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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
DOUTORADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
LUCÉLIO DANTAS DE AQUINO
REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LULA NAS CAPAS DAS REVISTAS
ÉPOCA E VEJA
NATAL – RN
2015
1
Lucélio Dantas de Aquino
REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LULA NAS CAPAS DAS REVISTAS
ÉPOCA E VEJA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Estudos da Linguagem, área de concentração em
Linguística Aplicada.
Orientador: Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi
NATAL – RN
2015
2
Seção de Informação e Referência
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Aquino, Lucélio Dantas de.
Representações discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja / Lucélio
Dantas de Aquino. – Natal, RN, 2015.
230 f.
Orientador: Luís Álvaro Sgadari Passeggi.
Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem.
1. Linguística do texto - Tese. 2. Análise Textual dos Discursos - Tese. 3.
Representações discursivas - Tese. 4. Lula – Tese. 5. Gênero de discurso capa de
revista – Tese. I. Passeggi, Luís Álvaro Sgadari. II. Título.
RN/UF/BCZM CDU 81’42
3
Lucélio Dantas de Aquino
REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LULA NAS CAPAS DAS REVISTAS
ÉPOCA E VEJA
Esta tese foi julgada adequada para a obtenção do grau de Doutor em Estudos da Linguagem,
área de concentração em Linguística Aplicada, e aprovada em sua fase final pelo Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN.
Natal, 05 de agosto de 2015.
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi
Orientador e presidente
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________
Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz
Membro externo
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
_________________________________________________
Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza
Membro externo
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
_________________________________________________
Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues
Membro interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________
Profa. Dra. Marise Adriana Mamede Galvão
Membro interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
4
DEDICATÓRIA
Muitas são as representações que buscamos construir, mas,
nenhuma delas é tão importante quanto aquelas que nos
acompanham ao longo da vida. Representações reais de amor,
carinho, sabedoria, discernimento e experiência.
Na construção textual e real da vida em que referenciações,
predicações, modificações e demais elementos podem
construir representações, apego-me as figuras que mais têm a
acrescentar na construção das minhas representações
discursivas: filho, batalhador, estudioso, feliz e amado...
PAI e MÃE, a vocês dedico este trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por toda a força que me concedeu nesta longa jornada.
A minha família, meu porto seguro e maior incentivadora de minha formação pessoal
e profissional.
Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Departamento de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a todos os meus mestres,
especialmente aqueles que colaboraram diretamente para a construção deste trabalho.
Ao meu orientador, Luís Álvaro Sgadari Passeggi, pelo olhar teórico sempre crítico e
visionário, bem como pelo seu apoio aos meus interesses de pesquisa.
Aos examinadores da qualificação e da defesa que dedicaram seu tempo à leitura desta
pesquisa e que, decididamente, cooperaram para a realização de um trabalho mais coerente e
coeso.
Aos meus amigos/irmãos Alexandro Gomes e Adriana Jales por todos os momentos
em que estiveram ao meu lado, torcendo por mim e contribuindo com discussões linguísticas
e extralinguísticas enriquecedoras.
À professora Medianeira Souza que tão sabiamente me conduziu pelo caminho da
Multimodalidade Discursiva, permitindo com que os conhecimentos obtidos por suas
orientações refletissem no meu trabalho de doutoramento.
Aos presentes que Deus me deu em forma de amigos e que muito acrescentaram na
fase final do meu trabalho: Alex Nascimento, Luzia e Mário Sérgio. Obrigado por
compartilharem comigo noites de tensões e de alegrias.
À família Rodrigues que me acolheu como um dos seus, especialmente a Dulcinéia,
Mayara, Maxwell e Jane Fonseca. Obrigado por tudo.
Aos meus colegas de doutorado da turma 2011.1, especialmente às amigas Anahy
Zamblano, Rosângela Bernardino e Elis Betânia Costa.
Aos meus colegas do Instituto Metrópole Digital pelo incentivo e camaradagem e, em
especial, a minha chefinha Apuena Gomes por me incentivar e torcer pelo meu sucesso.
Ao Programa REUNI pelo ano de concessão de bolsa para atuar junto ao componente
curricular Práticas de Leitura e Escrita na Escola de Ciências e Tecnologia.
A minha paixãozinha, Saphyra Aquino. Obrigado pela companhia de tantas noites.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram ou participaram deste
momento da minha formação.
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AULA DE PORTUGUÊS
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
(Carlos Drummond de Andrade)
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RESUMO
Esta tese se propõe a analisar as representações discursivas de Lula nas capas das revistas
Época e Veja, considerando os elementos verbovisuais que constituem o gênero de discurso
capa de revista. Nesse sentido, buscamos descrever e interpretar as representações discursivas
(Rds), tomando como fundamentação teórica a Análise Textual dos Discursos – ATD,
elaborada por Jean-Michel Adam (2011a), concentrando nossa atenção no nível semântico do
texto, isto é, na dimensão que nos permite compreender as Rds vigentes em um texto. Para a
discussão sobre as Rds e suas categorias de análise – referenciação, predicação, modificação,
relação e localização espacial e temporal –, partimos dos estudos de Grize sobre as operações
lógico-discursivas (1990, 1996), até chegarmos aos estudos que discutem questões
linguísticas, textuais e discursivas em enunciados concretos, tais como Castilho (2010),
Rodrigues; Passeggi; Silva Neto (2010), Neves (2011), Rodrigues et al. (2012), Passeggi
(2001; 2012), Queiroz (2013), entre outros. Além desses, amparamo-nos na Multimodalidade
Discursiva para darmos conta da verbovisualidade presente na capa de revista (KRESS; van
LEEUWEN, 2006; DIONISIO, 2011; DIONISIO; VASCONCELOS, 2013). Através de uma
pesquisa de abordagem qualitativa com apoio quantitativo, de tipo documental, realizamos
com base no método dedutivo-indutivo a descrição e interpretação do corpus (SEVERINO,
2007; CHIZZOTTI, 2010; OLIVEIRA, M., 2013), a fim de reconstruirmos as Rds de Lula. O
corpus é constituído por quarenta e uma capas de revistas, sendo dezessete da revista Época e
vinte e quatro da revista Veja. As capas datam da candidatura em que Lula foi eleito o
Presidente do Brasil, no ano de 2002, ao último ano de mandato após a reeleição em 2006, no
ano de 2010, ou seja, um período de nove anos. Com base na análise realizada podemos
afirmar que as revistas Época e Veja constroem diversas Rds de Lula, tais como: candidato;
candidato eleito; presidente; presidente eleito; presidente reeleito; governante e membro de
partido político; político; petista/sigla do PT; aliado de governos internacionais; cúmplice e
participante em escândalos de corrupção; amigo, irmão, primo, sobrinho, pai, parente e
homem; além de outras que se desdobram a partir destas por intermédio dos modificadores
dos referentes e processos, pelos próprios processos e conexões e analogias realizadas sobre o
objeto de discurso Lula. Não obstante, a reconstrução dessas Rds se deram pela descrição e
interpretação das escolhas linguístico-textuais e discursivas que as revistas fazem para
produzir as proposições-enunciados, bem como pelas escolhas das imagens e demais recursos
visuais, todas elas operando co(n)textualmente articuladas para produzir efeitos de sentido
desejados pelas revistas. Em conclusão, as Rds verificadas exigem uma reflexão, descrição e
interpretação acerca da referenciação, da predicação, da relação e da localização
espaciotemporal que só foram possíveis pela análise textual-discursiva do arranjo verbovisual
que compõe o texto do gênero de discurso capa de revista.
Palavras-chave: Análise Textual dos Discursos. Representações discursivas. Lula. Gênero de
discurso capa de revista. Época e Veja.
8
RESUMEN
Esta investigación se propone a analizar las representaciones discursivas de Lula en las
portadas de las revistas Época y Veja, considerando los elementos verbo-visuales que
constituyen el género de discurso portada de revista. En ese sentido, buscamos describir e
interpretar las representaciones discursivas (Rds), tomando como fundamentación teórica el
Análisis Textual de los Discursos – ATD, teoría elaborada por Jean-Michel Adam (2011a),
concentrando nuestra atención en el nivel semántico del texto, o sea, en la dimensión que nos
permite comprender las Rds en un texto. Para la discusión sobre las Rds y sus categorías de
análisis – referenciación, predicación, cambio, relación y localización espacial y temporal –,
partimos de los estudios de Grize sobre las operaciones lógico-discursivas (1990, 1996), hasta
los estudios que discuten cuestiones lingüísticas, textuales y discursivas en enunciados
concretos, tales como Castilho (2010), Rodrigues; Passeggi; Silva Neto (2010), Neves (2011),
Rodrigues et al. (2012), Passeggi (2001; 2012), Queiroz (2013), entre otros. Además, nos
amparamos en la Multimodalidad Discursiva en lo que se refiere a la verbo-visualidad
presente en la portada de revista (KRESS; van LEEUWEN, 2006; DIONISIO, 2011;
DIONISIO; VASCONCELOS, 2013). A partir de una investigación de abordaje cualitativo
bajo un apoyo cuantitativo, de tipo documental, realizamos con base en el método deductivo-
inductivo la descripción e interpretación del corpus (SEVERINO, 2007; CHIZZOTTI, 2010;
OLIVEIRA, M., 2013), con el fin de reconstruir las Rds de Lula. El corpus está formado por
cuarenta y una portadas de revistas, diecisiete de la revista Época y veinticuatro de la revista
Veja. Las portadas son del período de la candidatura en la que Lula fue electo Presidente de
Brasil, en el año de 2002, hasta el último año de mandato tras la reelección en 2006, en 2010,
o sea, un período de nueve años. Con base en el análisis realizado podemos afirmar que las
revistas Época y Veja construyen diversas Rds de Lula, tales como: candidato; candidato
electo; presidente; presidente electo; presidente reelecto; gobernante y miembro de partido
político; político; petista/sigla del PT; aliado de gobiernos internacionales; cómplice y
participante en escándalos de corrupción; amigo, hermano, primo, sobrino, padre, familiar y
hombre; además de otras que se desarrollan a partir de estas por intermedio de los
modificadores de los referentes y procesos, por los propios procesos y conexiones y analogías
realizadas sobre el objeto de discurso Lula. No obstante, la reconstrucción de esas Rds
ocurren a partir de la descripción e interpretación de las elecciones lingüístico-textuales y
discursivas que las revistas realizan para producir las proposiciones-enunciados, así como por
las elecciones de las imágenes y demás recursos visuales, todas ellas operando
co(n)textualmente articuladas para producir los efectos de sentido que quieren las revistas. A
modo de conclusión, las Rds verificadas exigen una reflexión, descripción e interpretación
sobre la referenciación, la predicación, la relación y la localización espaciotemporal que
solamente son posibles por el análisis textual-discursivo de la relación verbo-visual que
compone el texto del género de discurso portada de revista.
Palabras-clave: Análisis Textual de los Discursos. Representaciones discursivas. Lula.
Género de discurso portada de revista. Época y Veja.
9
ABSTRACT
This doctoral dissertation proposes to analyze the discursive representations of Lula, as they
appear on the covers of the magazines, Época and Veja, targeting the verbo-visual elements
that comprise the genre, magazine covers. In this way, we seek to describe and interpret the
discursive representations (Drs), using a theoretical framework based on the Textual
Discourse Analysis – TDA, developed by Jean-Michel Adam (2011a), focusing on the
semantic level of the text, that is, on the dimension that allows for the comprehension of Drs
present in a text. For a discussion about the Drs and their categories of analysis – referencing,
predication, modification, relation and spatial localization and time – we use as a starting
point, the study by Brize about the logical-discursive operations (1990, 1996), and continue
through the studies that discuss linguistic, textual, and discursive operations in concrete
utterances, such as Castilho (2010), Rodrigues; Passeggi; Silva Neto (2010), Neves (2011),
Rodrigues et al. (2012), Passeggi (2001; 2012), Queiroz (2013), among others. In addition, we
rely on Multimodal Discourse for the verbo-visual aspects present on magazine covers
(KRESS; van LEEUWEN, 2006; DIONISIO, 2011; DIONISIO; VASCONCELOS, 2013).
Using a research approach that is qualitative with quantitative support, and which is
documental, and based on deductive-inductive methods, we describe and interpret a corpus
(SEVERINO, 2007; CHIZZOTTI, 2010; OLIVEIRA, M., 2013), aiming to reconstruct Lula’s
Drs. The corpus is comprised of forty one magazine covers – sixteen from Época and twenty
four from Veja. The covers date from the election period in which the candidate, Lula, was
elected President of Brazil in 2002, the last mandate after his re-election in 2006, and in the
year 2010 – a period of 9 years. Based on the analysis carried out, we can affirm that the
magazines, Época and Veja, construct diverse Drs by Lula, such as: candidate; elected
candidate; governing member and member of a political party; re-elected president; politics;
workers party acronym PT; international governments as allies; accomplices and participants
in scandals of corruption; friend, brother, cousin, nephew, father, parent and man; among
others that unfold throughout these by the mediation of the modifiers of the referents and
processes, and by the very processes and connections, and analogies made on the object of
discourse, Lula. Nonetheless, the reconstruction of these is derived from the description and
interpretation of the textual-linguistic and discursive choices that the magazines make to
produce the proposition-utterances, as well as by the choices of images and other visual
resources, all operating as co(n)textually articulated to produce the magazine’s desired effect.
In conclusion, the Drs verified demand the reflection, description and interpretation of the
referencing, prediction, the relationship and spatial-temporal localization, which was only
possible through the textual-discursive analysis of the verbo-visual arrangements that
comprise texts in the genre – magazine cover.
Keywords: Textual Discourse Analysis. Discoursive Respresentations. Lula. The Genre –
magazine cover. Época and Veja.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Esquema 1 – O lugar da Linguística do Texto na Análise dos Discursos .................. 33
Esquema 2 – Níveis da Análise Textual dos Discursos ................................................ 37
Esquema 3 – Nivel da Análise do Discurso: o lugar do(s) gêneros(s) ......................... 40
Esquema 4 – As três dimensões da proposição-enunciado ......................................... 57
Esquema 5 – A esquematização na situação de interlocução (GRIZE, 1996, p. 68) . 61
Esquema 6 – Os papeis temáticos numa perspectiva semântica ................................ 67
Figura 1 – Interdiscurso na capa de revista ................................................................. 91
Figura 2 – A estrutura composicional do gênero de discurso capa da revista ........... 94
Figuras 3 e 4 – Capas de revistas sem imagens e chamadas secundárias .................. 96
Figura 5 – Capa de revista sem chamada principal .................................................... 96
Figura 6 – Diálogo entre a recategorização e a imagem principal na construção da
referenciação ...................................................................................................................
105
Figura 7 – O sentido do modificador “desanimado” pela imagem principal ............ 106
Figura 8 – Recategorização de Lula como “sombra” pela imagem principal ........... 107
Figura 9 – Capa de Época com a categorização de Lula como “Presidente” ............ 108
Figura 10 – Capa de Época com a categorização de Lula como “Lula da Silva” ..... 109
Figura 12 – A contribuição da imagem principal para a predicação de futuro
“serão” .............................................................................................................................
116
Figuras 13 e 14 – Predicação e sentido nas capas da revista Época ........................... 118
Figura 15 – Conexão por meio da imagem e texto ....................................................... 123
Figuras 16 e 17 – Conexão verbovisual e mecanismos de foricidade no texto das
capas de Época ...............................................................................................................
124
Figuras 18 e 19 – Referenciações de Lula construídas apenas pela imagem
principal ...........................................................................................................................
129
Figura 20 – Capa de Veja em que a imagem principal é categorizada pela
nominalização “Lula” .....................................................................................................
131
Figura 21 – Capa de Veja em que a imagem principal é categorizada pela
nominalização “Presidente” ...........................................................................................
133
Figura 22 – Contribuições da verbovisualidade para a interpretação dos sentidos
na cadeia referencial .......................................................................................................
137
11
Figura 23 – Arranjo verbovisual como construtor da Rd de Lula ............................. 140
Figuras 24 e 25 – A contribuição da imagem para a Rd de Lula como presidente
que não quer deixar a presidência .................................................................................
150
Figura 26 – Contribuição da imagem principal para a Rd de Lula como
danificado por fatores externos .....................................................................................
152
Figura 27 – Contribuição da imagem principal para a Rd de Lula como
danificado por fatores externos .....................................................................................
155
Figura 28 – Contribuição visual para a construção da metáfora Lula-de-mel ......... 162
Figura 29 – Verbovisualidade na construção da metáfora de Lula em analogia
com ex-presidente Collor ................................................................................................
163
Figura 30 – Logotipo de Collor na campanha a presidente da República em 1989 . 163
Figuras 31 e 32 – A conexão por meio da imagem nas capas de Veja ....................... 165
Figura 33 – A localização temporal por meio de recursos verbovisuais .................... 170
12
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Os três grupos da representação discursiva (Rd) .................................... 63
Quadro 2 – Exemplo de constituição básica da predicação ........................................ 69
Quadro 3 – Exemplo de aspectualização e elemento ................................................... 71
Quadro 4 – Exemplos de comparação e metáfora ....................................................... 74
Quadro 5 – Advérbios e/ou expressões adverbiais de tempo e lugar ......................... 75
Quadro 6 – Relações de metodologia entre os trabalhos sobre Rds ........................... 80
Quadro 7 – Total de capas que compõe o corpus da pesquisa .................................... 86
Quadro 8 – Código utilizado para a análise das capas de revista .............................. 86
Quadro 9 – Código utilizado para a análise dos enunciados das capas ..................... 87
Quadro 10 - Nominalizações do objeto de discurso presentes em capas em que o
referente dá-se pela imagem principal ..........................................................................
100
Quadro 11 – Referenciações do tema Lula nas capas da revista Época .................... 101
Quadro 12 – Referenciações de Lula na função de participante sujeito nas
proposições-enunciados ..................................................................................................
102
Quadro 13 – Referenciações de Lula na função de participante complemento nas
proposições-enunciados ..................................................................................................
103
Quadro 14 – Recategorizações do referente categorizado como Lula ....................... 104
Quadro 14 – Recategorizações do referente Lula da Silva ......................................... 110
Quadro 15 – Processos utilizados pela revista Época para a construção da Rd de
Lula ..................................................................................................................................
111
Quadro 17 – Conjugação dos processos utilizados pela revista Época para a
construção da Rd de Lula ..............................................................................................
112
Quadro 18 – Predicações com processos de ação ......................................................... 113
Quadro 19 – Predicações com processos de estado ...................................................... 115
Quadro 20 – Processos de ação que materializam estados sobre o referente Lula ... 117
Quadro 21 – Representações discursivas de Lula por meio das predicações............. 119
Quadro 22 – Conectivos usados nos textos da revista Época ...................................... 120
Quadro 23 – Conectivos aditivos usados nos textos da revista Época ....................... 121
Quadro 24 – Conectivos integrantes usados nos textos da revista Época .................. 121
Quadro 25 – Conectivos adversativos usados nos textos da revista Época ............... 121
13
Quadro 26 – Conectivo final usado nos textos da revista Época ............................. 122
Quadro 27 – Estabelecimento de conexão do elemento fórico “ele” com a imagem
principal (referente) ........................................................................................................
125
Quadro 28 – Estabelecimento de conexão por meio do possessivo “sua” .................. 125
Quadro 29 – Localizadores espaciais e temporais nas capas da revista Época ......... 126
Quadro 30 – Formas de referenciação do objeto de discurso Lula nas capas da
revista Veja ......................................................................................................................
127
Quadro 31 – Referenciações (categorizações e recategorizações) do tema Lula nas
capas da revista Veja ......................................................................................................
130
Quadro 32 – Categorizações do tema tratado pela nominalização “Lula” nas
capas de Veja ...................................................................................................................
131
Quadro 33 – Categorizações do tema tratado pela nominalização “presidente” nas
capas de Veja ...................................................................................................................
134
Quadro 34 – Referenciações de Lula na função de participante sujeito nas capas
de Veja .............................................................................................................................
135
Quadro 35 – Recategorizações do referente Lula nas capas da revista Veja ............ 138
Quadro 36 – Processos utilizados pela revista Veja para a construção da Rd de
Lula ..................................................................................................................................
142
Quadro 37 – Conjugação dos processos utilizados pela revista Veja para a
construção da Rd de Lula ..............................................................................................
144
Quadro 38 – Predicações em torno do eixo semântico de candidato ......................... 146
Quadro 39 – Predicações em torno do eixo semântico de presidente ........................ 148
Quadro 40 – Predicações sobre o referente Lula no eixo semântico de escândalos
de corrupção ....................................................................................................................
151
Quadro 41 – Conectivos usados nos textos da revista Veja ........................................ 156
Quadro 42 – Conectivos aditivos usados nos textos da revista Veja .......................... 157
Quadro 43 – Conectivos integrantes usados nos textos da revista Veja .................... 159
Quadro 44 – Conectivos adversativos usados nos textos da revista Veja .................. 160
Quadro 45 – O elemento fórico “ele” nos textos das capas de Veja ........................... 165
Quadro 46 – Estabelecimento de conexão por elementos fóricos possessivos nas
capas de Veja ...................................................................................................................
166
Quadro 47 – Localização espacial nas capas de Veja .................................................. 168
Quadro 48 – Localização temporal nas capas de Veja ................................................ 169
14
Quadro 49 – Representações discursivas de Lula nas capas das revistas .................. 172
Quadro 50 – Síntese dos recursos utilizados nas categorias semânticas das Rds de
Lula ..................................................................................................................................
175
15
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADF – Análise do Discurso Francesa
ANPOLL – Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística
ATD – Análise Textual dos Discursos
Ep – Época
EUA – Estados Unidos da América
FD – Formação Discursiva
GT LTAC – Grupo de Trabalho Linguística do Texto e Análise da Conversação
im(A) – Imagem do locutor
im(B) – Imagem do alocutário
im(T) – Imagem do tema tratado
LT – Linguística do Texto
N1 – Nível 1
N2 – Nível 2
N3 – Nível 3
N4 – Nível 4
N5 – Nível 5
N6 – Nível 6
N7 – Nível 7
N8 – Nível 8
PdV – Ponto de Vista
PdVs – Pontos de Vista
PT – Partido dos Trabalhadores
Rd – Representação discursiva
Rds – Representações discursivas
TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação
Ve - Veja
16
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 18
2 DA LINGUÍSTICA DO TEXTO À ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS ........... 23
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A LINGUÍSTICA DO TEXTO ........................... 23
2.1.1 Linguística do Texto no Brasil ........................................................................................ 26
2.2 ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS ........................................................................ 32
2.2.1 Níveis do texto e do discurso na Análise Textual dos Discursos .................................... 35
2.2.2 Da linguagem como ação aos gêneros de discurso ......................................................... 40
2.2.2.1 Multimodalidade discursiva: parte integrante do gênero ............................................. 43
2.2.3 O gênero de discurso capa de revista .............................................................................. 47
3 REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA ................................................................................. 56
3.1 DA PROPOSIÇÃO-ENUNCIADO AO NÍVEL SEMÂNTICO DO TEXTO: A NOÇÃO
DE REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA ................................................................................. 56
3.1.1 Da esquematização aos grupos da Representação discursiva .......................................... 60
3.1.2 Categorias semânticas para análise da Representação discursiva ................................... 64
3.1.2.1 Referenciação ............................................................................................................... 66
3.1.2.2 Predicação ..................................................................................................................... 69
3.1.2.3 Modificação .................................................................................................................. 71
3.1.2.4 Relação ......................................................................................................................... 72
3.1.2.5 Localização ................................................................................................................... 74
4 QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA PESQUISA .................................... 77
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ....................................................................... 77
4.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .......................................................... 80
4.3 APRESENTAÇÃO DO CORPUS ..................................................................................... 84
4.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE .................................................................................. 86
5 ANÁLISES DAS REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LULA NAS CAPAS DE
ÉPOCA E VEJA ...................................................................................................................... 89
5.1 CAPA DE REVISTA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O NÍVEL DO DISCURSO ............ 89
5.2 CAPA DE REVISTA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O NÍVEL DO TEXTO .................. 93
5.3 RDS DE LULA NAS CAPAS DA REVISTA ÉPOCA ..................................................... 97
5.3.1 Referenciação e seus modificadores ................................................................................ 98
17
5.3.2 Predicação e seus modificadores ................................................................................... 111
5.3.3 Relação .......................................................................................................................... 119
5.3.4 Localização espacial e temporal .................................................................................... 126
5.4 RDS DE LULA NAS CAPAS DA REVISTA VEJA ....................................................... 127
5.4.1 Referenciação e seus modificadores .............................................................................. 128
5.4.2 Predicação e seus modificadores ................................................................................... 141
5.4.3 Relação .......................................................................................................................... 156
5.4.4 Localização espacial e temporal .................................................................................... 167
5.5 SÍNTESE DA ANÁLISE DAS RDS DE LULA NAS CAPAS DE REVISTA .............. 171
6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 174
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 179
ANEXOS ............................................................................................................................... 187
ANEXO A: CAPAS DA REVISTA ÉPOCA ...................................................................... 188
ANEXO B: CAPAS DA REVISTA VEJA .......................................................................... 206
18
CAPÍTULO 1
1 INTRODUÇÃO
Desde 2008, com a publicação, em português, da obra A linguística textual: uma
introdução à análise textual dos discursos, de Jean-Michel Adam, bem como pela
constituição do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos, do Departamento de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, estudos vêm sendo
empreendidos, a fim de descrever, interpretar e analisar práticas discursivas concretas.
Com o objetivo de contribuir teórica e metodologicamente para a consolidação da
Análise Textual dos Discursos, as pesquisas realizadas por esse grupo têm descrito dados
textuais diversos em suas distintas dimensões: sequencial-composicional, enunciativa,
argumentativa e semântica.
A tese Representações discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja
apresenta-se como mais um estudo desenvolvido junto a esse grupo, com o propósito de
consolidar uma das abordagens possíveis da Análise Textual dos Discursos (ATD), a saber: o
nível semântico do texto. Para tanto, tomamos como objeto de estudo o gênero de discurso1
capa de revista.
Esta pesquisa está concentrada na grande área de Linguística, Letras e Artes e, mais
especificamente, na área da Linguística, haja vista pertencermos à linha de pesquisa Análise
linguística de textos: teoria e descrição, com a qual se visa à descrição linguística de textos de
diferentes gêneros, desenvolvendo questões teóricas, metodológicas e empíricas, com base na
Análise Textual dos Discursos.
Nessa ótica, considerando o grande leque de subáreas que a Linguística contempla,
dentre as quais estão a Linguística do Texto e a Análise do Discurso, correntes teóricas que
fundamentam a formulação da teoria proposta por Jean-Michel Adam, é que desenvolvemos
essa pesquisa de doutoramento, orientada pelo Prof. Dr. Luis Álvaro Sgadari Passeggi.
Nesse contexto, nossa pesquisa se justifica por apresentar relevância científica e
acadêmica para os estudos realizados no âmbito das pesquisas com o objeto texto, aos quais
incorporamos os pressupostos do estudo verbovisual, especificamente, da Multimodalidade
1 Embora as pesquisas linguísticas contemplem nomenclaturas distintas para tratar da categoria gênero, tais como
gênero discursivo (BAKHTIN, 2003), gênero de texto (BRONCKART; 2003), gênero textual (MARCUSCHI,
2008; 2011a), entre outras, adotamos, em nossa tese, a nomenclatura utilizada por Adam (2011a), a saber:
gêneros de discurso.
19
Discursiva. Isto posto, além de considerarmos os fenômenos linguístico-textuais e discursivos
inerentes ao estudo do texto, adicionamos a perspectiva visual como forma de descrição e
compreensão das representações discursivas do tema tratado no gênero de discurso capa de
revista. Desse modo, acreditamos que esta será uma contribuição para a área de pesquisa em
textos multimodais que, segundo alguns estudiosos, é um dos novos desafios teóricos da
Linguística Textual a serem enfrentados neste século (BENTES; ALVES FILHO; RAMOS,
P., 2010; RAMOS, P., 2012).
Outros fatores que justificam nossa pesquisa estão associados ao corpus selecionado
para a análise. O primeiro deles diz respeito à escolha das revistas, a partir das quais
extraímos os textos, isto é, decidimos por usar as revistas Veja e Época devido ao fato de elas
serem por nós estudadas desde a elaboração de nossa dissertação de mestrado, em que
analisamos mecanismos verbovisuais de interação no gênero editorial. Além disso, esses dois
veículos de informação semanal são os mais vendidos no Brasil, revelando sua importância no
contexto do jornalismo de revista brasileiro.
O segundo fator diz respeito à escolha do gênero de discurso capa de revista, uma vez
que sempre foi de nosso interesse e curiosidade compreender a construção de sentidos no
texto de capas de revista, além de ser ele é um gênero que ainda não foi estudado nas
pesquisas em Análise Textual dos Discursos, o que representa o caráter inovador de nossa tese
frente aos trabalhos desenvolvidos nesse nicho acadêmico-científico.
O terceiro motivo está associado ao objeto de discurso sobre o qual buscamos
compreender as representações discursivas construídas por Veja e Época em suas capas, ou
seja, Lula. A escolha desse tema se deu pela entrada emblemática de Lula na presidência em
2002, permanecendo por oito anos (dois mandatos) como presidente da República do Brasil.
A figura de Lula foge a tradicionalidade dos presidentes brasileiros anteriores, pois sua
origem e história de vida foram marcas que o consagraram como o político que realizou um
feito histórico na trajetória política do país. Primeiro, por ele ter sido um ex-operário e
retirante nordestino que foi eleito presidente; segundo, pelas expectativas que cercaram o seu
governo, devido sua trajetória de vida; e, terceiro, por ser esta a primeira vez que as forças de
esquerda tomariam controle da nação. Acresça-se a isso o fato de ele ter sido reeleito em 2006
e fechar o seu governo em 2010 com índice 80% de aprovação pessoal, conforme dados da
pesquisa do Ibope encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Diante disso, como o estudo das representações discursivas nos permite reconstruir o
as representações (imagens) do locutor, dos alocutários e do tema tratado, optamos por essa
abordagem teórica para sabermos como uma das figuras mais importantes do cenário político
20
atual foi representada discursivamente pelo jornalismo de revista, em especial, em um texto
multimodal que podemos chamar de “convite ao leitor” – o gênero de discurso capa de
revista.
Por tais questões, assumimos, aqui, a proposta de desenvolvimento de uma pesquisa
que está situada no âmbito geral da Linguística do Texto, tomando referência em Marcuschi
(2009 [1983]), Koch (2009), Fávero e Koch (2012), Fávero (2012), entre outras. E, mais
especificamente, na Análise Textual dos Discursos, orientada por Adam (2011a) e estudos
baseados em suas propostas, tais como Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), Passeggi et
al. (2010), Ramos, M. (2011), Rodrigues et al. (2012), Oliveira, K. (2013), Queiroz (2013),
entre outros. Dentre os estudos mencionados, a representação discursiva é focalizada em
diferentes textos verbais: discurso político, carta-testamento, textos de vestibulandos e pré-
vestibulandos, cartas pessoais, etc.
Em nosso estudo, ao mesmo tempo em que temos a intenção de contribuir para as
pesquisas em Análise Textual dos Discursos, buscamos contemplar uma questão que não tem
sido observada nos trabalhos até então realizados, isto é, buscamos apresentar o texto em sua
complexidade, considerando os elementos verbais e visuais que constituem textos
multimodais. Isto é, além de considerarmos os elementos linguístico-discursivos (palavras
e/ou expressões), consideramos as imagens que compõem a capa de revista e, por
conseguinte, buscamos compreender a contribuição destas para a (re)construção das
representações discursivas de Lula.
Para tanto, respaldamo-nos na teoria da Multimodalidade Discursiva, tomando como
princípio geral os postulados de Kress (2003), Kress e van Leeuwen (2006), bem como os
estudos de seus contemporâneos brasileiros (DIONISIO, 2011; DIONISIO;
VASCONCELOS, 2013), entre outros. Vale ressaltar, portanto, que a Multimodalidade
Discursiva toma como pano de fundo a Semiótica Social (van LEEUWEN, 2004; 2006), uma
teoria que visa a estudar o texto, considerando os mais variados modos semióticos que
acompanham o modo verbal.
À vista disso, nosso intuito é responder as seguintes questões de pesquisa:
Que representações discursivas de Lula são construídas pelas revistas Época e Veja no
gênero de discurso capa de revista?
Como as imagens contidas nas capas de revista corroboram para a análise e construção
das representações discursivas de Lula?
Quais as diferenças ou semelhanças entre os recursos verbovisuais utilizadas para
construir as representações discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja?
21
Com o propósito de responder a essas questões, delineamos como objetivo geral dessa
tese analisar as representações discursivas do tema Lula nas capas das revistas Época e Veja,
considerando os elementos verbovisuais que constituem o referido gênero de discurso.
De modo mais específico, os objetivos que refletem as três perguntas realizadas
anteriormente são: a) descrever e interpretar os recursos verbovisuais que são utilizados pelas
revistas Época e Veja para construir as representações discursivas de Lula no gênero de
discurso capa de revista; b) compreender o papel das imagens presentes nas capas das revistas
Época e Veja e a sua contribuição para a construção das representações discursivas do tema
tratado; e c) comparar os recursos verbovisuais utilizados pelas revistas Época e Veja para a
construção das representações discursivas de Lula.
Para tal fim, realizamos uma pesquisa de abordagem qualitativa, que por intermédio da
técnica descritivo-interpretativista, permite-nos descrever e interpretar o texto das capas de
revista, com vistas a reconstruir as representações discursivas de Lula presente nas capas de
Época e Veja. Em face disto, utilizamos as seguintes categorias de análise: referenciação e
seus modificadores; predicação e seus modificadores; relação; e, localização espacial e
temporal.
Diante da caminhada realizada, no CAPÍTULO 1: Introdução, situamos
contextualmente o nosso estudo, bem como as questões de pesquisa e os objetivos que
delimitam o problema a ser estudado e, por conseguinte, apresentamos resumidamente as
demais partes que constituem este fazer acadêmico e científico.
No CAPÍTULO 2: Da Linguística do Texto à Análise Textual dos Discursos, iniciamos
a discussão teórica que fundamenta este trabalho. Para tanto, realizamos um breve percurso
teórico da Linguística do Texto, começando pelos estudos europeus até chegarmos às
primeiras publicações brasileiras que focalizaram esse ramo teórico da Linguística, bem como
apresentamos as perspectivas atuais de estudo do texto, oral e escrito, com base na obra
Linguística do texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil, de Bentes
e Leite (2010). Em seguida, verticalizamos nossa atenção para a Análise Textual dos
Discursos, proposta teórico-metodológica de análise de textos concretos, elaborada por Adam
(2011a), a partir da qual refletimos sobre os pressupostos gerais dessa corrente. Nesse capítulo
também apresentamos o nosso conceito de texto, o que entendemos por gêneros de discurso e
os modos de linguagem utilizados na produção destes.
No CAPÍTULO 3: Representação discursiva, discutimos sobre o nível semântico do
texto, bem como apresentamos as categorias que servem de fundamento teórico-metodológico
22
para a análise da construção e reconstrução das representações discursivas em textos
concretos.
No CAPÍTULO 4: Questões teórico-metodológicas da pesquisa, contextualizamos o
nosso trabalho no âmbito das produções em Análise Textual dos Discursos, especificamente
aquelas que se ocupam do estudo das representações discursivas pautadas em textos
concretos, a fim de mapearmos as orientações metodológicas que se tem seguido nas
pesquisas sobre essa temática. A partir disso, apresentamos a abordagem de pesquisa, o
método, o corpus e os procedimentos de análise elencados para a análise das representações
discursivas de Lula nas capas das revistas.
No CAPÍTULO 5: Análise das representações discursivas de Lula nas capas das
revistas Época e Veja, realizamos a descrição e interpretação dos elementos textuais que se
fazem presentes nas capas de revista para, enfim, compreendermos como são construídas as
representações discursivas de Lula. Neste momento, efetivamos a análise tanto a partir dos
elementos linguísticos quanto dos visuais, haja vista defendermos a corroboração desses
modos de linguagem para a construção das representações discursivas do tema tratado nas
capas das revistas Época e Veja. Além disso, realizamos a análise com base em cada uma das
revistas, a começar pela revista Época e, por conseguinte, a revista Veja. Da análise de Veja,
apresentamos as comparações das representações discursivas, bem como dos recursos
verbovisuais, a fim de expormos semelhanças e diferenças entre as formas de construção das
representações erigidas por ambos os suportes (revistas).
Ao final, no CAPÍTULO 6: Conclusão, retomamos os objetivos dessa pesquisa com o
intuito de discutirmos os resultados alcançados, o que pode, a nosso ver, contribuir para novas
pesquisas que se voltem para a análise textual-discursiva, mais especificamente as que
venham a tratar de representações discursivas, bem como para o discurso multimodal –
tendências que cada vez mais recebem atenção no estudo das práticas discursivas
contemporâneas.
23
CAPÍTULO 2
2 DA LINGUÍSTICA DO TEXTO À ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS
Neste capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos gerais que fundamentam este
trabalho. Para tanto, partimos da discussão sobre a Linguística do Texto2 – LT e seus
fundamentos epistemológicos, os quais sustentam os estudos sobre o texto, desde a década de
sessenta, no exterior, e depois disso no Brasil para, então, chegarmos aos postulados de Jean-
Michel Adam acerca de uma teoria sobre Análise Textual dos Discursos – ATD. Em seguida,
verticalizamos a discussão sobre a linguagem como ação, buscando refletir sobre os gêneros
de discurso enquanto instâncias sociointeracionais de materialização do discurso.
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A LINGUÍSTICA DO TEXTO
No século XX, com a consolidação da Linguística enquanto ciência da linguagem
(LYONS, 1982), a figura de Ferdinand de Saussure passou a ser centro no estudo dos
fenômenos linguísticos, sendo estes observados a partir da descrição e análise da língua –
objeto de estudo da Linguística. Com o passar do tempo, o estudo imanente da língua cedeu
espaço para a dimensão social, pragmática e discursiva da linguagem, ultrapassando os limites
da frase – unidade complexa de análise linguística.
As ideias do mestre genebrino, organizadas por Charles Bally e Albert Sechehaye no
Curso de Linguística Geral (SAUSSURE, 2006), obra póstuma publicada no ano de 1916,
contribuíram para a formalização teórico-metodológica da ciência linguística. Com o passar
do tempo, essas ideias possibilitaram o surgimento de diversas correntes teóricas ou
ramificações da Linguística. Vale mencionar que essas correntes constituíram-se em
perspectivas ou de concordância com as ideias defendidas por Saussure ou de divergência
com algum princípio exposto no Curso.
Por esse motivo, podemos afirmar que, a partir do século XX, a pesquisa linguística se
dividiu em dois tipos: a formalista e a funcionalista. Em síntese, a corrente formalista
2 Por uma questão de manutenção terminológica, usamos, ao longo desse trabalho, a terminologia Linguística do
Texto, haja vista a possibilidade de também chamar essa corrente teórica de Linguística Textual ou Linguística
de Texto.
24
enfatizava a forma, entendendo a língua como um sistema, uma estrutura, independente das
intenções de uso e da situação de comunicação. A corrente funcionalista, por sua vez,
compreende a língua em uma perspectiva sociointeracionista e funcional, isto é, ao mesmo
tempo em que se observa a forma, observa-se a função, haja vista estudar a língua em
situações reais de comunicação (WILSON, 2010).
Esse segundo tipo de pesquisa linguística, o paradigma funcionalista como é chamado
pelos estudiosos da linguagem, fez surgir diversas escolas linguísticas, a saber: a
sociolinguística, o funcionalismo, a análise do discurso, a pragmática, a linguística do texto,
entre outras. Como se pode notar, os preceitos saussurianos possibilitaram a observação de
um mesmo objeto por olhares diferentes. Todavia, algumas dessas correntes, na constituição
de seus reais interesses de estudo, foram além dos limites da língua.
A Linguística do Texto (LT), uma dessas vertentes de estudo linguístico, antes de ser
percebida como parte do seio funcionalista, seguiu diferentes orientações (estruturalista e
gerativista, por exemplo), até consolidar-se como corrente teórica.
Fávero e Koch (2012, p. 15), na obra Linguística textual: introdução, afirmam que a
LT “começou a desenvolver-se na década de 1960, na Europa e, de modo especial, na
Alemanha”. Segundo as autoras, a proposta desse ramo linguístico é tomar, não mais a
palavra ou a frase como objeto de estudo, “mas sim o texto, por serem os textos a forma
específica de manifestação da linguagem” (Ibid., p. 15).
Muitos são os estudiosos que contribuíram para o desenvolvimento da LT na Europa.
De acordo com Fávero e Koch (2012, p. 15), “destacam-se autores como Heildoph, Hartung,
Isenberg, Thümmel, Hartmann, Harweg, Petöfi, Dressler, Van Dijk Schmidt, Kummer,
Wunderlich, entre outros, cujos trabalhos se desenvolvem, sobretudo, em equipes,
concentradas em núcleos importantes”.
Fávero (2012) afirma que os principais centros de desenvolvimento da LT foram
Münster, Colônia, Berlin Est, Constança e Bielefeld. Nas palavras da autora, houve um
verdadeiro “boom” com as produções desses centros. “O impacto foi muito grande e um
levantamento bibliográfico feito em 1973 por Dressler e Schmidt documentava quase 500
títulos, além de números especiais, monográficos, de várias revistas” (Ibid., p. 225).
Algo que devemos ressaltar é que a LT não se desenvolveu de forma homogênea.
Segundo Marcuschi (2009 [1983], p. 16), essa corrente, tal como a conhecemos,
“desenvolveu-se rapidamente e em várias direções”. Para o autor, o que, afinal, une as
diferentes propostas teóricas sob a alcunha de Linguística do Texto é “um dogma de fé: o
25
texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à frase. E uma certeza: a gramática
da frase não dá conta do texto” (MARCUSCHI, 2009 [1983], p. 16).
Nessa perspectiva, sem buscarmos fazer uma exaustiva discussão acerca da LT na
Europa, apresentamos os principais momentos que abrangem as preocupações teóricas
naquela ocasião. Acerca disso, Bentes (2004, p. 246) afirma que:
Não há consenso entre os autores de que houve uma certa cronologia na
passagem de um momento para o outro. Podemos afirmar, no entanto, que
houve não só uma gradual ampliação do objeto de análise da Linguística
Textual, mas também um progressivo afastamento da influência teórico-
metodológica da Linguística Estrutural saussureana [...].
Pelas palavras de Bentes (2004), compreendemos que não houve um período
específico de ascensão de proposta teórica de estudo da LT em detrimento de outro, o que se
pode constatar é que as fases dessa corrente caracterizam-se muito mais como uma mudança
tipológica do que uma mudança de ordem cronológica. Afinal, essas fases refletem os
principais momentos na passagem da teoria da frase à teoria do texto.
De acordo com Fávero e Koch (2012, p. 18, grifos das autoras), subsidiadas pelos
postulados de Conte (1977), temos três momentos: “o da análise transfrástica”; “o da
construção das gramáticas textuais”; e “o das construções das teorias do texto”. De forma
resumida, Bentes (2004, p. 246-247, grifos da autora) afirma que:
[...] em um primeiro momento, o interesse predominante voltava-se para a
análise transfrástica, ou seja, para fenômenos que não conseguiam ser
explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem
limitadas ao nível da frase; em um segundo momento, com a euforia
provocada pelo sucesso da gramática gerativa, postulou-se a descrição da
competência linguística do falante, ou seja, a construção de gramáticas
textuais; em um terceiro momento, o texto passa a ser estudado dentro de seu
contexto de produção e a ser compreendido não como um produto acabado,
mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos
linguísticos em situações sociocomunicativas; parte-se, assim, para a
elaboração de uma teoria do texto.
Algo que devemos considerar, baseando-nos nesses momentos é que, para cada um
deles, houve um conceito de texto predominante. No primeiro, o texto era visto como um
conjunto sucessivo de unidades linguísticas, constituído “mediante a concatenação
pronominal ininterrupta”, conceito orientado pelos estudos de Harweg (FÁVERO; KOCH,
2012, p. 18). No segundo momento, ainda buscando mostrar o texto como portador de
propriedades que diziam respeito ao próprio sistema abstrato da língua, “postulava-se o texto
26
como unidade teórica formalmente construída, em oposição ao discurso, unidade funcional,
comunicativa e intersubjetivamente construída” (BENTES, 2004, p. 249, grifos da autora). O
terceiro momento, situado na virada pragmática3, por sua vez, compreende o texto como uma
“unidade de comunicação/interação humana” (KOCH, 2009, p. 13).
Nesse panorama, cabe dizer que a LT passou por diversos momentos, nos quais,
orientações teóricas e perspectivas acerca do texto revelaram matizes diversos desse objeto:
ora observado em sua microestrutura, ou seja, elementos de coesão; ora considerado com base
na ideia de ato de comunicação, focalizando a coerência; ora observado em sua vinculação a
contextos reais de uso da língua(gem) – perspectivas sociocomunicativa e interacionista.
Esse foi o entorno que originou estudos em LT pelo mundo e que, de forma particular,
aguçou o interesse de brasileiros por estudar o objeto texto. Dito isso, cabe fazermos um breve
percurso da história da LT no Brasil, começando pelos primeiros trabalhos publicados, suas
acepções teóricas e os resultados de todo um empreendimento linguístico de estudo do texto.
Desse modo, para Koch (2009, p. XV-XVI), no introito do livro Introdução à linguística
textual: trajetória e grades temas:
[...] a Linguística Textual percorreu um longo caminho até chegar ao
momento atual. Aqueles que não acompanharam a sua trajetória estão longe
de poder avaliar o que hoje essa disciplina vem se propondo como objeto de
investigação e a contribuição que seu estudo vem dando em prol de um
melhor conhecimento de como se realiza a produção textual do sentido.
2.1.1 Linguística do Texto no Brasil
No Brasil, após, aproximadamente vinte anos de estudos em LT na Europa,
começaram a ser produzidos os primeiros trabalhos em LT. O primeiro trabalho de que se tem
notícia é o do Prof. Dr. Ignácio Antônio Neis, da PUCRS, intitulado Por uma gramática
textual. Em 1983, são publicadas as duas obras que são referências, até os dias de hoje, em se
tratando de LT. São elas: Linguística do texto: o que é e como se faz, de Luiz Antônio
Marcuschi e Linguística Textual: introdução, de Leonor Lopes Fávero e Ingedore Grunfeld
Villaça Koch (FÁVERO, 2012).
3 A virada pragmática foi um movimento linguístico que data da segunda metade do século XX. Nela,
priorizava-se a interação social, isto é, o uso e o funcionamento da língua em situações concretas no cotidiano
dos falantes. Logo, nesse período, o foco nas funções sociocomunicativas das produções linguísticas
sobrepunham-se ao enfoque formal.
