, para contemplar tal característica, este estudo tomou como base

especificamente o método da observação direta. Escolheu-se tal método devido a sua

facilidade em proporcionar ao pesquisador a oportunidade de registrar eventos e retratá-

los em determinados contextos.

Para tanto, foi necessário estruturar tais observações sob dois aspectos, as

formais e informais divididas em dois períodos: a primeira convenção, fase que

proporciona um resgate histórico desde a ocupação do condomínio; e à segunda

convenção, período em que há a ocorrência de certas definições do primeiro período. A

divisão por modelos de convenções se torna importante em virtude de se considerar a

transformação das regras, reflexo dos condicionantes do espaço que evidencia a lógica

que se propõe ao espaço. Durante esse período, tornou-se possível realizar observações

durante reuniões do condomínio, atividades físicas guiadas por instrutores certificados4

4 Isso exclui formas de execução de exercício de maneira individual.

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(formais), assim como das atividades espontâneas, baseadas em preferências temporais

independentes5 (informais).

Nesse sentido, reconhece-se que investigar o fato antropológico só pode ser

levado até certo ponto. Em consideração às orientações sobre a casa urbana x cabana de

Hennertz (2015), passa-se a considerar que é inerente o fato de o ser humano se

desenraizar, deslocar e se fixar no espaço. A partir do momento em que o ser humano é

fixado, a sua relação com a moradia e com a vizinhança é iniciada e isso pode ser

conflituoso se colocado sem suas devidas assimetrias. Dessa forma, considera-se a

conexão da moradia, especificamente com a preocupação em não cair no dilema casa

urbana x cabana.

Portanto, levando em consideração a localização do condomínio Jardim

Atlântico, isto é, em meio à simbiose da mancha urbana, pode-se considerar junto ao

dilema de Hannertz (2015) como uma casa urbana, no entanto, ressalva-se que ela está

inserida em uma determinada cultura, civilização e modo de produção. Assim, o uso da

visão da dinâmica urbana foi considerado imprescindível, sendo esta uma de suas

dimensões. A vivência também pode ser considerada uma dimensão que potencialmente

compõe os elos estruturadores e estruturantes, sendo possível considerando a ideia de

habitus de Bourdieu (1989). Seguindo essa linha, não se trata de um aspecto inerte ou

solto, a dimensão, nesse caso, conecta-se com várias outras dimensões, o global ligado ao

local.

Atrelada à etnografia, a observação direta será um pilar fundamental na pesquisa,

pois, uma vez que o pesquisador está inserido no ambiente, possibilitou uma análise

descritiva da pequena escala estudada. Nessa direção, algumas observações ligadas à

literatura da Escola de Chicago se entrelaçam com a literatura de Bourdieu. Apesar de

seguirem escolas de pensamentos diferentes, acredita-se que há certos conceitos ligados

à questão metodológica na Escola de Chicago que podem ajudar, com as devidas

acomodações, a entender as microrrelações nos bairros. Trata-se, portanto, de questões

que envolvem, por exemplo, a adaptação dos indivíduos aos seus ambientes.

Ademais, baseado nas técnicas para compreensão das microrrelações, adota-se

o estilo de pesquisa baseada em Whyte (2005), Park (1970) e Hennertz (2015), que traçam

o objetivo a partir da análise do espaço como processo e não como estrutura. Com isso,

5 Incluem-se atividades espontâneas, aparentemente influenciadas diretamente pela

administração.

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usa-se fundamentalmente a técnica de observação do cotidiano em meio a um processo

em curso. Vale salientar que o uso do autor Robert Park foi devido a sua relevância sobre

os estudos referentes ao cotidiano, como o seu manuseio com as de fontes primárias de

pesquisa: autobiografias, histórias de vida, análise dos bairros com base nos trajetos de

vida de seus moradores, sendo este último ponto analisado neste trabalho.

Cabe salientar observações importantes acerca do que está sendo apresentado. É

de se reconhecer que a Escola de Chicago possui uma estreita relação com a naturalização

das relações sociais de modo que os fatos acontecem assim, pois a competição prevalece

acima de tudo e há uma corrida por adaptação; trata-se, nesse caso, de percepções

darwinistas. Essa visão é rechaçada parcialmente nesta pesquisa, partindo do princípio

que os indivíduos vivem em competição, adaptam-se etc., no entanto, isso acontece

também em função do movimento de processos maiores que impactam a vida cotidiana.

Assim, mergulhar no mundo das relações e observar apenas as relações naturais seria

negligenciar a influência dos demais agentes urbanos. Nesse, sentido, fazemos referência

aos agentes e aos processos da macroescala, pois, de fato, se há competição, adaptação,

assimilação de uma dada forma e em um dado momento é por também existirem

estruturas que vão além das relações da microescala.

Sendo assim, a observação se deu de modo que o pesquisador participou

semanalmente em turnos mesclados, divididos em suas visitas, sendo uma pela manhã,

três à tarde e duas pelo período da noite, totalizando cerca de um ano de observação.

Nesse ritmo, procurou-se observar formas de organização legais e espontâneas, costumes

relacionados ao modo de viver e, com base no discurso dos moradores, identificar sua

relação com a cidade.

É importante notar que a pesquisa não se limitou a fatos observados, mas

também aliou algumas outras estratégias. Para auxiliar na interpretação dos

comportamentos foram realizadas entrevistas com os moradores. Ao todo, foram 14

moradores entrevistados, sendo, em sua ordem, indicados pelos próprios moradores. É

importante frisar que a identificação dos moradores foi realizada de acordo com o número

de sua entrevista, assim preservando a identidade deles, seguindo, assim, o que foi

solicitado pela administração do condomínio e pela ética.

Tais entrevistas se deram de forma semiestruturada, apenas se delimitaram os

eixos guias elencados como: lazer, trabalho, família e consumo, tanto de forma externa

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ao condomínio como interna. Isso se deu em virtude de provocar comparações entre

condomínio x cidade por parte dos moradores.

Também se usou da pesquisa documental sob a égide da análise de conteúdo,

auxiliando, com isso, no entendimento das regras do condomínio, fato que se liga à teoria

dos Campos de Bourdieu (1979). Sob essa ótica, admite-se que os Campos possuem certas

regras próprias imersas a vários outros Campos. Nesse sentido, o modelo de gestão é

importante para analisarmos a organização social, portanto, mapas, convenção do

condomínio, regimento interno e atas de reunião serão importantes documentos que

influenciam na pesquisa. Embora a análise de documentos não gere um contato do

pesquisador com os moradores, é lá que são registradas as suas regras legais de convívio

social esperado.

Em relação à leitura, esta se inicia a partir de dois blocos: o primeiro conceitual

e depois o prático. O primeiro bloco se divide em seção 1 e 2, que trará um breve resgate

teórico sobre a evolução da forma, apresentando como se via a segregação até a

determinação do molde atual. Fazer essa análise possibilitou caracterizar o fenômeno da

fragmentação urbana pontualmente na América Latina. A segunda seção também diz

respeito a uma delimitação, nesse caso, para explicar o que viria a ser um condomínio

fechado nos moldes brasileiros. Acredita-se que essa diferenciação ajuda a evitar

incorporar características únicas de um dado modelo de condomínio fechado em outro

contexto.

O segundo bloco consiste em uma análise mais voltada para o espaço empírico.

Portanto, para fins didáticos, a seção 3 procura mostrar ao leitor a formação do espaço

estudado com base nos fatores que levaram à migração para o bairro de Nova

Parnamirim/RN e que culminou na sua formação. Com base nisso, a seção 4 é totalmente

dedicada à análise do campo, nele, procura-se evidenciar a trajetória da pesquisa com o

auxílio da teoria dos Campos e Habitus de Pierre Bourdieu (1989)

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2 REFLEXÃO HISTÓRICA: SEGREGAÇÃO A FRAGMENTAÇÃO URBANA

O termo fragmentação urbana tem sido referenciado no que tange às

características das cidades contemporâneas de maneira bastante abundante na literatura

acadêmica. O que chama atenção é a sua capacidade de revelar múltiplos sentidos em seu

termo, muitos desses relacionados ao espaço, à economia, à política e também ao aspecto

social. À primeira vista, analisando Lambony (2004 apud CHETRY, 2014), o termo

fragmentação urbana conecta dinâmicas importantes que parecem estar relacionadas ao

conceito geográfico de vetores de metropolização, consequentemente envolvendo

questões de mobilidade e dispersão.

No entanto, a generalidade do emprego desse termo promove um sentido amplo.

Dessa maneira, Chetry (2014) comenta que o termo foi alojado na pesquisa urbana sem

antes haver uma reflexão sobre seu uso. É crescente a utilização do termo quando se refere

a novos padrões de segregação nas cidades, muitas vezes envolvendo a dispersão nas

periferias em virtude da tipologia habitacional, o condomínio fechado.

Reconhecendo isso, esta seção tratará de caracterizar o termo fragmentação

urbana no contexto latino-americano, especificamente no Brasil, na área urbana da grande

Natal, no Rio Grande do Norte. No entanto, não é possível deter-se apenas nisso, sendo

necessário ainda ater-se ao objetivo de construir, a partir da caracterização do conceito, a

relação entre espaço e sociedade, considerando a perspectiva de que o espaço não é

somente o reflexo das outras dimensões (economia, política, social) mas também é uma

dimensão que determina as outras. Conforme Carlos (2007, p. 39) coloca, “as relações

sociais se realizam na condição das relações espaciais”.

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Sendo assim, trataremos especificamente sobre a relação do chamado novo

padrão de segregação na cidade contemporânea, caracterizado pela presença de

condomínios fechados nos centros e nas periferias da cidade, tornando-a supostamente

fragmentada (CALDEIRA, 2000, p. 30). De certo, muitas análises, como a de Silva

(2009), trabalham a questão a partir de explicações espaciais. No entanto, atenta-se para

a possibilidade de negligenciar certos aspectos relacionados às microrrelações sociais e

espaciais.

A esse respeito, afirma-se que os condomínios estão entre os responsáveis pelo

fenômeno da fragmentação urbana, sendo que não há propriamente a caracterização exata

de como isso atinge a cidade do ponto de vista comportamental. A conclusão acontece

sobre o olhar espacial, mas se considerarmos as relações sociais, algo muda?

Em relação à apropriação, o que poderia estar envolvido? Sabemos muito sobre

os efeitos, mas ainda se deve melhorar o entendimento sobre as causas, perguntas como

o que acontece no intramuros acaba reforçando os sintomas, tal como a perda do espaço

público? Essas são questões ainda bastante difusas, caindo muitas vezes no “conto da

Aldeia6” (HANNERZ, 2015).

Sobre o campo da pesquisa, o condomínio estudado está situado em uma zona

de conturbação, o que também caracteriza o perfil desse novo padrão de segregação por

estar na região periférica. Muito se discute sobre o crescimento da cidade sendo

consumado nessas zonas de conurbação. De fato, essa ligação causa um acirramento da

organicidade das relações do espaço para além dos limites administrativos da cidade.

A discussão sobre cidade e urbano, então, ganha importância na medida em que

há essa organicidade. Mas se considerarmos as barreiras impostas, inclusive as

institucionais, dentro do esquema desse novo “padrão” a complexidade vem à tona.

Portanto, para a construção desta seção será necessário exibir a discussão da concepção

de cidade e de urbano como campo de múltiplas dimensões, bem como a questão histórica

da segregação para direcionar o termo fragmentação nesta pesquisa.

2.1 A CIDADE E O URBANO: AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES

6 Faz-se referência ao dilema da casa urbana x cabana.

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A discussão sobre o espaço urbano está inserida em uma gama de visões e formas

de elaborar métodos de análises, quer seja quantitativa quer qualitativa. Em um período

recente, após os anos 1970, Abreu (1994) comenta que o planejamento territorial era o

cerne da resposta sobre os estudos geográficos a respeito da cidade, técnica difundida

entre os geógrafos, arquitetos urbanistas etc. Tais pesquisas procuravam buscar padrões

espaciais usando traços da teoria, destaque para a neoclássica e, mais tarde, para os

marxistas. Oliveira (2013) comenta que esse movimento era caracterizado pelo

“quantitativismo”, sendo aplicado pelo método dedutivo.

Ao passar dos anos 1970, Abreu (1994) menciona um período de transição

importante encabeçado pela crítica de David Harvey à teoria neoclássica, por meio da

incorporação de ideias relacionadas ao pensamento marxista, especificamente no que

concerne ao materialismo histórico dialético. É nesse período que surge a definição dos

processos espaciais envolvendo o conceito de vetores de metropolização. Ademais,

aspectos importantes foram reformulados sob a influência do papel neoliberal7, tais como

análise do papel do Estado, expansão urbana, descentralização, centralidades, segregação

urbana etc. O materialismo histórico procurou dar explicações baseado nos aspectos

históricos, engendrando a ideia da produção social do espaço.

Durante esse processo, a discussão sobre o que é cidade e o que é urbano ganha

ainda mais destaque, pois seria esse um dos alicerces para as análises do espaço

urbanizado. Como exemplo, temos a conceituação de Lencioni (2008 apud OLIVEIRA,

2013, p. 12), que comenta: “Mantém-se [sobre a cidade] as ideias de aglomerado,

sedentarismo, mercado e administração pública, que parecem constituir referências

importantes na conceituação de cidade”.

Nesse sentido, ainda temos a definição de Souza que generaliza as características

de qualquer cidade, quando afirma: “Cidade é o lugar de mercado, é uma localidade

central, é predominantemente um espaço de produção não agrícola e é um centro de

gestão do território” (SOUZA, 2003, p. 26).

Em uma análise bastante fecunda sobre a cidade, podemos citar Lefebvre (1999),

quando afirma que a cidade é a materialização da força produtiva que acontece em meio

à reunião de trabalhadores de obras, de trabalhos técnicos ou dos meios de produção, o

que acaba intervindo no seu crescimento. “A cidade se torna, no curso da história, o lugar

7 Sobre tais reformulações, podemos citar a retração do Estado e a privatização de suas

instituições.

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privilegiado onde se elaboram as relações de produção, onde se manifestam os conflitos

entre as relações de produção e as forças produtivas” (LEFEBVRE, 1999, p. 91-92).

Podemos inferir, com base nisso, a forte influência da perspectiva geográfica.

No entanto, as observações de Lefebvre colocam nossa visão sobre outro patamar,

considerando a dimensão do conflito. Assim, na análise da cidade, sua materialidade é

revelada em função de algo mais elementar, que seria pelas relações sociais que lhe dão

corpo.

Essa suposição nos permite considerar que a cidade é campo do produto social,

seu trabalho se materializa e se acumula ao longo do tempo. Expressa também a vida

humana como razão e produto da realidade espacial. Essa se incorpora às ações do

passado e aponta possibilidades para a vida cotidiana. Esse raciocínio é apresentado

também por Sposito (1997) ao colocar a cidade como o somatório de seus momentos

históricos.

Ampliando a perspectiva marxista, Lojkine (1997) coloca em evidência uma

perspectiva mais aproximada, a intraurbana. A esse respeito, explica que a cidade é vista

como espaço que possui valores de uso complexo, os quais são articulados por diferentes

valores de uso presentes na cidade. A reunião desses valores provoca uma nova dinâmica

estruturadora, as localizações. Essas, por sua vez, aparecem como ponto importante para

análise do que seria a segregação espacial e o mercado de terras, visto que esses valores

se tornam lucrativos. Portanto, em uma vasta gama, os conflitos citados podem ser

materializados na disputa para o desenvolvimento de mais localizações que podem ganhar

valores de troca altíssimos e, com isso, mais seletividade.

Considerando as ideias expostas, percebe-se que até para conceituar o termo

cidade a gama de objetos a ser levada em consideração perpassa a ideia de espaço físico.

De fato, cidade e urbano perpassam pelo espaço físico, mas a discussão torna-se muito

complexa sob esse aspecto. Assim, para além da questão espacial, o fluxo capital aparece

também de forma bastante importante. No determinar da intenção, também cria uma gama

de possibilidades individuais de mercado.

As contradições do processo de produção espacial [...] é dirigida a uma fração

pequena da sociedade, conduz à degradação do meio ambiente e das condições

de vida, e concorre para a articulação e organização da população na luta por

seus direitos. Assim, no embate entre essas forças do que é bom para o capital

e do que é bom para a sociedade, o espaço urbano se (re) produz (CARLOS, 1994 apud OLIVEIRA, 2013, p. 47).

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Dessa forma, levando em consideração o que vimos, podemos pensar a cidade

como espaço que se torna palco das relações de produção e de força de trabalho, mas o

conflito não se encerra propriamente na disputa de espaços. Observando o que afirma

Correa (1991, p. 6):

Eis o que é espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante

social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade

em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas

espaciais.

Conforme o autor propõe, toda discussão sobre o espaço nos remete à ideia da

condição social. No entanto, essa é uma das dimensões da sociedade, devem-se considerar

ainda, o campo do conflito social, a luta simbólica, as razões que envolvem uma

microescala como influenciadoras da grande dinâmica urbana. Assim, se o espaço urbano

é segregado ou fragmentado, quais fatores de determinadas formas de organizações, em

linhas gerais, corroboram para influenciar dialeticamente a cidade de forma local e/ou

global?

Trazendo a discussão para a perspectiva da habitação, podemos destacar o debate

sobre os condomínios fechados. Ao analisar a estrutura dos vetores de metropolização, o

resultado da produção ao longo do espaço serão produtos físicos, tais como: grandes

comércios, ruas, empresas, residências verticais ou horizontais, em suma, elementos que

constituem as localizações.

Dessa maneira, podemos dizer que outra característica geral dos estudos sobre a

habitação perpassa pela questão de sua estruturação e seu funcionamento. Tal

funcionamento pode ser visto por diferentes ângulos, que abrange diversas visões

destacando-se a ecológica, a neoclássica e a marxista.

Em linhas gerais, considerando suas diferenças, a discussão se resume, grosso

modo, em entender a habitação sobre dois grandes aspectos, o do equilíbrio e o do

conflito. Segundo Farret (1985), podemos dizer que há uma função à qual correspondem

essas perspectivas, o equilíbrio está muito ligado à questão da competição individual e ao

conflito em torno do jogo do poder. Considerando os termos apresentados sobre cidade e

sobre urbano, adotaremos para análise a natureza do conflito inerente ao método dialético

presente nas análises no Brasil.

Junto à perspectiva da habitação, existe a cidade, palco das dinâmicas sociais e

do capital; e, como produto, temos a produção de valores de uso que ganham valor de

troca culminando na criação das localizações. Em tese, esses espaços são bastante

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cobiçados e, por isso, ganham alto valor, que, por sua vez, pode ser um dos motivos para

o desenvolvimento da segregação socioespacial.

Segundo Villaça (2001), a segregação referida se traduz na dominação da classe

mais favorecida sobre a menos favorecida, sendo essa apropriação diferenciada das

vantagens e desvantagens dos demais espaços urbanos. Conforme Rodrigues (1988 apud

OLIVEIRA, 2013), seria produto do conflito entre a produção social da cidade a

apropriação particularizada com base na terra privada.

Nas metrópoles brasileiras, essa corrente afirma que, nos casos de segregação

socioespacial, tão marcantes no país, as elites procuram se concentrar num determinado

setor da cidade. Desse modo, buscam, por meio de sua influência, atrair mais

investimentos oriundos do recurso público para seu espaço. Segundo Villaça (2001), a tal

concentração culmina no controle sobre determinada região a ponto de, por meio do

controle dos equipamentos urbanos, sejam eles centrais ou não, atrair a força de trabalho

para seu espaço, minimizando custos como deslocamentos etc. Dessa maneira, entende-

se que, por objetivo de ilustração de um papel geral da dominação na cidade, a corrente

cumpre suas expectativas. No entanto, seria sempre o ponto chave para entender a

fragmentação?

O primeiro ponto que se destaca é que em uma relação, que podemos chamar de

organizacional, as estruturas do Estado junto aos mecanismos de fluidez do capital são

levadas corretamente em conta. No entanto, se pensarmos em uma microescala,

encontraremos aporte para outras disposições organizacionais, tais como as pequenas

instituições e seus efeitos no comportamento. Para podermos delimitar melhor essa

questão, será necessário esclarecer ainda mais alguns pontos sobre a segregação

socioespacial.

2.2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: REFLEXÕES SOBRE SEUS FUNDAMENTOS NA CIDADE

CONTEMPORÂNEA

Como clássico dos estudos sobre a segregação urbana, encontramos Marcuse

(2004). Baseados nesse autor, colocamos como ponto principal de análise a maneira de

se enxergar a segregação e sua disposição espacial na cidade. Dessa maneira, podemos

citar três tipos de segregação, a saber: (i) a segregação cultural, que se dá a partir de

diferença cultural, geralmente ligada a costumes de países ou de regiões diferentes, tais

como: língua, religião etc.; (ii) a divisão funcional leva em consideração a divisão

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econômica, é comum isso se ligar à funcionalidade do espaço, como, por exemplo, áreas

industriais e rurais; e (iii) a divisão por diferença de status hierárquico seria aquela que

reflete a luta do poder na cidade. Esta última será escolhida como o interesse desta

pesquisa, pois acreditamos que o condomínio fechado é uma exemplificação.

Quando se analisa a segregação sobre o status hierárquico, as pesquisas tomam

automaticamente seu desenrolar por meio do termo segregação residencial

socioeconômica. “Na realidade latino-americana, é consenso entre os pesquisadores que

o padrão característico de estruturação das grandes cidades é o da segregação

socioeconômica” (SABATINI; SIERRALTA, 2006; VIGNOLI, 2001; VILLAÇA, 2001).

De certo, a preferência por essa determinação se dá em função da escolha pelo modelo

marxista predominante. Nesse caso, poderíamos relacionar esse modelo de segregação

simplesmente por variáveis econômicas?

Com base na história, tornou-se possível enxergar alguns modelos que propõem

observações pertinentes para análise da segregação urbana. Nesse sentido, Correa (1991)

coloca que as análises sobre o espaço urbano referentes à segregação foram engatilhadas

a partir do modelo de Kohl em 1841, que determinava que a cidade europeia poderia ser

analisada por meio de anéis concêntricos em que os pobres residiam na periferia. Nessa

mesma guinada, os estudos da Escola de Chicago ganham destaque com base no modelo

Burgess, já no século XX. Ainda sobre o olhar dos anéis concêntricos, o modelo propõe

uma identificação importante para este estudo: haveria um avanço das camadas mais

pobres para os centros deteriorados e a burguesia passaria a ocupar os subúrbios,

motivada pela busca da qualidade de vida e pela segurança.

Essa alteração da dinâmica de ocupação era explicada por meio da ideia do

darwinismo social, que foi representado como movimento natural em função da disputa

por espaços em que os mais ricos podem possuir força necessária para se isolar dos

pobres, em função de acompanhamentos mais próximos das relações na microescala.

Portanto, se havia um gueto, eram encontradas as formas de seu funcionamento e as

causas que culminam em sua segregação na cidade.

Diante do exposto, destacamos os modos possíveis de separação entre ricos e

pobres. Nessa direção, os ricos podem também residir nos subúrbios em busca de

qualidade de vida. Desse modo, o acompanhamento mais aproximado das causas da

segregação não leva em conta somente o aspecto econômico mas também o das relações

sociais e o funcionamento das instituições.

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Com o tempo, o modelo de Burgess foi criticado e substituído pela alternativa

de Hoyt. Chamado de modelo setorial, a segregação não era vista necessariamente a partir

dos extremos (centro e periferia), mas pela setorização, de forma que as áreas mais

amenas eram ocupadas pela classe mais ricas enquanto que, diametralmente, as mais

pobres se alocavam. Dessa maneira, extrai-se o terceiro ponto importante sobre os

modelos clássicos, especificamente o de Hoyt, a possibilidade de ricos e pobres se

alocarem em áreas diametralmente opostas.

Em uma perspectiva mais contemporânea, podemos citar Villaça (2001), que se

baseou nos modelos citados para propor sua visão da segregação urbana. Considerando o

controle das classes mais altas sobre os valores de uso, culminando na valorização de

serviços, o autor mostra que existem três esferas que podem corroborar para isso, quais

sejam:

1. Forte influência no mercado imobiliário que pode decidir investir em

bairros onde as classes altas desejam;

2. Influência na esfera política na localização da infraestrutura, nos aparelhos

do Estado, no controle da legislação e na ocupação do solo;

3. Desenvolvimento de ideologia do espaço urbano, fazendo ser aceitável

para os mais pobres determinadas estruturas que beneficiam os mais ricos.

Destaca-se, também, o quarto ponto importante, que é a criação de uma ideologia

do espaço que, diante do conflito urbano, parece ser aceitável até para as classes menos

favorecidas. Novamente citando a década de 1970, sabemos que a ideia de segregação

marxista ganhou novos contornos. A esse respeito, Castells (1983) coloca que toda essa

dinâmica é fruto e reflexo da distribuição espacial das variadas classes, englobando

determinações políticas, econômicas e ideológicas. Assim, fica definido segregação para

o autor como “a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade

social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade

compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia” (CASTELLS,

1983 apud OLIVEIRA, 2013, p. 56).

No contexto sul-americano, a definição de Carlos (2007) enfatiza o viés da

segregação urbana na cidade contemporânea, como a negação do urbano em função da

escolha pelo aspecto privado em detrimento do público. Nesse contexto, ainda aparecem

como destaque Sabatini e Sierralta (2006), que tratam das fases da espacialização da

segregação na mesma sequência da apresentação dos modelos clássicos. No entanto, de

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1990 aos dias de hoje, os autores comentam que há um novo modelo de segregação se

constituindo com um novo padrão, chamado de fractal, tendo por característica os

condomínios fechados que aparecem e são bastante explorados por Caldeira (2000).

Neste estudo, Caldeira (2000) identifica três modelos de segregação na cidade

de São Paulo. O primeiro se estabelece entre os anos 1900 até 1940, quando a cidade era

caracterizada por haver um núcleo central que reunia ricos e pobres. Apesar disso, a

segregação era percebida de outras formas, como nos padrões de residências. O segundo

corresponde ao período de 1942 até 1980, nesse caso, a cidade aparece conforme as

características de Correa (1991), isto é, com aumento das distâncias físicas, tinha-se a

periferia pobre e o centro rico. No entanto, é a partir de 1980 que se dá o “avanço” da

classe pobre para áreas próximas aos bairros de prestígio e a atenuação da criação

aglomerados subnormais8. Assim, fica marcada a criação de uma espécie de fratura que

seria presença, no grande espaço de alta renda, de estratificações sociais menos

favorecidas.

Ao relacionar o modelo fractal e os padrões observados, verificamos que o

processo é similar àquilo identificado por Hoyt, de modo que a escala geográfica de

análise passa a ser reduzida em função da maior setorização, contraposta em termos de

presença de classe social, dos espaços, o que torna as escalas ampliadas, por vezes, pouco

explicativas em relação aos microterritórios. “[...] há uma mudança no padrão de

segregação da escala metropolitana para a microescala (intra-urbana), embora a

segregação em grande escala (metropolitana) não deixe de existir (OLIVEIRA, 2013, p.

59). Dessa maneira, Sabatini e Sierralta (2006) destacam que a mudança para o padrão

fractal está estritamente ligada à expansão imobiliária, especificamente na existência de

condomínios fechados, inicialmente nas áreas tradicionais até as periferias, evidenciando

a alteração da estrutura interna nas cidades também na América do Sul.

O modelo fractal está também diretamente relacionado à auto segregação das

classes mais altas, esfacelando a ideia de centro periferia. De acordo com Oliveira (2013),

além das características citadas, o modelo fractal pode ser ainda explorado sob o viés do

distanciamento sociocultural em função da exclusividade desse modelo de habitação.

Nesse sentido, Villaça (2001), embora seja adepto da análise dos grandes espaços, ressalta

que, para esse modelo vigorar, é necessária a mobilização de uma grande força de coerção

8 Termo usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que diz respeito a favela

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para que haja uma supremacia que também envolve a questão relação social no espaço

em que os indivíduos vivem.

A discussão nos leva às seguintes constatações em torno da relevância histórica

da discussão sobre a segregação urbana: a cidade deve ser necessariamente campo das

lutas antagônicas, isto é, quando se fala especificamente sobre a terra urbana, a disputa se

dá em torno das localizações; a análise espacial se mostra relevante para estudar essa

dinâmica, mas, especificamente, seu sucesso se deu em virtude de uma necessidade de se

ter um panorama geral determinado por modelos, especificamente pelo “padrão centro e

periferia”, elencado pelo fator econômico que objetiva a luta de classes. Após a

constatação de sua variedade setorial, ou seja, a quebra dos padrões dos modelos de

localização, surgiram casos, por exemplo, de bairros onde residem famílias de grande

poder aquisitivo, mas não estão necessariamente em um centro rico, pode estar no centro

pobre ou de periferia rica. Além disso, nem sempre esses bairros dispõem de todas as

estruturas9 que os tornariam valorizados. Observamos essas situações considerando que

a ideia da categorização a partir do viés econômico se torna contestável.

Ao observarmos os modelos propostos pela Escola de Chicago, isto é, sua

aproximação com os estudos das relações sociais, sente-se uma mudança relevante na

leitura do espaço, tal como os aspectos relacionados à estabilidade, à localização espacial,

à interdependência entre os indivíduos etc. Considerar isso ratifica a aplicação automática

do modelo centro periferia, surgindo, assim, a necessidade de se trabalhar outra proposta,

a qual pode ser o modelo fractal. Este modelo está relacionado a autrosegregação das

camadas de alta/média renda, que substitui distâncias físicas pelo uso exacerbado de

aparatos de segurança arquiteturais e tecnológicos que garantem distanciamento

sociocultural. Para ser mais objetivo, este modelo, no que tange à segregação residencial,

pode ser visto a partir de três dimensões, de acordo com o que destacam Sabatini e

Sierralta (2006 apud SANTOS, 2013, p. 61):

A segregação social do espaço urbano, ou segregação residencial, apresenta, a

nosso ver, três dimensões principais: a) a tendência de certos grupos sociais

em concentrar-se em algumas áreas da cidade; b) a conformação das áreas com

alto grau de homogeneidade social; e c) a percepção subjetiva que se forma

sobre o que é segregação “objetiva” (as duas primeiras dimensões), tanto para

os que pertencem a bairros ou grupos segregados, como para os que estão fora

deles. [...]. Enquanto a primeira trata o grau da concentração ou a dispersão de

cada grupo na cidade, a segunda examina cada área, em termos da

homogeneidade ou heterogeneidade social que a caracteriza. A primeira

9 Ex: saneamento básico

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analisa grupos sociais em termos de sua posição espacial, e a segunda, as áreas

da cidade com relação a sua composição e dinâmica social.

Nessa perspectiva, o que se torna relevante para esta pesquisa é exatamente o

segundo viés, que se relaciona à composição e à dinâmica social. É do desenrolar dessa

visão que emerge o termo “fragmentação”, empregado sob diferentes abordagens. Sabe-

se que a cidade, por natureza, é fragmentada e articulada. Entretanto, em relação ao

fenômeno da fragmentação, como podemos observar a presença de diferenças? É

necessário explorar a ideia para reflexões para que haja avanço.

2.3 FRAGMENTAÇÃO

A fragmentação urbana pode ser vista sobre dois aspectos gerais, aquela definida

por Salgueiro (1998), que gira em torno de questões, como os aspectos estruturais

visíveis10, físicos, políticos, econômicos, de forma separada. No entanto, chama-se

atenção para a definição de Souza (2000), que indica que a fragmentação pode ser também

percebida englobando os aspectos social, político e espacial (sociopolítico-espacial).

Partindo dessa premissa de Souza (2000), a dimensão política representaria a

ideia do poder. Desse modo, as fronteiras não seriam em torno das delimitações

organizacionais, mas sim, sob o aspecto do poder. Este, por sua vez, seria evidenciado

nas diferentes territorializações na cidade, que tem o potencial de encarar o controle

estatal. Sob o olhar do autor, a referência ao controle estatal emerge na exemplificação

em torno da discussão sobre a precariedade da periferia, especificamente a favela, na qual

certos grupos, desafiantes da lei, impõem regras para garantir a convivência de forma

“pacífica”.

Ademais, a fragmentação, nos termos de Souza (2000), pode ser também

referenciada na territorialização dos mais ricos. Nessa perspectiva, Santos (2013)

comenta que esses espaços possuem regras de convivência legalizadas, no entanto,

chama-se a atenção para a conivência do Estado para a legitimação de tais regras. Souza

(2000) alcunha de “comportamento escapista” e ainda adiciona a característica da busca

10 Esse aspecto corresponde à materialização dos grandes temas elencados.

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pelas periferias da cidade. O escapismo dá-se especificamente pela busca por residências

afastadas do grande centro urbano, como alguns condomínios fechados.

Na América Latina, autores como Janoschka e Glasze (2003) fazem uma análise

mais aprofundada sobre o recente fenômeno. Nessa direção, propõem três modelos

analíticos para se estudar cidades assim. O primeiro é categorizado pela fragmentação ser

essencialmente físico-material, seu esfacelamento está ligado à crescente construção de

corpos urbanos independentes, ou seja, com acessos restritos provocando rupturas na

mancha urbana. Tais rupturas são evidenciadas conforme a conduta que o espaço propõe.

O segundo ponto é o da fragmentação social, que se entende na dificuldade do

engajamento comum. No entanto, chama-se a atenção para que a análise sob o aspecto

social não seja realizada de forma independente, pois se acredita que essa é uma

consequência do primeiro modelo. Entre seus efeitos está a evidencia da vida organizada

contrária à rua pública, por conseguinte, evitando o contato com a diferença. Já o terceiro

ponto é a fragmentação político-territorial. A esse respeito, os autores comentam que está

relacionado à extensão de serviços comunitários voltados para dentro desses espaços,

prejudicando assim o transporte de massas.

Vale salientar que essa analogia parece ser similar à definição de Souza (2000),

quando destaca que certas regras do Estado passam a existir paralelamente com outras de

interesse privado. Sendo assim, percebe-se que os autores Janoschka e Glasze (2003)

focam o termo sobre o aspecto físico e territorial, enquanto que Souza abrange o aspecto

político e, em certa medida, cultural. Entretanto, apesar da diferença, os autores

concordam com a ideia de espaço rompido, e por esse motivo estaria ligado à ideia de

negação da cidade.

No Brasil, o conceito é bem explorado no trabalho de Zandonadi (2008), que

procura estudar a periferia da cidade de Marília. O autor investiga a ideia e propõe uma

concepção voltada para cidades brasileiras. Por fragmentação físico-material entende-se

que é o fenômeno expressado pela criação dos condomínios horizontais que constituem

barreira física e provocam rupturas em continuidades urbanas. Esses espaços procuram

controlar a circulação de pessoas, suas unidades são independentes e possuem

aparelhagem de segurança reforçada.

A terminologia da fragmentação sociopolítica e espacial está ligada à dimensão

política. Esse poder se dá também por meio da crescente opção pela administração

privada no quesito serviços coletivos, regras de convivência (SANTOS, 2013). Vale

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salientar que essa concepção se restringe mais aos condomínios fechados, objeto desta

pesquisa. A última categoria é a funcional que se expressa na dispersão das residências

voltadas para as camadas mais ricas, o que, por conseguinte, dispersa também as áreas de

comércio e, por fim, acaba culminando no aparecimento de novas centralidades.

2.4 CONCLUSÃO PARCIAL

Diante do exposto, a ideia que diz respeito à fragmentação foi comentada nos

termos de Janoschka e Glaze (2003) e Souza (2000). No entanto, para a contextualização

do uso desse termo na contemporaneidade, faz-se necessário realizar um apanhado sobre

as correntes de estudos da segregação urbana. Sendo assim, nesta seção, procurou-se

analisar as diversas teorias sobre segregação socioespacial. Situar essa questão tornou-se

imprescindível para a caracterização dos perfis das cidades latino-americanas.

Do ponto de vista teórico, observa-se que, a partir de uma análise da bem datada

segregação, consegue-se evidenciar um modelo presente na contemporaneidade, que se

trata do padrão fractal. Acredita-se que esse modelo possibilidade de se articular com a

ideia de fragmentação urbana. Como resultado dessa articulação, vê-se o crescimento de

condomínios fechados normatizados que, do ponto de vista espacial, causam uma fratura

no tecido urbano, permitindo que as classes sociais possam estar próximas e ao mesmo

tempo bastante distantes.

É justamente por esse viés que a definição de Janoschka e Glasze (2003) e Souza

(2000) apontam que é necessário saber articular as etapas de seus modelos para poder

entender como um condomínio fechado pode estar contribuindo, sob o aspecto de suas

relações sociais, para o acirramento da fragmentação urbana. Se pelo viés da segregação

ainda temos a estratificação social, por outro, temos a criação de barreiras físicas e

simbólicas por meio desses novos empreendimentos, que vêm comandando a estruturação

das metrópoles.

Dessa maneira, uma vez elencadas tais informações, foi estabelecido nesta

pesquisa o padrão fractal como modelo vigente de segregação. Tal modelo se articula

com a ideia de fragmentação urbana proposta e que, em seu seio, tem como característica

a proliferação dos condomínios fechados residenciais e comerciais. Sobre a tipologia

residencial, sabendo que é a característica marcante dessa composição, as próximas

seções deste trabalho serão dedicadas à exploração de sua gênese histórica. Mas, afinal,

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o que seria um condomínio fechado residencial? Surge da mesma maneira em toda

localidade?

3 CONCEITUAÇÕES GERAIS SOBRE CONDOMÍNIOS

A tipologia habitacional denominada condomínio pode ser assinalada como algo

não recente na história e está sofrendo forte expansão mercadológica em muitas cidades

desde o século XX. Fortificação pode ser o termo que se transmutou diante de diversas

eras na história humana, tal como feudo, cidadela, fortificação e atualmente condomínio

fechado. Para definir exatamente do que se trata esse termo, devem-se considerar algumas

importantes observações.

Geralmente a ideia do que seria o condomínio é bastante difundida por meio das

ações de publicidade que envolvem promotores imobiliários, panfleteiros e até mesmo a

televisão. A literatura acadêmica revela que o “condomínio” é um termo abrangente11.

Em linhas gerais, pode-se entender que são um produto cujas vantagens, cada vez mais,

são exploradas pela propaganda diante de um suposto ambiente urbano.

Sob essa ótica, esta seção tem como objetivo elucidar as diferenças entre as

diversas expressões conceituais sobre o que é um condomínio fechado. Assim, será vista

uma conceituação básica sobre como se pensa geralmente sobre esses espaços, seguida

de algumas definições exploratórias de base conceitual literária e legal. Por fim, serão

11 Abrangente no sentido de tentar levar todas as suas características em um único filtro de

resposta.

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apresentadas algumas aproximações e distâncias entre os as gated communities e os

condomínios fechados no Brasil.

Com base em vários estudos (SVAMPA, 2001; JANOSCHKA, 2002;

CALDEIRA, 2000; SILVA, 2004; MAMMARELLA; BARCELLOS, 2008), aponta-se

que a sua franca expansão é certa ao redor do mundo. Logo, é comum definir que se trata

de algo que poderá trazer impacto urbano, seja de ordem espacial, seja social.

Observando uma rápida classificação do senso comum, poderíamos dizer que o

condomínio consiste em um espaço fechado, com a finalidade de obter lazer, moradia ou

exercer atividades relacionadas a negócios, bem como funciona como recinto de

segurança contra a violência urbana. Já observando as leituras sobre o tema, considera-se

um espaço para autossegregação controlado por sistemas de segurança contra a violência

urbana que, de alguma forma, relaciona-se com a cidade.

Convém especificar algumas particularidades entre o que se observa no

referencial teórico e o que se difere do senso comum. Segundo Ferreira (2006), de uma

maneira mais assertiva, o condomínio, quanto ao espaço social, pode ser definido como

um domínio exercido por um conjunto de indivíduos a partir de um regime de

copropriedade 12 . Considerando isso, podemos dizer que o condomínio, isto é, a

morfologia do termo, pode ser compreendida como uma espécie de igualdade entre os

pares em uma propriedade privada, onde os indivíduos que partilham do espaço têm os

mesmos direitos sobre as áreas coletivas.

Compreendido isso, observamos a seguir do que se constitui o termo condomínio

objeto desta pesquisa. Na opinião popular, inclusive em entre alguns agentes

especializados, é recorrente encontrarmos definições diferentes sobre o que seria um

condomínio, tais como:

1. Moradores 13 : “Um condomínio fechado, você tem privacidade,

tranquilidade e pra ‘mim’ é só isso o que importa, não consigo imaginar melhor

definição” (Morador 12)/ O condomínio é um lugar que oferece vantagem de

ser seguro por ser fechado mas também tem a desvantagem da área de lazer ser

para todos. Digo isto porque nem todos sabem usá-la (Morador 8). 2. Agente imobiliário: “O conceito de condomínio é sua estrutura,

segurança, lazer, trabalho e conforto” (Empresa Jean Negócios Imobiliários).

12 “Direito de propriedade de duas ou mais pessoas sobre partes ideais de uma mesma coisa indivisa”

(MEIRELLES, 1990, p. 18).

13 Opinião expressada por uns dos moradores do condomínio estudado

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Trata-se de discursos que estão dispersos no tecido social, isto é, o discurso

encontra-se fragmentado, desse modo, fala-se em privacidade e, contraditoriamente, em

desconforto, em área de lazer para todos, trabalho e por fim em segurança. No entanto,

para melhor compreendermos, cabem algumas especificações. É básico os condomínios

se apresentarem em forma de conjuntos caracterizados por terem mais de duas unidades

de uso residencial ou comercial. Observando a característica física e sua descrição, os

condomínios possuem regimes característicos divididos em propriedades exclusivas e

comuns. Este termo – área comum – apresenta o alicerce necessário para o emprego do

termo condomínio.

Por propriedade exclusiva entende-se tudo que está relacionado à área privativa,

autônoma, de posse exclusiva do proprietário. Já propriedade comum compreende as

áreas de uso coletivo dos moradores, portanto, não cabe exclusividade. Ao mesmo tempo,

o espaço comum pode ser interpretado também como um espaço partilhado para somente

aqueles detentores de áreas exclusivas (residências).

Em Gerstenberger (1999 apud LOPES, 2008) podemos observar de forma mais

esquematizada algumas dessas características dos condomínios em geral. O autor trabalha

com várias características, porém, destacam-se no Quadro 1, a seguir, apenas algumas14:

Quadro 1 – Características dos condomínios segundo Gerstenberger (1999f)

1. Sobre a edificação: deverá existir uma ou um conjunto com a presença de

pavimentos;

2. A(s) edificação(ões) ou a(s) residência(s) deverá(ão) ser dividida(s) em

unidades exclusivas;

3. A unidade exclusiva deverá possuir acesso ao espaço público;

4. A indivisibilidade do terreno e das demais partes comuns;

5. A inalienabilidade autônoma do terreno e das demais partes comuns.

Fonte: Lopes (2008, p. 99)

Mesmo em se tratando dessas características gerais, há outros pontos que devem

ser levados em consideração, uma vez que se observa a pluralidade e as designações a

14 Não significa que se desprezem as outras que o autor menciona.

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respeito do termo condomínio. Como citado anteriormente, condomínios podem não ser

de fato somente de residências, podem existir para fins comerciais ou a mescla do uso

residencial e comercial, chamado de condomínios mistos.

O condomínio misto, nesses termos, é geralmente caracterizado pela presença

de estabelecimentos comerciais de localização específica, dependendo da tipologia

(prédios ou casas) do condomínio. Em cidades da Europa, como Londres, na Inglaterra,

essa tipologia é bastante difundida. No Brasil, segundo Lopes (2008), já houve uma

época, entre os anos 1960 e 1970, em que foi mais construído, porém, atualmente sua

presença é bem menor. Para fins desta pesquisa, o condomínio comercial não faz parte

diretamente do nosso quadro de estudo. No entanto, a breve caracterização descrita tem

utilidade na diferenciação das demais tipologias.

Ao considerar algumas informações básicas, podemos ir direcionando nossa

análise para o objetivo desta dissertação. O ponto principal do trabalho foca o condomínio

de uso residencial horizontal, no município de Parnamirim/RN, e a vivência cotidiana

dos moradores. A designação do termo condomínio de uso residencial horizontal não se

aplica de maneira automática, cabendo, assim, algumas especificações conceituais.

Caracterizar um condomínio de forma generalista 15 pode gerar algumas falhas

metodológicas ou explicações que não se encaixam na realidade. Observando isso, será

necessário qualificar melhor os termos para que se possa compreender o campo de

trabalho. Além disso, permitirá que ao longo da leitura possamos fazer aproximações com

o campo.

Sob essa ótica, Silva (2005, p. 28, grifo nosso) faz considerações importantes

para nossa análise, o que nos auxilia a buscar uma melhor definição de condomínios

residenciais. O primeiro ponto diz respeito a nomenclaturas gerais:

1. Condomínio voluntário: caracterizado pela partilha de um imóvel por

duas ou mais pessoas. No caso, ao invés de haver divisão do condomínio, há

divisão da propriedade entre os proprietários. Ex: casas de praia familiares.

2. Loteamento e loteamento desmembrado: o primeiro termo é

designado a divisão de terra destinado a fins de comércio ou moradia a qual há possibilidade de abertura para acessos públicos a qual o uso é de todos. O

desmembramento ocorre quando a porção de gleba é subdividida e que não

abre possibilidade para criação de logradouros públicos

3. Loteamento Fechado: caracterizado por suas divisões visíveis

constituídas por muros e, portanto, seu acesso é controlado por meio de

permissões de entrada evidenciando espaços internos de uso exclusivo ou

comum.

15 Refere-se, neste estudo, a conclusões fáceis.

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4. Condomínio Edilício: não necessariamente possui vias internas, mas

há certa divisão entre o espaço comum e exclusivo.

Relacionando com o campo de estudo, existe certa correlação com o termo

loteamento fechado. De fato, há direcionamento nesse sentido, no entanto, devemos

considerar algumas nuances importantes a fim de não enfatizar generalizações. Tal fato

se dá observando considerações na vasta área da interpretação dos espaços, entre essas, a

própria lei nos traz algumas considerações importantes.

Baseado em Silva (2004), devemos considerar a interpretação da lei sobre os

condomínios. Existem, entre as vertentes das conceituações das leis, duas formas de

interpretar os condomínios fechados no Brasil. A primeira se daria pela definição de

condomínios a partir da Lei dos Condomínios (4.591/64) e a segunda à luz da Lei do

Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal nº 6.766/79). Tal diferença se torna crucial

em nossa análise, pois evita reducionismo no termo que podem distorcer o entendimento.

3.1 CONDOMÍNIO FECHADO: DEFINIÇÃO PELA LEI

Segundo Silva (2004), do ponto de vista da lei brasileira, há duas definições que

implicam diretamente a questão. A primeira trata-se da definição de área condominial e

não condominial, visto que a correta distinção desses termos ajudará a compreender

melhor o campo de estudo, permitindo, assim, caracterizar seu espaço, alinhado aos

conceitos adequados.

O termo condominial refere-se à gleba descrita na Lei no. 4.591/64 (Lei dos

Condomínios), que atende um estatuto específico no que tange à propriedade

condominal16. Nesses termos, caracteriza-se resumidamente da seguinte forma quanto à

propriedade exclusiva e comum respectivamente: (i) as propriedades privadas de uso

restrito, sejam apartamentos, no caso dos condomínios verticais, sejam residências que

combinam um termo e uma edificação, no caso dos horizontais; (ii) as copropriedades de

uso coletivo de áreas comuns, como vias calçadas, áreas verdes, de lazer etc., sobre as

quais cada condômino tem direito de propriedade sobre a fração ideal, proporcionalmente

correspondente ao tamanho e/ou preço de sua propriedade individual (SOBARZO;

SPOSITO, 2003, p. 39-40).

16 Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

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Já a definição de não condominial está relacionada a lotes e imóveis edificados

oriundos de porções de terra loteadas segundo a Lei Federal 6.766/1979 (Lei de

parcelamento do solo urbano). A aprovação desse parcelamento de terra estabelece

exigências relacionadas à destinação pública de parte da terra loteada. Geralmente, são

áreas voltadas para calçadas, espaços de lazer, ambiental entre outros. A lei de 1979 exige

que parte da gleba tenha esse destino público.

Devido a essa diferenciação da interpretação das leis, ocorrências como essas

acontecem, mas por quê? A resposta está justamente no uso da Lei Federal n. 4.591, em

vez a Lei Federal n. 6.766 que não prevê essa destinação de parte da gleba ao público.

Apesar de ser uma discussão importante envolvendo a cidade, o tema referente à

destinação de glebas públicas não será especificamente explorado.

Nesse sentido, observando a interpretação jurídica, acolhe-se a definição para

caracterizar o campo de estudo seguindo a Lei dos Condomínios, especificamente para

condomínios horizontais. Isso se justifica em virtude de essa Lei Federal mencionar

definições legais sobre o uso exclusivo do espaço comum dentro do condomínio,

conforme comentado anteriormente, permitindo ligações de conceitos às análises futuras

sobre o cotidiano dos moradores e o uso dos espaços públicos e privados. Ademais, sua

descrição estabelece que seja necessariamente fechado aos moradores.

Outro ponto importante é que mesmo que o condomínio se caracterize por ser

um loteamento fechado irregular, a intenção da escolha da Lei dos Condomínios leva em

consideração a descrição do intramuros, bem como a disposição legal de sua gestão.

Ainda há de se considerar que existem os loteamentos fechados que são espaços privados,

porém, permeados de público. Muitas vezes, esses loteamentos são confundidos com

condomínios horizontais devido à presença de características comuns, como a disposição

interna similar17.

Considerando a dualidade de interpretação, observa-se que na realidade

brasileira, para além das várias conceituações de loteamento, há arranjos mais específicos

que podem ser resumidos em duas grandes realidades nas cidades, essas são o condomínio

horizontal e o loteamento fechado. A primeira delas é a que nos interessa. A esse respeito,

conforme Silva (2004) expõe:

17 Essa similaridade se dá apenas pelo fato de sua área ser cercada por muros e existirem,

muitas vezes, cobranças de taxas de manutenção do espaço.

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O condomínio não se constitui como um tipo de parcelamento urbanístico do

solo, do ponto de vista jurídico. Condomínios são conjuntos construídos dentro

de um mesmo terreno, o qual é propriedade de todos. Pequenos ou grandes

conjuntos construídos são condomínios quando todo o espaço de uso comum,

como acessos, ruas, praças, infra-estrutura e equipamentos implantados, é

propriedade e responsabilidade do conjunto de moradores, os condôminos. A

gleba, assim utilizada, não perde sua individualidade, diferentemente do

loteamento, onde uma parte do terreno transforma-se em lotes privados e outra parte se integra ao espaço público da cidade (SILVA, (2004 apud LOPES,

2008, p. 35).

Devido à grande variedade de nomenclaturas que se dá a esses espaços, há uma

necessidade de ter atenção quanto a essa definição. Por essa razão, para este estudo, a

definição que se emprega é de condomínio horizontal.

3.2 SOBRE A MORADIA: CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS

Tomando como base a definição legal de condomínio horizontal já apresentada,

resta qualificar quanto a sua característica de moradia. Em termos básicos, quando se fala

em tipologia residencial, diz respeito a dois grandes modelos de condomínios: vertical e

horizontal. Em relação ao processo histórico, as verticalizações para fins de moradia não

se apresentam como algo novo. Na história brasileira temos sua franca expansão durante

os anos de 1960 e 1970.

Segundo Queiroz (2011), o corte temporal apresentado se deu em virtude de uma

conjuntura político-econômica, resultando em uma grande base de oferta e procura de

moradia, principalmente pelas classes médias urbanas no Brasil. Em virtude disso, essa

tipologia se apresenta com números expressivos fazendo com que sua visualização se

torne cada vez mais comum no meio urbano.

Nesse sentido, observaremos algumas informações que diferenciam as duas

tipologias para, assim, definir a mais adequada para esta pesquisa. O primeiro espaço a

ser discutido é referente aos condomínios verticais. Esses se tornaram muito numerosos

em função de sua fácil adaptação às camadas sociais, isto é, atende a diversas classes

sociais, apenas variando seus serviços e lazer.

Sobre sua estrutura, podemos encontrar condomínios verticais das mais variadas

formas, com presença ou não de guarita comum, portaria, piscina, quadra etc. Esses

espaços se enquadram na ideia apresentada sobre espaço comum, que supostamente

incentivaria o relacionamento de vizinhança. Todavia, não se atentando somente as suas

variações de serviços e lazer, diz-se que, à luz da questão jurídica, esses espaços são

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caracterizados também pela presença de relações de condomínio, ou seja, direitos e

deveres dos moradores com relação ao espaço.

Nesse molde habitacional, temos o condomínio horizontal (objeto desta

pesquisa). Esses espaços se dão através do conjunto de casas, ruas, áreas verdes livres,

presença de muros e equipamentos de segurança. Trata-se, assim, de uma tipologia em

franca expansão e, apesar disso, possui certa dificuldade em sua instalação, uma vez que

é necessária uma grande gleba de terra para sua construção. Além disso, podem possuir

localização junto a centralidades urbanas, mas também é bastante comum estarem

afastados dessas centralidades18. Apesar disso, os problemas potenciais que se pensa a

priori sobre os deslocamentos realizados entre esses empreendimentos19 afastados e a

cidade não sofrem dificuldades expressivas devido às variações da mobilidade, em

especial, o uso do automóvel.

Nesse caso, podemos fazer uma rápida referência ao espaço estudado. A cidade

de Natal/RN, junto ao município de Parnamirim/RN, esboça as características descritas

anteriormente. Essa constatação se dá em virtude de relacionarmos os deslocamentos

pendulares entre Parnamirim/RN e Natal/RN. Isso acontece em função da expansão

imobiliária e da criação de vários condomínios fechados, alguns considerados afastados,

no município de Parnamirim/RN, mas próximos da cidade de Natal.