27
No texto de Neis (1981), constatou-se que a sua preocupação era baseada em dois
aspectos: “a construção de gramáticas do texto e a importância dada por ele à coerência, vista
então como propriedade do texto” (FÁVERO, 2012, p. 227). Assim como os linguistas da
Europa, Neis sustentou seus posicionamentos de formulação de uma gramática do texto,
amparando-se na linguística gerativa, pois, para ele “é na linguística gerativa que se encontra
um conjunto de procedimentos metodológicos e de descrições empíricas que servirão de base
sólida para se proceder à extensão da gramática frasal para uma gramática textual” (NEIS,
1981 apud FÁVERO, 2012, p. 228).
De acordo com Fávero (2012), seguindo a orientação de linguistas como Isenberg,
Neis não faz distinção entre os conceitos de coesão e coerência, chegando a chamá-los,
respectivamente, de coerência microestrutural e coerência macroestrutural, haja vista ser a
coerência a noção fundamental da gramática textual.
Algo que devemos mencionar é que, embora pouco seja mencionado nos estudos da
LT, Fávero (2012, p. 229) afirma que “o trabalho de Neis foi realmente importante e pouco se
faz referência a ele”.
A obra de Fávero e Koch – Linguística Textual: introdução – foi publicada em 1983.
Nela, as autoras apresentam a LT desde a sua origem, as fases pelas quais a LT passou, bem
como conceituam o objeto de estudo desse “novo ramo da linguística” (FÁVERO; KOCH,
2012, p. 15). Para elas, as concepções de texto apresentadas pelos estudiosos da LT são
variadas, o que possibilitou “além de análise transfrástica e gramática do texto, outras
denominações tais como Textologia (Harseg), Teoria de Texto (Schimdt), Translinguística
(Barthes), Hipersintaxe (Palek), Teoria da estrutura do texto – Estrutura do mundo (Petöfi)
etc.” (FÁVERO; KOCH, 2012, p. 16, grifos das autoras).
Além disso, as autoras buscam diferenciar texto e discurso, a fim de esclarecer
confusões criadas pelas diferentes concepções que esses dois termos agregam. Segundo elas:
“As diferentes concepções de texto e discurso acabaram por criar uma confusão entre dois
termos, ora empregados como sinônimos, ora usados para designar entidades diferentes”
(FÁVERO; KOCH, 2012, p. 31, grifos das autoras). Em conclusão a essa querela linguística:
É lícito concluir, portanto, que o termo texto pode ser tomado em duas
acepções: texto, em sentido lato, designa toda e qualquer manifestação da
capacidade textual do ser humano (quer se trate de um poema, quer de uma
música, uma pintura, um filme, uma escultura etc.), isto é, qualquer tipo de
comunicação realizado por meio de um sistema de signos. Em se tratando da
linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um falante,
em uma situação de comunicação dada, englobando o conjunto de
28
enunciados produzidos pelo locutor (ou por este e seu interlocutor, no caso
do diálogo) e o evento de sua enunciação. O discurso é manifestado,
linguisticamente, por meio de textos (em sentido estrito). Neste sentido, o
texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo
significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de uma unidade
de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por
um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto – os critérios ou
padrões de textualidade, entre os quais merecem destaque especial a coesão
e a coerência. (FÁVERO; KOCH, 2012, p. 34, grifos das autoras).
Em sendo assim, para as autoras, o texto deve ser compreendido como uma unidade de
sentido, capaz de estabelecer a comunicação entre interlocutores. Para tanto, esse texto é
composto por elementos que são responsáveis por sua organização. O discurso, por sua vez,
tanto pode ser considerado na perspectiva de texto (discurso político, discurso midiático etc.),
isto é, materializado, como na perspectiva de algo mais amplo, ou seja, o entorno discursivo
que permite a proliferação de enunciados concretos, os textos.
A continuação do trabalho das autoras consiste em fazer apresentar um panorama, em
perspectiva, de momentos significativos da LT e, como elas mesmas afirmam: realizar uma
resenha dos trabalhos de alguns autores da Europa, especificamente de linguistas do campo da
gramática textual (FÁVERO; KOCH, 2012).
Marcuschi (2009 [1983]), na obra Linguística do Texto: o que é e como se faz?, ao
partir das definições de texto, desde a imanência do sistema linguístico até a noção de texto
como mapeamento cognitivo, busca definir o que é a Linguística do Texto e os principais
aspectos “observáveis na produção, construção e recepção de textos” (MARCUSCHI, 2009
[1983], p. 38).
Para ele, a LT é uma linha investigativa interdisciplinar, o que requer categorias e
métodos de diversas naturezas. Dessa forma, o autor propõe que a LT seja vista “como o
estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção,
construção, funcionamento e recepção de textos orais e escritos” (Ibid., p. 35). Este
posicionamento do autor perdura até hoje nos estudos do texto. Desse modo, a LT deve ser
concebida além do texto pelo texto, ou seja, devemos tomar o texto como objeto de estudo e
considerá-lo a partir de todas as relações que o constituem, quer sejam elas textuais,
cognitivas, discursivas e/ou pragmáticas.
Vale ressaltar que Marcuschi (Ibid., p. 34) entendia o texto como “uma unidade
comunicativa atual realizada tanto ao nível do uso como ao nível do sistema. Tanto o uso
como o sistema têm suas funções essenciais”. Para o autor, o texto é sempre situacionalmente
29
condicionado, haja vista ser uma entidade concreta e situacional, ou seja, a cada situação
comunicativa o texto atualiza-se para cumprir funções inerentes ao contexto no qual é
produzido, não podendo ser tomado, então, como uma entidade abstrata.
Seguindo a linha dessas publicações, empreende-se no país a divulgação da LT e
constitui-se uma grande área de pesquisa, abordando o texto como ponto de partida para a
análise textual. Todavia, como afirma Marcuschi (2009 [1983], p. 34, grifos do autor):
“embora toda análise textual deva ter como ponto de partida a entidade linguística concreta –
o texto – que encontra pela frente, não deve parar aí”.
Nessa perspectiva, atualmente, a LT vem-se tornando, segundo Koch (2009, p. 175),
“um domínio multi- e transdisciplinar, em que se busca compreender e explicar essa entidade
multifacetada que é o texto”4. Para tanto, ao entender esse domínio como inerente à LT,
teorias como a Pragmática, a Análise da Conversação, a Teoria da Argumentação, a Análise
do Discurso, entre outras, passaram a dialogar com vistas a alcançar os objetivos que as
movem. Todas unificadas pelo mesmo objeto: o texto.
Sob a luz desse campo relacional de teorias e áreas do conhecimento com a LT,
recentemente foi publicada a obra Linguística de texto e análise da conversação: panorama
das pesquisas no Brasil (BENTES; LEITE, 2010). Organizado por Ana Cristina Bentes e
Marli Quadros Leite, o livro é dividido em quatro partes que coadunam os interesses dos
pesquisadores e suas filiações teóricas. O compêndio constitui-se de uma organização que
visa a celebrar os 25 anos de pesquisa do Grupo de Trabalho Linguística do Texto e Análise
da Conversação (GT LTAC) da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e
Linguística (ANPOLL). Além disso, esse livro é posto como uma homenagem a Luiz Antônio
Marcuschi, “que era a alma do grupo” (KOCH, 2010, p. 39).
Na primeira parte, Histórico do Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da
Conversação da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL),
dividida em dois capítulos, traça-se o percurso das duas áreas de investigação. Aqui, daremos
destaque ao capítulo de Ingedore G. V. Koch – Uma história, dois campos de estudo, um
homenageado... –, no qual a estudiosa relata a contribuição de Marcuschi para a construção e
consolidação do Grupo de Trabalho (GT) e, desenha o perfil dos membros que o compõem.
Segundo a autora, pelos trabalhos desenvolvidos ao longo do tempo no grupo, na área
da LT e da Análise da Conversação (AC), pode-se dizer que:
4 O pensamento exposto por Koch (2009) está associado às relações da Linguística do Texto tanto com outras
disciplinas quanto com outras áreas do conhecimento. Dentre estas áreas, a linguista aponta “a Neurologia, a
Neuropsicologia, as Ciências da Cognição, a Ciência da Computação e, por fim, com a Teoria da Evolução
Cultural” (KOCH, 2009, p. 175).
30
Em consequência do grande interesse pela dimensão sociointeracionista da
linguagem e dos processos afeitos a ela, surge (ou ressurge) uma série de
questões pertinentes para a agenda de estudos da linguagem e, é claro, para a
agenda de estudos do GT LTAC, dentre as quais as diversas formas de
progressão textual, a dêixis textual, o processamento sociocognitivo do
texto, a multimodalidade, os gêneros, inclusive os da mídia eletrônica, a
comparação interlingual e intermidiática de gêneros textuais (textologia
contrastiva), as questões ligadas ao hipertexto, intertextualidade, entre várias
outras. (KOCH, 2010, p. 44-45).
Para ela, estas são apenas algumas questões com as quais o GT LTAC vêm-se
dedicando a estudar, “considerando-se sempre as diferenças de direcionamento teórico e de
seleção de objetos de estudo de cada subgrupo dentro do GT” (KOCH, 2010, p. 45).
Na segunda parte, Estudos sobre conversação, interação e língua falada, os dois
capítulos que a compõe destinam-se a tratar de questões relativas à AC, a saber: i) a interação
em diversos contextos, concebendo a conversação “como um processo que implica
participação conjunta de interlocutores em uma conversação casual” (FÁVERO et al., 2010,
p. 92); e, ii) considerando o uso do vocabulário gírio na sociedade contemporânea, no qual,
Preti (2010) apresenta um estudo sobre a inclusão e exclusão social, tomando como objeto de
estudo a gíria de grupo.
Na terceira parte, Estudos do texto e do discurso: teorias e modelos, concentram-se
três capítulos. O primeiro capítulo tem como objetivo apresentar “duas teorias linguísticas que
privilegiam a argumentação como objeto de estudo” (BARBISAN et al., 2010, p. 171), a
Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau, e a Teoria da Argumentação, de
Oswald Ducrot. As autoras reconhecem existir pontos de contato e de distanciamento entre as
duas teorias, porém, a partir da análise de um texto jornalístico opinativo – o artigo de opinião
“O gigante de barro”, de autoria de Carlos Heitor Cony –, elas afirmam o seguinte:
Vale, por fim, reforçar que o distanciamento entre as duas teorias, que
lançam olhares distintos sobre o discurso, não constitui entrave para
relacioná-las, partindo-se do fato de que se ocupam do mesmo objeto e de
uma mesma afirmação, a da necessidade de se investigar o emprego da
língua a partir da enunciação que aí se produz. Esses elementos parecem
suficientes para justificar as reflexões e análises sob as duas perspectivas
teóricas [...]. (BARBISAN et al., 2010, p. 223).
O segundo capítulo dessa terceira parte ocupa-se de duas dimensões específicas do
texto: os processos referenciais e o tópico discursivo. Segundo os autores, o propósito do
trabalho consiste em muito mais do que mostrar como eles articulam-se e como se
interdependem, “mas também de salientar a importância que têm para uma análise da
31
coerência textual, numa perspectiva sociocognitivo-discursiva de par inseparável
texto/discurso” (CAVALCANTE et al., 2010, p. 254).
Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, ou seja, do texto e do discurso como
dimensões inter-relacionadas, o terceiro capítulo5 dessa parte também discute o texto escrito,
tomando por fundamento teórico os postulados de Jean-Michel Adam, linguista francês que
formulou a Análise Textual dos Discursos. Sem esgotar todas as questões discutas por Adam
(2008), os autores buscam especificar os níveis de análise propostos pelo autor e examinam,
com mais detalhes, as unidade textuais: “proposições, períodos, sequências e planos de texto”
(PASSEGGI et al., 2010, p. 264).
Verticalizando as discussões na sequência argumentativa, os autores direcionam suas
atenções para o nível da enunciação, isto é, a reponsabilidade enunciativa/ponto de vista.
Assim sendo, os estudiosos ressaltam que: “Deve ter ficado claro, entretanto, o esforço de
síntese e de articulação de sua proposta [Análise Textual dos Discursos], assim como sua
abertura para aprofundamentos e desenvolvimentos” (PASSEGGI et al., 2010, p. 309).
Os três últimos capítulos que integram a obra constituem a quarta parte, Aplicações e
desenvolvimentos dos estudos sobre interação e texto. O foco dessa peça é direcionado às
questões de ensino de textos, orais e escritos. Gomes-Santos et al. (2010), em seu capítulo
versam sobre o ensino a partir da incorporação das teorias do texto. Para tal, focalizam a
oralidade, atentando para as práticas de leitura, de escrita e de reflexão gramatical. Com base
no estudo por eles realizado, os autores acreditam “que um dos desafios da LT com relação ao
ensino ainda seja este [a definição de com quais gêneros trabalhar], tendo em vista o que seria
pertinente para desenvolver as competências tanto para a produção quanto para a
compreensão de textos” (Ibid., p. 349).
Marquesi et al. (2010) discutem no nono capítulo da obra uma temática bastante
contemporânea, haja vista tratarem da LT na relação com as TIC (Tecnologias de Informação
e Comunicação). As autoras esboçam no capítulo uma reflexão sobre “como os meios digitais
propiciados pelo desenvolvimento das TIC podem, dentro de uma visão de leitura e escrita,
ser pensados no/para o ensino” (MARQUESI et al., 2010, p. 355). Em consequência disso, as
autoras afirmam que essa discussão deve permear a formação docente, posto que o uso das
TIC revolucionou as formas de interagir socialmente e, como consequência disso, o professor
tem de saber usar as ferramentas tecnológicas disponíveis, com vistas a favorecer a sua
5 Como esse capítulo constitui-se como referencial teórico de base para o objetivo desta tese, retomamos sua
discussão no tópico seguinte com vistas a complementar a apresentação da Análise Textual dos Discursos e
definição das categorias de análise das representações discursivas.
32
prática. Assim sendo, faz-se necessário que o processo de ensino seja desenvolvido “de modo
a propiciar o aprendizado de forma participativa e significativa por meio de atividades que
priorizem uma metodologia centrada na construção do conhecimento pelo aluno”
(MARQUESI et al., 2010, p. 384).
Bentes, Ramos e Alves Filho (2010), no último capítulo, tecem algumas propostas
para abordar três objetos que eles consideram desafiadores no âmbito da LT e ensino. São
eles: as relações entre texto e contexto; a emergência da autoria no curso dos processos de
produção textual; e, a natureza multimodal dos textos escritos. Ao buscar uma análise
integrada desses três objetos, foi-se realizada uma investigação de uma propaganda
institucional, ou seja, um texto multimodal. A partir da análise, percebeu-se que existe a
necessidade de, ao considerar os processos de produção, circulação e recepção dos textos,
alargar o conceito de texto, incluindo neste o contexto. Diante disso, os autores concluem que
os textos:
[...] longe de se restringirem a elementos a partir dos quais o contexto apenas
se organiza, constituem-se como um lugar de interação entre a linguagem, a
cultura e o mundo social vivenciados pelos sujeitos, sendo a autoria e a
multimodalidade elementos constitutivos da arquitetura textual e por meio
dos quais é possível perceber este complexo e dinâmico relacionamento.
(BENTES; RAMOS; ALVES FILHO, 2010, p. 422).
Tudo isso, portanto, reflete a dimensão que tem tomado os estudos do texto, oral ou
escrito. Ora atendo-se ao aspecto textual, ora ao discursivo, ora ao ensino e, até mesmo,
coadunando essas perspectivas. Os estudos que aqui apresentamos ressaltam peculiaridades e
necessidades de novos empreendimentos de pesquisa sobre o objeto texto, o que buscamos
realizar também em nossa tese.
Portanto, na tentativa de traçar o desenho teórico desta pesquisa, dialogamos
diretamente com uma das produções apresentadas em Bentes e Leite (2010), a saber, a da
Análise Textual dos Discursos, orientação teórica que discutimos na subseção a seguir.
2.2 ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS
Na linha de trabalhos que visam a estreitar a relação entre texto e discurso, Jean-
Michel Adam desenvolveu um aparato teórico e metodológico que ele denominou de Análise
Textual dos Discursos, doravante ATD. Acerca disto, o autor afirma que a sua obra inscreve-
33
se “na perspectiva de um posicionamento teórico e metodológico que, com o objetivo de
pensar o texto e o discurso em novas categorias, situa decididamente a linguística textual no
quadro mais amplo da análise de discurso” (ADAM, 2011a, p. 24)6.
Para ele, a LT, desde seu surgimento, desenvolveu-se em separado da Análise de
Discurso Francesa (ADF). Em suas palavras, o autor define a LT como “uma teoria da
produção co(n)textual de sentido, que deve fundar-se na análise de textos concretos” (ADAM,
2011a, p. 23). No que concerne a Análise de Discurso, o autor coloca-a como sendo um
campo mais vasto, de onde surgem e prospectam-se as práticas discursivas. Segundo Brait
(2008, p. 18), “considera-se práticas discursivas, portanto, uma produção verbal, visual ou
verbo-visual, necessariamente inserida em determinada esfera, a qual possibilita e dinamiza
sua existência, interferindo diretamente em suas formas de produção, circulação e recepção”.
Desse modo, ao elaborar a ATD, Adam (2011a, p. 43) propõe-se a “articular uma linguística
textual desvencilhada da gramática do texto e uma análise de discurso emancipada da análise
de discurso francesa (ADF)”. Desta forma, contempla-se o texto na relação discursiva de
produção e os efeitos de sentido provenientes do co(n)texto.
Nessa perspectiva, ao afirmar que o que se pretende com a ATD é a análise
co(n)textual do sentido, intenta-se desfazer contradições existentes acerca dessa separação
entre texto e discurso. Não é a toa que, em A linguística textual: uma introdução à análise
textual dos discursos, de Adam (2011a), a LT aparece como parte do arquétipo definidor da
análise de discurso, isto é “como um subdomínio do campo mais vasto da análise das práticas
discursivas” (Ibid., p. 43). Vejamos essa relação no esquema a seguir:
Esquema 1 – O lugar da Linguística do Texto na Análise dos Discursos
Fonte: Esquema 3, Adam (2011a, p. 43).
6 Embora a primeira edição do livro de Jean-Michel Adam tenha sido publicada no ano de 2008, como atesta a
produção de Passeggi et al. (2010), optamos, nesta tese, por utilizar a versão revisada e atualizada do ano de
2011 – 2ª edição.
34
De acordo Adam (2011a, p. 44, grifos do autor):
Esse esquema evidencia o jogo complexo das determinações textuais
“ascendentes” (da direita para esquerda) que regem os encadeamentos de
proposições no sistema que constitui a unidade TEXTO – objeto da
linguística textual – e as regulações “descendentes” (da esquerda para
direita) que as situações de interação nos lugares sociais, nas línguas e nos
gêneros dados impõem aos enunciados – objeto da análise de discurso. Sob
o impacto das necessidades de expressão e interação, os enunciados
assumem formas infinitas, mas os gêneros e as línguas intervêm como
fatores de regulação.
Com vistas a definir a ATD, Adam observa que a produção do texto está associada a
aspectos linguísticos (palavras, proposições, períodos e/ou sequências, plano do texto) em
operações de segmentação – descontinuidade (tipografia da escrita, parágrafos, estrofes,
seções e subseções, entonações e/ou movimento dos olhos etc.), vinculadas pelas operações
de ligação “que consistem na construção de unidades semânticas e de processos de
continuidade pelos quais se reconhece um segmento textual” (ADAM, 2011a, p. 64).
Isto posto, é válido ressaltar que o pensamento de Adam pauta-se na intenção de
realizar análises de textos amparadas na realidade material, uma vez que, segundo ele, a ADF
não se ocupa do texto como tal, mas, sim, das condições de produção do texto, entretanto, o
discurso que subjaz a prática discursiva é regulado, textualmente, por instâncias discursivas
como os gêneros de discurso e as línguas (ADAM, 2010). Logo, é a união dos dois lados – o
esquerdo e o direito – que fomentam a formulação da ATD, “a qual passa a entender os
elementos linguísticos do texto integrados aos fenômenos do campo discursivo” (QUEIROZ,
2013, p. 25).
Dessa forma, o pensamento de Adam (2010, p. 10) é de que “a LT deve teorizar as
fronteiras peritextuais ao mesmo tempo integradas e situadas na fronteira da unidade texto. A
LT deve também teorizar as relações entre cotextos inseridos numa organização
(macro)textual agrupando um certo número de textos”, isto é, para se realizar a análise
textual, deve-se partir do material linguístico (cotexto), buscando compreender os efeitos de
sentido que são emanados pelos enunciados. Além disso, fica evidente nas palavras do autor
que o cotexto não deve ser considerado apenas em sua relação mediata, mas, que a análise de
um corpus permite, pela relação interdiscursiva entre cotextos, a atribuição de sentidos
co(n)textuais.
Nesse momento, vale destacar a opção desse autor pela escrita de co(n)texto. Em suas
palavras:
35
Escrevemos “co(n)texto” para dizer que a interpretação de enunciados
isolados apoia-se tanto na (re)construção de enunciados à esquerda e/ou à
direita (cotexto) como na operação de contextualização, que consiste em
imaginar uma situação de enunciação que torne possível o enunciado
considerado. Essa (re)construção de um co(n)texto pertinente parte,
economicamente, do mais diretamente acessível: o cotexto verbal e/ou o
contexto situacional de interação. [...] na escrita, o cotexto é o dado mais
imediatamente acessível. Se o cotexto está disponível e se mostra suficiente,
o interpretante não vai procurar em outro lugar. (ADAM, 2011a, p. 53).
Para tanto, o texto deve ser tomado em sua complexidade descritiva, demandando e
justificando a necessidade de recorrer a uma teoria que contemple o domínio discursivo desse
objeto, pois, como afirma Adam (2011a, p. 25), por ser o texto um objeto empírico tão
complexo “sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria
desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos
necessidade”. Então, por essa necessidade, é que ele propõe a ATD.
Na perspectiva dessa teoria, a ATD, para analisarmos um texto, devemos interpretá-lo
como um construto que explícita ou implicitamente manifesta um contexto. Portanto, o apoio
no cotexto precedente e posterior é fundamental para construir os sentidos do que é dito.
Além do mais, os diferentes sentidos assumidos pelas palavras que constituem os enunciados
são determinados pelas formações discursivas, pois, “toda a ação de linguagem inscreve-se,
como se vê, em um dado setor do espaço social, que deve ser pensado como uma formação
sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado a uma língua e a gêneros de
discurso” (Ibid., p. 63).
Toda essa discussão que se faz em torno da ATD revela a preocupação de Adam, bem
como o propósito de seu empreendimento teórico-metodológico que é reintegrar as teorias do
texto às teorias do discurso, por meio da centralidade da análise textual (ADAM, 2010). Para
compreendermos melhor esse objetivo, na subseção a seguir tratamos dos níveis do texto e do
discurso propostos por Adam (2011a).
2.2.1 Níveis do texto e do discurso na Análise Textual dos Discursos
Nas palavras de Marcuschi (2008, p. 81, grifos do autor): “Não é interessante
distinguir rigidamente entre texto e discurso, pois a tendência atual é ver um contínuo entre
ambos com uma espécie de condicionamento mútuo”. Essa afirmação do autor presentifica a
ideia adotada para a constituição da ATD, uma vez que, para Adam (2010), fazer AD é
36
desenvolver um trabalho filológico, isto é, analisar o texto em sua materialidade real,
interpretando os enunciados que o constituem, a fim de compreender os efeitos de sentido na
relação textual-discursiva.
Nesse segmento, Adam (2010, p. 10, grifos do autor) afirma que:
Compreendo que os analistas do discurso não tenham um interesse
excepcional pela questão – decisiva, no entanto – da organização sequencial
dos textos, organização inseparável da organização reticular que os analistas
do discurso descrevem por meios estatísticos. Trata-se de dois princípios tão
complementares quanto repetição e progressão, ligação e segmentação.
O texto e o discurso, nessa perspectiva, não podem ser vistos separadamente como se
preconizava no início dos estudos do texto. O que se observa, considerando a ATD, bem
como os estudos atuais de linguística do texto, é a tendência de afinar cada vez mais as
relações entre o texto e o discurso, considerando-os como aspectos complementares da
atividade enunciativa (COUTINHO, 2004 apud MARCUSCHI, 2008). Em sendo assim,
Marcuschi (2008, p. 81-82) assevera que “o discurso dar-se-ia no plano do dizer (a
enunciação) e o texto no plano da esquematização (a configuração)”, isto porque este seria
considerado como objeto de figura e aquele como objeto de dizer.
A discussão esboçada por Marcuschi (2008), ao tratar da relação entre texto e
discurso, está amparada nas teorizações de Adam (1999), na obra Linguistique Textuelle. Des
genres de discours aux textes. Nela, o autor afirma que a separação do textual e do discursivo
é apenas de caráter metodológico, propondo que ambos sejam tomados de forma articulada, o
que permitiria diluir sensivelmente a distinção entre eles (ADAM, 1999).
Com isso, chegamos, então, a ideia de complementariedade entre o texto o discurso.
Para reforçar esse conceito, Maingueneau apud Adam (1999, p. 40) assevera que “ao falarmos
de discurso articulamos o enunciado sobre uma situação de enunciação singular; ao falar de
texto, colocamos o acento sobre aquilo que lhe confere uma unidade, que o torna uma
totalidade e não um simples conjunto de frases”.
Segundo Marcuschi (2008), essa visão “é importante e tem como consequência o fato
de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua”, logo, deve-se entender que os
pontos de vista expressos por Maingueneau e adotados por Adam são complementares e,
consequentemente, relevantes para a interpretação do texto como forma de construir o seu
sentido em discurso.
Assim, ao definir a ATD como um construto teórico-metodológico para a análise de
textos concretos, Adam (2011a) propõe um esquema no qual os níveis do texto estão imersos
37
nos níveis do discurso. Segundo o autor, esse esquema serve para especificar o esquema que
utilizamos anteriormente para falarmos do lugar da LT na ATD. Vejamos:
Esquema 2 – Níveis da Análise Textual dos Discursos
Fonte: Esquema 4, Adam (2011a, p. 61).
Ao observarmos o esquema 2, podemos compreender o modelo que configura a ATD,
ou melhor, as categorias que são definidas por Adam para a análise textual-discursiva. Com
base em Adam (2011a) e estudiosos contemporâneas, buscamos, a seguir, especificar os
níveis (N) apresentados nesse esquema.
No Nível 1 (N1), segundo Adam (2011a, p. 61), “a ação linguageira [...] realizada por
meio de um texto explica a eficácia da ação sociodiscursiva realizada”. Como se pode ver, o
autor coloca o N1 entre a ação de linguagem e a interação social. Desse modo,
compreendemos que as ações de linguagem refletem os interesses dos enunciadores em um
dado contexto sociocomunicativo de interação. Nesse sentido, Queiroz (2013, p. 36)
acrescenta que, nesse nível discursivo, o sujeito inicia uma ação de linguagem, demonstrando
“quais são os objetivos que o falante possui em produzir o seu discurso, para ser orientado,
argumentativamente, por uma intenção comunicativa”.
38
O Nível 2 (N2), por sua vez, tramita entre a interação social e a formação discursiva.
Nele, os enunciados são atualizados pelos enunciadores e postos em circulação. De acordo
com Adam (2011a), constam nesse nível as condições de produção e de recepção dos
enunciados, haja vista as formações discursivas regularem o que vai ser dito pelo enunciador
na ação de linguagem.
Vale ressaltar o que entendemos por formação discursiva (FD). Para tanto, recorremos
a Mussalim (2004, p. 119) ao afirmar que:
[...] uma formação FD determina o que pode/deve ser dito a partir de um
determinado lugar social. Assim, uma formação discursiva é marcada por
regularidades, ou seja, por “regras de formação”, concebidas como
mecanismos de controle que determinam o interno (o que pertence) e o
externo (o que não pertence) de uma formação discursiva. Assim, uma FD,
ao definir-se sempre em relação a um externo, ou seja, em relação a outras
FDs, não pode mais ser concebida como um espaço estrutural fechado. Ela
sempre será invadida por elementos que vêm de outro lugar, de outras
formações discursivas. Neste sentido, o espaço de uma FD é atravessado
pelo “pré-construído”, ou seja, por discursos que vieram de outro lugar (de
uma construção anterior e exterior) e que são incorporados por ela numa
relação de confronto ou aliança.
Constituído pelo que poderíamos denominar de subníveis (socioletos e intertextos), o
Nível 3 (N3) diz repeito ao interdiscurso, isto é, “outros discursos e gêneros” aos quais os
enunciados podem estar relacionados ou fazer uso (PASSEGGI et al. 2010, p. 267). Ainda no
que concerne a esse nível, podemos dizer que, devido a ação de linguagem se increver em um
dado espaço social, essa ação deve ser pensada como um lugar, no qual, por meio da variante
da comunidade de fala (socioleto) e dos gêneros de discurso os sentidos são manifestados
(PASSEGGI et al. 2010; ADAM, 2011a). Além disso, é proveniente desse nível que ocorre o
destaque para os gêneros na ATD. Estes são apresentados como “a (inter)mediação da análise
textual e discursiva, já que o gênero não existe sozinho, ele existe para ser analisado, tendo
em vista um conjunto de textos” (QUEIROZ, 2013, p. 36).
Os níveis 1, 2 e 3 correspondem ao nível discursivo, ou seja, na perspectiva adaniana,
o espaço social em que as ações de linguagem ocorrem, por meio de gêneros de discurso,
regulados pelas formações sociodiscursivas, constituem o contexto de produção e de recepção
dos mas variados textos. Estes, por seu turno, devem ser analisados com base nas
considerações que o nível discursivo autoriza, quer pelo sentidos mediados pelo material
linguístico, quer pelo efeitos de sentido que o discurso evoca com base nas relações
39
interdiscursivas. Sendo assim, mais uma vez evidenciamos a necessidade de uma análise que
tenham por fundamento a complementariedade entre texto e discurso.
Os níveis que se seguem estão no nível textual. O Nível 4 (N4), em parceria com o
Nível 5 (N5) constituem o que Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) chamam de nível
sequencial-composiconal. Para esses autores, nesse nível:
[...] os enunciados elementares (a proposição-enunciado ou proposição
enunciada) se organizam em períodos, que comporão as sequências. Estas,
por sua vez, agrupam-se conforme um plano de texto. Esse nível focaliza a
estruturação linear do texto, no qual as sequências desempeham um papel
fundamental. (Ibid., p. 152, grifo dos autores).
Para Adam (2011a), as proposições enunciadas, períodos, sequências e planos de texto
formam “o conjunto das operações de textualização”. É nesse sentido que, Passeggi et al.
(2010, p. 267) afirmam que os níveis 4 e 5 “remetem diretamente à
textura/composicionalidade do texto, isto é, de forma ampla, à sua sequencialidade ou
linearidade”.
O Nível 6 (N6) é o nível semântico do texto
7, “apoiado na noção de representação
discursiva e em noções conexas (anáforas, correferências, isotopias, colocações), que
remetem ao conteúdo referencial do texto” (RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010,
p. 152, grifos dos autores).
De acordo com Adam (2012), as razões teóricas que amparam o Nível 7 (N7) advém
da teoria da enunciação (Beveniste) e da teoria do ponto de vista (Rabatel, Nølke), por esse
motivo, discute-se a noção de responsabilidade enunciativa. Segundo Rodrigues, Passeggi e
Silva Neto (2010, p. 152), essa noção “corresponde às ‘vozes’ do texto, à sua polissemia”.
Sobre isso, Adam (2011a, p. 117) afirma que “o grau de responsabilidade enunciativa de uma
proposição é suscetível de ser marcado por um grande número de unidades da língua”. Nesse
sentido, podemos dizer que esse nível se ocupa de compreender os diferentes graus de (não)
assunção dos enuncidos, a partir de elementos como: os índices de pessoas, os dêiticos
espaciais e temporais, os tempos verbais, as modalidades, etc.
Considerado como o enunciado propriamente dito, é com o Nível 8 (N8) que se pode
compreender a força que o enunciado produz, uma vez que ele reflete os atos de discurso e a
7 Por ser a representação discursiva – nível semântico – o foco deste estudo de doutoramento, dedicamos, a
seguir, um tópico exclusivo para esse nível textual, a fim de compreender mais detalhadamente o nosso objeto
teórico. Por esse motivo, não nos alargamos, nesse momento, em sua discussão.
40
orientação argumentativa que o enunciador intenciona manifestar por meio do dizer
(afirmações, perguntas, promessas, etc.).
Algo que deve ser ressaltado é que os níveis 6, 7 e 8 “são dimensões constantes ao
longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado elementar do texto
expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto de vista e uma valor
ilocucionário/argumentativo” (PASSEGGI et al. 2010, p. 268).
Nesse ínterim, no nível textual estão as questões relacionadas à textura, à estrutura, à
semântica, à enunciação e aos atos de discurso (níveis 4, 5, 6, 7 e 8, respectivamente).
Todavia, na ATD, proposta de análise pragmática textual ligada à análise do discurso, essas
questões devem ser vistas na relação com o nível do discurso, ou seja, observando a ação de
linguagem, a interação social e a formação discursiva que institui pragmaticamente os gêneros
de discurso (níveis 1, 2 e 3), uma vez que é na relação entre esses níveis que se constroem os
efeitos de sentidos passíveis de interpretação.
2.2.2 Da linguagem como ação aos gêneros de discurso
Entender a linguagem como uma forma de ação sociodiscursiva é fundamental para
que compreendamos os interesses da ATD. Isso porque, Adam (2011a), em muitas das suas
posições, assume que a linguagem tem caráter sociointeracional. Para melhor
compreendermos essa afirmação, faz-se necessário que observemos o esquema em que o autor
situa o nível da Análise de Discurso.
Esquema 3 - Nível da Análise do Discurso: o lugar do(s) gênero(s)
Fonte: Adaptado do Esquema 4 (ADAM, 2011a, p. 61).
41
Nesse esquema, observamos que a interação verbal funciona como o intermediador
dos enunciados, ou seja, das ações visadas pelos interlocutores no ato de linguagem. Além
disso, esses enunciados são produzidos com base nas formações sociodiscursivas em que o
interdiscurso e as línguas (socioletos) regulam o que pode e deve ser dito na situação de
interação social.
Nesse sentido, tudo o que está por trás ou como base da produção de um discurso é o
que na ADF é conceituado como condições de produção. De acordo com Brandão (2008, p.
29), este é um termo fundamental para a ADF e pode ser definido como:
[...] o conjunto dos elementos que determinam a produção de um discurso: o
contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem
que fazem de si, do outro e do assunto que estão tratando. Todos esses
aspectos devem ser levados em conta quando procuramos entender o sentido
de um discurso.
Logo, o nosso entendimento é o de que um texto deve, enquanto produto de uma ação
de linguagem contextualmente situado, tomar todos os aspectos referidos pela autora
(contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde falam e as imagens de si, do
outro e do assunto tratado), observando o sentido a partir do material textualizado, pois, é ele
que permite, ao analista textual-discursivo, reconstruir o sentido sem incorrer em análises que
não reflitam os propósitos comunicativos dos interlocutores.
Esses propósitos estão associados aos lugares discursivos nos quais os interlocutores
atuam, uma vez que permitem a eles produzirem e compreenderem os enunciados. Nesse
sentido, Bakhtin (2003, p. 261) afirma que:
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse
uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana [...]. O
emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)
concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana.
Para o autor, esses enunciados concretos e únicos refletem as condições específicas de
cada campo da atividade humana, por conseguinte, são também os campos, entendidos por
nós como lugares discursivos, que orientam os propósitos das ações de linguagem neles
realizadas. É nesse sentido que Adam (2011a, p. 44) afirma que “sob os impactos das
necessidades de expressão e de interação, os enunciados assumem formas infinitas, mas os
gêneros e as línguas intervêm como fatores de regulação”.
42
Seguindo, portanto, essa mesma linha de pensamento, Faraco (2009, p. 126-127)
afirma que “o pressuposto básico da elaboração de Bakhtin é que o agir humano não se dá
independentemente da interação; nem o dizer fora do agir [...] nesta teoria estipula-se que
falamos por meio de gêneros no interior de determinada esfera8 da atividade humana”. Desse
modo, o processo de comunicação discursiva acontece por meio de sujeitos ativos, tanto
aquele que fala/escreve – o locutor, quanto aquele que ouve/lê – o interlocutor. Ambos, com
base na atividade humana de interação, são responsáveis pela construção de enunciados.
Diante disso, podemos entender que os textos concretos, a que se refere Adam
(2011a), são enunciados orais e escritos que, discursivamente, são denominados de gêneros de
discurso, haja vista estes serem práticas sociais e discursivas realizadas por interlocutores em
um dado campo da atividade humana. Converge para essa afirmação o posicionamento de
Maingueneau (2001, p. 59, grifo do autor), ao afirmar que “todo texto pertence a uma
categoria de discurso, a um gênero de discurso”.
Sendo assim, o gênero de discurso é, enquanto prática discursiva, considerado como
“uma produção verbal, visual ou verbo-visual, necessariamente inserida em determinada
esfera, a qual possibilita e dinamiza a sua existência, interferindo diretamente em suas formas
de produção, circulação e recepção” (BRAIT, 2008, p. 18). Isso significa que as práticas
discursivas podem ser entendidas como os textos com os quais interagimos socialmente, tanto
por meio da produção, como pela recepção.
Nesse segmento, podemos afirmar que Adam (2011a) coloca o gênero no nível da
Análise de Discurso, incumbindo a ele a tarefa de estabelecer uma ponte entre os textos
(enunciados concretos) e as condições de produção destes enquanto práticas discursivas
mediadas pelas ações de linguagem.
A nosso ver, o gênero de discurso é uma instância fundamental para compreender o
texto em qualquer um de seus níveis (sequencial-composicional, enunciativo, argumentativo,
semântico, etc.). Isso porque, segundo Adam (2011a), todas as ações de linguagem estão
inscritas em uma dada formação sociodiscursiva, em campos da atividade humana, os quais
determinam os sentidos do dizer por meio da língua e dos gêneros de discurso.
Em suma, os gêneros de discurso “são práticas discursivas institucionalizadas” que se
realizam em enunciados concretos, (ADAM, 2011a, p. 60), isto é, materializados por textos,
orais e escritos, os quais são:
8 Em nosso trabalho não faremos distinção entre esferas da atividade humana e campos de atividade humana,
ambos são tomados como sinônimos.
43
[...] constituídos de uma palavra, um conjunto de palavras, palavras
associadas a um projeto visual, ou seja, constitutivas de um projeto verbo-
visual, e que são consideradas enunciados concretos, porque são enunciadas
e recebidas a partir de determinada esfera discursiva, ideológica. (BRAIT,
2008, p. 18).
Portanto, os gêneros de discurso podem apresentar em sua forma composicional
diversos modos de linguagem que corroborem ao propósito comunicativo da ação de
linguagem que ele desempenha na comunicação discursiva. Todavia, esses modos de
linguagem (verbal, visual, audiovisual, etc.), assim como as escolhas linguísticas, são
condicionados pelos campos da atividade humana nos quais os gêneros circulam. Em
consonância a esse pensamento, discutimos, na próxima seção, a multimodalidade como parte
integrante dos gêneros de discurso.
2.2.2.1 Multimodalidade discursiva: parte integrante do gênero
Na trilha das discussões até aqui realizadas, entendemos que:
Todas as nossas manifestações verbais mediante a língua se dão como texto
e não como elementos isolados. Esses textos são enunciados no plano das
ações sociais situadas e históricas. Bakhtinianamente falando, toda a
manifestação linguística se dá como discurso, isto é, uma totalidade viva e
concreta da língua e não como uma abstração formal que se tornou o objeto
preferido e legítimo da linguística. O enunciado ou discurso não é um ato
isolado e solitário, nem na oralidade nem na escrita. O discurso diz respeito
aos usos coletivos da língua que são sempre institucionalizados, isto é,
legitimados por alguma instância da atividade humana socialmente
organizada. (MARCUSCHI, 2011, p. 20).
Assim, ao tratar de gêneros de discurso, estamos falando de enunciados concretos,
realizados por interlocutores nos mais variados campos de atividade humana. A realização,
concretização desses enunciados, materializa-se por meio de textos. Desse modo, percebemos
a intrínseca relação entre enunciado e texto, principalmente se tomarmos, como fundamento, a
posição teórica de Adam (2011a), para o qual, os textos podem ser entendidos como as
diversas formas assumidas pelo enunciado para que os interlocutores possam se expressar e
interagir socialmente, o que só ocorre por meio dos gêneros de discurso historicamente
legitimados pela sociedade.
44
Portanto, considerando o caráter social dos gêneros de discurso, não podemos deixar
de situar contemporaneamente a questão da multimodalidade discursiva inerente ao gênero.
Para tanto, recorremos a Kress (2003), haja vista ele afirmar que vivemos em uma era de
novos meios de comunicação, o que implica na necessidade de atentarmos para os diversos
recursos semióticos que constituem os textos. Ocidentalmente, não temos apenas a escrita
alfabética, esta coocorre no contexto de outros modos no processo comunicativo.
Nesse sentido, Dionisio e Vasconcelos (2013, p. 23), afirmam que “as interações
humanas se realizam por meio de linguagens as mais diversas e não nos referimos aqui apenas
às interações mediadas por enunciado linguístico falado ou escrito, mas sim por qualquer
artefato9”. Podemos compreender esses artefatos, a que as autoras se referem, como sendo os
demais modos de linguagem que se associam a escrita alfabética e que compõem os gêneros
enquanto práticas sociais de linguagem. É, portanto, a junção desses diversos modos que
constituem o que se chama de texto complexo.
Para Kress e van Leeuwen (2006), os textos complexos ou multimodais são aqueles
cujos sentidos são produzidos através de mais de um código semiótico. Ainda, para esses
autores, essa definição está intrinsecamente ligada ao estudo por eles denominado de
Semiótica Social - uma ciência que estuda os recursos semióticos em suas mais diversas
manifestações, investigando como eles são utilizados, a fim de construírem sentidos.
A expressão “recurso semiótico” é termo chave nos estudos da Semiótica Social.
Conforme van Leeuwen (2006), podemos definir recurso semiótico como artefato que usamos
para nos comunicar. De acordo com o autor, essas ações podem ser linguísticas ou não. Se na
linguagem escrita, recursos linguísticos são utilizados para expressar as experiências, interagir
socialmente e organizar as informações em mensagens, da mesma maneira ocorre com as
imagens e outras semioses como as cores, as formas geométricas etc. “Assim, além dos
modos linguísticos, isto é, a fala e a escrita, temos de dar conta dos demais modos a eles
integrados, tais como som, imagem, gestos, imagens em movimento etc.” (MARCUSCHI,
2011, p. 27-28).
Dionísio e Vasconscelos (2013, p. 19) afirmam que:
A sociedade na qual estamos inseridos se constitui como um grande
ambiente multimodal, no qual palavras, imagens, sons, cores, músicas,
aromas, movimentos variados, texturas, formas diversas se combinam para
9 Aqui, artefatos são entendidos como objetos culturais e sociais que possibilitam a concretização de funções
específicas na sociedade, ou seja, elementos que usamos para nos comunicarmos. As placas de trânsito, por
exemplo, são artefatos culturais e sociais que, por meio de uma linguagem verbovisual, fornecem instruções aos
motoristas e pedestres. Para Kress (2003), o gênero é um artefato linguístico, mas de natureza cultural e social.
45
serem lidos pelos nossos sentidos. Nossos pensamentos e nossas interações
se moldam em gêneros textuais [de discurso] e nossa história de indivíduos
letrados começa com nossa imersão no universo em que o sistema linguístico
é apenas um dos modos de constituição dos textos que materializam nossas
ações sociais.
Nesse sentido, além de observarmos os diversos recursos existentes na construção do
texto multimodal, devemos considerar os contextos social, histórico e cultural específicos e
como as pessoas falam sobre esses recursos nesses contextos, posto que isso permitirá uma
recepção mais adequada do texto, ou melhor, dos sentidos do texto.
Por esse viés, hoje, percebemos, cada vez mais, o uso da imagem associada ao texto
escrito, isto é, de modos diferentes constituindo textos. Isso acontece pelo fato de que essa
inter-relação também constrói sentidos diversos, assim como a linguagem verbal. Para Kress e
van Leeuwen (2001), os modos são recursos semióticos que permitem a realização simultânea
de discursos e de interação social. Logo, os gêneros de discurso podem ser entendidos como
os padrões culturais que estruturam o verbal e o visual para atender as práticas sociais de
linguagem (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Nesse sentido, cabe mencionar o posicionamento de Brait (2010, p. 194), no qual a
autora afirma que:
Em determinados textos ou conjunto de textos, artísticos ou não, a
articulação entre os elementos verbais e visuais forma um todo indissolúvel,
cuja unidade exige do leitor, e notadamente do analista, a percepção e o
reconhecimento dessa particularidade. São textos em que a verbo-
visualidade se apresenta como constitutiva, impossibilitando o tratamento
excludente do verbal ou do visual e, especialmente, das formas de
articulação assumidas por essas dimensões para produzir sentido, efeitos de
sentido, construir imagens de enunciadores e enunciatários, circunscrever
destinatários etc.
Seguindo a linha dos autores que discutem a multimodalidade discursiva dos gêneros
de discurso, discordamos de Brait (2010) apenas no ponto em que a autora afirma que a
articulação entre elementos verbais e visuais se dá “em determinados textos”. Nos
contrapomos a isso por assumirmos a concepção de que todo gênero de discurso se realiza por
textos multimodais, quer na fala, quer na escrita (KRESS, 2003; VAN LEEUWEN, 2006;
MARCUSCHI, 2008; 2011; DIONISIO, 2011; DIONISIO; VASCONCELOS, 2013).
Para Dionísio (2011, p. 138), “na atualidade, uma pessoa letrada deve ser alguém
capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como
ser capaz de produzir mensagens, incorporando múltiplas fontes de linguagem”. Desse modo,
46
faz-se necessário que as pessoas consigam atribuir sentidos às múltiplas formas de linguagem
que compõem os gêneros de discurso.
Algo comum entre os autores que tratam do discurso multimodal, isto é, da
multimodalidade discursiva, é o fato de eles concordarem em não haver supremacia da
palavra sobre a imagem e vice-versa. Ambas são tomadas como complementares na e para a
produção, circulação e recepção dos gêneros de discurso.
A imagem é, portanto, a forma mais particular de expressão de sentidos e de aquisição
de conhecimento, pois em todas as culturas ela se desvela pelo olhar do observador. Sobre
esta discussão, Christin (2006, p. 63) afirma que “a imagem permite ao grupo comunicar-se
com mundos em que não se fala sua língua, isto é, com os deuses, que se manifestam para ele
através dos sonhos ou das visões. A imagem revela o invisível.” Isso nos faz compreender que
a imagem ultrapassa as barreiras culturais e sociais, proporcionando ao interlocutor interpretar
e reconstruir a compreensão do mundo que o rodeia, amparando-se nos recursos visuais.
De acordo com Kress e van Leeuwen (2006, p. 33) o uso de imagens, hoje, não é mais
o mesmo de 50 anos na sociedade ocidental, não é o mesmo de uma sociedade para outra,
nem o mesmo em grupos sociais ou instituições distintas. Atualmente, as imagens
apresentam, vendem, conquistam, convencem e veiculam informações, dentre outras funções.
Assim, podemos dizer que interpretar a linguagem, ler e compreendê-la, é atribuir
sentido aos enunciados concretos, isto é, aos textos verbovisuais que circulam nos mais
diferentes campos de atividade humana. Para tanto, faz-se necessário atentar para todos os
modos de comunicação existentes na elaboração do gênero de discurso: palavras, imagens,
tipografias, cores, etc. Somente dessa forma, seremos capazes de dar conta dos diversos
sistemas que estão inter-relacionados na constituição dos textos.
Por tudo isso, entendemos a multimodalidade discursiva como uma possibilidade de
análise e descrição de enunciados verbovisuais, produzidos socialmente por interlocutores em
diferentes campos de atividade humana. Por conseguinte, compartilhamos com Dionísio
(2011) da afirmação de que todo e qualquer gênero é multimodal.
Portanto, a discussão que estamos apresentando converge para a mesma perspectiva, a
de que a união de recursos semióticos formula os sentidos de um gênero de discurso e, para
compreendê-lo faz-se necessário a interpretação desses recursos e os sentidos que eles
manifestam no todo do texto multimodal. Desse modo, “a linguagem verbo-visual será aqui
considerada uma enunciação, um enunciado concreto articulado por um projeto discursivo do
qual participam, com a mesma força e importância, a linguagem verbal e a visual” (BRAIT,
2010, p. 194).
47
Desta feita, apresenta-se, nesse momento, a necessidade situarmos teoricamente o
texto que visamos a analisar em nosso estudo. Entendemos que essa ocasião vai além da
oportunidade de conhecer o gênero de discurso que será foco de nossa investigação. Ela se
configura como um espaço, também, de definirmos nossa posição frente aos postulados da
ATD. Desse modo, na próxima seção discorremos acerca do gênero de discurso capa de
revista.
2.2.3 O gênero de discurso capa de revista
Todo gênero que é produzido socialmente corresponde a propósitos específicos de um
dado campo de atividade humana (literatura, ciência, religião, mídia, educação, etc.). Ao
utilizar exemplos como charges, propagandas, capas e páginas de veículos informativos,
editorias, artigos de opinião, reportagens, entre outros, estamos nos referindo a gêneros que
são produzidos no campo da atividade humana jornalismo. Assim como nesse campo, tantos
outros gêneros são produzidos, circulam e são recebidos nos demais campos existentes na
sociedade com vistas a cumprir com os propósitos comunicativos a eles inerentes.
Nesse sentido, muitos são os propósitos comunicativos que se realizam por meio dos
gêneros de discurso. No campo do jornalismo, por exemplo, comportando as divisões que lhe
são particulares, os gêneros se ajustam a cada divisão, atendendo aos propósitos
comunicativos da instituição, quais sejam: informar, opinar, vender, satirizar etc.
Dentre os gêneros que circulam na instituição jornalística, categorias são estabelecidas
para que se possa compreender com mais nitidez o papel que cada um deles exerce. Nesse
sentido, “os gêneros jornalísticos são determinados pelo modo de produção dos meios de
comunicação de massa e por manifestações culturais de cada sociedade” (MEDINA, 2001, p.
53). Dessa forma, os gêneros jornalísticos são manifestações da linguagem produzidos e
reproduzidos em sociedade por interlocutores, realizando papeis específicos, de acordo com a
função que cada gênero desempenha.
Diante disso, partimos do pressuposto de que a capa de revista é um gênero de
discurso que pertence ao campo de atividade humana jornalismo. Afirmamos isto, por ser esse
gênero uma prática discursiva que circula na mídia impressa, especificamente na mídia
jornalística, tendo como função “promover o primeiro contato do consumidor com o produto”
(COSTA, 2012, p. 61). Além disso, a capa faz parte de um todo que é o suporte, isto é, da
revista.
48
Marcuschi (2003, p. 10) afirma que o suporte “é imprescindível para que os gêneros
circulem na sociedade e deve ter alguma influência na natureza do gênero suportado. Mas isto
não significa que o suporte determine o gênero e sim que o gênero exige um suporte
especial”. Desse modo, a condição básica para a existência da noção de suporte é a
necessidade de circulação dos gêneros.
Assim, podemos afirmar que a capa de revista configura-se como uma prática de
linguagem que estabelece a primeira relação entre o veículo de informação (tomado, por nós,
como locutor) e o consumidor (entendido como alocutário). Essa relação acontece por
interesses – propósitos – do lugar de circulação social, historicamente ocupado por esse
gênero de discurso, ou seja, do campo jornalístico.
Quanto à função desempenhada pelos gêneros de discurso jornalístico, vale apresentar
a divisão de Melo (2003)10
. Para ele, no jornalismo brasileiro, os gêneros se dividem em duas
categorias: jornalismo informativo e jornalismo opinativo. Essa classificação separa os
gêneros de acordo com sua correspondência funcional, posto que:
Os gêneros que correspondem ao universo da informação se estruturam a
partir de um referencial exterior à instituição jornalística: sua expressão
depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da relação
que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem em relação aos
seus protagonistas (personalidades ou organizações). Já no caso dos gêneros
que se agrupam na área da opinião, a estrutura da mensagem é co-
determinada por variáveis controladas pela instituição jornalística [...].
(MELO, 2003, p. 65)
Todavia, mesmo tratando-se de uma divisão aparentemente coesa, não concebemos os
gêneros do jornalismo como sendo instâncias de propósitos comunicativos estanques. O
próprio autor afirma que não se podem estabelecer limites entre as produções jornalísticas
informativas e opinativas, sendo essa classificação “uma fronteira metodológica” (MELO,
2003, p. 73).
No que concerne ao jornalismo de revista, Scalzo (2011, p. 58) afirma que:
O que não dá pra confundir é o texto de revista com texto opinativo. É
verdade que muitas revistas carregam na opinião, mas o bom texto de revista
deve estar calcado prioritariamente em informações. Rechear um texto
apenas com juízos de valor (próprios ou tomados emprestados de alguém) é
10
Ressaltamos que, para discutirmos sobre o gênero capa de revista, bem como o entorno sociodiscursivo que o
engendra, tomamos alguns conceitos advindos da teoria do jornalismo. Ressaltamos, também, que as
nomenclaturas adotadas para caracterizar os elementos constitutivos do gênero de discurso capa de revista, além
de serem tomadas de textos que discutem esse gênero numa perspectiva linguística, são também advindas dos
estudos jornalísticos sobre revista e design.
49
fácil – as opiniões são livres e baratas –, mas são sempre as informações que
garantem a qualidade e consistência do texto jornalístico.
A revista, assim como os demais suportes que fazem circular os gêneros de discurso,
abre espaço para gêneros com diferentes funções, a depender das intenções comunicativas.
Isso significa que os textos de revista podem utilizar-se da informação e da opinião, desde que
o seu uso contribua para o alcance do objetivo pretendido: a priori, atingir o público leitor.
Os estudiosos do jornalismo de revista afirmam que a capa de revista é uma espécie
de marketing e informação que visa a chamar a atenção do leitor, fazendo-o adquirir a revista
(ABREU, 2009; GOMES, 2010; SCALZO, 2011). Com isso, torna-se evidente o diálogo
entre o campo do jornalismo e o campo da publicidade, isso porque, “o gênero capa de revista
tem inicialmente como seu propósito comunicativo vender a revista, captando a atenção do
leitor. Busca atrair o público, promovendo o que ela tem de melhor a oferecer: a informação”
(GOMES, 2010, p. 303).
Consenso entre os estudiosos da capa de revista, na perspectiva jornalística, está a
afirmação de que ela indica o tipo de público para o qual a revista se destina.
Independentemente do quão heterogêneo seja o perfil do leitor, a revista vai buscar, pelo
projeto gráfico, constituído pelo assunto da edição (tema), seduzir o maior número possível de
consumidores que a informação, ali veiculada, possa agradar (ABREU, 2009; GOMES, 2010;
SCALZO, 2011).
Na capa de revista, os temas evidenciados são os mais diversos, o que não permite
precisar o assunto que será destaque na capa, principalmente pela pluralidade de temas
socialmente relevantes e atuais que surgem a cada dia na sociedade. Contudo, questões como
política, saúde, economia, sustentabilidade, meio ambiente, entre outros temas, podem
aparecer como assunto tratado na capa de revista, contanto que sua relevância e perspectiva
revelem informações atualizadas e estejam relacionadas ao conteúdo interno da revista. Sobre
isso, Abreu (2009, p. 114) afirma que:
[...] atualmente, essa maneira de relacionar as informações da capa ao
conteúdo da revista está muito vinculada com as questões de marketing, pois
o design deve estar em sintonia com o seu público leitor, e disso resulta o
sucesso da comercialização da publicação.
Outrossim, os assuntos tratados jornalisticamente por uma revista se diferem das
formas como os veículos de informação tratam o mesmo assunto, pois é característica dos
jornais, do rádio, da internet e da televisão a busca por apresentar a informação
50
imediatamente, isto é, a notícia em tempo real. A revista, por seu turno, não pode ser pensada
como esses suportes, uma vez que a sua periodicidade não permite esse tipo de imediatismo
informacional, a não ser que a revista publique uma edição especial com uma informação
inédita. As revistas são publicadas com periodicidade: semanal, quinzenal ou mensal.
Portanto:
Não dá para imaginar uma revista semanal de informações que se limite a
apresentar ao leitor, no domingo, um mero resumo do que ele já viu e reviu
durante a semana. É sempre necessário explorar novos ângulos, buscar
notícias exclusivas, ajustar o foco para aquilo que se deseja saber, conforme
o leitor de cada publicação. (SCALZO, 2011, p. 41)
À vista disso, assim como o assunto deve ter um foco que o torne capaz de configurar
como o tema a ser tratado em uma revista, faz-se necessário um projeto gráfico que chame a
atenção do leitor e que o faça levar a revista para casa. Por este motivo, “as editoras se
esforçam cada vez mais em criar efeitos de comunicação visual nas capas de suas revistas
para atrair um número cada vez maior de leitores” (ABREU, 2009, p. 112). Segundo Gomes
(2010, p. 303), “pode-se dizer que o gênero capa de revista se configura enquanto uma vitrine,
ou seja, é produzido para não só chamar atenção do leitor, mas para vender a revista”.
Desse modo, o estilo da capa de revista, como gênero de discurso, não está associado
somente ao texto escrito. Tudo que está em jogo na produção de uma capa (texto verbal,
imagens, cores, etc.) é constituidor do estilo desse gênero, pois o torna reconhecível e único
perante o seu público leitor, principalmente pelo nome que ostenta como assinatura (PUZZO,
2009).
É notório que, ao chegar em uma banca de revistas, o leitor de revistas semanais de
informação como Veja, Época, Isto é, entre outras, não sinta dificuldades em reconhecê-las.
As capas dessas revistas variam, minimamente, em seu projeto gráfico. Segundo Scalzo
(2011), essa diagramação mais ou menos fixa das revistas semanais ocorre pelo curto prazo
para o seu fechamento, uma vez que ela é impressa e distribuída com maior velocidade do que
as revistas mensais, por exemplo. Todavia, isso não implica pobreza na formulação do gênero
de discurso capa de revista, considerando, principalmente, a sua inteireza verbovisual.
De acordo com Gomes (2010, p. 303), “a capa de revista se caracteriza enquanto um
gênero multimodal capaz de combinar variadas semioses significativas em sua composição,
tais como: cores, imagens gráficas, textos verbais”, o que contribui, visualmente, para que o
leitor compre-a e leia-a.
51
Por isso, além de sempre possuir um apelo visual que a transforma em uma
espécie de peça promocional, obrigatoriamente, nos casos de livros,
periódicos ou revistas, deve conter algumas informações essenciais, entre
outras, o título, o subtítulo, o nome do autor, editora, edição e data, o que
para nós, nesse caso, faz da capa um gênero (COSTA, 2012, p. 61).
Dessa forma, a capa de revista configura-se como um gênero de discurso por
apresentar um conteúdo temático, ou seja, o assunto em pauta, o qual é constituído pelas
diversas semioses que compõem o texto, bem como pelas informações que nela se
apresentam, tornando esse enunciado relativamente estável e reconhecido socialmente.
Em se tratando das características inerentes à forma composicional da capa, temos:
logotipo, chamada principal, chamadas secundárias, subtítulos, imagem principal, imagens
secundárias, editora, edição e data. Abreu (2009), afirma que todos esses elementos formam o
que é chamado de manifestação visual gráfica, a qual ele considera como uma única imagem.
Desse modo, “é na capa que aparecem os primeiros sinais ou as primeiras pistas daquela
publicação, e é através desses sinais que o leitor poderá sentir-se capturado para percorrer
suas páginas e explorar seus conteúdos” (Ibid. 118).
Antes de adentrarmos nos elementos que formam a capa de revista, vale mencionar
que esse gênero é reconhecido como capa ilustrada, tendo em conta o fato de ela ser composta
por fotografias e desenhos, frequentemente de temática alusiva ao assunto tratado no interior
da revista, bem como pelo uso de cores, contrastes e brilho que a tornam uma vitrine para o
leitor (FARIA; PERICÃO, 2008; ABREU, 2009; SCALZO, 2011). As capas de revista
semanais como Época e Veja, portanto, enquadram-se nessa definição, pois, além do texto
verbal, imagens e cores unem-se para compor uma unidade de sentido acerca dos assuntos que
serão discutidos no interior da revista. Nesse segmento, vejamos o papel de cada um desses
elementos que podem compor o gênero de discurso capa de revista.
O logotipo funciona como a identificação da revista. Para Abreu (2009, p. 132), “o
logotipo é a representação visual da marca da revista e, portanto, identifica a publicação
através do nome”. Salientamos que, a depender da revista, da edição, das imagens e das cores
que se presentificam na capa de revista, o logotipo pode variar em termos de cores e
tamanhos, porém, é constante a sua localização na parte superior da página.
A imagem principal é apresentada como um forte elemento na forma composicional
do gênero de discurso capa de revista, haja vista a sua relação direta com o assunto principal
que constitui o tema da capa. Segundo Scalzo (2011, p. 63), “uma boa imagem será sempre
importante – e é ela o primeiro elemento que prenderá a atenção do leitor. O logotipo da
revista também é fundamental, principalmente quando ela é conhecida e já detém uma
52
imagem de credibilidade junto ao público”. Percebe-se, com isso, que além de o logotipo
representar a marca da revista, ele também pode ser sinônimo de confiança e respeito e que,
associado a uma boa imagem (fotografia, desenho, etc.), tem mais chance de angariar leitores
e consumidores da revista. Vale ressaltar que, de acordo Scalzo (2011), fotografia e revista
parecem ter nascido uma para a outra. “As [revistas] semanais de informação são as que mais
usam o fotojornalismo, que, muitas vezes, foi o responsável por alguns de seus momentos
editorias” (Ibid., p. 70).
Nesse sentido, a imagem apresenta-se cada vez mais como elemento constituidor de
sentidos e de representações dos ideários dos editores de revistas, haja vista a sua força de
persuasão e informação. Não é à toa que o referido autor afirma que de nada “adianta ter uma
foto excelente na mão e espremê-la no pé da página ou cortá-la na junção entre duas páginas
diferentes” (SCALZO, 2011, p. 70). Essa afirmação casa diretamente com os postulados da
multimodalidade, uma vez que esta pressupõe a imagem como um elemento essencial para a
comunicação na sociedade em que vivemos.
De acordo com Lage (2006, p. 28-29),
A fotografia jornalística é atividade especializada, cujo desempenho envolve
conhecimentos muito além do manuseio do processo. Trata-se de selecionar
e enquadrar elementos semânticos de realidade de modo que, congelados na
película fotográfica, transmitam informação jornalística.
Desse modo, além de capturar momentos relevantes para a edição, as
imagens/fotografias constroem sentidos que, na conjuntura do gênero de discurso capa de
revista, funcionam como muito mais do que um simples adorno do texto verbal, elas
possibilitam sentidos que devem ser reconstruídos pelo leitor (alocutário) no ato da
interpretação do enunciado verbovisual que se nos apresenta. Nesse sentido, a imagem
principal configura-se como um elemento muito importante na forma composicional da capa
de revista, a “imagem principal tem como função definir o assunto mais importante da revista
e, de certa forma, é ela quem cria, através do visual, a atmosfera daquela edição” (ABREU,
2009, p. 123).
As imagens secundárias, por sua vez, como o próprio nome já diz, não são tão
relevantes quanto à imagem principal, pois, os assuntos de que elas tratam não têm a mesma
dimensão social, histórica, econômica etc., mas, ao aparecerem na capa, são assumidos como
questões merecedoras de destaque (ABREU, 2009). Todavia, essa não é uma característica
fixa da capa de revista, como são o logotipo e a imagem principal. As imagens secundárias,
53
dependendo da intenção do editor, podem não figurar com elementos da capa de revista, o que
nos revela a importância do assunto representado pelas imagens da capa.
No que diz respeito às chamadas, tanto a principal quanto as secundárias, têm por
função apresentar assuntos que serão discutidos no interior da revista, configurando-se como
uma síntese da edição. “A chamada principal tem a função de, através da palavra, apresentar o
tema principal, já mostrado na imagem principal” (ABREU, 2009, p. 122). “As chamadas
secundárias teriam a função de identificar o que está sendo noticiado através das imagens
secundárias” (Ibid., p. 122). Mesmo estando associadas às imagens, não se pode tratar as
chamadas como legendas, uma vez que estas tem a função de, por meio de um breve texto,
geralmente abaixo da imagem, trazer uma breve explicação do que foi retratado. As
chamadas, por sua vez, tratam de assuntos e não de explicações de imagens (ABREU, 2009;
SCALZO, 2011). A estas chamadas podem estar associados subtítulos que visam a esclarecer
esse enunciado principal, ou até mesmo expandir o assunto apresentado.
Ressaltamos, porém, que juntamente com as imagens, as chamadas apresentam
características que nos fazem identificá-las e, por conseguinte, interessarmo-nos em adquirir a
revista. Geralmente, faz-se uso de letras em tamanhos maiores e cores que se destaquem na
capa. “Letras enormes fazem as frases gritar e corres berrantes, de fato, berram. Elas devem
ser usadas apenas quando a situação, ou a linha editorial da publicação assim o exigir”
(SCALZO, 2011, p. 69). No gênero capa de revista, esses recursos são válidos, pois fazem
com que o leitor prenda a sua atenção ao que está sendo enunciado, levando ao interesse
pelo(s) assunto(s) veiculado(s) pela revista.
Assim como as imagens secundárias que podem ou não aparecer na forma
composicional da capa de revista, as chamadas secundárias e subtítulos também podem ser
omitidos, visando a destacar a chamada principal. Essa possibilidade de retirar elementos da
composição do gênero reflete a relativa estabilidade dos gêneros de discurso e a maleabilidade
e dinamicidade destes (BAKHTIN, 2003; MARCUSCHI, 2008; 2011).
Concluindo, então, a apresentação dos elementos que compõem o gênero de discurso
capa de revista temos a logomarca da editora (editora), o número da edição e a data. Esses
elementos são circunstanciais, haja vista refletirem o espaço e o tempo que constituem o
gênero, o que não os tornam menos relevantes, pois os gêneros são históricos e socialmente
situados.
Portanto, com base em todas essas questões, afirmamos que a capa de revista é um
gênero de discurso multimodal, posto que, ao utilizar a linguagem, situada no campo do
jornalismo, esse gênero “mobiliza outros sistemas simbólicos além da comunicação
54
linguística” (LAGE, 2006, p. 10). Em sua forma composicional apresentam-se textos verbais
(sucintos, coesos e coerentes), formados por palavras ou frases de forte impacto (chamadas e
subtítulos) e imagens que dialogam diretamente com o texto das chamadas (principais e
secundárias).
Seguindo o campo de comunicação humana em que o gênero de discurso capa de
revista é produzido, circula e é recebido, a mídia jornalística impressa, compreendemos que
sua linguagem reflete o estilo desse campo de atividade humana, isto é, uma linguagem por
definição referencial, pois “fala de algo no mundo, exterior ao emissor, ao receptor e ao
processo de comunicação em si” (Ibid., p. 51). Todavia, sabemos que a linguagem jornalística
não é totalmente neutra, conforme prescrevem os manuais de redação, mas, que a linguagem,
por meio dos enunciados concretos, reflete interesses do locutor, pensados em função do
interlocutor (AQUINO, 2010).
Nesse sentido, afirmamos que a capa de revista é um gênero produzido pela relação de
múltiplas semioses que se unem com vistas a compor uma imagem única, capaz de falar ao
leitor, uma vez que é este que define uma revista (SCALZO, 2011), bem como é para este que
os enunciados são direcionados. Por consequência disso, os assuntos tratados e representados
na capa de revista têm por intenção persuadir o leitor e fazer com que ele adquira a revista.
Nesse sentido, considerando que o papel do interlocutor é bem mais do que apenas interpretar
o que lê, de forma passiva, cabe a ele a responsabilidade de concretizar o objetivo ou
propósito comunicativo da capa de revista, isto é, responder ao enunciado concreto que se lhe
apresenta, comprando ou não a revista.
Por esse viés, reafirmamos o caráter dinâmico, maleável e multimodal do gênero de
discurso capa de revista, concordando com os estudos de gêneros de discurso e da
multimodalidade discursiva, posto que a capa somente configura-se como enunciado pleno
pelo seu projeto discursivo verbovisual, condicionado pelo campo de atividade humana no
qual ele é produzido, veiculado e recebido, enfim, na interação social de comunicação
discursiva que permite o diálogo entre os enunciados e seus interlocutores.
Diante disso, em nossa tese, compreendemos o gênero capa de revista como um texto
complexo, isto é, constituído pela relação entre o verbal e o visual. Assim, entendemos que,
como esses modos se combinam para construir o enunciado concreto que é esse gênero, só se
é possível compreender os efeitos de sentido dele provenientes se atribuirmos sentidos ao
todo textual que nele se presentifica pela junção dos recursos/elementos ali empregados.
Nesse panorama, sendo a capa de revista o nosso objeto de estudo, o qual será
estudado por meio do escopo semântico que se ocupa das representações discursivas,
55
apresentamos no próximo capítulo a noção de representação discursiva e as categorias que
irão fundamentar a análise das representações discursivas de Lula no gênero de discurso capa
de revista.
56
CAPÍTULO 3
3 REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA
No sentido de darmos continuidade a discussão teórica que norteia o nosso propósito
de investigação, neste capítulo, discutimos o conceito de representação discursiva adotado
pelos estudos em ATD. Além disso, com base nos trabalhos já desenvolvidos sobre a temática
em questão, apresentamos as categorias de análise que nos orientam para a compreensão das
representações discursivas de Lula nas capas de Época e Veja, exemplificado e demonstrando
linguisticamente os fatos de língua que se presentificam no texto para a construção e
interpretação das representações discursivas.
3.1 DA PROPOSIÇÃO-ENUNCIADO AO NÍVEL SEMÂNTICO DO TEXTO: A
NOÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA
Sendo o texto o objeto de estudo da ATD, Adam (2011a) propôs uma unidade mínima
sobre a qual o analista textual-discursivo pode lançar o seu olhar e interpretar os sentidos dela
proveniente, ela é denominada por proposição-enunciado ou proposição enunciada. Segundo
Rodrigues, Passeggi, Silva Neto (2010) essa unidade mínima está no nível sequencial-
composicional do texto, o que implica uma linearidade, todavia, os demais níveis semântico,
enunciativo e argumentativo tanto podem obedecer à linearidade do texto como dar-se de
forma não linear, conforme mencionado na seção anterior.
Nesse sentido, a proposição-enunciado é o “produto de um ato de enunciação: ela é
enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador” (ADAM, 2011a, p. 108,
grifos do autor), o que implica em um todo significativo, isto porque “não existe enunciado
isolado [...]” (Ibid., p. 109). Dessa forma, todo enunciado sempre vai estar em ligação com
outros enunciados, quer pelas relações do próprio texto (referência, por exemplo), quer pela
evocação de respostas ou continuação do dizer.
Adam (2011a), afirma que uma proposição-enunciado compreende três dimensões
complementares. Essa discussão é materializada pelo autor no seguinte esquema:
57
Esquema 4 – As três dimensões da proposição-enunciado
Fonte: Esquema 10, Adam (2011a, p. 111).
Conforme Adam (2011a, p. 109, grifos do autor):
As três dimensões complementares de toda proposição enunciada são: uma
dimensão enunciativa [B] que se encarrega da representação construída
verbalmente de um conteúdo referencial [A] e dá-lhe uma certa
potencialidade argumentativa [ORarg] que lhe confere uma força ou valor
ilocucionário [F] mais ou menos identificável.
Fica evidente, no esquema apresentado por Adam (2011a), que a proposição
enunciada é constituída pelos níveis 4 e 5, ou seja, pelo nível sequencial-composicional.
Desse modo, cabe-nos compreender que as proposições-enunciados – unidades textuais de
base – funcionam como parte de um processo de construção do texto e não como o texto em
si. Com essa mesma linha de pensamento, Passeggi et al. (2010, p. 271) afirmam que “as
proposições-enunciados, ligam-se entre si através de diversos processos, entre os quais:
correferência e anáforas; isotopias; colocações; elipses e implícitos; conectores, incluindo os
organizadores textuais e os conectores argumentativos”. Esses elementos, nos níveis 6, 7 e 8,
a depender do objeto de investigação, podem funcionar como categorias de análise para
compreender as dimensões que a esses níveis correspondem. Diante disso, como o enfoque
58
desse trabalho é a noção de representação discursiva deter-nos-emos na parte A (nível 6), isto
é, na representação discursiva construída pelo conteúdo referencial11
.
Adam (2011a, p. 110) afirma que o ato de referência é uma operação construída no e
pelo discurso, e que “o fato de se colocar o valor descritivo de todo o enunciado na parte [A]
não implica sua separação dos outros componentes”. Dessa forma, observar o nível semântico
(referência como representação discursiva) é atentar tanto para a proposição-enunciado na
linearidade do texto, concepção do nível sequencial-composicional, quanto para a sua
reticularidade, uma vez que é por meio dos movimentos de sentido que se constrói a
referência na atividade discursiva.
De acordo com Adam (2011a, p. 113-114):
Toda proposição enunciada possui um valor descritivo. A atividade
discursiva de referência constrói, semanticamente, uma representação, um
objeto de discurso comunicável. Esse microuniverso semântico apresenta-se,
minimamente, como um tema ou objeto de discurso posto e o
desenvolvimento de uma predicação a seu respeito. A forma mais simples é
a estrutura que associa um sintagma nominal a um sintagma verbal, mas, de
um ponto de vista semântico, uma proposição pode muito bem se reduzir a
um nome e um adjetivo.
Como vemos, Adam situa no valor descritivo de uma proposição enunciada o
potencial de construir semanticamente uma representação, ou seja, de fazer referência ao
mundo ou a um objeto no mundo e, para isso, aponta a relação entre tema e predicação como
sendo a forma prototípica de manifestação dessa referência.
Sob essa ótica, Rodrigues, Passeggi, Silva Neto (2010, p. 173) afirmam que “[...] toda
proposição, na condição de ‘microuniverso semântico’, constitui uma representação
discursiva mínima”, isto é, por mais que uma proposição-enunciado apresente apenas um ou
dois constituintes (nome e adjetivo, por exemplo), essa construção referencia algo no mundo,
isto é, um objeto de discurso. Este, entendido, aqui, como o referente: entidade discursiva
utilizada e atualizada no e pelo discurso pelos agentes de linguagem.
Sendo assim, compreendemos objeto de discurso12
como uma construção discursiva,
isto é, um produto, uma representação que é alimentada pela atividade linguística, na qual
locutores enunciam referentes (fundamentalmente culturais) e os colocam em circulação por
11
Esta posição teórica que assumimos em nosso trabalho tem caráter puramente metodológico, haja vista sermos
reconhecedores da dissociabilidade das dimensões semântica, enunciativa e argumentativa para a construção dos
efeitos de sentido do texto. 12
O conceito de objeto de discurso é muito caro para o estudo do nível semântico do texto, haja vista ser por
meio dele que buscamos compreender como são representados, discursivamente, o locutor, o interlocutor e os
temas tratados no texto.
59
meio dos textos. Por seu turno, esses referentes sofrem transformações na memória discursiva
dos interlocutores, o que garante aos objetos de discurso uma intrínseca instabilidade13
(APOTHÉLOZ, REICHLER-BÉGUELIN, 1995; KOCH, 2002; 2006; CAVALCANTE,
2011).
Seguindo esse princípio de que os objetos de discurso servem para referenciar
linguisticamente as entidades discursivas existentes na memória dos indivíduos, retomamos
um posicionamento do idealizador da ATD, no qual afirma que “a atividade de referência
constrói, semanticamente, uma representação, um objeto de discurso comunicável” (ADAM,
2011a, p. 113). Portanto, ao por em discurso um objeto (referente), o locutor produz uma
proposição-enunciado que constrói, por meio dos sentidos possíveis a ela atribuídos, uma
representação discursiva do conteúdo referencial.
A representação discursiva, doravante Rd, é colocada como uma das principais noções
do nível semântico, ao lado de anáforas, isotopias, colocações, entre outras, que são
responsáveis pelos entornos significativos regentes do texto. Rodrigues, Passeggi, Silva Neto
(2010, p. 173), afirmam que “todo texto constrói, com maior ou menor explicitação, uma
representação discursiva do seu enunciador, do seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos
que são tratados”.
Para Adam (2011a, p. 113), uma representação discursiva é “a expressão de um ponto
de vista [PdV]”. Portanto, para interpretá-la, devemos atentar para a representação que é
construída pelo conteúdo proposicional.
Passeggi (2012, p. 232) admite que as representações discursivas “são de natureza
linguística, manifestadas nos/pelos textos”. Desse modo, a representação enquanto referência
do enunciador, do leitor ou dos assuntos tratados só pode ser percebida na/pela produção
co(n)textual de sentidos, o que implica uma (re)construção do sentido por parte do
interpretante. Sobre isso, Adam (2011a, p. 114) afirma que:
É o interpretante que constrói a Rd a partir dos enunciados
(esquematização), em função de suas próprias finalidades (objetivos,
intenções) e de suas representações psicossociais da situação, do enunciador
e do mundo do texto, assim como de seus pressupostos culturais.
Assim, ao construir uma Rd em um dado texto, recai sobre o leitor/interpretante o
papel de (re)construí-la com base em suas representações (psíquicas, sociais, culturais, etc.), a
13
A instabilidade a que nos referimos diz respeito à possibilidade de modificações do referente, em virtude dos
valores culturais que constituem os sujeitos envolvidos na atividade de linguagem.
60
fim de obter os resultados semânticos ali atribuídos. Não significa dizer que o interpretante
deverá agir simetricamente ao locutor, mas ele é solicitado a desenvolver uma atividade
semelhante de (re)construção do sentido (ADAM, 2011a).
Ao tratarmos a Rd como algo passível de ser (re)construída pelo interpretante, através
de suas representações sociais, cognitivas, etc., isto é, dos objetos de discurso que fazem
parte, culturalmente, da memória discursiva dos interpretantes, esclarecemos que o princípio
que rege a formulação do conceito de representação discursiva advém da lógica natural14
e,
mais especificamente, da noção de esquematização proposta por Grize (1990; 1996).
A lógica natural é definida por Grize (1990, p. 65) como:
[...] o estudo de operações lógico-discursivas que permitem construir e
reconstruir uma esquematização. O duplo adjetivo é para sublinhar o fato de
que se está em presença de operações de pensamento, mas somente na
medida em que esses se expressam através de atividades discursivas. Quanto
ao termo operação, ele deve ser tomado em seu sentido matemático. Trata-se
sempre de uma aplicação de um conjunto sobre ele mesmo (operação
interna) ou em outro conjunto (operação externa).
Adam (2011b, p. 95), ao citar Grize (1996), afirma que “o conceito-chave da lógica
natural [...] é o de esquematização, portanto, de representação discursiva”. Assim, com a
esquematização, busca-se compreender as operações, isto é, as escolhas e os arranjos das
palavras, orquestrados entre os interlocutores em uma situação de comunicação.
3.1.1 Da esquematização aos grupos da Representação discursiva
Para Grize (1990; 1996), a situação de comunicação entre interlocutores é um espaço
sociodiscursivo de interação. Essa posição carrega, em sua base, os postulados bakhtinianos
acerca da dimensão dialógica da linguagem, uma vez que, para o referido autor, a atividade de
esquematização é constituída pelo caráter dialógico da atividade comunicativa. Além disso,
outro postulado que assume a perspectiva dialógica, na lógica natural, é o:
da situação de interlocução, que admite que toda comunicação se
desenvolve numa situação que apresenta duas dimensões. A primeira,
concreta, enquanto atividade discursiva situada em certo momento, em certo
14
Assumimos essa posição por estarmos em consonância com os trabalhos realizados por Adam (1999, 2011b),
Passeggi (2001, 2012), Oliveira (2013) e Queiroz (2013), para os quais a representação discursiva tem suas bases
na lógica natural, de Jean-Blaise Grize, e mais especificamente no conceito de esquematização.
61
lugar, visando a uma finalidade e estabelecendo um conjunto de relações
sociais e históricas; a segunda, a própria atividade discursiva, que contribui
para a elaboração da situação. (PASSEGGI, 2001, p. 247, grifos nossos).
É, portanto, considerando os postulados do dialogismo e da situação de interlocução
que Grize começa a conceber o que ele entende por esquematização na situação de
interlocução. Isto posto, cabe afirmar que, além desses postulados, outros três são
apresentados pelo autor – das representações, dos pré-construídos culturais e da construção
dos objetos –, todavia, estes vinculam-se mais diretamente à esquematização discursiva. De
forma resumida:
O postulado das representações remete às “representações mentais” dos
interlocutores. Embora a lógica natural não pretenda examinar a realidade
psicológica das representações mentais [...] ela assume que os interlocutores
têm representações e que estas são fundamentais na comunicação discursiva.
O postulado dos pré-construídos culturais estabelece que os interlocutores
mobilizam um conjunto de conhecimentos pré-construídos, de natureza
cultural e social, a começar pela própria língua utilizada. [...] São os pré-
construídos que fazem com que um texto seja, ao mesmo tempo, um produto
verbal e um produto social. Finalmente, o postulado da construção dos
objetos refere-se ao fato de que o discurso constrói objetos de pensamento, a
partir da significação dos termos que utiliza. Esses objetos remetem aos
referenciais do discurso, que devem ser, pelo menos parcialmente, comuns
aos interlocutores. (PASSEGGI, 2001, p. 248).
Grize (1996), ao definir esquematização, articula esses postulados em um esquema
que representa o seu entendimento sobre a situação de interlocução. Vejamos:
Esquema 5 – A esquematização na situação de interlocução (GRIZE, 1996, p. 68)
Fonte: Passeggi (2001, p. 251, com adaptações).
62
Uma esquematização é resultado da interação sociodiscursiva entre um locutor (A) e
um alocutário (B). “Trata-se de sujeitos que desempenham cada um uma atividade: atividade
de construção por parte de A e atividade de reconstrução por parte de B” (GRIZE, 1996, p.
68).
Passeggi (2001, p. 249) afirma que “toda esquematização contém imagens que, na
terminologia de Grize, são os elementos visíveis no texto para um observador, ressalvadas as
interpretações possíveis”. Com isso, entendemos que A constrói (esquematiza), por meio de
enunciados, uma representação discursiva através de objetos de discurso que são postos em
jogo com base nos pré-construídos e no propósito comunicativo que ele intenciona. Por sua
vez, cabe ao interlocutor (B) – um sujeito ou um auditório – reconstruir os sentidos
provenientes dos objetos construídos por A. Para isso, B terá de interpretar o conteúdo
referencial com base nos seus próprios pré-construídos culturais e sociais, bem como em seu
propósito comunicativo.
Todavia, faz-se necessário ressaltar que “a construção dos objetos do discurso deve
ser, necessariamente, uma co-construção, na medida em que estes são sempre objetos ad hoc
que devem adequar-se a propósitos discursivos específicos e momentâneos” (PASSEGGI,
2001, p. 248). Isto porque, os interlocutores A e B são vistos como agentes nos processos de
produção e interpretação dos enunciados.
É, com base nas questões da lógica natural apresentadas, que percebemos a intersecção
entre os pressupostos desse estudo com os da ATD no que concerne à noção de representação
discursiva. Entendemos, a priori, que “esquematizar é construir [...] uma representação
discursiva por definição parcial e seletiva de uma realidade” (ADAM, 2011b, p. 102), logo, os
conteúdos referenciados por meio dos objetos de discurso serão sempre construídos “com
certa visão de quem o produz” (QUEIROZ, 2013, p. 53), bem como reconstruídos pelo
interpretante a partir de sua visão, o que demanda, de ambos, conhecimentos de mundo
comuns sobre o assunto tratado, os quais serão transmitidos e percebidos parcialmente, haja
vista as experiências singulares de cada um deles.
Outro ponto que adotamos para o estudo da Rd, e que a lógica natural apresenta ao
tratar da esquematização, é que esta constrói três imagens: a do locutor – im (A); a do
alocutário – im (B); e a do tema tratado – im (T) (GRIZE, 1996). Nesse sentido, propomos
uma adaptação terminológica, considerando a epistemologia que rege a ATD. Essa adaptação
pode ser evidenciada no quadro a seguir:
63
Quadro 1 – Os três grupos da Representação discursiva (Rd)
Grize Adam Definição
Imagem do
locutor: im(A)
Representação
discursiva de si
Também chamada de ethos, refere-se à imagem que
o locutor constrói de si mesmo pelas palavras que
evoca em seu texto/discurso. Com base em Adam
(2011b, p. 107), podemos entender que a Rd de si
está associada a “função (lugar) e o(s) papel(éis)
que [orador] assume, com seus fins próprios, seus
pré-construídos culturais e representações da
situação de enunciação, do objeto do discurso, de
seu auditório (B) e as representações psicossociais
de si mesmo”.
Imagem do
alocutário:
im(B)
Representação
discursiva do
alocutário
Associada a Rd que o locutor faz do alocutário (B),
essa representação é percebida pela dialogicidade
da interação comunicativa. Nesse sentido, Amossy
(2011, p. 124) afirma que “o bom andamento da
troca exige que à imagem do auditório corresponda
uma imagem do orador”. Assim, por ser o
alocutário um coconstrutor da representação
presente no texto/discurso, a constante troca de
experiências singulares se presentifica nos
enunciados, revelando a imagem do alocutário
(GRIZE, 1996; PASSEGGI, 2001).
Imagem do tema
tratado: im(T)
Representação
discursiva do tema
tratado
Constituem o que Passeggi (2001, p. 249-250)
chama de “conteúdos do manifesto da
esquematização e remetem diretamente às
operações lógico-discursivas de sua construção”.
As operações a que o autor se refere, concernem à
escolha e o arranjo das palavras que os
interlocutores fazem, permitindo a construção e a
reconstrução das representações discursivas dos
conteúdos referencias evidenciados no e pelo texto
(ADAM, 2011; QUEIROZ, 2013). Fonte: Autor.
Os três tipos de Rd que apresentamos, pelos pressupostos da lógica natural e da ATD,
só são possíveis de serem interpretados considerando a situação de comunicação. Dessa
forma, cabe ao interpretante identificar as pistas textuais deixadas pelo locutor para que se
possa reconstruir, discursivamente, as representações discursivas do locutor, do alocutário (Rd
que coaduna a imagem do próprio interpretante) e dos temas tratados.
Em se tratando da interpretação, outra questão que concerne à esquematização e que
deve orientar o trabalho do analista da Rd é que:
A atividade de reconstrução do alocutário consiste na interpretação da
esquematização. Isso supõe, além da aplicação dos princípios gerais de
cooperação e de coerência, um certo número de competências: competências
64
linguísticas, inicialmente lexicais, mas também sintáticas e pragmáticas;
competências culturais, ou enciclopédicas, que remetem a um conhecimento
sociocultural; competências retóricas, baseadas, em grande parte, no uso das
metáforas; competências lógicas, que dependem das anteriores pois
consistem, principalmente, em inferências. (PASSEGGI, 2001, p. 250).
Como vemos, a interpretação de uma Rd não é algo tão simples, posto que demanda
do analista textual-discursivo competências diversas, as quais são necessárias para reconstruir
os efeitos de sentido materializados nas mais diversas atividades de linguagem pelos entornos
sociodiscursivos que regem os textos, orais e escritos.
Em suma, entendemos a representação discursiva como uma propriedade semântica do
texto. A Rd, portanto, revela as interpretações possíveis do locutor, do alocutário e dos temas
tradados, através dos objetos de discurso presentes no texto, dos pré-construídos culturais e
sociais inerentes aos interlocutores, das representações sociocognitivas utilizadas tanto para a
construção como para a reconstrução dos conteúdos referenciais. Enfim, a Rd deve ser
analisada co(n)textualmente para que sejam atribuídos, devidamente, os sentidos permitidos
pelo texto na sua relação com o discurso.
Para tanto, é indispensável tomar conhecimento acerca das categorias semânticas que
possibilitam a análise da Rd, pois elas fornecem os mecanismos necessários para analisarmos
as representações discursivas de Lula nas capas de revista.
3.1.2 Categorias semânticas para análise da Representação discursiva
Conforme apresentado, a noção de representação discursiva tem por base os
postulados da lógica natural, especificamente, do conceito de esquematização (representação),
entendido como a representação semântica que os interlocutores constroem, a partir de suas
atividades sociodiscursivas de interação.
De acordo com Rodrigues et al. (2012, p. 298), na ATD, “a noção de representação
discursiva, ainda que claramente colocada e reconhecida na economia geral das categorias
textuais, encontra-se relativamente pouco desenvolvida e incompleta”.
Na obra de Adam (2011a), o que aparece como particularidades que orientam o estudo
da Rd está atrelada à discussão acerca da sequência descritiva. Para o autor, “inerente ao
exercício da fala, a descrição é, de início, identificável no nível dos enunciados mínimos”
(Ibid., p. 217, grifos do autor). Isto porque, como visto no esquema 3, “a teoria ilocucionária
localiza a parte descritiva dos enunciados no conteúdo proposicional (p), sobre o qual se
65
aplica um marcador de força ilocucionária” (ADAM, 2011, p. 217). À vista disso, de acordo
com Adam (2011a), basta que se acrescente a um sujeito o predicado para termos um
conteúdo proposicional.
Algo que consideramos relevante na contenda apresentada pelo autor é que ele
diferencia a sequência descritiva das demais (narrativa, argumentativa, explicativa e dialogal).
Nas palavras do autor, “a descrição não comporta uma ordem de agrupamento das
proposições-enunciados em macroproposições ligadas entre si” (Ibid., p. 216). Por esse
motivo, é afirmado pelo autor que a descrição tem uma tênue determinação sequencial.
Confirmando essa fragilidade da caracterização da sequência descritiva, Adam (2011a,
p. 217-218, grifos do autor) afirma que “no nível da composição textual, sejam quais forem
os objetos do discurso e a extensão da descrição, a aplicação de um repertório de operações de
base gera proposições descritivas que se agrupam em períodos de extensão variável,
ordenadas por um plano de texto”. Todavia, como o próprio autor afirma:
Os textos são, de fato, estruturados de maneira muito flexível, e a
importância dos planos [...] é preponderante. Na medida em que os
agrupamentos de proposições não correspondem sempre a sequências
completas, podemos dizer que o principal fator unificador da estrutura
composicional é o plano de texto. [...] Os planos de texto estão, juntamente
com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimentos dos grupos
sociais. Eles permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na
escuta), a organização global de um texto, prescrita por um gênero. (ADAM,
2011a, p. 258).
Por conseguinte, as sequências descritivas não podem ser tomadas como pontuais no
texto, ou seja, um elemento identificável e constituidor do texto, mas, como parte do todo que
compõe o plano textual, o qual possibilita a construção e reconstrução dos sentidos do texto
(discursivamente concretizados em gêneros de discurso).
Pensando, portanto, nos procedimentos de construção semântica da proposição-
enunciado, considerados como ferramentas importantes de descrição dos conteúdos
discursivos, seguimos a orientação de Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), que tem por
alicerce as operações de base da sequência descritiva de Adam (2011a) e o estudo das
operações lógico-discursivas de Grize (1990; 1996)15
.
Vale destacar que as categorias que apresentamos nesse trabalho são de cunho
linguístico-textual, embora, algumas vezes, possam apresentar uma nomenclatura concernente
15
Considerando que já foi realizado, por Queiroz (2013), um trabalho de correlações entre as operações logicas
de Grize (1990; 1996) e as demais operações e categorias que norteiam o estudo da Rd, detemo-nos, diretamente,
nas categorias semânticas propostas pelos estudos em ATD.
66
ao estudo gramatical da linguagem, assim como fez Adam (2011a) ao afirmar que a junção de
um sujeito a um predicado constitui uma proposição. Diante disso, nos apropriamos de
estudos linguísticos e gramaticais para complementar as categorias semânticas que subsidiam
a análise da Rd, tais como Ilari (2009), Neves (2011) e Castilho (2010).
Ademais, na esteira dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Análise
Textual dos Discursos, especialmente os que focalizam a representação discursiva, adotamos
como categorias semânticas para a análise da Rd a referenciação, a predicação, a
modificação, a relação e a localização espacial e temporal (RODRIGUES; PASSEGGI;
SILVA NETO, 2010; ADAM, 2011a; RAMOS, M., 2011; PASSEGGI, 2012; RODRIGUES
et al., 2012; OLIVEIRA, 2013; QUEIROZ, 2013; entre outros).
3.1.2.1 Referenciação
De acordo com Koch (2009, p. 61), “a referenciação constitui [...] uma atividade
discursiva”. Essa afirmação converge para a ideia de Rd como construção e reconstrução de
objetos de discurso, haja vista ser por meio da ação linguageira que o locutor realiza escolhas
no repertório linguístico que ele possui a sua disposição, com vistas a representar estados de
coisas, isto é, “os processos de referenciação são escolhas do sujeito em função de um querer-
dizer” (KOCH, 2009, p. 61).