Condomínios horizontais geralmente são originados de arranjos em loteamentos,

tornando-se fechados quer seja de forma legal, quer ilegal. Essa discussão tem profunda

ligação com as definições das leis e suas aplicações. Nesse sentido, entende-se por legal

aqueles que obedecem à lei e têm seu reconhecimento estabelecido pelo Estado e ilegal

como tudo que é feito de forma desviante da característica citada. Essa questão já foi

levantada, mas precisa ser lembrada, pois perpassa por um grande debate jurídico, embora

não seja nosso objetivo aprofundar neste estudo.

Observando as várias características mencionadas, podemos fazer algum tipo de

conexão com o campo de pesquisa pretendido. Torna-se, assim, importante que se tenha

como característica geral a presença de área de uso privado e comum tal como definido

18 Segundo Gottaman (1974), a centralidade urbana se refere, sobretudo, a um conjunto de

importantes e típicas funções que dá às cidades um papel condutor no desenvolvimento de

uma região ou de um país. Condomínios agora existem independentemente dessa

característica, o que relativiza a ideia de periferia.

19 Diz respeito geralmente a empreendimentos de classe média ou superior.

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na nomenclatura de condomínios horizontais. Ademais, chamamos a atenção para outra

peculiaridade, trata-se de um aspecto comportamental que chamaremos de ato voluntário.

A priori, entende-se por isso, a ação que cada indivíduo morador manifesta ao desejar

morar e se alocar em um condomínio. Isso implica a escolha de optar se desmembrar ou

simplesmente se segregar atrás de barreiras físicas e simbólicas, conforme mencionado

por moradores que foram entrevistados:

Vim morar aqui para ter uma qualidade de vida melhor, onde morava (bairro

Cidade Satélite), estava ficando esquisito, tinha muita gente estranha apesar de

gostar dos vizinhos. Morar aqui se tornou mais fácil por que apesar de morar

em Parnamirim, me sinto em Natal, a cidade é mais próxima e tenho todo o

privilégio de estar neste condomínio que oferece todos os serviços básicos. Aqui podemos fazer o que está meio difícil lá fora, ficar nas ruas, olhar as

crianças etc. (Morador 14, servidor público, 55 anos).

Além disso, suas áreas privativas são obviamente de uso exclusivo do morador

e de seus agregados. Geralmente, em condomínios horizontais, seus espaços exclusivos

são as residências, terras de um ou mais pavimentos. Ainda pertencente à área exclusiva,

é comum observar jardins privados. Isso se difere, por exemplo, dos Condomínios

Verticais, em que as unidades privadas se restringem ao espaço quadrado do apartamento.

O condomínio Jardim Atlântico preza para que os jardins privados

sejam rigorosamente cuidados conforme expressa seu regimento Art

24 – Zelar os jardins de suas unidades, como também zelar por seu aprimoramento (Regimento Interno – Condomínio Jardim Atlântico,

p. 8).

A área comum, naturalmente, terá de ser destinada a todos os moradores e seus

agregados mediante permissão para membros que forem de fora dos domínios do muro.

Assim, a área comum é dividida em locais de lazer como esportes: churrasqueira, jardim

comum, salão de festa, piscina e quadra poliesportiva, calçadas e demais áreas livres.

Dessa forma, ao listar essas características, podemos observar a ligação entre os

termos adotados: condomínio horizontal e a definição jurídica segundo a Lei do

Condomínio. Sendo assim, considerando as grandes peculiaridades entre condomínios

verticais e horizontais, este último destaca-se especialmente em sua forma, não

propriamente física, mas na sua capacidade de reprodução de configurações que nos

remetem à cidade como o caso de haver ruas, calçadas e praças, ou seja, uma espécie de

bairro privado.

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3.3 CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS (BRASIL) E GATED COMMUNITIES: SEMELHANÇAS E

DIFERENÇAS

Especificamente, os condomínios horizontais residenciais apontam experiências

espaciais peculiares e dotadas de certas semelhanças com outras realidades, como nos

Estados Unidos – EUA. Nessa perspectiva, cabem experiências dotadas de

especificidades culturais que nos remetem a distingui-las para melhor compreensão das

representações de seus moradores.

O conhecimento da temática sobre condomínios residenciais perpassa

primordialmente pelo conhecimento bibliográfico e sua relação com o empírico.

Considerando isso, é natural procurar referências consolidadas (tais como: LOPES, 2008;

CALDEIRA, 2000; LOW, 2003; BLAKELY; SNYDER, 2000) a fim de buscar

aproximações teóricas, origens etc. Nesse percurso, é comum esbarrar-se com diversos

estudos sobre gated communities americanas, uma vez que se trata de uma parte essencial

para o entendimento desse molde habitacional dado também pela sua influência no mundo

Le Goix e Webster (2008), especificamente na América Latina, Brasil. Sobre as leituras,

podemos observar a origem, o crescimento e o funcionamento no contexto americano.

Apesar disso, ressalta-se que se trata de outra cultura, ainda assim, é possível fazer

algumas aproximações com o molde brasileiro, estabelecendo principalmente diferenças.

À primeira vista, podemos supor semelhanças em alguns aspectos, entre eles, a

morfológica, isto é, relacionada aos espaços internos e algumas estruturas

administrativas. Sobre o espaço, ambas as estruturas são dotadas de áreas verdes, amplos

espaços horizontais, oferta de amenidades urbanas etc. Na administrativa, temos algumas

semelhanças no modelo de gestão econômica e um pouco da social. Nessa direção, há de

se notar que estruturas administrativas americanas são mais desenvolvidas20 (SILVA,

2004).

Ademais, ao comparar na prática e até mesmo teoricamente podemos observar

profundas distinções entre os dois moldes. Para fins didáticos, separam-se essas

distinções em três grandes pontos, a saber: (i) origem; (ii) distribuição; e (iii) localização

que são percebidos ao longo da história e relacionando com o objeto de estudo.

20 Nos EUA, já passam para o estágio de associações organizadas por grandes gated

communities.

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3.3.1 Estados Unidos

A origem do fenômeno das gated communities teve sua forte propagação nos

anos de 1960. Esses espaços tiveram grande crescimento nas áreas do subúrbio rico.

Segundo Blakely e Snyder (2000), sua maior concentração se encontra em estados como

Flórida, Califórnia, entre outros. Tais subúrbios americanos são áreas dotadas de

indivíduos das classes média e alta.

A esse respeito, os autores expõem que esses indivíduos procuraram essas

residências para não viver os incômodos do centro urbano e não precisar dividir o espaço

com os ocupantes de classe baixa (imigrantes negros etc.). Assim, para além da distância

provocada por barreiras, é necessária certa distância social simbólica. Ademais, podemos

encontrar a existência de divisões mais “aproximadas” se observarmos a vizinhança entre

condomínios e bairros populares.

Algumas importantes características do caso americano podem ajudar na

explicação sobre proliferação das chamadas gated communities. A primeira reside no

argumento representado pela ideologia do medo e da segurança descritos por Newman

(1972); Davis (1990) entre outros. Nessa perspectiva, a proliferação desses espaços seria

uma tendência da era pós-moderna que expande a ideia de um espaço público voltado

para consumidores que vivem a iminente sensibilização aos riscos da vida urbana (LE

GOIX; WEBSTER, 2008).

A iminência do medo nas cidades culminou na reclusão dos moradores, bem

como na crescente proliferação da arquitetura defensiva frente à ineficiência do governo

para controlar o crime. Assim, é comum, em virtude da reclusão dos indivíduos, a perda

do uso do espaço público. No lugar disso, veem-se cada vez mais muros mais altos, cercas

elétricas, ou seja, a militarização da arquitetura em prol da defesa pessoal.

Ademais, outra perspectiva gira em torno da ideia da coalização ou do

alinhamento administrativo. Segundo Landman (2006), nos EUA, há um crescente

alinhamento entre as ações administrativas dos atores locais junto a associações de

moradores desses espaços que levam à propagação dos condomínios fechados. A esse

respeito, Le Goix e Webster (2008) comentam que os sintomas visíveis dessa perspectiva

estão na crescente ação que vai em direção de dar autonomia administrativa a certos

territórios, como, por exemplo, o fechamento de ruas e estradas de forma massiva. Tais

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acessos, construídos com recursos públicos/privados, passam a ser cercados ficando sob

a responsabilidade de uma associação de proprietários.

Isso leva a desdobramentos interessantes, especialmente aqueles ligados à ideia

de governança, isto é, à medida do controle do Estado nas cidades. Tal ideia tem origem

na esfera comum desde a revolução industrial e ficou conhecida como governança urbana.

Trocando em miúdos, constata-se que aos poucos a burguesia industrial na Europa

procurou adotar a governança privada em certos aspectos que envolvem a vida comum21.

Nos EUA, essa ideologia continua. Como exemplo, temos a Llewellyn de Haskell, que

foi a primeira comunidade fechada que surgiu no país, mais especificamente em Nova

Jersey. Seus preceitos, como senso de comunidade a partir da integração entre os

residentes, foram bastante difundidos. Nesse ponto, destaca-se também a transposição da

unificação do interesse comum dessas associações que promovem e seguem regras para

manter a ordem e a homogeneidade do espaço.

Posteriormente, requisitos paisagísticos e arquitetônicos também passaram a

reforçar a ideia em outros empreendimentos. Mais tarde, entre os anos de 1960-1970,

esses espaços foram sendo projetados para o consumo da massa. Assim, começa a surgir

um complexo sistema de interesses envolvendo agentes imobiliários financiados por

grandes corporações atraídas pelo potencial de lucros do mercado de terras e apoiadas

pelo Governo, por meio do Departamento de Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento

(MCKENZIE, 1994).

Ao observar as perspectivas, constata-se que há uma corrente que comenta sobre

as mudanças da pós-modernidade e o medo; e outra que trata da função de um

alinhamento de ações apoiadas pelo governo para a proliferação desses espaços. De fato,

passa-se a considerar que as duas correntes não estão se anulando, e que, portanto, há

certa correlação. Na América latina, a literatura ressalta muito a questão da crescente

criminalidade, no entanto, considera-se que a discussão sobre os aparatos administrativos

é digna de, ao menos, ter relevância nesta pesquisa.

Acerca dessas ações administrativas nos EUA, Silva (2012) comenta, de forma

mais detalhada que, no país, a unidade administrativa local, além do Estado e das cidades,

é chamada de condado, ou seja, o território estadual é dividido em condados. Nesses

espaços, há divisões similares às cidades, sendo criadas a partir de uma ordem do Estado,

21 Pode-se citar as grandes fábricas que tinham a proposta de alojar seus próprios

funcionários em um verdadeiro campus privado.

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geralmente a fim de oferecer serviços variados em certo território. Sua função gira em

torno das coletas estatísticas, da construção de estradas, da administração de eleições, dos

aspectos judiciais, da educação etc. Além disso, o controle do uso da terra também pode

ser de incumbência do condado ou do governo local.

Assim, os licenciamentos de novos empreendimentos são pedidos junto à

administração responsável (condado ou governo local). Tais construções geralmente são

realizadas no subúrbio dos condados e são chamados de Master Planed Communities –

MPCs. A área suburbana é considerada como terreno de expansão, portanto, é comum

haver falta de infraestrutura. Considerando isso, o Estado deixa, em muitos casos, sua

atribuição de provedor de infraestrutura e passa a determinar parâmetros de habitação de

modo que o incorporador interessado possa construir e atender os requisitos.

Vale salientar que o condado pode produzir também áreas de anexação. Esse

processo ocorre quando determinada área é cedida para construções de habitações, porém,

não há área para oferecer serviços básicos. Desse modo, o condado tem o poder de anexar

uma área que possua serviços úteis àqueles moradores e o anexar à demarcação do

território.

A esse respeito, Silva (2012) comenta que esse movimento pode ser executado de

quatro maneiras diferentes. A primeira seria o ato de incorporação que determina que a

área oferecida ganhe status legal de cidade incorporada. Grosso modo, o espaço

demarcado fica sujeito à cobrança de taxas os quais retornam para a mesma localidade,

garantindo sua manutenção. A segunda maneira é caracterizada pela criação de uma nova

área urbanizada que contrata serviços do condado ou da cidade mais próxima. Geralmente

são novas áreas rurais, por assim dizer, comunidades cuja proposta é a sua localização

mais próxima à natureza. Já a terceira seria a própria anexação de uma área já estabelecida

por meio de uma consulta pública dos envolvidos, por exemplo, duas cidades

incorporadas transformam-se em uma. A quarta maneira seria a criação de um novo

distrito especial voltado para exercer poucas funções para as comunidades como, por

exemplo, distrito econômico, educacional etc.

Com relação às cidades, há o método de criação através dos charters. Trata-se da

criação de cidades que podem determinar seu modelo de gestão desde que não vá contra

as leis Estaduais e Federais. Assim, fica à vontade da gestão criar seus métodos de eleição,

membros de conselho fiscal, comissões etc.. Dessa maneira, percebe-se o alinhamento

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44

administrativo em direção a dar certa autonomia às áreas em expansão, mas que ainda

assim, estão restritos por algumas leis superiores.

Pode-se dizer que essa articulação forma a característica necessária para a criação

de mais comunidades fechadas, uma vez que há certa liberdade para criação de

dispositivos administrativos independentes, criando uma “camada de poder, de natureza

privada, intermediária entre os moradores e governo local” (SILVA, 2012, p. 117).

Conforme Silva (2012) comenta:

[...] Desde os anos 1970, vem se consolidando uma “dramática” e “silenciosa

revolução no setor habitacional e na governança local” dos EUA, através da

produção dos condomínios e da organização de suas governanças privadas. Em

menos de 40 anos, o número de residenciais existentes dentro de CIDs passou de 1%, em 1970, para 18,8%, em 2008, quando se estimou que 59,5 milhões

de pessoas, aproximadamente 20% da população norte-americana, já residia

sob o regime das associações de proprietários. O autor argumenta que o

resultado desse processo tem conduzido a três consequências “provavelmente

irreversíveis” sobre: 1) a estrutura dos governos locais; 2) a natureza do regime

de propriedade; e 3) a organização do espaço urbano (SILVA, 2012, p. 119).

Sob essa ótica, o que se percebe em relação à evolução dos condomínios em

definitivo é esse alinhamento jurídico e administrativo dos espaços autônomos. No

entanto, somado a isso ainda se mostra bastante evidente a questão do medo e da distinção

que vêm ajudando a promover a autoexclusão e, consequentemente, mais espaços

privativos. Para se ter ideia, as próprias associações, por meio de suas regras, demonstram

seus aspectos restritivos.

Para estabelecer critérios de organização, as gated communities seguem diretrizes

demandadas por uma associação de proprietários, que se caracteriza como um conselho

oficial institucionalizado que exerce poder político particular. Essa força se desenvolve

mais precisamente por meio de uma usurpação daquilo que o Estado deveria fazer. Tal

questão ganha força com o discurso da eficiência dos gastos com respostas às demandas

dos moradores a partir de um agente privado, no caso, a associação. O controle dos

espaços públicos é dado a essa associação, que tem entre sua função a arrecadação de

fundos para manutenção.

Outra característica relacionada às associações de moradores das gated

communities que toca a esfera da homogeneização é a sua padronização. Esta é

determinada pela estrutura dos planos e pelas exigências das construtoras. Caracteriza-se,

portanto, uma indução ao gosto pela padronização, já que se trata de um anseio a ser

seguido pela comunidade que procura se diferenciar das demais por diversas razões.

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45

Sobre isso, é conveniente exibir as considerações de Setha Low (2003). De

acordo com a autora, as gated comunnities são de fato espacialidades com potencial

separatista, perpassando a ideia de homogeneidade social. No entanto, Low (2003) nos

mostra que tais movimentos giram uma engrenagem perigosa, que é o estímulo à cultura

do medo dos grupos exteriores.

Dessa forma, entende-se que as gated communities são uma resposta dos grupos

economicamente privilegiados contra grupos exteriores de quem sentem potencial

ameaça. O problema perpassa toda uma caracterização de seu contexto histórico e que

hoje tem como principal sintoma a necessidade de controlar o contato com áreas

degradadas (habitadas por imigrantes, negros etc.).

Ademais, esses espaços servem como refúgio para evitar o contato com minorias

“perigosas”, consolidando aquilo que Sennet (1996) chama de purificação social no

intramuros. Dessa forma, o autor entende que a grande questão que marca os condomínios

americanos seria a busca pelo desejo de homogeneizar o espaço, procurando estabelecer

realmente o senso comunitário entre supostos “iguais”, que é impulsionado pela grande

engrenagem do capital imobiliário junto à permissão do Estado para a criação de mais

espaços autônomos, fragmentando mais ainda o espaço.

3.3.2 Brasil

Tomando como base o contexto americano, podemos fazer algumas

aproximações com o geral brasileiro e, em seguida, especificamente no caso empírico da

pesquisa. Sendo assim, tomando como base Queiroz (2011) e Silva (2009), os

condomínios horizontais no Brasil surgiram na segunda metade do século XX, como

promessa de concretização de um espaço com serviços e dotado de certo lazer. No

entanto, no decorrer das décadas e suas constantes mudanças sociais e econômicas, os

condomínios passaram a representar espaços de certo prestígio e de segurança mais

desenvolvida. Considerando isso, podemos perceber melhor o movimento de expansão

nesse contexto, uma vez que mesmo em cidades de baixo teor criminal, o seu

desenvolvimento é notável.

Segundo Caldeira (2000), o desenvolvimento das cidades brasileiras seguiu a

lógica do centro-periferia até meados dos anos 1980. O seu centro é dotado de

infraestrutura, enquanto que a periferia precária nesse sentido. Dessa forma, observando

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a valorização dos terrenos centrais, a ação natural de oferta e procura levou à forte

expulsão dos mais pobres para essas periferias. Visto isso, observa-se imediatamente uma

diferença entre as origens no Brasil e EUA.

No contexto americano, os subúrbios possuem peculiaridades cujo sua forma de

expansão é caracterizada por apresentar espaços estruturados e ocupados por uma camada

rica; já no Brasil geralmente são menos estruturados e geralmente mais pobres. É

importante frisar que no Brasil, grande parte dos condomínios fechados horizontais estão

localizados neste subúrbio (periferia) devido à disponibilidade de terras para sua

construção, dotadas então de proximidade com os mais pobres.

Outra diferença em sua estrutura e origem está na sua construção. No Brasil, é

comum os condomínios já nascerem em caráter totalmente privado e sem anexação de

áreas. Assim, Suas ruas, praças, áreas de lazer são construídas dentro do seu perímetro

interno. Nos EUA., ver-se que sua proliferação dar-se em torno das áreas de expansão ou

de anexação em que as associações de proprietários tratam de desenvolver a gestão local.

O senso de comunidade, isto é aquilo que está incorporado ao processo de

homogeneização, é uma característica comentada por Blakely e Snyder (2000) também

faz parte de outra diferença. No Brasil, os moradores desses espaços são dotados de certa

similaridade econômica, porém, a homogeneidade social é questionável (LOPES, 2008).

Segundo Caldeira (2000), na estrutura administrativa e física, nota-se que há certo esforço

para individualização das famílias, portanto, ocorre de forma diferente dos EUA.

Esse contraste é comentado por Lopes (2008), ao ressaltar que historicamente

no Brasil, por exemplo, casas padronizadas remetem-se a conjuntos habitacionais

populares, sendo, assim, uma imagem não valorizada. Nos condomínios brasileiros, é

geralmente dada a permissão para variação arquitetônica das casas em moldes pré-

estabelecidos, abrindo espaço para certa personalização. Tal fato se diferencia de várias

gated commnunities visto que muitas vezes a padronização arquitetônica é induzida

22pelos agentes envolvidos em sua produção

Nesse sentido, observamos propriamente algumas características das gated

communities.

22 Essa indução está atrelada em vários detalhes, dentre eles os arquitetônicos onde há

determinação de cor, estilo das residências e etc

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Quadro 2 – Diferença Brasil x EUA.

Divisão Brasil (Condomínio Jardim

Atlântico/RN)

Teoria – EUA.

Origem (teoria)

Origem: área privada ( subúrbio

não estruturado)

Origem: áreas de expansão (

subúrbios estruturados)

Contexto urbano: centro/

periferia, periferia desvalorizada,

periferia ocupada por população

pobre

Contexto urbano: centro +

periferia, periferia valorizada

com infraestrutura; população

rica escolhe periferia.

Motivações: lazer, segurança e

prestígio.

Motivações: controle de tráfego,

segurança e restauração, senso

vizinhança

Social (empírico)

COMUNIDADE

Tímida busca em direção à

construção de uma comunidade

com base no que a cidade

representa (ações embrionárias)

COMUNIDADE

Há certa preocupação desde o

início com a constituição de uma

comunidade (ações mais

direcionadas desde

determinações do projeto, até a

formalidade das associações)

Estrutural

(empírico)

PROJETO

ARQUITETÔNICO

Projetos distintos. A

padronização é vista como algo

negativo

PROJETO

ARQUITETÔNICO

projetos semelhantes por

indução a homogeneização

desde a origem . A padronização

é vista como algo positivo e

deve-se zelar

CONSTRUÇÃO

Projeto e construção por

iniciativa de cada morador

CONSTRUÇÃO

Em muitos casos, o incorporador

constrói em série determinando

todas as características dos

imóveis ( difícil personalização)

Fonte: adaptado LOPES (2008)

3.4 CONCLUSÃO PARCIAL

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Considerando as semelhanças, podemos definir uma questão importante para

esta pesquisa: diante das diferenças culturais entre Brasil e Estados Unidos, principal

bloco influenciador na América Latina, podemos notar pontos importantes, a saber: (i) a

busca no caso norte-americano está direcionada à homogeneização social dos extratos

mais ricos desses espaços; (ii) no caso brasileiro, temos o direcionamento para a

segregação social não só entre ricos e pobres como não parece haver a sinergia entre

membros da própria classe em condomínios diferentes por exemplo; (iii) no caso do

campo de estudo, a segregação segue o direcionamento brasileiro aparentemente

permeado pelo medo. Assim, o medo seria o afeto de aproximação mais latente observado

na vivência.

Considerando isso, decorre do primeiro o desenvolvimento do conceito de

condomínios até o ponto que mais se encaixará nesta pesquisa. Partindo de uma definição

comum, podemos acompanhar elementos que podem caracterizar concretamente a

empiria. Porém, para essa análise, considerou-se prudente observar variáveis importantes

dentro do grande campo do estudo sobre a cidade, evitando cair em estudo sobre aldeias

ou relacionar conceitos que não se encaixam perfeitamente na a realidade estudada.

Dessa forma, considerando o conceito adotado “condomínios horizontais

residenciais fechados”, levou-se em conta sua construção histórica, relacionada aos

fatores tempo/espaço e à cultura nas suas grandes varáveis locais. Sendo assim,

observamos, com base em alguns relatos ocorridos no condomínio estudado, objeto desta

pesquisa, que apesar de haver semelhanças entre os condomínios horizontais residenciais

fechados quanto à estrutura, há também diferenças elementares as que tornam distintas.

Portanto, a principal questão está em torno de uma espécie de sentido de existir

nesses espaços. Nos Estados Unidos, vemos que há um direcionamento em torno da

homogeneização social, ou seja, viver entre iguais e prezar por isso. Ao contrário do

Brasil, particularmente no caso do condomínio Jardim Atlântico, o direcionamento está

em torno da segregação social, uma vez que o sentido de comunidade não parece ser a

busca prioritária, dependendo do processo, é que vai sendo construído. Assim,

diferentemente dos Estados Unidos, não importa sua etnia ou coisas parecidas que sirvam

para diferenciar

Vale salientar a observação dos arranjos administrativos com relação aos

condomínios fechados nos EUA. Percebe-se que lá o estágio se encontra bem mais

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estruturado com relação ao Brasil. Isto vai desde as concessões do Estado dadas a esses

empreendimentos até a ação das associações de moradores que em busca da

homogeneidade desenvolve e contrata serviços de lazer e etc, configurando um mercado

exclusivo para isso. Essa constatação demonstra que o fato de seu arranjo administrativo

ser mais estruturado, leva a impressão da maior perversão do processo de fragmentação

da cidade com a conivência do Estado americano. No Brasil, isto parece ainda estar em

um estágio mais distante, diga-se embrionário, apesar de haver fortes indícios de

fragmentação urbana, este processo ainda acontece em virtude de respostas similares

como descrença no serviço público ou proteção contra o crime.

Constando isto, a próxima seção será dedicada à explicação do processo de

formação territorial procurando demonstrar tais diferenças vistas não somente na seção 2

mas também englobando a discussão da seção 1. Assim, o próximo bloco terá mais

relação com o real objeto de estudo.

4 CICLOS IMOBILIÁRIOS E A FRAGMENTAÇÃO URBANA

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Tomando como base as informações sobre a fragmentação urbana, como

fenômeno que se articula com a questão da segregação socioespacial padrão fractal,

podemos seguir com a análise. Tal padrão nos levou a perceber as diversas fraturas

urbanas que podem existir, que exprimem certa aproximação espacial dos mais ricos com

relação aos mais pobres. Todavia, a distância social se exprime na criação de barreiras

físicas em áreas exclusivas.

Seguindo o raciocínio, tal fato nos levou a situar a terminologia do objeto de

pesquisa, no que tange especificamente à ideia de condomínio residencial horizontal

como resultante do processo de segregação fractal engendrando a fragmentação urbana.

Nessa direção, para podermos articular a microescala com relação à macroescala, fez-se

necessário diferenciar o contexto do que seria condomínio residencial horizontal no Brasil

do padrão gated communities dos EUA.

Reunidos os elementos, temos que o condomínio horizontal residencial seria o

sintoma de um padrão de segregação chamado fractal que, de alguma forma, acirra a

fragmentação urbana. Sendo assim, para poder caracterizar essa forma com que os

condomínios fechados acirram a fragmentação, torna-se necessário mergulhar no campo

de estudo. Para isso, passamos a contextualizar o espaço estudado. Optou-se pela

apresentação da história da produção do espaço no qual o condomínio horizontal fechado

estudado está situado. Esse resgate histórico foi efetuado, pois, nesse processo, podemos

observar movimentos importantes que se articulam com os temas discutidos nas seções

anteriores, tal como o movimento de autoexclusão, os vetores de metropolização, as

localizações e a expansão dos condomínios clube.

A ideia dos ciclos imobiliários tem grande relevância para os estudos

econômicos sobre o mercado imobiliário. Assim, a economia, em um primeiro momento,

não parece ser um assunto que seja tão necessário aparecer neste estudo. No entanto, ao

fazer uma análise da formação territorial junto à temática sobre os vetores de

metropolização abordado na primeira seção, optou-se por elencar algumas informações

sobre os ciclos em Natal-RN até a configuração do bairro em que o condomínio Jardim

Atlântico está situado. Dessa maneira, será possível demonstrar informações sobre os

condomínios fechados expressando seus eixos de expansão e as causas que levaram até a

formação do bairro e, consequentemente, do próprio empreendimento estudado.

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Logo em seguida, a contextualização será direcionada para o município de

Parnamirim, especificamente o bairro de Nova Parnamirim. O intuito é apresentar um

rápido retrospecto histórico, destacando sua origem e a situação atual.