Consequentemente, a reconstrução desses objetos de discurso dá-se pela representação
que os pré-construídos culturais, sociais e cognitivos do interlocutor (interpretante) têm em
comum com os do locutor, posto que:
todo discurso constrói uma representação que opera como uma memória
compartilhada (memória discursiva, modelo textual) [...], sendo os
sucessivos estágios dessa representação responsáveis, ao menos em parte,
pelas seleções feitas pelos interlocutores, particularmente em se tratando de
expressões referenciais. (Ibid., p. 61).
Embora não utilize a nomenclatura referenciação, Adam (2011a, p. 218) afirma que “a
escolha de um nome próprio ou de um nome de objeto mais ou menos específico muda,
naturalmente, o enquadramento do objeto do discurso”. Entendemos, com isso, que, a
depender da situação de comunicação e das intenções do locutor, os referentes adquirem
nuances de sentido, as quais devem ser reconstruídas pelo interlocutor na interpretação.
67
A referenciação pode ser identificada como o elemento linguístico-discursivo sobre o
qual se estabelece uma predicação, isto é, um elemento que representa algo do mundo
(pessoas, coisas, acontecimentos, etc.) e que desencadeia uma situação discursiva referencial
(RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010).
Nesse sentido, Castilho (2010, p. 126) afirma que a referenciação é “a função pela
qual um signo linguístico representa quaisquer entidades do mundo extralinguístico, reais ou
imaginários”16
. Posto isso, quando enunciamos a palavra “Lula”, por exemplo, em uma dada
situação discursiva, possibilitamos ao interpretante reconstruir uma representação desse
objeto de discurso (referente). Ratificamos que a interpretação dar-se-á a partir dos pré-
construídos culturais e sociais que o interpretante possui acerca do referente dado.
Na perspectiva semântica, o referente (objeto de discurso produzido na e pela prática
discursiva de uso da linguagem) é construído pela operação de referência, esta compreendida
como uma “operação linguística por meio da qual selecionamos, no mundo que nos cerca, um
ou mais objetos (isto é, pessoas, coisas, acontecimentos) específicos, tomando-os como
assuntos das nossas falas” (ILARI, 2009, p. 177). Os referentes, no jogo discursivo,
desempenham papeis temáticos que “são distintos das funções gramaticais de sujeito, objeto e
adjunto [...]” (Ibid., p. 132).
Esquema 6 – Os papeis temáticos numa perspectiva semântica
Fonte: Autor.
Esse esquema põe em questão a referenciação na atividade de linguagem. Por meio
dela, o locutor constrói os objetos de discurso, ou referentes, os quais, pela ação visada do
16
Essa definição apresentada por Castilho apoia-se nos estudos de Ducrot/Todorov (1972/1998).
68
locutor, assumem papeis temáticos. É também por meio da referenciação que o alocutário17
vai interpretar os objetos de discurso, reconstruindo os sentidos a partir dos papeis temáticos
que esses objetos assumem na ação de linguagem.
Ilari (2009) afirma que os papeis temáticos apresentados no esquema são os mais
comuns. Desta forma, esses papeis só são possíveis de definir de acordo com o sentido
proveniente da ação, ou seja, por meio do verbo que rege o enunciado.
De forma sintética, os papeis temáticos podem ser conceituados do seguinte modo:
o agente (o indivíduo que tem a iniciativa da ação, que tem controle
sobre a realização da ação);
o alvo [paciente] (o indivíduo ou objeto diretamente afetado pela
ação);
o instrumento (o objeto de que o agente se serve para praticar a
ação);
o beneficiário (o indivíduo a quem a ação traz proveito ou prejuízo);
o experienciador (o indivíduo que passa pelo estado psicológico
descrito pelo verbo). (ILARI, 2009, p. 131, grifos do autor).
São esses papeis semânticos, linguisticamente referenciados por meio de nomes
(substantivos) ou expressões equivalentes, que chamaremos de participantes (PASSEGGI,
2012). Ressaltamos que a adoção dessa terminologia se dá por estarmos em consonância com
o trabalho de Passeggi (2012, p. 236), no qual ele afirma que os participantes “são entidades –
seres, coisas, lugares, etc. – envolvidas nos eventos”, logo, referentes discursivamente
textualizados. Além disso, Ilari (2009) e Neves (2011) apontam para o uso dos artigos
definidos (o, a, os e as) e os pronomes demonstrativos (esse, essa, aquele, aquela, etc.) como
marcas que facilitam a localização e compreensão dos referentes no discurso.
Outra questão com a qual concordam os estudiosos da referenciação é o fato de ela
poder ocupar duas posições: a de tematização (ou categorização) e a de retematização (ou
recategorização)18
.
A primeira diz respeito à ancoragem que, segundo Adam (2011a), seria o termo que
sustenta a predicação. Koch (2009, p. 64, grifos da autora) afirma que “quando representado
por uma expressão nominal, esta opera uma categorização do referente”.
17
Em nossa tese, adotamos a denominação alocutário em detrimento de interlocutor pela filiação aos estudos da
esquematização proposto por Grize (1990; 1996) e que orientam a concepção de Rd por nós assumida. 18
Para efeito de análise, em nossa tese, adotamos as nomenclaturas categorização e recategorização, uma vez
que seguimos os trabalhos realizados na perspectiva da Análise Textual dos Discurso, especificamente aqueles
que discutem as Rds em textos concretos (RAMOS, M., 2011; QUEIROZ, 2013; OLIVEIRA K., 2013; entre
outros). Além disso, quando usarmos os termos tema, tematizado, ou similares, estaremos nos referindo ao
assunto abordado pelas revistas, uma vez que buscamos compreender as representações discursivas de Lula, i.é,
do tema tratado por Época e Veja em suas capas.
69
A segunda, por sua vez, pode ser definida como “fenômeno cognitivo-discursivo que
corresponde à evolução natural que todo referente sofre ao longo do desenvolvimento do
texto” (CAVALCANTE, 2011, p. 90). Adam (2011a) afirma que para haver a retematização,
ou seja, uma nova denominação do objeto, faz-se necessário “a existência de uma primeira
nomeação [N] do objeto do discurso”.
Em síntese, entendemos que a referenciação, através dos objetos de discurso
(referentes), constitui a base semântica para a compreensão da Rd, haja vista ser por meio dela
que os sujeitos realizam operações de representação do conteúdo referencial, à medida que o
discurso se desenvolve (KOCH, 2009).
3.1.2.2 Predicação
Adam (2011a) não dispensa, na ATD, um tópico à predicação enquanto
macrooperação de análise da Rd, mas, ao tratar da sequência/período descritivo, o autor
afirma que: “A atribuição mínima de um predicado a um sujeito constitui a base de um
conteúdo proposicional” (ADAM, 2011, p. 217). Como vemos, o autor reconhece que o
predicado, aqui, tratado numa categoria mais abrangente, – predicação –, é fundamental para
se compreender o conteúdo descritivo que expressa um ponto de vista.
Nesse sentido, consideramos a predicação como elemento de grande importância para
se compreender as representações que se criam dos objetos de discurso: as predicações são
seleções feitas pelo enunciador para designar um processo (ação, estado, ou outro) que
gerencia a enunciação, bem como situa os participantes na proposição (RODRIGUES;
PASSEGGI; SILVA NETO, 2010; PASSEGGI, 2012).
De acordo com Passeggi (2012), a predicação é, linguisticamente, construída por meio
de verbos e locuções verbais, os quais ele denomina por processos, terminologia que também
adotamos em nosso trabalho. Assim, a predicação é sempre algo que se diz sobre um referente
e que caracteriza o valor semântico, primariamente pelo processo.
Quadro 2 – Exemplo de constituição básica da predicação
O PT fica rico e monta uma supermáquina.
Participante Processos
SUJEITO PREDICADO Fonte: Autor
70
No quadro, que ora apresentamos, PT (Partido dos Trabalhos) é o participante, ou seja,
o referente sobre o qual se predica algo. Os processos fica e monta constituem o predicado, ou
seja, são os responsáveis pela predicação no enunciado. Passeggi (2012, p. 237) relata que
“mantemos o termo tradicional de ‘predicado’ para expressar ‘o que se diz (predica) do
sujeito’, pois trata-se de uma importante ferramenta de análise semântica. Para designar o
verbo ou a locução verbal usaremos o termo ‘predicador’”. Por isso, os processos fica e monta
são os predicadores do sujeito PT.
De acordo com Castilho (2010, p. 243), “no sistema de semântica, a predicação pode
ser definida como um processo de atribuição de traços semânticos”, ou seja, a predicação
atribui sentidos a um determinado elemento da proposição. Sendo assim, um predicador
poderá exercer um traço semântico sobre o referente ou sobre os demais argumentos
envolvidos em um enunciado, o que possibilita compreender as representações que se deseja
criar ou são inconscientemente criadas pelo enunciador.
Para Castilho (2010), que utiliza uma noção de predicação mais ampla que a da
predicação verbal – incluindo substantivos, adjetivos e preposições –, a predicação é uma
operação de transferência de traços semânticos que, quando ocorre sobre uma classe-escopo19
manifesta três grandes mecanismos:
(i) a transferência afetou a intensão da classe-escopo: ocorreu uma
predicação por qualificação, como em livro divertido; (ii) a transferência
afetou a extensão da classe-escopo: ocorreu uma predicação por
quantificação, como em tanta risada; (iii) a transferência afetou a
modalidade da classe-escopo: ocorreu uma predicação por modalização,
como seria em [...] De fato, aquele velhinho está lendo atentamente um livro
divertido. (CASTILHO, 2010, p. 128, grifos do autor).
Como vemos, a predicação se dá por operações distintas que desencadeiam atributos,
quantificações ou modalizações sobre um referente. “Nesse sentido, a predicação e a
referenciação formam a base de constituição dos enunciados em que à predicação se associam
os termos ligados pelo processo de referenciação.” (QUEIROZ, 2013, p. 61). Enfim, a
predicação sobre um referente pode atribuir sentidos às pessoas, a objetos, ou a
acontecimentos, isto é, objetos de discurso.
19
Uma classe-escopo pode ser entendida como sendo um constituinte do enunciado sobre o qual se predica algo
como, por exemplo, o referente.
71
3.1.2.3 Modificação
Para a discussão acerca dessa categoria, tomamos como norte a discussão esboçada em
Oliveira (2013) e Queiroz (2013). As estudiosas, fundamentadas nos postulados da ATD,
propõem chamar de modificação a categoria denominada por Adam (2011a) como
aspectualização. Considerando, que o termo aspectualização pode estabelecer um conflito
com a noção de aspecto verbal, as autoras optam pela referida nomenclatura. Todavia, apenas
se foi alterado o nome da categoria, haja vista ter-se mantido o fundamento teórico-
epistemológico que a conceitua. Por esse motivo, seguimos as orientações de Rodrigues,
Passeggi e Silva Neto (2010), Adam (2011a), Ramos, M. (2011), Passeggi (2012)20
, adotando
a nomenclatura utilizada nos trabalhos sobre a Rd.
Em sua obra, Adam (2011, p. 219) coloca a aspectualização (modificação) como uma
macrooperação “que se apoia na tematização”. Por sua vez, Rodrigues, Passeggi e Silva Neto
(2010, p. 175), afirmam que ela “refere-se às características ou propriedades tanto dos
referentes como das predicações”.
Nas palavras de Queiroz (2013, p. 59), “interpretamos essa categoria como sendo a
modificação do referente”. Ao definir, portanto, a modificação, a estudiosa diz que “ela está
ligada tanto ao sujeito, por meio de adjetivos e/ou expressões adjetivas, quanto às ações
verbais dos predicados, por meio das circunstâncias adverbiais” (Ibid., p. 67).
Diante disso, a modificação traz consigo a ideia de transformar, de variar, de mudar,
ou seja, de atribuir características aos objetos de discurso. Dessa forma, compreendemos que
a modificação diz respeito à conferência de qualidades a sujeitos e a predicados. Nessa
perspectiva, conforme Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), as predicações são incluídas
como elementos passíveis de serem qualificados, o que nos auxilia na análise da Rd em textos
concretos. Vejamos no quadro, a seguir, um caso de aspectualização:
Quadro 3 – Exemplo de aspectualização e elemento
O PT deixou o Brasil mais burro?
Participante Modificação da predicação
SUJEITO LOCUÇÃO ADJETIVA Fonte: Autor.
20
Ao utilizar a nomenclatura aspectualização estamos mantendo o respeito às obras anteriores aos estudos de
Oliveira, K. (2013) e Queiroz (2013) e que lhes serviram de fundamentação. Todavia, em nosso trabalho,
aspectualização deve ser entendida como modificação.
72
A locução adjetiva “mais burro” atribui uma qualificação ao objeto de discurso “o
Brasil”, no predicado regido pelo processo deixou.
Concluindo nosso posicionamento, resumimos o que entendemos por modificação e
como ela é identificada linguisticamente na referenciação de participantes e na predicação.
Quando tratamos dos participantes (referentes no discurso) são usados mecanismos de
linguagem que fornecem atributos ou qualificam os referentes, ou seja, são utilizados
adjetivos ou expressões qualificativas. No que concerne aos processos – verbos –, a
modificação designa características ou propriedades desses processos e é verificada na
proposição como expressões que são típicas de indicação de circunstância. Nesses casos, os
adjetivos e os advérbios e locuções adverbiais (elementos circunstanciais), exceto as
circunstâncias de tempo e lugar, são marcas que atribuem sentidos aos referentes e aos verbos
os qualificando, o que possibilita uma interpretação da Rd.
3.1.2.4 Relação
Adam (2011a) caracteriza a macrooperação de relação como constituída por duas
outras operações: contiguidade e analogia. A primeira atua no texto por meio de elementos
que deem continuidade ao que está sendo enunciado e a segunda com base nas comparações e
metáforas.
Rodrigues, Passeggi, Silva Neto (2010) referem-se à primeira operação como sendo
um processo de ligação entre enunciados e Passeggi (2010) denominou a relação de
contiguidade como conexão: esses elementos estabelecem ligações entre enunciados,
elementos de enunciados ou partes do texto.
Nessa perspectiva, Castilho (2010, p. 133) ao descrever as categorias de análise
semântica afirma que a conectividade é “gramaticalizada como preposições e conjunções”.
Nesse sentido, os conectores vão estabelecer, semanticamente no texto, relações de causa,
consequência, finalidade, etc. Além de servir como marcador sequencial ou conceitual-
cognitivo, para usar as palavras de Marcuschi (2009 [1983]), os quais conectam logicamente o
texto (coesão) e podem atribuir sentidos por meio de seus usos (coerência), desencadeando
um contínuo textual. Portanto, os conectores desempenham papel semântico importante na
produção co(n)textual de uma prática discursiva, haja vista eles serem orquestradores de uma
coesão textual necessária a uma interpretação.
73
Deve-se ressaltar, porém, que “do ponto de vista lógico, o discurso aparece como uma
concatenação de enunciados; isso exige que conheçamos as conexões que existem entre eles.
Por outro lado, não implica que as conexões de representação discursiva sejam sempre
lineares” (PASSEGGI, 2001, p. 260). Isto posto, entendemos que, mesmo a conexão sendo
um elemento importante na construção do texto/discurso e, consequentemente, na construção
da Rd, não é pela sua falta ou pela pouca presença de marcas de contiguidade que as
proposições-enunciados deixarão de, discursivamente, construir e possibilitar a reconstrução
de sentidos.
A analogia, segunda operação de que trata Adam (2011a), pode ser percebida no texto
por meio de comparações e metáforas, ou seja, figuras de linguagem que estabelecem
significação por meio de elementos que indicam relação entre domínios cognitivos diferentes
(RAMOS, M., 2011).
A comparação é marcada pelo estabelecimento de uma relação de semelhança entre
dois objetos de discurso. Linguisticamente, ela difere-se da metáfora pela presença explicita
de elementos comparativos, tais como as conjunções. Segundo Queiroz (2013, p. 67), a
comparação “é reconhecida no texto por meio de elementos linguístico-discursivos que
demarcam a comparação entre objetos, que pode ser feita por meio de pares textuais: como,
tanto... quanto..., ou de metáforas”.
Todavia, as metáforas não se manifestam por meio de um elemento explícito, estas são
constituídas por uma comparação implícita que resulta na utilização de domínios semânticos
diversos para a construção comparativa. É, nesse sentido, que Marcuschi (2007, p. 119)
afirma que a metáfora é “algo mais do que um simples fenômeno linguístico”.
Na verdade, ela pode ser tida como ponto de apoio para uma análise de
capacidade criativa espontânea do indivíduo, sendo então, apenas do ponto
de vista operacional, uma transposição de significado, mas, do ponto de
vista genético e psicológico, ela seria a criação de novos universos de
conhecimento. Criaria, pois, uma realidade nova. (Ibid., p. 121).
Por esse ângulo, a metáfora ultrapassa os limites de uma comparação, ela reflete novas
perspectivas sobre os objetos de discursos para os quais ela se refere. Por esse motivo, é que o
autor afirma que a metáfora não está presa a linguagem “ao criar uma realidade nova não
puramente linguística” (MARCUSCHI, 2007, p. 122). Assim, ao construir uma Rd, o locutor
faz uso da metáfora para representar, discursivamente, por meio de universos distintos, um
conteúdo referencial.
74
Quadro 4 – Exemplos de comparação e metáfora
Metáfora Comparação
OS PTBULLS
Financiados pelo governo e chefiados por um dirigente do
partido, os agitadores que depredaram o Congresso
Nacional são apenas um dos grupos que se comportam
como o braço armado do PT
Campos semânticos diferentes
Partidários do PT ≠ Animal
Uso da conjunção comparativa “como”
Fonte: Autor.
A metáfora, ora apresentada, é o que intitula o texto que segue e no qual aparece a
comparação. Além de constituir-se de um neologismo, percebemos campos semânticos
diferentes entre os elementos que constituem o referente. Na comparação, por seu turno, é
explicitada a comparação entre “os agitadores que depredaram o Congresso Nacional” e “o
braço armado do PT”, ambos articulados pela conjunção como.
Em conclusão a categoria relação, entendemos que o uso de proposições-enunciados
comparativo ou metafórico pode ser visto como uma construção capaz de reforçar, depreciar,
elogiar, etc. Desse modo, tais elementos textuais manifestam, no discurso, representações dos
participantes envolvidos na prática discursiva. Vale lembrar que, mesmo dada uma proposição
que opere por analogia, a interpretação do sentido empregado só ocorre co(n)textualmente,
através da representação que locutor e interlocutor comportam em sua memória discursiva.
3.1.2.5 Localização
A última categoria que elencamos, em nosso trabalho, é a localização. Segundo
Rodrigues, Passeggi, Silva Neto (2010, p. 176), essa categoria “indica as circunstâncias
espaçotemporais nas quais se desenvolvem os processos e participantes”.
Adam (2011a), nomeia os elementos que indicam tempo e espaço, referente a Rd,
como organizadores. Em suas palavras, “os organizadores exercem um papel capital no
balizamento dos planos textuais” (ADAM, 2011a, p. 181). Esse posicionamento concerne à
estrutura do texto, pensando, por exemplo, a ideia de início, meio e fim do texto; em primeiro
lugar, em segundo lugar... por último, etc.
Porém, conforme já dissemos, à Rd, o autor aponta apenas dois tipos de organizadores:
os espaciais e os temporais. Em nossa tese, seguindo os trabalhos com ênfase na Rd, usamos a
nomenclatura localização espacial e temporal (RODRIGUES et al., 2012; OLIVEIRA, 2013;
QUEIROZ, 2013).
75
Linguisticamente, a localização é marcada no texto por expressões que indicam tempo
e lugar, ou seja, advérbios e/ou expressões adverbiais, tais como:
Quadro 5 – Advérbios e/ou expressões adverbiais de tempo e lugar
Elementos que
expressam localização Tempo Lugar
ADVÉRBIOS
afinal, agora, amanhã, antes,
ontem, breve, cedo, nunca,
depois, enfim, enquanto, isso,
hoje, sempre, já, jamais, tarde,
imediatamente, primeiramente,
constantemente, etc.
abaixo, acima, adiante, afora,
aí, além, ali, aqui, atrás, cá, lá,
dentro, embaixo, longe, perto,
nenhures (em nenhum lugar),
alhures (em outro lugar),
algures (em algum lugar), etc.
EXPRESSÕES
ADVERBIAIS
às vezes, à tarde, à noite, de
manhã, de repente, de vez em
quando, de quando em quando,
em breve, hoje em dia, etc.
a distância, à distância de, de
longe, de perto, de cima, à
direita, à esquerda, ao lado, em
volta, por aqui Fonte: Autor.
Com base nesse quadro, percebemos que são muitos os elementos linguísticos que
expressam a localização espacial e temporal, entretanto, ao fazermos uso de um elemento em
detrimento dos demais, estamos imbuindo nesse uso sentidos que só podem ser determinados
no contexto discursivo em que o elemento foi enunciado. Além disso, Adam (2011a, p. 182,
grifos do autor) ressalta que, no texto, “os organizadores temporais possuem uma propriedade
interessante: a de poder se combinar conforme uma ordem de informatividade crescente: E +
então + depois + após/em seguida/mais tarde/logo em seguida”. Assim, essa categoria, no
texto, possibilita, ao interpretante, reconstruir localizações espaçotemporais dos conteúdos
referenciais enunciados pelo locutor, situando a representação feita dos objetos de discurso.
Todas as categorias apresentadas refletem apenas uma parte daquelas que podem
servir aos propósitos do analista da Rd, pois, concordamos com Passeggi (2012, p. 238), que
“as categorias mencionadas não constituem uma lista fechada”, uma vez que elas podem ser
desdobradas em subcategorias, contribuindo ainda mais para uma análise textual-discursiva da
Rd. Todavia, “são todas situações metodologicamente aceitáveis, e até positivas, na medida
em que levam a focalizar as perspectivações conceptuais mais finas do texto” (Ibid., p. 238).
Por fim, concordamos quando Rodrigues et al. (2012, p. 298) afirmam que as
categorias apresentadas tratam-se de “procedimentos de textualização gerais e elementares
que estão na base da construção de todo texto”, por isso, “são transversais a todos os tipos de
sequência (i.é, quanto ao seu conteúdo referencial/descrito)”.
76
Além disso, por ser a Rd “habitualmente composta por um conjunto – uma rede – de
proposições e uma rede lexical” (RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA, 2010, p. 174), isso
demanda categorias distintas, como as que apresentamos, para que seja possível dar conta da
interpretação da(s) representação(ões) discursiva(s) de Lula nas capas das revistas Época e
Veja.
77
CAPÍTULO 4
4 QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA PESQUISA
Destinamos a este capítulo a descrição teórico-metodológica que ampara a nossa
pesquisa de doutoramento. Ressaltamos, portanto, que o uso do termo teórico-metodológico
explica-se por buscarmos situar teoricamente o nosso estudo, partindo das pesquisas
desenvolvidas sobre representações discursivas21
, explicitando conceitos que serão
fundamentais para compreendermos melhor o corpus analisado. Além disso, a metodologia,
ora apresentada, constitui os princípios científicos que norteiam nosso trabalho para que
possamos alcançar os objetivos a que nos propomos e que foram explicitados na introdução.
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
Conforme mencionamos na introdução desse trabalho, nossa tese integra-se a um
leque de pesquisas realizadas junto ao Grupo de Pesquisa Análise Textual dos Discursos. Por
este viés, tomando por referência a ATD, os pesquisadores que compõem esse grupo têm
dedicado sua atenção às diversas questões textuais-discursivas, com o objetivo de descrever,
interpretar e analisar práticas discursivas concretas.
Vimos também que, ao propor a ATD, Adam (2011a) pensa a produção co(n)textual
dos sentidos como sendo uma constituição relacional entre os níveis do texto e os níveis do
discurso, colocando-os como necessariamente conjuntos para a produção, construção e
recepção dos textos. Ao apresentar esses níveis, Adam (2011a) aponta possibilidades de
análise do texto, refletindo as várias nuances teóricas que constituem a sua proposição
teórico-metodológica. Cada nível pode ser analisado isoladamente a partir do texto, mas isso
não os coloca como entidades estanques. Os conhecimentos sobre cada nível são igualmente
relevantes e necessários à descrição, à interpretação e à análise dos textos concretos.
21
Com isso, não pretendemos realizar o estado da arte sobre os estudos que discutem a representação discursiva,
mas, sim, construirmos, pelo contexto das produções, um quadro metodológico que norteará as nossas escolhas
metodológicas para a realização desta tese.
78
Nessa perspectiva, nossa vinculação teórica à ATD é definida pelo sexto nível
proposto por Adam (2011a), isto é, o nível semântico do qual a representação discursiva
encontra-se como a noção principal a ser observada nos textos.
Dentre as publicações já referenciadas no segundo e terceiro capítulos que discutem a
ATD e, mais especificamente, questões relativas aos níveis de análise textual-discursiva,
destacamos as produções de Rodrigues, Passeggi, Silva Neto (2010), Passeggi et al. (2010),
Passeggi (2012), Rodrigues et al. (2012), as quais tomam textos concretos e analisam, entre
outras questões de pesquisa, a representação discursiva.
No panorama dos estudos científicos sobre a representação discursiva, principalmente
aqueles que foram produzidos por pesquisadores em formação, vinculados ao Grupo de
Pesquisa em Análise Textual dos Discursos, hoje, temos duas dissertações de mestrado e três
teses de doutorado defendidas, as quais apresentamos suscintamente para, em seguida,
elaborarmos um quadro descritivo das definições metodológicas adotadas por essas pesquisas.
O primeiro trabalho a ser defendido sobre a temática das Rds foi a tese Representações
discursivas de Ficar e Namorar em textos de vestibulandos e pré-vestibulandos, de autoria de
Milton Guilherme Ramos, no ano de 2011. Em seu trabalho, o pesquisador coaduna ao estudo
da ATD os postulados da Semântica de Frames. Além de uma análise textual-discursiva, o
autor propõe-se a observar as implicações de seu estudo em relação ao ensino da produção de
texto. Desse modo, no que diz respeito às representações discursivas, conforme Ramos, M.
(2011), por meio de designações dos referentes, da predicação, da aspectualização, das
circunstâncias espaciotemporais e das metáforas pode-se evidenciar diferentes representações
discursivas de ficar e namorar22
.
O segundo trabalho é a dissertação Representações discursivas da figura feminina no
jornal o porvir (Currais Novos/Rio Grande do Norte - 1926-1929): um sexo que ironicamente
se intitula de frágil, de autoria de Karla Geane de Oliveira, defendida no ano de 2013. Nela, a
autora analisa como se constroem as representações discursivas da figura feminina no jornal
O PORVIR, periódico que circulou na cidade de Currais Novos, entre os anos de 1926 e 1929.
Como resultados, a autora evidenciou que as representações discursivas mais presentes foram:
senhorinha, mãe, esposa e dona de casa. Essas representações sempre ocorreram em
consonância com as questões de ordem da maternidade, do casamento e da dedicação ao lar,
as quais “não se distanciam dos modelos preconizados no início do século XX, para servirem
de padrão para essa figura” (OLIVEIRA, K., 2013, p. 15).
22
Para maiores esclarecimentos quanto às representações discursivas de “ficar” e “namorar”, ver Ramos, M.
(2011).
79
O terceiro trabalho defendido foi o de Queiroz (2013) – Representações discursivas no
discurso político. “Não me fiz sigla e legenda por acaso”: o discurso de renúncia do senador
Antonio Carlos Magalhães (30/05/2001). Em sua tese, a estudiosa traça como objetivo
investigar como as representações discursivas do locutor e dos alocutários são construídas no
discurso de renúncia ao mandato de senador, proferido por Antonio Carlos Magalhães
(ACM), na 62ª sessão deliberativa ordinária, em 30/5/2001. De acordo com a autora, “na
representação discursiva de si, o locutor desencadeia um conjunto de representações: ‘vítima;
político; sigla; nordestino; presidente do senado; senador confiante; condenado’.”
(QUEIROZ, 2013, p. 176). Essas são as principais constatações feitas pela autora, haja vista
ela analisar outras representações subjacentes ao discurso de renuncia, as quais dizem respeito
aos alocutários, isto é, aqueles sobre os quais Antonio Carlos Magalhães relata em seu
discurso.
O quarto trabalho, A representação discursiva da vítima e do agressor no gênero
sentença judicial, de autoria de autoria de Alba Valéria Saboia Teixeira Lopes, foi defendido
em 2014. Em sua dissertação, a pesquisadora se propõe a identificar e descrever o fenômeno
da representação discursiva da vítima e do agressor, tomamdo como objeto de pesquisa o
gênero sentença judicial. Assim como as demais pesquisas, Lopes (2014) parte da ATD,
focalizando a noção da representação discursiva proposta por Jean-Michel Adam. Como
resultados, a autora afirma que a construção da representação discursiva dos sujeitos (vítima e
agressor) a partir de PdV de enunciadores distintos, podem aproximar-se ou distanciar-se de
acordo com a orientação argumentativa do texto.
O último trabalho sobre representação discursiva defendido pelo grupo foi o de
Zamblano (2014). Tese intitulada por Análise textual das representações discursivas no
discurso político brasileiro: o discurso da primeira posse da presidenta Dilma Rousseff
(1°/01/2011). Nesse trabalho, a pesquisadora descreve a representação discursiva que a
presidenta Dilma Rousseff faz de si mesma no seu discurso de posse. Seus achados apontam
que a representação discursiva da presidenta é configurada por meio de diferentes domínios
conceituais, com destaque para as designações e ações e para os estados de mulher e de
presidenta, que remetem, respectivamente, aos domínios de gênero e ao papel político-
institucional. Além disso, o discurso de posse explicita, portanto, designações positivas da
presidenta, como líder do Brasil, com ativa participação na ação de transformar o país, mas
também levando em consideração uma história de vida, uma biografia de lutas.
Para a realização dessas pesquisas foram estabelecidos quadros metodológicos que, de
modo sintético, nos orientam em relação à realização do nosso trabalho. Vejamos, no quadro a
80
seguir, as definições metodológicas dos trabalhos apresentados para, posteriormente,
expormos as nossas definições metodológicas.
Quadro 6 – Relações de metodologia entre os trabalhos sobre Rds
Questões Metodológicas
Definições
Pesquisadores
Ramos, M.
(2011)
Oliveira, K.
(2013)
Queiroz
(2013)
Lopes
(2014)
Oliveira, A.
(2014)
Abordagem Quali-
quantitativa
Quantitativa e
qualitativa Qualitativa Qualitativa
Qualitativa e
quantitativa
Natureza Descritiva e
interpretativa
Descritiva e
interpretativa Interpretativa Descritiva
Descritiva e
interpretativa
Campo de
investigação
Texto
empírico –
redações – e
vestibulandos
e pré-
vestibulandos
Texto
empírico –
textos de
jornal que
abordam a
figura
feminina
Texto
empírico –
discurso
político de
renúncia
Texto
empírico –
sentença
judicial
Texto
empírico –
discurso de
posse
Tipo de
pesquisa -
Documental
(fontes
primárias)
Documental Documental -
Método Indutivo - Dialético-
hermenêutico
Indutivo-
dedutivo -
Técnica - Análise de
conteúdo
Análise de
conteúdo - -
Fonte: Autor.
4.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Na trilha dos estudos que visam a descrever e a interpretar as unidades linguísticas,
textuais e discursivas que estão em jogo na composição de ações de linguagem e, por
conseguinte, permitem a manifestação de sentidos, realizamos uma pesquisa que toma a
abordagem qualitativa como fundamento metodológico principal. Essa orientação se deu pelo
fato de a abordagem qualitativa ser “um processo de reflexão e análise da realidade através da
utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu
contexto histórico e/ou segundo sua estruturação” (OLIVEIRA, M., 2013, p. 37).
Os pressupostos de uma pesquisa qualitativa, segundo Chizzotti (2010), opõem-se ao
pressuposto experimental. Este “defende um padrão único de pesquisa para todas as ciências,
calcado no modelo de estudo das ciências da natureza” (Ibid., p. 78). Por seu turno, a pesquisa
qualitativa entende que:
81
O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por
uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo
de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado.
O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e
relações que sujeitos concretos criam em suas ações. (CHIZZOTTI, 2010, p.
79).
Nesse sentido, o conhecimento é construído pela relação entre o pesquisador e objeto
pesquisado, haja vista não haver uma rigidez no controle dos dados de forma a se ter uma
explicação fixa para o que é estudado. Na abordagem qualitativa o pesquisador exerce
influência sobre os dados, pois, o que é abstraído como resultado depende dos saberes do
pesquisador sobre estes em sua plurissignificação. Não obstante, o processo de uma
abordagem qualitativa “implica em estudos segundo a literatura pertinente ao tema,
observações, [...] análise de dados, que deve ser apresentada de forma descritiva”
(OLIVEIRA, M., 2013, p. 37). Tudo isso é fundamental para que o pesquisador construa sua
base conceitual para que ele possa agir com mais plausibilidade ao descrever e interpretar o
fenômeno em estudo.
Em nossa pesquisa, amparamo-nos em tal opção metodológica pelo enfoque teórico –
Análise Textual dos Discursos – que adotamos como literatura norteadora desse trabalho. À
vista disso, a ATD visa a analisar a produção co(n)textual dos sentidos em textos concretos,
conforme apresentamos no segundo capítulo. Por conseguinte, baseando-nos na proposta da
ATD, desenvolvemos uma análise das representações discursivas de Lula nas capas das
revistas Época e Veja. Para tanto, a análise implica em uma descrição do fenômeno citado e
demanda conhecimentos que não estão dados a priori. Alude, portanto, a uma busca por
elementos e seus significados na composição do texto, os quais produzem, de acordo com as
ações visadas, representações dos temas que são, ali, evidenciados e os quais só são possíveis
pelo olhar do interlocutor23
, ou como denomina Adam (2011), o interpretante.
Em complemento a essa abordagem, adotamos também a abordagem quantitativa de
pesquisa, uma vez que ela nos serve para demonstrar a ocorrência dos elementos
representativos das categorias semânticas de análise das Rds de Lula nas capas das revistas
Época e Veja. Para Oliveira, M. (2013, p. 39-40, grifos da autora):
Adotar a prática de combinar técnicas de análise quantitativa com técnicas
de análise qualitativa proporciona maior nível de credibilidade e validade
aos resultados da pesquisa evitando-se, assim, o reducionismo por uma só
23
Em nosso caso, será o olhar do pesquisador que possibilitará a reconstrução das Rds do tema Lula nas capas
das revistas Época e Veja.
82
opção de análise. [...] Levando-se em consideração tais benefícios, pode-se
chegar à seguinte afirmativa: fazer pesquisa não é acumular dados e
quantificá-los, mas analisar causas e efeitos, contextualizando-os no tempo e
no espaço, dentro de uma concepção sistêmica.
Nessa perspectiva, ao intencionarmos a realização de uma pesquisa que se fundamente
nessas duas abordagens de pesquisa, apontamos, com mais precisão, os mecanismos
linguístico-textuais que são materializados no gênero de discurso capa de revista e, a partir
disso, interpretar os sentidos e funções deles para a construção das representações discursivas
de Lula.
Adicionalmente, nossa pesquisa configura-se como de tipo documental24
, uma vez que
o nosso objeto de estudo (capa de revista) é um material que não teve um tratamento analítico,
bem como é uma fonte primária (dado original), visto que temos uma relação direta com os
dados a serem analisados, sendo, portanto, de nossa responsabilidade, enquanto pesquisador,
o desenvolvimento da investigação e análise (SEVERINO, 2007; OLIVEIRA, M., 2013).
Além da definição da abordagem de pesquisa e tipo de pesquisa que seguimos em
nossa tese, outra decisão metodológica se nos apresenta como essencial para o tratamento dos
dados de nosso estudo, isto é, o método utilizado. Ao considerarmos o corpus que será
analisado, bem como os princípios teóricos que norteiam esta tese, assumimos que nosso
trabalho opera com dois métodos que se imbricam para a realização desse fazer acadêmico, a
saber, a dedução e a indução.
Os referidos métodos visam a dar conta de um estudo que já traz em sua
fundamentação a ideia de que todo enunciado permite a construção de uma representação
discursiva, quer seja de si (locutor), do alocutário ou do tema tratado na proposição
enunciada. Nesse sentido, a dedução age como subjacente ao enfoque teórico que orienta a
nossa pesquisa.
De modo mais específico, realizar uma pesquisa que toma a dedução como método,
garante ao pesquisador a certeza de que o corpus será capaz de gerar repostas condizentes
com as questões de pesquisa. Não obstante, Oliveira, M. (2013, p. 49) afirma que a dedução
parte “dos princípios já reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis para se chegar a
determinadas conclusões”. Em nosso trabalho, temos ciência de que os textos concretos
analisados (capas de revista) possibilitam a compreensão das representações discursivas de
Lula, o que valida a dedução como parte do método que utilizamos em nossa pesquisa.
24
Pesquisa documental é aquela que tem como fonte documentos (jornais, fotos, revistas, filmes, etc.), os quais
não tiveram nenhum tratamento analítico.
83
Na outra ponta, a indução, enquanto método, “é uma ferramenta que conduz o
pesquisador(a) a observar a realidade para fazer seus experimentos e tirar suas conclusões”
(OLIVEIRA, M. 2013, p. 50-51). Por esta perspectiva, vemos a indução como complementar
a dedução em nosso trabalho, haja vista ser ela o procedimento que permite ao pesquisador
fazer suas conclusões, desde que estas sejam formuladas a partir da observação do corpus.
Melhor dizendo, embora saibamos que as capas de revista sejam textos que permitem a
construção de representações discursivas, sem a observação, descrição e interpretação do
corpus é impossível afirmar quais representações de Lula são construídas nas capas das
revistas Época e Veja. Para tanto, fez-se necessário adotarmos a indução como método para
garantir conclusões reais dos fatos observados no corpus.
Em sendo assim, propomos como método de pesquisa a dedução-indução, uma vez
que este se revela como o método mais adequado para alcançar os nossos objetivos de
pesquisa, posto que, de modo sucinto, permiti-nos dizer que as capas de revista possibilitam a
construção e reconstrução de representações discursivas (dedução) e que, para chegarmos a
um posicionamento acerca de quais representações ali existem, precisamos observar o objeto
de estudo – as capas de revistas – e, a partir dos resultados encontrados, apresentar as
conclusões (indução), ou seja, compreender as representações discursivas que as revistas
construíram de Lula por meio do gênero de discurso capa de revista.
Em síntese, por ser uma pesquisa que se pauta em categorias de análises que permitem
a descrição e interpretação textual-discursiva, acreditamos ser essa a orientação metodológica
condizente com o nosso objetivo de descrever e interpretar o gênero de discurso capa de
revista e, por conseguinte, analisar as representações discursivas do tema Lula nas capas das
revistas Época e Veja, considerando os elementos verbovisuais que constituem o referido
gênero de discurso.
Quanto à técnica de pesquisa, ao invés de adotarmos uma técnica predefinida pelos
manuais de metodologia científica, seguimos os postulados teórico-metodológicos da ATD,
isto é, realizamos uma análise descritiva e interpretativa dos dados. Em um primeiro
momento, tabulamos os dados a fim de termos uma descrição do corpus. Em um segundo
momento, com base nos dados tabulados, demos início às interpretações do fenômeno da
representação discursiva construída pelas revistas acerca do tema tratado em suas capas, ou
seja, as Rds de Lula.
Diante disso, após essa apresentação/discussão dos aspectos teórico-metodológicos
que orientam nossa pesquisa, apresentamos o corpus de nossa tese, ou seja, o nosso objeto de
estudo, a partir do qual fizemos a análise dos dados.
84
4.3 APRESENTAÇÃO DO CORPUS
A grande mídia tem demonstrado cada vez mais o interesse por questões políticas e,
consequentemente, pelos políticos que estão à frente de partidos ao assumir cargos
importantes no cenário político. Desde 2002, com a campanha vitoriosa do então candidato
Luiz Inácio Lula da Silva, o espaço de Lula nas publicações jornalísticas (jornalismo de
televisão, jornais impressos, revistas de publicação semanal, entre outras) ganhou mais
destaque, haja vista a sua posição perante a nação brasileira.
Pela dimensão que essa figura tomou na mídia jornalística, foi-nos despertado o
interesse em saber como Lula é representado discursivamente pela mídia impressa,
especificamente, pelas capas de revista – gênero de discurso que além de promover a revista,
promove apreciações, avaliações e desejo do consumidor em comprá-la.
Nesse quadro, para compor o nosso corpus, fizemos a opção por buscar as duas
revistas de informação que tivessem uma grande circulação em nível de Brasil. Assim, em
pesquisa realizada com vistas a obtermos a informação sobre quais as revistas mais vendidas,
fomos direcionados a página do portal R7 que, em julho de 2013, publicou a lista das dez
revistas mais vendidas no Brasil. O resultado dessa listagem colocou em primeiro lugar a
revista Veja (média de 1.098.642 exemplares por semana) e, em segundo lugar ficou a revista
Época (média de 417.798 exemplares vendidos por semana). Logo, esse passou a ser o
critério de definição dos veículos de comunicação midiática que tomamos como fonte para a
coleta do corpus.
Em síntese, primeiro definimos o objeto de discurso a ser analisado, a fim de
descrevermos e interpretarmos as Rds, ou seja, nossa investigação toma Lula como objeto de
discurso/tema tratado pelos veículos midiáticos25
de circulação nacional; em seguida, diante
dos variados gêneros que compõe a revista, definimos o gênero de discurso capa de revista
como a prática discursiva concreta a ser analisada; posteriormente, realizamos a pesquisa
online e decidimos por observar as duas maiores revistas de circulação nacional Época e Veja.
Feitas essas definições que delinearam com mais nitidez o nosso objeto de estudo,
passamos a delimitar o corpus a ser analisado. Para tanto, usamos dois critérios: i) recorte
temporal e ii) composição verbovisual. No que concerne ao primeiro critério, decidimos por
coletar os exemplares que tematizassem sobre Lula no período que compreende o ano da
candidatura em que Lula foi eleito como presidente do Brasil até o ano que ele saiu da
25
Utilizamos veículos midiáticos para nos referirmos as revistas Época e Veja.
85
presidência após o segundo mandato, isto é, cronologicamente delimitamos o tempo entre os
anos de 2002 a 2010. Quanto ao segundo critério, fizemos a opção de que somente constituiria
parte do corpus os exemplares em que a imagem de Lula estivesse como imagem principal da
revista e que, por conseguinte, pudéssemos perceber o diálogo com as demais partes que
compõem a estrutura composicional do gênero de discurso capa de revista, mais
especificamente com a chamada principal e o subtítulo dessas chamadas, isto é, foram
selecionadas as capas em que Lula era verbovisualmente tratado como parte ou como o
assunto principal abordado pela revista.
A partir dessas definições, a coleta do material para a composição do corpus se deu
por meio eletrônico, a partir dos sites da revista Época26
e da editora Abril27
. Durante a coleta
chegamos a dois números totais. O primeiro número constituído pelas capas totalizou 47
(quarenta e sete) exemplares que de alguma forma tratavam de Lula, todavia, em análise mais
apurada e considerando o segundo critério para delimitação do corpus (composição
verbovisual), foram eliminados 6 (seis) exemplares, uma vez que as imagens não sinalizavam
o objeto de discurso que seria investigado. Essa decisão também se deu pelo fato de o tema
tratado colocar Lula apenas como uma informação secundária no assunto em destaque na
revista, por exemplo, crescimento do Brasil, desejo popular, Mensalão28
, caixa dois, etc.
Nessa perspectiva, o corpus de estudo de nossa pesquisa passou a contar com um total de 41
(quarenta e um) exemplares do gênero de discurso capa de revista.
26
AS CAPAS de época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com//tempo/noticia/2013/05/capas-de-
epoca.html>. Acesso em 16 de maio de 2013. 27
Ano de 2002. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2002>. Acesso
em 25 de junho de 2013.
Ano de 2003. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2003>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2004. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2004>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2005. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2005>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2006. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2006>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2007. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2007>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2008. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2008>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2009. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2009>. Acesso em
25 de junho de 2013.
Ano de 2010. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2010>. Acesso em
25 de junho de 2013. 28
Mensalão é o nome dado ao escândalo de corrupção política mediante compra de votos de parlamentares
no Congresso Nacional do Brasil, que ocorreu entre 2005 e 2006. O caso teve como protagonistas alguns
integrantes do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, membros do Partido dos Trabalhadores e
de outros partidos.
86
Quadro 7 – Total de capas que compõe o corpus da pesquisa
Corpus da pesquisa
Tema tratado Capas das revistas
Época Veja
Lula 17 24
Total de capas 41 Fonte: Autor.
Diante dessa apresentação, expomos no tópico seguinte como procedemos à análise
das Rds do tema tratado Lula nas capas das revistas Época e Veja.
4.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Para a realização da análise, seguimos os seguintes passos:
1º PASSO – Com base nos níveis N1, N2 e N3, situamos co(n)textualmente o nosso
objeto de pesquisa, o que implica em observar elementos do discurso que incidem sobre a
constituição do gênero de discurso e, por conseguinte, do texto – material empírico analisado.
2º PASSO – seguindo a análise dos níveis propostos por Adam (2011) para a
realização da análise de textos concretos, descrevemos o nível sequencial-composicional do
gênero de discurso capa de revista. Para tanto, nos respaldamos nos níveis N4 e N5. Nessa
ocasião, validando as definições teóricas acerca da capa de revista, observamos a sua
composicionalidade e plano de texto pelo viés da multimodalidade discursiva, o que significa
a consideração do projeto verbovisual que compõe o gênero de discurso capa de revista.
Desse modo, quando tratamos da capa, de um modo geral, usamos um código constituído
pelas duas letras inicias do nome da revista Época (Ep) e Veja (Ve), seguidas do número da
edição, conforme podemos exemplificar com o quadro a seguir, para o qual utilizamos dois
exemplares do corpus, respectivamente, a primeira capa de Época e a primeira capa de Veja.
Quadro 8 – Código utilizado para a análise das capas de revista
Revista Edição Código
Época 205 Ep205
Veja 1752 Ve1752 Fonte: Autor.
3º PASSO – Descrevemos e tabulamos os dados com base nas categorias de análise
propostas para o estudo das Rds. Aqui, além de quantificarmos as ocorrências linguísticas,
87
realizamos as descrições, observando as Rds construídas de Lula pelas revistas, ou seja,
realizamos as análises das Rds separando-as por cada uma das revistas.
Nesse momento da análise, tomamos, conforme mencionamos na fundamentação
teórica, as revistas Época e Veja como os locutores da ação de linguagem, os
leitores/interpretantes como os alocutários, ou seja, a quem o discurso é dirigido e, por fim,
Lula foi tomado como o tema tratado e sobre o qual dedicamos nossa atenção nas análises.
Vale mencionar que a análise foi realizada com base na capa de revista, considerando-
a como um texto verbovisual. Logo, nossa análise considera os três elementos mais fortes do
gênero de discurso capa de revista, a saber: a imagem principal, a chamada principal e o seu
subtítulo. Desse modo, a depender do papel realizado pelos recursos verbais e visuais
partimos da imagem para o texto, ou do texto para imagem, buscando compreender o papel de
cada elemento para a construção das Rds.
Além disso, utilizamos o recurso do sublinhado sempre que estivermos analisando
uma das categorias, a fim de marcar nos exemplos o elemento que se enquadra em dada
categoria de análise.
4º PASSO – Associado ao passo anterior, em decorrência dos dados obtidos pela
descrição dos dados tabulados, realizamos a interpretação dos enunciados verbovisuais que
compõem as capas de revista e que, consequentemente, constroem as Rds dos tema tratado.
Para a análise, identificamos os enunciados de cunho linguístico-textual (verbais) com
um código que considera os elementos composicionais da capa de revista selecionados para
análise, a saber: para a chamada principal, utilizamos a sigla CP+ código da revista; para os
subtítulos, usamos a sigla SUB + código da revista. Vejamos:
Quadro 9 – Código utilizado para a análise dos enunciados das capas
Elemento composicional da capa de
revista (sigla)
Código da
revista
Código para análise dos
enunciados
Chamada principal (CP) Ep205 CPEp205
Subtítulo (SUB) SUBEp205
Chamada principal (CP) Ve1752 CPVe1752
Subtítulo (SUB) SUBVe1752 Fonte: Autor.
Embora seja esse o momento em que tratamos dos enunciados linguisticamente
materializados na capa de revista, ressaltamos que não será dispensada a análise conjunta do
elemento visual que a compõe, haja vista defendermos que a Rd na capa de revista é
construída pela relação verbovisual que compõe o gênero.
88
5º PASSO – Dados os resultados obtidos com as análises das Rds de Lula nas capas
de Época, realizamos, quando relevante, a comparação desses resultados com os achados da
análise das Rds nas capas de Veja, observando as convergências e divergências com que as
revistas, isto é, os locutores, elaboram a construção das Rds do tema tratado.
Após termos percorrido esse trajeto, acreditamos ter sido possível vislumbrar
analiticamente as Rds de Lula nas capas de Época e de Veja, assim como perspectivar estudos
que se desenvolvam a partir dos resultados dessa pesquisa.
Feitas as devidas considerações teórico-metodológicas, passemos às análises do
corpus, começando pelas capas da revista Época.
89
CAPÍTULO 5
5 ANÁLISES DAS REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LULA NAS CAPAS DE
ÉPOCA E VEJA
Neste capítulo, realizamos a análise do corpus. Em primeiro lugar, procedemos à
análise do gênero de discurso capa de revista, considerando os níveis do discurso e do texto
que corroboram para a realização dessa ação de linguagem. Em segundo lugar, dividimos a
análise com base nos veículos midiáticos de comunicação selecionados para compor o nosso
corpus; descrevemos e interpretamos as Rds do tema tratado (Lula); e, na realização da
análise das capas de Veja, tecemos algumas comparações entre as revistas, a partir dos
resultados obtidos da análise de Época, observando semelhanças e diferenças entre as marcas
textuais e as Rds evidenciadas. Além disso, considerando o caráter de complexidade do
gênero, ou seja, a multimodalidade que o constitui, a análise verbovisual será feita
conjuntamente, observando a contribuição da imagem para a construção de sentidos do texto,
bem como para a construção das Rds de Lula.
5.1 CAPA DE REVISTA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O NÍVEL DO DISCURSO
O gênero de discurso capa de revista, enquanto ação de linguagem, trata-se de um
texto complexo que permite a interação social entre o veículo de comunicação – a revista – e
os seus possíveis leitores. Nesse sentido, a revista assume o papel de locutor ao construir
enunciados que passam a circular midiaticamente nos mais diversos ambientes sociais,
alcançado os mais distintos alocutários29
, ou melhor, entre a revista e seus leitores. Com isso,
passa-se a existir um diálogo para o qual convergem as mais diferentes ideologias imbricadas
no enunciado.
No nosso corpus, figura fortemente três formações discursivas que se coadunam para
alcançar o objetivo desejado pela revista, a saber, a formação discursiva midiática, a formação
discursiva jornalística e a formação discursiva política. A primeira por seu caráter de
divulgação e de projeção de informações para o grande público. A segunda por seu caráter
29
Alocutário e leitor, em nossa tese, serão tomados de forma sinonímica para representar aqueles para quem o
enunciado é produzido.
90
informativo e especulativo da realidade e que, em parceria com a primeira, faz chegar a
grande massa o conhecimento do que está acontecendo no mundo. A terceira, por sua vez
mais específica, diz respeito aos assuntos que são tratados jornalisticamente pelos meios de
comunicação.
No gênero capa de revista, em se tratando do nosso material de análise, a formação
discursiva política30
, governada por uma posição ideológica, é o que poderíamos chamar de
“mote” para a produção, divulgação e circulação das revistas. É a partir dela que as revistas
buscam evidenciar temas atuais e polêmicos que chamem a atenção do leitor, a fim de que
esse assunto possa mobilizá-lo a adquirir a revista e, consequentemente, tomar ciência do que
se é tratado no interior do veículo de informação, por meio do texto. Por esse motivo, dizemos
que a capa de revista, enquanto enunciado concreto e único é um texto que se configura como
uma enunciação, na qual a própria revista é o locutor dos dizeres que linguística e
discursivamente são materializados nesse gênero de discurso.
Desse modo, as capas de revistas, por meio dos enunciados que as compõem,
possibilitam compreendermos como os temas que se nos apresentam são discursivamente
representados sob a ótica da própria revista. Para isso, faz-se necessário que os interlocutores
(revista e leitores) compartilhem de pré-construídos e da finalidade com que se instaura a
situação de interlocução, pois, somente a partir disso é que os sentidos do texto poderão ser
construídos pela revista e, consequentemente, reconstruídos pelos leitores.
Embora o locutor – a revista – e os alocutários – os leitores – estejam em lugares
diferentes, o que os une para a produção e recepção dos dizeres do texto é justamente o
trabalho que o locutor empreende ao construir um discurso que possa chamar a atenção do
leitor. Logo, o discurso que se apresenta em uma capa de revista é construído pelo locutor
com vistas a despertar nos alocutários o interesse pelo que ali é dito. Especificamente no caso
das revistas que produzem suas matérias a partir de assuntos que em algum momento tiveram
repercussão, a produção dos enunciados faz vir à tona os pré-construídos que o leitor possui
sobre o assunto em cheque. Por conseguinte, o que diferencia o discurso de revista é o
enfoque que é dado ao tema, projetando no alocutário uma curiosidade mais específica sobre
como a revista vê e trata o assunto.
Diante disso, são as formações discursivas subjacentes aos interlocutores que
possibilitam a compreensão do discurso que circula midiaticamente nas capas de revista. São
30
Outras formações discursivas como a religiosa, familiar, educacional, entre outras são também dadas em
destaque a depender da edição da revista. Em nosso caso, como tratamos das Rds de Lula, as capas de revista
que compõem o nosso corpus evidenciam fortemente o aparecimento da formação discursiva politica como
principal intenção discursiva do texto.
91
elas também que nos permitem dizer, por exemplo, que além do discurso político,
marcadamente em nosso corpus, outros discursos se cruzam para a construção das Rds de
Lula. Evidenciamos esses entrecruzamentos de discursos, ou interdiscurso, em casos como o
da capa de revista a seguir:
Figura 1 – Interdiscurso na capa de revista
Fonte: Revista Época, edição 284.
Com base na figura 1, podemos verificar as informações que discutimos
anteriormente, uma vez que, com essa capa, a revista, na condição de locutor, projeta um
discurso político e relaciona duas formações discursivas para construir o sentido desejado
para a capa dessa edição. Aqui, a formação discursiva política entra em relação com a
formação discursiva familiar, constituindo um interdiscurso para afirmar que o Lula é um
presidente que representa a família brasileira, que ele é um brasileiro de raiz se considerarmos
seu sobrenome “Silva”, dentre outras interpretações possíveis. Todavia, qualquer
interpretação que venha a ser realizada por meio desse texto só será possível se considerado o
entorno discursivo que subjaz a produção do texto, isto é, para se compreender a relação
familiar, vigente pelo uso de imagens e subtítulos, bem como a ideia de política presente no
92
texto, temos de recorrer a conhecimentos como o de que o sobrenome Silva é comumente
utilizado em países como Portugal (de onde o sobrenome foi trazido) e no Brasil, sendo este
um dos países em que o sobrenome é um dos mais utilizado em território nacional.
Esse conjunto de informações é percebido através da relação que o texto, material
empírico, possibilita ao leitor através dos conhecimentos que são partilhados entre ele e a
revista, os quais são materializados pelo socioleto que é variante linguística culta utilizada
pela revista para codificar os enunciados verbais. Somente ao chegar a uma interpretação do
material linguístico em consonância com as imagens é que o leitor/interpretante fará valer a
ação de linguagem visada pela revista.
É, pois, com a concretização de sentidos permitida pela interpretação do discurso que
vigora na capa de revista que passamos do discurso para o texto, haja vista serem todas essas
questões fundamentais para compreendermos o gênero que se nos apresenta como elemento
de análise em nossa tese. Isto porque, o gênero de discurso capa de revista é o resultado da
ação de linguagem que se constitui na interação social entre revista e leitor (Nível 1), o qual
tem como objetivo levar o leitor a consumidor o produto oferecido pela mídia – a revista.
Além disso, para que haja essa interação social e o objetivo da ação de linguagem seja
alcançado, a revista dispõe de condições de produção que permitem ao leitor entender o
sentido do texto, tais como: o conhecimento sobre a história de Lula, a importância histórico-
social do sobrenome “Silva”, o papel da revista enquanto veículo de informação semanal, bem
como a forma como a revista trata o assunto apresentado em capa. Desse modo, é o conjunto
de formações discursivas associadas às condições de produção do gênero capa de revista
(Nível 2) que vão permitir ao alocutário reconstruir os sentidos permitidos pelos enunciados.
Ademais, cabe ao leitor a responsabilidade de compreender os discursos que se
entrecruzam na constituição do enunciado, este materializado linguisticamente pela variante
culta da Língua Portuguesa (Nível 3) na capa de revista, pois, somente com o domínio dos
discursos presentes e da língua em uso é que o enunciado toma forma de gênero e materializa
a ação social de linguagem em forma de texto.
Nesse quadro, a passagem do discurso para o texto se dá pelo gênero de discurso que é
uma atividade de linguagem social, histórica e culturalmente reconhecida pelos interlocutores
no processo de produção, circulação e recepção de textos. A capa de revista, nesse sentido, é o
gênero que permite ao locutor/revista divulgar seu discurso, bem como se promover
mercadologicamente, levando o alocutário/leitor a adquirir a tiragem da semana,
principalmente pelo caráter convidativo que o texto verbovisual e o assunto da revista têm a
oferecer.
93
Sendo assim, o discurso midiático jornalístico que está na fonte da produção do gênero
de discurso capa de revista alcança seu objetivo quando o leitor é convidado pela capa a
comprar o exemplar da revista. Desse modo, no âmbito do discurso, o ciclo discursivo se
fecha quando o gênero cumpre o seu papel social de vender ao leitor um tema instigante e, por
conseguinte, a revista.
Feitas as devidas considerações sobre o nível da Análise de Discurso que subjaz a
produção, circulação e recepção do gênero de discurso capa de revista, passemos ao nível do
texto, observando o plano de texto do gênero em análise.
5.2 CAPA DE REVISTA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O NÍVEL DO TEXTO
Chamamos a capa de revista de um gênero de discurso complexo por seu enunciado
ser composto pelo misto entre o verbal e o visual. Dessa forma, são esses modos de
materialização do gênero de discurso que nos permitem compreender o plano de texto que
constitui essa prática discursiva, ou seja, entender a capa de revista como um texto concreto e
único.
Nesse sentido, com vistas a descrevermos o nível sequencial-composicional31
que
constitui o gênero de discurso capa de revista, tomamos os níveis 4 e 5 do nível da análise
textual, propostos por Adam (2011).
A capa de revista, enquanto enunciado concreto, é linguisticamente composto por
construções verbais curtas, denominadas de chamadas, podendo ser estas constituídas por
uma palavra, uma oração, seguida ou não, por um ou mais subtítulos. De acordo com Gomes
(2010, p. 303-304), a capa “é estruturada de forma a captar a atenção do leitor; para tanto, se
vale de um resumo, ou uma chamada sintética, geralmente formada por grupos nominais, ou
orações reduzidas”. Como afirma Werneck (2000), o texto escrito na capa da revista, embora
seja breve, tem um grande valor, uma vez que ele também serve de estímulo ao interesse do
leitor pelo conteúdo e, consequentemente, pela revista.
Desse modo, podemos afirmar que a textura (Nível 4) do gênero de discurso capa de
revista não obedece a uma linearidade, uma vez que as informações apresentadas, em sua
maioria, não são colocadas justapostas, com operações de ligação entre elas. Não é comum,
31
Por não ser esse o foco de nosso trabalho, as considerações tecidas acerca do plano de texto do gênero de
discurso capa de revista dar-se-ão de modo sucinto, dialogando com a discussão apresentada no 2.2.3 O gênero
de discurso capa de revista.
94
por exemplo, a construção de períodos longos orquestrados por conectivos. Como
mencionado antes, são textos curtos, breves e de impacto, muitas vezes constituídos por uma
palavra ou uma proposição-enunciado de caráter nominal.
Quanto à estrutura composicional, a capa de revista não obedece a uma estrutura
textual comum aos textos constituídos apenas por meio da escrita. A construção do texto dá-se
de forma reticular, no sentido de que a imagem e o texto se articulam em um movimento de
ida e volta entre eles para que se possa concretizar o propósito desejado com a produção do
texto.
A fim de conhecermos mais detidamente o que compõe esse gênero, em termos de sua
estrutura composicional (Nível 5), apresentamos a seguir os elementos básicos que fazem
parte do gênero de discurso capa de revista. Para tanto, utilizamos mais uma capa da revista
Época que compõe o nosso corpus, a fim de observarmos quais e como são apresentados
esses elementos.
Figura 2 – O plano de texto do gênero de discurso capa de revista
Fonte: Revista Época, edição 205.
Logotipo
Imagem
principal
Chamada
principal
Chamadas
secundárias
com
subtítulos
Edição e
data
Imagens
secundárias
Subtítulo
Logomarca
da editora
Legenda
95
A capa da revista Época possui diversos elementos que a compõe. Nesta edição, o
logotipo é apresentado em letras pretas, sob um fundo vermelho, com um globo substituindo a
letra “o” da primeira sílaba. Essa estrutura do logotipo de Época é recorrente de uma edição
para outra, o que afirma, ainda mais, o estilo do gênero capa da revista, possibilitando ao
leitor identificá-la facilmente. Por ser ele o nome da revista (marca), é interessante
observarmos a semântica inerente à sua denominação. As revistas Época e Veja, por exemplo,
semanticamente, possuem nomes que estão associados à ideia de acontecimento, observação,
momento histórico, ou seja, informações que acontecem em um dado momento e que
repercutem socialmente, precisando de mais detalhes.
Além do logotipo, na figura 2, observamos que a imagem principal toma a maior parte
da capa, inclusive sobrepondo-se ao logotipo, ficando este parcialmente coberto pela imagem.
Ademais, por estar localizada no centro da capa e por apresentar uma luminosidade e brilho
que ressaltam a imagem, percebemos isso como uma estratégia de marketing para que os
leitores sejam seduzidos a adquirir a revista, o que ressalta a força da imagem principal para o
propósito comunicativo do gênero.
A chamada principal, por ser o destaque da edição, recebe uma formatação especial,
como podemos comprovar na figura 2. Nela, temos o nome de Lula apresentado em letras
maiores do que o restante da chamada e seu subtítulo. Além disso, a cor da fonte desse nome
é vermelha, dando um destaque ainda mais concentrado no personagem focado pela edição
como assunto principal. Quanto às chamadas secundárias, estas são apresentadas em amarelo
e em caixa alta, diferindo-se dos subtítulos que as acompanham, os quais são apresentados em
uma fonte menor, servindo para endossar as chamadas, por vezes, elucidando o assunto.
Esses destaques de grafia utilizados pela revista são recursos que compõem a textura
do texto, ou seja, também estão associados ao N4, proposto por Adam (2011). Dito isso, algo
que não se pode ver de forma tão estanque são esses níveis que compõem o nível sequencial-
composicional do gênero de discurso.
No que concerne às imagens secundárias, o nosso corpus comprova a maleabilidade e
dinamicidade desse gênero de discurso, conforme Marcuschi (2008; 2011), uma vez que
algumas capas não fazem uso desse recurso em sua estrutura composicional. O mesmo
acontecendo com as chamadas secundárias e as legendas32
(pequeno texto, geralmente
descritivo ou explicativo, que se coloca abaixo ou do lado das ilustrações ou fotografias a que
se refere). Vejamos nos exemplos a seguir:
32
Pela presença da legenda em alguns exemplares do nosso corpus, descrevemos esse mecanismo como um dos
elementos opcionais utilizados pelas revistas na estrutura composicional do gênero de discurso capa de revista.
96
Figuras 3 e 4 – Capas de revistas sem imagens e chamadas secundárias
Fonte: Revista Época, edição 232.
Fonte: Revista Veja, edição 1760.
A ausência desses elementos na capa de revista sinaliza a supervalorização tanto da
imagem principal como da chamada principal, o que nos indica a relevância do assunto
apresentado na capa. Isso não significa dizer que os assuntos tratados pelos elementos
secundários não tenham valor para a composição do gênero, mas, que a depender da edição, a
revista, pelas mãos do editor, pode optar pela presença ou não de outros elementos, com
propósitos específicos de alcançar o público. Não obstante, há casos em que até a chamada
principal também pode ser posta de lado para que a imagem fale ao leitor, convidando-o a
tomar contato com a revista. Vejamos:
Figura 5 – Capa de revista sem chamada principal
Fonte: Revista Veja, edição 1975.
97
Entretanto, esse é um caso excepcional, posto que, em todo o corpus de nossa
pesquisa, apenas essa capa não apresenta a chamada principal. Mais uma vez, entendemos
com isso que a capa de revista possui um grande apelo visual e que a imagem é central para o
alcance dos objetivos visados pela ação de linguagem que se corporifica no gênero de
discurso capa de revista.
Conforme já mencionamos, a logomarca da editora (editora), o número da edição e a
data são elementos circunstanciais, o que não implica diretamente nos sentidos veiculados
pelos assuntos destacados pela revista, mas que, independentemente de sua força para a
temática, eles refletem o espaço e o tempo que constituem o gênero, dando-lhes um caráter
histórico e socialmente situado.
Em suma, a textura (Nível 4) do gênero capa de revista é organizado por proposições
curtas, muitas vezes constituídas por proposições-enunciados de caráter nominal e com forte
apelo a formatação e cores que chamem a atenção do leitor. A estrutura composicional (Nível
5), por sua vez, acontece por meio do arranjo entre palavras e imagens e possui uma certa
regularidade com a presença do logotipo, da imagem principal e da chamada principal. Por ser
um gênero dinâmico, maleável e plástico, com um padrão gráfico predefinido, a depender dos
interesses da revista o uso de imagens e chamadas secundárias podem figurar no plano de
texto do gênero capa de revista. Diferentemente desses últimos, a logomarca, o número da
edição e a data são elementos fixos da composição do gênero em foco.
A partir desse conjunto de elementos que compõem o gênero de discurso capa de
revista, considerando-a como um texto complexo, passamos a análise das representações
discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja. Para tanto, aplicamos as categorias
de análise propostas para a análise das Rds, observando o material linguístico-textual.
5.3 RDS DE LULA NAS CAPAS DA REVISTA ÉPOCA
Para a análise das Rds de Lula, partimos do princípio de que a revista Época, enquanto
locutor, emite seu PdV, responsabilizando-se pelos dizeres que estão textualmente
materializados nos enunciados verbovisuais que compõem o gênero de discurso capa de
revista, isto é, é esse PdV que traz verbovisualmente o conteúdo referencial sobre o qual se é
possível reconstruir, a partir do texto, as Rds de Lula33
.
33
O mesmo ocorrerá quando formos analisar as Rds de Lula nas capas de Veja.
98
Desse modo, em termos de esquematização/representação discursiva, percorremos o
seguinte caminho34
para compreender as Rds de Lula:
1. Na condição de leitor/interpretante, observamos as marcas linguísticas utilizadas nas
capas para referenciar o objeto de discurso Lula;
2. A partir das marcas de referenciação evidenciadas, interpretamos o sentido que elas
assumem no contexto imediato, buscando, posteriormente, o diálogo que elas mantem
com outras formas para a reconstrução das Rds;
3. Em seguida, observamos os processos verbais utilizados para estabelecer as
predicações acerca do referente em análise, interpretando os sentidos delas para
reconstruirmos as Rds construídas co(n)textualmente pela revista;
4. Ao observar as referenciações e predicações, observamos os modificadores que
acompanham o objeto de discurso, uma vez que eles possibilitam os sentidos para
reconstruir as qualificações dadas ao tema tratado e que, por conseguinte, são basilares
para compreendermos como a revista constrói as Rds de Lula;
5. Adiante, tratamos da relação e da localização espacial e temporal, finalizando a
análise.
5.3.1 Referenciação e seus modificadores
No texto das capas da revista Época, Lula é apresentado referencialmente por meio
das imagens e de nominalizações, tais como “Lula”, “Lula da Silva” e “Presidente”. Quanto
às imagens, das dezessete capas de revista, Lula aparece assumindo total ou parcialmente a
imagem principal da capa. Em alguns casos, por se tratar de um texto complexo, a imagem
principal assume o papel de referente, pois é a partir dela que são desencadeadas a chamada
principal e os subtítulos.
Vejamos os exemplares que trazem a imagem de Lula como o referente, a partir do
qual o texto se organiza:
34
Usaremos essa mesma linha de raciocínio para tratar das Rds de Lula nas capas de Veja.
99
Exemplo 1 – Capas de época em que a imagem principal assume o papel de referente
(Ep404) (Ep412)
(Ep433) (Ep436)
(Ep442) (Ep500)
100
Nessas capas, a imagem principal pode ser tomada como o objeto de discurso sobre o
qual se desenvolve a ação de linguagem. Desse modo, ela é o referente sobre o qual se
desenvolve o querer-dizer da revista. Essa interpretação decorre do fato de as chamadas
principais não trazerem nominalizações que configurem um objeto de discurso, mas, sim, tão
somente o retomam por meio do pronome pessoal “ele” ou pelo entorno discursivo que
constitui o texto presente na capa de revista.
Apenas nos subtítulos das chamadas principais é que a imagem é categorizada e
recategorizada por meio de nominalizações. Como categorização do objeto de discurso,
podemos observar a presença da marca linguística “Lula” atualizada nos subtítulos. Vejamos:
Quadro 10 - Nominalizações do objeto de discurso presentes em capas em que o referente dá-se pela
imagem principal
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 2 Como entender a espetacular mudança de cenário que vai
tornando Lula, contra todos os prognósticos, o grande favorito
para a eleição presidencial
SUBEp404
Exemplo 3 O impacto do caso Palocci sobre Lula SUBEp412
Exemplo 4 Na campanha de 2002, as promessas de Lula passaram de 700.
ÉPOCA investigou o resultado de cada uma delas
SUBEp433
Exemplo 5 Por dentro da histórica derrota de Lula SUBEp500
Exemplo 6 Quem perde
Lula, Mantega, Serra, Aécio – e a gastança pública
SUBEp500
Fonte: Autor.
Como vemos, das seis revistas em que a imagem principal aparece como o referente,
quatro delas retomam a imagem pela nominalização “Lula”, uma vez que os exemplos 5 e 6
são do mesmo exemplar da revista. Nesses casos, poderíamos dizer que, verbalmente, o
referente é categorizado por meio de um nome que representa o objeto de discurso sobre o
qual se constrói o enunciado. Dizemos isso por estarmos de acordo com Koch (2009) e Adam
(2011) ao afirmarem que a categorização se dá pela primeira vez que o objeto de discurso é
materializado no texto.
Todavia, nos casos em análise, por não ser a imagem um elemento verbal, mas um
elemento textual, entendemos que ela assume o papel de âncora do dizer, ou seja, é com ela e
a partir dela que se prospectam as proposições-enunciados que constituem o todo textual do
gênero de discurso capa de revista e, por conseguinte, as nominalizações do tema tratado pela
revista. Adicionalmente, esta é característica somente dos seis casos analisados no exemplo 1.
De modo ponderado, afirmamos que a imagem tem essa mesma função em todos os
101
exemplares da revista Época, haja vista ela sempre estar em diálogo com as chamadas
principais e os subtítulos que as seguem.
Além disso, é valido mencionar que as capas Ep346 e Ep442 não possuem uma
nominalização que categorize o objeto de discurso apresentado pela imagem de Lula. A
própria imagem funciona como referente do dizer para que possamos entender o que a revista
quer enunciar com as chamadas principais “Ninguém contou para ele?” (CPEp436) e “Como
serão os próximos quatro anos” (CPEp442). Sem a imagem seria impossível prever quem ou
o quê seria esse “ele” presente em Ep436, muito menos que os “próximos quatro anos” se
referem ao segundo mandato de Lula na Presidência da República, em Ep442.
Nesse sentido, a imagem configura-se como um instrumento visual de grande valia
para a compreensão das referenciações nas capas da revista Época, tanto pela possibilidade de
ancoramento do discurso, quanto pela categorização que as nominalizações trazem numa
relação multimodal com a imagem que se apresenta como foco da edição da revista, ou
melhor dizendo, da composição verbovisual do gênero de discurso capa de revista.
No tocante à referenciação por meio de recursos linguísticos, evidenciamos algumas
nominalizações e outras marcas que a revista, enquanto locutor, utiliza para materializar o
tema tratado na capa. A seguir, apresentamos um quadro com as referenciações, o número de
ocorrências, os modificadores das referenciações e as recategorizações do referente presentes
nas capas de revista e que auxiliam na reconstrução das Rds de Lula construídas pela revista
Época.
Quadro 11 – Referenciações do tema Lula nas capas da revista Época
Referenciação
(categorização)
Número de
ocorrências
Modificadores da
referenciação
Recategorização
Lula 16 Presidente?35
; x Serra;
quase lá; presidente!;
sem rodeios;
desanimado.
Governo do PT; Luiz Inácio
Lula da Silva; o 36º presidente
da República; candidato; um
sonho popular; uma nova
esperança nas ruas; mudança na
história; presidente; o
presidente; o grande favorito
para a eleição presidencial;
presidente; sombra.
Presidente 01 - -
Lula da Silva 01 - Irmão; primo; sobrinho; parente. Fonte: Autor.
35
Para efeito de análise será mantida a pontuação quando esta for necessária à interpretação dos sentidos do
texto.
102
Como podemos notar, a revista Época categoriza o tema tratado de três formas:
“Lula”, “presidente” e “Lula da Silva”. Essas categorizações se dão por nominalização, uma
vez que é esta a forma linguística mais comum de se marcar os objetos de discurso no texto.
Em se tratando da categorização “Lula”, a mais recorrente no corpus, ressalta-se que,
das dezesseis ocorrências, quatorze dão-se sob a função de sujeito das proposições, isto é, a
nominalização se refere ao participante como aquele de quem se fala, e nas demais a
categorização “Lula” aparece como complemento36
da proposição-enunciado. Vejamos os
casos em que Lula é referenciado na função de sujeito:
Quadro 12 – Referenciações de Lula na função de participante sujeito nas proposições-enunciados
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 7 Lula presidente? CPEp205
Exemplo 8 Lula x Serra CPEp229
Exemplo 9 Lula prepara uma frente dos adversários do governo SUBEp229
Exemplo 10 Lula quase lá CPEp231
Exemplo 11 Lula presidente! SUBEp500
Exemplo 12 Lula um sonho popular
CPEp233
Exemplo 13 Lula toma posse e o povo se aproxima do poder SUBEp242
Exemplo 14 Lula sem rodeios CPEp330
Exemplo 15 Os piores dias de Lula CPEp369
Exemplo 16 Como entender a espetacular mudança de cenário que vai
tornando Lula, contra todos os prognósticos, o grande favorito
para a eleição presidencial
SUBEp404
Exemplo 17 Na campanha de 2002, as promessas de Lula passaram de 700.
ÉPOCA investigou o resultado de cada uma delas
SUBEp433
Exemplo 18 Por dentro da histórica derrota de Lula SUBEp500
Exemplo 19 Quem perde
Lula, Mantega, Serra, Aécio – e a gastança pública
SUBEp500
Exemplo 20 Depois de Lula Fonte: Autor.
Mesmo aparecendo na função de sujeito nas proposições-enunciados, apenas nos
exemplos 9, 13 e 17, o participante “Lula” é colocado como o praticante da ação, isto é,
nesses exemplos o tema tratado assume o papel temático de agente. Isso significa dizer que a
revista constrói o enunciado imputando a responsabilidade do dizer ao participante
categorizado no enunciado.
36
Entendemos complemento na perspectiva de Castilho (2010) para o qual os objetos direto, indireto e obliquo
exercem funções centrais na sentença, uma vez que são argumentos selecionados pelo verbo, assim como o
sujeito.
103
Outro papel semântico é desempenhado pelo referente Lula ao observarmos os
exemplos 16, 18 e 19. Neles, respectivamente, o objeto de discurso assume o papel de
beneficiário da ação, haja vista a ação de “tornar” apontar um ganho positivo para o referente
no que concerne a sua reeleição, o processo “derrota” indica uma perda sofrida negativamente
pelo referente, o que é complementado com o processo “perder”, que coloca Lula como um
dos prejudicados em não poder gastar o dinheiro público. Vale ressaltar que há uma
complementariedade entre os processos “derrota” e “perder”, uma vez que ambos fazem parte
de enunciados que compõem o texto da mesma capa de revista.
Nos demais casos (exemplos 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15 e 20), pela ausência de processos,
temos proposições-enunciados nominais. Desse modo, não se é possível observar um papel
temático, uma vez que, para observarmos o papeis desempenhados pelo referente se faz
necessário a presença do processo. Todavia, é nas proposições-enunciados de caráter nominal
que os modificadores agem, construindo a Rd de Lula como possível presidente (presidente?),
um indivíduo que está na disputa presidencial (x Serra), com chances de chegar à presidência
da República (quase lá), eleito (presidente!) e objetivo (sem rodeios). Esses modificadores
revelam atributos e qualificações ao tema tratado, fazendo-nos compreender como a revista
enxerga a figura de Lula como candidato e presidente eleito.
As proposições-enunciados em que a revista apresenta a categorização Lula na função
de complemento são as seguintes:
Quadro 13 – Referenciações de Lula na função de participante complemento nas proposições-enunciados
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 21 Pesquisa aponta que 1/3 dos eleitores preferem a sigla de Lula SUBEp291
Exemplo 22 Dinheiro de Marcos Valério foi usado na campanha de Lula SUBEp337
Exemplo 23 O impacto do caso Palocci sobre Lula SUBEp232 Fonte: Autor.
Ao assumir a função de complemento, o referente é colocado sobre dois papeis
temáticos: o de beneficiário (exemplos 21 e 22) e o de alvo (exemplo 23). Logo, o objeto de
discurso não é mais aquele que pratica a ação, mas aquele que de alguma maneira foi
favorecido co(n)textualmente. Já no exemplo 23, o adjetivo impacto exerce uma força verbal
que coloca o referente Lula como afetado por um acontecimento ocorrido com um de seus
correligionários.
Todos esses papeis temáticos são extremamente relevantes para a construção da Rd de
Lula nas capas de Época, quer das proposições-enunciados em que Lula aparece como sujeito,
quer daquelas em que ele figura como complemento, haja vista ser por meio desses papeis que
104
compreendemos como a revista trata o tema em foco. Nesse sentido, podemos dizer que
Época constrói a Rd de Lula como um indivíduo de atitude, mas que é afetado por
acontecimentos ao seu redor, os quais são colocados pela revista ora como beneficiadores, ora
como prejudiciais ao objeto de discurso Lula.
Além dos papeis temáticos e dos modificadores que definem o objeto de discurso, a
revista Época utiliza recategorizações para se referir a Lula. Essas recategorizações fornecem
novas denominações ao referente e, consequentemente, novas nuances para a construção da
Rd do tema tratado. Observemos a seguir as proposições-enunciados em que ocorre a
recategorização do objeto de discurso37
:
Quadro 14 – Recategorizações do referente categorizado como Lula
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 24 As forças e fraquezas de um governo do PT SUBEp205
Exemplo 25 Serra pode até crescer mas se as pesquisas estão corretas, no dia
27 Luiz Inácio Lula da Silva se torna o 36º presidente da
República
SUBEp231
Exemplo 26 A vitória do candidato que pedia mudanças SUBEp232
Exemplo 27 O país não mudou. Mas há uma nova esperança nas ruas SUBEp233
Exemplo 28 Em entrevista à Época, o presidente diz que é preciso ter
cautela para que o Brasil cresça por mais dez anos: “Não há
mais espaço para espetáculo”
SUBEp330
Exemplo 29 Desanimado, o presidente prevê meses de crise e admite
desistir da reeleição
SUBEp369
Exemplo 30 Como entender a espetacular mudança de cenário que vai
tornando Lula, contra todos os prognósticos, o grande favorito
para a eleição presidencial
SUBEp404
Exemplo 31 O legado do presidente e sua sombra sobre o futuro governo SUBEp646 Fonte: Autor.
Como já se sabe, as recategorizações servem para dar continuidade, retomando o
referente por meio de denominações que vão construindo uma rede referencial ao longo texto
(KOCH, 2009; CAVALCANTE, 2011; NEVES, 2011). No nosso corpus, a revista Época
apresentou recategorizações apenas nos subtítulos, o que nos revela a continuidade textual
entre a imagem principal, a chamada principal e os subtítulos que as seguem.
Ao recategorizar Lula como “governo do PT” (exemplo 24), a revista situa o
participante como parte de um grupo que pode chegar ao poder, ou seja, a presidência da
República. Não obstante, associada a essa recategorização são dispostos no cotexto
37
Quando houver modificadores do referente (categorizado ou recategorizado) e dos processos nas predicações,
destacaremos em itálico para que a análise possa ser mais precisa sobre os sentidos que os modificadores operam
nas referenciações e nas predicações, a fim de constituir as Rds do tema tratado.
105
precedente dois adjetivos que modificam a recategorização, apontando que o Lula, na
condição de governante e membro de partido político, apresenta pontos fortes e fracos para
gerenciar a nação brasileira.
Ainda tratando Lula como um possível presidente a ser eleito (exemplo 25), Época
enuncia, por meio de uma recategorização, o nome completo do candidato “Luiz Inácio Lula
da Silva”, dando visibilidade ao referente para, posteriormente, recategorizá-lo mais uma vez
com o prognóstico de que ele poderá se tornar “o 36º presidente da República”, haja vista as
pesquisas estarem, na ocasião, colocando-o a frente do candidato da oposição José Serra.
As demais recategorizações construídas por Época vão contextualizando os estados de
Lula no cenário político. Primeiro, ele é colocado como “candidato” eleito (exemplo 26) e que
deseja mudanças para o país, o que nos faz compreender a recategorização de Lula como
“uma nova esperança nas ruas” (exemplo 27) como algo desejado pelo povo que também
anseia por mudanças. É válido apresentar, aqui, a capa que traz essa última recategorização,
pois o sentido que apresentamos a partir da recategorização está totalmente atrelado ao arranjo
visual da capa. Vejamos:
Figura 6 – Diálogo entre a recategorização e a imagem principal na construção da referenciação
Fonte: Revista Época, edição 233.
A ideia de “uma nova esperança nas ruas” que serve de recategorização para o
referente Lula é materializada visualmente na imagem principal que aparece como grafitagem
106
em uma parede por trás de um homem tipicamente caracterizado como morador de rua. Além
disso, a revista traz com essa recategorização e arranjo verbovisual a proposição de que Lula,
na condição de presidente, estará atento aos menos favorecidos, uma vez que a sua trajetória
política sempre focalizou os menos abastados.
No exemplo 28, a forma de recategorização “o presidente” coloca Lula literalmente na
posição política que ele assume, ao passo que, no exemplo 29, a mesma recategorização é
modificada pelo adjetivo “desanimado”. Ao usar o adjetivo, a revista expressa o estado de
espírito do presidente com relação a uma possível crise nacional. Essa interpretação se faz
mais evidente se observarmos a imagem principal que traz Lula de cabeça baixa e pensativo,
como se, além de desanimado, ele estivesse preocupado com a situação. Vejamos:
Figura 7 – O sentido do modificador “desanimado” pela imagem principal
Fonte: Revista Época, edição 369.
As outras duas recategorizações, por sua vez, colocam Lula em momentos de
transição, isto é, do primeiro mandato para a tentativa de reeleição – “o grande favorito para a
eleição presidencial” –, exemplo 30, sinalizando a possível vitória de Lula no pleito; e do final
de seu segundo mandato a passagem da faixa presidencial. Neste segundo momento, Lula é
recategorizado por duas marcas linguísticas: “presidente” e “sombra” (exemplo 31).
107
Quando do uso de “presidente”, a revista usa o modificador “legado” para referir-se a
Lula como um presidente que deixou implementado um conjunto de ações em benefício do
país, ou seja, as conquistas dele enquanto presidente.
Todavia, quando do uso de “sombra” como recategorização, a revista passa a ideia de
que Lula figurará como um pano de fundo no novo governo, podendo até mesmo influenciar
nas tomadas de decisões do presidente que o suceder. Mais uma vez, a revista, pelo uso da
imagem, potencializa a construção da Rd de Lula como uma sombra ao trazer, em sua capa,
apenas a silhueta da face e das mãos de Lula definidas por uma luz branca sob um fundo
escuro como uma sombra. Observemos essa orquestração de sentidos na figura a seguir:
Figura 8 – Recategorização de Lula como “sombra” pela imagem principal
Fonte: Revista Época, edição 646.
Desse modo, as recategorizações complementam os sentidos da categorização “Lula”
na medida em que a revista vai construindo a Rd deste como um candidato que chegou a
presidência, desejado pelo povo como um sonho de mudança e que, por seu primeiro mandato
ter sido bem sucedido, é o favorito e volta a se reeleger. Em sequência, a revista enuncia que
ao sair de seu segundo mandato com conquistas que ficam na história, sinaliza a possibilidade
de Lula não querer mais deixar a presidência, ficando como uma sombra sobre o governo que
o sucederá.
108
Além da categorização de “Lula” como referente, outras duas categorizações foram
utilizadas pela revista para construir a Rd de Lula enquanto objeto de discurso, a saber:
“presidente” e “Lula da Silva”. Cada uma dessas categorizações tiveram apenas uma
ocorrência no corpus. A seguir, discutimos cada uma delas, começando pela categorização de
“presidente”.
Exemplo 32
Presidente reage e testa sua candidatura à reeleição (SUBEp377)
Como vimos, em alguns casos, o substantivo presidente ocupou a função de
modificador e recategorizador do referente Lula. Nos casos dos modificadores, a revista
utilizou a palavra presidente associada a uma pontuação específica – Lula presidente?
(interrogação), Lula presidente! (exclamação) –, gerando um efeito de atributo ao referente.
No caso das recategorizações, o substantivo “presidente” era utilizado após ser referido o
objeto de discurso como forma de retomada e manutenção do objeto no discurso.
Diferentemente, o vocábulo “presidente” (exemplo 32) não está associado a uma
forma linguística anterior do texto. A sua recategorização dá-se em virtude da imagem
principal dada no topo da capa da revista, vejamos:
Figura 9 – Capa de Época com a categorização de Lula como “Presidente”
Fonte: Revista Época, edição 377.
109
A categorização do tema Lula como “presidente” aparece no subtítulo que está
diretamente relacionado à chamada principal e à imagem principal. Semanticamente,
“presidente” assume o papel temático de agente da proposição-enunciado, uma vez que
demonstra ação desempenhada pelo participante (presidente) frente à crise que se apresenta
no cenário político. A ação desempenhada pelo participante diz respeito ao fato de Lula,
mesmo em um momento de crise, o que poderia ser prejudicial a sua campanha a reeleição,
não desistir e por seu nome à prova na candidatura à presidência na eleição do ano de 2006.
Desse modo, a revista constrói a Rd de Lula como um politico reagente e que não teme a
derrota.
Exemplo 33
Lula da Silva uma família com cara de Brasil (CPEp284)
Em se tratando da categorização do objeto de discurso como “Lula da Silva”, esta é
posta em uma capa de revista que exige do leitor uma leitura verbovisual para compreender o
sentido desejado pela revista. Observemos a capa a seguir:
Figura 10 – Capa de Época com a categorização de Lula como “Lula da Silva”
Fonte: Revista Época, edição 284.
110
Conforme já discutimos, na figura 1, em que vislumbramos essa capa de revista sob o
enfoque do interdiscurso presente no gênero de discurso capa de revista, podemos afirmar
que a Época, ao categorizar de Lula como “Lula da Silva”, busca materializar a dimensão
familiar, popular e nacional do então presidente por meio do sobre nome “Silva”. Essa
constatação dá-se pela sequência descritiva que se segue na chamada principal “... uma
família com a cara de Brasil”.
Em uma análise verbovisual, vemos que a revista se utiliza da cor vermelha para
relacionar a categorização Lula da Silva a uma recategorização desse referente, a saber: Lula
Brasil; posto que estas duas palavras (Lula e Brasil) conectam-se pelo destaque no tamanho
da fonte e da cor vermelha que faz remissão a cor do partido de Lula, o PT. Além disso, às
margens da chamada principal é apresentado um conjunto de fotos e enunciados que sugerem
outras recategorizações do referente Lula da Silva, tais como irmão, amigo, parente, primo e
sobrinho. Vejamos no quadro a seguir os subtítulos que acompanham essas fotos e os
elementos que possibilitam a compreensão dessas recategorizações.
Quadro 14 – Recategorizações do referente Lula da Silva
Exemplo Enunciados Recategorização
de Lula da Silva
Código
Exemplo 34 Casal Demarchi: feriado na alvorada Amigo SUBEp284
Exemplo 35 Imãos: Vavá, Jaime e Frei Chico
Irmão
SUBEp284
Exemplo 36 Ruth: a irmã merendeira SUBEp284
Exemplo 37 Jaime: o irmão metalúrgico SUBEp284
Exemplo 38 Tia Maria, de Venturosa Sobrinho SUBEp284
Exemplo 39 Dudinha: primo de Garanhuns Primo
SUBEp284
Exemplo 40 Antonio, primo de Caetés SUBEp284
Exemplo 41 Prima Maria e Sebastião, inscritos no
Fome Zero Parente
SUBEp284
Fonte: Autor.
As recategorizações evidenciadas por meio dos enunciados estão inscritas no discurso
familiar, o qual possibilita, co(n)textualmente, inferirmos que a revista dimensiona Lula como
uma representante do povo brasileiro.
Diante disso, podemos afirmar que a Rd do tema tratado “Lula”, construída pela
revista Época, referencia esse objeto de discurso como um candidato que chega a presidência
da República, que enfrenta problemas relacionados à sua carreira política, mas que, mesmo
assim, é um homem de família que representa a nação brasileira e seu sonho de mudança.
111
Portanto, feitas as considerações sobre as referenciações (categorizações e
recategorizações) de Lula nas capas de Época, passemos a análise das predicações e como
estas auxiliam a construção das Rds de Lula.
5.3.2 Predicação e seus modificadores
Em nosso estudo sobre as predicações que contribuem para a construção das Rds de
Lula, entendemos que a predição opera sobre uma classe-escopo (o sujeito) presente nas
proposições-enunciados, bem como sobre os complementos presentes nessas proposições
(NEVES, 2011). Desse modo, antes de analisarmos textualmente os sentidos provenientes
dessas predicações38
para a construção das Rds de Lula, observemos um quadro
demonstrativo dos processos39 que se apresentam no corpus e a ocorrência destes.
Quadro 15 – Processos utilizados pela revista Época para a construção da Rd de Lula
Processos Número de ocorrências Capas
Prepara 01 Ep229
Torna 01 Ep231
Pedia 01 Ep232
Toma 01 Ep242
É preciso ter 01 Ep330
Prevê 01 Ep369
Admite desistir 01 Ep369
Foi usado 01 Ep377
Reage 01 Ep377
Testa 01 Ep377
Estava 01 Ep404
Vai tornando 01 Ep404
Aguenta 01 Ep412
Fez 01 Ep433
Passaram 01 Ep433
Contou 01 Ep436
Serão 01 Ep442
Perde 01 Ep500 Fonte: Autor.
38
Salientamos que, para efeito de análise, devido ao nosso corpus não ser um texto único, mas, composto por
vários textos do mesmo gênero de discurso, reuniremos os enunciados em que os processos se dão no mesmo
campo semântico e/ou convergem para uma Rd de mesmo sentido. 39
Relembramos que a utilização do termo processo diz respeito aos verbos e locuções verbais utilizadas na
formulação das proposições-enunciados.
112
De um total de dezoito ocorrências de processos no corpus da revista Época,
constatamos a não repetição dos processos, o que por um lado dificulta a interpretação dos
sentidos das predicações que constroem a Rd de Lula, mas que, por outro lado, permiti-nos
observar a consonância de sentidos que diferentes processos intercambiam para que a revista
construa as Rds do tema tratado.
Embora a maior recorrência seja de processos em tempos simples, vale ressaltar que
apenas quatro processos são constituídos por locução verbal, o que sinaliza uma característica
da revista em construir enunciados de caráter nominal ou com poucas predicações, apesar de a
predicação poder ocorrer também pela elisão verbal, ou seja, a ausência de um processo que já
foi utilizado antes e que não se faz necessário a sua repetição para estabelecer relação com o
escopo seguinte. Todavia, nas proposições-enunciados de Época não foi constatada a presença
elíptica de processos.
Por meio das predicações verificadas foi possível perceber o tratamento temporal dado
aos processos, o que, por oportuno, caracteriza o tema tratado em consonância com o ideário
da revista, ou seja, de tratar informações que aconteceram (passado), acontecem (presente) ou
acontecerão (futuro), permitindo-nos, além de situarmos em um tempo real, “nos deslocarmos
livremente pela linha do tempo, de acordo com nossas necessidades expressivas”
(CASTILHO, 2010, p. 432).
Com o intuito de vislumbrarmos essa temporalidade dos processos em Época, vejamos
o quadro a seguir:
Quadro 17 – Conjugação dos processos utilizados pela revista Época para a construção das Rds de Lula
Tempos e modos dos processos Número de
ocorrências
Processos
Presente do Indicativo 09 Prepara; torna; toma; prevê; reage;
testa; aguenta; fez; perde.
Pretérito Perfeito do Indicativo 02 Passaram; contou.