4.1 NATAL: CICLOS IMOBILIÁRIOS E CRESCIMENTO DO EIXO SUL

Localizada no oriente do Brasil, Natal é uma cidade situada na costa litorânea do

país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE (2016), Natal

possui população de 862.044 habitantes, está dividida em quatro zonas administrativas

(ver Figura 1) e possui forte dinâmica econômica na sua região, liderando um grupo 10

municípios na sua respectiva região metropolitana. Dentre suas características

econômicas, destacam-se atividades administrativas ligadas ao serviço público, militar e

à prestação de serviços com destaque para o turismo.

Figura 1 – Regiões administrativas por bairros

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Fonte: Extraído de Silva (2003)

Muitos autores se propuseram a estudar o crescimento urbano de Natal. Assim,

existem várias divisões temporais no que tange ao crescimento da cidade. A esse respeito,

Ferreira e Queiroz (1990) destaca que houve, em diferentes momentos, vários modos de

produção do ambiente construído associados à dinâmica das localizações, considerando

que a produção imobiliária está ligada diretamente às transformações urbanas. Dessa

maneira, os autores destacam:

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[...] (Pré 1940): Caracterizado por um período de baixa produção imobiliária

(autoconstrução23) (Pós 1940) – Alta procura por imóveis para compra e

aluguel. (1950 -1960): Formação de um mercado de terras e produção

fundiária. (1970 a 1980): Produção em grande escala de moradias através de

conjuntos habitacionais. (1980 em diante): Aumento da produção de edifícios

e inovações habitacionais (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 139).

Já Queiroz (2012), em seu estudo sobre os ciclos imobiliários em Natal, destaca

que existiram cinco ciclos:

1º ciclo: Emergência do mercado terras (1940 a 1964); 2º Ciclo: Produção

Estatal (conjuntos habitacionais) (1964 a 1982); 3º Ciclo: Incorporações

imobiliárias (1982 a 1990); 4º Ciclo: Condomínios Fechados/Autofinanciados

(1990 a 2000) e 5º ciclo Turismo imobiliário/ Programa Minha casa minha vida

(QUEIROZ, 2012, p. 145).

O estudo do ciclo econômico imobiliário de Queiroz (2012) é caracterizado pela

presença de informações bastante minuciosas sobre a economia nacional e mundial, que

fogem do escopo deste trabalho. Dessa forma, a abordagem baseada nos ciclos

imobiliários será usada com o objetivo de contextualizar, de forma exploratória, a

produção do espaço de Natal até Parnamirim.

4.1.1 Primeiro ciclo: mercado de terras, produção estatal e incorporações imobiliárias.

O primeiro ciclo de produção (1940-1964) ocorre pela emergência de mercado

de terras. De forma resumida, essa fase é caracterizada pelo ganho do valor de troca no

mercado de terra. Ou seja, a terra era algo passado de pai para filho, sem pretensão de

lucro. Logo, não tinha valor de troca. Isso perdurou até Natal adquirir status de região

estratégica na Segunda Guerra Mundial, fato que acarretou na explosão demográfica,

acirrando a disputa por terras. Ademais, a Segunda Guerra Mundial proporcionou uma

grande imigração de vários tipos de povos, inclusive americanos, para a cidade, em

função de haver uma base militar estratégica norte-americana instalada em

Parnamirim/RN (município vizinho).

Dessa maneira, o comércio de lotes passa a vigorar devido à alta procura por

moradia dos imigrantes. Segundo Queiroz (2012), nesse período, a grande maioria dos

23 Autoconstrução de residências – embora comece a haver uma caracterização inicial do

mercado imobiliário na cidade, algumas construções eram feitas pelos próprios donos dos

terrenos.

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loteamentos eram realizados por iniciativa familiar ou individual. Essas famílias foram

se organizando no ramo de vendas, profissionalizando-se nas décadas seguintes.

4.1.2 Segundo e terceiro ciclo: produção estatal e as incorporações imobiliárias

O segundo ciclo (1964-1982) foi caracterizado pela produção estatal de

habitações. Esse perfil de produção nasce junto à ditatura militar e ao Banco Nacional de

Habitação (BNH). A atuação marcante dessa política na cidade de Natal gerou, sem

dúvida, a grande quantidade de moradias construídas, beirando 25% da área edificável,

abrigando 230.000 habitantes dos 510 residentes no município na época (SILVA, 2003).

Essas construções envolviam a criação de conjuntos habitacionais divididos por

faixa de renda, nesse caso, a camada mais pobre passou a morar em zonas com pouca

aparelhagem pública e distantes (Figura 2). Outro efeito dos conjuntos habitacionais foi

a criação de vazios urbanos, dada a separação entre ricos, pobres e equipamentos urbanos.

“Deu-se iniciou a ocupação de rarefeita e fragmentada da cidade iniciado com

loteamentos. Estes vazios, no futuro, vão ser o principal estoque de terras das empresas

promotoras imobiliárias” (QUEIROZ, 2012, p. 147).

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Figura 2 − Natal: Localização dos conjuntos habitacionais

Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 45)

Conforme já foi discutido, observamos a consolidação da segregação

socioespacial e o começo da fragmentação urbana notadamente em direção ao eixo sul.

Os conjuntos mais próximos do centro, isto é, na zona administrativa leste, em boa parte,

eram mais destinados aos de renda média, enquanto os mais distantes, aos de renda baixa.

Segundo Ferreira e Queiroz (1990), os lotes distantes eram delimitados englobando áreas

verdes públicas e por esse motivo passam a incorporar a área privada chamada de jardim.

A integração entre os moradores passa a ser comprometida. De acordo com

Ferreira e Queiroz (1990), havia uma dificuldade de deslocamento devido às distâncias e

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aos espaços públicos, vistos como elementos importantes para a socialização da

vizinhança, porém, não desempenhavam sua função atrativa para reunião de indivíduos

por vários motivos, como, por exemplo, a falta de investimentos em manutenção de

praças. “Sua disposição, tipologia e dimensionamento mostram descaso com estas áreas,

demonstrando ainda, pela ausência de tratamento adequado e de equipamentos – fatores

fundamentais para apropriação dos moradores” (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 8).

4.1.3 Quarto ciclo (1982-1990): capitais privados

Os capitais privados-incorporadores assumem o controle econômico do processo

de produção da moradia, definindo localizações de produção, características do

empreendimento, com estratégias de vendas e público-alvo. Dessa forma, passam a

produzir inovações espaciais, como os edifícios e o remanejamento de uso do solo. Esse

agente passa a deixar marcas perenes na cidade. Seus empreendimentos são direcionados

para segmentos superiores da sociedade. Esses segmentos se originaram a partir da década

de 1950, com uma série de deslocamentos de organizações Federais para o Estado que

deram aporte para migração de técnicos mais qualificados, como corpo técnico para a

Universidade Federal e a Petrobrás.

A esse respeito, Queiroz (2012, p. 56) comenta: “O Estado favoreceu a

concretização da convenção idealizada pelos loteadores, causando a substituição dos

moradores desses bairros por uma camada de população com maior poder aquisitivo”. Já

segundo Ferreira e Queiroz (1990), o agente incorporador na cidade de Natal passa a atuar

liberando as áreas centrais, advindo dos deslocamentos das camadas mais ricas para áreas

mais afastadas, em busca de externalidade proposta pelo incorporador. Até mesmo nas

áreas centrais, as antigas residências e edificações de valor histórico dão lugar a edifícios

comerciais no núcleo central e novas residências propínquas. As residências desse

período se caracterizam, em sua maioria, pela nova proposta do setor imobiliário: o

apartamento.

Dessa maneira, esses espaços são construídos “numa graduação de qualidade

que vai desde o edifício de alto padrão nas áreas centrais, até a construção de moradias

padrão INOCOOP24 na periferia” (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 9). As inovações

24 O Inocoop surgiu com a Lei que o criou, pelo extinto BNH – Banco Nacional de Habitação e

o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, em 1964, com o intuito de captar ação pública e

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vão sendo aplicadas e assim surge uma nova estratégia dos agentes. Dessa forma, as

localizações alvo da atividade imobiliária passaram a edificar mais intensamente. A zona

sul foi bastante privilegiada com provimento de estruturas básicas e serviços urbanos.

Isso se deve à concentração de mercado solvável na região enquanto que as áreas como a

Zona Oeste e Norte, consideradas mais pobres, foram deixadas de lado. O fato

mencionado acirra o processo de fragmentação da cidade25.

As zonas centrais alvos da produção para demanda solvável (os bairros de Tirol,

Petrópolis, Capim Macio, Lagoa Nova e Candelária) passam a receber investimentos,

com isso, ganham mais importância, uma vez que vários estabelecimentos passam a se

agregar às localidades, desenvolvendo valores de uso (escolas, hospitais públicos e

privados etc.), somados às inovações habitacionais que deturbam as antigas habitações e

passam a ser considerados zona foco de investimento. Em contraste, observa-se a

criação de zonas menos sinérgicas, como Zona Norte e Oeste, que possuem habitantes,

em sua maioria de baixa renda, não considerados público-alvo prioritário para os agentes

privados, acarretando poucos investimentos em infraestrutura se comparado com as zonas

mais sinérgicas. No entanto, as estruturas aplicadas nas zonas menos sinérgicas,

supostamente, impulsionam uma dinâmica diferente das zonas mais sinérgicas como, por

exemplo, comércios informais valiosos.

4.1.4 Quinto ciclo − condomínios fechados/autofinanciados e turismo imobiliário/ Programa

Minha casa minha vida

Devido à crise de retenção de crédito, o poder de compra ficou restrito àqueles

detentores de maior renda na cidade. Nesse sentido, o mercado imobiliário passou a

mobilizar seus esforços para esse segmento do mercado, a partir da década de 1990. Um

aspecto importante disso está relacionado ao poder que agora a demanda rica tem sobre

orientar a iniciativa privada, estimulando a construção de habitações de interesse social e

financiando a aquisição da casa própria, principalmente para as populações de média e baixa

renda.

25 Fragmentação tem a ver, obviamente, com fragmentos. E fragmentos são partes, frações de

um todo que ou não se conectam mais, ou quase não se conectam mais umas com as outras:

podem ainda “tocar-se”, mas não muito mais que isso. Claro está, ou deveria estar, que se

trata de muito mais que um processo de “diferenciação”. Menos óbvio é que se trata de algo

que vai além, até mesmo, de um processo de “segregação” (SOUZA, 2008, p. 56).

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o empreendimento. O consumidor passa a também arbitrar em relação à forma da

residência, como a tipologia, o padrão e a localização. Nesse momento, “os consumidores

(agente mercado alvo) se tornam mais decisivos no processo de segregação

socioespacial” (QUEIROZ, 2012, p. 162).

Como um dos produtos dessa operação, surge o condomínio fechado. Embora

haja mais participação da demanda, o promotor age de forma diretamente envolvida na

externalidade da vizinhança reunindo grupos seletos em um mesmo espaço,

intensificando a elitização nas localizações. Conforme Queiroz comenta:

Existem casos nos quais o agente privado planeja estimula formação de grupos

de condomínios [...]. Essa modalidade resulta na intensificação do processo de

elitização e segmentação socioespacial [...]. Os empreendimentos produzidos

nesse sistema curarizam-se pelo alto padrão e pela localização nas áreas nobres

da cidade (QUEIROZ, 2012, p. 162).

Segundo dados dos cartórios levantados por Queiroz (1996) e Ferreira e Queiroz

(1990), durante a década de 1980 até 1990 (Figura 3), foram construídos 221

empreendimentos, em um total de área construída de 578.949 m², possuindo 435 edifícios

e 5.336 unidades. Já na década de 1990 a 2000, foram 211 empreendimentos, em uma

área de 774.777 m², possuindo 324 edifícios e 4.505 unidades concentrados no eixo sul.

Dessa forma, era muito comum existir prédios bastante homogêneos, com a presença de

muitos médicos, juízes e empresários (Figura 4).

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Figura 3 − Produção imobiliária na década de 1990

Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 181)

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Figura 4 − Natal: rendimento médio mensal por bairro

Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 182)

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Segundo Queiroz (2010), o padrão exigido pelos consumidores passa a levar em

consideração: (i) uma ambientação particular com áreas de lazer privadas; (ii) exigência

retificada de que o empreendimento deve estar em áreas já valorizadas dotadas de

acessibilidade. É interessante frisar que alguns bairros foram ocupados por serviços que

estereotipa a localidade, como a concentração de profissionais da saúde em Petrópolis e

Tirol. Já os bairros como Candelária desenvolveram comércios elitizados, como o Natal

Shopping, e por último, a procura passa a ser também pelo litoral turístico da cidade, isto

é, o bairro de Ponta Negra; (iii) homogeneização da população residente em condomínios

fechados, ou seja, ocupantes com renda semelhantes. Tal fato se assemelha à teoria

comentada por Villaça (2001) sobre o poder das classes mais ricas sobre as regiões

valorizadas por eles.

Nessa perspectiva, Abramo (2007) comenta sobre essa ação justificando a

escolha por bairros, indo além da questão acessibilidade. Para ele, “Escolher um bairro é

escolher seus vizinhos. Optar por um bairro de boas escolhas é, por exemplo, escolher

uma vizinhança onde as pessoas querem boas escolas” (SHELLING apud ABRAMO,

2007, p. 30).

Ademais, o desenvolvimento do turismo induziu o estado a tratar de forma

diferenciada os corredores que fazem parte do circuito de deslocamentos dos turistas na

cidade de Natal. Portanto, segundo Queiroz (2012), caracteriza-se por uma ação do

capitalismo moderno em sua expressão artística, no caso, obras públicas para

embelezamento estético para atração de capital. Dessa forma, passaram a investir em

obras públicas em áreas que estavam sendo alvo da produção26. “O Estado ratifica a nova

espacialidade proposta pelos capitais privados e consumidores, favorecendo o processo

de diferenciação espacial que vai lhes garantir lucro” (QUEIROZ, 2001, p. 181). Sendo

esta o eixo sul.

26 É interessante frisar a questão sobre a criação de espacialidades. Claramente o processo

descreve a tentativa de se produzir uma nova zona de convergência na faixa litorânea. Uma

vez que a concentração de produto social aceita essa condição, podemos dizer que surge assim

uma nova localização.

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O desenvolvimento do Turismo27 junto a incentivos do governo através de

programas, como o de desenvolvimento do turismo do Nordeste – Prodetur/NE (1995),

ajudaram a adaptar o cenário de Natal ao que o capital exigia para o ingresso em uma

atividade turística rentável e, assim, atrair futuros investidores. Embora os investimentos

tenham vindo para obras de acessibilidade e infraestrutura do litoral, Natal recebeu

também a ampliação do Aeroporto Augusto Severo, importante para chegada de turistas.

Nesse período, empreendimentos de alto padrão passaram a ser produzidos nas

mesmas localidades já valorizadas (ver Figura 5) somando ao fato de o investimento ainda

seguir os espaços onde se encontram a renda mais alta das famílias (ver Figura 6).

“Edifícios de alto padrão e o condomínio clube, ambos fechados com presença de

equipamentos coletivos restritos aos moradores” (QUEIROZ, 2012, p. 190). Registram-

se empreendimentos com unidades que variam entre 55 a 19m² a 218,95 m² variando

entre 65.000 e 220.000 reais.

27 Vale salientar que a atividade turística sempre foi uma das principais atividades econômicas

do município, mas sempre desenvolvido com escassez de planejamento. Porém, nesse caso,

trata-se de um incentivo Federal mais impactante.

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Figura 5 – Natal, distribuição das incorporações década de 2000

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Fonte: Extraído de Queiroz (2012)

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Figura 6 – Natal, distribuição renda média mensal por bairros

Fonte: SEMURB – Secretaria meio ambiente e urbanismo, Anuário de Natal (2012).

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“O aumento surpreendente na produção imobiliária colocou Natal como um dos

grandes destinos para investimentos” (QUEIROZ, 2012, p. 234), seja reutilizando as

áreas centrais, seja se expandindo até os limites do município em tentativa de criar novas

convenções. “Os lançamentos imobiliários impressionavam pela quantidade e variedade

de opções ofertada aos consumidores” (QUEIROZ, 2012, p. 234). Dessa forma, grandes

empresas como Cyrela28 entraram no mercado também a partir da ação de incorporação.

A verticalização se tornou mais intensa na história do município, concentrando-

se em áreas centrais ou de interesse turístico. Outro ponto importante é que o fenômeno

turístico afetou a tipologia de apartamentos, sendo agora cada vez menores, advindos do

interesse em obter lucros por meio das vendas das unidades.

Em meados de 2008, O Programa Minha Casa Minha Vida, veio como medida

para manter a produção da construção civil, gerar empregos e reduzir o déficit

habitacional existente no país. Dessa forma, a produção continua no fim da década de

2000, porém, mais voltada para o consumidor local que estava em busca da primeira

residência. O processo se expande ainda, mas de maneira mais lenta.

4.2 PARNAMIRIM/RN: Conurbação e atração residencial no Bairro de Nova Parnamirim

A relação entre Parnamirim e Natal perpassa antes de tudo por uma corrente

histórica e espacial. Conforme visto, o crescimento de Natal pode ser resumido no

acontecimento de fatores como: (i) crescimento demográfico exponencial; (ii) tendência

à rápida urbanização por ser capital do Estado do Rio Grande do Norte; (iii) rápida

guinada na formação de especialização da cidade. Nesse sentido, cabe ressaltar a nova

característica que é a sua simbiose entre as cidades vizinhas, fato que culmina no avanço

sobre Parnamirim/RN.

Desde os anos 1980, o vetor de metropolização natalense passou a transbordar

suas fronteiras, chegando ao território de Parnamirim, especificamente na região norte

(ver o mapa da Figura 7).

28 Sediada em São Paulo, a empresa possui vasto mercado no Brasil, ocupando 16 Estados,

além de possuir empreendimentos na Argentina e Uruguai.

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Figura 7 – Mapa do município de Parnamirim

Fonte: Prefeitura de Parnamirim (2015).

Disponível em: <http://www.parnamirim.rn.gov.br/mapas.jsp>. Acesso em: 20 ago. 2016.

Antes de descrever as características do espaço transbordado, convém mencionar

um pouco do histórico da cidade de Parnamirim/RN. O município apresenta

características naturais específicas, cercado por dunas e tem litoral privilegiado em

Cotovelo, Pium e Pirangi do Norte. Tal fato atrai interesses imobiliários, principalmente

aqueles ligados à exploração de ambientes naturais. Para além do aspecto natural,

podemos destacar sua funcionalidade urbana, que começou a se desenhar com a fundação

de um campo de decolagem em 1927. Tal espaço serviu de apoio para seu pequeno

crescimento urbano na época.

Apesar do baixo crescimento, sua importância comercial aumentou devido às

rotas de comércio aéreas e a existência do campo. Isso tinha tamanha importância que

durante o período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o município serviu de base

estratégica americana para os acessos em direção à Europa e à América do Norte. Em

1942, foi criada oficialmente a base área brasileira subordinada como vila de Natal.

Sua rápida evolução demográfica (ver Figura 8), em função de sua

especialização, justificou investimentos urbanísticos, alavancando seu status de Vila para

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Distrito de Natal em 1948. Após dez anos de desenvolvimento, Parnamirim ganha status

de município (NETO, 1990). Com o tempo, as trocas econômicas entre Natal e

Parnamirim continuaram. Assim, quem não podia residir em Natal, certamente teria como

segunda opção Parnamirim (SOUZA, 2006). Segundo dados do IBGE – Instituto

Brasileiro de Geografia Estatística, sua população passou de 9 mil habitantes em 1960

para 120 mil até o início da década de 2000. De acordo com o censo demográfico do

IBGE realizado em 2010, registram-se 202 mil habitantes (ver Figura 8).

Figura 8 – Evolução demográfica do município de Parnamirim (dados mais atuais)

Fonte: IBGE – Censo demográfico (2010)

Medeiros e Petta (2005) comentam que o município cresceu quase cinco vezes

a mais que o valor da mancha urbana registrada em 1960 (369,87 ha29) para 1998 (1,994

ha). Assim, em meados dos anos 1990, esse crescimento se concentrou nas áreas

litorâneas. A esse respeito, chama a atenção o aumento populacional do distrito de Nova

Parnamirim, nessa época, ainda não considerado bairro. Medeiros e Petta (2005)

comentam que essa peculiaridade da região se deu em torno de sua aproximação com os

bairros de Natal e por investimentos de famílias que procuravam casas de verão. Tal fato

estabeleceu a continuidade urbanística entre Natal e Parnamirim.

Alguns anos depois, Souza (2006) comenta que a mancha urbana do município

chegou a 2,829 ha em 2003, sendo sua concentração maior no distrito de Nova

Parnamirim. Esse crescimento se torna importante, pois, além de ratificar a continuidade

29 Unidade de medida hectares.

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urbanística entre os municípios, serviu para consolidar os fluxos de deslocamento

pendulares. Isso foi confirmado com a criação de acessos pelo prolongamento da BR-101

e Avenida Ayrton Senna, considerados os principais corredores de acesso ao local.

4.3 BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM

O aspecto histórico estrito ao bairro será apresentado a seguir com base nas

informações de Nicolau (2008) e alguns dados atualizados do IBGE (2016). Entre as

décadas 1960 e 1980, o crescimento de Nova Parnamirim se deu no sentido dos corredores

de acesso da BR 101 e Avenida Ayrton Sena. Após a década de 1990, seu crescimento

estava mais pautado para dentro, constituindo as avenidas Maria Lacerda Montenegro e

Avenida Abel Cabral, em virtude da criação de loteamentos para moradias voltadas

incialmente para o lazer de muitos natalenses (LIMA; NETO, 2000 apud NICOLAU,

2008). Tal fato caracteriza movimentos escapistas e fraturas espaciais típicos do processo

de fragmentação urbana. Conforme Nicolau (2008) comenta:

Apesar da ocupação progressiva dos lotes, a configuração espacial que se

firmou acabou por instituir alguns vazios urbanos provenientes de espaços não

ocupados nestes loteamentos, e que depois foram adquiridos com a intenção

de se realizar especulação (NICOLAU, 2008, p. 76).

Esse processo que se desenvolveu a partir dos anos 1980 culminou no

movimento de desmembramento e remembramento do distrito. Devido às fraturas

urbanas, o Estado e o mercado imobiliário agem instalando escolas, condomínios, acessos

e estruturas básicas de saneamento com a finalidade de promover a consolidação da área.

Em decorrência disso, em 1993, o distrito de Nova Parnamirim passa a ser desmembrado

em função da criação de conjuntos habitacionais divididos espacialmente. Essa

espacialidade deu origem, nos anos 2000, aos bairros residenciais Parque do Pitimbu e

Parque dos Eucaliptos. Os dois bairros estavam entre os mais ocupados de todo o

município de Parnamirim conforme o gráfico apresentado na Figura 9, a seguir.

Figura 9 − População residente por bairro em Parnamirim/RN 2000

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Fonte: Nicolau (2008)

Após esse desmembramento, ocorre uma junção dos bairros de Parque dos

Eucaliptos e Pitimbu. Essa integração se deu pela continuação da forte concentração

populacional até o ano de 2004, período em que os bairros descritos são unificados dando

origem ao bairro de Nova Parnamirim, com base na Lei 1.222/2004. Em uma pesquisa do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística − IBGE (2016), constata-se que o bairro de

Parnamirim em 2015 possuía 54 mil habitantes, ultrapassando a soma dos dois bairros até

seu último dia de existência e configurando-se como o bairro mais populoso do município

de Parnamirim/RN.

De acordo com Nicolau (2008), tais crescimentos vertiginosos se deram em

função da geração de empregos em relação ao período de construção do bairro, expansão

do emprego em Natal, caracterizando a área como dormitório de Natal. Além disso, há

um volume de serviços oferecidos, como: supermercado, bancos, equipamentos públicos,

escolas públicas e privadas e etc., “Portanto, a consolidação de sua mancha urbana, a

partir da evolução dos loteamentos e desmembramentos, esteve ligada aos processos de

ocupação direcionados no sentido Natal/Parnamirim e não o contrário” (NICOLAU,

2008, p. 82).

Além disso, a redução de ofertas de terrenos urbanos em Natal no eixo de

principal interesse, metropolização sul, ocasionou também a forte mudança para a região

de Parnamirim/RN. Dessa forma, houve um escoamento e forte atuação do mercado

imobiliário na área, construindo inúmeros condomínios fechados horizontais e verticais,

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este último muito mais presente que o primeiro. Esses empreendimentos foram

amplamente divulgados com a ideia de continuação do município de Natal. Entre as

estratégias comentadas por Nicolau (2008), a venda perpassava pela apresentação de

atributos da região metropolitana de Natal (RMN), e não como espaço de Parnamirim,

mostrando, assim, a vantagem de diversas localidades como a aproximação com a capital,

o rápido acesso às praias, aos serviços etc.

Atualmente, o bairro de Nova Parnamirim é considerado uma das espacialidades

que mais crescem em toda RMN. A moradia em Nova Parnamirim representa a vantagem

de residir em uma área de dinâmica relativamente pacata em relação aos grandes centros

de Natal/RN. Trata-se de um bairro dormitório. Nessa perspectiva, Ojima (apud

CLEMENTINO; FERREIRA, 2015) comenta que esse espaço possui deslocamentos

pendulares da população de forma intensa em direção a Natal. Outro fator elencado está

relacionado à criação de vastos serviços úteis como bancos, supermercados etc.

Acompanhado da característica de bairro dormitório, devido à grande atuação

do mercado imobiliário, vários condomínios do tipo clube se instalaram no bairro. Além

dos verticais, podemos citar a existência de muitos loteamentos fechados e condomínios

constituídos de forma horizontais. Esses últimos, alguns sendo de grande porte, no

entanto, localizam-se muito afastados da malha urbana. Em contraste, existem alguns

ligados à malha urbana. Dentre esses, o destaque é o condomínio residencial horizontal

Jardim Atlântico, o de mais alto padrão, se considerada a sua localização, conforme o

mapa apresentado a seguir (Figura 10):

Figura 10 – Localização do Condomínio Jardim Atlântico

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Fonte: Google Maps

Paralelo a isso, residências localizadas em áreas não exclusivas também são

muito presentes, inclusive muitas dessas formam aglomerados subnormais nas

redondezas. Tal fato caracteriza o padrão fractal, devido à fratura entre áreas exclusivas

e pobres. A existência dessas características reforça a ideia da distinção pelo meio da

autoexclusão. Como já discutido anteriormente, trata-se de uma análise espacial. Isso nos

remete à ideia do macroespaço que denuncia alguns fatos, promovendo uma ponte para

adentrar no universo do microespaço. O próximo passo será a exploração na escala dos

bairros exclusivos.

4.4 CONCLUSÃO PARCIAL

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Ao analisar o contexto histórico da formação do bairro de Nova Parnamirim,

podemos observar alguns pontos. Foi apresentada a evolução histórica e ainda a crescente

do mercado imobiliário, junto a algumas nuances específicas de sua atuação. Esses fatores

justificam, de certo modo, o surgimento das tipologias de moradia na RMN. Sendo assim,

evidencia-se a expansão de uma tipologia denominada condomínio fechado,

especificamente aqueles que incorporam a ideia de clube.