Pretérito Imperfeito do Indicativo 02 Pedia; estava.
Futuro do Presente do Indicativo 01 Serão
Presente do Indicativo + Infinitivo 01 Admite desistir; é preciso ter.
Presente do Indicativo + gerúndio 01 Vai tornando
Pretérito Perfeito do Indicativo +
Particípio Passado
01 Foi usado
Fonte: Autor.
Com o maior número, nove ocorrências, o presente do indicativo foi o tempo verbal
mais utilizado por Época nos processos presentes nas predicações. Acreditamos ser este fato
decorrente da busca que a revista faz por trazer à tona a expressão de fatos/certezas sobre o
113
que é enunciado sobre o referente, o que ocorre também com o processo “admite desistir”,
constituído pelo presente do indicativo + infinitivo.
Em seguida, com duas ocorrências, temos os processos constituídos no pretérito
perfeito do indicativo, por meio dos quais a revista materializa acontecimentos já concluídos,
o que também acontece através da locução verbal “foi usado” (única ocorrência de processo
no tempo pretérito perfeito do indicativo + particípio passado). Nesses casos, a revista
consolida o fato e o apresenta ao leitor, permitindo a este compreender algo acontecido.
Também, com duas ocorrências, temos o pretérito imperfeito do indicativo que dá ideia de
uma ação durativa no passado.
O futuro do presente, por sua vez, permite à revista perspectivizar acontecimentos ou
levar o leitor à reflexão sobre o que pode acontecer, colocando o referente como escopo da
ação. Já o presente do indicativo + infinitivo, com o processo “é preciso ter”, dá um caráter de
inacabamento pela modalização que o verbo auxiliar possui. Quanto ao presente do indicativo
+ gerúndio, a revista projeta um estado sobre o referente, dando a este um caráter de
inacabamento do processo.
Nesse sentido, a temporalidade nos processos contidos nas proposições-enunciados
proferidas pela revista em sua capa dimensiona o leitor a compreender a Rd do referente ao
longo do tempo, bem como situam os fatos em seus respectivos aspectos de acabamento ou
inacabamento da ação, do estado etc.
Vale também mencionar que, quando a revista enuncia sobre o referente Lula, ela
utiliza verbos que se apresentam na terceira pessoa do singular, independentemente do tempo
verbal que o processo encerra. Nesse sentido, quer se trate da referenciação do tema tratado
como “Lula” ou “presidente”, sempre temos o verbo amparado no pronome pessoal do caso
reto “ele”.
Feitas as devidas considerações linguísticas sobre os processos que constituem as
predicações em torno do objeto de discurso Lula, passemos a análise das Rds desse tema por
meio das predicações. Para tanto, comecemos pelos enunciados que utilizam processos do
campo semântico acional.
Quadro 18 – Predicações com processos de ação
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 42 Lula prepara uma frente dos adversários do governo SUBEp232
Exemplo 43 A vitória do candidato que pedia mudanças SUBEp232
Exemplo 44 Lula toma posse e o povo se aproxima do poder SUBEp284
Exemplo 45 Em entrevista à Época, o presidente diz que é preciso ter
cautela para que o Brasil cresça por mais dez anos: “Não há
SUBEp330
114
mais espaço para espetáculo”
Exemplo 46 Desanimado, o presidente prevê meses de crise e admite
desistir da reeleição
SUBEp369
Exemplo 47 Presidente reage e testa sua candidatura à reeleição SUBEp377
Exemplo 48 O que ele fez CPEp433
Exemplo 49 Na campanha de 2002, as promessas de Lula passaram de 700.
ÉPOCA investigou o resultado de cada uma delas
SUBEp433
Fonte: Autor.
A revista, ao tratar Lula na condição de candidato, se utiliza de duas predicações:
“prepara” e “pedia” (exemplos 42 e 43). Com essas predicações, a revista constrói a Rd
discursiva de Lula como um candidato articulado e aparelhado para enfrentar o pleito,
percebido pelo processo “prepara”, bem como de um candidato insatisfeito com a situação
política do Brasil, através do processo “pedia”, com o qual se faz remissão a um desejo do
candidato que é anterior a sua vitória em 2002. Além disso, pela proposição-enunciado do
exemplo 43, podemos percebemos que a maneira de agir do candidato, imbuída no processo
pedia, foi uma das vantagens que o fez garantir a vitória na eleição presidencial.
O processo “toma”, exemplo 44, revela uma Rd de Lula não mais como candidato,
mas, sim, como presidente, pois está incutida nesta predicação a ideia de ocupante de cargo
público, isto é, a partir desse momento, haja vista o processo estar no tempo presente, Lula
será o encarregado pelo gerenciamento da nação brasileira em todas as suas instâncias –
política, econômica, educacional etc.
No exemplo 45, a revista Época constrói a representação discursiva de Lula como
cauteloso, o que se percebe pela presença do processo “é preciso ter”. Com isso, a revista
sinaliza o modo como Lula agirá em seu mandato enquanto presidente do Brasil.
Por meio das predicações constituídas pelos processos “prevê”, “admite desistir”,
“reage” e “testa” (respectivamente, exemplos 46 e 47), a revista Época constrói a imagem de
Lula como um presidente que está um passo a frente da situação brasileira e que antecipa
possíveis acontecimentos (prevê), no caso, uma crise. Todavia, na mesma proposição-
enunciado do processo “prevê”, a revista imputa a Lula a ideia de fraqueza (admite desistir),
uma vez que, segundo a revista, Lula afirma que não dará continuidade a sua candidatura à
reeleição, desistindo da presidência da República.
Diferentemente do processo “admite desistir” com o qual a revista constrói a Rd de
Lula como desertor, pelas predicações constituídas pelos processos “reage” e “testa”, Época
materializa textual e discursivamente Rds positivas de Lula, a saber, de resistente, de
115
batalhador, sem medo de por à prova o seu nome e o seu trabalho como presidente. Isso revela
a atitude comportamental de Lula frente ao novo pleito que, na ocasião, se aproximava.
As proposições-enunciados dos exemplos 48 e 49 estão contidas na mesma capa de
revista. A voz da revista, com a chamada principal, põe em cheque as ações de Lula como
presidente, através do processo “fez”, o que é ratificado pela predicação dada no subtítulo da
capa com o enunciado “na campanha de 2002, as promessas de Lula passaram de 700”. O
processo “passaram”, associado a seu modificador “de 700”, revela uma extensão da classe-
escopo “... as promessas de Lula”, isto porque, o modificador projeta na predicação uma
quantificação, por conseguinte, o fato de Época se colocar como investigadora dos resultados,
faz crer no leitor, pelo excesso de promessas, que Lula não deve ter honrado com todos esses
compromissos, construindo, portanto, uma Rd negativa de Lula como prometedor.
Outro campo semântico que coaduna os processos das predicações instauradas pela
revista Época em torno do objeto de discurso Lula são as de cunho circunstancial (estado).
Estas revelam mudanças e constroem conjuntamente as Rds inerentes ao referente.
Observemos os enunciados que apresentam essa função.
Quadro 19 – Predicações com processos de estado
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 50 Serra pode crescer mas se as pesquisas estão corretas, no dia 27
Luiz Inácio Lula da Silva se torna o 36º presidente da
República
SUBEp231
Exemplo 51 Quem disse que ele estava morto? CPEp377
Exemplo 52 Como entender a espetacular mudança de cenário que vai
tornando Lula, contra todos os prognósticos, o grande favorito
para a eleição presidencial
SUBEp404
Exemplo 53 Como serão os próximos quatro anos SUBEp404 Fonte: Autor.
Ao utilizar o processo tornar em suas formas conjugadas de 3ª pessoa do singular –
“torna” (exemplo 50) e na forma de gerúndio na locução verbal “vai tornando” (exemplo 52),
a revista Época representa discursivamente o objeto de discurso Lula em dois momentos de
eleição, fazendo conjecturas sobre a sua possível eleição em 2002 e a sua plausível reeleição
em 2006. Desse modo, ao revelar essa provável mudança de condição, ou seja, de candidato a
presidente, a revista constrói a Rd de Lula como possível vitorioso.
No exemplo 51, o próprio processo (estava) já representa o estado de Lula que se
segue pelo adjetivo “morto” (predicativo do sujeito). Ao fazer isso, a revista cria, por
antonímia, a ideia de que o referente permanece vivo e com chances de se reeleger, mesmo
116
contra todas as especulações em torno da sua vida política. Semanticamente, a revista
expressa através da predicação “estava morto” a ideia de que, embora com todos os desgastes
sofridos pelo primeiro mandato de Lula, ele ainda está no páreo e com grandes chances de ser
vitorioso. Tal condição dada ao referente por essa predição é comprovada pela predicação do
exemplo 52 – “Como entender a espetacular mudança de cenário que vai tornando Lula,
contra todos os prognósticos, o grande favorito para a eleição presidencial”.
Quanto ao exemplo 53, a revista realiza por meio do processo no futuro (serão) uma
inferência acerca do que, após os quatro primeiros anos de mandato, o que poderá acontecer
como Lula e seu governo nos próximos quatro anos. Desse modo, indiretamente, Época
representa Lula como expectador, curioso e interessado em saber como será o seu próximo
mandato. Podemos inferir esse sentido pela imagem principal do então presidente reeleito
retratada na capa da revista. Vejamos:
Figura 12 – A contribuição da imagem principal para a predicação de futuro “serão”
Fonte: Revista Época, edição 442.
Nesta capa, a revista apresenta a imagem de Lula com uma expressão facial de
visionário e otimista, olhando para cima e com um sorriso no rosto, vislumbrando o que está
por vir no seu próximo mandato. Nesse sentido, com o processo “serão”, atrelado ao sentido
permitido pela imagem principal, podemos dizer que a revista constrói de Lula a Rd de
117
expectador, porém, um expectador confiante e satisfeito com o acontecimento da reeleição e
do que há de vir pela frente.
Quadro 20 – Processos de ação que materializam estados sobre o referente Lula
Exemplo Enunciados Código
Exemplo 54 Dinheiro de Marcos Valério foi usado na campanha de Lula SUBEp377
Exemplo 55 Ele aguenta? CPEp412
Exemplo 56 Ninguém contou para ele? CPEp436
Exemplo 57 Quem perde
Lula, Mantega, Serra, Aécio – a gastança pública
SUBEp500
Fonte: Autor.
Nas proposições-enunciados dos exemplos 54, 55 e 56, temos três verbos de ação que
não são necessariamente ações praticadas por Lula, mas, sim, por outros alocutários e que,
através das predicações resvalam sobre o tema tratado, o que nos faz compreender a intenção
da revista em construir Rds de Lula sob vieses positivos ou negativos. Em 54, a revista coloca
Lula como beneficiário, ou seja, o processo “foi usado” coloca Lula como o indivíduo que
tirou proveito de algo, no caso, do dinheiro de Marcos Valério - um empresário brasileiro da
área publicitária, que se tornou nacionalmente conhecido em 2005 por seu envolvimento no
chamado escândalo do Mensalão. Nesse sentido, a revista ao pôr Lula como beneficiário
desse dinheiro, inferencialmente, constrói uma Rd dele como cúmplice de desvios financeiros
realizados por Marcos Valério.
Com os exemplos 55 e 56, respectivamente os processos “aguenta” e “contou”, a
revista busca revelar um estado psicológico do referente Lula nas predicações, haja vista as
predicações além de permitirem o sentido indicado pelo verbo, contextualmente poderem
apresentar o estado do referente na proposição. Em sendo assim, a revista constrói a Rd de
Lula como desinformado, “coitadinho”, com base em uma ironia relacionada aos casos de
corrupção, dos quais Lula sempre asseverou não ter sido informado. Essa interpretação dá-se
por dois elementos: os predicadores, conforme atestado anteriormente, e as imagens principais
das capas da revista. Vejamos:
118
Figuras 13 e 14 – Predicação e sentido nas capas da revista Época
Fonte: Revista Época, edição 412. Fonte: Revista Época, edição 436.
Ao enunciar “Ele aguenta?” e “Ninguém contou para ele?”, a revista questiona a
condição de Lula, ou seja, o estado psicológico do participante. Na imagem principal da
edição que tem por predicação o processo “aguenta”, Lula aparece como uma sombra da
situação que é materializada no subtítulo “O impacto do caso Palocci sobre Lula”,
significando o afetamento sofrido pelo presidente. Palocci Filho foi um dos políticos
envolvidos no escândalo do Mensalão por receber entre 2001 e 2004 R$ 50 mil mensais
de propina da empresa Leão&Leão, que seria favorecida em licitações da prefeitura de
Ribeirão Preto e o dinheiro dessa propina seria usado para abastecer um caixa dois de
candidatos do PT. Direta ou indiretamente, com a proposição “Ele aguenta?”, através do
verbo “aguentar”¸ a revista põe em cheque a idoneidade de Lula nesse escândalo e constrói
dele uma imagem negativa, duvidando de sua resistência diante do acontecimento do
escândalo.
A representação discursiva de Lula como “coitadinho”, desinformado, evidenciada
pela predição “contou a ele?” é figurativizada pela imagem de Lula cabisbaixo na imagem
principal de Ep436. A imagem representa o estado de Lula quanto aos casos de corrupção
acontecidos em seu governo, mas isso de forma irônica, sinalizando a desconfiança da revista
quanto ao fato de ele realmente não saber.
119
No exemplo 57, Lula é colocado com um conjunto de outros políticos que são
considerados perdedores em relação a gastos públicos. Diante disso, a revista constrói a Rd de
lula, com base no processo “perde”, como perdedor por não poder mais utilizar o dinheiro
público de forma desmedida, configurando um estado do referente e dos demais alocutários
presentes na proposição-enunciado.
Em síntese, ao construir as predicações referentes ao objeto de discurso Lula, a revista
constrói Rds em dois segmentos: as que tratam o tema de forma positiva e as que o tratam de
maneira negativa. A saber:
Quadro 21 – Representações discursivas de Lula por meio das predicações
Referente Sentido das predicações Representações discursivas
Lula
Positivas
Candidato articulado e aparelhado (prepara);
insatisfeito com a política nacional (pedia);
ocupante de cargo público e gerente da nação
brasileira (toma); resistente e batalhador (reage);
sem medo de por à prova o seu nome (testa);
possível vitorioso (torna, vai tornando); vivo e
com chances de se reeleger (estava).
Negativas
Fraco e desertor (admite desistir); prometedor
(fez e passaram); cúmplice (foi usado);
desinformado, coitadinho (contou); sem
resistência (aguenta); perdedor (perde). Fonte: Autor.
5.3.3 Relação
Nos textos das capas da revista Época, a única operação de relação evidenciada diz
respeito à contiguidade, isto é, a ligação entre os enunciados que, conforme mencionamos no
subtópico 3.1.2.4, trataremos por conexão. A categoria de conexão cria vínculos entre as
partes que constroem o conjunto de proposições. Linguisticamente, observamos a presença de
quatro tipos de conectivos nas proposições-enunciados das capas da revista, assumindo a
função de conectar as partes que compõem o texto. Quais sejam:
Quadro 22 – Conectivos usados nos textos da revista Época
Conectivos Número de ocorrências Função textual-discursiva
E 06 Aditivo
Que 02 Integrante
Mas 02 Adversativo
Para que 01 Final Fonte: Autor.
120
Numa perspectiva coesiva, Neves (2011, p. 223) afirma que a conexão “abrange os
mais diversos tipos de estruturação de superfície”, ou seja, são as conjunções (conectivos) os
responsáveis pelo encadeamento entre o que se apresenta no cotexto precedente com o cotexto
posterior. Dessa forma, faz-se possível a compreensão de sentidos com base nesses elementos
que conectam partes do texto, quer por coordenação ou subordinação, haja vista eles
condicionarem às proposições-enunciados os objetivos visados pelo locutor ao produzir a
ação de linguagem. Vejamos, portanto, o sentido do conector “e”, recurso de conexão mais
frequente nas capas de Época.
Quadro 23 – Conectivos aditivos usados nos textos da revista Época
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 58 As forças e fraquezas de um governo do PT SUBEp205
Exemplo 59 Lula toma posse e o povo se aproxima do poder SUBEp242
Exemplo 60 Desanimado, o presidente prevê meses de crise e admite desistir
da reeleição
SUBEp369
Exemplo 61 Presidente reage e testa sua candidatura à reeleição SUBEp377
Exemplo 62 Quem perde
Lula, Mantega, Serra, Aécio – e a gastança pública
SUBEp500
Exemplo 63 O legado do presidente e sua sombra sobre o futuro governo SUBEp646 Fonte: Autor.
Nas proposições-enunciados em que a conjunção aditiva aparece, temos o acréscimo
de informações (exemplos 58, 62 e 63) pela união de constituintes no sintagma ou a conexão
entre sentenças (exemplo 59, 60 e 61). No exemplo 58, pelo uso do “e”, a revista adiciona um
atributo “fraquezas”, oposto a outro atributo (forças) aferido ao participante Lula,
recategorizado como “governo do PT”. Com isso, o referido conectivo auxilia a reconstrução
da Rd do tema tratado como aquele que apresenta pontos fortes e pontos fracos para governar
o Brasil. O mesmo ocorre no exemplo 62, pois a Rd de Lula como parte daqueles que são
perdedores, no que diz respeito a não poder mais utilizar o dinheiro público de forma
desmedida, dá-se pelo uso do conectivo “e” que adiciona o sintagma nominal “a gastança
pública” como uma das perdas a que se refere o processo perde. Em 63, seguindo o mesmo
princípio de adição, o “e” conecta “o legado do presidente” a “sua sombra” com vistas a
contribuir com a Rd do referente como aquele que deixou uma herança para o futuro governo
e que, por isso, não será possível descartá-lo no governo seguinte, tornando-se ele uma
sombra que seguirá a nova gestão.
Nos demais exemplos, a conexão se dá entre sentenças, implicando uma continuidade
das ações praticadas pelo referente nas proposições-enunciados. Com o exemplo 59, a revista
121
acrescenta a ideia de que, com a posse de Lula, o povo se aproxima do poder, contribuindo,
portanto, para a construção da Rd de Lula como o candidato do povo. No exemplo 60, o
conectivo articula a primeira sentença “prevê meses de crise” a outra que revela a Rd de Lula
como desistente. Por fim, com o exemplo 61, a revista adiciona à ação de reagir a de testar,
contribuindo para a Rd do participante como resistente e sem medo de se expor ao teste
público.
Quadro 24 – Conectivos integrantes usados nos textos da revista Época
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 64 Em entrevista à Época, o presidente diz que é preciso ter
cautela para que o Brasil cresça por mais dez anos: “Não há
mais espaço para espetáculo”
SUBEp330
Exemplo 65 Quem disse que ele estava morto? CPEp404 Fonte: Autor.
O uso do “que” para estabelecer relação entre as proposições-enunciados implica em
subordinações substantivas asseverativas (CASTILHO, 2010, p. 357). Nesse sentido, o
conectivo integra a sentença principal a uma sentença que a ela está subordinada, ou seja, que
integra o sentido da principal. Assim sendo, a revista se utiliza desse conectivo para construir
afirmações sobre o objeto de discurso, dando desenvolvimento às proposições-enunciados.
Ao observarmos os exemplos, percebemos os seguintes sentidos que o conectivo
integrante “que” possibilita nas proposições-enunciados em que aparece: em 64, o uso do
conectivo corrobora para a construção da Rd de Lula como presidente cauteloso, uma vez que
ele integra uma afirmação “é preciso ter cautela” a oração principal “o presidente diz”; em 65,
ao construir a interrogativa, a revista pretende afirmar o fato de Lula estar vivo e com chances
de se reeleger, por isso, a conjunção “que” integra o “ele estava morto” a “quem disse”
(oração principal), gerando um efeito diferente do que se pretende, geralmente, com uma
proposição-enunciado declarativa afirmativa.
Quadro 25 – Conectivos adversativos usados nos textos da revista Época
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 66 Serra pode crescer mas se as pesquisas estão corretas, no dia 27
Luiz Inácio Lula da Silva se torna o 36º presidente da República
SUBEp231
Exemplo 67 O país não mudou. Mas há uma nova esperança nas ruas SUBEp233 Fonte: Autor.
O uso do “mas” corrobora para a construção da Rd de Lula como possível vitorioso da
campanha à eleição de 2002 (exemplo 66) e para a construção da Rd de Lula como uma nova
122
esperança nas ruas (exemplo 67), uma vez que estabelece as respectivas oposições: Serra
versus Lula nos resultados das pesquisas e país que não muda versus Lula como esperança de
transformação.
Quadro 26 – Conectivo final usado nos textos da revista Época
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 68 Em entrevista à Época, o presidente diz que é preciso ter cautela
para que o Brasil cresça por mais dez anos: “Não há mais
espaço para espetáculo”
SUBEp330
Fonte: Autor.
Com o uso do “para que” (exemplo 68), Época materializa o discurso de Lula com
vistas a apresentar como ele vê a situação do Brasil, descrita pelo discurso direto como um
país que viveu de espetáculo, uma vez que para ele se deve ter cautela com as ações que serão
realizadas, a fim de que o Brasil cresça. Desse modo, a revista materializa um pensamento de
Lula e constrói a representação do objeto de discurso como cauteloso, em virtude da relação
de finalidade que o conector apresenta no texto.
A conexão nas capas de revista, por sua vez, não se dá apenas no nível linguístico-
textual. Percebemos que a relação verbovisual, assim como os demais elementos de relação,
também possibilita a contiguidade informacional do texto, pois como já afirmamos na análise
das referenciações, por vezes a imagem funciona como o referente que é retomado pelas
demais partes que constituem o texto presente na capa de revista. Essa discussão reforça ainda
mais a necessidade se observar a imagem como parte constitutiva do gênero de discurso e não
apenas como um adereço para chamar a atenção do leitor.
Para exemplificar a conexão por meio da verbovisualidade do gênero de discurso capa
de revista, observemos os exemplares que seguem:
123
Figura 15 – Conexão por meio da imagem e texto
Fonte: Revista Época, edição 242.
Na capa de revista em que Lula toma posse para exercer o seu primeiro mandato,
temos como chamada principal a proposição “Mudança na história”. Como se percebe, não há
nessa chamada uma referenciação de Lula, nem muito menos um termo que recategorize o
objeto de discurso tratado pela revista. Entretanto, a imagem principal contendo Lula do lado
da primeira dama em um carro, o Rolls-Royce Silver Wraith, veículo de cerimônia utilizado
pelo chefe de estado em datas comemorativas, no caso, a posse, permite ao leitor inferir que a
mudança na história diz respeito a Lula chegar ao poder. Adicionalmente, o subtítulo da
chamada principal concretiza no texto o referente, dando destaque ao evento que está
acontecendo.
Percebemos com isso que a articulação verbovisual é fundamental para a elaboração
do texto no gênero de discurso capa de revista e, por conseguinte, que a imagem desencadeia
sentidos que contribuem para a construção das Rds de Lula nas capas da revista Época. Dito
isso, é válido salientar que o gênero em análise é constituído de proposições-enunciados
relativamente curtas, o que não permite uma progressão textual conectada entre todos os
enunciados do corpus, porém, pela presença da imagem de Lula em todos os exemplares em
análise (ver anexo A), podemos dizer que é por ela que os textos das capas de revista se
conectam, dando possibilidade a nossa interpretação das Rds de Lula nas capas da revista
Época.
124
A afirmação feita anteriormente de que a imagem de Lula é responsável pela
conexão do corpus em análise é validada quando observarmos capas como as que seguem:
Figuras 16 e 17 – Conexão verbovisual e mecanismos de foricidade no texto das capas de Época
Fonte: Revista Época, edição 404. Fonte: Revista Época, edição 436.
As duas capas de revista acima representam a manifestação visual como elo de
conexão entre os textos que compõem o corpus das capas da revista Época. Lula é
apresentado visualmente como o elemento principal da temática da revista, sendo retomado
pelo dispositivo anafórico “ele”. É nesse sentido que Adam (2011a, p. 76, grifos do autor)
afirma que: “Os pronomes de terceira pessoa ele(s) e ela(s) devem, com efeito, ser
(re)classificados no domínio das retomadas, com os demonstrativos, certos indefinidos e
certos grupos nominais definidos [...]”.
Fato importante é que a presença do elemento fórico “ele” nas capas de época aparece
sempre na chamada principal, necessitando de algo que possibilite a ancoragem do referente,
o que acontece por meio da imagem principal, isto porque, as consagradas anáforas, caso do
“ele” em nossos textos de análise, “são responsáveis pela continuidade referencial e exigem a
consideração de um termo-âncora formalmente dito no cotexto” (CAVALCANTE, 2011).
Entretanto, o papel de âncora é realizado em algumas capas pela própria imagem. Nessa
125
condição, portanto, é que a anáfora ocorre quatro vezes nas capas de Época, possibilitando ao
leitor compreender a quem se relaciona o “ele” referenciado na capa.
Vejamos, então, as proposições-enunciados em que essa manifestação textual ocorre,
exigindo a ancoragem no elemento visual.
Quadro 27 – Estabelecimento de conexão do elemento fórico “ele” com a imagem principal (referente)
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 69 Quem disse que ele estava morto? CPEp404
Exemplo 70 Ele aguenta? CPEp412
Exemplo 71 O que ele fez CPEp433
Exemplo 72 Ninguém contou para ele CPEp436 Fonte: Autor.
Isolados da capa de revista, enquanto texto complexo, poder-se-ia dizer que a marca
linguística em destaque nas quatro proposições-enunciados (exemplos 69, 70, 71 e 72) assume
a função de pronome (participante sujeito) ou de complemento nas proposições-enunciados,
entretanto, como nas capas de revista o elemento assume o papel de retomar o referente dado
pela imagem, podemos fazer uma interpretação fórica do item (CASTILHO, 2010),
entendendo ser o “ele” responsável por garantir a continuidade do texto pela relação
verbovisual.
Outro pronome que aparece nas capas da revista Época e que assume a função fórica
de retomar o objeto de discurso na cadeia textual é o pronome possessivo de terceira pessoa
do singular “sua”. Vejamos a ocorrência desse fenômeno no quadro a seguir:
Quadro 28 – Estabelecimento de conexão por meio do possessivo “sua”
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 73 Presidente reage e testa sua candidatura à reeleição SUBEp377
Exemplo 74 O legado do presidente e sua sombra sobre o futuro governo CPEp412 Fonte: Autor.
Diferentemente da análise do pronome “ele”, a utilização do possessivo “sua” nas
capas de Época se dá como forma de manter o referente que já textualizado nas proposições-
enunciados, assinalando a continuidade do dizer sobre o objeto de discurso. Desse modo,
tanto no exemplo 73 como no exemplo 74, o pronome possessivo é utilizado para retomar o
referente Lula, atribuindo-lhe a ideia de possuidor: Lula possui o título de candidato (exemplo
73) e Lula possui uma sombra (exemplo 74). No primeiro, pelo uso do possessivo, a revista
constrói do referente a Rd de um presidente que não teme se candidatar novamente por pôr à
prova seu nome. No segundo, Época atribui pelo possessivo a ideia de um ex-presidente que
126
não intenta sair do seio presidencial, o que se evidencia pela palavra “sombra” como parte de
Lula que seguirá como voz ativa nas decisões do governo que o sucederá.
Nesse sentido, seguindo o resultado obtido por meio da análise do pronome “ele”, ao
interpretamos o possessivo “sua” a partir de sua propriedade semântica, podemos afirmar, em
consonância com Castilho (2010, p. 504), que ao atuarem como um fórico, os pronomes
possessivos contribuem para a coesão do texto, isto é, possibilitam manter a cadeia referencial
no discurso, permitindo ao leitor/alocutário reconstruir os efeitos de sentido pretendidos pelo
locutor no ato de linguagem.
Portanto, podemos afirmar que para a reconstrução das Rds de Lula, dadas nas capas
das revistas Época, faz-se necessário observar os conectores textuais, assim como a conexão
verbovisual, ambos perspectivizadores de sentidos pela possibilidade de continuação textual e
referencial do discurso.
5.3.4 Localização espacial e temporal
Considerando a localização espacial e temporal como circunstâncias que permitem
situar as Rds construídas pela revista acerca do tema tratado, verificamos que Época pouco se
utiliza desses marcadores em seus enunciados. Para a localização espacial são percebidas três
marcas, enquanto que para a localização temporal também observamos o mesmo numero de
ocorrências. Vejamos os elementos circunstanciais no quadro a seguir:
Quadro 29 – Localizadores espaciais e temporais nas capas da revista Época
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 75 Lula quase lá CPEp231
Exemplo 76 O país não mudou. Mas há uma nova esperança nas ruas SUBEp233
Exemplo 77 Em entrevista à Época, o presidente diz que é preciso ter
cautela para que o Brasil cresça por mais dez anos: “Não
há mais espaço para espetáculo”
SUBEp330
Exemplo 78 Na campanha de 2002, as promessas de Lula passaram
de 700. ÉPOCA investigou o resultado de cada uma delas
SUBEp433
Exemplo 79 Como serão os próximos quatro anos (Ep442) CPEp442 Fonte: Autor.
No exemplo 75, a revista Época utiliza dois advérbios que modificam a situação do
referente Lula na proposição enunciado. O advérbio de intensidade “quase”, associado ao
adverbio de lugar “lá”, revelam a ideia de tempo e espaço. Um tempo impreciso e um lugar
127
que não é físico, mas, sim, conceitual, haja vista se tratar do cargo a presidente do Brasil.
Desse modo, podemos dizer que a revista, por meio da locução adjetiva, contribui para a
construção da Rd de Lula como candidato com chances de ganhar a eleição para presidente da
República.
Respectivamente nos exemplos 76 e 77, os substantivos “país” e “Brasil” caracterizam
o lugar de onde fala a revista e que, por conseguinte, auxilia a construir as Rds de Lula como
representante da nação, presidente, entre outras. A funcionalidade desses vocábulos nas
proposições-enunciados ultrapassam, desse modo, uma mera descrição conceitual-gramatical,
pois textual e discursivamente eles são responsáveis por situar o discurso no espaço.
Quanto aos locativos temporais, tivemos a ocorrência de três expressões que incidem
sobre as Rd de Lula construídas por meio das referenciações e predicações. No exemplo 76, a
expressão “dez anos” ressalta a representação de Lula como cauteloso, construída por meio do
processo “é preciso ter”. Desse modo, para Lula, ser cauteloso é o que se precisa para
desenvolver o país do qual ele é presidente.
A expressão temporal “Na campanha de 2002” (exemplo 78) corrobora com a
construção da Rd de Lula como prometedor, haja vista ter sido nesse período que o candidato
realizou as mais de 700 promessas que foram investigadas por Época. E, por fim, a expressão
“os próximos quatro anos”, presente no exemplo 79, também contribui com uma das Rds
construídas pela revista, a saber a de expetador, isto porque, o tempo dado no enunciado
remete ao período que Lula estará exercendo o cargo de presidente pela segunda vez, após a
sua reeleição. Sendo assim, essa expressão associada ao predicador “serão” revelam um Lula
curioso, ansioso e expectador de um futuro que ele vivenciará na presidência da República.
Em síntese, vale ressaltar a importância da localização espacial e temporal para a
construção das Rds de Lula nas capas de época, uma vez que eles nos permitem compreender
o lugar em que a revista situa o objeto de discurso, bem como esse objeto é visto em um
tempo determinado (exemplo 78) ou em um tempo perpectivizado (exemplos 77 e 79).
5.4 RDS DE LULA NAS CAPAS DA REVISTA VEJA
Seguindo o paradigma adotado para a análise das Rds de Lula nas capas da revista
Época, passamos a análise dos textos nas capas da revista Veja. É importante ressaltar que,
para manter o padrão de análise, descrevemos e interpretamos as Rds de Lula a partir das
128
categorias semânticas, considerando o sentidos manifestados pelas marcas verbovisuais
utilizadas co(n)textualmente no gênero de discurso capa de revista.
Não obstante, para efeito de continuação analítico-qualitativa, tecemos comparações
dos resultados obtidos da análise das capas da revista Época com os resultados impetrados
com descrição e interpretação das Rds de Lula nas capas da revista Veja, dando uma
completude à análise do corpus em estudo.
5.4.1 Referenciação e seus modificadores
No que concerne à referenciação, apenas dois elementos são utilizados pela revista
Veja para referenciar o objeto de discurso Lula, a saber: a imagem principal e a nominalização
“Lula”. Nesse sentido, podemos dizer que as Rds de Lula nas capas de Veja são construídas
com base nessas duas referenciações. Assim sendo, observemos a recorrência dessas marcas
(imagem e denominações) no arcabouço geral das capas em análise.
Quadro 30 – Formas de referenciação do objeto de discurso Lula nas capas da revista Veja
Referenciações Ocorrências Porcentagem
Imagem principal 14 58%
Nominalização “Lula” 10 42% Fonte: Autor.
Diferentemente das referenciações realizadas nas capas da revista Época em que as
nominalizações foram mais frequentes, nas capas de Veja, conforme se pode notar, a maior
frequência de formas de referenciação do objeto de discurso Lula se dá por meio da imagem
principal, ou seja, em quatorze capas (58%) a imagem se torna responsável por manifestar o
tema sobre o qual será veiculada a informação. Desse modo, fica evidente a força da imagem
para a construção das Rds do tema tratado, o que também evidência a concordância com os
estudos jornalísticos que defendem ser a imagem uma forte aliada do jornalismo de revista.
As demais capas, que equivalem a dez exemplares (42%), referenciam o tema tratado pela
denominação “Lula”.
Analisemos alguns casos em que a imagem principal funciona como o referente sobre
o qual são construídas as proposições-enunciados sobre o tema tratado Lula.
129
Figuras 18 e 19 – Referenciações de Lula construídas apenas pela imagem principal
Fonte: Revista Veja, edição 1975. Fonte: Revista Veja, edição 2189.
A construção da referenciação em textos verbovisuais permite ao veículo de
informação a oportunidade de deixar a imagem “falar” ao interpretante/leitor. Desse modo, a
revista Veja faz uso da força argumentativa desse recurso para expressar o seu PdV, o que,
por sua vez, demanda um esforço cognitivo maior do interlocutor para chegar ao efeito de
sentido pretendido pela representação do participante em foco. Vale mencionar que nas capas
de Ve1975 (figura 18) e de Ve2189 (figura 19) não são apresentadas nominalizações que
categorizem o objeto de discurso exposto pela imagem principal. Apenas em Ve2189 temos
alguns elementos de retomada (ele, dele) e a palavra repetida “presidência” que nos situam
sobre o que e sobre quem, co(n)textualmente, a revista trata como tema.
Nas figuras 18 e 19, a revista referencia o tema tratado (Lula) com base em caricaturas
do então presidente passíveis de serem compreendidas pela notória dimensão sociocultural
que essa figura assume na conjuntura de governança do país. Além de reconhecermos o objeto
de discurso focalizado por Veja, os elementos que constroem a imagem principal atribuem a
ele o status presidencial, o que pode ser notado pela presença da faixa que o candidato eleito
recebe em sua posse. Nos casos em análise, uma gama de efeitos de sentido pode ser atribuída
a essa faixa: Lula como presidente da república (figuras 18 e 19); Lula como presidente que
não enxerga ou não quer enxergar o que acontece ao seu redor (figura 18); Lula como
130
representante da justiça, remetendo ao fato de a justiça ser cega, imparcial (figura 18); Lula
como eterno presidente (figura 19); Lula como um presidente que não deseja sair do comando
do país, mesmo que em uma situação de descanso ou término de seu segundo
mandato/reeleição, sentido evidenciado pela faixa em forma de tatuagem na pele do
participante caricaturado (figura 19); entre outros. Esses efeitos de sentido remetem a Rds que
a revista constrói de Lula por meio da imagem. Acrescente-se a isso o fato de que, por ser
uma caricatura, está implicado na imagem um tom humorístico que revela críticas acerca do
objeto de discurso referenciado, o que ressalta a pluralidade de sentidos que poder ser
evidenciada por meio da leitura verbovisual.
Nesse panorama, é válido mencionar que apenas a revista Veja referencia Lula por
meio de imagens que não contém a presença de categorização do objeto de discurso. Mais
uma vez, isso revela o caráter multimodal do gênero de discurso capa de revista, bem como a
força ilocucionária da imagem para alcançar o propósito comunicativo/interacional da revista
que é fazer com que o leitor seja atraído pelo que observa e, por conseguinte, adquira o
produto ofertado.
Outrossim, nas capas da revista Veja também encontramos referenciações de Lula que
partem da imagem e são categorizadas por nominalizações. Veja recorre a duas formas de
categorizar verbalmente esse objeto, são elas: Lula e presidente. Assim como nas capas da
revista Época, essas categorizações anunciam linguisticamente o objeto de discurso que é
apresentado visualmente, articulando o todo textual no que podemos chamar de cadeia
referencial.
Para tanto, apresentamos um quadro geral com a recorrência das nominalizações em
que o tema tratado é categorizado como “Lula” e como “presidente”.
Quadro 31 – Referenciações (categorizações e recategorizações) do tema Lula nas capas da revista Veja
Referenciação
(categorização)
Número de
ocorrências
Recategorizações Número de
ocorrências
Lula 24
Presidente 04
Petista 01
Sujeito oculto 01
Grande guia 01
Bobo da corte 01
Pai 01
Político 01
Lulismo 01
Presidente 02 - - Fonte: Autor.
131
Para ilustrar o papel da imagem como objeto de discurso que é categorizado por essas
nominalizações, apresentamos apenas uma das capas em que esse procedimento acontece e,
por conseguinte, as proposições-enunciados contidas nas capas que são constituídas em
relação a imagem principal. Comecemos pelo uso da categorização do tema tratado como
“Lula”.
Figura 20 – Capa de Veja em que a imagem principal é categorizada pela nominalização “Lula”
Fonte: Revista Veja, edição 1760.
Quadro 32 – Categorizações do tema tratado pela nominalização “Lula” nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 80 Quem vai ser o anti-Lula? CPVe1760
Exemplo 81 Lula voltou dos EUA chamando Bush de aliado SUBVe1782
Exemplo 82 Lula-de-mel CPVe1784
Exemplo 83 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto
SUBVe1847
Exemplo 84 Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo
e sua biografia
SUBVe1910
Exemplo 85 55% dizem que Lula sabia da corrupção SUBVe1913
Exemplo 86 A denúncia do procurador-geral não deixa dúvida: Lula é o
sujeito oculto da “organização criminosa que tinha como
objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT”
SUBVe1952
Exemplo 87 Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e
acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo
Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na
Bolívia
SUBVe1955
132
Exemplo 88 O primeiro mandato de Lula foi pífio... SUBVe1981
Exemplo 89 Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão
que, como ensinam os médicos, poderia ser evitada
SUBVe2150
Fonte: Autor.
A figura 20 exemplifica o uso da imagem como o objeto de discurso sobre o qual se
irão desenvolver os enunciados na capa de revista, tendo como categorização a denominação
“Lula”. Observemos que o exemplo 80 constitui o texto verbal em evidência na capa Ve1760,
trazendo o nome de Lula associado a um prefixo que modifica o sentido da categorização no
texto. Com essa modificação, a revista deixa de focalizar o objeto de discurso para destacar os
opositores de Lula – Ciro e Serra. Acreditamos que o diálogo verbovisual explica as escolhas
realizadas pela revista para a construção do enunciado “Quem vai ser o anti-Lula?”, isto
porque, assim como a imagem de Lula aparece em um segundo plano pela saturação de cores
evidenciada no arranjo visual da capa, o entorno discursivo coloca Lula como expectador da
disputa pela vaga para o segundo turno, efetivando o sentido da ação de linguagem visada
pela revista. Desse modo, as imagens de Ciro Gomes e José Serra são apresentadas como
complementares ao propósito da revista, uma vez que um deles será o possível candidato que
enfrentará Lula, o que explica o significado do prefixo modificador “anti” ao categorizar Lula
como o objeto de discurso no texto verbal. Sendo assim, podemos interpretar esse
modificador no sentido de oposição. Nesse sentido, a revista constrói a Rd de Lula como
aquele que será desafiado e que terá de vencer um de seus opositores para chegar à
presidência da República.
Nos demais exemplos, do 81 ao 89, a revista categoriza o objeto de discurso pela
nominalização “Lula”, dando a este a função de âncora para o desenvolvimento do tema
tratado, o que nos permite compreender as Rds de Lula com base nas predicações que são
construídas em torno do referente.
Outra questão que merece destaque nessa análise é o caso dos exemplos 86 e 87.
Neles, há recategorizações da nominalização “Lula”. No exemplo 86, ao tratar de crimes
associados ao PT, a revista enuncia, por meio da voz do procurador-geral, a participação de
Lula como membro de uma organização criminosa que beneficiaria o PT e daria continuidade
ao projeto petista de se manter no governo. Essa interpretação parte da presença da
recategorização de Lula como “sujeito oculto”, ou seja, entende-se que, através do contexto,
Lula faz parte dessa organização, mesmo podendo não haver marcas de sua presença ou
provas que validem a afirmação do procurador-geral.
133
Em 87 são utilizados mais duas recategorizações: “grande guia” e “bobo da corte”. O
contexto do qual emerge a construção da proposição-enunciado remete a uma trama
arquitetada pelo presidente boliviano Hugo Chávez para se apossar da refinaria da Petrobras,
o maior campo de extração de gás natural da Bolívia. Ao se valer da recategorização de Lula
como “grande guia”, a revista ironiza a pretensão de Lula a líder da América Latina,
utilizando um tom debochado que é sancionado negativamente pelo sentido construído na
proposição-enunciado. Em consequência disso, ao fazer uso da recategorização “bobo da
corte” diante da trama de expropriação, a revista atribui ao participante a ideia de palhaço,
enganado. Sendo assim, podemos dizer que a revista, amparando-se da ironia, constrói Rds
negativas de Lula ao situá-lo co(n)textualmente, permitindo, portanto, observar o referente em
um processo de transformação que ocorre pela passagem de “grande guia” a “bobo da corte”.
Das ocorrências evidenciadas, em apenas dois exemplares das capas da revista Veja o
objeto de discurso é categorizado como “presidente”. Isso, após ter a imagem principal como
referente da ação de linguagem visada pela revista. Vejamos, agora, os casos em que o tema
tratado é recategorizado como “presidente” nas capas de Veja.
Figura 21 – Capa de Veja em que a imagem principal é categorizada pela nominalização “Presidente”
Fonte: Revista Veja, edição 1775.
134
Quadro 33 – Categorizações do tema tratado pela nominalização “presidente” nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 90 O primeiro presidente de origem popular SUBVe1775
Exemplo 91 Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e
fazer o Brasil funcionar
SUBVe1980
Fonte: Autor.
O exemplo 90, presente na figura 21, situa-se no período em que Lula foi eleito pela
primeira vez como presidente da República, no ano de 2002. Observemos nesse exemplo que
o categorizador “presidente” é ladeado por dois modificadores: um no cotexto precedente com
o uso do numeral com função de adjetivo “primeiro”; e um no cotexto posterior, constituído
pela expressão “de origem popular”, que tem por função especificar e, por conseguinte,
complementar o sentido do modificador que o precede. Com isso, a revista representa
discursivamente o objeto de discurso Lula como um presidente que modificou, alterou a
ordem prototípica dos presidentes brasileiros, devido a sua origem e classe social.
De modo decisivo, a relação imagem e texto contribui para a construção da Rd de Lula
como um presidente que altera o panorama histórico, isto porque, conforme podemos notar no
exemplar Ve1775 (figura 21), Lula aparece segurando a bandeira do Brasil e portando na
expressão facial um sorriso que demonstra a sua satisfação em ter sido eleito para a
presidência. Ademais, a chamada principal “Triunfo histórico” ressalta o valor da vitória no
contexto republicano brasileiro. Esse triunfo é ainda revalidado pelo subtítulo na parte
superior da capa que apresenta Lula na condição de “primeiro presidente de origem popular”,
ou melhor dizendo, um vitorioso que quebra o paradigma de presidentes de origens e classes
sociais mais abastadas.
Por se tratar de uma proposição-enunciado de caráter nominal (exemplo 90), ao
referente “presidente” não pode ser atribuído um papel temático. Por seu turno, no exemplo
91, a categorização do objeto de discurso Lula como “presidente” – núcleo do sintagma
nominal “Os desafios do presidente eleito” – pode ser entendida pelo papel temático de
alvo/paciente, isto é, na proposição-enunciado o tema tratado é exposto pelo locutor como o
indivíduo que é afetado pela ação. Além disso, essa categorização também é modificada pelo
adjetivo “eleito”, construindo a Rd do tema tratado como aquele que foi vitorioso mais uma
vez, haja vista ser o texto dessa capa representativo da reeleição de Lula à presidência no ano
de 2006. Todavia, a revista coloca o resultado dessa eleição como um desafio para o
presidente, uma vez que, segundo Veja, o país ficou dividido e demanda de Lula esforços para
uni-lo.
135
Ainda no que diz respeito à referenciação, vale observar o papel linguístico do
referente Lula nas proposições enunciadas pela revista Veja. Vale mencionar que parte dos
enunciados que tem Lula como categorização do referente já foram discutidos na análise da
relação verbovisual de construção da referência e, por esse motivo, incluímo-los no quadro
geral, mas, priorizamos para discussão as proposições-enunciados que ainda não foram
descritas e interpretadas.
Das vinte e quatro manifestações de Lula como categorização do tema tratado, apenas
uma assume a função sintática de adjunto nominal, o que não implica em um papel temático
acerca do objeto de discurso linguisticamente textualizado por Veja, qual seja: O
“Ronaldinho” de Lula (CPVe1979). As demais, vinte e três ocorrências, apresentam o
participante como sujeito ou núcleo do sujeito nas proposições enunciadas por Veja.
Observemos o quadro a seguir com alguns exemplos de proposições-enunciados em que o
objeto de discurso aparece categorizado como Lula na função de sujeito40
.
Quadro 34 – Referenciações de Lula na função de participante sujeito nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 92 Porque Lula assusta o mercado CPVe1752
Exemplo 93 Lula vai a César CPVe1781
Exemplo 94 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto
SUBVe1847
Exemplo 95 Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo
e sua biografia
SUBVe1910
Exemplo 96 55% dizem que Lula sabia da corrupção SUBVe1913
Exemplo 97 Quando e como Lula foi alertado SUBVe1914
Exemplo 98 Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e
paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já
lembra a agonia da era Collor
SUBVe1917
Exemplo 99 A denúncia do procurador-geral não deixa dúvida: Lula é o
sujeito oculto da “organização criminosa que tinha como
objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT”
SUBVe1952
Exemplo 100 Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e
acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo
Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na
Bolívia
SUBVe1955
Exemplo 101 Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão
que, como ensinam os médicos, poderia ser evitada
SUBVe2150
Fonte: Autor.
40
Nessa análise damos destaque às proposições-enunciados em que o participante é sujeito e núcleo do sujeito ao
mesmo tempo, haja vista as situações em que ele não aparece como núcleo do sujeito fazerem referência a
subtemas associados ao objeto de discurso.
136
A revista Veja ao expressar o seu PdV em relação ao tema tratado, constrói Rds de
Lula, atribuindo-lhe papeis temáticos que estão diretamente relacionados a ações ou estados
do participante tematizado na função de sujeito. Assim sendo, podemos depreender quatro
papeis temáticos realizados pela referenciação “Lula”, são eles: agente, alvo/paciente,
beneficiário e experienciador.
No exemplo 92, Lula assume o papel temático de experienciador, uma vez que o
processo “assusta” permite compreender o estado psicológico atribuído pela revista ao
participante. Nesse caso, não se trata de Lula ter a consciência de que ele assusta o mercado,
mas, sim, como a revista o vê no contexto da economia e administração brasileira.
Assumindo outro papel temático atribuído pela revista ao objeto de discurso Lula,
temos o papel de alvo/paciente com quatro ocorrências, conforme se pode observar nos
exemplos 94, 96, 97 e 99. Com isso, a revista constrói Rds de Lula como um participante
afetado pelos acontecimentos do seu governo: a paralização de seu governo o faz cair nas
pesquisas (exemplo 94); conhecedor de casos de corrupção (exemplo 96); indivíduo que
precisa de informação (exemplo 97); e, integrante de uma organização criminosa que
beneficiaria o seu partido (exemplo 99). Essas interpretações são possíveis pelo entorno
discursivo que circunda a construção textual das proposições-enunciados, nas quais, além da
voz da revista Veja, outras vozes são trazidas pelo veículo de informação para expressar o
PdV sobre o tema tratado, a saber, as vozes de indivíduos que participaram de pesquisa
divulgada pela revista (exemplo 96) e a voz do procurador-geral (exemplo 99).
Vale lembrar que identificamos o papel temático do participante nas proposições pelo
sentido que o sujeito tem na relação com o processo que constitui o enunciado (ILARI, 2009).
Desse modo, ao inscrever Lula como aquele que pratica a ação, a revista apresenta situações
realizadas pelo participante que estão diretamente ligadas a sua forma de governar.
Em 93, por exemplo, Veja comenta o encontro de Lula com George Bush, comparando
este a César, o que sinonimicamente rotula Bush de Imperador. Ao fazer isso, e com base no
processo “vai”, constrói-se de Lula a Rd de um político que se desloca até outro com vistas a
construir alianças governamentais, negociações, que servirão ao desenvolvimento do país.
Tais interpretações advêm da relação verbovisual que é construída pela cadeia referencial na
capa da revista Ve1781. Vejamos:
137
Figura 22 – Contribuições da verbovisualidade para a interpretação dos sentidos na cadeia referencial
Fonte: Revista Veja, edição 1781.
Nota-se que a revista prioriza a imagem de Bush, figurativizado pelas roupas como
sendo o Imperador, e dispõe a fotografia de Lula em um segundo plano, destacando o
propósito de sua ida ao encontro do presidente americano, uma vez que esse encontro pode vir
a “definir o tipo de nação que o Brasil será”, conforme anunciado no subtítulo. Mencione-se,
ainda, que o referido encontro aconteceu antes de Lula tomar posse como presidente, o que
possibilita a interpretação de que o candidato eleito a presidência do Brasil já começava a se
articular com líderes de outros países para o desenvolvimento do seu pleito.
Adicionalmente, o exemplo 81 do quadro 32 – “Lula voltou dos EUA chamando Bush
de aliado” –, tem o participante Lula como agente e, nesse enunciado se concretiza os efeitos
de sentido obtidos da interpretação de Ve1781, haja vista a noção de parceria consolidada
entre os presidentes, dado o retorno de Lula ao Brasil. O processo “voltou” e a substantivação
do processo “chamar” dão-se como pistas para se chegar a Rd de Lula como aliado, isto
porque, a qualificação atribuída a Bush pela forma como Lula o classifica (aliado) funciona
como caracterização do próprio referente na proposição-enunciado.
No exemplo 95, a revista Veja também atribui a Lula o papel temático de agente, posto
que, diante de um contexto de corrupção que implicou no pedido de demissão por parte de
José Dirceu, então Ministro-Chefe da Casa Civil, e que impactou diretamente na imagem do
138
presidente Lula, a revista apresenta Lula como prejudicado pelos acontecimentos. Todavia, o
processo “tenta salvar”, presente no enunciado, constrói a Rd do participante como alguém
que tenta corrigir os agravos, consertar os danos que tais acontecimentos geraram ao seu
governo e a sua própria imagem/biografia.
Ainda na função semântica de agente, os processos “exagera” e “ignora” (exemplo
101) possibilitam à Veja construir a Rd de Lula como alguém que não se preocupa com a sua
saúde, isto porque, essas ações praticadas pelo participante o levam a uma crise hipertensiva.
Em consequência disso, na mesma proposição-enunciado surge outro papel temático atribuído
ao participante Lula, o de beneficiário. Desse modo, o processo “tem” que expressa a ideia de
resultado revela o prejuízo que as ações de exagerar e ignorar o stress provocaram no
participante, o que possibilita compreender a Rd de Lula como negligente a sua saúde.
Outra proposição-enunciado em que o referente Lula é apresentado por Veja com o
papel temático de beneficiário é a do exemplo 98. Neste exemplo, a revista contextualiza o
governo de Lula como devorado e paralisado pelo escândalo do Mensalão e, que por
consequência disso, “Lula está em uma situação que já lembra a agonia da era Collor”. Com
isso, evidencia-se através do prejuízo causado ao referente, a Rd de alguém que está
paralisado, sem atitude e que corre o risco de impedimento ou impugnação de mandato, dada
o efeito que o referido escândalo causou.
Todos esses papeis temáticos atribuídos ao referente Lula ajudam a reconstruir as Rds
desse objeto de discurso na cadeia referencial presente nos textos do gênero de discurso capa
de revista, especificamente as Rds construídas pela revista Veja. Ressaltamos, porém, que ao
tratarmos de ação ou estado do referente Lula, na condição de sujeito na proposição
enunciada, estamos nos referindo a ações e a estados atribuídos pela revista a esse referente,
haja vista ser Veja o locutor dos dizeres no texto.
Nesse sentido, assim como Veja escolhe categorizações e a elas atribuem papeis
temáticos, no jogo textual a revista também recategoriza esse objeto de discurso dando-lhe
denominações que revelam outras representações de Lula ou corroboram com as Rds já
demarcadas pelo emprego dos categorizadores. Nesse sentido, vejamos as recategorizações
construídas pela revista após a categorização de Lula como referente do dizer.
Quadro 35 – Recategorizações do referente Lula nas capas da revista Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 102 Empresários disputam a agenda do petista SUBVe1752
Exemplo 103 A defesa do presidente na televisão não convence e ele perde
a chance de explicar o escândalo
SUBVe1918
139
Exemplo 104 O presidente comparou o filho empresário ao craque de
futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só
apareceram depois que o pai chegou ao Planalto
SUBVe1979
Exemplo 105 A busca de um terceiro mandato pode degenerar na criação
de um presidente vitalício no Brasil?
SUBVe2056
Exemplo 106 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe2140
Exemplo 107 O Brasil depois de 8 anos de lulismo SUBVe2197 Fonte: Autor.
Todas as recategorizações em destaque podem ser entendidas como “uma atividade de
continuidade de um núcleo referencial” (KOCH, 2009). Sendo assim, todas elas se referem ao
objeto de discurso Lula, referencialmente categorizado nas chamadas principais das capas de
revista. Assim como nas capas da revista Época, as recategorizações do referente Lula
ocorrem nos subtítulos, garantindo a progressão da cadeia referencial no texto e articulando
imagem principal, chamada principal e subtítulos.
Como vemos, a recategorização mais recorrente é a de Lula como “presidente”. Essa
recategorização constrói a imagem de Lula como líder da nação brasileira, ao mesmo tempo
que desdobra essa representação pelos sentidos que o cotexto determina. No exemplo 102,
Lula é o presidente que se defende diante do escândalo do Mensalão, mas que, segundo a
revista, não convence e perde a chance de se explicar.
No exemplo 105, considerando a possibilidade de Lula chegar a um terceiro mandato e
de ele ainda ser presidente em 2026, conforme expressa a chamada principal de Ve2056:
“‘2026, é Lula outra vez...’”; a revista associa o modificador “vitalício” à recategorização de
“presidente”, constante no subtítulo, construindo uma Rd de Lula como um presidente que
poderá ficar a vida toda na presidência, caso ele concorra a um terceiro mandato.
Nos demais casos em que Lula é recategorizado como presidente, podemos observar
duas formações sociodiscursivas distintas: uma que segue a esteira dos exemplos 103 e 105,
isto é, da política e outra que se enquadra no contexto familiar. A primeira está presente no
exemplo 108, na qual Veja, após recategorizar Lula como “presidente” devido o foco ser no
filme que estava sendo produzido sobre a sua vida, substitui o referente por “político”,
construindo, portanto, a Rd de Lula como um político que, na condição de presidente, está se
aproveitando de um filme financiado por empresas privadas para torná-lo um deus e, por
conseguinte, iniciar a campanha para eleição de 2010.
140
A segunda formação sociodiscursiva se manifesta no exemplo 104, no qual a revista
recategoriza Lula como “presidente”, trazendo à tona o papel de Lula no cenário político
brasileiro para, em seguida, construir uma crítica à comparação que ele fez do seu filho
empresário Fábio Luís (o Lulinha) com o craque de futebol Ronaldo (O fenômeno), dados os
dons fenomenais de ambos. Todavia, a revista ironiza essa comparação ao afirmar que “os
dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao
Planalto”. Disso, podemos depreender que o contexto familiar, principalmente pela posição
política que Lula ocupa, é o que permitiu o aparecimento do filho dele no ramo empresarial.
Além disso, podemos inferir que a revista constrói uma Rd de Lula como beneficiador da
empresa ou de seu filho, mesmo que o benefício seja apenas pela ascensão que a família de
Lula adquiriu após ele ter chegado à presidência.
Ao recategorizar Lula como “petista” (exemplo 102), a revista associa a imagem de
Lula a seu partido, o Partido dos Trabalhadores, construindo a Rd de um candidato que pode
colocar em risco a economia do país. Essa representação é inferida pela ideia de disputa que
os empresários têm travado para ter a atenção de Lula, bem como pela chamada principal de
Ve1752 e pela imagem principal da capa. Vejamos:
Figura 23 – Arranjo verbovisual como construtor da Rd de Lula
Fonte: Revista Veja, edição 1752.
141
Todos os recursos presentes na figura 23 – imagem, gráfico com a situação de risco
Brasil, a chamada principal e o subtítulo – possibilitam a reconstrução da Rd de Lula como o
candidato que assusta o mercado, construída pela revista Veja. Nesse sentido, a
recategorização do objeto de discurso como “petista” permite a interpretação de que Lula
causa medo tanto ao mercado quanto aos que não compartilham dos seus ideais partidários.
Tais efeitos de sentido são provenientes da multimodalidade presente no gênero de discurso,
pois, acreditamos que não se pode chegar a essas interpretações somente pelo texto verbal.
No exemplo 107, a recategorização utilizada pela revista para se referir a Lula é
formada por meio do sufixo “ismo”. Tendo por denominação o vocábulo “lulismo”, a revista
remete ao período no qual o presidente esteve à frente do governo nacional brasileiro e, com
isso, ela constrói a Rd do tema tratado como uma ideologia, um sistema a ser seguido. Melhor
dizendo, a proposição-enunciado presente na capa de Veja perspectiviza o futuro do Brasil
após a consolidação do trabalho de Lula na presidência.
Diante disso, com base nas referenciações do objeto de discurso Lula, quer pelas
imagens, quer pelas denominações, a revista constrói Rds do tema tratado as articulando sobre
eixos semânticos que o define como homem, pai, candidato, candidato eleito, político,
presidente, líder da nação brasileira, presidente afetado por casos de corrupção, aliado de
governos internacionais, entre outras. Esses eixos ora apresentam Lula numa perspectiva
positiva, ora numa perspectiva negativa, o que reflete os objetivos visados pela revista ao
tomar Lula como referente do discurso textualizado nas capas de revista.
Em complementação às referenciações que constroem Rds de Lula, os processos que
articulam os participantes nas proposições-enunciados do gênero de discurso capa de revista
realizam predicações que possibilitam a continuação de efeitos de sentido sobre os referentes.
Desse modo, tratamos a seguir sobre as predicações e os modificadores destas acerca do
objeto de discurso Lula.
5.4.2 Predicação e seus modificadores
Conforme mencionamos, as predicações realizam a continuação dos dizeres sobre o
objeto de discurso referenciado no texto. Nesse sentido, são os processos, linguisticamente
reconhecidos como verbos, que realizam a função de articular os participantes nas
proposições-enunciados, auxiliando na construção e reconstrução das Rds. Vejamos, portanto,
os processos presentes nos textos das capas da revista Veja.
142
Quadro 36 – Processos utilizados pela revista Veja para a construção da Rd de Lula
Processos Número de ocorrências Capas
Tem 03 Ve1919; Ve1981; Ve2150.
Sabia 02 Ve1913
Sairá 02 Ve2189
Assusta 01 Ve1752
Disputam 01 Ve1752
Vai ser 01 Ve1760
Retomar 01 Ve1775
Corrigir 01 Ve1775
Colocar 01 Ve1775
Vai 01 Ve1781
Voltou 01 Ve1782
Chamando 01 Ve1782
Começa 01 Ve1784
Sair 01 Ve1847
Cai 01 Ve1847
Tem de carregar 01 Ve1847
Tenta salvar 01 Ve1910
Dizem 01 Ve1913
Foi alertado 01 Ve1914
Devorou 01 Ve1917 Paralisou 01 Ve1917
Está 01 Ve1917 Lembra 01 Ve1917
Convence 01 Ve1918
Perde 01 Ve1918
Explicar 01 Ve1918
Deixa 01 Ve1952
É 01 Ve1952
Tinha 01 Ve1952
Garantir 01 Ve1952
Doeu 01 Ve1955
Dormiu 01 Ve1955
Acordou 01 Ve1955
Tramou 01 Ve1955
Comparou 01 Ve1979
Apareceram 01 Ve1979 Chegou 01 Ve1979
Unir 01 Ve1980
Fazer 01 Ve1980 Funcionar 01 Ve1980
Foi 01 Ve1981
Deixar 01 Ve1981
Pode degenerar 01 Ve2056
Depura 01 Ve2140
Endeusa 01 Ve2140
Servirá 01 Ve2140
Exagera 01 Ve2150
143
Ignora 01 Ve2150 Ensinam 01 Ve2150
Poderia ser evitada 01 Ve2150 Queria ver terminar 01 Ve2197
Fonte: Autor.
Com base nas proposições-enunciados da revista Veja, identificamos a presença de
cinquenta e cinco processos, sendo que três deles se repetem ao longo do corpus: o tem é
utilizado na formulação de três proposições-enunciados de capas distintas; o sabia ocorre
duas vezes na mesma capa; e o sairá também é usado duas vezes na construção do texto da
mesma capa. Esses dados revelam uma diferença em relação às predicações das proposições
enunciadas por Época, isto porque, nesta revista não ocorre repetição dos processos.
Outra observação que espelha a distinção entre as revistas é o fato de a maioria dos
processos evidenciados em Veja atuarem na relação com outros processos na mesma capa, o
que revela uma maior textualização, ou seja, a presença de sequências textuais mais
desenvolvidas. Disso resultam apenas sete capas com proposições-enunciados produzidas
entorno de apenas um processo, situação que foi mais recorrente em Época, haja vista das
dezoito ocorrências de processos nesta revista, nove delas ocorrem em capas diferentes.
Por outro lado, proporcionalmente, podemos afirmar que ambos os veículos de
informação semanal pouco se utilizam de locuções verbais, uma vez que em Época apenas
quatro processos são constituídos por locução verbal e, em Veja, dos cinquenta e cinco,
apenas sete são locuções verbais. Nesse segmento, vale mencionar também que não foi
constatada a presença elíptica de processos nas capas de Veja, tal qual ocorrido nas
proposições-enunciados de Época. Assim, atribuímos essas semelhanças ao estilo dos textos
das capas de revista: proposições curtas de caráter objetivo e que despertem a atenção do
leitor/alocutário, o que, possivelmente, seria menos viável pela presença de longos textos
escritos.
No que concerne à temporalidade verbal, tanto nas proposições-enunciados de uma
revista como da outra, os processos revelam PdVs que fazem menção a informações do
presente, do passado e do futuro. Vejamos no quadro a seguir a distribuição dos processos de
acordo com o tempo e o modo, observando o número de ocorrências.
144
Quadro 37 – Conjugação dos processos utilizados pela revista Veja para a construção da Rd de Lula
Tempos e modos dos processos Número de
ocorrências
Processos
Presente do Indicativo 22 Assusta; disputam; vai; começa; cai;
tem; sabia; dizem; está; lembra;
convence; perde; deixa; é; depura;
endeusa; exagera; ignora; ensinam.
Pretérito Perfeito do Indicativo 11 Voltou; devorou; paralisou; doeu;
dormiu; acordou; tramou; comparou;
apareceram; chegou; foi.
Infinitivo 10 Retomar; corrigir; colocar; sair;
explicar; garantir; unir, fazer;
funcionar; deixar.
Presente do Indicativo + Infinitivo 05 Vai ser; tem de carregar; tenta salvar;
pode degenerar; queria ver terminar.
Futuro do Presente do Indicativo 03 Servirá; sairá.
Pretérito Imperfeito do Indicativo 01 Tinha
Pretérito Perfeito do Indicativo +
Particípio Passado
01 Foi alertado
Futuro do Pretérito do Indicativo +
Infinitivo + Particípio Passado
01 Poderia ser evitada
Gerúndio 01 Chamando Fonte: Autor.
Com base no quadro 37, podemos inferir que as revistas semanais de informação
primam por expressar fatos atuais, o que se justifica pela maior ocorrência do tempo verbal
presente do indicativo, que em Veja foi utilizado vinte e duas vezes para a construção das
predicações sobre o referente. Semelhante ao presente do indicativo são as locuções verbais
produzidas no tempo verbal presente do indicativo + infinitivo (cinco ocorrências), isto
porque, com elas a revista busca apresentar ao leitor o que está acontecendo naquele
momento, indicando um inacabamento dos processos que auxiliam na construção das Rds de
Lula, mas que refletem fatos atuais.
Com onze ocorrências, tivemos a presença de predicações no pretérito perfeito do
indicativo. Todavia, se considerarmos a ideia de acontecimentos já concluídos, materializado
por esse tempo verbal, também devemos adicionar a esse entendimento a locução verbal “foi
alertado” (única ocorrência de processo no tempo pretérito perfeito do indicativo + particípio
passado), pois essa forma de marcar a temporalidade do processo permite à revista consolidar
o fato e o apresentar ao leitor como algo ocorrido.
Gramaticalmente, os verbos no infinitivo (dez ocorrências) não expressam tempo e
modo, o que pode ser evidenciado nas palavras de Rocha Lima (2011, p. 168, grifos do autor)
ao afirmar que “O infinitivo é antes um substantivo: como este, pode ser sujeito ou
145
complemento de um verbo, e, até, vir precedido de artigo”. Isso porque, segundo o autor, a
forma infinitiva do verbo não possui função exclusivamente verbal, sendo, portanto,
considerada como forma nominal (CASTILHO, 2010; ROCHA LIMA, 2011). Todavia,
quando tratamos de predicação, não podemos desconsiderar os processos de caráter infinitivo,
uma vez que eles implicam em ações ou estados atribuídos ao referente, e, que, por
conseguinte, contribui para compreendermos as Rds que são construídas acerca do tema
tratado.
O futuro do presente, como três ocorrências nas proposições-enunciados de Veja,
assim como nas de Época, colocam o referente como escopo da ação e permitem à revista
perspectivizar acontecimentos ou levar o leitor à reflexão sobre o que pode acontecer.
Os demais, com apenas uma ocorrência, situam os processos em três conjugações
distintas. No que concerne ao pretérito imperfeito do indicativo, a revista constrói uma
proposição-enunciado em que o processo não incide em uma conclusão do acontecimento
ocorrido, isto é, não afirma o início ou fim da ação. Já o processo constituído pela
temporalidade futuro do pretérito do indicativo + infinitivo + particípio passado, realiza o
que podemos chamar de perífrase modal, ao informar sobre a atitude do locutor, do
interlocutor ou do tema tratado na proposição enunciado. Com esse processo, a revista indica
ações que iriam acontecer com o referente, mas que não vão mais. Por fim, o gerúndio, bem
como o infinitivo, devido a sua função gramatical de nominalização verbal, é considerado
pelos gramáticos muito mais como um advérbio pela circunstancialidade que ele apresenta,
mas, que, na predicação, de modo geral, o concebemos como um elemento que expressa
continuidade da ação praticada pelo referente.
Nessa perspectiva, entendemos que a conjugação dos processos, numa perspectiva
macro em que se incluam as formas nominais, proporcionam o aferimento de sentidos
necessários à reconstrução das Rds de Lula, situando as ações e estados em seus aspectos de
acabamento ou inacabamento.
Diante desse olhar linguístico-gramatical lançado sobre os processos e suas
conjugações no corpus constituído pelas capas da revista Veja e, comparando-o às descrições
realizadas da análise de Época, algo que difere é o fato de que nem todos os processos se
apresentam na terceira pessoa do singular. Alguns processos como “disputam”, “dizem”,
“apareceram”, entre outros, revelam os PdV de outras fontes acerca do tema tratado, além do
PdV da revista. Assim, essas outras fontes constroem Rds de Lula as vinculando às situações,
às ações e aos estados expressos pelos processos e participantes envolvidos na produção do
texto.
146
Devido a essas constatações, a seguir, agrupamos as proposições-enunciados em que
as predicações sinalizam um mesmo eixo semântico no que concerne às representações
discursivas construídas pela revista Veja41
.
Ao predicar sobre o objeto de discurso Lula como candidato, candidato eleito, ou
possível candidato, temos as seguintes predicações:
Quadro 38 – Predicações em torno do eixo semântico de candidato
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 108 Por que Lula assusta o mercado CPVe1752
Exemplo 109 Empresários disputam a agenda do petista CPVe1752
Exemplo 110 Quem vai ser o anti-Lula? SUBVe1760
Exemplo 111 Seu desafio: retomar o crescimento e corrigir as injustiças
sociais sem colocar em risco as conquistas da era FHC
SUBVe1775
Exemplo 112 Lula vai a Cesar CPVe1781
Exemplo 113 Lula voltou dos EUA chamando Bush de aliado SUBVe1782
Exemplo 114 Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e
fazer o Brasil funcionar
SUBVe1980
Exemplo 115 ... e agora ele tem mais quatro anos para deixar um legado de
grandeza
SUBVe1981
Exemplo 116 A busca do terceiro mandato pode degenerar na criação de
um presidente vitalício no Brasil?
SUBVe2056
Fonte: Autor.
Nos exemplos 108 e 109, pertencentes a mesma capa de revista, as predicações
instauradas por meio dos processos “assusta” e “disputam”, contribuem para a construção da
Rd de Lula como um candidato que amedronta o setor comercial e, que, por esse motivo, os
empresários disputam um espaço de diálogo com o candidato. Não obstante, entendemos que
a ideia de medo inferida pelo uso do verbo “assustar”, relacionado à recategorização do
referente como “petista”, pode estar associada ao fato de Lula ser o candidato que representa
as classes sociais menores sobre a sigla do PT. Dessa forma, a revista constrói de Lula a Rd
de um candidato que pode não ser um bom representante para o setor econômico e que
coloque em risco a classe comerciária e a economia do país.
A locução verbal “vai ser”, no exemplo 110, está associada à Rd do tema trado como o
candidato que será enfrentado. Logo, com a interrogação feita pela revista, podemos
compreender que Lula é o candidato com mais chances de ganhar a eleição e que terá de
esperar pra saber quem será o seu opositor no segundo turno das eleições presidenciais de
2002. Ademais, a relação instaurada pelo modificador no conjunto da proposição-enunciado
41
Devido ao maior numero de processos constantes em Veja, não nos foi possível agrupar os exemplos pelas
características dos processos, isto é, pelos eixos semânticos da ação ou do estado. Desse modo, optamos por
agrupá-los pelo eixo semântico-discursivo que autoriza a produção das proposições-enunciados.
147
acrescenta a essa representação a ideia de que a revista espera que o adversário de Lula o
vença, sentido materializado pelo prefixo “anti”.
No exemplo 112, por meio do processo “vai”, a revista apresenta Lula como o
candidato eleito que busca estabelecer alianças antes mesmo de iniciar o seu pleito como
presidente. Conforme mencionamos na análise da referenciação, esse sentido se evidencia na
capa Ve1782, posterior a publicação em que aparece o processo “ir” conjugado em terceira
pessoa do singular, referindo-se a Lula. Nesta capa, o subtítulo apresenta o processo “voltou”,
indicando o retorno de Lula após o encontro com o presidente do EUA e, dada a relação direta
do processo voltou com a ação desempenhada por Lula (chamando), a revista constrói dele a
Rd de aliado do governo americano, denotando a forma como será a relação entre os países e
os seus presidentes durante o governo Lula.
Ao representar Lula como o candidato eleito, tanto na eleição de 2002 quanto na de
2006, a revista formula as proposições-enunciados com base em processos no infinitivo,
demonstrando os desafios que o futuro presidente terá a frente do comando da nação
brasileira. Em 111, os processos retomar e corrigir determinam as atitudes que Lula terá de
tomar para gerenciar o país. A isso, acrescenta-se o sentido do processo “colocar”,
acompanhado do modificador “sem”, isto porque, como se pode notar, a revista entende que o
desafio/problema para a realização do governo será resolver as questões relacionadas ao
crescimento e injustiças sociais sem ameaçar as conquistas da era FCH.
No exemplo 114, o desafio colocado por Veja remete ao fato de que o candidato
reeleito terá o desafio de unir o Brasil que ficou divido na votação entre Lula e Alckmin. A
predicação instaurada pelo processo “unir” é apenas uma das conquistas que o presidente terá
de realizar com o início de seu segundo mandato. Nesse sentido, a revista projeta Lula como
alguém que dividiu a população brasileira e que precisa contornar essa situação.
Adicionalmente, a revista ainda constrói de Lula a imagem de alguém que tem muito trabalho
pela frente, o que fica evidente pela presença dos processos “fazer” e “funcionar”, atribuindo
ao referente à ideia de que durante o primeiro mandato de Lula até a sua reeleição o país não
funcionou e, por isso, ele precisa trabalhar para que o funcionamento do Brasil aconteça.
Na mesma linha de raciocínio, o exemplo 115 prospecta ações de Lula em relação ao
seu segundo mandato, isto porque, o processo “tem” imputa ao referente a obrigação de que o
presidente eleito terá de desenvolver um bom trabalho para que ele possa deixar uma herança
às próximas gerações presidenciais que o engradeça no panorama presidencial brasileiro. Essa
obrigação é intensificada pelo advérbio “mais” que modifica a predicação. Desse modo, a
ideia de obrigação revelada pelo processo “tem” é, portanto, complementada pelo infinitivo
148
“deixar”, funcionando este como o resultado da obrigatoriedade de Lula quanto ao seu
segundo mandato. Em vista disso, Veja representa o objeto de discurso como alguém que
ainda não realizou grandes feitos para adquirir o status de grandeza que se espera de um
presidente.
No último exemplo que constrói representações de Lula no eixo semântico de
candidato, a ideia expressa pelo processo “pode degenerar” (exemplo 116) está atrelada ao
plano de Lula em concorrer a um terceiro mandato, o que, pela interpretação que podemos
fazer do PdV da revista, entendemos ser essa uma atitude que não trará benefício ao Brasil.
Assim, inferimos pela referenciação presente na proposição-enunciado que a volta de Lula ao
cargo de presidência pode instituir um estado de poucas mudanças no cenário presidencial.
Desta maneira, a Rd de Lula como possível candidato ao terceiro mandato é explicitamente
colocada como negativa aos olhos da revista Veja.
Outro conjunto de predicações é realizado pela revista para tratar o objeto de discurso
no eixo semântico de presidente em atuação. Vejamos:
Quadro 39 – Predicações em torno do eixo semântico de presidente
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 117 A partir de agora, começa a cobrança SUBVe1784
Exemplo 118 Essa doeu! SUBVe1955
Exemplo 119 Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e
acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo
Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na
Bolívia
SUBVe1955
Exemplo 120 O presidente comparou o filho empresário ao craque de
futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só
apareceram depois que o pai chegou ao Planalto
SUBVe1979
Exemplo 121 O primeiro mandato de Lula foi pífio... SUBVe1981
Exemplo 122 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe2140
Exemplo 123 Ele sairá da presidência, mas a presidência sairá dele? CPVe2189
Exemplo 124 O ano que Lula não queria ver terminar SUBVe2197 Fonte: Autor.
O exemplo 117, que traz o processo “começa”, apresenta Lula como presidente
empossado que, a partir daquele momento, deve honrar com suas promessas, caso contrário,
as cobranças serão feitas. Desse modo, a revista intenciona construir de Lula uma Rd de um
governante que tem obrigações com o país, o que relaciona essa representação àquelas feitas
com relação aos seus desafios como presidente (exemplo111).
149
Com os processos “doeu” (exemplo 118), “dormiu”, “acordou” e “tramou” (exemplo
119), a revista predica sobre o referente Lula o choque que a atitude do presidente
venezuelano Hugo Chávez teve sobre o presidente brasileiro. Desse modo, a intenção de
expropriação da Petrobras, por parte de Chávez, é evidenciada pelo processo “tramou”, o que
possibilita a reconstrução de uma Rd de Lula como traído, principalmente quando a isso é
acrescido o sentido advindo do predicador “doeu”, posto que a traição foi inesperada e atingiu
em cheio o presidente Lula. Além disso, a transformação gerenciada pelos processos
“dormiu” e “acordou”, permite-nos compreender que a revista constrói de Lula a Rd de um
presidente considerado um grande líder, mas, que da noite para o dia foi enganado por um de
seus vizinhos.
Com o exemplo 120, a revista se utiliza da relação familiar entre pai e filho para
construir a Rd de Lula como agente beneficiador dos negócios da família, devido o seu cargo
público. Tal interpretação é possível pelo uso dos processos “comparou”, “apareceram” e
“chegou”. Segundo a revista, a comparação que Lula faz entre o seu filho, o Lulinha, e o
Ronaldo fenômeno não é assim tão semelhante, pois os dons de Lulinha só tomaram
proporção após Lula se tornar presidente (sentido intrínseco ao processo “chegar”). Nesse
segmento, o processo “apareceram” é colocado na proposição antecedido pelo modificador
“só”, advérbio que exprime o sentido de apenas, somente, unicamente, ou seja, antes da
presidência, o filho de Lula não tinha tantos dons como empresário, diferente do craque de
futebol.
Em 121, a revista Veja avalia o primeiro mandato de Lula, descrevendo-o como pífio,
ou seja, sem muita importância. Essa avaliação é marcada pelo uso do processo “foi”, que em
uma sequência descritiva42
, atribui a Lula a Rd de um presidente que não realizou muitas
conquistas em seu mandato e, por isso não se pode perceber grandes feitos.
No exemplo 122, ao tratar do filme que representa a vida do presidente, a revista se
utiliza do processo “pago” para evidenciar os interesses das empresas privadas na manutenção
do governo Lula, interesse que é ressaltado pelo uso do processo “servirá”, que ao ser
introduzido na proposição-enunciado nos permite compreender o desejo dessas empresas pela
manutenção de Lula e, por conseguinte, do seu partido na presidência. Isso porque, ao
apresentar o filme, a revista faz uso dos processos “é”, “depura” e “endeusa” que descrevem
Lula como puro ao ponto de ser reconhecido como um deus. Desse modo, ao falar do
pagamento dado por empresas privadas, a revista critica a intenção velada por trás da
42
Sequencia prototípica para a análise da Rd, segundo Adam (2011a).
150
produção cinematográfica de representar a vida do presidente como a vida de um deus.
Portanto, constrói a Rd de Lula como um beneficiário de dinheiro privado para se promover e
se manter com o seu partido no governo, mesmo não podendo ser ele o candidato a concorrer
nas eleições de 2010, haja vista a constituição brasileira não permitir mais de dois mandatos
consecutivos pelo mesmo presidente.
Já com os exemplos 123 e 124, Veja constrói a Rd de Lula como um presidente que
não gostaria de deixar o cargo presidencial. O processo “sairá” (exemplo 123), com duas
ocorrências na mesma proposição-enunciado, funciona como afirmação e indagação ao
público leitor sobre o término do segundo mandato de Lula. Com isso, a revista passa a ideia
de que Lula está terminando o seu mandato, mas não tem a intenção de afastar-se totalmente
da presidência, tecendo considerações sobre o futuro do presidente.
No exemplo 124, com a presença do processo “queria ver terminar”, modificado pelo
advérbio de negação “não”, a revista atribui a Lula o desejo de que o seu mandato não
chegasse ao fim. Nesse contexto, podemos dizer que a revista se utiliza dessas predicações
para tentar expressar o desejo de Lula e o representar como o presidente que não quer deixar o
seu cargo público. Essa interpretação também pode ser verificada pela imagem principal
contida nas duas capas em que os enunciados aparecem. Vejamos:
Figuras 24 e 25 – A contribuição da imagem para a Rd de Lula como presidente que não quer deixar a
presidência
Fonte: Revista Veja, edição 2189. Fonte: Revista Veja, edição 2197.
151
Conforme podemos notar, a Rd de um presidente que não deseja deixar o seu cargo é
visualmente materializada pela faixa presidencial posta como uma pintura no corpo de lula,
uma tatuagem que não sai (figura 24) e pela imagem de Lula segurando o ponteiro dos
minutos para evitar que o ano termine e, com isso, que o seu mandato chegue ao final (figura
25). Em sendo assim, a revista enfatiza através de imagens a Rd que é construída por meio das
predicações realizadas pelos processos “sairá” e “não queria ver terminar”.
Analisemos, agora, as predicações que constroem Rds de Lula, associando-o a
escândalos de corrupção e, mais especificamente, ao Mensalão – que ficou conhecido como o
maior escândalo de corrupção política no Brasil.
Quadro 40 – Predicações sobre o referente Lula no eixo semântico de escândalos de corrupção
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 125 Como vai sair dessa? CPVe1847
Exemplo 126 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do
Planalto
SUBVe1847
Exemplo 127 Tem conserto? CPVe1910
Exemplo 128 Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo
e sua biografia
SUBVe1910
Exemplo 129 Ele sabia? CPVe1913
Exemplo 130 55% dizem que Lula sabia da corrupção SUBVe1913
Exemplo 131 Quando e como Lula foi alertado CPVe1914
Exemplo 132 Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e
paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já
lembra a agonia da era Collor
SUBVe1917
Exemplo 133 A defesa do presidente na televisão não convence e ele perde
a chance de explicar o escândalo
SUBVe1918
Exemplo 134 A denúncia do procurador-geral não deixa dúvida: Lula é o
sujeito oculto da “organização criminosa que tinha como
objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT”
SUBVe1952
Fonte: Autor.
Com os exemplos 125, 126, 127 e 128, pertencentes a duas edições consecutivas da
revista Veja, o veículo de informação questiona sobre o desenvolvimento do governo de Lula
frente à demissão do ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, envolvido em caso de
corrupção. Para tanto, nas duas chamadas principais são formuladas interrogações que
refletem sobre a condição de Lula diante desse acontecimento. Com a pergunta “Como sair
dessa?”, a revista indiretamente atribui ao objeto de discurso Lula uma situação que o
compromete, haja vista José Dirceu fazer parte das escolhas de Lula para a cúpula que o
auxiliaria durante o seu mandato. Por consequência disso, com o processo “vai sair” (exemplo
125), presente no questionamento, a revista põe em cheque a idoneidade de Lula em relação
152
ao ato corrupto do qual o ex-Ministro-Chefe, bem como indica a dificuldade dele em se livrar
de manchas advindas do escândalo.
Com o sentido de complementariedade à proposição-enunciado da chamada principal
da capa Ve1847, o subtítulo apresenta o resultado que o escândalo gerou na imagem do
presidente. Ao utilizar o processo “cai” (exemplo 126), a revista constrói a Rd de Lula como
prejudicado pela ação corrupta de José Dirceu, mas que, mesmo assim, Lula ainda é obrigado
a levar consigo os danos advindos do envolvimento do seu ex-ministro em corrupção, o que é
materializado pela predicação “tem de carregar”, modificada pelo advérbio “ainda”, no
exemplo 128. Contextualmente, a revista atribuiu ao referente Lula certa parcela de culpa
quanto ao fato textualizado.
Os exemplos analisados a seguir estão situados temporalmente entre os anos de 2005 e
2006, período em que estourou a bomba sobre a compra de votos de parlamentares no
Congresso Nacional do Brasil e que ficou conhecido como Mensalão.
Para análise dos exemplos 127 e 128, vejamos a figura a seguir:
Figura 26 – Contribuição da imagem principal para a Rd de Lula como danificado por fatores externos
Fonte: Revista Veja, edição 1910.
Conforme podemos notar, o processo “tem” que é apresentado na interrogação
(exemplo 127) dialoga diretamente com o processo “tenta salvar” no subtítulo da capa
(exemplo 128). Com essas predicações, a revista demonstra o impacto negativo que o
153
escândalo do Mensalão, no qual estava envolvido José Dirceu, gerou na presidência de Lula e
até mesmo, sobre a biografia do então presidente, uma vez que Lula está buscando reverter
essa situação e reconstruir seu governo e seu cargo. Adicionalmente, a imagem do presidente
representada como uma estátua cheia de rachaduras sinaliza que a revista vê em Lula as
marcas de desgaste que o escândalo provocou sobre o presidente e seu governo. Por
conseguinte, a revista constrói por meio dessas predicações e da imagem principal a Rd de
Lula como um presidente que mostra o intento de livrar seu governo e sua biografia de danos
externos provocados pelo escândalo do Mensalão.
Através das predicações com os processos “sabia” (exemplos 129 e 130), “dizem”
(exemplo 130) e “foi alertado” (exemplo 131), a revista veja constrói a Rd de Lula como
sabedor do que estava acontecendo. Isto porque, em 129, o predicador “sabia”, que orienta a
pergunta da chamada principal, tem por intenção diagnosticar a participação de Lula no
escândalo e, ao mesmo tempo, fazer com que o leitor reflita sobre essa possível ciência de
Lula quanto ao Mensalão. A resposta obtida e apresentada no subtítulo é predicada pelo
processo “dizem”, com o qual se revela o PdV dos pesquisados e que, por conseguinte, é
autorizado pela revista com a publicação dos dados. Em vista disso, o processo “sabia”,
presente nos dois exemplos, predicam uma verdade que é imputada ao referente e que se
confirma pela chamada principal de Ve1914, pois, ele não só sabia como “foi alertado” em
um dado momento e de certo modo não especificados na capa, mas que são
circunstancialmente sinalizados pelos advérbios “quando” (tempo) e “como” (modo),
respectivamente. Assim, mediante o sentido advindo dessas predicações, entendemos que
Veja constrói de Lula a Rd de conhecedor das atitudes ilícitas praticadas no Mensalão.
No exemplo 132, por intermédio dos processos “devorou” e “paralisou”, a revista
apresenta a situação do partido de Lula e de seu governo devido ao escândalo do Mensalão e,
no segmento da proposição-enunciado, através do processo de estado “está”, a revista
descreve a situação de Lula por meio do predicar “lembra”, comparando a situação do então
presidente à agonia vivenciada por o Collor, que resultou em impeachment. Isto posto,
podemos dizer que a revista constrói uma Rd de Lula como aflito, agoniado e com
possibilidades de impedimento de seu pleito governamental.
Adicionalmente, percebemos que a revista não acredita na inocência de Lula quanto a
seu envolvimento no escândalo, posto que, no exemplo 133, com o uso dos processos
“convence” (modificado pelo advérbio de negação “não”), “perde” e “explicar”, a revista
predica sobre o referente a ideia de que ele não conseguiu utilizar a televisão a seu favor para
elucidar o escândalo, o que, por conseguinte, deixou de convencer os brasileiros, tendo sido,
154
portanto, um prejuízo a sua imagem. Nesse segmento, com a predicação instaurada nessa
proposição-enunciado, a revista representa Lula como incapaz de se defender das acusações
feitas a ele sobre o seu envolvimento no escândalo do Mensalão.
Por último, em se tratando ainda das Rds de Lula associadas à corrupção, a revista
Veja se utiliza da voz do procurador-geral para reforçar a Rd de Lula como envolvido no
Mensalão (exemplo 134). Para isso, a revista, com a voz do procurador-geral, faz uso do
processo “deixa”, modificado pelo advérbio de negação “não”, com o propósito de afirmar
sobre a inconteste participação de Lula, mesmo que velada. Dessa forma, através de uma
sequência descritiva, gerenciada pelo processo “é”, Lula é descrito pela revista com sujeito
oculto, ou seja, como um indivíduo que não aparece, mas que pode ser recuperado no
contexto. Essa Rd de Lula é reforçada pelas palavras diretas do procurador que a revista
utiliza entre aspas para não se responsabilizar pelo dizer, mas que, pelo enunciado revela o
compartilhamento do PdV entre ambos. Assim, na voz do procurador, os processos “tinha” e
“garantir” revelam o interesse de Lula (sujeito oculto) e dos demais envolvidos no escândalo
do Mensalão, por ele chamada de “organização criminosa”. O pretenso objetivo, portanto,
seria a manutenção do PT no governo do país, com a consequente reeleição de Lula. Nesse
caso, Veja se ampara na voz do procurador para construir a Rd de Lula como parte de uma
organização criminosa que gerou o evento do Mensalão, mesmo que a sua participação não
tenha sido trazida à tona, nem provas tenham sido apresentadas.
Com relação ao eixo semântico que trata Lula na condição de homem, passível de
acometimentos contra a sua saúde, a revista apresenta a seguinte proposição enunciado:
Exemplo 135
Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão que, como ensinam os
médicos, poderia ser evitada (SUBVe2150)
Neste exemplo, a revista faz uso de cinco processos que incidem sobre as ações de
Lula e que o fizeram ter uma crise hipertensiva. Por intermédio da sequência inicial dos
processos na proposição-enunciado (exagera, ignora e tem), a revista constrói a Rd de Lula
como o próprio culpado pela crise. Os demais processos “ensinam” e “poderia ser evitada”
atuam como alerta que o participante não seguiu e que, por isso, gerou o problema. Nesse
sentido, a Rd criada pela revista é de um Lula que não se preocupa com a saúde, devidos aos
excessos cometidos e que repercutem como doença, atingindo não a função de presidente,
mas, sim, ao homem Lula, conforme verificamos na imagem principal da capa Ve2150.
155
Figura 27 – Contribuição da imagem principal para a Rd de Lula como danificado por fatores externos
Fonte: Revista Veja, edição 2150.
Com base na imagem principal, em que objeto de discurso aparece com uma expressão
abatida e realizando um gesto de quando se tosse, ao levar a mão fechada à boca, a revista
representa o estado de saúde de Lula, o que é endossado pela chamada principal “Sob
pressão”, que remete ao fato de a pressão dele estar alta, condicionando uma crise
hipertensiva. Mas, como afirma Veja, ocasionada pelos exageros e stress vivenciado por Lula.
Como vemos, muitas são as Rds de Lula construídas por meio das predicações
instauradas pelos cinquenta e cinco processos presentes nas capas da revista Veja. Todas elas
atreladas a eixos semânticos que orientam a argumentação da revista para expor seu PdV
sobre o tema tratado, tais como: as representações associadas ao eixo semântico de candidato
são de que Lula assusta o mercado, que tem desafios a vencer, etc.; quando associado ao eixo
semântico de presidente reverberam críticas ao governo; quando associado ao eixo da
corrupção, ora o colocam como afetado pelas ações, ora como conhecedor ou como
participante da corrupção; e, até mesmo ao tratá-lo como homem, a revista culpa Lula por seu
estado de saúde.
156
5.4.3 Relação
Nos textos das capas da revista Veja, além de relações de contiguidade, ou conexão,
realizadas pelas conjunções coordenativas e subordinativas, identificamos a subcategoria da
analogia que se instaura por comparações e metáforas. Desse modo, o uso da analogia se
apresenta como um diferencial entre os recursos de relação empregados pelas revistas na
produção do gênero de discurso capa de revista. Entretanto, algo que se assemelha entre as
relações presentes nas capas de revista é o fato de a imagem também estabelecer a conexão
entre os exemplares do corpus de Veja, em análise, bem como no corpus analisado de Época.
Para descrevermos e interpretarmos a relação nas capas de Veja, começamos pelos
recursos verbais de contiguidade presente nos textos dessa revista.
Assim como nas capas de Época, apenas quatro conectivos foram identificados, sendo
que um deles apresenta duas funções diferentes de relação nas proposições-enunciados em
que aparecem. Todavia, em comparação ao número total de ocorrências, podemos dizer que
Veja constrói proposições-enunciados mais textualizadas, ou seja, elas são mais desenvolvidas
verbalmente do que as de Época, embora também possam ser consideradas curtas, objetivas e
concisas pelo caráter informativo e diretivo que apresentam. Nesse sentido, vejamos o quadro
com os conectivos utilizados nos textos das capas da revista Veja, sua ocorrência e função
textual-discursiva.
Quadro 41 – Conectivos usados nos textos da revista Veja
Conectivos Número de ocorrências Função textual-discursiva
E 11 Aditivo
Que 04 Integrante
Mas 02 Adversativo
Como 02 Comparativo
Como 01 Conformativo Fonte: Autor.
Como vemos, o conector “e” é o recurso de conexão mais frequente nas capas de Veja.
Vejamos os sentidos e relações que ele estabelece para auxiliar na construção das Rds de
Lula.
157
Quadro 42 – Conectivos aditivos usados nos textos da revista Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 136 Seu desafio: retomar o crescimento e corrigir as injustiças
sociais sem colocar em risco as conquistas da era FHC
SUBVe1775
Exemplo 137 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto
SUBVe1847
Exemplo 138 Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo
e sua biografia
SUBVe1910
Exemplo 139 Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e
paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já
lembra a agonia da era Collor
SUBVe1917
Exemplo 140 A defesa do presidente na televisão não convence e ele perde
a chance de explicar o escândalo
SUBVe1918
Exemplo 141 Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e
acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo
Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na
Bolívia
SUBVe1955
Exemplo 142 Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e
fazer o Brasil funcionar
SUBVe1980
Exemplo 143 ... e agora ele tem mais quatro anos para deixar um legado de
grandeza
SUBVe1981
Exemplo 144 Lula, o mito, a fita e os fatos CPVe2140
Exemplo 145 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe2140
Exemplo 146 Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão
que, como ensinam os médicos, poderia ser evitada
SUBVe2150
Fonte: Autor.