As duas tipologias, isto é, a vertical e a horizontal, foram bastante difundidas e

ajudam a identificar, sob um olhar da macroescala, barreiras físicas. Tais barreiras

mostram muito mais do que uma divisão física. Por causa delas há certa aproximação das

camadas mais ricas com as mais pobres, apesar disso, devido a tais defesas, o espaço

contínuo do bairro torna-se fragmentando.

Considerando isso, a atividade imobiliária em Natal em direção às áreas de

interesse turístico culmina no fenômeno de conurbação com Parnamirim, especificamente

o bairro de Nova Parnamirim. Foi evidenciado que isso se deu em virtude de sua

aproximação com as áreas limítrofes de Natal, evidenciando crescimento parecido com o

das áreas de interesse turístico.

O espaço de Nova Parnamirim fora sendo ocupado por vários motivos, entre os

quais, aquilo que caracteriza os movimentos escapistas baseados na fuga do centro, quer

seja por busca de terras mais baratas, quer pela opção de qualidade de vida, típico do

movimento de fragmentação urbana. Desse modo, foi possível estabelecer uma ideia de

formação territorial. Com isso, além de evidenciar certos aspectos que se relacionam com

assuntos comentados em seções anteriores, serve também como alicerce para ajudar a

entender a problemática desta pesquisa.

Assim, evidenciamos a localização de um condomínio em meio à conurbação: o

Condomínio residencial Jardim Atlântico. Tal espaço apresenta muitas das características

que compõem a fratura urbana segundo a ótica da fragmentação urbana. Portanto, do

ponto de vista das relações sociais que esse espaço provoca, como ele influencia na

fragmentação urbana? É o que trataremos na seção a seguir.

5 EXPLORANDO O CAMPO

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Seguindo a sequência planejada para este estudo, observou-se que várias

abordagens ajudaram a explicar o fenômeno da segregação urbana. Diante disso, após

várias contribuições analisadas, encontramos um padrão dito como predominante na

cidade contemporânea, o padrão de segregação fractal. Viu-se, assim, que há uma relação

desse modelo de segregação com a ideia de fragmentação urbana.

Desse modo, analisa-se o espaço a partir do seu modelo de dispersão tendo em

vista um processo de desconcentração produtiva da cidade que, por sua vez, provoca uma

reorganização no modo de consumir o espaço. Tal consumo está ligado a uma espécie de

ideal de exclusividade traduzido na grande expansão dos condomínios fechados.

Evidencia-se o aparecimento dessa tipologia habitacional como um dos sintomas

dessa fragmentação urbana. No entanto, este sintoma é muitas vezes percebido na

macroescala, evidenciando uma suposta lacuna na microescala. Isso se torna relevante

quando observamos que a cidade é a obra dos agentes históricos, o que permite inferir

que a partir disso é possível distinguir a ação do resultado, dos grupos e seu produto

resultante no espaço (LEFEBVRE, 1999). Assim, os elementos, seja da macro, seja da

microescala, são complementares. É a ação desses elementos que produz a cidade,

consequentemente envolve a fragmentação urbana.

Esta seção tem por objetivo mostrar elementos que possam contribuir para

entender a ação descrita, especificamente analisar a vivência do condomínio fechado

Jardim Atlântico e sua relação com fragmentação urbana. Para isso, será necessário

abarcar aspectos teóricos que possam servir como articulação entre a macro e a

microescala. Considera-se, portanto, a teoria dos Campos de Bourdieu (1979) como peça

importante para o entendimento dessa relação. A Escola de Chicago e seus estudos sobre

o cotidiano urbano também irão contribuir na conexão pretendida.

Considerando isso, serão apresentadas as análises da vida cotidiana dos

moradores de Condomínio Jardim Atlântico situado no bairro de Nova Parnamirim/RN.

A respeito dos moradores, elementos importantes serão explorados, tais como: suas

historicidades urbanas e as relações de conflito entre o público e o privado nesse

ambiente.

5.1 PIERRE BOURDIEU: OS CAMPOS E A PONTE PARA RELAÇÃO FRAGMENTAÇÃO URBANA

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O primeiro ponto que se deve levar em consideração é que devemos relembrar

que a cidade é o palco das lutas antagônicas, tal como já discutido ao longo da

contextualização sobre a segregação. Se o espaço urbano se caracteriza dessa forma,

então, podemos dizer que também está incluído nesse jogo de análise as relações poder.

Em uma relação entre espaço e lutas, novos signos serão desenvolvidos (BOURDIEU,

1979). Considerando isso, há indícios de que a teoria de Pierre Bourdieu aparece como

importante para o entendimento do espaço de lutas e da produção de novos signos.

Ademais, será necessário estabelecer as estruturas que se relacionam com a

lógica do avanço do consumo (uso) sobre esse tipo de espaço. Nesse caso, tais estruturas

podem apontar para funcionalidades simbólicas que ajudam a produzir

“operacionalizadores da realidade social30” (COSTA, 2016, p. 1), havendo, nesse campo,

uma relação de dominação.

O uso da teoria dos campos de Bourdieu (1989) é tratado neste estudo na

intenção de apontar como umas estruturas em suas dadas relações objetivas interagem

entre diferentes universos. Isso é possível graças ao refinado relacionamento dessa teoria

com autores que se propuseram a estudar a estrutura e o indivíduo, tais como Durkheim,

Weber e Marx. Tal fato proporciona a identificação de homologias31, isto é, traços

semelhantes em estruturas diferentes. Essas homologias podem ser funcionais ou

estruturais que estão presentes no campo. Assim, o campo seria um espaço em que os

agentes estão dispostos a resistir ou a filiar-se a tais homologias (BOURDIEU, 1989).

A filiação pode ser traduzida em “ilusio” ou prêmios. A conquista desses

prêmios embasa um espaço de lutas entre esses agentes. As lutas pelos prêmios estão

relacionadas ao ganho do conhecimento necessário para atuar nesse campo, traduzindo a

ideia de Habitus. Esse termo é conceituado por “sistemas de disposições duráveis,

estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer,

enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações”

(BOURDIEU, 1992, p. 40).

30 O autor remete a ações dos indivíduos que estão ligados à lógica do funcionamento do

espaço, executada por vezes através de uma imposição.

31 Homologia vem da palavra homólogo, que quer dizer semelhante. Na literatura de

Durkheim (1978), o termo advém da biologia sendo usado quando estruturas de animais

diferentes se mostram similares, apesar de diferentes.

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Dessa maneira, habitus é entendido neste estudo como uma espécie de

engrenagem que tem o poder integrar experiências do passado a partir de um elemento

que é referencial do campo. O resultado disso poderá ser algo não estático, mas flexível

à medida que sua interiorização das regras do campo é realizada.

Em outras palavras, o campo do condomínio age sobre certa lógica que se choca

com experiências passadas em que supostamente se produz uma lógica de consumo desse

espaço. É nesse ponto que a ideia de habitus se torna importante nesta pesquisa, porque

rompe com um paradigma estruturalista, dando espaço relevante para observação da ação

dos agentes no cotidiano, podendo assim caracterizar o campo de lutas simbólicas, uma

vez que tal simbolismo não se remete somente a uma estrutura interna, mas atinge toda a

globalidade, traduzida na fragmentação urbana.

É importante que salientar a natureza deste estudo consiste em uma análise de

um caso. Portanto, o sentido do habitus não se dá de maneira generalizante e sim se

relaciona com a maneira com o que os moradores do condomínio Jardim Atlântico

participam da dinâmica da fragmentação urbana.

Deve-se ainda compreender o campo como espaço estruturado, em que há regras

para se jogar o jogo. É com esse intuito que discutimos como o campo condomínio

fechado no Brasil possui particularidades, suas próprias regras, que devem ser levadas em

consideração. Além disso, há a disposição de regras exclusivas que se concretizam

justamente pelo fato de haver a tal singularidade descrita anteriormente.

Dessa maneira, o Condomínio Jardim Atlântico pode ser caracterizado segundo

sua singularidade, como já apresentado anteriormente, sendo regido por regras específicas

que deverão ser elucidadas ao longo da amostra das análises. Tais regras e suas

transformações indicam indícios da criação de um suposto comportamento necessário

para colocar em vigor um estilo de consumo desse espaço.

Partindo do ponto de análise, será apresentada a estrutura do campo a partir da

ideia das regras do campo. As formulações dessas regras estão relacionadas ao modo de

vida cotidiana desse espaço, de modo que sua evolução perpassa por uma espécie de

habitar 32 , nos termos de Lefebvre (1999), já consolidado, que se transforma em

regulações pré-dispostas.

32 O habitar simboliza a apropriação, de fato, do espaço físico e do ambiente social para a vivência

individual e associativa, e, além disso, para o estabelecimento de trocas, de reconhecimentos, de

experiências e de modos de vida.

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Essas regulações predispostas, no contexto do condomínio se materializam em

documentos de peso legal, cujos principais são a convenção e o regimento interno do

condomínio. Considerando isso, a análise do campo se divide justamente nesse processo

de transformação, sendo, portanto, dividido em duas grandes fases, a saber: (i) Primeira

Convenção e (ii) Segunda Convenção.

5.2 CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO

Diante do exposto, procuraremos definir o que é a convenção de um condomínio

para, em seguida, entrar na discussão que envolve o tema. O documento chamado

convenção de condomínio é um registro que regulamenta todas as normas de vivência e

administração do patrimônio comum. Nesse sentido, as regras só são válidas se

constarem diante da carta maior, que é a própria convenção, podendo ser desmembrada

em outros documentos relevantes, como os detalhamentos orçamentários, o regimento

interno etc.

Cada condomínio tem o poder de redigir a sua própria convenção33 de modo

que essa não contrarie certas leis municipais, estaduais e federais. Essas regras delimitam

como se darão os seguintes poderes decisórios:

1. Assembleias;

2. Multas: contra transgressão de regras;

3. Detalhamento orçamentário

4. Regimento interno: normalmente incluem regras de utilização de áreas

comuns, relacionamento entre moradores e empregados, criação de animais e segurança

do condomínio etc.

5.2.1 Primeira convenção: aspectos importantes

No tocante à convenção do condomínio pesquisado, o registro de regras junto

aos relatos expõe que a primeira convenção usada foi a que a construtora registrou como

modelo, isto é, sem nenhuma alteração, com base em dinâmicas sociais internas. Estavam

33 Lembrando que o registro da incorporadora do empreendimento dispõe de uma convenção

generalista.

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previstas nesse documento regulações que incluem a área de lazer, o uso das áreas de

circulação, o paisagismo, os aspectos construtivos, conforme segue:

DO USO DAS PARTES COMUNS, DOS SERVIÇOS E DE

PROPRIEDADES PRIVATIVAS

Art. 7º – As partes de uso e propriedade comuns, assim como os sistemas de prestação de serviços aos moradores, serão utilizados na

conformidade com seu destino e com observância das disposições

contidas nesta Convenção e no Regimento Interno do Condomínio. Parágrafo único – As despesas com reparação de partes, dependências

e instalações comuns serão suportadas pelos condôminos, ressalvadas,

porém, as exceções expressas nesta Convenção e no Regimento Interno. Todavia, mesmo dentre as exceções referidas, a despesa será

do condômino ou seu autorizado, quando tenha ele dado causa ao

dano (Primeira Convenção do Condomínio Jardim Atlântico).

Não havia outra mais elaborada até 2013 por que o condomínio ainda estava se estabelecendo financeiramente. Contudo, muitos problemas

surgiram em função da falta de segurança jurídica que fazia falta, era

preciso fazer outra convenção com a opinião de todos, uma mais forte e cidadã (Administração Condomínio Jardim Atlântico).

Observa-se, no trecho do documento, que a convenção faz um direcionamento

para o regimento interno. Este último documento era basicamente uma forma de

direcionar comportamentos em contextos gerais dos condomínios, não em específicos de

sua vivência, dada a forma de sua criação.

O termo “forte e cidadã”, descrito pela administração, remete ao movimento

caracterizado pela criação de sua segunda convenção. Sobre o emprego do termo

“cidadã”, tem a ver, segundo as observações de campo, com a aplicação de demandas

internas na regra, conforme o grupo julgou necessário. Tal fato é relacionado

metaforicamente ao termo cidadão. Já o termo “forte” se dá em função de diversas

imposições acatadas devido a condicionantes específicos.

Esse é um exemplo de que alguns fatos cotidianos podem se materializar de

forma reflexiva nesses documentos. Nesse sentido, chama-se a atenção para os fatos não

explícitos, ou seja, que estão por trás dessa materialização. Os condicionantes específicos

costumam ser atrelados a fatos que vão além do contexto interno. Com isso, depreende-

se que não são somente imposições mas também constam outras variáveis que podem

estar ligadas à explicação desses condicionantes. Desse modo, esses documentos

costumam ir além do contexto interno e podem ser a chave para melhor interpretação do

habitus que está se desenvolvendo. Este é primeiro ponto importante a se observar no

cotidiano: os condicionantes específicos.

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Outro ponto importante está relacionado à variável de coerção e coação que o

espaço pode exprimir, vejamos um exemplo:

Algumas pessoas não tinham ainda cultura de morar em condomínio,

isso acarretada alguns problemas e que cabia a administração fazer

algo, porém a falta do peso jurídico atrapalhava. Depois de alguns acontecimentos, tudo melhorou (Administração Jardim Atlântico).

5.2.2 Segunda convenção: mudanças no poder de coerção

Provavelmente, o maior problema do ponto de vista da administração foi a

passagem da primeira fase (1ª convenção 2007-2014) para a segunda (2ª convenção

2014). Pelo fato de a sua redação estar concentrada em parágrafos únicos, as

especificidades das ocorrências não tinham apenas uma interpretação, portanto, o seu

sentido era difuso. Isso representa o aporte jurídico que o administrador mencionou, em

outras palavras, esse agente (administrador) diz que há pouco poder de coerção na

administração. Embora o espaço tenha suas regras, o seu poder era limitado em função

da pouca força no campo jurídico.

Portanto, o segundo aspecto importante na análise se dá no ganho de poder de

coerção e coação do espaço. Isso o caracteriza como algo singular, ou seja, diferente do

que há nos extramuros e se dá simplesmente pela moldagem de sua estrutura a certos

aspectos que devem ser evitados e evidenciados em seus documentos.

Dessa maneira, podemos dizer que há dois aspectos importantes que nortearão

as análises cotidianas: a primeira se relacionada a certos condicionantes específicos que

se externam a partir de aspectos ligados à história e ao habitar; a segunda se dá em virtude

do poder de coerção e coação do espaço, caracterizando-o como espaço singular próprio

da característica quando foi discutida a questão da fragmentação urbana.

5.3 ESTRUTURA DOS CAMPOS: CULTURA DE MORAR, CONDOMÍNIO E DISTÂNCIAS

Avançando no estudo, é importante mencionar que a administração do

condomínio comenta que existe um suposto déficit de crescimento na cultura de morar

nesses espaços. De fato, não há como mensurar essa afirmação, no entanto, podemos

relacionar esse discurso com a emergência do desejo de superar essa suposta “falta de

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cultura”. Considerando isso, há outro elemento que pode ser relacionado ao desejo citado,

trata-se do poder da administração em guiar a situação até o fim do suposto “problema”.

A relação entre esses fatos leva fatalmente à questão já citada, relacionada ao

poder de coerção do condomínio. Nesse ponto, a administração do Condomínio Jardim

Atlântico atua como ferramenta para proporcionar a devida solução ao problema, em

virtude do seu poder estrutural como sendo elo entre os ícones que devem sofrer distinção.

Essa questão pode ser analisada da seguinte maneira: podemos considerar a ideia

dos campos de Bourdieu (1989) que são espaços onde acontecem disputas entre agentes

sociais para se conquistar objetos. Vale salientar que esses campos são também

relativamente autônomos perante outros (BOURDIEU, 1989).

Consideramos a cidade um objeto físico que possui um campo, sendo dotado de

um espaço abstrato que possui seus agentes. Temos ainda o campo do condomínio, que

é relativamente autônomo em relação ao campo da cidade. Ambos são estruturados, ou

seja, a cidade tem sobre sua atuação a sociedade que, por sua vez, atua em cima de regras

jurídicas e também por meio de suas aceitações tácitas, esta última é extremamente

importante. Mas por que são assim? Porque tais aceitações são produtos de conflitos e

concordâncias da sociedade. Dessa forma, se há conflitos, o campo (cidade), quanto ao

seu espaço social, pode apresentar distâncias cujo aspecto físico (localização) não

determina o abstrato (relações). Ou seja, embora o condomínio esteja na cidade, sua

distância social pode ser enorme.

Nesse cenário, as distâncias sociais entre o campo (cidade) e o condomínio

fechado perpassam por certa jurisdição compartilhada34, mas suas aceitações tácitas

possuem diferenças. Isso remete à ideia de exclusividade na própria concepção do espaço

produzido. É justamente por haver essa peculiaridade que o objeto (condomínio) ganha

uma posição no campo (cidade), sua situação será determinada em cima de uma

concepção relacional em que, de um lado, temos o público, os espaços coletivos da

cidade, por exemplo, e de outro o privado, representado pelos condomínios fechados.

Ainda relacionado a isso, se suas aceitações tácitas são diferentes a ponto de

caracterizarem que existe uma “cultura do condomínio”, podemos dizer então que suas

pretensões de existência são antagônicas. O condomínio fechado em seu modus operandi,

é para ser algo que se diferencie em termos de qualidade do que há na cidade. Logo, isso

34 Refere-se aos direitos que, em grande maioria, torna seus moradores cidadãos brasileiros.

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vai determinar também o discurso apresentado pelo termo “cultura”, ligado ao espaço

físico. Todos esses aspectos acabam impactando o próprio indivíduo, fazendo com que o

comportamento deste, considerando seu percurso histórico de vida, deva necessariamente

se adequar ao seu novo campo, com isso, deverá haver uma transposição de capital social

para se adequar à nova cultura que pode ser custosa ou não.

Observa-se, nos primeiros passos da pesquisa de campo, que há algo que deve

ser esclarecido. Segundo o discurso apresentado, há algo relacionado ao modo de

organização dentro do condomínio que ajuda a se obter a “cultura de morar” nesse espaço.

Ainda considerando a ideia de campo de Bourdieu (1979), sabemos que o campo é uma

estrutura em que há um espaço para lutas entre os seus agentes. Assim, pode-se dizer que

a disputa está em torno da valorização do capital do espaço, cuja exclusividade buscada

poderia ser o grande troféu. Para que isso faça sentido, deverá haver a busca por certos

tipos de valorizações.

Essa ideia de valor deve ocorrer no espaço simbólico e físico. No espaço

simbólico, ocorre pelas relações dentro do campo (condomínio), mas que não despreza a

condição estruturante do campo (cidade). Nessa perspectiva, seria possível que essa

valorização fosse relacionada aos comportamentos desses moradores. Sob essa ótica, o

conflito percebido entre os condicionantes do campo (cidade) e condomínio fechado tem

como uma de suas aceitações tácitas a incorporação de um novo habitus para ocorrer

valorização a partir de condicionantes específicos.

Nos termos de Bourdieu (1989), a ideia de habitus deve ser entendida como o

princípio da operação no campo desse condomínio, não generalizando o caso. De início,

poderia integrar experiências vividas como base para o próximo estágio de incorporação,

chamado de “cultura do condomínio” por seus moradores. Vale salientar que pode se

tratar de uma matriz referencial que pode ser mutável, adaptando-se a interesses de

agentes do novo campo (condomínio).

Uma vez compreendido isso, retoma-se atenção para a caracterização da

estrutura do campo (condomínio). Essa caracterização pode ser realizada de duas formas.

A primeira está relacionada ao seu aspecto óbvio, que é seu espaço físico; e a segunda

sobre seu aspecto organizacional. Convém mencionar o aspecto físico por razão de sua

descrição na convenção, tornando sua apresentação oportuna. Já sobre o espaço

organizacional, este está potencialmente envolvido com aquilo que representa o modus

operandi da ideia de campo descrita nesta pesquisa, de modo que seus filamentos

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perpassam para além do aspecto físico e chega até a dimensão simbólica. Observam-se,

no tópico a seguir, suas caracterizações.

5.3.1 Espaço físico

Sobre o aspecto físico, convém citá-lo para situar melhor a leitura da análise.

Sendo assim, além das unidades autônomas, o espaço é caracterizado por conter áreas

verdes de circulação interna, de comunicação com a via pública, as destinadas a

edificações comunitárias. Tais estruturas contêm quadra esportiva, salão de festas,

vestiários masculino e feminino, banheiros masculino e feminino, banheiro com

acessibilidade, salão de jogos, depósito, copa/cozinha, salão de ginástica, piscina adulto

e infantil, deck molhado, deck, raia de 25m, ducha, churrasqueira, playground infantil,

playground juvenil, caramanchão, praça, casa de lixo, área de serviço, varanda,

copa/garçons, hall dos banheiros, guarita, hall de entrada, 07 ruas locais numeradas de 01

a 07 e pórtico de entrada, tudo encravado numa área comum de 15.598,15 m² (quinze mil

quinhentos e noventa e oito vírgula quinze metros quadrados)

Vale salientar que por trás da mera descrição do espaço está a informação mais

rica: trata-se da estrutura que participa da produção e da reprodução de sua dinâmica,

sendo que cada espaço descrito é o lugar de muitas representações que se interligam,

conforme pode ser observado nas Figuras 11 a 13.

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Figura 11 − Planta Locacional – Condomínio Jardim Atlântico

Fonte: Administração Jardim Atlântico

A imagem mostra a divisão dos lotes e a magnitude do espaço do condomínio.

A área comum de lazer é situada próximo da entrada e da administração central, em

seguida, há 7 ruas dotadas de 108 lotes de uso residencial.

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Figura 12 – Planta Locacional 3D – Jardim Atlântico

Fonte: SS Empreendimentos. Planta em 3 dimensões fornecida pela construtora do Condomínio

Jardim Atlântico

Figura 13 − Mapa Situacional – Condomínio Jardim Atlântico

Fonte: Google Maps

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A imagem acima revela o entorno do condomínio. Como se pode notar, o espaço

pode ser considerado uma fratura, pois é bastante singular ao modelo de moradia de suas

redondezas (bairros abertos).

Já no que diz respeito à area de lazer do condomínio (Figura 14), é possível

enxergar a piscina, a administração central, a quadra de esportes e o salão coberto de

eventos/ jogos/ biblioteca.

Figura 14 – Área de lazer

Fonte: Google Maps

Já em relação ao modelo administrativo, este é caracterizado pelos elementos

que se encontram na Figura 15, a seguir.

Figura 15 − Estrutura administrativa do Condomínio Jardim Atlântico

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Fonte: Adaptado da Primeira Convenção oficial do condomínio

Quanto à estrutura organizacional, esta é composta pelos seguintes órgãos:

1. Assembleia Geral

2. Síndico/ Subsíndico

3. Conselho administrativo

4. Administradora

5. Conselho fiscal

Possui como primeiras definições dos órgãos:

1. Assembleia Geral: seguindo a formalidade, a assembleia tem como

função ser uma espécie de arena para discussão sobre temas diversos e sua respectiva

votação, vencendo sempre a simples. Pode ser de caráter extraordinário e ordinário.

2. Síndico: pessoa física, que deverá ser um condômino, compete a ele

administrar e supervisionar os interesses gerais da coletividade condominial, atendendo

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a sugestões e reclamações de acordo com o interesse do condomínio. O síndico tem a

liberdade de indicar um administrador externo (empresa ou pessoa física) para auxiliá-lo

na gestão. Desde essa definição, o condomínio é gerido pelo sistema de cogestão, tendo

como administrador uma pessoa física, funcionária do condomínio.

3. Subsíndico: auxiliar do síndico, que deverá ser, obrigatoriamente, titular

de unidade autônoma do condomínio, cooperando na administração geral.

4. Conselho Administrativo/Consultivo: é composto por (três) membros

efetivos, e 3 (três) suplentes, os quais serão obrigatoriamente titulares de unidades

autônomas e eleitos juntamente com o síndico e o subsíndico.

5. Conselho Fiscal: órgão a quem compete a análise dos atos de gestão

financeira do condomínio, sua escrituração e o correto cumprimento do orçamento

Diante do exposto, as implicações dessa estrutura perpassam pelo problema

apresentado da pouca eficácia no poder de coerção do condomínio. Apesar disso, define-

se, desde o seu início, tal estrutura administrativa que ainda perdura, mesmo com as

mudanças de síndico. No entanto, cabe salientar que os usos de alguns mecanismos só

foram bem explorados pelos moradores na segunda fase do estudo, este seria o conselho

consultivo.

Dessa maneira, fica evidenciado que o caso do condomínio fechado Jardim

Atlântico pode se relacionar à ideia de conflito dos campos presentes na sociologia de

Bourdieu (1989). Conforme explicado, há um antagonismo espacial entre viver em

condomínio ou não, que é percebido no discurso de seus representantes administrativos.

Tal fato se deu em virtude de considerar a existência de uma cultura de morar em

condomínio, que deve ser diferente daquilo que representa morar nos bairros abertos.

Com base nisso, identificam-se indícios que podem estar relacionados à fragmentação

urbana sob o ponto de vista da microescala. No conjunto da dinâmica entre os campos e

o habitus, a fragmentação urbana poderia ser mais bem qualificada. Desse modo, esses

são os aportes para explorar a vivência dos moradores.

5.4 O CONFLITO: DOMINÂNCIA E SUBVERSÃO

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A esfera do conflito por vezes é associada a uma disputa entre duas ou mais

posições. É comum que essas disputas delineiem a dominação de um pensamento ou ação.

Sendo assim procuraremos identificar esse processo de acordo com a proposta do trabalho

5.4.1 Diferença nos campos: a antiga moradia

Considerando o contexto dado, o que afinal poderia representar morar em bairros

abertos? E o que de fato se contrapõe ao modo de morar no condomínio fechado? Os

bairros abertos não estariam propensos a ter conflitos, diferenças, hierarquias, barreiras,

regras? O que os tornam diferentes? Levando em conta o conceito de campo como origem

dos valores sociais (BOURDIEU, 1989), pode-se considerar que esse é o espaço legítimo

dessa gênese. Portanto, somente observando esses dados, valores sociais, que se pode

determinar aquilo que predomina. O campo é o espaço do conflito e seus valores sociais

ganham pesos diferentes a cada mudança, logo, sua característica de dominância e

subversão também alterará.

O campo (condomínio), conforme já apresentado, exprime posição social

relacional situada em um eixo cujo seus extremos são o público e o privado. A esse

respeito, Sennet (1998) comenta sobre a perda do espaço público em detrimento do

privado. Podemos, então, visualizar as características da posição em que se encontra o

condomínio, no eixo comentado.

Nesse sentido, pode-se inferir que se no campo (cidade) existe um conflito entre

o público versus privado, a partir disso, haverá uma perda do espaço público. Isso se dá

em virtude de uma espécie de empuxo, que é uma força que atua como elemento de

impulsão, logo, esta é exercida, a partir de características variantes, em um caminho que

privilegia o aspecto privado. Relacionando com Bourdieu (1989), a particularidade que

compõe o movimento de privativo, para os moradores, seria um grande troféu com

características peculiares. Isso é caracterizado por uma construção social que tem

capacidade de transbordar o sentido do intramuros.

No campo (condomínio), supõe-se que esse efeito se traduz na repulsão de certos

simbolismos públicos cooptados durante a trajetória singular de cada indivíduo. A

repulsão se trata do conflito causado pela estrutura do campo (condomínio), colocada para

que os princípios dominantes ganhem estabilidade mesmo que destruam os simbolismos

já cooptados. Isso é de um simbolismo enorme, pois os dominantes conservam a ordem e

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os subversivos a seguem. No entanto, por vezes, os dominados agem como subversivos,

procurando desestabilizar a ordem dada.

Nessa perspectiva, questionamos: considerando o conceito de campo inerente ao

espaço desse conflito, como se daria a exibição dos valores sociais no bairro comum de

modo que sua relação na transferência de capital do campo (bairro comum) para o campo

(condomínio) cause tamanho choque? Essa relação pode ser observada a partir de seus

próprios moradores.

Comentando sobre sua moradia, o morador 1 faz referências sobre sua antiga

residência:

Morar aqui é muito bom, ultimamente o pessoal tem se aproximado mais e

também temos bastante lazer, atividades e segurança que é o que falta lá fora.

É até chocante quando lembro da minha antiga moradia, lá por volta dos anos

80, no bairro de Capim Macio. Eu conhecia muita gente da vizinhança, sabe?

Tinha muita gente boa, trabalhadora... sabia-se quem era marginal de cara por

que todo mundo já sabia que essas não queriam nada com trabalho. As ruas

eram trafegáveis, poucos carros, sabe? Dava pra andar de bicicleta até a praia

de Ponta Negra com os amigos sem problema. Ir além dos limites do bairro era

gostoso, era bom conhecer coisas novas [...]. Tinham coisas em Ponta Negra que não tínhamos em Capim Macio, a própria praia, né? Também tinha a praça

da caixa d’água. Era um desbravamento da cidade [...] quando voltávamos para

o nosso bairro também sentia um alívio porque era o lugar que eu já conhecia

quase todos (Morador 1, servidor público, 48 anos).

O trecho evidencia fragmentos do cotidiano construído pelo morador 1. Não só

elementos do seu cotidiano mas também alguns aspectos de seu habitar. É nesse cotidiano

que ele exprime algumas de suas atividades, muitas delas voltadas ao lazer. No entanto,

chama-se a atenção para a descrição feita das pessoas residentes no bairro. De acordo com

o morador, elas são conhecidas, inclusive os “marginalizados”. Além disso, menciona as

frequentes saídas dos limites do bairro, evidenciando certa euforia com a descoberta do

que estava além dos limites.

O bairro, para ele, não era apenas um recorte territorial, por mais que em alguns

momentos considere dessa forma. Por exemplo, reconhece que o bairro pode ser o lugar

de certos tipos de equipamentos urbanos em que poderia desbravar o espaço para achar o

que de fato queria. De fato, ir para outro bairro perpassa pela ultrapassagem de limites,

mas há um reconhecimento de que o deslocamento realizado acontece na cidade. No

entanto, o retorno ao seu bairro de origem parece ser reconfortante.Tal fato se torna

relevante, pois o bairro é o espaço onde seu habitar se desenvolve mais livremente. Há

identificação, socialização reconhecida e, portanto, laços de pertencimento.

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Ir para caixa d’água era uma coisa curiosa. Nós chegávamos lá e botávamos as

bicicletas na grama, bebia água da torneira e as pessoas ficavam olhando para

gente. Pegávamos bola de papel, jogava na grama e sempre tinha a sensação

de que estavam olhando pra gente, mas nunca proibiam. Eu acho que isso era

o que trazia o conforto do meu antigo bairro, porque eram coisas normais fazer

isso, não acha? Além disso, nossa área não tinha problemas com água de chuva,

tinha canto ali que alagava. Era melhor onde eu morava mesmo (Morador 1,

servidor público, 48 anos).

Essa descrição sobre suas atividades na praça de outro bairro evidenciam práticas

habituais, habitus para ser mais preciso, o que fica evidenciado na sensação

“inexplicável” de estar fazendo algo digno de observação (jogar bola na grama da praça).

Para ele, poderia ser algo normal e desviante para outros que observavam. No entanto,

não menciona que havia proibições. Além disso, em seu discurso, o bairro comum ao

visitante também apresenta problemas, sendo o seu refúgio consolativo o seu próprio

bairro.

Dessa forma, o bairro descrito pode ser interpretado como algo que é público,

mas carregado de privações simbólicas No entanto, tais privações não o impediam de

participar e compartilhar um estilo de vida, pois mora em um bairro em que não há praias

e se desloca para outro em que há. Isso acaba implicando um estilo diferente de bairro.

Outro aspecto importante referente às privatizações é o fato de que os moradores do bairro

de origem aparentemente se reconhecerem como semelhantes, e observam os estranhos.

Assim, embora permeado de individualizações, o bairro é também público, pois não se

restringe, nesse caso, a um determinado grupo social.

Park (1970) já comenta sobre a organicidade dos bairros. A flutuação da

população (viajantes na cidade), o trabalho, a religião etc. são fatores que explicam que

um bairro comum sempre necessitará de outro grupo para seu funcionamento. É esse

movimento que qualifica o elemento do bairro comum como pertencente a um grupo, mas

público a outros. O fato de se reconhecerem e de ser observarem os estranhos está ligado

muito mais a outras formas de barreiras, as simbólicas, nos termos de Bourdieu (1997), a

partir de acepções dos moradores que estão estabelecidos (ELIAS, 2002) no espaço.

Isso tudo começou a mudar com cada vez mais pessoas fazendo casas

clandestinas por ali em Ponta Negra. Logo, muitas pessoas desconhecidas

ficam circulando por ali, já dando uma sensação de alerta. Antes a gente sabia

que provavelmente quem não trabalhava era meio que pedinte, mas depois não

tinha como saber. Começaram muitos assaltos, a praça da caixa d’água ficou

muito perigosa, deve ser até hoje. As pessoas foram se mudando ou comprando apartamentos em condomínios que estavam construindo durante os anos

noventa (Morador 1, servidor público, 48 anos).

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Esse trecho nos revela outra característica representativa dos bairros abertos para

o morador 1. O bairro muda à medida que a situação de conforto se altera. Os conhecidos

e trabalhadores estão se dispersando, visto que há a introdução de uma espécie de extrato

intruso no bairro. Isso pode ser relacionado à reconfiguração simbólica à medida que

certas classes sociais vão ganhando mais ocupações sociais (BOURDIEU, 1997).

A alusão a esse fato também perpassa pela ideia do trabalho, bastante repetida

no discurso. Simbolicamente, o ser honesto, para alguns dos entrevistados, está ligado à

ideia de trabalho, logo, quem não é parece estar na marginalidade. Tal fato é colocado por

Wirth (1987) não somente ligado ao ato de trabalhar mas também pelo dinheiro. No caso,

a forma como se ganha os recursos financeiros, isto é, por meio do trabalho, é o grande

nivelador das relações no cotidiano. Essa proliferação de estranhos, que se relaciona com

indivíduos com potencial de marginalidade, causou para o entrevistado a sensação de que

algo ali estava se perdendo.

A ideia de normalidade é também vista em Park (1987) como aquilo que passa

a ser normal é justificado, ou seja, torna-se aceito pelo grupo da comunidade. Se

porventura houver desvios do que é aceito pelo grupo, haverá quebra da normalidade. Tal

fato pode gerar problemas potenciais no que diz respeito à presença do “estrangeiro”

(estranhos na vizinhança). Nessa direção, Simmel (1987) mostra que a existência desta

diferença é indispensável para compreender novas reconfigurações no bairro, e isso pode

dar origem a outras possibilidades de práticas sociais.

Dessa forma, o bairro comum, nesse caso, levanta alguns valores importantes

carregados de similaridades e diferenças. Sobre as similaridades, o bairro também possui

limites, que não podem ser traduzidos somente em limites físicos mas também em

conforto natural no espaço. Tal conforto perpassa pelo conhecimento de seus

semelhantes, dos espaços com valores simbólicos, entre outros. Mais uma vez, para os

entrevistados, o indivíduo de bem está diretamente relacionado ao homem que trabalha:

Eu adorava meus vizinhos. Eram todas pessoas de bem, trabalhadoras, os

conhecia e tinha aquela solidariedade. Eram o tipo de pessoa que você vê e não

sente hostilidade. Sentávamos na calçada às 16h, todo dia e botávamos nossos

filhos para brincar na rua até perto das 18h. Minha vizinha antiga virou minha

amiga, a conheço há mais de 15 anos. Qualquer festa aqui, eu a chamo, mesmo

morando longe. Tinha também a vizinha dela que eu achava estranha, mas logo

fui me adaptando porque ela sentava junto a nós. Tínhamos esse costume,

sabe? Depois compramos nosso cachorro, passeávamos até duas ou três ruas

além da nossa. Víamos sempre a mesma coisa, íamos na padaria. Até isso eu

sentia falta, porque eu conhecia a dona da padaria, tinha até uma conta lá e a

comida era ótima, aqui é ruim. [...] Cidade Satélite era muito bom de se viver por causa dos vizinhos, minha casa era velhinha também, em comparação a

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esta atual. [...] mas aí começou a ficar muito esquisito, pessoas estranhas

andando por lá, brigas entre times rivais e acho que tinha bastante drogas além

do sistema de iluminação ser precário e as chuvas35 também atrapalhavam.

Essa situação me fez ficar muito acuada em casa, era diferente daquilo que já

foi um dia. Se pudesse moraria aqui (condomínio) com os meus vizinhos

(Morador 7, 42 anos, engenheiro civil).

Os episódios descritos representam a transcendência da intimidade local em que

o vínculo afetivo se forma. Nessa direção, Prost e Vincent (1992) comentam que tais

vínculos podem perdurar no tempo e no espaço, especificamente no local público,

conforme descrito pelo morador 7 e 1. Suas experiências se passam onde exatamente essa

transcendência se deflagra: no espaço público. É aí que se dá o conhecimento da

intimidade, a aversão etc.

Esse tipo de discurso, remetendo ao passado, foi bastante repetido em várias

entrevistas. Na ocasião, observamos aspectos importantes tais como: (i) situa a posição

dos indivíduos por meio do trabalho; (ii) pessoas desconhecidas provenientes das últimas

transformações do bairro eram taxadas como marginais. Ressalvam-se ainda situações,

como no caso do morador 7, que fez amizade com uma dita “estranha”, a partir do desfrute

do espaço público junto a tal pessoa. Esse fato nos leva ao grande cerne sobre a

representação das antigas moradias dos condôminos. Os espaços formados por ruas,

bairros etc. são heterogêneos e perpassam por grande dinâmica que envolve parte da

formação imaginária. Interações que podem levar as relações a se homogeneizar, mas

também se sedimentam em função de um habitus de confiança baseado em algum grau

de solidariedade. Essa dinâmica é similar ao que Sarti (1994) fala sobre a identidade social

[...] o vizinho torna-se seu espelho, “o real imediato”, o reconhecido e

semelhante que serve de parâmetro para elaboração de sua “identidade social”,

mesmo que ambientada em uma atitude ambivalente de aproximação e

hierarquização com o imaginário social mais amplo em que está inserido

(SARTI, 1994 apud ALMEIDA, 2011, p. 79).

Sob essa ótica, Park (1987) afirma que a vizinhança é considerada uma unidade

social e que devido aos seus contornos e a uma estrutura orgânica interna, suas reações

poderiam ser equiparadas à mente social. O autor chama ainda a atenção para o fato de

que as forças de uma vizinhança tendem a se dissolver em tensões. Os interesses podem

35 As chuvas neste bairro costumam causar transtorno, visto que se formam lagoas nas ruas,

problema típico de falta de saneamento básico.

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convergir para uma situação mais ideal, ou, no caso urbano, podem sofrer isolamento em

relação a outros grupos.

As mudanças no espaço urbano é outra característica da vida nas grandes

cidades. Muda-se com muito maior frequência de casa e de emprego, com isso, as relações

de vizinhança e de amizade também podem ser instáveis. O grande cerne está nas

entrelinhas, pois apesar das aproximações e das distâncias dadas, as diferenças sempre

circulam e isso cada vez mais gera enriquecimento, formando vínculos com base em suas

identidades. Esse poderia ser o ponto natural em relação à sociabilidade. A distância

citada está relacionada às condições que, para os entrevistados, quebram a normalidade,

o justificável. Por sua vez, a sensação de rebuscar isso leva também a repelir o próprio

espaço de identificação (antiga moradia).

Tais condições de quebra de normalidade se dão em virtude dos “males da

cidade”. Além da questão de desconfiar do estranho, são relatados, diversas vezes,

problemas estruturais envolvendo serviços básicos. Entre os mais citados, podemos

mencionar a iluminação pública, a falta de saneamento, as paradas de ônibus distantes,

entre outros.

Meu antigo bairro (bairro dos professores) se tornou perigoso. Além disso,

tínhamos problemas com saneamento em algumas partes. Iluminação era algo

terrível, o bairro foi se tornando perigoso. Possui uma grande praça, mas sabe-

se lá quem frequenta, o que dá segurança ali é a igreja ao invés do Estado

(Morador 9, servidor público, 41 anos).

Isso nos aponta uma forte vertente ligada à percepção desses moradores: a falta

de urbanidade36. Esse termo é dado na ciência do urbanismo de forma bem ampla, mas

podemos englobar em seu sentido aspectos ligados à diversidade nas ruas, à alta conexão

entre o espaço público e o privado, à diversidade no transporte etc. Ao comparar esses

fatores com a visão dos moradores, a principal queixa em relação à falta de urbanidade

estaria em torno dos serviços prestados pelo Estado e sua baixa eficiência, tal como a

segurança, a iluminação etc.

36 A literatura mostra que a ideia de Urbanidade é polissêmica. Segundo Saboya (2011), o

conceito envolve a utilização do espaço público por diversos perfis sociais na interação com

espaços privados. Além disso, pode envolver os modos de transporte na cidade, interação

entre grupos sociais que desencadeia a vida cotidiana. Vale salientar que o aporte para essas

atividades perpassa pela existência de estruturas e condições vitais para elas existirem

corretamente, como, por exemplo, serviços básicos de segurança.

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Podemos dizer então que tais relatos servem como parâmetro sendo

evidenciados os anseios sentidos antes da vida em condomínio, especificamente os que

remetem à vida de alguns novos moradores cuja historicidade urbana advém dessa

tipologia de bairro. A esse respeito, foram elencados valores como: (i) territorialidade: o

bairro, apesar de ser aberto, exprime uma territorialidade, no entanto, isto está

condicionado a disputas por territorialidade à medida que o estranho vai sendo percebido;

(ii) interdependência: nos termos de Park (1987), o bairros abertos estão propensos à

constante mutação social, por ora, observa-se seu grupo característico, mas logo outros

podem chegar; (iii) choque de diversidade entre classes sociais; (iv) serviços ou atividades

específicas: ter esses dois elementos garante também a transição entre os espaços, ação

que reforça termos anteriormente citados.

5.5 DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM

ATLÂNTICO

Neste estudo, já foram ressaltados alguns anseios de acordo com os relatados dos

moradores do condomínio em tela. Tais anseios estão diretamente ligados a uma espécie

de dificuldade de adaptação às crescentes mutações sociais em detrimento das mudanças

que a cidade sofre. Essa dificuldade se deu em função de dois grandes pontos (i) dinâmica

interna; (ii) dinâmica externa. A primeira está relacionada à perda da territorialidade a

partir do estranhamento da vizinhança e a segunda está pautada no desbravamento de

outros bairros, ponto que acaba reforçando a interdependência dos bairros por meio dos

fluxos de migração.

Esses dois pontos formam a complexidade das representações dos bairros. Nesse

sentido, percebe-se a diferença entre essas comentadas através da percepção dos

moradores referente à sensação de falta de organização, serviços básicos e crescimento

do crime. Dessa maneira, considerando o condomínio como uma espécie de contraponto

da cidade, conforme relatado já relatado, quais seriam os pontos significativos que

efetivam esse contraponto sobre a ótica dos moradores?

Observar essa questão remeterá ao cerne desta pesquisa, que é desvendar como

um condomínio fechado em Nova Parnamirim acirra a fragmentação urbana desse lugar.

Esse tema será tratado como segundo tempo das entrevistas, que diz a respeito à vivência

interna no condomínio fechado, sendo pautado nos movimentos de ocupação e de

desenvolvimento da manutenção do espaço concebido.

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A etapa de ocupação acontece em meados de 2007, chegando a quase uma

ocupação de 100% no ano de 2012. A construção do espaço foi feita durante o movimento

de migração para o bairro de Nova Parnamirim/RN, pela construtora SS

Empreendimentos, que ficou responsável também pelas vendas. Os slogans de vendas

convergiam para o discurso do contraponto da cidade, isto é, a apresentação de um espaço

privilegiado por sua estrutura, conforme a imagem (Figura 16).

Figura 16 – Folder de venda do condomínio

Fonte: SS Empreendimentos

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A mensagem é enfática sobre sua notória vantagem de estar em meio urbano,

mas ter uma estrutura que preserva a natureza em virtude de seu projeto paisagístico.

Considerando isso, a mensagem ganha tons afrodisíacos para os moradores:

Morar aqui foi uma opção que fiz. Temos toda uma estrutura à disposição,

todas as nossas necessidades são atendidas em menor tempo se comparado a

alguma coisa que for ser feita pela prefeitura, incluindo a segurança. Sem falar

da casa que é nova e como seu sempre quis (Morador 5, advogado, 42 anos).

O discurso apresentado ilustra o encantamento com a estrutura que o espaço

oferece, sendo, portanto considerado o primeiro ponto de interesse segundo os moradores.

Assim, sobre a estrutura, foram muitos os que apresentaram o argumento do projeto

paisagístico, da praça de lazer, da segurança e da organização na limpeza.

Além de tudo que existe aqui, a casa foi um grande atraente para mim. Morava

em um conjunto de apartamentos, era um prédio só e pequeno. A casa aqui é

um bem-estar pra mim e reforça a qualidade de vida deste condomínio. Além

disso, veja só esse lugar, estamos na cidade, mas parece que não estamos, é um lugar tranquilo sem caos e agitação. Às vezes até parece que ninguém mora

aqui, retarda o dia, eu diria (Morador 11, servidor público, 37 anos).

Aqui tem as pessoas que limpam, tem as pessoas que comandam e tem as

pessoas que ajudam pra manter limpo... Aqui nem se compara, aqui é ótimo,

em termos de tudo (Moradora 3, aposentada, 65 anos).

É evidente que no discurso a casa é uma chamativa, sinônimo de bem-estar. No

entanto, chama a atenção a busca pela chamada tranquilidade em detrimento do

afastamento do caos e da agitação. Esses dois elementos simbolizam de maneira rasa o

que o morador 11 percebe da cidade. Para ele, é o local do caos e da agitação, o que difere

do condomínio que se constitui como espaço onde há a paz, a ponto de poder fazer uso

da metáfora do tempo que para, em função da não percepção da agitação. Da mesma

forma, a moradora 3 elenca a limpeza como um ponto chave de diferenciação no

condomínio, algo que ela destaca por funcionar da maneira que ela entende como

adequada e que, segundo ela, não costuma acontecer em ambientes públicos.

Dessa maneira, sobre o aspecto estrutural, percebe-se um ponto importante para

o delineamento da análise. Nesse caso, há uma visão de que pelo condomínio é possível

fugir de certos problemas urbanos representados, através dos moradores, pela busca por

tranquilidade ou organização. Apesar disso, caracterizar esse movimento somente pelo

aspecto físico se torna incompleto para adentrar sobre o conteúdo social, visto que o

espaço é reflexo também da prática social (LEFEBVRE, 1999).

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Assim, pode-se lembrar de um aspecto ligado à vida nos bairros comuns, a

vizinhança. Analisar pelo ponto de vista da estrutura remete a deixar de lado o aspecto

social, traduzido inicialmente pela vizinhança. Segundo Rivlin (2001 apud ITTELSON

et al, 1974, p. 13): “não há ambiente físico que não esteja envolvido por um sistema social

e inseparavelmente relacionado a ele”. Por conseguinte, a forma como o espaço físico se

manifesta no discurso dos moradores é apenas uma pista sobre a ação do sistema social

sobre o espaço.

Nesse sentido, Marx (2013), ao falar sobre a caracterização de um sistema social,

remete à compreensão de sua história. Não somente ele, mas o próprio Lefebvre (2001),

especificamente sobre a potencialidade do presente explicado pelo passado, mostra que,

nos estudos urbanos, isso pode representar uma coexistência de representações ajudando

a entender o espaço urbano e seu cotidiano. Essa questão pode ser estudada a partir dos

relatos sobre a ocupação inicial do espaço e a formação de sua gênese social interna.

O condomínio Jardim Atlântico inicialmente foi ocupado por poucos moradores.

Entre os 108 lotes, menos de 15 eram ocupados, isto é, estavam com residência

construída, uma vez que havia aqueles que apenas adquiriram o terreno para

posteriormente construir suas moradias. Segundo os relatos expressos nos discursos dos

moradores, no início da ocupação, não havia ainda um sistema administrativo dotado de

poder de coerção e coação consolidado.

Dessa forma, os primeiros anos (2007-2010) foram caracterizados por períodos

“assombrosos” (segundo os entrevistados), devido a atos considerados “extravagantes”,

conforme relata o morador 4:

[...] com o tempo que se foi comprando e levantando as casas, o que acontecia?

As pessoas proprietárias dos lotes vinham para cá e usavam isso como se fosse

um clube e faziam coisas desagradáveis. Tudo isso em função de não ter

normas claras, era uma desordem total, parecia qualquer bairro desses aí que

você vê. Encontraram camisinha na academia, cigarro de maconha etc. Isso

tudo porque isso aqui não se constituía condomínio ainda, as pessoas não via

o espaço assim. Observam como um clube porque você paga condomínio e usa

como quiser (Morador 4, servidor público, 30 anos).

[...] a área de lazer parecia aquelas praças que todos fazem o que querem [...]

aqui era para ser diferente, sempre foi. Quem compra casa aqui já espera por

isso, não pode agir de qualquer forma senão vira qualquer coisa (Morador 2, do lar, 31 anos).

Essa situação evidencia o início da primeira fase (1ª convenção 2007-2014) de

organização do condomínio a partir da convenção interna. Segundo a administração do

condomínio, a primeira convenção era muito geral, deixava muitas situações sem

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especificidade de ação. Devido a isso, seu poder jurídico tornava-se fraco em caso de

confronto entre morador x administração. Por exemplo, o regimento interno apresentado

nesse período prevê certos tipos de proibições, mas que não se sustentam. Ou seja, o

morador que quisesse contestar a decisão da administração sobre determinada conduta

poderia entrar na justiça e facilmente vencer. Isso se dá em função de suas cláusulas

generalizantes, o que não condizia com a dinâmica social interna. Era como se fosse algo

aplicado automaticamente com o intuito de apenas fazer valer a ordem.

A administração relata que a solução para esse problema seria redigir uma nova

convenção e, por fim, criar um novo regimento interno baseado em assembleias realizadas

pelos moradores. No entanto, salienta a administração que não havia recursos financeiros

suficientes para realizar tais trâmites. Desse modo, a administração passa a agir de

maneira provisória distribuindo advertências aos infratores. Essa ação não teve muito

impacto, pois as tais situações comentadas pelos entrevistados continuaram.

Nesse percurso, durante as entrevistas, o morador 6 se identifica como uns do

que levaram tais advertências:

Eu discordo um pouco (sobre a haver desordem total no condomínio), acho

que o pessoal exagera nas reclamações por aqui. Sempre há uma pressão para

controlar nossos passos, se pudesse traria minha vizinhança antiga pra cá, por que pense em um pessoal incomodado. Ninguém podia fazer nada aqui que

era a administração olhando, outro fulano também, como se fosse um crime.

Quero fazer um churrasco na piscina com meus convidados, não pode por

causa do número restrito! Chamo para fazer em casa, a vizinha aqui vai e

reclama! Sempre teve essa pressão. Já levei essas advertências chatas, acho

que é uma medida para controlar o que não se pode, o lazer de uma pessoa.

Sempre fui acostumado a me divertir e querem regrar tudo isso (Morador 6,

biólogo, 29 anos).

O discurso do morador 6 é raro de ser admitido, pois passa a se colocar como

infrator que está tentando ser “controlado”. Isso remete à ideia dos campos, nos termos

de Bourdieu (1989). No campo (condomínio), há conflito para a sobreposição de um

comportamento a outro. Nesse sentido, elencamos alguns pontos: podemos dizer que o

primeiro está ligado ao custo de migração dos campos, há um comportamento específico

nos indivíduos, como no caso do morador 6, que faz com que ele sinta dificuldades em

reprimir certos costumes que possui na bagagem na sua vida. O morador 6 optou por

morar em um condomínio fechado, logo, as regras nesse campo se diferem de seus

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costumes que certamente não eram reprimidos em seu antigo campo (cidade). Por

conseguinte, essa conversão é bastante custosa.

Esse fato evidencia a característica da sobreposição de regras típicas dos espaços

fragmentados, a própria sensação de “estar fazendo um crime” evidencia tal afirmação.

Nesse caso, entende-se por crime um dado comportamento habitual que não deve ser

repetido nesse espaço. Ou seja, trata-se de uma nova regra institucionalizada no

condomínio que se sobrepõe a um dado comportamento comum proveniente de seu antigo

habitat, gerando assim um choque imediato de expectativas ligadas à satisfação de

necessidades e de um potencial início de conflito.

Nessa dinâmica da procura de satisfazer tais necessidades, nasce uma imposição

direcionada a todos, mas que atinge aqueles que não estão adaptados. Essa imposição

notadamente não gera um conceito literal de habitus, mas algo que se assemelha a isso e

é específico desse local. A noção de habitus quebra o paradigma estruturalista e é

colocado por Bourdieu (1989) como algo de imensa amplitude. Esse comportamento é

específico do local e, portanto, é similar ao habitus

Considerando isso, notamos as considerações sobre expectativas e necessidades.

É interessante notar a forma como Rivlin (2003) enxerga a relação dos indivíduos com os

ambientes. Vários desses lugares, que são vivenciados ao longo da vida, têm um valor

simbólico importante e acabam constituindo uma memória afetiva, que persiste e

influencia as experiências com novos lugares.

Vale ressaltar que esses ambientes marcam as vidas tanto em aspectos ditos

“positivos” como “negativos”. Ao habitar um novo ambiente, carregamos todas essas

experiências e, de alguma forma, acabamos por influenciar uma modificação daquele

espaço. Trata-se de uma adaptação, mas também de um esforço para alterá-lo na tentativa

de atingir os objetivos de se estar naquele novo lugar.