Das onze ocorrências do conector “e” nas capas da revista Veja, apenas uma realiza a
função de conectar constituintes no mesmo sintagma. Isso ocorre no exemplo 144, em que o
recurso linguístico é utilizado pela revista para adicionar a informação “os fatos” na chamada
principal. Com esse uso, Veja intenciona mostrar o seu PdV sobre o filme que contará a
história sobre a vida do presidente Lula. Dessa forma, a adição que o conectivo opera,
possibilita a compreensão de que a revista constrói de Lula a Rd de alguém que pode não ser
retratado fielmente pelo que será apresentado no filme e que tem interesses velados com essa
produção cinematográfica, o que pode ser atestado pelo uso do conectivo “e” no exemplo 145,
em que a revista menciona ser a produção uma estratégia de marketing para a propaganda
política de 2010.
Os demais exemplos operam relacionando as sentenças nas proposições-enunciados,
adicionado informações as sentenças principais e dando continuidade aos textos que se nos
apresentam nos subtítulos das capas da revista. Em 136, por exemplo, a revista utiliza o
158
conectivo “e” para relacionar ações que deverão ser tomadas por Lula para cumprir com o
desafio que a ele se apresenta devido a sua eleição para presidente do Brasil no ano de 2002, o
que corrobora para a construção de sua Rd como candidato eleito que tem desafios a vencer.
Nesse mesmo sentido temos o exemplo 142, no qual Lula é apresentado como o candidato
reeleito e que tem desafios a vencer, inclusive fazer o país funcionar, posto que a revista
representa o tema tratado como aquele que, em seu primeiro mandato, não fez o Brasil
executar o que poderia sob o seu comando.
Os exemplos 137, 138, 139 e 140 apresentam o conectivo “e” como forma de
adicionar ao referente consequências advindas dos escândalos ocorridos durante o seu
primeiro mandato. Desse modo, a revista não só estabelece uma relação de contiguidade pela
junção que o conectivo realiza, como também, contribui para a construção da Rd de Lula
como alguém que foi afetado direta ou indiretamente pelo escândalo do Mensalão, ficando ele
sujeito até mesmo a ter o seu governo impedido (exemplo 139), uma vez que ele não
convencia de sua inocência (exemplo 140).
No contexto das Rds de Lula como grande líder da nação e palhaço, enganado por
Chávez, a revista faz uso do conector “e” (exemplo 141) para encadear essa oposição de Rds
realizadas pela revista sobre o referente.
No exemplo 143, o uso do conectivo da continuidade ao outro subtítulo presente em
Ve1981 que tem como texto “O primeiro mandato de Lula foi pífio”. Nesse sentido, o “e” em
143, adiciona a informação de que Lula terá mais quatro anos de mandato para tentar realizar
grandes atos, pois, conforme podemos interpretar, a revista constrói de Lula a Rd de um
presidente que não realizou grandes feitos em seu primeiro mandato, o que se evidencia pela
adição gerada pelo conectivo.
Por último, com o conectivo “e”, no exemplo 146, a revista acrescentas as ações de
exagerar e ignorar o resultado sofrido por Lula, gerando, então, a Rd do referente como um
homem que se importa mais com a vida pública do que com a sua saúde.
Diante disso, podemos afirmar que o conectivo “e” expressa sentidos adicionais que
relacionam tanto as partes do texto quanto os enunciados que estão inscritos sob o mesmo
contexto, como por exemplo, os casos em que as Rds são construídas ao considerar a figura
de Lula como envolvido no escândalo do Mensalão ou como por este afetado. Além disso, o
valor semântico do conectivo “e” se presentifica nas proposições-enunciados como forma de
adicionar informação sobre os fatos destacados nas capas de revista, corroborando ao caráter
informativo dos veículos de divulgação semanal (Época e Veja), ora analisados.
159
Outro conectivo identificado nas capas de Veja foi o integrante “que”. Vejamos os
exemplos em que ele ocorre:
Quadro 43 – Conectivos integrantes usados nos textos da revista Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 147 Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e
paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já
lembra a agonia da era Collor
SUBVe1781
Exemplo 148 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe1917
Exemplo 149 Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão
que, como ensinam os médicos, poderia ser evitada
SUBVe2140
Fonte: Autor.
A conjunção integrante “que” nos exemplos acima relaciona sentenças que
intercambiam sentidos referentes à sentença principal e auxiliam na reconstrução das Rds de
Lula. No exemplo 147, o referido conectivo ocorre duas vezes, atribuindo ao referente a ideia
de que Lula foi afetado pelos escândalos de corrupção ocorridos durante o seu primeiro
mandato, bem como sugere um possível impeachment do presidente em exercício. Desse
modo, o conectivo revela uma continuidade textual, descrevendo a situação do referente
frente ao contexto por ele enfrentado.
No exemplo 148, a revista ao usar o conectivo integrante desenvolve a ideia de que o
referente é apresentado no filme que trata de sua vida como um homem e político sem
maculas em sua biografia, um deus, asseverando que a produção cinematográfica foi
orquestrada (paga) por empresas privadas que tem o interesse de manter o PT a frente do
governo do Brasil, uma vez que o filme “servirá de propaganda em 2010” – ano de campanha
política para o cargo de presidente, mesmo não podendo Lula ser o candidato que concorrerá
na eleição.
No exemplo 149, o integrante “que” é utilizado pela revista para desenvolver a ideia
de que a crise de hipertensão sofrida por Lula poderia ter sido evitada se ele não tivesse
exagerado e ignorado o stress que a sua função política condiciona.
É válido ressaltar que em outras proposições-enunciados também é percebida a
presença do conectivo integrante que, mas, não as consideramos nessa análise pelo fato de
elas não estarem relacionando sentenças que tratavam do objeto de discurso Lula, mas, sim,
de outros participantes e acontecimentos inerentes aos governos gerenciados por Luiz Inácio
Lula da Silva.
160
Quadro 44 – Conectivos adversativos usados nos textos da revista Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 150 O presidente comparou o filho empresário ao craque de
futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só
apareceram depois que o pai chegou ao Planalto
SUBVe1979
Exemplo 151 Ele sairá da presidência, mas a presidência sairá dele? SUBVe2189 Fonte: Autor.
Com o uso do “mas” a revista estabelece oposição entre as ideias expressas nas
proposições-enunciados, corroborando para a construção da Rds de Lula como favorecedor
dos seus familiares (exemplo 150), ao contrariar a comparação que Lula fez de seu filho ao
craque de futebol Ronaldinho, atribuindo o surgimento dos dons fenomenais de Lulinha como
empresário apenas após Lula (o pai) ter chegado ao Planalto.
No exemplo 151, o conector adversativo contraria a ideia de que Lula sairá da
presidência, o que pode se verificar pelo questionamento orquestrado com o uso “mas”. Nesse
sentido, a revista projeta de Lula a Rd de que ele não deixará a presidência, mesmo que não
seja ele o presidente da próxima gestão.
Outro conectivo que se realiza no plano da conexão entre enunciados é o “como” com
função textual-discursiva de conformativo. Vejamos no exemplo a seguir:
Exemplo 152
Lula exagera, ignora o stress e tem uma crise de hipertensão que, como ensinam os médicos,
poderia ser evitada (SUBVe2150)
Nesse caso, o conectivo relaciona fatos pela ideia de conformidade presente na
proposição-enunciado. Assim sendo, ao utilizar o “como”, a revista traz um fato de
conhecimento geral (o de que a hipertensão pode ser evitada com uma vida mais tranquila e
sem stress) e a ele associa o fato de que os médicos ensinam que o exagero e o stress geram
problemas de saúde. Sendo assim, a revista, pela intercalação da sentença gerenciada pelo
conectivo “como” (“como ensinam os médicos”), constrói a Rd de Lula como displicente com
os seus modos de vida e, por consequência, com a sua saúde.
Já no exemplo a seguir, o uso do “como” estabelece comparações de Lula no que
poderíamos chamar de “momentos de transformação”, evidenciados pela relação dos
processos “dormiu” e “acordou” seguidos, respectivamente, pelo conectivo de comparação.
Nesse caso, além da contiguidade que é inerente aos conectivos, o “como” desempenha na
proposição-enunciado a operação de analogia. Vejamos o exemplo:
161
Exemplo 153
Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e acordou como mais um bobo da
corte do venezuelano Hugo Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na Bolívia
(SUBVe1955)
Na proposição-enunciado do exemplo 153 há duas comparações instauradas pelo uso
do conectivo “como”. A primeira comparação é feita de Lula na condição de “grande guia”,
ou seja, por intermédio dessa analogia, a revista Veja constrói a Rd do referente como
pretenso líder da América Latina, mas, ao encadear a sentença principal à sentença secundária
pelo uso do conector aditivo “e”, a segunda comparação é projetada pela revista dando a ideia
de que a pretensão de Lula não se concretizou, ou pior, ao invés disso ele “acordou como mais
um bobo da corte do Venezuelano Hugo Chávez”. Nesse sentido, a segunda comparação feita
pela revista remete a Rd do tema tratado como palhaço, enganado pelo presidente
venezuelano que tramou a expropriação da Petrobras na Bolívia.
Tanto uma comparação quanto à outra atribuem a Lula Rds que o caracterizam em um
panorama de transformação, isto é, da noite para o dia, o presidente do Brasil passa de líder da
América Latina a traído por alguém em que Lula demonstrava confiar.
Além das comparações discutidas, Veja também se utiliza de metáforas para relacionar
informações e, consequentemente, construir Rds de Lula. Em relação à metáfora, apenas dois
exemplos são constituídos com este tipo de analogia nas capas da revista. Vejamos:
Exemplo 154
Lula-de-mel (CPVe1784)
Exemplo 155
Lulla (CPVe1917)
A relação de analogia, conforme Adam (2011a, p. 223), “descreve o todo ou as partes,
colocando-as em relação com outros objetos-indivíduos”. Nesse sentido, os exemplos 154 e
155 relacionam por analogia o referente Lula à ideia de comemoração e ao ex-presidente
Collor, respectivamente. Adicionalmente, podemos dizer que as duas metáforas são
construídas por neologismos em que a letra “l” é acrescentada as palavras Lua e Lula nas
chamadas principais.
A metáfora existente no exemplo 154 é estabelecida pela relação entre “lua de mel” e
a posse de Lula em seu primeiro mandato. O sentido proveniente dessa metáfora faz-se pela
162
analogia entre o período de celebração privada que sucede ao casamento, por parte de um
casal, com a celebração do casal (presidente e primeira dama) ao tomar posse no 36º mandato
presidencial. Nesse sentido, com a analogia, a revista constrói a Rd de Lula como aquele que
comemora a sua posse, após a sua vitória na eleição de 2002.
Para mais entendimento dessa metáfora, vejamos a capa de Veja em que aparece essa
relação analógica.
Figura 28 – Contribuição visual para a construção da metáfora Lula-de-mel
Fonte: Revista Veja, edição 1784.
Ao observarmos a figura 28, podemos compreender melhor a metáfora estabelecida
pelo composto “Lula-de-mel”. O sentido de comemoração se dá pela imagem do desfile
presidencial que celebra a posse do presidente eleito, significado que é ressaltado pelos papeis
picados que remetem ao arroz jogado nos noivos após a cerimônia de casamento, que no caso
do presidente Lula diz respeito cerimônia de posse. Desse modo, a metáfora concretiza-se
pela comparação que faz da posse de Lula como se ele estivesse, a partir da posse, casado
com o Brasil. Além disso, pelo destaque amarelo da cor da letra “l”, conseguimos arrolar
analogicamente o referente Lula na relação com a ideia de festividade e comemoração da “lua
de mel”.
Desse modo, os sentidos da metáfora se complementam com os sentidos visuais
advindos dos recursos presentes na capa, confirmando a perspectiva multimodal de que os
163
elementos verbovisuais se completam para veicular os efeitos de sentido pretendidos pelo
locutor, no caso, a revista.
Essa relação multimodal também se presentifica na capa de Veja em que consta o
exemplo 155. Vejamos:
Figura 29 – Verbovisualidade na construção da metáfora de Lula em analogia com ex-presidente Collor
Fonte: Revista Veja, edição 1917.
A relação metafórica que o neologismo evoca entre o referente Lula e o ex-presidente
Fernando Collor é instaurada pela remissão que a chama principal faz ao logotipo utilizado
por Collor em sua campanha presidencial no ano de 1989, conforme podemos verificar na
figura a seguir.
Figura 30 – Logotipo de Collor na campanha a presidente da República em 1989
Fonte: Collor e seu novo colorido. Disponível em: <http://poderonline.ig.com.br/index.php/2010/07/25/collor-
e-seu-novo-collorido/>. Acesso em 18 de junho de 2015.
164
A metáfora existente no exemplo 155 diz respeito à ideia de impeachment sofrido por
Collor no seu mandato presidencial e que, pela situação de Lula no contexto do escândalo do
Mensalão, coloca o tema tratado (Lula) sobre o mesmo prisma. Desse modo, a relação entre
os presidentes está associada à possibilidade de impedimento da função de presidente, ou seja,
Lula corre o risco de perder o seu lugar na cadeira de presidente da República, assim como
Collor perdeu.
Embora as cores estejam em posições trocadas, a revista se vale dos dois eles nas cores
verde e amarelo para expressar a similitude da condição em que se encontra o presidente Lula
(situação de impeachment que foi vivida por Collor). Além disso, na figura 29, a revista
apresenta uma fotografia de Lula com a expressão de desolamento e de preocupação (agonia),
típica de quem está sendo acometido por um acontecimento ruim.
Nesse sentido, podemos dizer que a relação de analogia presente em Ve1917 é
resultado de um arranjo multimodal que concretiza semelhanças entre períodos vivenciados
por Lula e por Collor, mas, que ainda não teve o mesmo resultado, pois como afirma no
subtítulo: “Lula está em uma situação que já lembra a agonia da era Collor” (SUBVe1917).
Logo, o processo “lembrar” remete apenas ao estado e não ao fato de os dois terem sofrido o
impeachment.
Ainda no que concerne à relação presente nos textos das capas da revista Veja, além da
conexão e analogia, a revista se utiliza da imagem e de elementos fóricos para,
respectivamente, conectar o tema tratado no corpus e retomar o referente no discurso presente
nas capas, o que colabora para a reconstrução das Rds de Lula construídas por Veja. À vista
disso, vejamos alguns exemplos em que a imagem estabelece a relação de conexão nas capas
em análise.
165
Figuras 31 e 32 – A conexão por meio da imagem nas capas de Veja
Fonte: Revista Veja, edição 1816. Fonte: Revista Veja, edição 1913.
A conexão realizada pela imagem nas capas de Veja funciona relativamente como a
que acontece nas capas de Época, isto porque, de modo geral, todas as capas se conectam pela
presença do objeto de discurso Lula representado visualmente por sua fotografia, por sua
silhueta demarcada na capa e por caricaturas. Desse modo, podemos dizer que a imagem de
Lula é o elo que conecta os textos das capas da revista Veja que compõem o corpus, conforme
vemos com as figuras 31 e 32. Ademais, por vezes, é a partir da imagem principal que ocorre
a ligação referencial do texto, possibilitando a revista retomar o referente por marcas que não
são nominalizações do objeto de discurso, a exemplo dos pronomes “ele”, “seu”, “sua” e
“dele”, que realizam o papel semântico-discursivo de elementos fóricos.
Nesse quadro, passemos à análise dos elementos fóricos como forma de retomada do
referente no texto/discurso.
Quadro 45 – O elemento fórico “ele” nos textos das capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 156 Ele sabia? CPVe1913
Exemplo 157 A defesa do presidente na televisão não convence e ele perde
a chance de explicar o escândalo
SUBVe1918
Exemplo 158 ... e agora ele tem mais quatro anos para deixar um legado de
grandeza
SUBVe1981
Exemplo 159 Ele sairá da presidência, mas a presidência sairá dele? CPVe2189 Fonte: Autor.
166
Em todas as proposições-enunciados em que o “ele” aparece, percebemos uma
retomada do referente Lula, quer seja este dado pela imagem (exemplos 156 e 159), quer seja
ele retomado a partir de uma nominalização explícita no cotexto precedente (exemplos 157 e
158). Desse modo, ao assumir o papel de elemento fórico, o “ele” funciona como uma anáfora
que garante a continuidade do texto.
Importa observar, por exemplo, a força desse elemento se considerarmos a figura 32
em que temos o exemplo 156. Nesse caso, o “ele” presente na chamada principal retoma a
imagem principal que funciona como âncora do dizer, ou seja, o objeto de discurso sobre o
qual a revista irá construir o texto. Além do mais, a revista apresenta uma fotografia do
presidente que condiz com a ideia de incerteza sobre o fato de ele ter conhecimento ou não
sobre os casos de corrupção ocorridos em seu governo, pois a imagem de Lula aparece com
uma expressão de dúvida, reconhecida pelo gesto com a mão que coça o queixo.
Essa mesma relação de retomada do objeto de discurso também pode ser evidenciada
pelo uso dos possessivos “seu”, “sua” e “dele”. Vejamos:
Quadro 46 – Estabelecimento de conexão por elementos fóricos possessivos nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 160 Seu desafio: retomar o crescimento e corrigir as injustiças
sociais sem colocar em risco as conquistas da era FHC
SUBVe1775
Exemplo 161 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto
SUBVe1847
Exemplo 162 Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo
e sua biografia
SUBVe1910
Exemplo 163 Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e
paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já
lembra a agonia da era Collor
SUBVe1917
Exemplo 164 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe2140
Exemplo 165 Ele sairá da presidência, mas a presidência sairá dele? CPVe2189 Fonte: Autor.
Os pronomes possesivos auxiliam na construção da coesão referencial pessoal, ou seja,
retomam a pessoa do discurso sobre a qual se diz algo, isto é, o referente. Nesse segmento, o
uso do pronome “seu” nos textos das capas de Veja revela pertencimento, ou seja, o desafio
pertencente a Lula que terá de enfrentar diante da presidência da República (exemplo 160),
um presidente afetado por escândalos de corrupção em que ele é detentor de um governo
167
gerido pelo seu partido, o PT (exemplos 161, 162 e 163), e dono de uma biografia que é
purificada na dramaturgia cinematográfica (exemplo 164).
Em vista disso, a atribuição e ideia de propriedade gerenciada pelos possessivos nas
capas de Veja refletem o interesse da revista em construir Rds do tema tratado na relação com
seu papel e história diante da presidência da República do Brasil. Para tanto, esses
dispositivos fóricos retomam o referente por uma espécie de metonímia, dando continuidade
ao discurso pela relação de pertencimento de fatos que a ele são inerentes.
No exemplo 165, a contração estabelecida pela preposição de posse (de) mais o
pronome reto (ou seja, de + ele = dele, pronome possessivo) é utilizada pela revista para
indicar que a presidência está em posse de Lula, o que, por conseguinte, contribui para a Rd
que a revista constrói de Lula como um presidente que não tem a intenção de afastar-se
totalmente da presidência. Essa interpretação pode ser evidenciada pela observação da
imagem caricatural de Lula presente na capa de Ve2189, em que aparece tatuada em seu
corpo a faixa de presidente da República do Brasil, dando a ideia de propriedade do título
presidencial, conforme descrevemos e interpretamos ao analisar a figura 24.
Em suma, podemos dizer que, assim como na revista Época, a relação de contiguidade
nos textos das capas da revista Veja é construída pelo uso de conectivos, pelas imagens e
pelos pronomes pessoais e possessivos com função fórica de retomar o objeto de discurso na
cadeia referencial (especialmente os de 3ª pessoa do singular). Por outro lado, a revista Veja
apresenta relações de analogia (comparações e metáforas) que não foram verificadas nas
proposições-enunciados de Época, o que sinaliza a ideia de que diferentemente daquela, esta
preza por enunciados mais diretivos, objetivos e que não demandem do alocutário a ativação
de outros conhecimentos para compreender os efeitos de sentido pretendidos com o texto.
5.4.4 Localização espacial e temporal
Nas capas da revista Veja, os elementos circunstanciais que expressam lugar e tempo
totalizam dezessete ocorrências. Desse total, doze são utilizadas pela revista para situar o
referente no espaço e cinco o situam no tempo. Esse dado demonstra a semelhança entre os
usos feitos pelas duas revistas, haja vista Época também se utilizar mais dos localizadores
espaciais do que dos temporais na composição de suas proposições-enunciados. Assim sendo,
começamos nossa análise pelos fenômenos linguístico-textuais que expressam a noção de
espaço.
168
Quadro 47 – Localização espacial nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 166 O encontro de Lula com George Bush em Washington marca
o início de uma longa negociação que vai definir que tipo de
nação o Brasil será
SUBVe1781
Exemplo 167 Lula voltou dos EUA chamando Bush de aliado SUBVe1782
Exemplo 168 Com seu governo paralisado, Lula cai nas pesquisas e ainda
tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto
SUBVe1847
Exemplo 169 A defesa do presidente na televisão não convence e ele perde
a chance de explicar o escândalo
SUBVe1918
Exemplo 170 Lula dormiu como o “grande guia” da América Latina e
acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo
Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na
Bolívia
SUBVe1955
Exemplo 171 O presidente comparou o filho empresário ao craque de
futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só
apareceram depois que o pai chegou ao Planalto
SUBVe1979
Exemplo 172 Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e
fazer o Brasil funcionar
SUBVe1980
Exemplo 173 A busca de um terceiro mandato pode degenerar na criação
de um presidente vitalício no Brasil?
SUBVe2056
Exemplo 174 O Brasil depois de 8 anos de lulismo SUBVe2197 Fonte: Autor.
Das doze ocorrências de elementos circunstanciais de lugar, apenas quatro situam o
referente Lula fora do espaço brasileiro, são eles: Washington, EUA, América Latina e
Bolívia. O primeiro, presente no exemplo 166, refere-se ao local onde o presidente eleito se
encontrou com o presidente americano George Bush para dar início às negociações que
definiriam o tipo de nação que seria a brasileira na relação com o governo americano. No
exemplo 167, temos a consequência do encontro dos presidentes que é novamente marcada
com o localizador EUA (Estados Unidos da América), país onde está localizada a cidade de
Washington. Desse modo, em 167, o localizador se apresenta como o lugar de onde Lula
retornou e que, por conseguinte, conseguiu estabelecer alianças com o presidente do EUA,
por isso, chamando-lhe de aliado.
Numa perspectiva contraria, no exemplo 170, podemos evidenciar a localização
espacial de parte do continente americano (América Latina) para o país que nele está situado
(Bolívia). Por meio desses localizadores a revista situa mais um encontro presidencial entre
Lula e Hugo Chávez. Contudo, a revista sinaliza esse encontro como negativo, uma vez que o
presidente boliviano tramou para desapropriar a Petrobras que é um patrimônio brasileiro,
traindo a confiança de Lula.
169
Quanto ao uso do localizador espacial “televisão”, exemplo 169, a revista apresenta
este como espaço que poderia ter sido usado por Lula para esclarecer as dúvidas dos
brasileiros quanto ao seu envolvimento (ou não) no escândalo Mensalão, mas que não foi
aproveitado pelo presidente.
Nos casos em que os localizadores espaciais remetem ao lugar onde Lula ocupa o
cargo de presidente, a revista utiliza essas marcas para auxiliar na construção das Rds de Lula
como gerenciador de uma nação. O uso de planalto (exemplos 168 e 171) remete ao lugar em
que a função de presidente é exercida. Tanto em um exemplo quanto no outro, a revista se
utiliza do localizador para criticar atitudes de Lula no seu exercício de presidente, uma vez
que, em 168, Lula é acometido pela ação de José Dirceu que era “o ex-homem forte do
Planalto”, isto é, do governo Lula, e para criticar a comparação que Lula faz entre seu filho e
Ronaldinho, posto que, segundo a revista, “os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só
apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”.
Ao utilizar o localizador “país” (exemplo 172), a revista corrobora à construção da Rd
como candidato que dividiu a nação brasileira e, portanto, terá como desafio uni-la. Já com o
uso de “Brasil”, no exemplo 172, percebemos a extensão do desafio que Lula terá de enfrentar
em seu segundo mandato, pois, na proposição-enunciado o termo “Brasil” revela um lugar
que não teve êxito ao ser governado por Lula, ressaltando a Rd do tema tratado como um
presidente sem muitos êxitos em seu primeiro mandato. Nos exemplos 173 e 174, “Brasil” é
utilizado para auxiliar na construção das Rds de Lula como presidente que ocupou a
presidência por “8 anos” (exemplo 174) e que pode vir a ser palco do surgimento de um
presidente vitalício (exemplo 173).
No que concerne ao localizadores temporais, a revista Veja se utiliza de advérbios e de
locuções adverbiais de tempo, bem como de datas para gerar um efeito de acontecimento
situado cronologicamente. Vejamos os exemplos no quadro a seguir.
Quadro 48 – Localização temporal nas capas de Veja
Exemplos Enunciados Código
Exemplo 175 ... e agora ele tem mais quatro anos para deixar um legado
de grandeza
SUBVe1981
Exemplo 176 “2026, é Lula outra vez...!” CPVe2056
Exemplo 177 Pago por empresas privadas com interesse no governo, o
filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura
a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda
em 2010
SUBVe2140
Exemplo 178 Retrospectiva 2010 CPVe2197
Exemplo 179 O Brasil depois de 8 anos de lulismo SUBVe2197 Fonte: Autor.
170
No exemplo 175, a revista situa o referente em seu segundo mandato que será de 2006
a 2010. Com isso, a revista contribui para a construção da representação de Lula como
detentor de mais uma chance para realizar feitos que ficarão na história, haja vista ela
considerar o primeiro mandato do presidente como “pífio”, isto é, sem muita importância. No
localizador “mais quatro anos”, pode-se perceber que o advérbio “mais” intensifica a ideia de
“deixar um legado de grandeza” com o decorrer dos quatro anos, uma vez que os quatro anos
antecessores não foram suficientes para tal feito.
No exemplo 176, a referência ao ano de 2026 possibilita a reconstrução da Rd de Lula
como político que tem interesse de voltar à presidência da República, o que se constata pela
sequência da proposição-enunciado “... é Lula outra vez”.
O ano “2010” usado pela revista como localizador temporal em duas proposições-
enunciados sinaliza o término do segundo mandato do presidente Lula, sendo que, no
exemplo 177, essa data aparece como período em que ocorrerá o processo eleitoral para a
nova presidência, para a qual Lula não poderá se candidatar, mas que o filme que conta a sua
história, associado a seus feitos nos dois mandatos presidenciais, pode servir à campanha do
candidato por ele apoiado.
Por fim, os exemplos 178 e 179 estão contidos no mesmo texto da capa Ve2197 e
representam o momento de transição presidencial e a saída de Lula após oito anos de mandato
a frente da presidência da República do Brasil. Vejamos:
Figura 33 – A localização temporal por meio de recursos verbovisuais
Fonte: Revista Veja, edição 2197.
171
Como é de costume, em sua última edição do ano a revista Veja rememora os
acontecimentos ocorridos, no caso, 2010, que está para se encerrar. Assim, do lado esquerdo
da capa podemos notar a presença da chamada principal “Retrospectiva 2010”, bem como a
imagem de Lula segurando o ponteiro dos minutos de um relógio como se ele não desejasse
que o ano acabasse. Esse entendimento advém do uso do marcador temporal “8 anos”,
presente no exemplo 179, isso porque, com a retrospectiva, a revista pretende mostrar as
realizações de Lula durante o período em que ele ocupou o cargo de presidente – período
denominado pela revista de “lulismo”.
Portanto, o arranjo visual construído por Veja auxilia na construção da Rd de Lula
como o presidente que não deseja ver o ano de 2010 terminar e, juntamente com ele, o seu
mandato presidencial.
Em suma, os localizadores espaciotemporais presentes nas capas de Veja possibilitam
reconstruir o lugares e o tempo que situam o referente no discurso, tal qual os localizadores
espaciais e temporais presentes nas capas da revista Época.
5.5 SÍNTESE DA ANÁLISE DAS RDS DE LULA NAS CAPAS DE REVISTA
Com a realização da análise das Rds de Lula como tema tratado pelas revistas Época
e Veja, através das categorias referenciação, predicação, relação e localização
espaciotemporal, percebemos que as revistas se utilizam do arranjo verbovisual para expressar
seus PdVs sobre o objeto de discurso.
Tanto em uma revista quanto na outra, as referenciações do objeto de discurso se dão
pela imagem principal que ancora os dizeres no texto e por nominalizações que categorizam o
referente no discurso e/ou o recategorizam, dando segmento à cadeia referencial. Além disso,
em alguns casos, os referentes são modificados por adjetivos que auxiliam a construir Rds do
tema como Lula na condição de membro de partido político, candidato, candidato eleito,
presidente, homem, pai, irmão, amigo, etc.
As proposições-enunciados em que essas referenciações se apresentam permitem a
construção de sentenças nominais ou verbais. Nesse sentido, as predicações são constituídas
por processos que a eles se agrupam participantes para compor as proposições-enunciados. Na
revista Época, a ocorrência de processos é bem menor que nas capas da revista Veja, o que
demonstra características diferentes entre as estruturas sequenciais-composicionais das
revistas. Assim sendo, percebemos que é mais recorrente na revista Época a construção de
172
proposições-enunciados de caráter nominal, enquanto que na revista Veja, por via dos
cinquenta e cinco processos evidenciados, as proposições-enunciados mais frequentes são de
caráter verbal.
Ambas as revistas prospectam o referente Lula em papeis temáticos diferentes, indo
desde agente das ações, alvo/paciente, beneficiário, experienciador, etc. Nesse sentido, as
informações dadas nos enunciados projetam Rds de Lula que são relacionadas às
referenciações e predicações demarcadas pelos processos. Vejamos algumas delas no quadro
a seguir:
Quadro 49 – Representações discursivas de Lula nas capas das revistas
Rds de Lula nas capas da revista Época Rds de Lula nas capas da revista Veja
Candidato; candidato eleito; presidente;
presidente eleito; presidente reeleito;
governante e membro de partido político;
amigo; irmão; primo; sobrinho; parente; entre
outras.
Candidato; candidato eleito; presidente;
presidente eleito; político; petista; aliado de
governos internacionais; envolvido em
escândalo de corrupção; pai; homem; entre
outras. Fonte: Autor.
Ressaltamos, porém, que algumas dessas Rds são textualizadas e desenvolvidas nas
capas de revista e outras são obtidas inferencialmente pela interpretação dos fenômenos de
referenciação e de predicação na relação com os modificadores que os acompanham, como
por exemplo, as Rds de Lula como irmão, primo, sobrinho, parente, amigo, envolvido em
escândalo de corrupção e homem.
Diante desse quadro, podemos afirmar que são as referenciações e as predicações os
elementos mais importantes no ato da (re)construção das representações do objeto de discurso
tematizado pelas revistas, haja vista que, além de serem os elementos principais de
constituição das proposições-enunciados, elas podem ser modificadas, respectivamente, por
adjetivos e locuções adjetivas ou advérbios e locuções adverbiais.
Quanto as categoriais de relação e de localização espacial e temporal, estas são
utilizadas, respectivamente, para estabelecer relações (de conexão e de analogia) no interior
das proposições-enunciados e para situar as ações e estados do referente no tempo e no
espaço, o que geralmente sinaliza acontecimentos recentes à edição da revista que será
publicada na tiragem da semana pelas revistas.
Fato que deve ser ressaltado é que apenas nas capas de Veja foram observadas relações
analógicas (comparações e metáforas). Por outro lado, os conectivos foram utilizados na
construção das proposições-enunciados das duas revistas, mesmo sendo menos utilizado em
173
Época. Ademais, a conexão nas revistas também se deu pelas imagens principais que ligam o
corpus como um todo e pelo uso de pronomes (pessoais retos e possessivos) com função
fórica que retomam o objeto de discurso, dando continuidade a cadeia referencial ao longo do
texto.
Já no que concerne aos elementos circunstanciais de espaço e de tempo, as duas
revistas recorreram a marcas comuns para situar o referente no espaço (advérbios de lugar
como Brasil e país, por exemplo) e situá-lo no tempo (advérbios de tempo textualizados como
datas e construções que definem momentos ou perspectivizam o dizer sobre o referente).
Em suma, as marcas textuais-discursivas funcionam como pistas para a identificação
dos elementos pertencentes a cada categoria, que, por conseguinte, possibilitam a descrição e
interpretação das Rds de Lula construídas co(n)textualmente pelos recursos verbovisuais que
compõem o gênero de discurso capa de revista, materializando discursivamente os PdVs das
revistas sobre o tema tratado.
174
CAPÍTULO 6
6 CONCLUSÃO
Na linha dos estudos que consideram o texto na relação com o discurso, devemos estar
atentos aos fenômenos da linguagem que possibilitam a construção de efeitos de sentidos e
que permitem ao leitor compreender as ações de linguagem visadas pelo locutor. Para tanto,
entender o gênero de discurso como o resultado de uma interação social é a base para se poder
reconstruir esses efeitos e, por conseguinte, concretizar a relação texto e discurso.
Nesse sentido, conforme nos propomos com esta tese, analisamos o texto do gênero de
discurso capa de revista, com vistas a descrever e interpretar as Rds que as revistas Época e
Veja constroem do objeto de discurso Lula (figura política que esteve à frente de dois
mandatos consecutivos na presidência da República do Brasil). A descrição e interpretação
dos resultados nos fizeram perceber que, além do material linguisticamente utilizado na
construção do texto desse gênero, a imagem se faz imprescindível para que pudéssemos
compreender as Rds, bem como o propósito dessa ação de linguagem no contexto midiático-
jornalístico.
Segundo afirmamos, a ação de linguagem visada pelo gênero de discurso capa de
revista é de chamar a atenção de leitor e, consequentemente, fazê-lo comprar a revista, pois,
além de veicular informações atuais sobre os acontecimentos do mundo, a capa de revista
funciona como uma espécie de vitrine que é organizada para seduzir o leitor e o levar a
consumir o produto. Desse modo, a articulação verbovisual da capa de revista proporciona
esse encantamento, despertando o interesse em querer saber mais sobre os assuntos que ali são
tratados. Além disso, como toda ação de linguagem expressa em maior ou menor grau o PdV
do locutor (em nossa tese, da revista), podemos compreender por meio desse gênero como as
revistas Época e Veja veem e tratam os temas destacados em suas capas, especificamente, o
tema Lula – foco de nossa investigação.
Após a realização da análise, percebemos que os fenômenos linguísticos utilizados na
produção do texto das capas de revistas revelaram diferentes Rds de Lula. Esses fenômenos,
ao serem interpretados com base em categorias textuais, demonstraram que as revistas fazem
escolhas do repertório linguístico para construir as proposições-enunciados que são expressas
nas chamadas principais e subtítulos. Além disso, a escolha e uso das imagens podem ser
considerados como intencionais pela revista para criar efeitos de sentido que atendam as
175
finalidades estabelecidas com o propósito interacional do veículo de informação semanal. Em
vista disso, no quadro a seguir, apresentamos os recursos utilizados pelas revistas para
compor o texto e, consequentemente, as Rds do tema tratado.
Quadro 50 – Síntese dos recursos utilizados nas categorias semânticas das Rds de Lula
Categorias
semânticas
Recursos utilizados nas Capas de
Época
Recursos utilizados nas Capas de
Época
Referenciação Verbais – nomes próprios e
substantivos ou expressões
substantivas (sintagmas nominais)
Visuais – imagem principal
(referente)
Verbais – nomes próprios e
substantivos ou expressões
substantivas (sintagmas nominais)
Visuais – imagem principal
(referente)
Modifcadores do
referente
Adjetivos e substantivos com
função de adjetivo
Locuções adjetivas
Prefixo
Adjetivos e numeral com função
adjetiva
Locuções adjetivas
Predicação Processos (de ação e de estado) Processos (de ação e de estado)
Modificadores
das predicações
Advérbios (de quantidade) Advérbios (de concessão, de
intensidade, de negação e de
inclusão)
Relação Conexão – conectivos (conjunções
aditivas, adversativas, integrantes e
finais)
Elementos fóricos – pronome
pessoal reto (ele) e pronome
possessivo (sua)
Conexão – conectivos (conjunções
aditivas, adversativas, integrantes e
conformativas)
Analogia – comparação
(conjunções comparativas) e
metáforas (neologismos)
Elementos fóricos – pronome
pessoal reto (ele) e pronomes
possessivos (seu, sua e dele)
Localização
espacial e
temporal
Espaço – substantivos e advérbios
ou expressões adverbiais de lugar
Tempo – expressões adverbiais de
tempo
Espaço – substantivos
Tempo – datas e expressões
adverbiais de tempo
Fonte: Autor.
Por intermédio desses elementos escolhidos pelas revistas para compor o texto e as
proposições-enunciados presentes nas capas de revista é que pudemos realizar a reconstrução
das Rds de Lula. Todavia, os sentidos evocados por esses recursos só foram possíveis de
serem recuperados pela ativação dos pré-construídos, isto é, dos conhecimentos linguísticos,
enciclopédicos e compartilhados entre a revista e o interpretante.
176
Desse modo, devemos ressaltar a importância que o nível do texto tem para a análise
das Rds de Lula, mas, não podemos nos esquecer do nível do discurso, isto porque, por um
lado, no nível textual, as proposições-enunciados que compõem o gênero de discurso capa de
revista são curtas e agem de forma reticular, intercambiando sentidos entre imagem e texto
que contribuem para a interpretação das Rds. Por outro lado, para que os sentidos sejam
validados, devemos recorrer às condições de produção, recepção e circulação do texto para
que as interpretações adquiram consistência e estejam em consonância com a intenção dos
locutores – as revistas. Caso contrário, o empreendimento realizado pela interpretação pode
atribuir sentidos não permitidos pelo texto.
Diante disso, afirmamos que só foi possível a compreensão das Rds de Lula pela
análise textual-discursiva. Posto que, com a descrição e interpretação dos recursos
verbovisuais (imagens, nomes próprios, substantivos, adjetivos, processos, advérbios,
conectivos, metáforas, dentre outros) utilizados pela revista, conseguimos reconstruir
co(n)textualmente os PdVs e descrições acerca do objeto de discurso desenvolvido na cadeia
referencial, chegando as seguintes Rds do tema tratado: Lula como candidato; Lula como
candidato eleito; Lula como presidente; Lula como presidente eleito; Lula como presidente
reeleito; Lula como governante e membro de partido político; Lula como político; Lula como
petista/sigla do PT; Lula como aliado de governos internacionais; Lula como cumplice e
participante em escândalos de corrupção; Lula como amigo, irmão, primo, sobrinho, pai,
parente e homem; entre outras.
Vale ressaltar que essas Rds se desmembram a depender dos interesses das revistas,
uma vez que as referenciações e seus modificadores, as predicações e seus modificadores, a
relação e a localização espaciotemporal adicionam informações no enunciado, ou seja, as Rds
que evidenciamos nessa conclusão funcionam como uma espécie de síntese, incluindo outras
representações que são descritas e interpretadas nos tópicos 5.3 e 5.4 do capítulo 5.
Outro ponto que merece destaque em nossa conclusão é o fato de que a
multimodalidade presente no gênero de discurso capa de revista não pode ser posta como
acessória na reconstrução das Rds, uma vez que, conforme apresentamos em nossa análise, o
jornalismo de revista tem na imagem um forte aliado para alcançar seus objetivos, dentre eles
aguçar a curiosidade e interesse do leitor sobre o assunto que é destacado pela ação de
linguagem promovida pela revista, levando-o a consumir o produto oferecido. Desse modo,
embora Passeggi (2012, p. 232) admita que as representações discursivas “são de natureza
linguística, manifestadas nos/pelos textos”, entendemos que, no estudo de textos complexos,
177
as Rds devem ser consideradas como de natureza multimodal, construídas pelo arranjo
verbovisual que compõe o texto.
Em vista disso, a imagem passa de um simples recurso de ilustração a um elemento
fundamental para a reconstrução de sentidos pretendidos pela revista, quer seja ela pela
função de materializar o objeto de discurso que será tematizado no texto, quer seja pela
função de referente do discurso, quer seja pelos efeitos de sentido que ela provoca na
interseção com as proposições-enunciados verbalizadas no texto. Assim, com base na análise
de nosso corpus, além de desempenhar funções textuais, a imagem desempenha funções
discursivas que auxiliam na interpretação das Rds de Lula que foram construídas pelas
revistas Época e Veja em suas capas.
Nesse caso, ratificamos a definição de capa de revista como um gênero de discurso
complexo pela sua composição verbovisual e pela reticularidade que lhe é inerente. Isto posto,
permiti-nos concordar com os pressupostos da multimodalidade discursiva, para a qual todo
texto é multimodal e que os recursos verbovisuais contidos nos gêneros se complementam
para a construção dos efeitos de sentido (KRESS, 2003; KRESS; van LEEUWEN, 2006;
DIONÍSIO, 2011). Também, concordamos com Adam (2011a) ao afirmar que a interpretação
do texto nem sempre se dá de forma linear, demando do interpretante movimento reticulares
entre as informações presentes no texto, a fim de se chegar a reconstrução dos sentidos
pretendidos com a ação de linguagem.
Ressaltamos, porém, que o trabalho de análise de Rds em textos como o do gênero de
discurso capa de revista pode ser considerado mais delicado do que os casos em que os textos
se apresentam de modo linear, em razão de os enunciados serem curtos e não manterem um
tópico discursivo único nos textos. Não obstante, em nossa análise, considerando os quarenta
e um exemplares que compõem o nosso corpus, reunimos os textos com base no tema tratado,
ou seja, o objeto de discurso Lula foi o elemento que estabeleceu a ligação entre as
proposições-enunciados, tornando possível a compreensão das Rds, mesmo que, por vezes, os
textos de cada capa discutissem assuntos distintos.
Diante dessas considerações, entendemos que muito ainda pode ser feito se
considerarmos o gênero de discurso capa de revista como objeto de pesquisa, principalmente
no que se refere aos estudos da ATD, tanto nível semântico do texto quanto nos demais níveis
que dão conta dos fenômenos textuais concretos (nível da enunciação, nível dos atos do
discurso, etc.). Entretanto, com os resultados obtidos com essa pesquisa de doutoramento,
acreditamos ter contribuído para os estudos das Rds, bem como para os postulados teóricos da
ATD pela inclusão de uma perspectiva multimodal de análise de textos concretos.
178
Além disso, conforme apontam os estudos realizados sobre as Rds, as contribuições de
uma pesquisa como essa ultrapassam o limite de uma teoria, o que nos faz perceber a
contribuição de nossos achados para outras áreas de estudo do texto, tais como a leitura, a
produção de texto, os gêneros do discurso, entre outras. Além do fato de o nosso estudo estar
situado em contexto no qual o linguístico, o textual e o discursivo se integram para a
produção e compreensão de sentidos veiculados pelos textos concretos que circulam em nossa
sociedade.
Por fim, acreditamos ter cumprido com os nossos objetivos e esperamos que nossa
pesquisa possa servir a todos os que se interessam pela área da Linguística, em especial da
Linguística do Texto e do Discurso, da Multimodalidade Discursiva e dos estudos de textos
midiático-jornalísticos em diferentes perspectivas. Ademais, que possamos estimular a
produção de outros trabalhos acadêmico-científicos, compartilhando em concordância ou
refutação os nossos resultados, pois, somente assim é que se pode fazer uma ciência da
linguagem de qualidade.
179
REFERÊNCIAS
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187
ANEXOS
188
ANEXO A: CAPAS DA REVISTA ÉPOCA
189
Época, São Paulo: Globo, n. 205, 22 de abril de 2002.
190
Época, São Paulo: Globo, n. 229, 07 de outubro de 2002.
191
Época, São Paulo: Globo, n. 231, 21 de outubro de 2002.
192
Época, São Paulo: Globo, n. 232, 28 de outubro de 2002.
193
Época, São Paulo: Globo, n. 233, 04 de novembro de 2002.
194
Época, São Paulo: Globo, n. 242, 06 de janeiro de 2003.
195
Época, São Paulo: Globo, n. 284, 27 de outubro de 2003.
196
Época, São Paulo: Globo, n. 330, 13 de setembro de 2004.
197
Época, São Paulo: Globo, n. 369, 13 de junho de 2005.
198
Época, São Paulo: Globo, n. 377, 08 de agosto de 2005.
199
Época, São Paulo: Globo, n. 404, 13 de fevereiro de 2006.
200
Época, São Paulo: Globo, n. 412, 10 de abril de 2006.
201
Época, São Paulo: Globo, n. 433, 04 de setembro de 2006.
202
Época, São Paulo: Globo, n. 436, 25 de setembro de 2006.
203
Época, São Paulo: Globo, n. 442, 06 de novembro de 2006.
204
Época, São Paulo: Globo, n. 500, 17 de dezembro de 2007.
205
Época, São Paulo: Globo, n. 646, 04 de outubro de 2010.
206
ANEXO B: CAPAS DA REVISTA VEJA
207
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1752, Ano 35, n. 20, 22 de maio de 2002.
208
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1760, Ano 35, n. 28, 17 de julho de 2002.
209
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1775, Ano 35, n. 43, 30 de outubro de 2002.
210
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1781, Ano 35, n. 49, 11 de dezembro de 2002.
211
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1782, Ano 35, n. 50, 18 de dezembro de 2002.
212
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1784, Ano 36, n. 1, 08 de janeiro de 2003.
213
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1816, Ano 36, n. 33, 20 de agosto de 2003.
214
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1847, Ano 37, n. 13, 31 de março de 2004.
215
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1847, Ano 37, n. 13, 31 de março de 2004.
216
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1913, Ano 38, n. 28, 13 de julho de 2005.
217
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1914, Ano 38, n. 29, 20 de julho de 2005.
218
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1917, Ano 38, n. 32, 10 de agosto de 2005.
219
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1918, Ano 38, n. 33, 17 de agosto de 2005.
220
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1952, Ano 39, n. 15, 19 de abril de 2006.
221
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1955, Ano 39, n. 18, 10 de maio de 2006.
222
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1975, Ano 39, n. 38, 27 de setembro de 2006.
223
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1979, Ano 39, n. 42, 25 de outubro de 2006.
224
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1980, Ano 39, n. 43, 01 de novembro de 2006.
225
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 1981, Ano 39, n. 44, 08 de novembro de 2006.
226
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 2056, Ano 41, n. 15, 16 de abril de 2008.
227
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 2140, Ano 42, n. 47, 25 de novembro de 2009.
228
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 2150, Ano 43, n. 5, 03 de fevereiro de 2010.
229
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 2189, Ano 43, n. 44, 03 de novembro de 2010.
230
Veja. São Paulo: Editora Abril. Ed. 2197, Ano 43, n. 52, 29 de dezembro de 2010.
231