A experiência do morador 6 é emblemática no sentido que evidencia um

comportamento peculiar consolidado e outro que está a sua frente. Os indivíduos podem

experienciar ambientes de modos diferentes “dependendo de nossa personalidade,

bagagem étnica, fé religiosa, ou simplesmente, nosso humor do momento, o que

experienciamos pode ser uma distorção do mundo objetivo (ITTELSON et al., 1974), ou

mesmo da experiência com ambientes anteriores. Esse indivíduo, ao não concordar com

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a imposição comportamental que o ambiente exige, exprime exatamente aquilo que falta

para completar sua satisfação com o local. Provavelmente, para ele, realizar festas,

churrasco etc. é considerado válido. Deixar isso de lado representa um abandono de um

costume enraizado.

De uma forma geral, a primeira fase também evidencia o espaço do condomínio

fechado como local para satisfação dos objetivos previstos para aquele lugar (RIVLIN,

2003). Isto é, formado a partir da bagagem vivencial de um indivíduo, do choque com a

realidade urbana, frente a alternativas para essa realidade (propaganda) e ao

estabelecimento no condomínio. Toda essa dinâmica gera uma expectativa que está ligada

diretamente à experiência urbana de cada morador. Ter um espaço com organização é o

consenso desses moradores, e, portanto, legitimado pela administração, deve ser imposto

a todos.

A imposição gera um conflito que coloca em xeque comportamentos comuns,

muitas vezes ligados à recreação, que não são mais aceitos. Para ese indivíduo que não

aceita de maneira rápida, há uma quebra de uma das expectativas que envolvem o

consumo do espaço para recreação a gosto, evidenciando uma exigência de adaptação a

esse ambiente.

Com o decorrer desses eventos, a busca por impor ordem no uso do espaço

trouxe algumas consequências. A situação se desenha de maneira que a todo instante

passou-se, conforme relatado pelo morador 6, a fiscalizar qualquer tipo de evento

comemorativo de caráter particular, em função do uso da área de lazer e da criação de

outras atividades. Assim, esse processo de forte regulação causou dois grandes efeitos: o

primeiro está relacionado ao desenvolvimento de cultura exprobrar; e o segundo está

ligado diretamente a uma espécie de esterilização das relações de sociabilidade.

Exprobrar é um sinônimo de recriminação, sendo assim, ação da administração

com relação à fiscalização do espaço fez com que alguns moradores passassem a sinalizar

situações consideradas errôneas de maneira mais espontânea. Essa sinalização tem a ver

com a acusação de algum fato indicado por um indivíduo, dirigido a algum vizinho. Dessa

forma, em meio a tantas sinalizações de um sobre o outro, logo foi surgindo certo

distanciamento entre os moradores em função disso.

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Nesse estágio, é evidente a lógica de consumo e a ordenação do espaço no

intramuros. Realizando uma rápida observação sobre o regimento vigente na época,

podemos observar o parágrafo introdutório com as devidas normatizações do espaço, de

início com regras gerais e, em seguida, com regras específicas no que diz respeito à

maneira de se portar nesses espaços.

INTRODUÇÃO

Este regulamento foi elaborado com os seguintes objetivos: - Estabelecer as normas que proporcionarão a conservação dos bens comuns

do condomínio;

- Estabelecer uma padronização visual das edificações para favorecer o

embelezamento estético;

- Estabelecer regras de convívio entre os condôminos para um melhor desfrute

das áreas comuns;

Foi dividido em 4 blocos de normas que estarão sendo aprovadas na convenção

do condomínio a se realizar em breve

1 – NORMA REGULAMENTARES

2- NORMAS DE ADEQUAÇÃO E APROVAÇÃO DE PROJETOS RESIDENCIAIS

3 – NORMAS PARA TRÂNSITO DE TRABALHADORES E MATERIAIS

PARA CONSTRUÇÃO DE RESIDÊNCIAS

4 – NORMAS PARA UTILIZAÇÃO DA ÁREA DE LAZER E ÁREAS

COMUNS (Regimento Interno do Condomínio Jardim Atlântico, 2008–2015)

Especificamente em relação ao item 4.11, que trata do uso da quadra de esportes,

temos as seguintes normas:

4.11 - Utilizações da quadra de esportes

- A quadra poliesportiva (vôlei, basquete e futebol de salão), estará livre para

utilização pelos condôminos, seus dependentes, agregados, hóspedes e

visitantes desde que respeitadas.

As regras de utilização;

– Não é permitido adentrar as quadras com sapatos de salto alto ou impróprios,

ou ainda com patins, skates, patinetes, bicicletas, velocípedes, ou com qualquer

objeto que possa causar dano ao piso, às redes e telas; (Regimento Interno do

Condomínio Jardim Atlântico, 2008-2015).

Ao observar essas normatizações, nota-se que há uma lógica de consumo do

espaço baseada em regras que devem ser naturalmente cumpridas. No entanto, a

determinação desse uso perpassa por uma lógica de planejamento e ordenamento advinda

de uma espécie de blocos zoneados. Realizando uma alusão com planos urbanos, Mello

(1982) comenta a definição do termo zoneamento como uma espécie de busca pelo

objetivo de desenvolver mudanças nos padrões de consumo na cidade e ainda diminuir

custos e evitar desperdícios por meio de ações sustentáveis.

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Nota-se que essa definição é algo que advém do campo (cidade) como tentativa

de aperfeiçoar a abrangência dos termos descritos. Nessa perspectiva, chama-se a atenção

para sua aplicação no campo (condomínio). Desenvolver mudanças no padrão de

consumo, por meio da manutenção de custos está diretamente ligado ao modo utilização

do espaço. Segundo Marchesini (2000), a importância da consumação de um determinado

objeto, no caso o espaço, está diretamente ligada ao crescimento de seu valor de uso e,

por fim, culmina em um valor de troca que gera capital.

Crescer o valor em relação ao espaço, no tocante aos moradores, perpassa

também por uma mudança de seus hábitos. Somado a isso, a questão resulta na

valorização e no crescimento de seu valor de troca. Essa observação pode ser

aprofundada para outro patamar não somente envolvendo valores/espaço estruturantes

mas também valores sociais, o que justifica a mudança de hábitos. Nesse momento, a

dinâmica do condomínio Jardim Atlântico se encaixa em novos valores de sociabilidade

por meio da normatização.

Em consequência do crescimento da manutenção do espaço e da imposição de

novos hábitos surgem os primeiros pontos em torno da representação cujo símbolo é a

normatização (convenção), ganhando contornos de valores simbólicos, edificados por

regras e representações que trafegam entre o campo (condomínio) e o campo (cidade).

Nessa direção, Bourdieu (1989) ressalta que valor simbólico atua para expressar

simbolismo. Mas não somente isso, Laplantine (1941) também menciona essa expressão

como linguagem e comunicação, pois esses dois termos possuem dinâmica complexa que

pode se manifestar a tal nível de abstração que, bem analisado, permite inferir a lógica

dos símbolos. Nesse caso, o símbolo pode substituir uma ideia, mas não a representa

totalmente. Considerando isso, elementos como a convenção, tida como constituição do

condomínio, controle etc. podem não se tratar de um mero reflexo, podem também

emergir como símbolo de uma lógica que tenta se diferenciar do urbano.

O resultado disso é o surgimento de um conflito permeado pela imposição

pautada nos termos hobbesianos37, em que é necessário ceder à determinada pressão. A

esse respeito, Bourdieu (1989) destaca que é importante que o símbolo cubra um valor

37 Ver T. Hobbes, Leviatã (1990) – Essa imposição constitui-se como atitude necessária para

aceitar os termos de um contrato.

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que deverá ser aceito por todas as pessoas que participam de um sistema de linguagem38.

Considerar a linguagem como elemento dessa dinâmica e que, por vezes, pode se transpor

em valores, significa dizer que seu alcance vai além do limite físico territorial de um

espaço, pois ganha status de valor. Esse valor perpassa de um campo para outro, e assim,

o espaço normatizado é dotado de vantagens condizentes com as necessidades de

satisfação em relação ao urbano (segundo os moradores) ganhando maior capacidade de

provocar distinção.

Segundo Bourdieu (1997), as práticas de consumo, no caso do espaço, produzem

necessidades ou preferências. No caso estudado, categoriza-se por uma busca insensata

por controle. Essa busca se configura no objeto real, que é o condomínio. Este une sua

forma à determinada práxis, criando uma atmosfera objetiva. Relacionando com a cidade,

todos aqueles espaços (condomínios, shoppings etc.) que são produtos de condições

objetivas parecidas acabam se distinguindo dos espaços públicos.

Essa distinção parece estar ligada a dois fatores inerentes à prática de consumo

(i) externo e (ii) interno. O externo se dá em função da própria diferenciação que existe

sobre a ótica da fragmentação urbana conforme já descrito: espaço físico territorial

delimitado, mobilidade e acesso seletivo, valorização das terras por meio de sua estrutura

diferençada etc. Já o interno está diretamente ligado ao valor cobrado pela imposição da

normatização do espaço, que tenta alterar o comportamento dos moradores. À medida

que isso vai ganhando força (levando em consideração a estrutura física do espaço), o

indivíduo sente que seu espaço é diferenciado. Isso justifica certos aspectos nos discursos

dos moradores tais como:

Quem compra casa aqui já espera por isso, não pode agir de qualquer forma

senão vira qualquer coisa (Morador 2, do lar, 31 anos).

O lazer do condomínio é melhor do que o lazer público. Aqui existe comando,

as pessoas ajudam [...]. A organização daqui é ótima, em termo de tudo. Aqui

é privado, aqui tem comando, o público não tem (Morador 10, aposentada, 65

anos). Eu não frequento muito a área de lazer, mas quando vou acho uma delícia.

Gosto de usar academia particular, a daqui não frequento muito, mas acho que

também é uma delicia, é muito calmo. Pra mim isso aqui é o suficiente, aqui

tem comando como já falei. Não pode ficar bagunçando, o pessoal aprende

38 Esse sistema se expressa nos diversos códigos que permitem propor valores entre os

campos.

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respeitar e se não respeitar tem a administração para ver caso a caso (Moradora

10, aposentada, 65 anos).

Eu prefiro mil vezes morar aqui do que em um bairro. Me sinto mais à vontade

aqui, acho que é pelo fato de todo mundo ser do mesmo tipo (Morador 10,

aposentada, 65 anos).

Dessa forma, percebe-se o viés moral que é não só reproduzido mas também

reforçado nesse espaço sob o ponto de vista da normatização, da adaptação da vizinhança

e da cidade. Nesse sentido, valores, virtudes e competências desse mundo simbólico

(condomínio) chocam-se com a realidade urbana, de modo que a dinâmica do campo

(condomínio) serve como um pilar fundamental para sua filiação sobre o ponto de vista

de um espaço idealizado na cidade. Isso acaba fortalecendo a percepção de suas

diferenças em relação aos espaços públicos.

Sob o ponto de vista da normatização, da adaptação e da cidade, observamos que

existe um processo para fortalecer essa distinção. No entanto, a sociabilidade ainda nos

revela outras facetas que podem ampliar a identificação desse processo. Observando a

procura de satisfação das necessidades, que convergem para a questão do controle e do

lazer, viu-se que isso forma um pilar fundamental sobre o valor simbólico do espaço.

Mesmo assim, a relação dessa constatação com a sociabilidade da vizinhança

ainda não mostra sua devida conexão. Considera-se isso, pois, apesar de haver uma

concordância com as questões apresentadas, as relações sociais ainda são dotadas de

contatos secundários (SIMMEL, 1987). Isso fica evidenciado na fala do morador 10, no

tocante à afirmação de que “as pessoas se ajudam”, mesmo sendo notório, aos olhos do

pesquisador, que a relação de vizinhança sofre processo de impessoalidade.

O sistema de valores do morador 10, considerando o seu comportamento

peculiar advindo da cidade e os valores adquiridos no condomínio, distorcem sua

percepção. As vantagens percebidas condizem com sua expectativa de necessidade, logo,

ele não percebe a verdadeira situação da sociabilidade de sua vizinhança.

É sobre essa égide que é caracterizada a segunda fase ou a segunda convenção

do condomínio (2014-2016). Após as eleições de síndico entre 2012-2013, um novo perfil

de administração foi instalado. Na ocasião, foi convencionada a prioridade para

montagem de uma convenção mais elaborada, bem como a revisão de seu regimento

interno. É nessa fase que os moradores começam a discutir e a decidir suas próprias

restrições, ou seja, deixariam de serem regidos por uma norma generalista.

Além disso, foi dado espaço para os conselhos administrativos opinarem sobre

as decisões, havendo oportunidade para mais discussões. Aos poucos, o perfil de forte

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coerção administrativa foi mudando para uma situação mais pautada. Entre os

apontamentos dados nas tais discussões, observa-se a questão da sociabilidade

emergindo.

Costumo dizer que isto aqui parece ser um condomínio encantado. Ninguém

fica nas ruas, é como se houvesse uma desconfiança. Sinto falta de uma

solidariedade aqui entre nós e precisamos deixar este condomínio mais vivo.

As ruas (fora do condomínio) são perigosas, logo, precisamos valorizar o que temos aqui através de uma melhor integração entre os moradores e

administração (Moradora 13, membro do conselho fiscal, 45 anos).

Por aqui as ruas são desertas, exceto às 16-18h que é quando as crianças

brincam. Mas antes ou depois disso, parece que houve um encantamento ao

estalar de dedos, porque você não vê ninguém mais nas ruas a não ser os

funcionários. [...] veja só, moro aqui há 5 anos e nunca senti tanta dificuldade

de fazer amizades. É uma situação curiosa, até nas festas a gente vê cada um

em sua ilha. Isso foi difícil, porque ataca um pouco a pessoa, ficamos com

saudades até da nossa antiga vizinhança e a solidariedade deles (Moradora 13,

membro do conselho fiscal, 45 anos).

A analogia ao “condomínio encantado” faz referência a pouca vitalidade nas ruas

internas. A moradora 13 comenta que os contatos eram muito tímidos, cada um em sua

individualidade, podendo ser classificados pelos entrevistados como superficial. Esse fato

está ligado ao debate sobre a formação de comunidades nos condomínios,

especificamente no Brasil. No caso do condomínio estudado, a observação da moradora

13 pode estar relacionada ao ideário implantado pela propaganda de sua moradia, que

afirmava que o condomínio Jardim Atlântico seria uma comunidade com vizinhança mais

integrada.

Baseado em Jacobs (2000), a monotonia em bairros pode estar relacionada à falta

de alguns fatores como diversidade, arquitetura similar, fluxo de pessoas, entre outros.

Dada a forma com que o espaço do condomínio é pensado internamente, alguns desses

fatores podem não se desenvolver e sua vitalidade pode ser comprometida. Há a presença

de arquitetura similar, o fluxo de pessoas é restrito, mas não há grande diversidade de

espaços.

Além disso, essa realidade se choca frequentemente com o passado da moradia

dos condôminos. Reconhecer pessoas ou situações como algo estranho era normal, mas,

ainda assim, existiam laços de sociabilidade e presença de diversidade por meio dos

fluxos entre os bairros, conforme comentado no tópico referente à morada nos bairros

abertos relatado pelos entrevistados.

Considerando isso, a opinião da moradora 13 se mostra bastante pertinente se

observarmos que ela esperava um comportamento diferente da vizinhança. O desejo de

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haver contatos mais próximos se assemelha à ideia de solidariedade mecânica, nos termos

de Durkheim (1990). Esse espaço, se analisado de forma isolada, pode aparentar

características similares desse conceito, como a presença de mecanismos de coerção

punitiva. No entanto, não se trata disso, o condomínio Jardim atlântico não está situado

em uma sociedade simples e nem suas estruturas sociais são semelhantes, não é uma

aldeia.

Trata-se de um espaço conectado à sociedade complexa. Portanto, o

comportamento baseado em solidariedade desejado pelos moradores, apesar de punitivo,

é mais formalizado e sua divisão social/funcional está inserida na cidade, portanto, é mais

complexa. Por conseguinte, o direcionamento para uma maior aproximação, mais

desejável pelos moradores, somente seria possível por uma força que pudesse impulsionar

a dinâmica nesse sentido.

A esse respeito, é notável o surgimento de uma preocupação exacerbada

relacionada ao esvaziamento do espaço do condomínio (ruas, praças etc.) em relação ao

espaço público que sofre de problemas similares39. Esse ponto potencializa ainda mais o

fenômeno de diferenciação por meio da exclusividade (distinção). Isso é constatado não

só em função do discurso individual dos moradores mas também nas assembleias do

condomínio. Conforme o trecho

Restaurar o espaço comum do condomínio é importante. Se torna perigoso para

as crianças brincarem nos parques se não houver manutenção adequada. Acho

que se temos aqui, temos que cuidar, se não fica igual a essas praças públicas

que têm por perto onde a prefeitura não cuida, muito menos o povo (Morador,

Assembleia do condomínio, 02/08/2015).

Partindo desse esforço dos moradores do Condomínio Jardim Atlântico em

promover algumas mudanças, consideradas para eles como essenciais para um melhor

convívio, alguns aspectos tiveram maior atenção. O primeiro deles foi buscar uma maior

sociabilização entre os moradores, já que, como foram explicitados, os próprios

condôminos consideravam o convívio social praticamente inexistente.

Uma vez aberta a discussão sobre o novo regimento, houve uma articulação que

ajudou a promover o convívio social. A discussão sobre as regras era permeada de

consensos e dissensos, mas o debate foi ajudando a aproximar aqueles com ideias

39 Arantes (2011) ressalta que o fator da criminalidade x uso do espaço público tem diminuído

as atividades nas ruas. Esse fato pode estar relacionado à escolha por morar em condomínio

em função da segurança.

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parecidas. Esse movimento de concordância e discordância possui características

importantes.

No conflito dos argumentos, o símbolo da cidade sempre aparece como

mediador do que seria bom e ruim. Praticamente toda a exigência feita para alteração do

regimento era pautado em evitar a promoção de dinâmicas consideradas intoleráveis que

existem na cidade. A definição dessas situações estava pautada mais uma vez na

historicidade urbana que os indivíduos vivenciaram antes de morar no condomínio.

O argumento central era evitar que o condomínio se transformasse naquilo que

chamavam de “clube”. Conforme o comentário:

Não podemos tratar nosso espaço como se fosse um clube [ainda que

terminologia do espaço fosse expressa como condomínio clube]. Porque é isso

que estão fazendo, as pessoas pagam taxas aqui e usam a piscina sem limites,

andam rápido pelas ruas e não cuidam de seus cachorros. Nosso espaço comum

não é uma rua pública, por isso temos câmeras e regras justamente para não

ser bagunçado (Morador, assembleia do condomínio).

A imagem do clube é tida como espaço que não possui ordem, onde qualquer

pessoa realiza suas ações como bem quer. O argumento do clube nada mais é que mais

uma tentativa de distinção entre o espaço público e o privado. Também pode ser

caracterizada pela presença de criação de regras que assegurem todo esse modelo.

Os contrários à exigência de tantas regras argumentam que seria bom poder usar

o espaço de maneira mais livre, sem tanta restrição, principalmente ligada à área de lazer,

podendo, por exemplo, liberar o espaço que não estivesse sendo utilizado durante a festa

particular aos moradores em geral que se interessassem em usufruir. Isso se deu, pois não

havia a tolerância de querer dividir esses espaços. Essa pauta foi uma, entre várias, que

foram atualizadas no regimento:

Art 16 – As áreas: parque infantil, piscinas, salão de jogos e academia não são

reserváveis, estando sempre disponíveis para o uso dos condôminos, mesmo

nas horas de utilização em eventos por parte de outros condôminos (Regimento

Interno, 2015, p. 3).

Os argumentos dos contrários foram ganhando mais força e de certa forma

combatiam o excesso de individualização dentro do condomínio. No entanto, o aspecto

positivo desses avanços só é aproveitado, logicamente, na especificidade do seu espaço

interno. Convém mencionar que esse movimento também reforça a característica da

exclusividade do espaço. Portanto, pode-se dizer que tais dinâmicas internas, uma vez

pautadas na busca por otimização do espaço do condomínio, podem provocar

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aproximações internas. No entanto, pouco muda a situação em relação ao espaço público,

pois não há discussão em torno dessa vertente. Apenas aparece como símbolo mediador

de opiniões que compõem a otimização do condomínio

É interessante notar, pela fala dos entrevistados, que a aproximação entre os

moradores também se deu através das redes sociais, como whatsapp, a partir de grupos

com características em comuns, supondo haver pontos de interesses convergentes para

estreitar relação. Dessa forma, surgiu o grupo de mães, os grupos de moradores que

possuíam animais de estimação, e o grupo para divulgação de produtos de beleza.

Em paralelo a isso, buscou-se a realização de alguns eventos que teriam como

objetivo a integração entre os indivíduos, um consenso entre os próprios moradores e a

administração, quais sejam: dia das mães, dia dos pais, aniversário de fundação do

condomínio, Natal e São João. Percebe-se, ainda, que a linha de raciocínio sobre a

construção dos grupos do whatsapp seguiu da mesma forma para a promoção desses

eventos, de acordo com os papeis sociais atribuídos aos moradores. Uma das moradoras

deixa explícita essa organização:

Por exemplo, chás pras mães, encontro pras mães, futebol para os pais, tudo

coisas que estão começando a acontecer, e que tem o grande intuito que é

integrar as pessoas e promover a amizade (Moradora 13).

Diante desses grupos de whatsapp criados, os próprios moradores começaram a

criar momentos diferenciados com o propósito de integrar ainda mais, sempre nas

configurações já citadas.

Como já mencionado, esses movimentos de aproximação possuem

características que são benéficas internamente, mas pouco influencia na melhora da

situação dos espaços públicos na cidade. No entanto, movimentos contrários àqueles que

se originam das dinâmicas da cidade podem influenciar fortemente na dinâmica interna

do condomínio.

É evidente que uma das primeiras formas pela qual a cidade influencia o

condomínio Jardim Atlântico se dá por meio da própria historicidade dos seus moradores.

Ainda assim, existe o fato de os eventos externos situados num dado tempo presente

influenciarem sua dinâmica interna (LEFEVBRE, 1999). Esse caso pode ser ilustrado por

meio do tema segurança urbana.

Esse momento se inicia durante os debates para a construção do novo regimento

interno. De fato, o tema de segurança era um dos pontos em pauta que mais trazia custos.

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Dessa maneira, durante as discussões, foram levantadas várias estratégias para

formulação de um plano de segurança.

O primeiro deles, e mais custoso, seria o da completa alocação de câmeras,

incluindo pontos cegos, reestruturação da guarita, reformulação de procedimentos de

segurança, aumento do tamanho dos muros. Já o segundo estaria pautado na redução de

custos (de equipamentos eletrônicos), promovendo, assim, apenas modificações de

procedimentos de segurança. Vale salientar que a opção dois caminhava para a ampla

maioria dos votos.

No entanto, nesse mesmo período, agosto de 2016, a cidade de Natal foi alvo de

ataques criminosos em função da frágil situação da segurança pública pela qual, não só o

Rio Grande do Norte mas também o Brasil inteiro passava. Os ataques consistiam em

uma suposta resposta a ações do governo estadual em colocar bloqueadores de celulares

nos presídios. Com isso, vários ônibus foram incendiados, delegacias e estabelecimentos

foram roubados etc. Tal situação disseminou o pânico em todo o Estado, incluindo sua

mancha metropolitana funcional, que inclui Parnamirim e Natal.

Diante desses acontecimentos, as assembleias mudaram de ritmo e a discussão

sobre a primeira opção de votos ganhou por sua maioria. Dessa maneira, o consenso se

formou em direção à melhoria da fortificação com adição de câmeras, escoltas da empresa

particular de segurança nos arredores do Condomínio Jardim Atlântico e mudanças

drásticas no sistema de procedimentos com visitantes e entregadores.

A busca por segurança é bastante evidenciada em estudos sobre condomínio

(LOPES, 2008; CALDEIRA, 2000, entre outros). Existe um forte discurso dos indivíduos

que demonstra que a principal motivação para entrada nos condomínios é a segurança.

Por meio das ações dos moradores desse condomínio percebe-se um contínuo

fortalecimento dos procedimentos de segurança, demonstrando que apenas o fato de

morar em um condomínio não é suficiente para eles se sentirem completamente

protegidos.

É evidente que esse movimento se pautou nos estímulos que a cidade pode dar a

todo seu território. Isso ajuda a caracterizar o movimento simbiótico relacionado aos

acontecimentos urbanos. O estímulo do evento proporcionou uma aceleração das

discussões sobre o aumento do entrincheiramento dos moradores por meio de sistemas de

segurança mais sofisticados.

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Esse movimento possui característica ambígua: o que parece ser inevitável,

todos são atingidos pelo medo e isso expressa a inclusão inexorável dos moradores na

problemática urbana. No entanto, a resposta para isso se pauta na otimização interna, ou

seja, na melhoria do espaço exclusivo. À medida que esse olhar interno é redobrado,

reforça a desconexão com a discussão sobre o combate à problemática do espaço público.

Os movimentos da cidade mostraram ter o poder de influenciar a retração dos

indivíduos para a exclusividade de maneira mais abrupta. Além disso, a negatividade do

evento mencionado ajuda a reforçar o valor simbólico que os moradores dão à

exclusividade. Os acontecimentos seguintes evidenciam essa valoração, trata-se da busca

por atividades de lazer exclusivas.

Na contínua busca por melhor integração, como já visto, os moradores

propuseram também que houvesse atividades de lazer auxiliadas por profissionais para

toda a vizinhança do condomínio a fim de evitar deslocamentos pelos bairros.

Acho que essas atividades que estão surgindo no condomínio valorizam mais

o que é nosso. A cidade anda muito perigosa e acaba que a gente tenta fazer as

coisas por aqui mesmo (Morador 1, servidor público, 48 anos).

Ao levar a pauta para as assembleias, a posição da administração foi de que não

seria possível arcar com o custo dessas atividades. Dessa forma, os moradores se

organizaram para pagar uma taxa extra a ser dividida e cobrada igualmente. Com isso, foi

possível contratar serviços de lazer ligados à prática de aulas de dança, futebol de salão,

jump etc. A organização para a realização dessas atividades evidencia a melhor integração

com os moradores, mas essa não seria sua única manifestação. Além das atividades de

lazer, os próprios moradores realizaram reformas envolvendo o espaço da academia e a

criação de uma biblioteca/salão de jogos.

Esse movimento está pautado também na busca por espaços e atividades

importantes que acontecem na cidade. Trazer esses espaços evidencia a tentativa de

representá-los dentro de um espaço exclusivo, proporcionando o nítido movimento de

negação da cidade. Considerando o processo visto, percebe-se que a busca pelo espaço

normatizado se dá em função do desenvolvimento de um espaço regulado, onde há

coibição de ações imprevistas baseadas na vivência de seus moradores. Esse movimento

apresenta os primeiros traços da diferenciação entre o espaço exclusivo (condomínio) e o

público.

Embora nem todos se adaptem facilmente, a escolha por um espaço normatizado

ganha força. Em busca de otimização de sua dinâmica, há a crescente integração de seus

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moradores e mais opções de atividades de lazer. Esse movimento ajuda a fortalecer a

distinção social e espacial, evidenciando assim a fragmentação socioespacial.

Uma vez considerado isso, o movimento de negação da cidade acontece de forma

plena? A essa altura, é evidente que não. Apenas é possível observar que existe um

movimento de retração, quer seja por medo, quer seja pela própria ação resultante da

distinção. Mesmo assim, isso ainda faz os moradores considerarem a cidade e suas

vantagens.

Evidenciam-se assim não apenas a repulsão do lado negativo da cidade mas

também a atração do seu lado positivo representado pela criação de bibliotecas, atividades

de lazer, academia, tudo em caráter exclusivo. Vale salientar que essa constatação não

representa totalmente a atividade/espaço em si, mas sim se constitui como um fragmento

desse valor representado. Portanto, caracteriza apenas uma materialização dessa

representação.

Indo mais além, o comportamento requerido no campo (condomínio) não

demonstra ter total sobreposição a certas práticas do campo (cidade). A incorporação

desses elementos demonstra certa apreciação por ícones que a cidade possui. No entanto,

ainda há forte traço de negação à cidade. Essa materialização de tais ícones evidencia o

desejo dos moradores em vivenciar situações em que os espaços/situações são as mais

homogeneizadas e dotadas de certo grau de ordem. Esse fator assemelha-se a um habitus,

isto é, seu comportamento é contraditório justamente por não negar totalmente a cidade.

Embora isso aconteça, o espaço urbano é pensado a todo tempo como algo que deve

promover exclusividade para evitar certos desconfortos.

Considerando esses moldes, as soluções propostas pelo condomínio fechado

Jardim Atlântico são um tanto limitadas frente às resoluções necessárias para o

enfrentamento dos grandes problemas urbanos. Considerando a correlação entre os

campos por meio da cidade, as mudanças estruturais do sistema social associadas ao grau

de planejamento urbano podem provocar impactos enormes na dinâmica social de uma

cidade.

Grande parte dos entrevistados é servidor público e está situada em um espaço

de alto valor de aquisição. Isso representa a centralidade40 que hoje as camadas da classe

40 Centralidade exprime a capacidade relativa do ator em determinar onde será sua moradia;

não fechado a esse sentido restrito, a capacidade engloba também pontos importantes como a

estrutura do emprego, o mercado de trabalho etc.

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média têm sobre a distribuição urbana. Essa centralidade exprime também certa

volatilidade, principalmente nas dificuldades em articular interesses: ordenamento,

segurança, entre outros, que podem ser traduzidos em falta de urbanidade na cidade; em

necessidades sociais, o que se justifica conforme o autor a seguir:

Estatuto das ocupações das altas classes médias no sentido da sua precarização

e instabilidade diminuem sua capacidade de tradução e articulação dos

interesses privados em necessidades sociais (QUEIROZ, 2004, p. 35).

O resultado dessa volatilidade é a reinante circulação de um afeto específico, o

medo (SAFATLE, 2015). Esse afeto participa do grande desmonte da coesão entre as

classes sociais da cidade e acaba incentivando ações de autodefesa e forte individualismo,

traduzidos em “dessolidarização com os rumos da cidade” (QUEIROZ, 2004, p. 35). Isso

engendra a proliferação do modelo segregado estudado, a partir do condomínio fechado

Jardim Atlântico, representando assim o espaço para proteção da visão da ameaça de

“desordem urbana”.

Queiroz (2004) comenta sobre as características da situação das cidades

brasileiras e que podem ser relacionadas a alguns fatos observados no campo de pesquisa.

As diferenciações entre as classes na cidade são materializadas em separações físicas e

simbólicas que intensificam a fragmentação de identidades coletivas. O resultado disso é

a grande capacidade de organização dos mesmos extratos de classe dotados de poder em

relação aos grupos desfavorecidos. A resposta à capacidade de se organizar poderia se

relacionar à narrativa do estudo referente às respostas de ameaças do campo (cidade)

sobre a segurança dos seus moradores.

Essa organização é desarticulada e articulada simultaneamente. Desarticulada,

pois está fora de um anseio de bem coletivo; e articulada, porque obedece aos estímulos

do sistema urbano, no caso, Natal. Tais estímulos seriam justamente exprimidos no

campo de necessidades que levam o indivíduo a querer se segregar.

A autossegregação, nos moldes apresentados, de fato contribui para a recriação

da fortificação, para ser mais preciso, são sistemas de cidadela que conduzem a cidade

fragmentada. Toda simbologia do condomínio fechado Jardim Atlântico não está fixada

apenas em seu espaço, seu valor transborda para a cidade repercutindo sobre as escolhas

por outros enclaves, como opção de lazer.

Ademais, foi possível observar alguns dos deslocamentos diários mencionados

durante as entrevistas com os moradores. A grande maioria dos entrevistados afirma que

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frequenta a cidade especificamente em lugares privativos. O argumento central gira em

torno da questão da segurança, no entanto, pôde-se observar que a ideia referente à

distinção é bastante presente. Conforme as Figuras 17 e 18:

Figura 17 – Deslocamentos peculiares do morador 5

Fonte: Dados coletados nas entrevistas qualitativas.

Costumo me deslocar para casa dos meus pais. Estão morando agora em um

condomínio, o Pan-americano, fica aqui próximo. Para lazer, procuro levar

minha família para locais seguros. Então, a gente vai ao teatro do Shopping Midway, Natal Shopping, tem um bom cinema lá e comemos no Camarões em

Ponta Negra. Costumo ir, sempre que possível, a algumas praias distantes

porque são mais seletas. São locais onde somos bem atendidos, não é uma

superreferência de atendimento, mas é melhor que tudo que tá na mão do

Estado (Morador 5, advogado, 42 anos).

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Figura 18 – Deslocamentos peculiares da moradora 3

Fonte: entrevista qualitativa

Gosto de fazer minha academia fora, conheço pessoas lá. Faço na Burn Fit aqui

próximo. Em Parnamirim, não faço nada, porque tenho muito medo daqui,

ainda mais com esses bandidos. Em Natal, eu vou ao Midway... ao teatro assim, gosto muito! Isso me atrai, ia muito ao da Ribeira (bairro de Natal), mas agora

tem esse que é mais exclusivo. Festas populares não me atraem, porque não

me sinto à vontade, tenho medo do povão. Prefiro um local mais fechado, que

você pague para ir. Por exemplo, eu vou ao Camarões e Natal Shopping, que é

menos aglomerado. Acho que cidade deveria ser feita toda de condomínios

(Moradora 3, aposentada, 63 anos).

A questão que envolve a mobilidade contém uma importante observação, além

da óbvia da escolha por destinos caracterizados por serem enclaves. Baseado em Le

Guirriec (2014), pode-se inferir que nem todas as camadas sociais têm acesso igual à

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cidade, o seu estudo evidencia isso, e se torna ainda mais nítido se forem observados com

atenção os deslocamentos no espaço urbano dos grupos menos favorecidos.

Considerar isso abre um espaço complementar que ajuda na compreensão da

fragmentação urbana a partir da vivência estudada no Condomínio Jardim Atlântico.

Segundo Le Guirriec (2014), os deslocamentos urbanos ajudam veementemente na

formação da identidade do indivíduo com a cidade.

Entre os vários modelos de mobilidade mencionados pelo autor, chama-se a

atenção para o deslocamento cotidiano motivado por: trabalho, família e lazer, temas

envolvidos nas entrevistas realizadas desta pesquisa. A mobilidade cotidiana está

intrínseca ao movimento de democratização do carro e da expansão das cidades.

Vale salientar que a grande crítica nos estudos sobre mobilidade cotidiana,

comentada por Willmott e Young (1972 apud LE GUIRRIEC, 2014), revela que esse fator

por muito tempo foi considerado pouco atraente devido à vertente que insistia na ideia de

observar um bairro como uma aldeia. Assim, procuravam valorizar características das

relações de vizinhança e a construção da solidariedade no espaço no qual se desenvolve

sua identidade.

Considerar somente isso é o mesmo que negligenciar o signo que a mobilidade

cotidiana pode representar: o empobrecimento da vida social. A mobilidade cotidiana

advinda de maiores distâncias é um importante elemento para evolução social da

sociedade. “A redução da mobilidade não provoca um impedimento à inclusão social ou

econômica, mas favorece por sua vez uma reprodução e um reforço das segregações

sociais, portanto, da riqueza da vida social” (LE GUIRRIEC, 2014, p. 10).

Dessa maneira, o autor afirma que os grupos menos favorecidos frequentemente

se deslocam em seu seio intrabairro e de maneira “tubular” em direção à execução de

atividades de trabalho, por vezes, o lazer. O termo “tubular” destacado se refere a

deslocamentos únicos que incluem um grande trecho e, a partir dele, realizam

deslocamentos secundários. O autor aponta que esse deslocamento é considerado como

uma manifestação da segregação tendo em vista que o indivíduo está condicionado a essa

mobilidade restrita.

Existe ainda a mobilidade cotidiana estrelada, ou seja, aquela em que o indivíduo

possui condições de desfrutar da cidade da forma que quiser por meio de vários tipos de

deslocamentos, a partir dos modais de transporte. O autor comenta que esse deslocamento

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é virtuoso para o enriquecimento social, no entanto, por vezes, requer condições

financeiras para sua realização, principalmente sobre o uso do carro.

Os deslocamentos apresentados nas entrevistas, se considerarmos o porte

financeiro dos entrevistados, têm totais condições de se encaixarem na mobilidade

estrelada. No entanto, diferentemente do apontamento de Le Guirriec (2014), a

mobilidade apresentada é permeada da característica “tubular”, pois embora seu

deslocamento seja feito de forma mais alongada, os corredores são os mesmos, inclusive

os destinos são geralmente outros enclaves como shopping centers, restaurantes,

academia etc., todos espaços privados.

Considerando qualquer das justificativas para a realização da mobilidade por

parte dos moradores, o trajeto exercido se constituirá como parte da construção de sua

identidade com a cidade. “A práxis cotidiana, o relacionamento com os vizinhos e seu

deslocamento na cidade formam a projeção de seu território” (LE GUIRRIEC, 2014).

Portanto, tais deslocamentos são a ponte que direcionam ao complemento final de

manifestação de transbordo da distinção. Constituem, na verdade, um meio de encontrar

características que mais se aproximam das imagens que os moradores têm deles mesmos

e como se sentem no seu lugar na cidade. As imagens são resultado de um conjunto de

características que engloba várias facetas, entre elas, a moradia, o círculo social e o do

trabalho.

5.6 CONCLUSÃO PARCIAL

Os dados referentes à pesquisa de campo trouxeram vários posicionamentos

importantes. Relacionando a ideia dos campos de Pierre Bourdieu a uma aproximação

com seu conceito de habitus, pôde-se romper o paradigma estruturalista tão presente nos

estudos sobre condomínios. Dessa maneira, nas seções anteriores, que tratam de uma

visão mais voltada ao estruturalismo fora relacionado com a realidade da vivência dos

moradores no Condomínio Jardim Atlântico.

Assim, foi possível observar e relacionar três grandes momentos do passado dos

moradores que ajudam a explicar o presente. Essas lembranças dizem respeito a uma

breve situação sobre sua antiga moradia, a primeira convenção e a segunda convenção do

condomínio estudado. Isso ajudou a revelar a dinâmica desse espaço a partir da elucidação

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de expectativas sobre o espaço e a crescente comparação, por parte dos moradores, sobre

a cidade.

Foi possível também perceber como reflexo desse movimento a evolução das

regras nesse espaço, representando a obrigatoriedade de um novo comportamento

necessário para se conviver. Essa “obrigatoriedade” mostrou-se custosa, pois nem todos

se adaptam facilmente a rotinas previsíveis. Apesar disso, a busca por essa normatização

pode ser traduzida pela busca do controle do espaço, cujas variáveis se tornam as mais

rotineiras possíveis.

A crescente comparação com a cidade por parte dos moradores revela que o

intuito da morada no Jardim Atlântico se dá conforme Souza (2000) define como

“comportamento escapista”, devido à aversão da imprevisibilidade da heterogeneidade

da cidade. Assim, concordando com Janoschka e Glaze (2003), os muros caracterizam-

se por ser um dos sintomas da fragmentação, esfacelando a cidade de um espaço distinto

e homogêneo.

E ainda, sintetizam o engajamento comum apenas voltado para dentro. Nesse

caso, perde-se a força quando se trata do espaço público. No entanto, o comportamento

do campo (condomínio) não parece se sobrepor totalmente. Isso fica explícito no

momento em que o evidente desprezo pelo uso do espaço público transforma-se em

necessidade. Para supri-la, esses espaços são representados dentro do condomínio como

o caso da biblioteca, das praças, das academias, das quadras de esporte.

O movimento de crescimento do engajamento interno do Condomínio Jardim

Atlântico não é tratado como uma via única. Ele é estruturante do espaço interno e

influencia o espaço externo, tratando-se de uma via de mão dupla. A vantagem percebida

pelos moradores do condomínio é incessantemente procurada na cidade e seus

deslocamentos para outros enclaves evidenciam esta busca.

Dessa forma, em um desenho mais amplo, pode-se observar como o caso do

condomínio fechado Jardim Atlântico influencia no processo de fragmentação urbana.

Indo além, revela como os moradores desse espaço participam do processo de

fragmentação, que se dá em virtude da criação de um espaço social distinto, voltado para

dentro, sendo sua principal consequência a negação da cidade em grande escala.

Essa negação da cidade representa não somente a distinção por parte dos

moradores mas ainda envolve toda a falta de urbanidade que a cidade deixa a desejar. A

figura do Estado e de suas capacidades também estão em xeque. Isso parece fazer parte

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da grande potencialização que esse fenômeno ganha na atualidade. A política realizada

pelo Estado é objeto de descrença por parte dos moradores a ponto de eles mesmos

preferirem a figura de um síndico fazendo parte da organização de suas vidas do que um

político.

6 CONCLUSÃO FINAL

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119

Esta dissertação procurou discutir alguns dos aspectos mais pertinentes ligados

à cidade: a segregação, especificamente a autossegregação das camadas da classe média

em condomínios fechados na zona de conurbação entre Natal e Parnamirim/RN, local de

franca expansão desse molde habitacional. Assim, foi analisado o caso do Condomínio

Jardim Atlântico, buscando analisar como esse espaço contribui para a fragmentação

urbana de sua localidade.

Dessa maneira, foi assinalada a formação do espaço, bem como sua reflexão

como condicionante social, tornando possível observar e caracterizar de forma

exploratória a relação de seus moradores com a fragmentação urbana que acontece no

local. Esse novo padrão residencial é denominado na literatura como “enclaves

fortificados” (CALDEIRA, 2000), avaliado, por muitos autores, como sintoma da “nova

questão urbana” (CAPRON, 2006). Essa informação foi levada em consideração e

confirmada a partir deste estudo, revelando, assim, uma caracterização de um modelo de

segregação.

Mas qual seria esse padrão? Como visto anteriormente, pode-se observar a

evolução conceitual dos padrões de segregação. De início, o padrão de segregação

considerado mais comum era o de centro-periferia, isto é, com a presença das camadas

pobres na periferia e as ricas na centralidade. No entanto, atenta-se para a inversão desse

processo (ricos passam a viver nas periferias e as camadas mais pobres ocupam o centro).

No entanto, vários estudos, como, por exemplo, o da Escola de Chicago, a partir

da década de 1930, passam a considerar um modelo mais difuso, apesar de partirem do

primeiro modelo de segregação, que era pautado em zonas misturadas na cidade, onde as

áreas mais nobres possuíam mais centralidade, embora fossem vizinhos de áreas mais

desvantajosas. Nessa época, as análises urbanísticas eram pautadas em função da

condição da dimensão física espacial; e na temática segregação, não foi diferente.

Entretanto, a condição de análise pautada no espaço físico passa a ganhar novos

contornos, uma vez que a dimensão das relações sociais vai ganhando mais espaço na

discussão. Estudos antropológicos como de Hennertz (2015), Whyte (2005), entre outros,

passam a associar estudos dessa natureza a várias temáticas ligadas ao ambiente urbano,

tal como a segregação. Ao avançar das décadas (1940-2000), a segregação passa por

muitas variantes que dão margem para demasiadas variações de concretizações, incluindo

aspectos físicos, políticos, sociais e institucionais (SOUZA, 2000).

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Portanto, a discussão passa a ser mais qualitativa do que outrora. Por

conseguinte, surgem os vários condicionantes para a proliferação da segregação, como a

distinção social, as governanças deficitárias e a grande dimensão política. Neste estudo,

a cidade é entendida como um cerco de várias dimensões complementares que ajudam a

explicar fenômenos como o que estamos pesquisando. Por essa razão, estudar um espaço

urbano, considerando o fato antropológico remete a evitar o olhar muito estruturalista,

assim como a não se limitar ao fato antropológico. Trata-se de um fato levando a outro.

Sendo assim, caracterizando a atualidade (1980-2010), a literatura aponta o

surgimento de um padrão de segregação típico, conhecido como padrão fractal, de

segregação manifestada na era da fragmentação urbana. Baseado em Janoschka e Glasze

(2003), esse modelo aponta para a formação de hiatos de terra que fragmentam a mancha

urbana. No entanto, essa observação também se encaixa nos “hiatos” que os muros de

espaços exclusivos (como os condomínios) provocam devido a sua singularidade não

somente traduzida em sua estrutura física mas também na qualitativa, por exemplo, as

barreiras simbólicas.

A caracterização do fenômeno fragmentação na América Latina leva a

considerar peculiaridades do objeto de estudo. O condomínio fechado estudado está

situado no contexto brasileiro, portanto, foi necessário caracterizar diferenças entre

alguns aspectos, incluindo culturais, da formação de comunidades fechadas. Dessa

maneira, a diferenciação se pautou no eixo Estados Unidos e Brasil.

Observou-se que, nos EUA, as comunidades fechadas possuem poder de

interferência de maior magnitude. Em sua organização, por exemplo, o sentido de

comunidade é dado desde o início de sua concepção, possibilitando a criação de estruturas

que norteiam várias questões, inclusive a entrada de moradores com base em perfis

aceitos. No Brasil, o sentido de comunidade pode ser formado, mas depende muito de sua

trajetória, não sendo, portanto, uma das primeiras prioridades e nem nos moldes

americanos. A entrada para morar nesses empreendimentos, no contexto brasileiro, está

geralmente pautada em ter apenas poder aquisitivo e preferências.

Uma vez caracterizado o padrão de segregação presente e algumas

peculiaridades gerais sobre os condomínios brasileiros. O passo seguinte foi a constatação

dessas informações no campo de estudo. Com isso, foi caracterizada a formação da zona

de expansão dos condomínios em Natal/RN em direção a Parnamirim/RN. Essa

caracterização ajudou a articular aspectos citados anteriormente, tais como a saída do

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121

grande centro para a periferia por parte da classe média, a criação dos vetores de

metropolização em direção áreas verdes e turísticas etc.

Em seguida, deu-se inicio à análise da vivência no Condomínio Jardim

Atlântico. Baseado nas inserções no cotidiano do espaço, junto a análises de sua estrutura

organizacional, foi possível desenvolver um panorama da singularidade que representa

esse microespaço. Ademais, entrevistas e observações revelaram que muitas vezes a base

das soluções encontradas para esse espaço acontece sobre o âmbito da individualidade.

O Condomínio Jardim Atlântico, em sua concepção, nasce como movimento que

se contrapõe à cidade. De fato, o comportamento requerido é o que condiz com o

estabelecimento da ordem. Dessa maneira, é necessário para cada morador se enquadrar

na ordem pretendida. À medida que esse comportamento vai se interiorizando nos

moradores, surge a percepção mais aguçada da diferenciação de seu espaço de moradia

com a cidade (bairro privado vs bairro público). Segundo os resultados, essa percepção

se pauta em questões que envolvem urbanidades, tais como: serviços eficientes, ordem,

transparência etc.

Nota-se, ainda, que esse comportamento, embora provoque a distinção social e

espacial, por vezes, pode ser contraditório. A distinção e a concepção do espaço do

condomínio fechado Jardim Atlântico se contrapõe à cidade, mas à medida que isso

acontece, elementos da cidade são incorporados de maneira representativa no seu espaço

interno. Isso fica evidente na criação de praças internas, de bibliotecas, na elaboração de

eventos e feiras livres.

Ademais, a individualidade é um ponto importante nesse processo. Ela se

manifesta de duas formas, interna e externamente. Internamente, ela se manifesta de

várias formas, as mais observadas foram de acordo com o choque entre os costumes de

sua antiga forma de morar e a pretendida no condomínio fechado. Esse choque ajuda a

mostrar certas preferências, consideradas nocivas para o padrão de moradia, baseadas na

individualidade de cada morador.

A segunda manifestação acontece quanto ao grupo, tendo mais poder de

interferência na cidade. Essa individualidade advém do consenso criado entre seus

moradores que, muitas vezes, resultou em “melhorias” para seu ambiente interno. No

entanto, chama-se a atenção que a individualidade externa, por vezes, dependeu muito da

interna para acontecer. Assim, as soluções eram baseadas em correções de situações

internas, que também estavam ligadas a certas percepções que os moradores têm sobre a

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cidade. As soluções encontradas, os argumentos etc. são permeados de várias

representações que formam valores simbólicos peculiares no grupo.

Desse modo, os valores apreciados são aqueles pautados na privação e os

depreciados são aqueles que advêm daquilo que é público. Esse movimento surge,

segundo as entrevistas, devido ao estímulo sentido pelos moradores em relação às cidades

de Natal e Parnamirim, que não oferecem serviços públicos adequados. Isso os leva

procurar soluções que o Estado não vem oferecendo. Logo, a retração se acirra, tornando,

no caso, o Condomínio Jardim Atlântico como o centro onde desembocam os esforços

para a melhoria da qualidade de vida de seus moradores.

Dessa maneira, os moradores passam a perceber que o condomínio fechado

Jardim Atlântico oferece respostas mais rápidas em vários sentidos. Inclusive, as

entrevistas elucidam o oferecimento de segurança, transparência, resolução de problemas

estruturais, possibilidade de discussão com os líderes, lazer etc. Essa percepção ajuda a

fazer a contraposição que os moradores mencionam em seus discursos. Sendo assim, a

conexão desses movimentos internos com a cidade pode ser percebida pela própria

descrição dos deslocamentos por parte dos moradores que demonstram a preferência

pelos espaços privativos.

A esse respeito, Le Guirriec (2014) mostra que as condições de deslocamento

levam duas formas de executá-las: (i) tubular; e (ii) estrelada. A tubular está ligada a

deslocamentos que seguem uma única rota principal, sendo aproveitada para fazer outros

pequenos deslocamentos, limitando o acesso à cidade. Já a estrelada seria a cidade a la

carte, onde a preferência e sua concretização são realizadas.

Assim, os moradores descrevem seus deslocamentos com vários destinos na

cidade. No entanto, apesar de haver uma aparente diversidade nesses deslocamentos, ao

se analisar os destinos, observa-se que todos são em direção a outros enclaves fortificados

(comerciais e residenciais). Assim, a mobilidade estrelada que executam é permeada de

mobilidade tubular à medida que sua escolha é sempre limitada a espaços similares.

Embora a cidade seja a la carte para esses indivíduos, aparentam estar presos aos mesmos

destinos em função de suas representações solidificadas.

Essa evidência ajuda a mostrar um sintoma da atual conjuntura da fragmentação

urbana pautada na perda do uso dos espaços públicos. O hiato mencionado anteriormente

acontece, no caso estudado, não somente em função dos muros do condomínio Jardim

Atlântico, mas também na cidade. Embora não haja fraturas físicas na mancha urbana,

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simbolicamente, a cidade é retalhada em função dessas preferências, principalmente

ligadas ao lazer.

Esse fato reflete a ideia entre ser consumidor e cidadão. Nesse caso, ser cidadão

está atrelado à ideia de consumir, mas até certo ponto. O cidadão é aquela figura originada

da Revolução Francesa, que possui direitos e obrigações civis em um território

democrático. Já o consumidor surge na ideia de relação mercantil ou de consumo. Assim,

o indivíduo é cidadão antes de tudo, mas ao relacionar com as conclusões desta pesquisa,

vê-se que cada vez mais essas definições se entrelaçam e parece não haver limite do

reconhecimento.

Isso implica dizer que as relações mercantis estão cada vez mais tonalizadas nos

moradores do Condomínio Jardim Atlântico, por conseguinte, a autoafirmação está

diretamente ligada àquilo que se pode pagar. Não cabe ao exercício público da cidadania

prover melhoras diante das tantas queixas que se sente da cidade. Busca-se, em vez disso,

“fugir” desses incômodos mediante as soluções que o mercado apresenta. Além disso,

nota-se que determinadas soluções, como a ideia da própria segurança do condomínio, é

limitada, não refletindo acerca disso a ponto de perceber que é necessária outra solução.

Entretanto, insiste-se na melhora daquilo que está no cerne do aspecto privativo.

Vale salientar o porquê dessa não percepção: nem todos os detalhes são levados

em conta, mas os moradores demonstram que sabem a quem poderiam recorrer para a

melhora da cidade: ao poder público. No entanto, a imagem do Estado parece estar cada

vez mais arranhada para esses, a ponto de haver grande descrença. Quanto ao Estado, este

parece ao menos engatinhar em direção à conivência da proliferação não somente do

condomínio fechado quanto ao aspecto físico mas também quanto àquilo que ele anda

reforçando no seio da sociedade na cidade.

Como assinala Wirth (1987), a cidade é o palco dos vários mundos sociais e é

ferramenta necessária para o desenvolvimento da convivência em função de seus choques

culturais. Nesse novo ritmo, para os moradores do Condomínio Jardim Atlântico, o que

Wirth comenta é completamente evitado, pois a representação da cidade parece pautada

em ser motor da segregação em função dos seus males. Percebe-se que, para eles, a cidade

é repleta de ilhotas organizadas de forma peculiar a todo objeto público, sendo transitáveis

por meio de seus veículos. Esses deslocamentos, junto ao desejo de se chegar a uma

ilhota, formam verdadeiros hiatos que exprimem a negação da cidade.

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As notas desta conclusão, como toda a pesquisa, deixam alguns pontos em aberto

que podem guiar uma possível continuação deste estudo. A principal questão está ligada

a própria natureza da pesquisa, um estudo de caso. Dessa maneira, procurou-se retratar

como os moradores de um condomínio se relacionam com a fragmentação urbana, ou

seja, é um estudo que apresenta limitações.

Assim, não é possível cair em generalizações a partir de um caso. Dessa maneira,

um possível desdobramento deste estudo seria caracterizar uma amostra maior de

condomínios fechados na dada localidade para poder determinar um padrão para a cidade.

Outra questão que poderia ser desenvolvida é com relação à natureza dos deslocamentos

utilizados por esses moradores junto a esse padrão apontado por uma amostra maior.

Caracterizar esses deslocamentos com base em uma amostra maior poderia evidenciar

características singulares sobre a identidade da população de um dado espaço com a

cidade.

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